Helênicas - perse.com.br€¦ · Parte dos estabelecimentos comerciais ou prédios citados neste...
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EVANA RIBEIRO
Helênicas
Primeira edição
2011
Evana Ribeiro
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NOTA DA AUTORA:
Helênicas foi, em parte, concebida segundo a estrutura de
uma novela televisiva. As “transições” de cena são indicadas pelo
sinal gráfico [.], para melhor compreensão do leitor.
Parte dos estabelecimentos comerciais ou prédios
citados neste livro não existe, mas foi inspirado em lugares
existentes no mundo real.
Qualquer semelhança com nomes ou acontecimentos
reais será mera coincidência.
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A minha família, por todo o apoio moral; a meus amigos
[especialmente Walter e Eddy, que foram os primeiros a ler as
primeiras linhas da história destas Helenas], e também a todos os
que direta ou indiretamente, ajudaram a construir esta história.
Mesmo que não percebam, vocês estão todos aqui.
P.S. Não podemos esquecer de agradecer a Manoel
Carlos. Se não fosse por ele, provavelmente as três estrelas desta
história não se chamariam Helena.
Evana R.
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CAPÍTULO 01
Cabo de Santo Agostinho, cidade a 33 quilômetros de
Recife, mais conhecida por suas praias, agora em franco
crescimento graças aos negócios da refinaria de Suape. Ficando
no caminho para a famosíssima Porto de Galinhas, tem quem
acabe se encantando com a parte litorânea ou se empolgando
com o potencial econômico do lugar. Mas não é exatamente de
economia que essa história vai falar, embora tenha um de seus
pés fincado nela.
Maria Helena é uma mocinha com seus 23 anos,
bonitinha, magrinha, cabe direitinho naquelas saias retas na altura
do joelho que as meninas usam para ir à Assembleia de Deus,
com o diferencial de que essa não é de frequentar a igreja e só
compra as tais saias porque é mais barato e até caem bem nela.
E sobem fácil quando ela se encontra com Gustavo.
Havia quatro anos que o casalzinho levava esse namoro
escondido, nos becos do Mercadão onde ela vendia frutas com a
tia Mariluce. Um namoro daqueles tecnicamente impossíveis de
acontecer: enquanto ela vendia frutas em uma simples
barraquinha no Mercadão; ele vendia frutas, verduras, biscoitos,
cereais, produtos de limpeza e até eletrodomésticos... Quer dizer,
ele não. Os pais dele, atuais donos da rede de hipermercados
Ceres. Na verdade não importava muito se era o pai ou o filho; o
importante é que nessa história ele entrava com o dinheiro para
as saídas e ela com o resto [se é que vocês entendem].
- Gu, eu tava pensando num negócio.
- No quê?
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- Que você nunca...
- Que eu nunca te chamo de amor, de gatinha, de flor?
- Não! Pra isso eu não ligo... O último cara que me
chamou de amor foi o cabeleireiro viado ali da esquina, aquele
que ganhou o Miss Parada Gay do ano passado. É que a gente
nunca ficou junto numa cama daquelas bem grande, bem fofa...
Queria tanto. Vamos pra sua casa?
- Não! Tu sabe que não dá pra ir pra minha casa; meus
pais tão lá e eu acho que eles te conhecem...
- Conhecem nada; eles nem pisam aqui na feira, vão me
conhecer.
- Mesmo assim, eu acho melhor não, vai ser muita
pergunta. Mas eu te levo no melhor motel do Recife agora, se
você quiser.
- Agora?
- Já.
Ela só queria uma cama king size para se espalhar com
seu amor; e ele oferecia uma ida ao motel mais chique. Aquilo
bastava para deixá-la nas nuvens: um homem que dava mais do
que ela pedia. Esqueceu até que eram ainda duas da tarde,
horário de trabalho; e foi embora pendurada nos braços do
namoradinho, para entrar direto no Ford Ka preto que o moço
tinha ganho quando passou no vestibular. Ganharam a rua.
Na casa de Gustavo, o pai provavelmente não perceberia
se o único filho passasse com Maria Helena e se enfiasse
corredor adentro. Olívio estava ocupado demais vendo corrida
de cavalos na TV e apostando dinheiro com os coleguinhas na
internet acessada via Blackberry. Flávia, para variar, estava ao
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telefone fazendo o sagrado DDI do fim de semana para seu
irmão, Cássio.
- E sua esposinha?
- A minha es-po-sa vai muito bem, obrigada. Vem cá,
qual é o teu problema com a Kimberly? Eu achei que você ia
gostar dela, que iam trocar figurinhas...
- É que quando você disse que ia casar com uma
americana, eu achei que fosse o padrão novaiorquino; não essa
caipira que você arranjou.
- Pelo menos a caipira é linda, inteligente, prendada,
ótima mãe e me faz feliz pra caramba. Ao contrário de certas
pessoas...
- Tá dizendo que eu sou infeliz com o Olívio?
- Ah, não! É que eu esqueci uma parte da frase, deixa eu
completar. Além de me fazer muito feliz, eu a escolhi. Ao
contrário de certas pessoas... Agora sim, pode comentar.
- Tá dizendo que eu sou infeliz porque não escolhi o
meu marido? Pois saiba que escolherem Olívio foi a melhor coisa
que fizeram por mim.
- Então tá, quem dorme com ele é você...
- Isso dá certo, acredite! Vai dar certo com os nossos
filhos também.
Do outro lado da linha Cássio não falou nada. Estava
com uma cara estranha, de quem não parece gostar muito do que
acaba de ouvir. Mais ou menos a mesma cara de quem está
dormindo tranquilamente no domingo pela manhã e é acordado
por Testemunhas de Jeová com a Sentinela na mão. Kimberly
cruzou a sala com os cabelos molhados presos em coque para
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não respingar a tinta vermelha que usava desde que tinha entrado
na casa dos cinquenta e, julgando que ele estivesse ocupado
ouvindo a irmã, nem disse oi.
[.]
Lemon Hotel. Também conhecido como o motel mais
suntuoso do Recife, a transformação de limões e limonadas em
algo altamente afrodisíaco. O Ford Ka de Gustavo entrando,
outros carros saindo e um carro - também verde - parado bem
na porta. Dentro daquele carro verde, havia uma mulher que
carregava no rosto a dor de ter amputado um braço ou uma
perna.
Telma era recém-divorciada. E pouco antes do break-up,
tinha perdido um filho também. Um filho de apenas 10 anos,
que estava crescendo, ficando cada vez maior, chamando a
atenção de todo mundo, dando orgulho... Tinha um futuro
daqueles. Ela e Bartolomeu tinham vislumbrado O futuro. As
festas de aniversário de 15, 20, 25, 30 anos; quantas vidas seriam
afetadas e alegradas por aquela... Produtora de vídeos.
Em 15 anos de união, Bartolomeu e Telma não tiveram
filhos no sentido mamífero da coisa. Mas a Lobo Produções
havia sido gerada como se fosse uma criança. Seu embrião
surgiu num quarto daquele motel numa noite daquelas em que
uma trepada só não basta para amenizar o fogo. Duas, três
vezes. E eles se riam, suados, roupas e lençois no chão,
brincavam que àquela noite o desempenho tinha sido digno de
filme pornô. Se tivessem uma câmera ali... Podiam vender e
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fariam o maior sucesso porque tem muita gente que gosta de
putaria a preço de banana. As pesquisas de mercado apontam o
contrário porque isso é coisa que não se assume nem a pau.
Filmes. Saíram de lá gravidíssimos de uma grande ideia.
E a produtora nasceu três meses depois, contando com
uma filmadora e uma salinha comercial que servia de estúdio.
Apenas Bartô e Telminha para tudo: cenografia, figurinos... Eles
eram os atores também. E o primeiro filme foi justamente o tal
pornô. Mas quando iam lançar a fita no mercado, ela desistiu e
enfurnou a produção colchão abaixo. Nunca souberam como
seria a vida se tivessem liberado o tal filme, mas até que se
deram bem fazendo comerciais, vídeos institucionais, um ou
outro curta-metragem, filmagem de casamento e festa de
aniversário... Aos poucos foram ganhando respeito.
Conseguiram fechar contrato com
uma emissora local para produzir uma série, o auge! Foi aí que
começaram os problemas. Crise, brigas, contrato não cumprido,
contrato cancelado e FIM de empresa e de casamento. Agora
ela estava ali dentro do carro velhinho - único bem que era só
dela desde o começo - rememorando toda a história. Doía
como se tivesse perdido um filho no sentido humano da coisa.
Na verdade um pouco menos, mas chorava porque era dela que
tinha saído o primeiro suspiro do projeto. Ela havia dado uma
das facadas. Ainda sangrava - dívidas a pagar.
Havia passado uma hora ali, remoendo toda a história
mais de uma vez. Uma hora parada bem na porta da garagem
que logo se abria.
Apenas uma hora que havia valido por um dia inteiro de
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sonho para Maria Helena.
- Vamos fazer de novo quando?
- Amanhã.
- Você vai me trazer aqui amanhã de novo?
- Não, por quê?
Armou-se uma carranquinha.
- Eu achei que...
- Ah, você fez a pergunta errada.
- Gostei tanto daqui...
- E de mim?
- Gosto sempre. - desarmou-se a carranquinha.
- Então não fique com essa cara de abuso; ainda vou te
levar pra outros lugares legais, palavra.
Ainda estavam parados na saída, e outros dois carros
atrás, esperando. Buzinavam como se a culpa fosse deles.
- Peraí, caramba!
Gustavo começou a buzinar para Telma, que enxugava as
lágrimas. Ela deu partida, estancou, respirou fundo e se foi.
[.]
Bartolomeu também curtia seu luto passeando pela sala
onde a produtora havia se firmado. Pouco depois haviam
adquirido a segunda sala e finalmente podiam passear por um
corredor como se fosse uma grandissíssima empresa. Ensaiavam
para a grande empresa que teriam se não tivessem acabado com
tudo. Ele também sofria porque se sentia como o pai. Se não
tivessem transado três vezes naquele dia, Telma teria a ideia?
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Caminhava pelas duas salas vazias tentando se acostumar
com a ideia de que o projeto, assim como o seu casamento, estava
acabado. Vazio como no começo, mas ele estava sozinho. Não
sabia se sofria por estar sem trabalho [e consequentemente sem
dinheiro] ou por estar sem mulher. Talvez por tudo. Perdia a
mulher porque não havia mais trabalho; perdera o trabalho porque
estava perdendo a mulher. Tudo ao mesmo tempo. E parecia não
ter juntado coragem suficiente para sair dali e encarar a grande
pergunta que o esperava lá fora: “e agora?”
Telma também guardava sua chave e também teve a ideia
de ir para lá uma última vez, se despedir de uma vez de tudo.
Entrou na primeira sala, onde tudo começou; não viu o ex-marido
que já estava no fim do tour. Mas para sair ele teria de voltar àquela
sala. Foi o que aconteceu: se viram. Um minuto de silêncio
constrangedor que só os reencontros pós briga homérica são
capazes de ter. Ele o quebrou.
- Ah, oi.
- Oi.
Mais um pouco de silêncio.
- Parece que tivemos a mesma ideia, não é?
- O que não quer dizer que a gente pense igual.
- Que a gente pensa mais ou menos igual sim, né?
- Não!
- O que você veio fazer aqui?
- Lembrar dos bons dias.
- Eu também. Tá vendo como a gente pensa igual?
- Não tô vendo nada.
- Tá ouvindo como a gente pensa igual?
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- Vou embora.
- Ih, de novo. Eu também vou embora.
- Já que é assim, vou ficar.
- Tchau!
Bartolomeu abriu a porta para sair, mas logo a fechou e
deu meia volta.
- Ô Telma, e aquela fita?
- Que fita?
- A nossa. Onde foi que você guardou?
- Ah, aquela fita... Sei lá. Acho que mofou e eu joguei fora
na última faxina.
- O que teria acontecido se a gente tivesse botado aquela
fita na roda?
- A gente não ia poder sair na rua.
- Se você encontrar, o que vai fazer?
- Jogar fora, por quê?
- Não, é que seria uma saída boa... Pornô ainda vende pra
chuchu naquelas barracas piratas.
- Vender aquilo pra todo mundo comprar e me fazer
lembrar que a gente transou um dia? Eu ia me matar, não ia nem
aproveitar o dinheiro.
- Isso, cospe no prato que você comeu bem comido e
mais de uma vez!
- Cuspo e vomito se for necessário. E tchau!
Dizendo aquilo e se esforçando para fazer cara de nojo,
Telma disparou corredor adentro e Bartolomeu se foi de uma vez
para encarar a pergunta que não gostaria de. “E agora?”
Quando Bartolomeu saiu do prédio de apenas dois
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andares que abrigava a finada Lobo Produções, o dono do imóvel
chegava acompanhado de outras duas pessoas. Os recém-
chegados olhavam o prédio de alto a baixo, de baixo a cima e
Bartolomeu parou para tentar ouvir o que o trio conversava.
Entendeu apenas uma palavra que resumia tudo: reforma. Aquela
palavra congelava tudo dentro dele, toda a história seria apenas
uma história assim que o prédio fosse reformado. Sem referências
que pudessem ser escavadas por pretensos arqueólogos dali uns
anos [como se o ex-casal fosse muito importante]. A sala não seria
mais aquela sala onde tudo ganhou forma e nasceu. O corredor
não seria o mesmo corredor por onde ele e Telma andaram como
se fosse um corredor branco-acinzentado de multinacional. E
achou bom.
- Tomara que derrubem! - ele murmurou, passando bem
pertinho do seu ex-senhorio e torcendo para que ele ouvisse.
[.]
Muito longe dali, num lugar onde não havia prédios,
produtoras de vídeo nem nada; duas mulheres arrumavam uma
mala.
- Não precisa, mãe. Nem tenho tanta coisa assim pra
levar...
- Deixa eu arrumar, Lucinha. Vai ser a última coisa que
vou poder fazer por você.
Jeane, a mãe, parecia tranquila ao fechar a mala, mas o
barulho do zíper se fechando encobria um solucinho. Estava de
coração dissolvido por ver a filha saindo do jeito que tinha