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Vanessa Padia de Souza

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  • HelipolisAS INTERVENES PBLICAS E AS TRANSFORMAES NA FORMA URBANA DA FAVELA (1970-2011)

    Universidade Presbiteriana MackenzieSo Paulo, 2012

    Vanessa Padi de Souza

  • UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIEFACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

    VANESSA PADI DE SOUZA

    Dissertao de MestradoOrientao: Prof. Dr Anglica Ap. Tanus Benatti Alvim

    SO PAULO, 2012

    HELIPOLIS (SO PAULO) - AS INTERVENES PBLICAS E AS TRANSFORMAES NA FORMA URBANA DA FAVELA

    (1970 2011)

  • TERMO DE APROVAO

    VANESSA PADI DE SOUZA

    HELIPOLIS (SO PAULO)- AS INTERVENES PBLICAS

    E AS TRANSFORMAES NA FORMA URBANA DA FAVELA

    (1970 2011)

    Dissertao de Mestrado submetida Universidade Presbiteriana Mackenzie,

    como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em

    Arquitetura e Urbanismo, rea de concentrao: Projeto de Arquitetura e

    Urbanismo.

    Data da defesa: 13 de dezembro de 2012

    Aprovada por:

    Prof Dr Anglica A. Tanus Benatti Alvim Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Orientadora

    Prof Dr Maria Augusta Justi Pisani Universidade Presbiteriana Mackenzie

    Examinador interno

    Prof. Dr. Cristovo Fernandes Duarte Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Examinador externo

    SO PAULO, 2012

  • Cidades ativas, diversificadas, intensas contm no s as sementes de sua prpria regenerao, como energia suficiente para irradiar solues para problemas e necessidades alm de seus prprios limites.

    Jane Jacobs

  • 4AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus por me dar foras para chegar ao final deste trabalho. E, mesmo com a sensao do dever cumprido, sinto o incio de discusses que esto em um porvir.

    Agradeo a toda minha famlia e, para que no me esquea de ningum, fao um agradeci-mento especial aos meus pais, meus irmos e irm pela pacincia e apoio. E por acreditarem que a privao de seu convvio era para o efetivo progresso de minha vida profissional.

    Agradeo ao Adilson Jr. que com todo amor e carinho esteve ao meu lado nos momentos em que estive no limite fsico e psquico, me dando fora para equilibrar a vida acadmica e o dia a dia dos trabalhos da favela.

    Ao Isaac, Gilberto, Alessandra, Vitor Hugo e Nelton, amigos que tenho como minha famlia, e que me apoiaram com palavras de entusiasmo durante o processo de concretizao deste sonho que aos poucos foi se tornando realidade.

    Aos queridos Marcos Tavares, Adriano DJaques e Rogrio Rosseto, amigos que tambm torceram muito pelo xito deste trabalho.

    Ao Malcon e Luciana, queridos novos amigos que acompanharam o processo de amadureci-mento desta pesquisa, colaborando com consideraes polticas e acadmicas imprescind-veis para a construo das anlises presentes neste trabalho.

    A todos os professores do Mackenzie que durante as disciplinas apontaram aspectos da ar-quitetura e urbanismo, auxiliando na compreenso e na caracterizao do problema a ser discutido e analisado.

    A todos meus colegas e amigos do Mackenzie que estudaram comigo durante as disciplinas no primeiro ano da ps graduao, em especial Marco, Morgana, Cris, Silvinha, Andr e Ro-drigo.

    secretria Fernanda, que se tornou uma amiga querida e me auxiliou em todos os momen-tos de dificuldade diante das formalidades documentais para a concluso de cada do curso.

    querida Josefina, por ter me auxiliado com sua leitura amiga indicando novos caminhos a serem considerados.

    Ao Marcelo Oliveira e Bruno Attili, pela amizade e auxilio na edio do trabalho.

    A toda equipe da HABI e do Projeto Helipolis, em especial: Jairo, Luiz, Sueli, Ale, Z Nilton, Marcelo, Pedro, Ricardo, Enio, Dani, Srgio, Ronald, Marclio, Alessandra, Julia, Diogo, Dumi e Amilton, por todos esses anos de aprendizado e amizade construdos sob a certeza de um trabalho coerente em prol da melhoria do ambiente urbano.

  • 5Anglica Alvim, orientadora e amiga, que com pacincia leu e releu meus textos direcionando os passos da presente pesquisa. Durante esses dois anos ela acompanhou as minhas difi-culdades em conciliar trabalho e academia, mostrando que minha vivncia poderia ser a fer-ramenta essencial para o desenvolvimento das premissas discutidas nas prximas pginas.

    Elisabete Frana, que guiou meus passos como profissional, mostrando que a interveno em assentamentos precrios possuem muitas dificuldades, mas, ao fim de um processo, ao olharmos para o que foi executado, podemos ter a certeza de ter melhorado a vida de muitas famlias. Se sou urbanista h dez anos, devo a essa mulher os crditos dados a uma jovem estudante de arquitetura que tinha propsitos e ideais de mudana a chance de atuar onde sempre desejou... Na cidade... Nas favelas.

    E, por fim, agradeo Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CA-PES a concesso da bolsa de estudos e ao FUNDO MACKPESQUISA pela reserva tcnica, recursos sem os quais no conseguiria concluir o curso.

  • 6Em qualquer momento, o ponto de partida a sociedade humana em pro-cesso, isto , realizando-se. Essa realizao se d sobre uma base material: o espao e seu uso; o tempo e seu uso; materialidade e suas diversas for-mas; as aes e suas diversas feies.

    Milton Santos

  • 7RESUMO

    Esta pesquisa discute a forma urbana das favelas e o impacto das intervenes pblicas. Bus-ca-se compreender os elementos morfolgicos que diferenciam os assentamentos precrios, neste caso as especificidades das favelas em So Paulo. Toma-se como objeto de estudo a comunidade de Helipolis, desde sua origem em 1972, percorrendo as diversas intervenes pblicas, em momentos polticos distintos. Procura-se compreender o processo de transfor-mao e os impactos em sua morfologia. A anlise de trs projetos Condomnio Delamare (1989); Cingapura Helipolis Gleba A (1996); Conjunto Habitacional 115 (2005) propiciaram o entendimento referente s rupturas e contiguidades da forma urbana da favela e quais as perspectivas que possibilitam a integrao e o reconhecimento dos assentamentos, como parte inerente cidade.

  • 8ABSTRACT

    This research discusses the slums urban forms and the impact of the public interventions. It seeks to understand the morphological elements that differentiate the precarious settlements, in this case the slums peculiarity in So Paulo. Taking Heliopolis community as a study case the discussion goes through since its origin in 1972, traversing the various public interventions at different political moments. It has the issue to comprehend the transformation process on its morphology and the impacts that occurs. The analysis of three projects Delamare Condominium (1989); Cingapura Heliopolis Sector A (1996); Social Housing 115 (2005)provides an understanding regarding breaks and contiguities of the slums urban form and what are the prospects that enable the integration and recognition of large settlements, as an inherent part of the city.

  • 9LISTA DE FIGURAS

    LISTA DE FIGURAS:

    CAPAS

    Figura 1 (Capa principal): Vista area da comunidade de Helipolis. Fonte: SEHAB, em 21 de maio de 201, Autor: Fabio Knoll.

    Figura 2 (Capa captulo 1): Vista area Gleba A de Helipolis. Fonte: SEHAB, em 20 de junho de 2011, Autor: Fabio Knoll.

    Figura 3 (Capa captulo 2): Maquete do Plano Urbanstico para a comunidade de Helipolis. Fonte: SEHAB, em 19 de dezembro de 2011, Autor: Fabio Knoll.

    Figura 4 (Capa captulo 3): Vista area dos Mutires. Fonte: Secretaria do Verde e Meio Ambiente, em 26 de junho de 2012, Autor: Carlos Fortner.

    Figura 5 (Capa captulo 4): Mapa sntese do Plano Urbanstico para a comunidade de Helipolis 2010-2024. Fonte: Coordenao do Projeto Helipolis.

    Figura 6 (Capa consideraes finais): Oficina entre equipe Helipolis e universidades holandesas. Fonte: Coordenao do Projeto Helipolis, em 27 de abril de 2011, autora: Vanessa Padi de Souza.

    CAPTULO 1

    Figura 1. 1: Esquemas de combinaes entre os elementos que constituem a forma da cidade. Fonte: Morales, 1997.

    Figura 1.2: Jardim So Francisco. Fonte: SEHAB, em 01 de novembro de 2011.

    Figura 1.3: Represa Billings Loteamento Residencial dos Lagos. Fonte: Prefeitura do Municpio de So Paulo Superintendncia de Habitao Popular.

    Figura 1.4: Rua local de Helipolis. Fonte: Coordenao Projeto Helipolis.

    Figura 1.5: Favela Paraispolis. Fonte: Acervo Prefeitura do Municpio de So Paulo.

    Figura 1.6: Estao de Santo Andr sentido vetor Sudoeste. Fonte: Langenbuch, 1968.

    Figura 1.7: Imagens do crescimento de So Paulo. Acervo SMDU - DIPRO

    Figura 1.8: Concentraes de assentamentos precrios em So Paulo.

    www.habisp.inf.br. Acesso em 20 de maio de 2011.

    Figura 1.9: Esquemas de crescimento das periferias e assentamentos precrios de So Paulo adaptao de Morales (1997). Fonte: Adaptao elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

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    CAPTULO 2

    Figura 2.1: Localizao de Helipolis. Fonte: Coordenao Projeto Helipolis PMSP SEHAB.

    Figura 2.2: Mapa Sara Brasil 1930: Incio da ocupao do bairro do Ipiranga. Fonte: Acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Cidade de So Paulo (FAU-USP).

    Figura 2.3: Imagem histrica de Helipolis em 1940. Fonte: EMPLASA.

    Figura 2.4: Imagem histrica de Helipolis em 1954. Fontes: EMPLASA.

    Figura 2.5: Manifesto Popular. Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo 06 de janeiro de 1984.

    Figura 2.6: Manifesto Popular. Fonte: Jornal O Estado de S. Paulo 17de janeiro de 1984.

    Figura 2.7: Criada em 1986/87 a primeira Associao de Helipolis UNAS Fonte: SAMPAIO, 1991.

    Figura 2.8: Mapa de Localizao das 14 glebas, montagem da autora. Fonte www.habisp.inf.br. Acesso em out. de 2010.

    Figura 2.9: Linha do tempo referente s intervenes ocorridas em Helipolis ao longo dos anos. Fonte: Secretaria Municipal de Habitao. Coordenao do Projeto Helipolis.

    CAPTULO 3

    Figura 3.1: Diagrama de Morales para as Barracas favelas ou invases. Fonte: Livro - Las Formas Del Crecimiento Urbano Morales, 1997.

    Figura 3.2: Trecho da Gleba K (miolo de quadra). Fonte: Plano Urbanstico Helipolis HABI-G/ SEHAB, 2010.

    Figura 3.3: Bairro Ipiranga em 1940. Fonte: EMPLASA/PMSP.

    Figura 3.4: Desenho do Bairro do Ipiranga e Helipolis em 1940.

    Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

    Figura 3.5: Ipiranga, 1954. Fonte EMPLASA/ PMSP.

    Figura 3.6: Desenho do Bairro do Ipiranga e Helipolis em 1954. Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

    Figura 3.7: Bairro Ipiranga e Helipolis em 1973. Fonte EMPLASA/ PMSP.

    Figura 3.8: Desenho do Bairro do Ipiranga e Helipolis em 1973. Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

    Figura 3.9: Bairro Ipiranga e Helipolis em 1981. Fonte EMPLASA/ PMSP.

    Figura 3.10: Desenho do Bairro do Ipiranga e Helipolis em 1981. Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

    Figura 3.11: Bairro Ipiranga e Helipolis em 1989. Fonte EMPLASA/ PMSP.

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    Figura 3.12: Desenho do Bairro do Ipiranga e Helipolis em 1989. Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

    Figura 3.13: Bairro Ipiranga e Helipolis em 1994. Fonte EMPLASA/ PMSP.

    Figura 3.14: Desenho baseado na foto area de 1994. Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

    Figura 3.15: Bairro Ipiranga e Helipolis em 2004. Fonte: Google Maps, acesso em 10 de janeiro de 2011.

    Figura 3.16: Desenho baseada na foto area de 2004. Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

    Figura 3.17: Bairro Ipiranga e Helipolis em 2009. Fonte: Google Maps, acesso em 10 de janeiro de 2011.

    Figura 3.18: Desenho baseado na foto area de 2009. Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012.

    Figura 3.19: Foto area de Helipolis, 2011. Panorama das intervenes pblicas em Helipolis. Fonte: Coordenao do Plano Urbanstico Helipolis, HABI-G SEHAB

    Figura 3.20: Sntese das intervenes em Helipolis. Favela. Fonte: Superintendncia de Habitao Popular HABI/ Coordenao Projeto Helipolis.

    CAPTULO 4

    Figura 4.1: Mutiro da Lagoa, 1989. Fonte PMSP/ HABI/ Coordenao Projeto Helipolis.

    Figura 4.2: Localizao dos projetos de mutiro implantados nas Glebas K e Gleba F.

    Fonte: EMPLASA/ PMSP.

    Figura 4.3: Condomnio Delamare em 1992. Fonte: Luis Espallargas arquitetura (http://www.espallargas.com.br/index2.htm)

    Figura 4.4: Foto area do FUNAPS Mutiro e Condomnio Delamare. Fonte: Google Maps. Imagem adaptada pela autora.

    Figura 4.5: Implantao do projeto do Condomnio Delamare. Fonte: Luis Espallargas arquitetura (http://www.espallargas.com.br/index2.htm)

    Figura 4.6: Condomnio Delamare. Fonte: Marcelo Rebelo.

    Figura 4.7: Espao comum subutilizado. Comrcio estabelecido na rea comum do edifcio. Fonte: Marcelo Rebelo.

    Figura 4.8: Esquema de crescimento em funo do traado dos mutires. Fonte: Elaborada pela autora, Souza, V.P., 2012.

    Figura 4.9: Mutires na Rua Graviola de Helipolis. Fonte: Google Maps, acesso em 06 de maro de 2012.

    Figura 4.10: Mutires na Rua Graviola de Helipolis. Fonte: Google Maps, acesso em 06 de maro de 2012.

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    Figura 4.11: Helipolis, Gleba K. Fonte: Coordenao Projeto Helipolis.

    Figura 4.12: Ps-ocupao Condomnio Delamare. Fonte: Souza, V.P. em 13 de janeiro de 2012.

    Figura 4.13: Ps-ocupao Condomnio Delamare. Fonte: Souza, V.P. em 13 de janeiro de 2012.

    Figura 4.14: Vista area dos conjuntos habitacionais PROVER/ Cingapura Helipolis. Fonte: Superintendncia de Habitao Popular HABI/ Coordenao Projeto Helipolis. Autor: Fabio Knoll.

    Figura 4.15: Foto area em que se observa a ruptura com o tecido existente da favela. Fonte: Google Maps (2004) em 10 de maro de 2012.

    Figura 4.16: Implantao do Projeto Cingapura. Fonte: PMSP/ Projeto 3R Helipolis/ Coordenao Projeto Helipolis.

    Figura 4.17: Esquemas de polgonos definidos por Morales. Fonte: Morales (1997)

    Figura 4.18: Esquema de crescimento da favela em funo dos conjuntos habitacionais. Fonte: Elaborada pela autora, Souza, V.P., 2012.

    Figura 4.19: Vista da rua Almirante Nunes. Fonte: Google Maps, 2012.

    Figura 4.20: Vista da rua Almirante Nunes. Comrcio irregular. Fonte: Google Maps 2012.

    Figura 4.21: Frum de lideranas em Helipolis. Fonte: PMSP/ SEHAB HABI G Coordenao do Projeto Helipolis (autor: Fabio Knoll).

    Figura 4.22: Mapa Sntese do Plano Urbanstico Helipolis. Fonte: PMSP/ SEHAB HABI G Coordenao do Projeto Helipolis.

    Figura 4.23: Vista area dos conjuntos habitacional 115. Fonte: PMSP/ SEHAB HABI G Coordenao do Projeto Helipolis..Autor: Cristiano Mascaro.

    Figura 4.24: Implantao dos projetos previstos para Gleba A em 2004-2005. Fonte: PMSP/ SEHAB Coordenao Projeto Helipolis.

    Figura 4.25: Implantao do Conjunto Habitacional 115 Gleba A Fonte: PMSP/ SEHAB.

    Figura 4.26: Conjunto Habitacional 115 Gleba A (antes) Fonte: PMSP/ SEHAB.

    Figura 4.27: Conjunto Habitacional 115 Gleba A (antes) Fonte: PMSP/ SEHAB.

    Figura 4.28: Conjunto Habitacional 115 Gleba A (hoje) Fonte: Souza, V.P., 2012.

    Figura 4.29: Conjunto Habitacional 115 Gleba A (hoje) Fonte: Souza, V.P., 2012.

    Figura 4.29: Esquema de crescimento em funo do conjunto habitacional (variao). Fonte: Elaborada pela autora, Souza, V.P., 2012.

    Figura 4.30: esquema de crescimento em funo da busca pela integrao espacial. Fonte: Elaborada pela autora, Souza, V.P., 2012.

    Figura 4.31: Esquema de crescimento em funo do traado da favela e os caminhos construdos pela necessidade primordial do morar. Fonte: Elaborada pela autora, Souza, V.P., 2012.

    Figura 4.32: Esquema de crescimento em funo do traado remanescente da favela. . Busca pela Integrao entre o antigo e o novo. Fonte: Elaborada pela autora, Souza, V.P., 2012.

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    Figura 4.33: esquema de crescimento em funo da ruptura entre o antigo e o novo. Fonte: Elaborada pela autora, Souza, V.P., 2012.

    Figura 4.34: So Francisco, exemplo da mescla de intervenes ao longo de quatro dcadas. Rupturas no tecido original. Fonte: PMSP/ SEHAB

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    LISTA DE SIGLAS

    BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BNH Banco Nacional de Habitao

    CEF Caixa Econmica Federal

    COHAB-SP Companhia de Habitao de So Paulo

    EMURB Empresa Municipal de Urbanizao

    ETE Estao de Tratamento de Esgotos

    FMH Fundo Municipal de Habitao

    FABES Secretaria da Famlia e Bem Estar Social

    FUNAPS Fundo de Atendimento Populao em habitao Subnormal

    HABI Superintendncia de Habitao Popular

    HABISP Sistema de Informaes de Habitao Social de So Paulo

    IAPAS Instituto Nacional de Previdncia Social

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IPT Instituto de Pesquisas Tecnolgicas

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PAI Perimetros de Ao Integrada

    PMSP Prefeitura Municipal de So Paulo

    PMH Plano Municipal de habitao

    PROFACE Programa de Favelas da CEDAE

    PROFAVELA Programa Municipal de Regularizao de Favelas

    PROSANEAR Programa de Saneamento para Populaes de Baixa Renda

    PROVER Programa de Melhoramentos em favelas

    RMSP Regio Metropolitana de So Paulo

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    SABESP Companhia Estadual de Saneamento Bsico de So Paulo

    SEAC Secretaria de Ao Comunitria.

    SEBES Secretaria do Bem Estar Social

    SEADE Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados

    SEHAB Secretaria de Habitao Municpio de So Paulo

    SMDU Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano

    SMDU-DIPRO Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano Departamento de Projetos

    UNAS Unio de Ncleos de Associaes e Sociedade de

    Moradores de Helipolis e So Joo Clmaco

    URAH Unidade Regional de Atendimento Habitacional

  • SUMRIO

    AGRADECIMENTOS ...............................................................................................................4

    RESUMO .................................................................................................................................7

    ABSTRACT ..............................................................................................................................8

    LISTA DE SIGLAS ..................................................................................................................14

    INTRODUO .......................................................................................................................18

    1. FAVELAS EM SO PAULO: AS ESPECIFICIDADES DA FORMA URBANA ................25

    1.1. Os Elementos Morfolgicos que Diferenciam as Cidades ..........................................25

    1.1.2. A Favela Como Uma Forma Especfica ..............................................................29

    1.2. So Paulo: Expanso Urbana e Assentamentos Precrios ........................................35

    1.3. As Favelas em So Paulo ...........................................................................................40

    1.4. A Forma da Favela Paulistana Luz dos Conceitos Tericos ...................................45

    2. HELIPOLIS: FORMAO, CONSOLIDAO E AS INTERVENES PBLICAS .....50

    2.1. A origem da favela ......................................................................................................51

    3. LEITURA DA FORMA URBANA DE HELIPOLIS ...........................................................65

    4. OS PROJETOS PARA HELIPOLIS E AS TRANSFORMAES NA FORMA URBANA .. 94

    4.1. O contexto das intervenes pblicas entre os anos de 1970 e 2000 .......................95

    4.2. Critrios Metodolgicos para a Anlise dos Projetos .................................................98

    4.3. Fundo de Atendimento Populao

    Moradora em Habitao Subnormal FUNAPS ..............................................................99

    4.3.1. Contexto Histrico ...............................................................................................99

    4.3.2. Caractersticas do Projeto: Conjunto Habitacional Almirante Delamare ...........102

    4.3.3. O projeto e sua insero na Morfologia da Favela

    Condomnio Delamare ................................................................................................106

  • 4.4. O Programa de Verticalizao de Favelas (PROVER) - CINGAPURA .................... 111

    4.4.1. Contexto Histrico ............................................................................................. 111

    4.4.2. Caractersticas do Projeto: Cingapura Helipolis Gleba A ............................. 113

    4.4.3. O projeto e sua insero na Morfologia da Favela

    Cingapura Helipolis Gleba A .................................................................................. 117

    4.5. O Programa de Urbanizao de Favelas Conjunto Habitacional 115

    Gleba A ............................................................................................................................ 119

    4.5.1. Contexto Histrico ............................................................................................. 119

    4.5.2. Caractersticas do Projeto: Conjunto Habitacional 115 Gleba A ....................124

    4.5.3. O projeto e sua insero na Morfologia da Favela Conjunto Habitacional 115

    Gleba A ........................................................................................................................132

    4.6 Mutires, Cingapuras, Programa de Urbanizao de Favelas: As Formas,

    as Rupturas e Contiguidades ..........................................................................................134

    CONSIDERAES FINAIS ...............................................................................................140

    BIBLIOGRAFIA .....................................................................................................................143

    ENDEREOS ELETRNICOS ............................................................................................147

  • 18

    INTRODUO

    O estudo das favelas h algum tempo desperta interesse de pesquisadores. Essa temtica torna-se cada vez mais urgente, uma vez que ao pensar as grandes cidades brasileiras imprescindvel analis-las com intuito de encontrar as possibilidades de integrao da cidade formal aos assentamentos precrios. A forma urbana pode ser indutora da integrao ou da ruptura entre os bairros que se constroem sob um conceito amplo envolvendo os aspectos fsicos e os processos socioespaciais das cidades.

    Com a intensa urbanizao das cidades brasileiras, ocorrida a partir da segunda metade do sculo XX, a favela passou de um fenmeno temporrio a uma situao consolidada. Nas palavras de Frana (2009, p.239) a formao inicial da favela resultado de movimentos migratrios, originrios da atrao que a cidade exercia - e ainda exerce - sobre a populao que buscava emprego ou uma atividade, mesmo informal, mas que proporcionasse algum tipo de renda.

    O nmero de habitantes em favelas tem aumentado expressivamente nas ltimas trs dca-das1. No municpio de So Paulo, segundo dados da Fundao Seade de 2008, cerca de 30% da populao2 vivia em situao precria, a maior populao do Brasil nessas condies.

    Segundo Frana (2009, p.239), as favelas eram consideradas locais de moradia temporria daqueles que vislumbravam possibilidades de prosperidade e acesso aos servios pblicos oferecidos pela cidade.

    Para muitos a favela considerada como bolses de pobreza, insalubridade e violncia, cujos padres urbansticos e estticos fogem queles aceitveis, ou mesmo considerada o lugar da violncia, da precariedade e da excluso. Mas para a populao que ali habita o lugar das possibilidades. (RUBIO, 2011)

    A favela, hoje, um fenmeno contemporneo no apartado da cidade. parte integrante das grandes metrpoles, cuja permanncia da populao no temporria, como se acreditava.

    O desafio para estudiosos do assunto estabelecer o seu reconhecimento como parte do todo, trazendo elementos de urbanidade para seu territrio e possibilitando o acesso s be-nesses da vida urbana pela populao que ali vive.

    1. O Censo do IBGE em 1980 registrou 480.595 domiclios em aglomerados subnormais no Brasil, o que corres-pondia a 1,89% dos domiclios brasileiros; em 1991 este nmero subiu para 1,14 milho domiclios em favelas, re-presentando 3,28% do total dos domiclios brasileiros. Em 2000, o nmero de domiclios cerca de 1,65 milhes, 3,04% dos domiclios do pas. Em 2010, segundo dados do ltimo Censo a populao em aglomerados subnormais de 11.425.644, saltando para 6% o nmero de brasileiros vivendo em assentamentos precrios.

    2. Durante a elaborao do Plano Municipal de Habitao 2009-2024 (PMH), a Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados (SEADE) foi contratada para a atualizao dos dados dos domiclios nos diversos assentamen-tos precrios (favelas, loteamentos irregulares e cortios).

  • 19

    A presente pesquisa foi construda mediante a anlise das transformaes ocorridas na favela de Helipolis ao longo de 40 anos - desde sua origem, no incio dos anos de 1970, at os dias atuais, destacando as principais intervenes pblicas em interface com sua forma urbana. Procura-se verificar como as aes do poder pblico interferiram na morfologia desta favela.

    Helipolis, considerada at recentemente a maior3 favela do municpio de So Paulo, localiza--se na regio Sudeste, bairro do Ipiranga, cerca de 10 km do marco zero da cidade.

    Desde 1972, ano de sua origem como alojamento provisrio, Helipolis vem sendo alvo de di-versas intervenes que ora procuraram remov-la, ora procuraram urbanizar alguns trechos de seu extenso territrio. Vrios foram os programas que atuaram sobre esse assentamento: Desde as Vilas Provisrias4 (1972), passando pelo PROFAVELA5 (1979 a 1982), os Mutires6 (final dos anos 1980), o Programa Cingapura7 (anos 1990 a 2000); at as ltimas intervenes

    3. Segundo pesquisa realizada em 2008 pela Fundao SEADE para a atualizao dos dados sobre favelas na cidade de So Paulo (para a Secretaria da Habitao do Municpio) em Helipolis os conjuntos habitacionais e as autoconstrues somam aproximadamente 65.000 habitantes (64.879 precisamente) No ltimo Censo de 2010, o IBGE no contabilizou os conjuntos habitacionais, por no serem mais compreendidos como favela. E, ainda, os critrios de reconhecimento dos setores das favelas mapeados pela Municipalidade diferem dos setores cen-sitrios mapeados pelo IBGE, reduzindo com isso o nmero de habitantes na comunidade para 41.000 (41.118 habitantes). Diante desse fator, em 2011, aps a publicao dos dados do IBGE, a comunidade de Helipolis deixa o posto de maior favela de So Paulo, dando lugar a Paraispolis, localizada na zona Sul.

    4. VILAS PROVISRIAS: esse projeto surgiu em 1972, aps um seminrio da antiga SEBES - Secretaria de Bem-Estar Social da Prefeitura, em maro de 1971: Era um sistema de desfavelamento que oferecia moradias provisrias s famlias de baixa renda. Dizia-se que o programa tinha o intuito proporcionar a melhoria scio--econmico-cultural para elevar os nveis de vida da populao e reduzir, com esse tipo de alternativa, a relao entre as favelas e o restante da cidade (Godinho, 1972, entrevista a revista Construo em So Paulo, p31 ano XXV n1278 de 7 de agosto de 1972).

    5. PROFAVELA (1979 a 1982): Esse programa previa a instalao de redes de gua e energia eltrica, saneando de forma emergencial situao vivenciada nas favelas. Foram estabelecidos subprogramas intitulados PROLUZ e PROAGUA, conveniados s companhias Eletropaulo e Sabesp, concessionrias dos servios, envolvendo as primeiras inovaes tecnolgicas relacionadas com a urbanizao de favelas. A Eletropaulo adotou um padro de poste mais leve e metlico, que podia ser instalado nos espaos reduzidos da favela e permitia ligaes individu-alizadas. Para as ligaes de gua, as limitaes dos sistemas convencionais, que somente conseguiam atender vielas com mais de quatro metros de largura, foram parcialmente superadas por meio da adoo de tubos de po-lietileno flexvel (pead), desenvolvidos por funcionrios da Sabesp (Bueno.apud Frana 2009, p110).Tratava-se de um programa que no vislumbrava a interveno perene. Buscava-se a soluo momentnea para a problemtica crescente das favelas.

    6. O Fundo de Atendimento Populao Moradora em Habitao Subnormal - FUNAPS possibilitou o atendimento de famlias com renda de at quatro salrios mnimos. O FUNAPS Comunitrio, conhecido popularmente como mutiro, tratava-se da cooperativa entre moradores e a municipalidade para a implementao de moradias em reas precrias. Desenvolvido na gesto da ento Prefeita Luiza Erundina entre os anos de 1989 e 1992 (RODRI-GUES, 2006).

    7. CINGAPURA: O referido programa, desenvolvido no governo de Paulo Salim Maluf, inicia-se em agosto de 1993, intitulado de Bairro Novo e, posteriormente, batizado de Cingapura. O programa estava relacionado ao fato de no ter sido aliado a bons projetos de arquitetura e urbanismo que integrassem de fato as favelas urbanizadas cidade. A padronizao dos edifcios, com vistas a criar uma marca da gesto, resultou na repetio dos mesmos conjuntos habitacionais nas reas de interveno que se distribuam por toda cidade, e, em especial, em reas de grande visibilidade, como, por exemplo, avenidas com grande fluxo de veculos (FRANA, 2009, p.127).

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    com o Programa de Urbanizao de Favelas8, que vem sendo implementadas desde o 2005, nas duas ltimas gestes da Prefeitura do Municpio de So Paulo.

    O conjunto de intervenes executados em Helipolis, ao longo dos anos, trouxeram me-lhorias em relao condio de habitabilidade da populao em trechos da favela, ainda que de maneira pontual. No entanto, observam-se ao longo do tempo, momentos distintos de rupturas em sua forma original, contrastando bruscamente o edifcio e as autoconstrues remanescentes.

    Considera-se nesta pesquisa que, a atual configurao morfolgica de Helipolis decorrente tanto do processo histrico de ocupao e expanso territorial do bairro do Ipiranga quanto das intervenes pblicas realizadas desde os anos 1980.

    Para discorrer sobre as anlises da forma urbana desse assentamento adotamos os concei-tos de diversos autores, e foi luz dos esquemas conceituais de Morles (1997), que se cons-truram as anlises paralelas evoluo/transformao da forma da favela e seu entorno.

    Morales (1997) entende que a forma urbana ao mesmo tempo resultado de processos so-ciais e parte de um processo histrico o processo de urbanizao onde as formas espa-ciais esto em permanente mudana e retratam a condio fsica e social de um determinado lugar.

    Esse autor define que o processo de urbanizao baseado em trs elementos principais - par-celamento, urbanizao e edificao - permite diferentes configuraes de cidade, uma vez que os trs pontos de anlise no acontecem mediante uma sequncia obrigatria e, muitas vezes, no esto simultaneamente presentes.

    Para alm da teoria de Morales, o que prevalece nas favelas brasileiras a edificao inserida em um parcelamento peculiar estabelecido em funo das casas, sendo que em cada lote comum encontrar duas ou mais moradias.

    A chegada da urbanizao posterior, trazendo elementos essenciais condio de salubri-dade urbana, como as redes de infraestrutura e saneamento bsico.

    A favela insere-se nas modalidades de assentamentos precrios existente na cidade, que, segundo Pasternak (2008, p. 78), concentra domiclios com elevado grau de carncias, tanto em relao oferta de servios pblicos como em relao a padres urbansticos e de mo-radia. Em definio recente da Prefeitura Municipal de So Paulo, Plano Municipal de Habi-

    8. PROGRAMA DE URBANIZAO DE FAVELAS: Entre os anos 2002-2004, durante o governo de Marta Suplicy, o programa restabeleceu a promoo e a integrao das favelas e loteamentos irregulares cidade e melhoria das condies de habitabilidade e salubridade, possibilitando o acesso moradia, infraestrutura, servios, equipamen-tos urbanos e comunitrios, em um ambiente salubre e saneado (RUBIO, 2011, p141).A administrao pblica do prefeito Jos Serra (2005 2006) e posteriormente de Gilberto Kassab (2007 a 2012) tomaram como premissa dar continuidade a todas as aes do antigo programa, ampliando as discusses com as comunidades e capacitando o corpo tcnico permanente para que as aes no se perdessem com as mudanas polticas-administrativas. E, ainda, desenvolveu o Plano Municipal de Habitao com a atualizao, priorizao e criterizao das favelas, loteamentos irregulares e cortios existentes na cidade de So Paulo.

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    tao (2011), as favelas so ncleos habitacionais precrios, com moradias autoconstrudas, formadas a partir da ocupao de terrenos pblicos ou particulares. A ocupao associa-se a problemas da posse da terra, elevados ndices de precariedade ou ausncia de infraestrutura urbana e servios pblicos, com baixos nveis de renda da populao.

    Em se tratando de Helipolis possvel estabelecer conexes com o restante da cidade em funo de sua insero em um tecido existente o bairro do Ipiranga e tambm pela sua consolidao ao longo do tempo.

    Dentre as 1.600 favelas cadastradas pela Secretaria Municipal de Habitao de So Paulo (SEHAB)9, poucos so os assentamentos que possuem uma linha do tempo que propiciem uma anlise morfolgica daquilo que tem sido a urbanizao de assentamentos precrios nessa grande metrpole. Neste contexto, destaca-se Helipolis, nosso objeto de estudo, Pa-raispolis, localizada na zona sul e So Francisco, na zona leste de So Paulo.

    O recorte temporal adotado na pesquisa tem como ponto de partida 1972, ano de origem da favela, e percorre nove administraes pblicas e suas propostas de interveno, at os dias atuais, ou seja, 40 anos de existncia de Helipolis.

    O objetivo principal desta pesquisa contribuir para a ampliao do conhecimento sobre a morfologia, bem como para o entendimento das relaes que os projetos de urbanizao es-tabelecem sobre este territrio.

    Busca-se compreender a formao e consolidao da favela de Helipolis, desde 1972, e a trajetria dos projetos de interveno, implementados entre 1989 e 2011. A partir destas intervenes, discutiremos as rupturas e contiguidades ocasionadas no tecido urbano desta favela, bem como os limites, possibilidades e perspectivas do seu reconhecimento como parte integrante da cidade.

    A metodologia adotada foram o reconhecimento dos momentos histricos, polticos e sociais com o intuito de compreender o processo de crescimento da cidade e os rebatimentos sobre o crescimento das periferias, em consequncia, o surgimento e aumento dos assentamentos precrios em So Paulo.

    Por meio de imagens histricas, percorreram-se os caminhos do desenvolvimento de Heli-polis, buscando o entendimento dos fluxos de crescimento da regio que impactaram em sua forma e consolidao.

    E, por fim, vincularam-se as intervenes pblicas e a teoria referente morfologia urbana, analisando trs projetos e procurando discutir os resultados dessas obras construdas em mo-mentos distintos na histria luz do conceito de ruptura e contiguidade, buscando distinguir as possibilidades, existentes ou no, de conexo com o bairro em que est inserida.

    9. Dados disponveis no Sistema de informao HABISP em 2012 www.habisp.inf.br.

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    O conhecimento emprico da autora possibilitou um olhar crtico sobre a problemtica da fave-la em So Paulo, bem como a busca de perspectivas factveis de integrao desta importante favela cidade.

    A pesquisa organiza-se em quatro captulos:

    O primeiro captulo tem como objetivo esclarecer os conceitos relativos forma urbana e cidade e seus rebatimentos nos assentamentos precrios, particularmente nas favelas de So Paulo. Para compreender a forma e o processo de crescimento dos assentamentos prec-rios, analisa-se a expanso da periferia da cidade de So Paulo e os fatores condicionantes para o aumento dos assentamentos precrios nessa metrpole.

    Permeando os quarenta anos de existncia da comunidade de Helipolis, apresentado no segundo captulo, a origem desta favela, em 1972, e o processo de expanso e consolidao at os dias atuais,

    Por meio do esquema terico de Morales (1997) analisa-se, no terceiro captulo, o processo de evoluo/transformao de sua forma urbana, buscando, de modo sinttico, apresentar as principais obras pblicas que modificaram a morfologia do local.

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    Desde seu surgimento, percorrendo os projetos de urbanizao das trs ltimas dcadas at o ano de 2011, o quarto captulo discute as intervenes pblicas em Helipolis,. Para tanto, foram escolhidos trs projetos pertencentes a diferentes programas formulados em distintos momentos polticos das administraes pblicas, que permitem estudar as diversas aborda-gens dos projetos de urbanizao de assentamentos precrios e suas relaes com a forma urbana da favela:

    1) Mutiro Condomnio Delamare, projeto de Luis Espallargas, implantado em 1980 nas Glebas F e K10 no mbito do Fundo de Atendimento Populao Moradora em Habitao Subnormal FUNAPS;

    2) Conjunto Cingapura Helipolis - Gleba A, construdo com recursos do Programa de Verti-calizao de Favelas (PROVER/ CINGAPURA), implantado a partir de 1990, no municpio de So Paulo;

    3) Conjunto Habitacional 115 11- Gleba A Quadra 1 projeto de autoria do escritrio Vigliec-ca Arquitetos Associados, implementado no mbito do Programa de Urbanizao de Favelas (2005 - 2011).

    As anlises destes projetos seguiro o mesmo roteiro metodolgico, onde procura-se discutir como as intervenes se inserem no tecido urbano da favela, contribuindo ou no para a me-lhoria da qualidade do espao urbano de seu territrio e sua integrao cidade.

    Nas consideraes finais, apresenta-se uma sntese, reforando as perspectivas de reconhe-cimento das favelas como parte integrante da cidade.

    10. Helipolis, em 1966, dividida em 14 Glebas e sua propriedade passada para o antigo Instituto de Aposenta-doria e Penses dos Industririos (IAPI). No mesmo ano, o IAPI transfere sua propriedade para o IAPAS (Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia Social). Em 1984, as 14 Glebas ficam sob a guarda provisria da COHAB (Companhia Metropolitana de Habitao), sendo a compra oficializada somente em 1987. At hoje, a propriedade da terra pertence a essa Companhia. As subdivises das glebas sero explicitadas no captulo 2. Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_Nova_Heli%C3%B3polisSAMPAIO, Maria Ruth Amaral de. Helipolis o percurso de uma invaso. Tese (Livre Docncia da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), FAU/USP, So Paulo, 1991.

    11. Trata-se de um projeto licitado dentro do Programa Bairro Legal (2001-2004), que teve continuidade no mbito do Programa de Urbanizao de Assentamentos Precarios (2005-2012), que foi concludo no ano de 2006.

  • FAVELAS EM SO PAULO AS ESPECIFICIDADES DA FORMA URBANA1.

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    1. FAVELAS EM SO PAULO: AS ESPECIFICIDADES DA FORMA URBANA

    O presente captulo tem como objetivo discutir os conceitos relativos forma urbana da favela, modalidade mais popular de assentamento precrio no Brasil. Pretende-se, de forma comple-mentar, compreender o processo de formao das periferias de So Paulo e, consequente-mente, dos assentamentos precrios.

    Para tanto, discutiremos, de modo geral, alguns conceitos relativos forma urbana da cidade advinda de autores clssicos como Morales (1997) e Lamas (2010). Tais conceitos nos ajuda-ro a reconhecer as similaridades de forma, as intenes estticas, os sistemas de organiza-o de territrios estabelecidos segundo normas e legislaes da cidade e aquele territrio que se constitui observando regras prprias, o informal.

    Para entender as especificidades da favela que incidem sobre sua forma utilizaremos, entre outros, os autores: Duarte (2006), Pasternack (2008), Frana 2009 e Rubio (2011), cujos estu-dos contribuem nas pesquisas e discusses sobre o fenmeno favela.

    Outros autores importantes tambm discutem a forma urbana das favelas, como Valladares (2005), Antonucci (2005) e Magalhes, (2005, 2007).

    Com intuito de enriquecer as bases tericas deste trabalho, as observaes empricas da au-tora que atua, desde 2002, em programas de urbanizao de favelas, tanto no setor privado quanto no pblico, juntamente com sua convivncia de oito anos com a comunidade de He-lipolis, possibilitaro a anlise crtica das modificaes ocorridas na forma urbana da favela proporcionada pelo poder pblico.

    E, com o auxilio das bases tericas de Morales (1997), discutir o desenvolvimento dos assenta-mentos precrios, bem como suas peculiaridades e as similaridades com o restante da cidade.

    1.1. Os Elementos Morfolgicos que Diferenciam as Cidades

    A forma urbana deve constituir uma soluo para o conjunto de problemas que o pla-nejamento urbanstico pretende organizar e controlar. a materializao no espao da resposta a um contexto preciso. (LAMAS, 2010, p.48).

    Segundo Lamas (2010, p.41), o termo morfologia utilizado para designar o estudo da configu-rao e da estrutura exterior de um objeto. Para ele, Morfologia a cincia que estuda as for-mas, interligando-as com os fenmenos que lhes deram origem. Segundo o autor, a morfologia

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    urbana estuda essencialmente os aspectos exteriores do meio urbano e suas relaes recpro-cas, definindo e explicando a paisagem urbana e sua estrutura. A forma da cidade corresponde maneira como se organiza e se articula a sua arquitetura (LAMAS, 2010, p.41).

    Os modos como se organizam os elementos morfolgicos que constituem e definem o espao urbano so, segundo Lamas (2010, p.41), materializados nos seguintes aspectos: quantitativos, qualitativos, figurativos e de organizao funcional.

    Os aspectos quantitativos relacionam-se aos dados quantificveis que so utilizados para con-trolar os aspectos fsicos da cidade. Os aspectos qualitativos referem-se ao tratamento dos espaos urbanos. J os figurativos aos elementos que permitem a comunicao dos espaos. Por fim, a organizao funcional corresponde ao uso a que destinado o espao urbano e o uso que dele se faz.

    Para Sol Morales (1997), morfologia urbana tambm corresponde ao estudo das formas espa-ciais urbanas, que esto em permanente mudana, pois so resultantes de processos sociais parte de um processo histrico o processo de urbanizao. O autor salienta que o usurio estabelece referenciais de orientao e legibilidade.

    Embora as formas espaciais desempenhem um papel relevante na explicao da urbanizao, segundo Morales (1997), tais elementos no so por si suficientes para sua compreenso.

    Percebe-se que, para Morales (1997), a forma urbana se transforma a partir de trs processos considerados principais para a compreenso do desenho do tecido urbano: parcelamento, urba-nizao e edificao. Tais processos podem ser combinados de modos distintos de acordo ou no com o projeto ou ainda como simples parte do processo de trabalho.

    O projeto urbanstico pode ser interpretado como um mecanismo para dar forma a um processo fsico, arquitetnico e de engenharia. A combinao de solo, edificao e infraestrutura como resultado de um processo social expressa e d forma ao contexto urbano.

    O parcelamento, segundo o autor, refere-se s ordenaes de sistemas morfolgicos corres-pondentes a tipos e usos que supem um modelo de localizao urbana e reconhece neste modelo as zonas diferenciadas de uso e ocupao do solo. Morales (1997, p.19) defende que para o desenvolvimento de um bom planejamento se faz necessrio buscar o bloqueio das zo-nas convencionais na procura de situaes potenciais e necessrias. Uma vez reconhecidos os potencias no territrio, poderemos adequ-los s condicionantes do terreno. Ele distingue os diferentes tipos de parcelamento, seja ele residencial, rural, industrial; considera que a organi-zao marginal (favelas, loteamentos irregulares ou invases) possui a organizao espacial independente da trama urbana definida ou regulada pelo poder pblico, incluindo aquilo que considera como sendo o parcelamento.

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    J a urbanizao possui uma relao com o crescimento da cidade, segundo Morales (1997), principalmente estabelecendo relaes entre o centro e a periferia, relaes de contiguidade entre usos diferentes em zonas existentes. A acessibilidade para a urbanizao um instru-mento lgico de avaliao qualitativa e quantitativa, de situao relativa dos pontos ou zonas de espao referentes ao sistema de distribuio de servios.

    Diante dos aspectos do parcelamento e urbanizao, Morales (1997) caracteriza a edificao de uma zona como sendo produzida segundo uma gama de processos tipolgicos, um soma-trio de diferentes situaes territoriais com suas respectivas ordenaes morfolgicas, bem como suas implicaes de usos e domnios econmico-sociais.

    Para Morales (1997), o elemento mais permanente da forma urbana (maior durao) o traado virio, uma vez que ele organiza o parcelamento, a circulao e as infraestruturas. O parcela-mento do solo tem o papel de fazer a distino e diferenciao entre pblico e privado (formas jurdicas de propriedade do solo), as tipologias de edificaes que ocupam o territrio parcelado representam os diferentes processos de produo e de utilizao do solo urbano, com seus diferentes agentes, intermedirios e usurios.

    A combinao do diagrama representado na figura 1.1 (abaixo) indica diversas formas poss-veis de estruturao urbana da cidade. Esta figura representa a sntese das combinaes dos elementos urbansticos reconhecidos por Morales. Ela apresenta as formas possveis de cres-cimento que as cidades podem assumir, com base nos estudos feitos sobre Barcelona, permi-tindo analisar cada um dos aspectos por intermdio desse diagrama, como veremos a seguir:

    Figura 1.1: Esquemas de combinaes entre os elementos que constituem a forma da cidade. Fonte: Morales, 1997.

    ENSANCHE (EXTENSO)

    URBANIZAO MARGINAL(LOTEAMENTOS IRREGULARES)

    CRESCIMENTO SUBURBANO(AO LONGO DE VIA OU ESTRADA RURAL)

    CIDADE JARDIM

    BARRACA (FAVELAS, INVASES)

    POLIGONOS(CONJUNTOS HABITACIONAIS)

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    A ideia da Ensanche1 definida pelo autor como determinante no que tange a uma forma de relao entre vitalidade, infraestrutura e tipologia edificatria, a relao entre a ordenao e volumes passa por uma determinada estrutura de parcelamento ligada, por sua vez, a mecanismos de promoo e gesto.

    J o Crescimento Suburbano, para Morales (1997), ocorre parte do parcelamento do territrio, existindo sempre o critrio de ordenao, a praa central, o centro de servios e intercmbios (gua, mercado).

    Esse crescimento, baseado na conexo direta com a infraestrutura, a partir dos critrios de ordenao, se dispe em um sistema de parcelamento com acesso mnimo. O tipo edificatrio se adapta evoluo de requerimentos do sistema produtivo. A hierarquia interna se estabelece por meio da ordenao das parcelas: umas vias constituem frente de edificao continua, pois dispem em toda sua longitude parcelas orientadas perpendicularmente rua.

    Segundo o autor a urbanizao marginal (favela e loteamentos irregulares) se estabelece apartada dos mecanismos de crescimento formalizados nas cidades. O critrio essencial desse tipo de formao urbana so as autoconstrues produzidas paulatinamente pelos prprios usurios, sem prazos previamente estabelecidos para a insero dos elementos bsicos de urbanizao (p.166, traduo nossa).

    Em se tratando das cidades-jardim, o autor identifica que a forma se baseia no crescimento residencial por excelncia. No entanto, para que isso ocorra, o crescimento est vinculado simultaneamente ao parcelamento e urbanizao, somando-se, posteriormente, edificao que, em geral, so edificaes unifamiliares e isoladas no lote.

    Essa soluo foi um intermdio entre a cidade e o campo, em que os princpios arraigados nessa forma de crescimento defendem o controle (cooperativa de solo e o tema da propriedade) criao de uma nova cidade alternativa (cinturo verde industrial e agrcola) e autossuficiente Howard (1898, apud. Morales, 1997, p.191).

    Completando as ideias de Morales, outros autores nos ajudam a compreender a forma urbana da cidade, principalmente nas questes relacionadas aos trs elementos previamente elencados: parcelamento, urbanizao e edificao, traando a relao direta entre a forma e o processo de desenvolvimento das metrpoles.

    Magalhes (2005) relaciona a forma urbana da cidade com os conceitos de ruptura e contiguidade. Para o autor, contiguidade um conceito de transformao da cidade que

    1. Ensanches correspondem ao crescimento horizontal ordenado a partir de um ncleo histrico, com predefini-o do tecido urbano, como o Plano de Ildefonso Cerd para Barcelona (1858) e o de Castro para Madrid (1859). (Antonucci, 2005, p.85)

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    possibilita mudanas em sua morfologia, que por intermdio de elementos da natureza fsica viabiliza as transformaes na forma urbana mediante o reconhecimento das pr-existncias ambientais e culturais. J quando ocorre a ruptura, o autor considera que no h continuidade possvel, nem morfolgica nem territorialmente (p.30), desconsiderando quaisquer que sejam as preexistncias, depositando a confiana apenas no novo. O autor considera que a dimenso espacial constituda pela forma, pelo uso ou funo, baseada na natureza semiolgica, ou seja, toma como principio a memria e o significado.

    Lynch (1960) j tratava desses aspectos, caracterizando a contiguidade como imaginabilidade da cidade, ou mesmo legibilidade, a forma como cada indivduo reconhece seu territrio, estabelecendo relaes diante das conexes estabelecidas pelas imagens mentais poderosamente estruturadas e muito teis ao meio ambiente (p.17).

    Salientando essa legibilidade, Duarte (2006) descreve claramente o que podemos considerar como percurso da imagem de reconhecimento do espao, o mapa mental de cada individuo:

    Ao se deslocar pelas ruas da cidade, sejam elas retilneas ou irregulares, o morador seguir um percurso orientado, sobretudo, pelo mapa mental que constri e reconstri inconscientemente. A correspondncia entre o caminhar e o caminho ser sempre mediada pela apropriao do espao-tempo, que se realiza e se atualiza (corrigindo-se e ajustando-se). (DUARTE, 2006, p.51, grifo nosso).

    Todos estes conceitos nos permitem entender a forma. A ocupao do territrio se d simulta-neamente por meio da edificao e de um parcelamento peculiar,cujas relaes so prprias da organizao da comunidade que ali se instala, como ser discutido a seguir.

    1.1.2. A Favela Como Uma Forma Especfica

    De um modo geral, a maioria dos autores clssicos que estudam a forma urbana trata especi-ficamente da forma da cidade organizada a partir de princpios definidos.

    Entender a forma da favela tornou-se objeto de estudo que se ampliou ao longo dos ltimos anos. Sua forma urbana difere em muito das formas existentes em distintos trechos da cidade formal planejados ou no. Em se tratando das favelas, as especificidades destes territrios esto alm dos conceitos estabelecidos, principalmente por Morales (1997) - parcelamento, urbanizao e edificao. O que prevalece na favela a edificao com um parcelamento peculiar, em detrimento urbanizao (redes de infraestrutura, sistema virio, equipamentos

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    e espaos pblicos), aspectos essenciais de urbanidade.

    As favelas possuem similaridades formais naquilo que tange a sua morfologia e Duarte (2008, p. 76), diante das peculiaridades dos assentamentos precrios, afirma que temos muito que aprender com as favelas e seus moradores-construtores:

    A primeira constatao com relao forma geomtrica do traado urbano a ausn-cia de um plano de conjunto previamente formalizado, capaz de orientar a abertura das ruas. As ruas apresentam-se irregulares e tortuosas como nas cidades caracte-rizadas por processos de crescimento aditivo que resultam, fundamentalmente, da agregao de sucessivas iniciativas singulares ao longo do tempo. (DUARTE, 2008)

    Rubio (2011) enfatiza que a favela uma modalidade de assentamento precrio (assim como loteamentos irregulares ou clandestinos, cortios, entre outros), definido como um territrio ur-bano ocupado fisicamente e socialmente de maneira no convencional, com uma ordenao espacial muito peculiar, que no obedeceu legislao edilcia da cidade, onde evidente a precariedade das edificaes ali construdas, agregada questo da irregularidade da pro-priedade da terra ocupada.

    Segundo Pasternak (2008, p. 78), uma favela concentra domiclios com elevado grau de carncias, tanto em relao oferta de servios pblicos como em relao a padres urba-nsticos e de moradia. As favelas so ncleos habitacionais precrios, com moradias auto-construdas, formadas a partir da ocupao de terrenos pblicos ou particulares. A ocupao associa-se a problemas da posse da terra, elevados ndices de precariedade ou ausncia de infraestrutura urbana e servios pblicos, com baixos nveis de renda da populao (PMSP, 2010).

    De um modo geral, as favelas ocupam morros, vazios urbanos, reas no urbanizadas da cidade nas periferias planas ou no, reas protegidas, fundos de vales, zonas de vrzeas, reas alagadas, entre outros terrenos na cidade.

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    Figura 1.2 Jardim So Francisco. Lindeiro a rea do aterro sanitrio Sapopemba, desativado h 27 anos. Fonte: SEHAB, em 01 de novembro de 2011. Autor: Marcelo Rebelo

    O sistema de ruas na favela no parte de um padro planejado. Ao contrrio, adentrando-se em uma favela a mobilidade dificultada, pode-se andar em crculos, mesmo tendo a noo do norte geogrfico indicando uma sada possvel. Os caminhos possuem sua lgica prpria, estabelecidos com o intuito primordial de entradas e sadas de vielas e becos que, muitas ve-zes, se iniciam e se encerram em uma mesma rua e a capilaridade desses fluxos confundem aqueles que conhecem a formalidade das vias da cidade planejada. Os mesmos caminhos tortuosos que confundem aqueles que conhecem a formalidade viria estabelecida nas cida-des, so de fcil compreenso para aqueles que habitam esses locais.

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    No existem mos de direo para o trfego de automveis, vans escolares, motocicletas, bicicletas ou pedestres. A calada muitas vezes inexiste, pois d lugar a outros usos, como a ocupao de bodegas com funcionamento 24 horas.

    Segundo Lamas (2010), para os moradores residentes dessas regies da cidade esse traa-do tem um reconhecimento como um sexto sentido [...] onde a forma urbana peculiar deste territrio compreendida por todos da comunidade; as relaes estabelecidas so outras, dentro das redes de fluxos existentes na favela. As relaes de reconhecimento espacial so possveis aps vivenci-las por um determinado perodo. a partir do territrio existente e da sua topografia que se desenha ou se constri a cidade, que se inicia no cho que se pisa.

    Figura 1.3: Em primeiro plano v-se o Residencial dos Lagos, em urbanizao. Parque e recuperao das margens da Billings. Em segundo plano o assentamento precrio Pabreu, uma mescla entre favela e loteamento irregular. Fonte: PMSP autor: Fabio Knoll

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    Figura 1.4: Rua local de Helipolis. Carros estacionados no meio fio. Pessoas e automveis utilizam o mesmo espao. No utilizam as caladas. Fonte: Coordenao Projeto Helipolis, em 28.07.2010. Autor: Ricardo Oliva

    Aps a ocupao do morar, os bairros de periferias e as favelas necessitam de usos diversos para subsistncia, o que desencadeia construes, dentro do desenho existente, de novos usos para a prpria moradia, como foi caracterizado Haussmann, em trecho em que Lamas (2010) pondera a questo da promiscuidade funcional da antiga Paris. Esse autor afirma que as favelas podem ser comparadas a pequenos comrcios, lojas de roupas, cabeleireiro, mer-cearias e, em comunidades maiores, como a Rocinha, o Morro de Santa Marta, o Complexo do Alemo no Rio de Janeiro ou Helipolis, Paraispolis e So Francisco em So Paulo, devido a sua dimenso de cidades, passam a compor usos que desenvolvem suas prprias centralidades.

    No processo de evoluo das favelas e na sua consolidao no existe relao direta ou indireta com a forma, pois a importncia principal a funo; neste caso, o morar. Diante de antigos assentamentos, verificamos que predomina a pouca preocupao - ou quase nenhu-ma - com a melhoria do ambiente urbano.

    Questes de mobilidade, acessibilidade, infraestrutura, qualidade do meio ambiente iniciam um passo promissor na composio de um novo desenho urbano da favela, na busca de inte-grao com o restante da cidade.

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    Figura 1.5: Favela Paraispolis (primeiro plano); Bairro Morumbi (segundo plano). Fonte: Fabio Knoll/ acervo Prefeitura do Municpio de So Paulo

    Na favela, algumas ruas so pavimentadas pelos prprios moradores, principalmente em se tratando de vias com fluxo comercial, lojas, armazns. As melhores moradias se localizam, em geral, de frente para as vias em melhores condies. A precariedade se manifesta forte-mente nos miolos de quadra, onde as vielas so mal iluminadas e midas, e muitas reas, no propcias urbanizao, so ocupadas pela populao mais carente, como so as reas de risco.

    Se na cidade formal atravs dos elementos ruas, quadras e edifcios - que se constitui o espao urbano e se organizam os diferentes espaos identificveis, na favela, a organizao outra, decorrente do prprio processo socioespacial que se formou a cidade. A figura 1.7 representa a imagem que relaciona o contraste entre a favela e a cidade formal em So Paulo.

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    1.2. So Paulo: Expanso Urbana e Assentamentos Precrios

    O processo de urbanizao das cidades brasileiras foi continuamente acompanhado pelo crescimento de habitaes precrias, cortios, favelas, loteamentos perifricos, que surgiram como alternativas habitacionais para a populao mais pobre que, historicamente, no tinha acesso moradia.

    No caso do municpio de So Paulo, a formao dos assentamentos precrios decorrente do processo de expanso da mancha urbana, para alm do centro histrico, principalmente a partir dos anos de 1940. Porm, indcios de precariedade j se manifestavam na primeira fase de expanso da cidade, propiciada pela implantao das ferrovias em So Paulo, a partir de 1867.

    Nos ltimos anos de 1800, So Paulo afirma-se como n ferrovirio, por onde escoam os produtos para o consumo interno e exportao. Essa condio permitiu que este municpio abrigasse uma srie de funes de comrcio e servios essenciais ao desenvolvimento da cafeicultura, alm de sediar as moradias dos fazendeiros e seus negcios decorrentes da transferncia do capital cafeeiro para investimentos no setor industrial, comercial, imobilirio e bancrio. (ALVIM, 2003)

    A populao da cidade que, em 1876, era de 26 mil habitantes, atinge 240 mil na virada do sculo, de acordo com dados do Censo de 1900.

    Em 1867 instala-se em So Paulo a Estrada de Ferro So Paulo Railway, ligando as reas produtoras de caf, situadas a noroeste da capital, na regio de Jundia e Campinas, ao Porto de Santos, e, em 1875 e 1877, a Estrada de Ferro Sorocabana e a Estrada de Ferro Rio-So Paulo, respectivamente.

    Com o advento da ferrovia, ocorre a modernizao da cidade e o incio do processo de in-dustrializao. A formao de novos bairros, a renovao do centro urbano, a implantao de infraestrutura de saneamento e do sistema de transportes, por meio de bondes eltricos. (ALVIM, 2003)

    Paralelamente formao dos bairros de elite, a crescente urbanizao e industrializao da cidade demandavam a formao de novos bairros. A implantao da ferrovia contribuiu para a ocupao das vrzeas nos principais rios da cidade: inicialmente, junto ao rio Taman-duate, nas proximidades do centro histrico, seguido do rio Tiet e, posteriormente, do rio Pinheiros. O trinmio terreno plano - barato - gua, descrito por Langenbuch (1968), norteou a implantao desse sistema de transporte que, inicialmente, estava voltado ao escoamento da produo agrcola para o exterior atravs do porto de Santos. Ao longo do eixo dos rios Ta-manduate, no final do sculo XIX, e Tiet, j no incio do sculo XX, foram sendo construdas as primeiras indstrias e formados os bairros operrios. Bairros como Brs, Belenzinho, Tatu-ap situam-se ao longo dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil; Brs Pari, Mooca e Ipiranga acompanham a estrada de ferro Santos-Jundia; Barra Funda, gua Branca, Lapa,

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    ao longo da via frrea Sorocabana, definiram uma nova tipologia urbana nessas regies da cidade (ALVIM, 2012).

    As vilas operrias localizadas junto aos terrenos das indstrias eram formadas pelos proprie-trios como uma forma de controlar os funcionrios. Segundo Blay (1995), dentro da vila operria poderiam ocorrer diferentes tipos de habitao, destinadas aos diferentes cargos da empresa, mas todas seguiam critrios da padronizao em srie, com programas que procu-ravam atender simultaneamente s exigncias de proporcionar um mnimo conforto necess-rio aos seus habitantes, e a mxima economia para seus construtores. Os terrenos, normal-mente localizados nos centros dos quarteires, abrangiam diferentes tamanhos de conjuntos, que iam desde pequenos ncleos de casas at ncleos maiores, envolvendo s vezes vrios quarteires.

    Nessa ocasio, o crescimento perifrico foi provocado pelo advento do transporte sobre tri-lhos, as ferrovias (figura 1.8), que permitiam a ligao da rea central com os subrbios da cidade, ao mesmo tempo em que permitiam a consolidao de territrios mais afastados, que, posteriormente, foram sendo ocupados de forma irregular por famlias de baixa renda. Tais lo-cais, desprovidos de infraestrutura bsica, eram regies mais acessveis, tendo em vista que os preos da terra permitiam o acesso moradia para aqueles que no mais encontravam lugar nas regies mais centrais.

    Figura 1.6: Estao de Santo Andr sentido vetor Sudoeste. Fonte: Langenbuch, 1968, p.280

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    Entre 1910 e 1930 So Paulo experimenta um rpido crescimento populacional: de 550 mil habitantes passa a ter 1 milho. Mas a partir dos anos de 1930, com a priorizao do sis-tema de transporte sobre pneus, que a cidade passa de fato a se expandir para reas mais distantes, conformando as periferias precrias.

    Com o crescimento da cidade, manifesta-se a precariedade habitacional da populao mais pobre que, de modo geral, habitavam os cortios, localizados na rea central. A poltica de renovao do centro de So Paulo ocorrida nos anos de 1910 obedeceu a uma lgica de con-centrao espacial e contribuiu para valorizao da terra.

    Desobstruindo a rea central da cidade para circulao do capital e localizao da classe dominante emergente, forando o estabelecimento de uma poltica de segre-gao dos setores populares, acentuando-se principalmente a partir das dcadas de 1930 e 1940, com o amadurecimento do modelo econmico de carter urbano indus-trial (SILVA, 1989, p.36).

    O Plano de Avenidas, idealizado pelo engenheiro Francisco Prestes Maia em 1930, prope um modelo que conjugava um expansionismo ilimitado da metrpole com o reforo da centralidade do municpio de So Paulo. O engenheiro considerava que a rpida expanso da cidade deveria ser acompanhada por uma infraestrutura urbana que permitisse e impulsionasse tal processo. Propunha um sistema virio capaz de remodelar a totalidade urbana, traado a partir de uma estrutura radial perimetral o permetro de irradiao modelo formal que deveria ser adaptado s condies topogrficas da cidade. (ABASCAL, BRUNA, ALVIM, 2008).

    Nessa ocasio, So Paulo passa de capital do caf nas dcadas anteriores a metrpole industrial. Os bairros industriais e operrios conspurcam a capital do caf, o mercantilismo persiste na cidade industrial, e interesses localizados impedem que as vises urbansticas se realizem plenamente. (CAMPOS, 2002, p.19)

    Em 1940, o ento prefeito Prestes Maia promulga um decreto que inicia a modificao nas construes nas reas centrais, permitindo a verticalizao dos edifcios, em consonncia com os desejos da burguesia recm-constituda. O desejo da modernidade contrastava com o cenrio interiorano existente nos bairros centrais. Era clara a inteno de criar um ambiente metropolitano e moderno [...] atraindo usos de prestgio por meio de cuidadoso tratamento arquitetnico imposto aos edifcios e ao ambiente urbano. (CAMPOS, 2002, p. 587)

    As obras promovidas pelo Estado em consonncia com o capital imobilirio emergia de modo a considerar que So Paulo crescia de forma marcante.

    Esses aspectos da modernizao da cidade resultaram em subprodutos importantes na construo da metrpole paulistana; o preo da terra aumentou de modo considervel, dificultando a vida do trabalhador que vivia nas regies centrais.

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    Durante o Estado Novo a habitao teria passado a ser considerada como condio bsica de reproduo da fora trabalhadora, tornando-se fator econmico na estratgia de industrializao do pas (p. 73).

    A habitao aparecia como elemento de formao ideolgica do trabalhador padro que o Estado queria forjar. A classe trabalhadora tinha cada vez mais dificuldade de se estabelecer nas reas centrais devido aos altos preos dos alugueis. A sada foi encontrar locais mais baratos, fator que impulsionou o espraiamento da cidade para seus limites.

    Em So Paulo, o crescimento dos bairros suburbanos, em grande medida possibilitado pela implantao da malha ferroviria, intensificado a partir dos anos 1950 pela expanso das redes de transporte rodovirio, que passa a ser o modo de conexo subrbio periferia, integrando os bairros distantes e conectando-os ao centro. Segundo Alvim (2003), a criao da Companhia Municipal de Transportes Coletivos CMTC, em 1947, aumentando a frota de nibus da cidade, ao mesmo tempo em que procurou resolver o acesso s reas mais distantes, reforou a expanso da cidade em direo periferia e contribuiu para a formao de bairros distantes, permitindo aos habitantes atingir reas antes impossveis de chegar.

    Os bairros operrios originrios das indstrias aos poucos foram se expandindo e se mesclando periferizao da cidade, caso ilustrado pelo bairro do Ipiranga, onde se localiza Helipolis.

    Segundo Bonduki (2004), as primeiras favelas teriam surgido na dcada de 1940, a partir da instituio da lei do inquilinato2 que, aparentemente, defendia o inquilino, mas que incentivou os despejos e a busca por formas alternativas de moradia, nas periferias da cidade, onde predominava o loteamento clandestino da terra e o sistema de autoconstruo nas favelas. At aquela ocasio, grande parte da populao de baixa renda vivia em moradias alugadas, apesar de j existir a alternativa dos loteamentos nas periferias, onde poderiam adquirir um lote e construir suas casas.

    Tal fenmeno foi intensificado pela onda de modernizao da cidade, com a viabilizao do Plano de Avenidas, a partir de 1938, na esto gesto do Prefeito Prestes Maia. As famlias despejadas, sem lugar para morar, passaram a ocupar as reas remanescentes e vazias, na maioria de propriedade pblica.

    Segundo Bonduki (1988, apud. Frana, 2009, p.22), provavelmente a primeira favela de So Paulo foi a ocupao do terreno do Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos (IAPI), localizado junto Avenida do Estado, rea central da cidade, conhecida como Vrzea do Penteado, construdo em 1942.

    No fim da dcada de 1950 o crescimento suburbano da cidade se intensifica, com o prenncio da metropolizao. A implantao do sistema rodovirio de ligao de So Paulo com os diversos centros do pas e com o porto de Santos, por meio das vias Anchieta (ligando So

    2. Decreto-Lei 4598 de 20 de agosto de 1942 que define fortes restries aos alugueis e aos despejos injustifica-dos.

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    Paulo a Santos), Anhanguera (Minas Gerais - Campinas a So Paulo) e Dutra (So Paulo - Rio de Janeiro) ao mesmo tempo em que confirma a posio da cidade como rota obrigatria de passagem e principal centro da indstria e de um crescente mercado consumidor do pas, intensifica os fluxos de circulao, contribuindo para a expanso da mancha urbana e periferizao.

    A instalao da indstria pesada de bens de produo na regio dos municpios do ABC (regio localizada na poro sudeste da Metrpole, no eixo de ligao com o Porto de Santos), articulada ao sistema rodovirio, em detrimento do ferrovirio, incentivou a expanso e acentuou o espraiamento da mancha urbana em direo s reas perifricas, principalmente no vetor sudeste, onde atualmente localiza-se a favela de Helipolis.

    Para Jorge Wilheim (1965 apud ALVIM, 2003), nesta ocasio, a mancha urbana assume um carter metropolitano, no sentido de conurbao, por fora de um processo de preenchimento de vazios urbanos que separavam os ncleos existentes, associado a um crescimento radioconcntrico. (p. 9-10)

    Assim, So Paulo e seus municpios vizinhos passaram a conformar a ento Grande So Paulo, atual Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP), atraindo intensos fluxos migratrios advindos de diversas regies do pas em busca de oportunidades de trabalho principalmente na crescente industrializao do perodo de 1960 1990, chegando aos dias atuais.

    Em 1940, So Paulo tinha cerca de 1,3 milhes de habitantes, em 1960 passa a ter 3,7 milhes de habitantes e em 1970 concentra 4,8 milhes de habitantes.

    As imagens a seguir (Figura 1.7) retratam o momento de So Paulo desde a crescente migrao, em funo da industrializao que se instalava na cidade entre 1950 e 1970, at os anos 2000, em que a massa trabalhadora se espraia para todas as bordas do municpio, inclusive ocupando quase que totalmente as bacias hidrogrficas Billings e Guarapiranga.

  • 40

    Figura 1.7 Acima, os perodos de 1950-1962 ( esquerda, acima) e 1963 e 1974 ( direita, acima) referentes intensificao da industrializao de So Paulo e o inicio da ocupao da periferia da cidade, em especial nas pores leste, sudeste e oeste.Sequencialmente, as imagens so referentes aos perodos entre os anos 1975 a 1985 e 1993 a 2002, possibilitan-do reconhecer o crescente espraiamento da populao para todos os vetores da cidade.

    1.3. As Favelas em So Paulo

    Ainda na dcada de 1960, em So Paulo as favelas eram tratadas como um efeito temporrio dos fluxos migratrios da populao que se dirigia cidade em busca de melhores condies de trabalho. O entendimento era que estes habitantes de outras regies mais pobres do pas vinham em busca de trabalho e renda para depois retornarem para suas cidades com recur-sos suficientes para a permanncia por l, ou que quando da melhora nas condies de vida e o aumento dos recursos proporcionados pelo trabalho certo fariam estes moradores migrarem para locais regulares da cidade (FRANA, 2009; RUBIO, 2011).

    Bueno (2000) destaca que em 1962, pela primeira vez, ocorre a sistematizao sobre o pro-blema das favelas em um trabalho publicado pela Prefeitura Municipal de So Paulo PMSP, reconhecendo a favela na cidade. Segundo a autora, o documento resultado da pesquisa realizada em 1957 pela SAGMACS (Sociedade para Anlise Grfica e Mecanogrfica Aplica-das aos Complexos Sociais), por meio de um convnio com a Prefeitura, cuja finalidade era verificar a situao das favelas na cidade.

    A promoo do meio de transporte sobre pneus contribuiu cada vez mais para empurrar a po-pulao mais pobre rumo periferia para estabelecer moradia, mesmo que distante do centro da cidade de So Paulo, o que consequentemente estabeleceu a necessidade da criao de

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    subcentros para que a classe trabalhadora pudesse estabelecer uma relao de moradia e subsistncia.

    Villaa (2001, p.333) diz que a disputa pelas localizaes uma disputa pela otimizao (no necessariamente minimizao) dos gastos de tempo e energia. [...] Os homens no disputam enquanto indivduos, mas enquanto classes, e essa disputa determinar a estrutura intraurba-na em qualquer modo de produo no apenas no capitalismo e em qualquer sociedade de classes [...]

    A primeira ocupao das favelas acontece onde j existe alguma estrutura da qual eles pos-sam se apropriar, e com o passar do tempo os novos ocupantes consequentemente iro ocu-par as reas mais precrias remanescentes.

    Desde 1940 at os dias atuais, o quadro da precariedade urbana se agravou. No inicio da dcada de 1970 dados apontavam para a favelizao como um fenmeno crescente. Neste momento, aproximadamente 600 mil habitantes ou 1% da populao total (5.929.206 habitan-tes de So Paulo) morava em favelas (PASTERNAK e BOGUS, 2002; ROLNIK, 2004).

    O grfico 1. 1 abaixo apresenta o crescimento das favelas da dcada de 1940 aos primeiros anos da dcada 2000. Observa-se que existem picos de aumento significativos do numero de favelas, particularmente no final dos anos de 1960, meados de 1970 e uma concentrao de crescimento nos anos de 1980, com pontos de picos em 1990. Dos anos 2000 em diante no se verifica o adensamento pujante em nmero de novas favelas, o que se contabilizou, efetivamente, foi o aumento do numero de ocupantes nos assentamentos j existentes.

    Grafico 1.1 : Perodos de crescimento das favelas em So PauloFonte: Secretaria da Habitao do Municpio de So Paulo data base/ 2008

  • 42

    TABELA 1.1: Domiclios em Favelas nas principais metrpoles brasileiras (2000)

    Fonte: Censo Demogrfico do IBGE 2000. In Pasternack, 2008.

    METRPOLES

    So Paulo Rio de JaneiroRecifeBelo HorizonteSalvadorFortalezaBrasliaBelmPorto AlegreManaus

    POPULAO

    17.878.70310.710.5153.337.5654.357.9423.021.5722.984.6892.952.2761.795.5363.718.7781.405.835

    DOMICLIOS

    EM FAVELAS

    416.143349.18357.723

    107.21265.44384.6098.246

    130.95153.44739.505

    % DO TOTAL

    DO BRASIL

    25,221,2

    3,56,5

    45,10,57,93,22,4

    Pasternak (2008), a partir dos dados do Censo Demogrfico do IBGE de 2000, aponta que o maior nmero de assentamentos favelados do Brasil encontrava-se em 2000 nas cidades de So Paulo e Rio de Janeiro. A tabela 1.1, intetiza os dados do dficit habitacional no Brasil em 2000 e o nmero de domiclios em favelas.

  • 43

    O Censo Demogrfico IBGE realizado em 2010 apurou a populao total do Brasil de 190.755.799 habitantes, dos quais mais de 84% vivem em reas urbanas, e menos de 16% em reas rurais. A concentrao de populao em reas urbanas maior nas reas metropolitanas, lideradas pela Regio Metropolitana de So Paulo, que concentra hoje 10% da populao total do pas.

    A populao em favelas no municpio de So Paulo, segundo Pasternack (2008), tem crescido a taxas superiores s da populao do municpio como um todo, com destaque para as reas perifricas. A autora afirma que a taxa de crescimento da populao favelada, na rea em que ela denomina de anel perifrico de So Paulo, era de 3,98% ao ano, entre 1991 e 2000, enquan-to a taxa de crescimento da populao total do municpio de So Paulo era de 2,71% anual, no mesmo perodo. Ainda segundo esta autora, certos distritos da cidade como a Vila Andrade, na Zona Sul (que abriga grandes favelas como Paraispolis), em 1991 tinha 42,73% da populao vivendo em favelas.

    Segundo dados da Secretaria da Habitao, por intermdio de pesquisa realizada em 2008 pela SEADE (Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados), 30% populao da cidade de So Paulo vivia, naquele perodo, em diferentes nveis de precariedade.

    Segundo os dados Demogrficos do IBGE, CENSO 2010, Helipolis deixou de ser a maior fa-vela de So Paulo, cedendo o lugar Paraispolis. No entanto, essa informao deve levar em considerao que os setores censitrios estabelecidos pelo IBGE no so os mesmos setores considerados pela Prefeitura de So Paulo em seus estudos.

    Em pesquisa elaborada pela Fundao SEADE (2008), o assentamento de Helipolis possui cerca de 65.000 habitantes em 18.080 domiclios. O ltimo Censo executado em 2010 passa a contabilizar Helipolis com cerca de 41.000 habitantes.

    De qualquer modo, os assentamentos de Paraispolis (zonal sul), Helipolis (zona sudeste) e Jardim So Francisco (zona leste) ocupam grandes reas na cidade. A figura 1.10 mostra a mancha urbana da cidade de So Paulo e a concentrao das favelas (amarelo), loteamentos irregulares (laranja) e cortios (verde claro), sendo que os dois primeiros ocupam, em sua maio-ria, as periferias da metrpole, enquanto os cortios concentram-se na rea central.

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    JARDIMSO FRANCISCO

    HELIPOLIS

    PARAISPOLIS

    Figura 1.8 Concentraes de assentamentos precrios em So Paulo.Fonte: Disponvel em: . Acesso em 10 maio de 2010.

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    1.4. A Forma da Favela Paulistana Luz dos Conceitos Tericos

    Dentre os autores estudados, Morales (1997) foi quem mais se aproximou em sua teoria ao que se pretende analisar da forma urbana e as modificaes sobre o tecido da favela em conjunto com a cidade. E trazendo seus conceitos para uma realidade mais prxima de So Paulo, que discutiremos a forma da favela luz dos conceitos tericos pesquisados.

    Para tanto, rememoraremos os principais momentos do crescimento perifrico da cidade, procurando lig-los aos indutores da expanso urbana e, portanto, conformando as formas da periferia.

    Historicamente, observam-se em So Paulo dois momentos de grande impulso do cresci-mento dos loteamentos perifricos: o primeiro com a chegada da ferrovia, e o segundo com chegada da industrializao (trazendo consigo a implantao de importantes rodovias e o transporte sobre pneus).

    Com o incremento da ferrovia, proporcionou-se a conexo do centro da cidade s regies mais afastadas, inclusive rea porturia de Santos. As estradas de ferro construdas a partir de 1867 foram instaladas lindeiras s margens dos principais rios de So Paulo (Tamandua-te, Tiet e Pinheiros).

    Juntamente com as ferrovias, foram construdas vilas operrias que tinham como premissa abrigar parte dos trabalhadores das indstrias. A localizao dessas vilas prximas s esta-es de trem acabou induzindo, com o passar do tempo, pontos comerciais, o crescimento de novos bairros em seu entorno, de cidades que se estabeleceram a partir desse elemento indutor, como por exemplo, a cidade de So Caetano do Sul.

    Nesse perodo, a urbanizao perifrica ainda era de certa forma contida nos eixos dos sis-temas sobre trilhos. Na rea central, os bondes induziram o crescimento em direo regio Sudeste, Leste e Nordeste.

    O segundo momento emblemtico para o crescimento da periferia de So Paulo ocorre entre os anos de 1950 e 1970, com a intensificao da industrializao, principalmente da indstria pesada que propiciasse o crescimento de novas moradias dos trabalhadores prximas s fbricas. Assim nasceram as Vilas Operrias, nas quais eram construdas moradias para que os empregados das fbricas tivessem facilidade na mobilidade do dia a dia do trabalho.

    Aliado a este segundo momento, o transporte sobre pneus contribuiu para a intensificao da periferizao, possibilitando a chegada a locais distantes do centro e tambm distantes das vrzeas (linhas frreas). Abre-se, ento, um leque de possibilidades para os novos bairros.

    Para analisarmos o crescimento dos loteamentos perifricos, com nfase nos assentamen-tos precrios, utilizaremos a figura 1.9, uma adaptao dos esquemas de Morales (1997), buscando compreender o reconhecimento dos elementos indutores de desenvolvimento das favelas.

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    O LOTEAMENTO PERIFRICO

    A FAVELA

    FUNAPS (MUTIRO)

    O CONJUNTO HABITACIONAL

    Figura 1.9: Esquemas de crescimento das periferias e assentamentos precrios de So Paulo adaptao de Morales (1997) Fonte: Fonte: Elaborada pela autora. Souza, V. P., 2012

    O virio o elemento permanente e em funo dele se organizam a circulao e, posterior-mente, a infraestrutura.

    Diante do aspecto virio, os loteamentos perifricos so construdos ao longo dos caminhos existentes, consolidando-os e dando incio ao processo de construo dos bairros nas franjas da cidade. Lotes pequenos e irregulares passam a ocupar os espaos vazios, dando origem aos novos bairros. Esse tipo de ocupao foi se construindo em funo das vias de acesso, ampliando a conexo dessas reas ao centro e ao restante do bairro.

    Morales (1997 p.19) aponta que o urbanismo possui uma relao com o crescimento da cidade, principalmente na relao centroperiferia, estabelecendo a contiguidade entre os diferentes usos em zonas diferentes.

    As favelas brasileiras se enquadram na Urbanizao Marginal, definidas por Morales, uma vez que seu crescimento possui ritmo prprio. Caracteriza-se, essencialmente, pela constru-o de moradias econmicas, que supe uma compartimentao pouco adequada ao proces-so familiar, desconectada da necessidade de gastos comuns urbanos como a infraestrutura, que se desenvolve posteriormente.

  • 47

    Morales (1997) constata que as formas precrias de crescimento urbano, mesmo que no reconhecidas em sua origem, tendem a se consolidar como definitivas e integrar-se a cidade convencional. Para que isso seja viabilizado de modo a permitir a habitabilidade dos espaos construdos, Duarte (2008) pondera que a busca de solues adequadas implica, em primeiro lugar, na correta formulao dos problemas e, em segundo lugar, na existncia de vontade poltica para, atravs da mobilizao dos recursos disponveis, implementar as solues pro-postas (DUARTE, 2008, p.81).

    As ponderaes do autor permeiam as caractersticas das intervenes pblicas executadas at hoje em vrias favelas de So Paulo, e, neste caso, em Helipolis. Os Mutires dentre as obras pblicas marcam um processo de reconstruo dos espaos precrios no final dos anos 1980. Alm de dar continuidade implementao de infraestrutura, construes de gabarito baixo se misturavam ao contexto do restante da favela, no sendo dissonante e integrando-se ao restante. Trechos precrios eram removidos e as famlias que seriam beneficiadas traba-lhavam na construo de suas casas, com o auxilio tcnico e subsdio financeiro para essas construes.

    No caso dos Polgonos, definidos por Morales (1997), podemos reconhec-los no Brasil como conjuntos habitacionais. O autor descreve-os como empreendimentos segregacionistas, em sua concepo, em sua atuao e gesto, ou seja, desenhos individuais para um local espe-cfico (p.91, traduo nossa). Esse tipo de projeto promove, segundo o autor, blocos fecha-dos, com limites descontnuos, e proporciona uma segregao vinculada a uma monotonia interior.

    Os valores modernistas enraizados nas construes urbansticas brasileiras dos conjuntos ha-bitacionais, devido a organizao funcionalista das cidades que anularam as consideraes morfolgicas, estabelecem relaes que so muitas vezes montonas. As relaes quantita-tivas e distributivas, o zoneamento e a atribuio de uma funo exclusiva a cada parcela do territrio, segundo Lamas (2010,p.53), produzem cidades montonas, como podemos verifi-car na construo dos conjuntos habitacionais da dcada de 1970, que estabelecem rupturas com a cidade existente, por meio de construes idnticas espalhadas pela cidade, criando, inclusive, um estigma para as habitaes de baixa renda.

    Acredita-se que forma e funo devam caminhar concomitantes, compreendendo os espaos mesmo que ainda mantenham algumas dissonncias temporais entre o planejamento urbano, a construo dos empreendimentos e as obras de infraestrutura. importante, na procura da integrao da composio territorial, trazer a forma urbana como fator agregador.

    Atualmente, a poltica habitacional defende a urbanizao de favelas que alia a implantao de infraestrutura, a remoo de reas risco e construo de novas moradias em determinados trechos do assentamento. Nos novos conjuntos habitacionais entregues populao entre os anos 2005 e 2011, observa-se uma reproduo dos valores da cidade formal.

  • 48

    Deve-se considerar que as intervenes pblicas, quando executadas pontualmente, melho-ram a mobilidade interna favela, implantam infraestrutura, porm, no trazem pessoas do bairro para que faam uso da dinmica da favela, integrando de fato dois trechos inseridos no mesmo bairro.

  • HELIPOLIS FORMAO, CONSOLIDAO E AS INtERVENES PBLICAS2.

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    2. HELIPOLIS: FORMAO, CONSOLIDAO E AS INTERVENES PBLICAS

    No centro de Fedora, metrpole de pedra cinzenta, h um palcio de metal com uma esfera de vidro em cada cmodo. Dentro de cada esfera, v-se uma cidade azul que o modelo para uma outra Fedora. So as formas que a cidade teria podido tomar se, por uma razo ou por outra, no tivesse se tornado o que atualmente. Calvino (2003)

    Esse trecho do livro Cidades Invisveis (2003) pode ser considerado uma metfora referente Helipolis. O uso dessa grande rea poderia ter sido outro, porm isto algo que nunca saberemos.

    Helipolis, favela que se situa na regio sudeste de So Paulo, no bairro do Ipiranga, formou--se e se consolidou ao longo das ltimas quatro dcadas. hoje, possui cerca de 65.000 habi-tantes1 e abriga pelo menos trs geraes de moradores.

    O objetivo deste captulo discutir as especificidades de Helipolis, particularmente a sua forma urbana.

    Para tanto, apresentamos os principais aspectos que contriburam para sua origem, sua evo-luo e situao atual.

    Ao longo de seus 40 anos de existncia, apresentaremos um panorama das principais in-tervenes urbanas realizadas, buscando contextualizar o momento poltico em que estas ocorreram.

    Permeando desde o desfavelamento at os dias atuais sero analisadas as rupturas e con-tiguidades do tecido da favela, proporcionadas pelos seguintes projetos: os Mutires, o Pro-grama de Verticalizao de Favelas (Cingapura) e o Programa de Urbanizao de Favelas.

    1. Fonte: PMSP Pesquisa feita pela Fundao SEADE, 2008

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    2.1. A origem da favela

    Helipolis est localizada no bairro do Ipiranga, zona sudeste da cidade de So Paulo, regio sob a administrao da subprefeitura do Ipiranga.

    O assentamento est situado entre importantes vias de acesso: A Via Anchieta, que possibilita ligao rea porturia de Santos; a Av. Almirante Delamare que conecta So Paulo ao Municpio de So Caetano e a Av. Juntas Provisrias que faz as rota dos caminhes de carga, para a rea central servindo como rota de escoamento de outras regies e cidades.

    Figura 2.1 Esquema de localizao de Helipolis 17 de agosto de 2011. Fonte: Coordenao Projeto Helipolis PMSP SEHAB.

    Entre as vias estruturais da cidade, a formao da favela relaciona-se com a Estrada das Lgrimas2, que alm de guardar um trecho da histria do Brasil, referente ao perodo da 2 Guerra Mundial, hoje, faz o limite entre o bairro do Ipiranga e a favela Helipolis.

    A denominao de Helipolis se deve ao antigo stio Moinho Velho, hoje bairro do Ipiranga, que pertencia Condessa lvares Penteado. Em 1923, a proprietria das terras denominou

    2. A Estrada das Lgrimas possui este nome devido s famlias que se despediam e choravam sob a rvore das Lgrimas, por aqueles que iam, por meio do porto de Santos, lutar na 2 Guerra Mundial. At hoje, existe a rvore que posteriormente deu o nome estrada.

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    parte de seu territrio como Vila Helipolis, e, aps lotear parte das terras, solicitou a regula-rizao e o arruamento prefeitura (PMSP, 2004).

    Em 1947, o Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos (IAPI) adquire a rea com o intuito de construir casas para seus associados. Isso no foi efetivado e a rea passou para o Instituto de Administrao da Previdncia e Assistncia Social (IAPAS).

    No mapa Sara Brasil de 1930 (figuras 2.2) pode-se verificar toda a regio do Ipiranga ainda com pouca ocupao e baixa densidade. A poro ao Norte, onde no incio dos anos 1970 se consolidaria o trecho industrial da regio, dava incio, naquele momento, s primeiras vilas operrias.

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    VILAS OPERRIAS

    PARCELAMENTO DA VILA HELIPOLIS

    FERROVIA

    CRREGO DOS MENINOS

    Figura 2.2 Mapa Sara Brasil 1930: Incio da ocupao do bairro do Ipiranga. Fonte: Acervo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Cidade de So Paulo (FAU-USP)

    CRESCIMENTO DAS INDSTRIAS LINDEIRAS

    A FERROVIAS

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    Com a existncia da ferrovia, desde o final do sculo XIX, observa-se que a ocupao estava condicionada a alguns locais especficos, evidenciando, naquela ocasio, grandes reas va-zias.

    Nos anos seguintes, 1940 a 1954, a regio permanecia livre de construes e servia de lazer para as famlias que estabeleceram residncia no bairro do Ipiranga, conforme as figuras 2.3 e 2.4.

    Segundo informaes dos moradores mais antigos, at a dcada de 1960, Helipolis era uma grande fazenda com rvores frutferas e duas lagoas formadas por minas dgua onde as pes-soas se banhavam (RUBIO, 2011).

    1940

    Figura 2.3 Vila Helipolis.Fontes: 1940 EMPLASA/SEHAB

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    Nos primeiros anos da dcada de 1970, a regio ainda era uma rea de lazer com dimenso semelhante ao Parque do Ibirapuera, na zona sul de So Paulo. Com aproximadamente 1Km de rea livre, campos de futebol de vrzea eram os locais de diverso das famlias nos finais de semana. Com o passar dos anos, uma pista de Motocross3 foi instalada no local, muito utilizada por jovens do Ipiranga e de outras regies da cidade.

    Nessa mesma poca, foi implantado em So Paulo o projeto de atendimento provisrio para famlias de baixa renda, intitulado Vilas Provisrias, destinado a receber famlias de regies

    3. Informao ob