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    I n t r o d u o

    Os termos doena e enfermidade so usados por antroplogos mdicos paradescrever as diferentes perspectivas da sade debilitada por parte de mdicos e seuspacientes. A distino analtica entre os dois termos j foi empreendida por vriosautores (Fox 1968; Fabrega 1973, 1975; Eisenberg 1977; Cassell 1978; Kleinmanet al. 1978; Kleinman 1980); ainda sim, eles no so entidades separadas, masconceitos ou modelos explicativos que, em certa medida, se sobrepem. ComoEisenberg notou, tais modelos so formas de construir a realidade, de impor sentido

    sobre o caos do mundo fenomenolgico. No caso da sade debilitada, os modelosexplicativos que os pacientes usam para explicar o que aconteceu e que determinamseu comportamento talvez tenham pouca relao com aqueles da profisso mdica(Snow e Johnson 1977; Helman 1978, 1980; Kleinman et al. 1978; Snow et al. 1978;

    Blaxter e Paterson 1980); isto talvez guarde importantes implicaes clnicas.

    d o e n a ( d I s e a s e )

    No paradigma cientfico da medicina moderna, doena se refere s anormalidades daestrutura e funo dos rgos e sistemas corporais (Eisenberg 1977). Doenas so aschamadas entidades patolgicas que compem o modelo mdico de sade debilitada,como diabetes e tuberculose, e que podem ser especificamente identificadas edescritas pela referncia a certa evidncia biolgica, qumica ou outra. De certa forma,doenas so vistas como coisas abstratas ou entidades independentes que tm

    propriedades especficas e uma identidade recorrente em qualquer configurao emque possam aparecer. Isto , assume-se que elas sejam universais em sua forma,

    progresso e contedo. A etiologia, sintomas e sinais, histria natural, tratamento e

    Doena versus Enfermidade na Clnica Geral1

    Cecil G. HelmanClnico Geral, Stanmore,Middlesex, pesquisadorassistente honorrio em

    Antropologia, Universidadede College, Londres

    Campos 10(1):119-128, 2009.

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    prognstico so considerados como similares em qualquer indivduo, cultura ou grupo em que ocorram (Fabrega1973; Eisenberg 1977; Cassell 1978; Kleinman 1980). A universalidade da forma de uma doena est relacionada

    com as definies do modelo mdico de sade e normalidade. Em muitos casos, assume-se que a normalidade podeser definida pela referncia a certos parmetros fsicos e bioqumicos, como altura, peso, nvel de hemoglobina,contagem sangunea, nvel de eletrlitos e hormnios, presso sangunea, ritmo cardaco e assim por diante. Paracada medida, h uma faixa numrica dentro da qual o indivduo saudvel e normal. Doena frequentementevista como um desvio destes valores normais e acompanhada por anormalidades na estrutura ou funo dosrgos ou sistemas corporais. Aspectos da personalidade, como a inteligncia, tambm podem ser quantificadosdentro de uma faixa numrica de normalidade, como os testes de QI. Por exemplo, o modelo de doena pressupeque a diabetes em um paciente de Manchester a mesma diabetes em um homem de uma tribo da Nova Guin.

    Enquanto seus nveis de glicose no sangue podem ser idnticos, o significado de doena para os pacientes e asestratgias que eles adotam para lidar com ela podem ser muito diferentes nos dois casos. O modelo de doenano consegue lidar com tais fatores pessoais, culturais e sociais da sade debilitada, que so melhor percebidosa partir da perspectiva da enfermidade.

    e n f e r m I d a d e (I l l n e s s )

    Cassell (1978) usa enfermidade como o que o paciente sente quando ele vai ao mdico e doena como o queo paciente tem ao voltar para casa do consultrio mdico. Doena, ento, algo que um rgo tem; enfermidade algo que um homem tem. Enfermidade se refere resposta subjetiva do paciente ao fato de no estar bem; comoele e aqueles ao seu redor percebem a origem e o significado desse evento; como isso afeta seu comportamentoou relacionamentos com outras pessoas; e os passos que ele toma para remediar essa situao (Eisenberg 1977;Kleinman et al. 1978, 1980). Enfermidade inclui no somente sua experincia de sade debilitada, mas o significadoque ele confere quela experincia.

    Enfermidade, portanto, a perspectiva do paciente sobre sua sade debilitada, a perspectiva que muito

    diferente do modelo de doena. Ela depende de um nmero de fatores. Fox (1968) notou que: as particularidadese nuances do significado emocional de uma enfermidade para um indivduo e a natureza de sua resposta afetiva aoseu estado e sintomas so profundamente influenciados pelo seubackgroundsocial e cultural, assim como pelosseus traos de personalidade. At mesmo respostas para sintomas fsicos, como a dor, podem ser influenciadaspelos fatores sociais e culturais (Zborowski 1952); estes fatores podem, por sua vez, afetar a apresentao dossintomas e do comportamento do paciente e sua famlia (Guttmacher e Elinson 1971; Chrisman 1977).

    m o d e l o s p o p u l a r e s d e e n f e r m I d a d e

    As teorias populares sobre as causas da sade debilitada so parte de modelos conceituais muito mais amplos usadospara explicar a infortnio em geral (Fabrega 1973; Helman 1980). Enfermidade apenas uma forma especializada

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    de infortnio ou m sorte dentro desse modelo maior. Assim, ela compartilha das dimenses psicolgicas, moraise sociais associadas com outras formas de adversidade, especialmente ao responder pergunta: Por que isso

    aconteceu comigo?.Diante de um episdio de sade debilitada, pacientes tentam explicar o que aconteceu, por que aconteceue decidir o que fazer a esse respeito. A forma da enfermidade e o comportamento do paciente e daqueles ao seuredor dependero das respostas dadas s seis perguntas seguintes:

    O que aconteceu?Por que aconteceu?Por que comigo?Por que agora?

    O que aconteceria se nada fosse feito a respeito?O que eu deveria fazer sobre isso ou quem eu deveria consultar em busca de ajuda?Como as perguntas so respondidas e o comportamento que se segue constituem um modelo popular de

    enfermidade.No h somente um modelo popular, mas muitos deles. De certa forma, cada paciente tem seu prprio modelo

    leigo de sofrimento e o que fazer sobre a mesmo, embora um modelo popular particular possa ser compartilhadopor uma famlia, uma rea ou um grande grupo de pessoas (Snow e Johnson 1977; Helman 1978). Chrisman(1977) e Dingwall (1977) apontam que tais modelosfolk mesmo que baseados em premissas cientificamentefalsas podem ter uma lgica e coerncia internas e devem ser levados a srio pelo clnico por serem as formascom as quais o paciente tenta dar sentido e lidar com a sua sade debilitada nos termos de sua prpria viso darealidade. As respostas s seis perguntas determinam como essa m sade interpretada e como se lida comela. Por exemplo:

    1. O que aconteceu? Eu peguei uma gripe. Isso inclui nomear a condio ou lhe atribuir uma identidadedentro do quadro leigo de referncias e aninhado em seu prprio vocabulrio. Mesmo que termos emprestados domodelo mdico (como vrus) sejam usados pelos pacientes, podem ser conceitualizados de uma forma diferente

    (Helman 1978).2, 3 e 4.Por que aconteceu? Por que comigo? Por que agora? Porque eu sa na chuva depois de um banhoquente, quando eu estava me sentindo para baixo. Isto incorpora teorias leigas de etiologia baseadas em crenassobre a causao da enfermidade e a estrutura e funcionamento do corpo humano. Fisher (1968) e Snow e Johnson(1977) notaram que as crenas populares sobre o corpo podem ter pouca relao com aquelas da profisso mdica.Chrisman (1977) observa quatro categorias comuns de etiologia dentro do modelo popular de enfermidade:

    Invaso, como um germe, cncer, alguma coisa que eu comi ou a intruso de um objeto;

    Degenerescncia, como estar modo ou acumulao de toxinas;

    Mecnico, como bloqueio do trato gastrointestinal ou das artrias;Balano, como manter uma dieta apropriada, vitaminas suficientes, sono suficiente, assim como manter

    a harmonia na vida e nos relacionamentos do paciente.

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    Estas quatro categorias etiolgicas tendem a se sobrepor. H, usualmente, um continuumdas crenas leigas,desde crenas mais tradicionais at aquelas mais cientficas, derivadas do modelo mdico.

    5. O que aconteceria se nada fosse feito a respeito? Poder descer para meu peito. Aqui, incluem-se crenaspopulares sobre o significado, prognstico e provvel histria natural da condio.

    6. O que devo fazer sobre isso ou quem devo consultar em busca de ajuda? Tomar uma aspirina ou Ligarpara o mdico. Essa estratgia ou comportamento de sade decorre logicamente do modelo anterior. Com basenestas premissas, os pacientes podem agir de vrias maneiras:

    a)Automedicao. Vrios estudos mostram que a maior parte dos sintomas nunca so trazidos para qualquerinstncia mdica, mas so tratados pelos pacientes, ou suas famlias, conforme seu prprio modelo popular deenfermidade. Levitt (1976) estimou que, na Inglaterra, cerca de 75% dos sintomas so tratados pelos prpriospacientes. Muito disso feito pela automedicao. Pacientes que se sentem mal frequentemente recorrem a tnicos,amargos ou aspirinas compradas em farmcias (Claridge 1970); farmacuticos so frequentemente consultadospara uma ampla variedade de condies, de queixas sobre a pele at hemorridas (Sharpe 1979). Jefferys e seuscolegas (1960) e Dunnell e Cartwright (1972) descobriram que entre dois teros e trs quartos dos pacientesentrevistados tinham tomado alguma automedicao, especialmente analgsicos, nas ltimas semanas antes de

    suas entrevistas. O uso leigo de medicamentos autoprescritos tanto remdios modernos quanto tradicionais logicamente acompanha as crenas dos pacientes sobre a natureza destes preparados e as condies em que

    so teis.b) Consulta com outros. Exceto nas condies muito isoladas, a enfermidade um evento social. Ela

    envolve pessoas alm do paciente, j que ela perturba sua participao naquelas coletividades das quais ele membro (Dingwall, 1977). Estas coletividades incluem famlia e redes de amizade, assim como o local de trabalhoe outras organizaes. O paciente que se rotula como doente capaz de adotar osick role22, assim remover-setemporariamente de muitas obrigaes da vida diria. Se autorrotular, no entanto, frequentemente no suficientepara permitir que o paciente adote osick role e colha seus benefcios, especialmente quando parece que a maioria

    das pessoas est doente de alguma forma, a maior parte do tempo. No estudo de Dunnell e Cartwright (1972),91% dos adultos, em uma entrevista aleatria, reportaram que eles haviam tido um ou mais sintomas anormaisnas duas semanas que precederam a entrevista. A maior parte destes sintomas tratada pelos pacientes e poraqueles ao seu redor em termos de suas crenas populares sobre a causao e tratamento das enfermidades.

    Um paciente que se sente enfermo segue uma cadeia de conselhos e tratamentos da automedicao at aconsulta, primeiro, sua famlia, depois aos seus amigos, aos vizinhos, ao farmacutico local e assim por diante. Oponto em que estas pessoas reconhecem a sade debilitada do paciente e lhe confirmam osick role varia conformeos grupos sociais e culturais. A percepo da famlia sobre a enfermidade, por exemplo, pode ser diferente da do

    paciente (Dingwall 1977; Kleinman et al. 1978), especialmente no caso das desordens psicolgicas (Laing 1967). Almdisso, o que considerado como uma enfermidade genuna (e, assim, demandando tratamento) em uma sociedadeou grupo cultural talvez no seja considerada como tal em outras sociedades e grupos (Fox 1968). Certos tipos de

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    enfermidade, por exemplo, uma infeco por um germe, tendem a mobilizar uma comunidade dedicada ao redordo paciente que considerado livre de culpa por sua condio que outras, em que a culpa pela enfermidade

    atribuda ao comportamento irresponsvel do paciente como, por exemplo, o consumo excessivo de lcool ousair na chuva depois de um banho quente (Helman 1978).

    Somente quando o paciente e aqueles ao seu redor se sentem incapazes para lidar com a enfermidade que a trazem para um clnico geral, para ser convertida em doena. Oferecer uma receita ou um atestado mdicoconfirma essa mudana de paradigma e legitima o paciente nosick role.

    c)Depois da consulta. Crenas populares sobre a enfermidade afetam as atitudes e o comportamento dospacientes aps a consulta, especialmente a adeso com as instrues de seu mdico (Stimson 1974; Stimson eWebb 1975; Eaton 1980). Os pacientes tomam decises sobre se vo tomar a medicao prescrita e tambm

    como ela deve ser tomada com base no conhecimento leigo derivado da famlia, amigos, livros, mdia, experinciapessoal e, em menor grau, do clnico geral em si (Stimson e Webb 1975; Eaton 1980). Somente se os tratamentosprescritos fazem sentido para o paciente que sero tomados segundo a orientao. Perceber a no adeso apartir da perspectiva das crenas populares do paciente sobre a enfermidade pode oferecerinsights teis sobreo problema (Stimson 1974).

    I m p l I c a e s c l n I c a s d a s c r e n a s p o p u l a r e s : a l g u n s e x e m p l o s

    1. Blaxter e Paterson (1980) estudaram as crenas e os comportamentos em sade de duas geraes de mulheresde classe trabalhadora em Aberdeen (Inglaterra). Em muitos casos, as mulheres tinham baixas expectativas parasua prpria sade, assim como para as de suas famlias. A sade era definida em um sentido funcional, social,isto , a habilidade de continuar a vida diria, apesar da experincia de enfermidade. Elas, portanto, definiam-secomo saudveis, apesar da evidncia mdica em contrrio, e isso obviamente afetava sua atitude em relao

    necessidade de cuidado mdico. Muitas das jovens mes ignoravam ou adiavam procurar ajuda para suas crianascom infeco crnica de ouvido e outras condies que no causavam um distrbio de funo; estas condieseram tidas como conectadas sade geral das crianas ao invs de sintomas de uma enfermidade aguda tratvel.Por exemplo, [...] mas isso no o que voc chamaria de enfermidade s uma coisa que aconteceu. Ela temproblemas nos ouvidos, mas isso est alm da questo da sade.

    2. Snow e seus colegas (1978) estudaram crenas leigas sobre menstruao e gravidez entre mulheresem uma clnica urbana estadunidense. Muitas destas crenas poderiam ter um efeito adverso sobre sua sadee no resultado de suas gestaes. Por exemplo, 16% acreditavam que o feto no seria afetado por uma doena

    venrea da me j que, durante a gravidez, o tero fica fechado e germes no podem entrar. Em outro estudosobre crenas menstruais (Snow e Johnson 1977), muitas mulheres acreditavam que elas s poderiam engravidarantes, durante ou logo depois do perodo em que seus teros estivessem abertos. Entendia-se que nenhuma

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    contracepo era exigida nos outros momentos do ms, j que, ento, o tero estaria firmemente fechado e oesperma no poderia entrar.

    3. Kleinman e seus colegas (1978) contam o caso de uma mulher de 60 anos com edema pulmonar admitidano Hospital Geral de Massachusetts (Estados Unidos). Informada de que tinha gua em seus pulmes, ela comeoua agir de forma bizarra, vomitando e urinando com frequncia em sua cama. Uma consulta psiquitrica revelou quea mulher, filha e esposa de bombeiros hidrulicos, tinha uma concepo popular da anatomia do corpo humanona qual o peito era conectado por canos que levavam boca e uretra. Ela vinha tentando remover a maiorquantidade possvel de gua dos pulmes pelo vmito e a frequente mico. Depois de explicaes apropriadassobre a estrutura e a funo do corpo, seu comportamento pouco usual terminou imediatamente.

    r e l a o e n t r e d o e n a e e n f e r m I d a d e

    A maior parte das doenas, embora no todas, acompanhada de enfermidades, isto , por uma reao psicolgica,social e cultural ao processo de doena. Como mencionado, essa reao pode variar entre indivduos, grupos eunidades culturais. Membros de comunidades tnicas minoritrias, por exemplo, diante de episdios similaresde doena podem variar marcadamente sobre os sintomas dos quais se queixam e em como estes ltimos so

    comunicados para outras pessoas (Zborowski 1980; MacCormack 1980).Como Kleinman (1980) ressalta, pode haver uma relao circular entre enfermidade e doena. Por exemplo,

    em uma neurose crnica de ansiedade, um episdio de ansiedade aguda pode se manifestar por uma taquicardia (oprocesso de doena). A percepo do paciente deste sintoma fsico e de seu significado parte de sua experinciade enfermidade neste caso, uma sensao de excesso de ansiedade em relao ao sintoma. Isto pode, por suavez, provocar mais taquicardia, mais ansiedade e assim por diante. Esta retroalimentao positiva, com um crculovicioso e ascendente de doena e enfermidade, frequentemente notada em outros casos de excesso de ansiedade,

    como asma, hiperventilao e outras queixas psicossomticas.A doena pode acontecer na ausncia da enfermidade. Em condies agudas severas, como trauma massivoou infeco esmagadora, pode no haver tempo para modelar a doena dentro da experincia de enfermidade(Kleinman 1980). Em alguns casos, como a hipertenso assintomtica ou um carcinoma cervical inicial, pacientespodem ser informados de que tm uma doena, embora eles no a sintam. Como resultado, eles podem no vera necessidade de tratamento mdico. Pacientes que tm uma doena assintomtica, mas no uma enfermidade,talvez possam, portanto, relutar em consultar seu clnico geral para um check-up regular, repetir prescries,ecografia cervical e assim por diante. Isto pode ajudar a explicar o fenmeno da no adeso s instrues de um

    mdico (Stimson 1974).A enfermidade tambm pode acontecer na ausncia de uma doena (Eisenberg 1977; Cassell 1978).

    Hipocondria um exemplo, embora este grupo contemple uma ampla variedade de sensaes subjetivas de mal-

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    estar que so, geralmente, de origem psicolgica e para o qual nenhuma causa fsica pode ser encontrada. Umclnico geral que enfatiza somente o tratamento da doena, sem considerar a dimenso da enfermidade, pode parecer

    indiferente para um paciente no qual nenhuma doena fsica encontrada. Isto pode causar descontentamentopor parte do paciente e pode levar no adeso, automedicao ou consulta de profissionais no qualificados,mas que esto mais dispostos para lidar com a enfermidade. A maior parte dos clnicos gerais, no entanto, tratartanto da enfermidade quanto da doena.

    bom lembrar tambm que alguns tratamentos mdicos, como medicamentos e operaes, podem causarenfermidades e, em alguns casos, doenas.

    d o e n a e e n f e r m I d a d e n a c I r u r g I a

    Na Inglaterra, a principal interface entre os modelos mdicos e leigos para a sade debilitada a consulta clnicageral. Enquanto os prprios pacientes lidam com a maior parte dos sintomas, o clnico geral o primeiro pontode contato para cerca de 90% daqueles que de fato procuram tratamento mdico profissional (Levitt 1976). Naconsulta, mdico e paciente devem concordar com a interpretao dos sintomas do paciente e com o tratamentoa ser oferecido. A viso do mdico sobre o processo da doena deve ser reconciliada com a viso subjetiva que

    o paciente tem de sua prpria enfermidade e as contradies entre os dois modelos devem ser resolvidas peloprocesso de negociao (Stimson e Webb 1975). Tanto o diagnstico quanto o tratamento prescrito devem fazersentido nos termos dos modelos leigos de enfermidade do paciente ou, ento, no sero aceitos. Por esta razo,clnicos gerais geralmente usam conceitos e vocabulrio emprestados tanto do modelo leigo quanto do mdico(Eisenberg 1977; Helman 1978), a fim de estabelecer um consenso para o propsito da ao (Fabrega 1975).Sem este consenso, pode-se resultar em uma relao mdico-paciente medocre, na no adeso e em problemasmdico-legais.

    c o n c l u s e s

    O modelo doena/enfermidade desenvolvido por antroplogos mdicos oferece uma perspectiva til sobre odiagnstico e o tratamento da sade debilitada na clnica geral e em fenmenos como a no adeso, a automedicaoe o descontentamento com o cuidado mdico. Para que o cuidado mdico seja mais efetivo e aceitvel paraos pacientes , clnicos gerais devem tratar tanto a enfermidade quanto a doena em seus pacientes. E tambm

    devem estar atentos para como as perspectivas dos modelos leigos e mdicos de sade debilitada se diferenciame devem reconhecer as implicaes clnicas destas diferenas.

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    t r a d u o

    Soraya Fleischer (Professora do Departamento de Antropologia da UnB)

    r e v I s o

    Amanda Frenkle (graduanda, UNB)

    a g r a d e c I m e n t o s

    Eu gostaria de reconhecer o apoio da senhora E. Packter, bibliotecria, Ps-Graduanda do Centro Mdico, HospitalGeral Edgware.

    n o t a s

    1 Journal of the Royal College of General Practi tioners, 1981, 31: 548-552.

    2 N.T. Optamos por deixar o termo no original porque, embora no cite neste artigo, bastante provvel que o autor se remeta

    diretamente categoriasick role (papel do doente) tornada clssica na sociologia mdica por Talcott Parsons, no incio da dcada

    de 1950.

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