Hempel, C.G. - Filosofia da Ciência Natural

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    CURSO MODERNO DE FILOSOFIA CARL G. HEMPELda Universidade de Princeton

    F IL O SO F IA D A"C IE NC IA N AT UR ALTraduciio de

    PUNIO SUSSEKIND ROCHAda Universidade Federal da Guanabara

    Segunda ediciio

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    ').r:

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    Titulo original:Philosophy of Natural Science

    . . d' - blicada em 1966 pela PRENTICE-HALL,Traduzido da pnm;l~r;f l~~~:~ersey, Estados Unidos da America, naI~~., de Englewoo Sl OS'FPHILOSOPHY, dirigida por ELIZABETH esene FOUNDATIONMONROE BEARDSLEY.Copyright 1966 by Prentice-Hall, Inc.

    capa deE Ric 0

    1974Dire itos para a lingua portuguesa adquiridos por

    ZAHAR EDITORESRua Mexico, 31 - Rio de Janeiro

    I d -que se reservam a prorriedade. desta tra u~aoImpressa 110 Brasil

    fNDICE

    Prejdcio . . . . . . . . . . . ~. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 911. Alcance e Objetivo deste Livro .2. Investigacao Cientiiica: Invenciio e Verificaciio .. 13

    Urn Caso Hist6rico como Exemplo, 13. As EtapasFundamentais para Verificar uma Hip6tese, 16.o Papel da Inducao na Investigacao Cientifica, 21.

    3. A Verijicaciio de uma Hipotese: Sua Logica eSua Forra .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32Verificacoes Experirnentais vs. Nao-Experirnen-tais, 32. 0 Papel das Hip6teses Aux ili ares, 36.Verifi cacoes Crucia is, 40 . Hipoteses ad hoc, 43.Verif icabil idade em Principio e Significacao Em-pirica, 45.

    4. Criterios de Conjirmaciio e Aceitabilidade .Quantidade, Variedade e Precisao da EvidenciaSustentadora, 48. Confirmacao por "Novas": Irn-plicacoes, 52. 0 Apoio Te6rico, 54. Sirnplici-dade, 57. A Probabilidade das Hipoteses, 63.

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    \l 5. As Leis e seu Papel na Explicacan Cientiiica ... 65Duas Exigencias Basicas para as ExplicacoesCien tifi cas, 65. A Expl icacao Dedut ivo-Nomol6-gica, 68. Leis Universa is e Generalizacoes Aciden-ta is, 73 . As Explicacoes Probabil isti cas: Seus Fun-damentos, 78. Probabilidades Estat isticas e LeisProbabil ist icas, 79. 0 Carater Indativo da Expli-cacao Probabilistica, 89. ' - t - . .

    II. As Teorias e a Explicariio Teorica .As Caracteristicas Gerais das Teorias, 92. Os Prin-cipios Internos e os Principios de Transposicao,95. Cornpreensao Teorica, 98. 0 "Status" dasEntidades Teoricas, 100. Explicacao e "Reducaono Familiar", 106.

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    6 FILOSOFIA DA CI~NCIA NATURAL109Formaciio de Conceitos .

    Definicao, 109. Definicoes Op~radonais, 11~.Importincia Sistematica e Empirica ~os ,~onceI-tos Cientificos, 117. Sobre as Questoes , Opera-cionalmente sern Sentido", 123. 0 Carater dasSentencas Interpretativas, 124.8. Reduciio Teorica .

    A Controversia Mecanicismo vs. Vital ismo, 12?Reducao dos Termos, 131. .~edu

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    Para PETER ANDREWe TOBY ANNE

    PREFACIO

    Este livro oferece uma introducao a alguns dos topicoscentrais da Metodologia e da Filosofia da Ciencia Natural con-temporaneas, Para atender as exigencias do espaco disponivel,preferi tratar com certa minucia urn numero limitado de ques-toes importantes a tentar urn esboco rudimentar de urn pano-rama mais vasto. Embora seja livro de carater elementar, pro-curei evitar uma simplificacao enganosa e apontei variasquestoes que ainda estao sendo pesquisadas e discutidas.Os leitores que quiserem conhecer melhor as questoes aquiexaminadas ouse informar sobre outros problemas da Filosofiada Ciencia encontrarao sugestoes para leituras adicionais nacurta bibliogra fia que se acha no fim do volume.Uma parte substancial deste livro foi escrita em 1964, du-rante os ultimos meses de urn ana em que fiz parte do Centrode Estudos A vancados em Ciencias do Comportamento. Ouerodeixar aqui expresso 0 quanta apreciei esta oportunidade.E quero, por fim, agradecer calorosamente aos diretoresdesta colecao, Elizabeth e Monroe Beardsley, pelos conselhosvaliosos e a Jerome B. Neu pelo auxilio eficiente na leitura dasprovas.

    CARL G. HEMPEL

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    ALCANCE E OBJETIVO DESTE LIVRO

    Os diferentes ramos da investigacao cientif ica podern serseparados em dois grupos maiores: as Ciencias ernpiricas e asnao-empiricas. As primeiras procuram descobrir , descrever,explicar e predizer as ocorrencias no mundo em que vivemos.Suas assercoes devern ser, portanto, confrontadas com os fatosde nossa experiencia e so sao aceitaveis se amparadas por umaevidencia ernpirica.Tal evidencia se obtem de muitas maneiras: por experimen-tacao, por observacao sistematica, por entrevistas ou levanta-mentos, por exames psicologicos ou clinicos, por estudo atentode reliquias arqueo16gicas, documentos, inscricoes, moedasetc. B dessa referencia essencial a experiencia que prescindema L6gica e a Maternatica pura, que sao as Ciencias nao-empiricas.As Ciencias empiricas dividem-se por sua vez em CienciasNaturals e Ciencias Sociais. 0 criterio paraessa divisao e muitomenos claro do que 0que distingue a investigacao empirica danao-empirica e nao existe acordo geral sobre onde se encontra alinha de separacao. E costume incluir nas Ciencias Naturais aFfsica, a Quimica, a Biologia e as suas zonas fronteiricas. AsCiencias Sociais compreendem entao a Sociologia, a Ciencia Po-litica, a Antropologia, a Econornia, a Historiografia e as discipli-nas correlatas. A Psicologia 6 as vezes incluida num campo, asvezes noutro e nao raro e dita pertencer a ambos.Na presente colecao, a Filosofia das Ciencias Naturais e aFilosofia das Ciencias Sociais sao tratadas em volumes diferen-tes. Esta separacao visa apenas ao prop6sito pratico de permitirdiscussao mais adequada do largo campo da Filosofia da Ciencia;nao pretende prejulgar a questao de ter ou nao essa divisaosignificacao sistematica, i.e., de serem as Ciencias Naturais fun-damentalmente diterentes das Ciencias Sociais em assuntos,objetivos, metodos ou pressupostos. Que existam diferencas ba-

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    12 FILOSOFIA DA CI~NCO, NATURALsicas entre esses vastos dorninios 'ja 0 foi amplamente afirmadoe com as mais diversas e interessantes razoes. Mas urn estudocompleto desses argumentos requer uma analise cerrada tanto dasCiencias Sociais como das Naturais, 0 que ultrapassa 0 dominiodestc pequeno volume. Entretanto, nossa discussao derrarnaraalguma luz sobre a questao, pois nesta exploracao da Filosofiadas Ciencias Naturais teremos, de quando em vez, ocasiao delancar urn olhar comparativo em relacao as Ciencias Sociais everemos que muito do que vamos descobrir quanta aos metodose a rationale da investigacao cientifica aplica-se tanto as Cicn-cias Naturais como as Ciencias Sociais . As palavras "ciencia" e"cientffico" serao, portanto, freqiientemente usadas em referen-cia ao dorninio inteiro da Ciencia ernpirica; mas quando a cla-reza 0 exigir, restricoes convenientes serao acrescentadas.o enorme prestigio desfrutado pela Ciencia hoje em dia ecertamente devidoem grande parte aos sucessos espetaculares ea rapida expansao do alcance de suas aplicacoes. Muitos ramosda Ciencia empiric a vierarn constituir a base para tecnologias as-sociadas, que colocam os resultados da investigacao cientifica emuso pratico e que por sua vez fornecem frequentemente a pes-quisa pura ou basica novos dados, novos problemas e novos ins-trumentos para a investigacao.Mas, alern de auxiliar 0 homem em sua busca de urn contra-le sobre seu ambiente, a Ciencia responde a uma outra necessi-dade, desinteressada, mas nao menos profunda e persistente: ade ganhar urn conhecimento cada vez mais vasto e uma com-preensao cada vez mais profunda do mundo em que elese encontra. Nos capitulos seguintes, vamos estudar co-mo sao atingidos esses objetivos principais da investigacao cien-tifica. Examinaremos como se alcanca, como se estabelece ecomo muda 0 conhecimento cientifico; veremos como a Cienciaexplica os fatos ernpir icos e que especie de cornpreensao nos edada por suasexplicacoes; no decorrer dessas discussoes, aborda-daremos alguns problemas mais gerais referentes aos limites eaos pressupostos da investigacao, do conhecimentoe da com-preensao cientificas.

    2

    INVESTIGA

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    14 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALestabelecidos; outras, passou a submeter a verificacoes especi-ficas.Uma ideia amplarnente aceita na epoca atr ibuia as devas-tacoes da febre puerperal a "influencias epidemicas", vagamcntedescritas como mudancas "cosmico-telurico-atmosfericas" espa-lhando-se sobre bairros inteiros 'e causando a febre nas rnulhe-res internadas. Mas, raciocina Semmelweis, como poderiam taisinfluencias afetar 0 Primeiro Service durante anos e poupar 0Segundo? E como poderia reconciliar-se essa ideia com 0 fatode estar a febre grassando no hospital sem que praticamenteocorresse outro caso na cidade de Vicna ou em scus arrcdores?Uma epidernia genuina, como 0 e a colera, nao podcria ser taoseletiva, Finalmente, Sernmelweis nota que algumas das mu-lheres admitidas no Prirneiro Service, residindo lange do hospital.vencidas pelo trabalho de parto ainda em caminho, t inham dado8 . luz em plena rua; pois, a despcito dcssas condicoes desfavora-veis, a taxa de morte por febrc puerperal entre esses casos de"parto de rua" era menor que a media no Primeiro Service.Segundo outra opiniao, a causa da mortalidade no PrimeiroService era 0 excesso de gente. Mas Semmelwcis observa queesse excesso era ainda maior no Segundo Service, 0 que emparte se explicava como resultado dos esforcos desesperadosdas pacientes para evitar 0 Primeiro Service ja mal afamado.Ele rejeita tambem duas conjeturas semelhantes entao correntes,observando que nao havia difcrenca entre os dois Services quan-ta a dieta e ao cuidado geral com as pacientcs.Em 1846, uma comissao nomeada para invcstigar 0 assuntoatribuia a predominancia da doenca no Primeiro Service a da-1l0S causados pelo cxame grosseiro feito pelos estudantes dcMedicina, que recebiam seu treino em obstetricia apenas noPrimeiro Service, Semmelweis observa, refutando esta opiniao,que: a) os danos resultantes naturalmente do processo de partosao muito mais extensos que os que poderiam ser causados porurn exame grosseiro; b) as parteiras que recebiam seu treinono Segundo Service examinavarn suas pacientes quase do mesmomodo, mas sem os mesmos efeitos nocivos; c) quando, em con-seqiiencia do relat6rio da comissao, 0 mirnero dos estudantesde Medicina ficou dirninuido da metade e os seus exarnes dasmulheres foram reduzidos ao minimo, a mortalidade, depois debreve declinio, elevou-se a niveis ainda mais altos do que antes.

    INVEN

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    16 FILOSOFIA DA CrENCIA NATURAL

    ri a ser prevenida pela destruicao quirnica do material infecciosoaderido as maos. Ordenou entao que todos as estudantes lavas-scm suas maos numa solucao de cal clorada antes de procede-rem a qualquer exame. A mortalidade pela febre logo c ome c o ua decrescer, caindo em 1848 a 1,27 par cento no PrimeiroService, enquanto que no Segundo era de 1,33.

    lustificando ainda mais sua ideia ou sua hipotese, comotambern di remos, Semmelweis observou que e la explicava 0 fat ade ser a mortalidade do Segundo Servico mais baixa: la as pa-cientes eram socorridas por parteiras, cujo treino nao incluiainstrucao anatomica par dissecacao dos cadaveres,

    E a hip6tese tarnbem explicava a menor mortalidade entreos casas de "partos de rua": as mulheres que ja chegavamtrazendo seus bebes ao colo raramente eram examinadas aposa admissao e tinham assim melhor sorte de escapar a infeccao,

    Finalmente, a hip6tese explicava 0 fato de s6 serem vitimasde febre os recem-nascidos cujas mae s tinham cont raido a doen-ca durante 0 trabalho de parto, pais entao a infeccao podiaser transmitida a crianca antes do nascimento, atraves da cor-rente s an gi ii ne a c o rn um a mae e ao filho, 0 que era impossivelquando a mae permanecia sadia.

    Ulteriores experiencias clinicas levaram Semmelweis empouco tempo a alargar sua hip6tese. Numa ocasiao, par exem-plo, ele e seus colaboradores, apos desinfetarem cuidadosamenteas maos, examinaram primeiro uma mulher em trabalho departo que sofria de cancer cervical purulento; passaram em se-guida a examinar doze outras mulheres na mesma sala, limi-tando-se a lavar as maos sem repetir a desinfeccao. Onze dasdoze pacientes morrerarn de febre puerperal. Semmelweis con-cluiu que essa febre podia ser causada nao somente por materialcadaverico, mas t ambem por "mater ia putrid a retirada de urnorganismo vivo".

    As ETAPAS FUNDAMENTAlS PARA VERIFICARUMA HIP6TESE

    Vimos como, procurando a causa ja febre puerperal , Sem-melweis examinou varias hip6teses que haviam side sugeridascomo possiveis respostas. Porque essas hipoteses se apresenta-ram em primeiro lugar e uma questao debatida que iremos

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    18 FILOSOFIA DA CI~NCIA NATURALo rac iocinio que conduziu a re jeicao pode ser esquematizadoda seguinte maneira:

    Se H e verdadeiro, entao I tambern 0 e .a) Mas (como mostra a evidencia) I nao e verdadeiro.

    H nao e verdadeiro.Oualquer argumento desta forma, chamado modus tollens emLogica.s e dedutivamente val ido, isto e , se suas premissas (assentencas acima da linha horizontal) sao verdadeiras, entao suaconclusao (a sentenca abaixo da linha horizontal) e lnfahvsl-mente verdadeira. Logo, se as premissas de a) ja estiveremconvenientemente estabelecidas , a hipotese H que esta sendo ve-ri ficada deve ser certamente reje itada.. Consideremos agora 0 caso em que a observacao ou a ex-per iencia apoia a irnplicacao I..Da hipotese de ser a febre puer-peral urn envenenamento do sangue provocado pela materiacadaverica, Semmelweis inferiu que medidas antissepticas apro-priadas reduziriam os casos fatais da doenca. Desta vez, aexperiencia mostrou ser verdadeira a implicacao. Mas esse re-sultado favoravel nao provava conclusivamente que a hipotesefosse verdadeira , pois 0 argumento subjacente teria a forma:

    Se H e verdadeiro, entao I tambern 0 C .b) (Como mostra a evidencia) I e verdadeiro.H e verdadeiro.

    i' ,

    Este modo de raciocinar, chamado a faiacia de aiirmacaodo conseqiiente, 6 dedutivamente nao-valido, is to e, sua con-clusao pode ser falsa ainda que suas premissas sejam verda-deiras.! E isso e de fato exempl ificado pela propria experienc iade Semmelweis. A versao inicial de sua interpretacao da febrepuerperal como uma forma de envenenamento do sangue men-cionava a infeccao com materia cadaverica como sendo a unicafonte da doenca; corretamente ele raciocinara que, se essa hipo-tese fosse verdadei ra, entao a dest ruicao das particulas cadaveri-cas pela antissepsia deveria reduzir a mortalidade. Alem disso,

    2 Para detalhes, ver outro volume da co!eclio: W. Salmon, Lagle, pp. 24-2!l.(N. do E.: Pp. 42-43 da traducl io para 0 portugues pubJicada sob 0 thulo L6,'etlpor Zahar Bdltores, Rio, 1969.)3 Ver Salmon, Loztc, pp. 27-29. (N. do E.: Pp. 44-47 da ediclio brasileira.)

    I

    INVENC;AO E VERIFICAC;:AO 19sua experiencia most rou ser verdade ira a implica

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    20 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURAL

    Vejamos agora outro exemplo+ que nos Iara prestar aten-~ao a outros aspectos da investigacao cientifica.Como ja se sabia no tempo de Galileu, e provavelmentemuito mais cedo, qualquer bomba aspirante que retira agua deurn poco por meio de urn embolo movel no interior de umcilindro nao consegue elevar a agua a mais de cerca de 10,5

    metros acima da superficie livre do poco, Galileu ficou intri-gado por esta limitacao e sugeriu uma explicacao apressadapara ela. Depois da morte de Galileu, seu discipulo Torri-celli propos uma outra resposta. Argumentou que a Terra estacnvolvida por urn oceano de ar que, em virtude do seu peso,exerce pressao sobre 0 seu fundo, e que e essa pressao sobre asuperficie livre do po

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    22 FILOSOFIA DA CItNCIA NATURALOutro tipo de inferencia dedutivamente valida esta ilustradopor este exernplo:

    Qualquer sal de sodio, quando colocado na chama de urnbico de Bunsen, torna a chama amarela.Este peda

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    24 FILOSOFIA DA CI~NCIA NATURALnossos companheiros de investigacao? Tudo isso e tanta coisamais pertencem, afinal de contas, a "totalidade dos fatos ateagora".Dir-se-a talvez que tudo quanta se requer na primeira fasee que sejam colecionados todos os fatos relevantes. Mas rele-vantes para que? Ainda que 0 autor nao 0 mencione, suponha-mos que a investigacao se restrinja a urn problema bern deter-minado. Nao deveriamos entao cornecar colecionando todos osfatos - ou melhor, todos os fatos disponiveis - relevantespara 0 problema? A pergunta nao tern sentido claro. Sem-rnelweis procurava resolver urn problema bern definido e en-tretanto colecionava dados os mais diversos nas diferentes etapasde sua investigacao. E estava certo: pois os dados particularesa serem colecionados nao estao determinados pelo problema emestudo mas pela tentativa razoavel de resposta que 0 investi-gador formula em forma de conjetura ou hip6tese. Se se con-jetura que 0 aumento de mortalidade pela febre puerperal edevido ao aparecimento aterrador do padre com a campainhaanunciadora da morte, 0 que se torna relevante e colecionardados sobre as conseqiiencias do haver sido suprimida essa apa-ricao; mas sera totalmente irrelevante procurar saber 0 queaconteceria se os doutores e os estudantes desinfetassem suasmaos antes de examinar os pacientes. Esses dados e que pas-sararn a ser relevantes relativamente a hip6tese da contarninacaoeventual, para a qual os dados anteriores se tornaram irrele-vantes."Fatos" ou dados empiricos s6 podem ser qualificados co-mo logicamente relevantes ou irrelevantes relat ivamente a umadada hip6tese, e nao relativamente a urn dado problema.Suponhamos agora que uma hip6tese H tenha sido propos-ta como tentat iva de resposta a urn problema em pesquisa: Queespecie de dados serao relevantes para H ? Nossos exemplos an-teriores sugerem uma resposta: Urn fato e relevante para H sesua ocorrencia ou nao-ocorrencia puder ser inferida de H. To-memos, por exemplo, a hip6tese de Torricelli. Como vimos,Pascal inferiu dela que a coluna de merciirio num barornetrodeve ir diminuindo a medida que subimos naatmosfera. Por-tanto, qualquer verificacao de que assim acontece num parti-cular e relevante para a hipotese, mas igualmente relevanteteria sido .achar que a coluna de mercuric permanecera esta-cionaria ou que tivera dirninuido para depois crescer durantea ascensao, pois tais fatos refutariam a irnplicacao tirada por

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    2 6 FILOSOFIA DA CI~NCIA NATURAL

    hipoteses sobre como estao esses fenomenos corre lac ionados; semessas hipoteses, a analise e a classificacao sao cegas.Essas nossas reflexoes criticas sobre as duas primeiras eta-pas da investigacao tal como foi descrito na passagem citadainvalidam tambem a ideia de que as hipoteses so sao introdu-zidas na terceira etapa, pela inferencia indutiva a partir de dadospreviamente col igidos. Convem, entre tanto, ac rescenta r algumasobservacoes sobre assunto.A inducao e nao raro concebida como urn metoda parapassar dos fatos observados aos principios gerais correspondentespor meio de regras mecanicamente aplicaveis. Segundo estaconcepcao, as regras da inferencia indutiva forneceriarn cano-nes eficazes para a descoberta cientifica; a inducao seria urnprocedimento mecanico analogo a fami lia r rotina para mult ipl i-cacao de inteiros, que leva,em mimero finito de passos prede-te rminadose executavei s mecanicamente, ao correspondente pro-duto. Na realidade, nao se dispoe ate agora de nenhum pro-cedimento geral e mecanico de inducao; se assim nao fosse,dificilmente se compreenderia, por exemplo, por que ficou atehoje sem solucao 0 ul tra -estudado problema da causa do cancer.Nem ha que esperar pela descoberta de urn tal procedimento.Pois - para mencionar apenas uma razao - as hipoteses eteorias cientificas sao habitualmente formuladas em termos queabsolutamente nao ocorrem na descricao dos dados ernpiricosem que estao baseadas e que elas servem para explicar. Porexemplo, as teorias sobre a estrutura atornica e subatomica damateria c on te rn te rm o s como "a t omo" , "electron", "pr6ton","neutron", "funcao psi" etc.; entretanto, estao baseadas em da-dos fornecidos pe lo labora t6rio sobre os espectros de variesgases, rastros deixados em camaras de nuvem e de bolha, aspec-tos quantitativos de reacoes quimicas etc. cuja descricao podeser feita sem ernprego daqueles "termos teoricos". As regrasde inducao do tipo aqui considerado teriam portanto que for-necer uma rotina mecanica para construir, sobre a base dosdados encontrados, uma hip6tese ou uma teo ria formulada emt errnos de conceitos inteiramente nov OS, nunca usados na des-cricao daqueles dados. Certamente ncnhuma regra de procedermecanico poderia realizar isso. Poderia haver, par exemplo,uma regra geral que, aplicada aos dados de que dispunha Ga-lileu referentes ao limite de eficiencia das bomb as aspirantes,produzisse uma hipotese baseada no conceito de urn oceanode ar?

    JINVEN~AO E VERIFICA~AO 27

    Certo, em situacoes especiais e relativamente simples, po-demos receitar urn procedimento mecanico para "inferir" indu-tivamente uma hipotcse a partir de certos dados. Por exemplo,uma vez medido 0 comprimento de uma barra de cobre emdiferentes temperaturas, os resultantes pares de val o res asso-ciados podemser representados num plano, mediante urn sis-tema de coordenadas, por pontos, por onde se Iara passar umacurva seguindo uma regra particular de interpolacao. A curvaassim obtida representa graficamente uma hipotese geral quan-t itat iva, que exprime 0 comprimento da barra em funcao de suatemperatura. Mas, note-se, essa hipotcse nao contern qualquertermo novo, podendo ser exprcssa em termos dos conceitosde comprimcnto e temperatura que forarn us ados na descricaodos dados. Alern disso, a escolha de val ores "associados" decomprimento e temperatura, como dados, ja pressupoe umahipotese diretriz, a de que a cada valor de temperatura estejaassociado exatamente urn valor de comprimento da barra decobre, ou, em outras palavras, que 0 comprimento da barraseja funcao apenas de sua temperatura. A rotina rnecanica dainterpolacao serve apenas para se lecionar uma funcao parti cularcomo a apropriada. Este ponto e importante; pois suponhamosque em lugar de uma barra de cobre estejamos examinando gasnitrogenio encerrado num reservatorio obturado por urn ernbclomovel e que mecamos 0 volume ocupado pelo gas em diferentestemperaturas. Se quisesse rnos usar 0 mesmo procedimento paraextrair dos dados colhidos uma hipotese geral representando 0volume do gas como funcao de sua temperatura, f racassariamos,porque 0 volume de urn gas e funcao tanto da temperaturacomo da pressao exercida sobre ele, de modo que, a mesmatemperatura, urn dado gas pode ter diferentes volumes.

    Assim, mesmo nesses casos simples, os procedimentos me-canicos para a construcao de uma hip6tese executam apenasparte do trabalho, pois eles pressupoe iuma hip6tese antece-dente, menos espec ifi ca (i. e., que uma certa variavel fisicaseja funcao apenas de uma outra variavel ffsica), que nao podeser obtida pelo mesmo procedimento.

    Naoexistern, portanto, "regras de inducao" aplicaveis emgeral, mediante as quais hip6teses ou teorias possam ser me-canicamente derivadas ou inferidas dos dados empiricos. At ransicao dos dados a teoria requer uma imaginacao criadora.As hip6teses e as teorias cientlficas nao sao derivadas dos fatosobservados, mas inventadas com fim de explica-los. Cons-

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    28 FILOSOFIA DA CiENCIA NATURALtituem, se assim se po de dizer, palpites sobre os nexos quepossam ser obtidos entre os fenornenos em estu~o, sobre asuniforrnidades e estruturas que possam estar por baixo da ocor-rencia deles. "Palpites felizes'" dessa natureza requerem urngrande engenho, especia lmente quando encerram ~m ?~astamentoradical dos modos correntes de pensamento cientifico, con~oaconteceu, por exemplo, com a teoria da .relativ.idade, e a teonados quanta. Naturalrnente, esse esforco inventivo so po.de serbenef icia do por uma fami lia ridade completa c?~ 0 COn?e~lmentocorrente do campo em questao. Urn princlpl~nte dlflcll,ment~fara uma descoberta cientifica importante, pois 0 provavel cque as ideias que venham a lhe ocorrer sejam simples ?uplica-tas do que ja foi tentado antes ou entrcm em confh~o comteo rias ou fa tos bern estabelecidos de que e le tem conhec lme~to.Sem embargo, os caminhos pelos quais se chega a palpitescientificos proveitosos diferem muito de , q~alquer pr,ocesso deinferencia sistematica. Por exemplo, 0qUlmlco Kekule nos con-ta como, numa noite de 1865, enquanto dormitava diante desua lareira achou a solucao para 0 problema de esbocar umaformula estrutural para a molecula de benzeno, apos te-la pro-curado sem sucesso por muito tempo .. Olha.ndo para as ~hamaspareceu-Ihe ver atornos dancando em fi las smuosas. Subi tamen-te uma dessas filas formou urn anel, como se fora uma serpentesegurando seu proprio rabo e pos-se a ,girar vertiginosamentecomo se estivesse cacoando dele. Kekule acordou numa exul-tacao: nele surgira a ideia, agora famosa e familiar, de repre-sentar a estrutura molecular do benzeno por urn anel hexagonal.E passou 0 resto da noite trabalhando para tirar as conseqiien-cias dessa hipotese.? _Esta ultima inforrnacao nos traz de volta a questao da ob-jetividade cientifica. No seu esforco para achar uma solucao do

    6 Esta caracterizaciio j{, fora dada por William Whcwell em sua obra ThePhi lo so ph" ot t he I nd uct ive Sd"11(,",\', 2, " cd. (Londr cs : John W. P~r~~r, 1847),II, 41. Whewell tarnbern fala em "Invencno" ~omo "parte d,,: 1I1d~~ac;. (p. 46).No mesmo espfrito, K. Popper se r ef cr e a hipotescs c. teonas cientfficas 7o~~"conjeturas": ver, por excmplo , o e nsai o "Science: Conjectures a~.d Re_I:mtatlOo kem seu livro Conj ec tu re s and Rcp utattons (Nova _York e. Londres . . Ba~~c . Boo 5,1962). Na verdade, A. B. Wolfe. cujn cunccpcao estrelta,mente mdutlVlst~ s d~procedimento cientifico ideal foi lran'lcrita nutc r iorrnente , ins rs te em que ? es~~r ito humane l im it ad o" te rn q ue usar lim upr(l~

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    30 FILOSOFIA DA Cr~NCIA NATURALverdadeiro; por exemplo, 'a atmosfera. da Lua 6 muito te~u:','a Lua nao e habitada', '0 aura e mais dense que ~ prata, aprata e mais densa que 0 ouro' etc. (Nao e. s~m interesse cnao e difici l provar que se pode forrnar uma infinidade de enun-ciados diferentes em portugues; cada urn deles pode ser postono local da variavel 'q'.) E, natural mente, ~utras reg~a~ ~einferencia dedutiva acrescentam novos enunciados denv~velsde uma ou mais premissas. Portanto, para u~ dado conjuntode premissas, as regras d~ deducao nao I?e:mlte~ ~char uma.diretriz para nossos procedirnentos inferenciais.. Nao isolam urnenunciado unico como "a" conclusao a ser tirada das nossaspremissas. Nern nos diz.em como obt':.r conclusoes interess~n-tes ou sistematicamente importantes ; nao fornecem uma rotinamecanica para, por exemplo, em Matematica tirar dos p~s-tulados teoremas significativos. A descoberta em Matematicade teoremas importantese fecundos como a descoberta de teo-rias importantes e fecunda~ na cie~c~a emp~ric~ req?er~m enge-nho inventivo; pede capacidade adlVlnhatona, Im~g~n~tlvae. re-trospectiva. Mas aqui tambern, os inte~e:se~ da objetividade cIC~-tifica ficam salvaguardados pela exigencia de uma valldafaoobietiva para tais conjeturas. Em Mat~matica, i.sso quer dizerprova por demonstracao dedutiva a partir dos a.x:omas. E p~raprovar que e verdadeira ou ~alsa um,a. prop~slc;ao matematl~aapresentada como conJetu.ra e ne:::~ssano muitas veze.s pO,ssu.lrengenho inventive do mars alto mvel.; as regras de l~ferenc13dedutiva nem mesmo fornecem uma hnha geral a segurr nessasprovas. Antes, desempenham apenas urn modesto papel de ser-virem como criterios de Jegitimidade para os argumentos ofere-cidos como provas: urn argumento constitui uma prova mate-matica valida quando caminha dos axiomas ate 0 teorema pr~-posto par uma cadeia de passos inferenciais e cada urn dos quaise valido de acordo com uma das regras da inferencia dedutiva.Verificar se urn dado argumento e uma prova valida neste sen-tido e bern uma tarcfa purarnente mecanica.Nao se chega ao conhecimento cientifico pela aplicac;~~ dealgum procedimento de infcrencia indutiva a dados coligidosanteriormente mas, antes, pclo que e freqiientemente chamado"0 metodo da hip6tese", i. e., pcla invencao de hip6t~se~ comotentat ivas de resposta ao problema em estudo e submlSS~? d~s-sas hipoteses a verif icacao emplrica. Parte dessa verif icacaoconsistira em apurar se a hipotcse se ajusta ao que ja. fora esta-belecido antes de sua forrnulacao; outra parte. em denvar novas

    INVENC;:XO E VERIFICAC;:XO 31implicacoes para submete-las a observacoes e experiencias apro-priadas. Como ja notamos anteriormente, uma verificacao nu-merosa, com resultados inteirarnente favoraveis, nao estabelecea hip6tese conclusivamente; forneee apenas urn suporte rnaisou menos solido para ela. Portanto, embora nao seja indutivano sentido estri to que examinamos eom eerta mimicia, a investi-gac;:aocientifica e indutiva num sentido mais amp/o, na medidaem que aceita hip6teses baseadas em dados que nao fornecempara cia evidencia dedutivamente conclusiva, mas lhe eonfe-rem apenas urn "suporte indutivo" ou confirrnacao mais ou me-nos forte. As "regras de inducao" devem ser concebidas emanalogi a com as regras de dcducao, como canones de validacaoe nao propriamente de descoberta. Longe de gerarem uma hi-potese que de uma razao de eertos dados empiricos, essas regraspressupoem que alem desses dados ernpiricos que formam as"premissas" de urn "argumento indutivo" seja dada tambern ahipotese proposta como sua "conclusao". As regras de inducaoforneceriam entao cri terios para a legitimidade do argumento.De acordo com certas teorias da inducao, essas regras determi-nariam a forca do apoio fornecido pelos dados a hipotese e de-veriam exprimir esse apoio em termos de probabilidades. Noscapitulos 3 e 4 vamos considerar os varies fatores que afetam 0apoio indutivo e a aceitabilidade das hip6teses cientificas.

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    A VERIFICA(,::AO DE UMA HIP6TESE:SU~ LOGICA E SUA FOR(,::A

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    34 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALDiz-se as vezes que na verificacao experimental de uma

    hip6tese quantitativa somente uma das grandezas nela mencio-nadas e variada de cada vez, mantendo-se constantes todas asoutras condicoes, Mas isso e impossivel. Cer to , ao ver if icarmosa lei dos gases a pressao pode ser variada mantendo-se a tem-peratura constante, ou vice-versa; mas varias outras circunstan-. c ias mudarao durante 0 processo - talvez a umidade rela-tiva, talvez a intensidade da iluminacao, talvez 0 campo magne-tico no laborat6rio etc. - e certamente a distancia entre 0 corpogaso~o e 0 Sol ou a Lua. Nem ha razao para, tanto quantopossivel, tentar manter constantes esses fatores se a experien-cia visa apenas verificar a lei dos gases como foi formulada.Pois a lei diz que 0 volume de urn dado corpo gasoso ficacompletamente determinado par sua temperatura e por suapressao, Ela implica portanto que todos os outros fatores sao" ir relevantes para 0 volume", no sentido de que esses fatoresnao afetam 0 volume do gas. Permitir que esses outros fatoresvariem e, portanto, explorar urn dominio rna is vasto de casosa procura das possiveis violacoes da hipotese que esta sendoverificada.

    Entretanto, a experimentacao e usada em ciencia nao so-mente como urn metodo de verificacao, mas, tarnbem, comourn metodo de descoberta; e neste outro contexto, como vamosver agora, aexigencia da constancia de certos fatores e per-feitamente procedente.o uso da experimentacao como um metodo de verificacaoesta exemplificado pelas experiencias de Torricelli e de Perierque foram realizadas justamente para verificar uma hipotese japroposta. Mas quando nao existe ainda hip6tese formuladao cientista pode ser levado a comecar por uma estimativa gros-seira e usar entao a expcrimentacao como urn guia para chegara uma hip6tese mais precisa. Ao estudar como urn peso distendeo fio metalico que 0 sustcuta, 0 fisico pode conjeturar que 0alongamento depende do comprimento inicial do fio, da suasecao, da espccic de metal de que e feito e do peso do corposuspenso. Pode entiio realizar cxpcriencias para determinar seesses fatores influcnciam no a longamento (aexperimentac;: aoserve entao como urn me t lido de verificacao ) e, se assim for,o quanta eles afetam a "variavel dependente" - is to e, quala expressao materna ti ca da dcpcndenc ia (a experirnentacao serveentao como metodo de dcscobcrta): Sabendo que 0 cornpri-mento do fio varia tambcm com sua temperatura, 0 experimen-

    A VERIFICA;;AO DE UMA HIPOTESE 35tador, antes de tudo, mantera a temperatura constante para eli-minar a influencia perturbadora desse fator (embora possa, maistarde, variar sistematicarnente a temperatura para averiguar seos valores de certos parametres, que comparecem na expressaodaquela funcao, dependern da temperatura); e nessas experien-cias a uma temperatura constante, varian! os fatores que julgarrelevantes, urn de cada vez, mantendo as outros constantes.Apoiado nos resultados assim obtidos, ele tentara formular ge-neral izacoes que exprimam 0 alongamento em funcao do com-primento inicial, do peso etc.; paden! en tao prosseguir paraconstrui r uma f6rmula mais geral , que represente 0 alongamentoem funcao de todas as variaveis examinadas.Em casos dessa natureza, a experirnentacao serve comometoda heuristico, como guia para a descoberta de hip6teses,a que da sentido ao principio de manter constantes todos os"Iatores relevantes", salvo urn. Mas, natural mente, 0 maximoque pode ser feito e manter constantes, salvo urn, aqueles fa-tores que se acrcdita serem "relevantes" no sentido de afetaremo Ienorneno em cstudo: e sempre possivel que tenham ficadodespercebidos outros Iatores, tambem importantes .E uma das caracteristicas notaveis da Ciencia Natural, euma de suas grandes vantagens metodol6gicas, que suas hip6-teses admitem em geral verificacao experimental. Mas nao sepode dizer que seja caracteristica distintiva de todas as CienciasNaturais e exclusivamente delas, formando uma linha divis6riaentre a Ciencia Natural e a Ciencia Social. Pois verificacoesexperimentais tambern sao usadas em Psicologia c, posto quemais raramente, em Sociologia. Alem disso, 0 alcance da ve-rifi cacao experimen tal cresce firmemente com 0 avanco da tee-nologia indispensavel. De resto,!1em todas as hip6teses nasCiencias Naturai s sao verifi cavei s experimentalmente . Por exern -plo, a lei formulada por Leavitt e Shapley para as flutuacoesperi6dicas no brilho de um certo tipo de estrelas variaveis, aschamadas Cefeidas: quanto maior 0 periodo P de uma dessasestrelas, i. e., 0 i rit erva lo de tempo entre dois estados sucessivosde maximo brilho, maior e a sua luminosidade intrmseca; emexpressao exata M =- (a + b. 10gP), onde Mea magnitudeda estre la , pa r definicao inversamen te proporcional ao seu brilho.A lei implica dcdutivamente um sem-numero de sentencas queserviriam para verifica-la, dando a grandeza de uma Cefeidacorrespondcnte ao valor particular do seu periodo, por exemplo,5,3 dias ou 17,5 dias. Mas Ccfeidas com esses periodos deter-

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    36 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALminados nao podem ser produzidas a vontade; logo, a lei naopode ser verificada por experimentacao. Antes, 0 astronomotern que olhar para 0 ceu a procura de novas Cefeidas paraaveriguar se .a grandeza e 0 periodo das que for encontrandoobedecem oll nao a ..lei presumida.o PAPEL DAS HIPOTESES AUXlLIARES

    Dissemos antes que implicacoes sao "derivadas" ou "infe-ridas" da hipotese a ser verificada. Assim dito, porem, 0 quese obtern e somente uma grosseira indicacao da relacao queexiste entre uma hip6tese e as sentencas que servem para veri-fica-lao :8 bern verdade que em alguns casos pode-se inferirdedutivamente de uma hip6tese certos enunc iados condicionaisque podem servi r a sua verificacao: a lei de Leavi tt-Shapley, porexemplo, implica sentencas da forma 'Se s e uma Cefeida comum periodo de tantos dias, entao sua magnitude sera tal etal'. Mas, freqiientemente, a "derivacao" de uma implicacaoconfrontavel com a experiencia e menos simples e conclusiva.Tomemos, por exemplo, a hipotese semmelweisiana de que afebre puerperal e causada por contarninacao com materia l infec -tado e consideremos a sua irnplicacao que se 0 pessoal cuidan-do das pacientes lavar as maos numa solucao de sal clorada,cntao ficara reduzida a mortalidade pela febre. Este enunciadonao decorre dedutivamente apenas da hip6tese; pressupoe tam-bern a premissa que a cal clorada destruira 0 material infectado,o que nao e feito por agua e sabao. Esta premissa, tacitamenteadmitida no argumento, desempenha 0 papel do que chamaremossuposiciio auxiliar ou hipotese auxiliar ao derivarmos da hipo-tese de Semmelweis a sentenca que se confronta com os fatos.Logo, nao estamos autorizados a asseverar aqui que, se a hi-p6tese H e verdadeira, cntao deve ser tarnbern verdadeira a im-plicacao I, mas somente que, se He a hipotese auxiliar saoambas verdadeiras, entao tarnbcm 0 6 I. Confianca em hipotesesauxiliares constitui, como vcrcmos, a regra e nao a excecao naver if icacao de hipoteses cientif icas ; e isso tern uma conseqiienciaimportante para dec idi rmos sc urn resultado desfavorave l, i. e ..que mostra I ser falso, pode scr considerado como refu tacaoda hipotese em investigacao.

    Se H e suficiente para implicar lese os resultados em-piricos mostram que [ e falsa, cntao H deve ser qualificada

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    38 FILOSOFIA DA CI~NCIA NATURALhipotese de Copernico com auxilio da suposicao de que elasestejam tao proximas da Terra que seus movimentos paralaticostenham amplitude suficiente para serem observados com osinstrumentos. Brahe nao ignorava que estava fazendo essa su-posicao auxiliar, mas acreditava ter razoes para julga-la verda-deira; dai sua rejeicao da hip6tese de Copernico, Mais tardeficou provado que Brahe se enganara: mesmo as estrelas fixasmais proximas estao muitissimo mais longe do que ele supunha,de modo que as medidas de paralaxe exigem telescopios pode-rosos e tecnicas ultraprecisas, Somente em 1838 veio a serrealizada a primeira medida universalmente accita de uma pa-ralaxe estelar.

    A significacao das hipoteses auxiliares vai alern. Supo-nhamos que uma hipotese H seja veri Itcada mediante uma im-plioacao 'Se C entao E' que dccorreu de H e de urn conjunto Ade hipoteses auxiliares. A verificacao se reduz entao a constatarse E ocorre ou nao numa situacao em que, tanto quanta saibao investigador, estao realizadas as condicoes C. Se de fato naofo r este 0 caso - se por exemplo 0 equipamento usado estiverdefeituoso ou nao for suficientemente sensivel - entao E pedenao ocorrer mesmo que H e A sejam ambas verdadeiras, Poressa razao, entre as hip6teses auxiliarcs pressupostas pela veri-Iicacao deve-se incluir a de que a situacao inicial satisfaca 'ascondicoes dcterminadas C.

    Este ponto e parti cularmente importante quando a hipoteseem exame ja foi vitoriosa em provas anteriores e e parte essen-cial de urn sistema mais vasto de hipoteses mutuamente ligadas,tambem apoiado par multipla evidencia. E provavel que emtal caso seja feito urn esforco para justificar a nao-ocorrenciade E mostrando que algumas das condicoes C nao estavam sa-tisfeitas.

    Como exernplo, considcrcmos a hipotese de que as cargaseletr icas tern uma cstrutura ntornist ica ou se ja rn todas multiplesinteiros da carga do atomo de clctricidade, 0 electron. Fssa hi-potese recebeu apoio imprcssionantc das experiencias f< G 1 " > porR. A. Millikan, a partir de 1909. Nelas, as cargas eletricasde goticulas isoladas de 1 1 1 1 1 liquido tal como oleo ou mercuriccram determinadas medindo as velocidades das goticulas aocairem no ar sob a influencia da gravidade ou ao subirem soba influencia de urn campo cletrico oposto. Millikan achou quetodas as cargas ou eram iguais a, ou eram pequenos multiples

    A VERIFICA9AO DE UMA HIPOTESE 39de, uma certa carga minima fundamental que ele, em confer-midade com a hipotese, identificou como sendo a carga doelectron. Baseado em numerosas medidas cuidadosamente fei-tas encontrou como seu valor em unidades eletrostaticas 4,774X 10-10 Esta hipotese foi logo contestada pe lo fi si co Ehrenhaftem Viena, que anunciou ter repetido a experiencia de Millikane encontrado cargas consideravelmente menores que a carga ele-tronica deterrninada par este. Discutindo os resultados deEhrenhaft.' Millikan sugeriu varias fontes provaveis de erros(i. e., violacoes das condicoes experimentais) que poderiam darconta dos resultados aparentemente discord antes de Ehrenhaft:evaporacao durante a observacao, fazendo diminuir 0 peso dagoticula; formacao de urn pelicula de oxido nas goticulas demercuric usadas em algumas das experiencias de Ehrenhaft; in-fluencia perturbadora das particulas de poeira suspensas no ar;afastamento da particula em relacao ao foco da luneta usadapara observa-la; modificacao da forma esferica pressuposta,quando as goticulas sao muito pequenas; erros inevitaveis nacronometragem dos movimentos de pequenas particulas. Refe-rindo-se a duas particulas aberrantes observadas por urn outroinvestigador, que usara gotas de oleo, Millikan conelui: "A unicainterpre tacao possivel entao para 0 comportamento dessas duasparticulas , .. era que. .. nao cram esferas de oleo", mas par-ticulas de poeira (pp. 170, 169). Millikan afirma ainda que osresultados de repeticoes mais precis as de sua propria experien-cia estavam todos em acordo essencial com 0 resultado ante-riormente anunciado por ele. Ehrenhaft continuou por muitosanos a defender e multiplicar os resultados com que pretendiaestabelecer a existencia de cargas subeletronicas; mas em geralesses resu ltados nao puderam ser reproduzidos por out ros fi sicos,de modo que a concepcao atornistica da carga eletrica foi man-tida. 0 valor nurnerico achado por Millikan para a carga ele-tronica, entretanto, foi mais tarde reconhecido como sendoligeiramente pequeno; 0 desvio foi atribuido a urn erro numa dashipoteses auxiliares do proprio Millikan: ele usara urn valordemasiado pequeno para a viscosidade do ar nos calculos quefizera com as informacoes fornecidas pela goticula de oleo!

    1 Ver capitulo VIII de R. A. Millikan, The Elect ron (Chicago: TheUniversity of Chicago Press, 1917). Reirnpressao com introducao de J. W M.DuMond, 1963.

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    42 FILOSOFIA DA CltNCIA NATURALpor Lenard em 1903. Einstein caracterizou-o como urn "segundoexperimento crucial" para as concepcoes ondulatoria e corpus-cular, que segundo ele "eliminava" a classica tcoria ondula-toria, na qual, em virtude dos trabalhos de Maxwell e Hertz,a nocao de vibracoes elasticas do eter fora substituida pela deondas eletromagneticas transversais. 0 experimento de Lenard,que envolvia 0 efeito Iotoeletrico, podia ser considerado comoverificacao de duas implicacoes antagonicas quanto a energialuminosa que uma fonte puntiforme P pode transmitir , por uni-dade de tempo, a uma pequena tela colocada perpendicular-mente aos raios de luz. Segundo a teoria classica, essa energiadiminuira continuadamente para zero a medida que a tela seafastar do ponto P; na teoria Iotonica ela deve ser pelo menosigual a transport ada por urn unico foton - a menos que nenhumf6ton atinja a tela, caso em que a energia recebida sera nula;nao havera portanto diminuicao continua para zero. 0 experi-mento de Lenard apoiou esta ultima alternativa. Mas, outravez, a concepcao ondulat6ria nao foi definit ivamente refutada;o resultado experimental mostrou apenas ser necessario modi-ficar de algum modo 0 sistema das suposicoes basicas da teoriaondulat6ria. De fato, 0 que Eintein fez foi procurar modificara teoria classica 0 menos possivel.! Em suma, urn experimentodo tipo aqui exemplificado nao pode refutar estritamente umade duas hip6teses rivais.

    Mas tarnbem nao pode "provar" ou estabelecer definitiva-mente a outra; pois, como foi observado de modo geral na2.a parte do capitulo 2, as hipoteses ou teorias cientificas naopodem ser provadas conclusivamente par qualquer conjunto dedados disponiveis, por mais acurado e numeroso que ele seja.Isso e particularmente 6bvio para hip6teses ou teorias que afir-mam ou implicam leis gerais tanto para urn processo que nfio ediretamente observavel - como no caso das teorias rivais daluz - como para urn fenomeno mais facilmente acessivel aobservacao e a medida, como a queda livre. A lei de Galileu,por exemplo, refere-se a todos os casos de queda livre no pas-sado, no presente e no futuro, ao passo que toda evidencia rele-vante de que se dispoe em qualquer epoca esta limitada ao con-junto de casos -- todos eles pertencendo ao passado - em

    i lII

    3 }lste exemplo esta discutido demoradamente no capitulo 8 de P. Frank,Phi lo so phy o f Sc ie nc e (Eng lewood Cl if fs. N. J.; Prentice-Hall , Spect rum Books,1962).

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    versos outros fenomenos. Quando Pascal escreveu a Perier pe-dindo-lhe para executar a experiencia de Puy-de-Dome, acres-centou que 0 resu ltado esperado seria uma refutacao "deci siva"daquela concepcao: "Se acontecer que a altura do azouguefor men or no topo que na base da mcntanha ... sera necessarioconcluir que 0 peso e a pressao do ar sao a {mica causa dasuspensao do azougue e nao a aversao ao vacuo: pois nenhumaduvida existe de que ha muito mais ar pesando sobre 0 pede uma montanha do que sobre 0 seu cume e ninguem podedizer que a natureza tenha mais horror ao vacuo ao pe de umamontanha do que no seu cume."> Mas a ultima observacao indi-ca justamente a maneira de salvar a concepcao de urn horrorvacui em face dos resultados de Perier. Pois estes so consti-tuiam uma evidencia decisiva cont ra aquelaconcepcao admit indotarnbem que a intensidade do horror nao depende da altitude.Para reconciliar a evidencia aparentemcnte contraria de Periercom a ideia de urn horror vacui basta int roduzi r em vez daque laa hipotese auxiliar de que a aversao ao vacuo decresce quandoa altitude aumenta. Essa suposicao nao e logicamente absur-da nem patenternente falsa e sim discutivel do ponto de vistac ien tifi co. Pa is seria introduzida ad hoc - i. e., com 0 unicoproposito de salvar uma hipotese seriamente ameacada por umaevidencia adversa; nao seria invocada para outros resultadosachados e prcvavelmente nao levaria a nenhuma implicacaoadicionaI. Ao contrario, a hipotese da pressao atrnosferica con-duz a outras implicacoes, como a mencionada por Pascal de quese urn balao parcialmente inflado for transportado ao topo damontanha la ele ficara mais inflado.

    Nos rneados do seculo XVII um grupo de Iisicos, os ple-nistas, sustentava que 0 vacuo nao poderia existir na natureza;para salvar esta ideia face a experiencia de Torricel li , urn de lesaventou a hipotese ad hoc de que no barometro 0 mercuricficava suspenso no teto do tubo de vidro por um fio invisivelchamado "funiculus". De acordo com uma teoria inicialmentemuito util, desenvolvida no corneco do seculo XVIII, uma subs-tancia chamada flogistico escapava dos metals durante a com-bustao, Esta concepcao teve de ser abandon ada quando La-voisie r most rou experimenta lmente que 0 produto final do pro-

    S Extraido da carta de Pascal datada de IS de novembro de 1647, em I. H.B. e A. G. H. Spiers. trad.. The Physical Treatises of Pascal (Nova York:COlumbia University Press, 1937). p. 101.

    I A VERIFICA9AO DE UMA HIPOTESE 45ces~o de combustao pesava mais que 0 metal inicial. Aindaassim, alguns ~~:ptos obstinados da teoria do flogistico pro-cur~r~m reconcilia-la com os resultados de Lavoisier propondoa hipotese ad hoc de que 0 flogistico teria peso negativo, demodo que sua perda aumentaria 0 peso do residuo.N-ao esquecarnos, en t~e~anto , que se , com 0 recuo do tempo,torna-se apa~e~temente facti recusar certas sugestoes do pas-s~d? como hipoteses ad hoc, pode ser muito dificil julgar umahipotese proposta num contexto conternporaneo. Nao existede fato criteria preciso para caracterizar as hipoteses ad hoc, sebern que as questoes sugeridas anteriormente fornecam alzurnaorientacao: a hipotcse 6 proposta apenas com 0 fi~l de s~lvaruma concepcao corrente contra a evidencia ad v ersa ou da razaotarnbern a out r.os fenornenos gerando impl icac;6~s signifi cat i-vas? .Importa fIDalm~n.te observar que, int roduzindo hipotesesrestritivas para reconciliar certa concepcao basica com uma no-va evidenc~a, 0 sistema resultante podera tornar-se tao com ple-xo que tera de ser abandonado quando uma concepcao alterna-tiva mais simples for proposta. "

    VERIFICABILIDADE EM PRINciPIO ESIGNIFICM;:AO EMPIRICA

    Como mostra a discussao precedente, nenhum enunciado ouconjunto de enunciados T pode, de modo significativo, ser pro-posto como urna hipotese ou teoria cientifica a menos que sejasu~ce!i~e~,de uma ve~i fica~ao ~mpi rica obj etiva, pelo menos "emprmcipro'. Isso equivale a dizer que deve ser possivel derivarde T no sentido lato considerado certas implicacoes da forma'se se realizarem as condicoes C, entao ocorrera 0 resultado E'mas essas condicocs nao precisarn ser realizadas ou tecnolozica- '.mente realizaveis na epoca em que T e proposto au entrevisto.Tomemos, por exemplo, a hipotese de que a distancia percorridaem t segundos por urn- corpo caindo livrernente a partir do rc-pouso na vizinhanca da superficie da Lua e s =89 /2 em. Deladecorre dedutivarnente que as distancias percorridas por essecorpo em 1, 2, 3, . . . segundos serao 89, 376, 801, . .. centi-m~t ros. A hip6tese e portanto verifi cavel em principio, emborase ja a tua lrnente impossivel real izar a verifi cacao descri ta .

    Mas se um enunciado ou um conjunto de enunciados naofor verificavel pelo menos em principio, isto e, em outras pala-

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    46 FILOSOFIA DA CI~NCIA NATURALvras, se nao possuir implicacao alguma confronta~el com a ex-periencia, entao nao podera ser proposto ou acolhido ~~mo umateoria ou hipotese cientifica, pois nenhum dado empmco podeestar de acordo ou em desacordo com ele. Neste caso, naotern apoio algum nos Ienomenos ernpiricos: fal ta-lhe, como d!-remos significacao empirica. Considere-se, par exemplo, a OPI-niao de que a mutua atracao gravitacional dos eorpos Iisicosseja uma manifestacao de certos "apeti tes ou tendencias natu-rais" inerentes a esses corpos, como 0 amor, e que tornam "inte-ligiveis e possiveis os movimentos naturals deles"." Que impli-cacoes podem ser derivadas dessa interpretacao dos Ienomenosgravitaeionais? Atendendo a eertos aspectos caracterist icos doamor no sentido que nos e familiar, essa opiniao parece impli-car que a afinidade gravitacional seria urn Ienorneno seletivo:nem todo par de corpos fisicos se atrairia mutuarnente. Nemseria a intensidade da afinidade de urn corpo por um outrosempre igual a deste por aquele, nern dependeria de um modosignificativo das massas dos corpos ou das distancias entre eles.Como todas essas conseqiiencias sao sabidamente falsas, 0 sen-tido da concepcao considerada nao pode ser tal que as impJique.Certo, ela pretende apenas que as afinidades naturais subjacen-tes a atracao vgravitacional sao como 0 amor. Mas, como sepode ver agora c1aramente, essa assercao e tao evasiva que ex-clui a derivacao de qualquer conseqilencia confrontavel com aexperiencia. Nenhum fato empirico pode ser invocado por estainterpretacao; nenhum dado observacional ou experimental podeconfirrna-la ou refuta-la, Logo, em particular, nao tern implica-C;aoconcernente aos tenomenos gravitacionais e, portanto, naopode explicar esses Ienomenos ou torna-los "inteligiveis". Paraesclarece-lo ainda mclhor, suponhamos que alguem proponha atese alternativa de que oscorpos Iisicos se atraem gravitacional-mente uns aos outros c tcndcm a sc mover uns para as outrosem virtude de uma tcndcncia natural semelhante ao odio, deuma inclinacao natural para colidir com os outros objetos ffsicos,destruindo-os. Havcra mancira concebivel de emitir parecersobre essas opini6es conflitantcs? f: claro que nao. Nenhumadelas conduz a qualqucr implicacao verificavel; nenhuma discri-minacao empirica entre clas c posslvel. E nao se diga que aquestao e "demasiado profunda" para ser decidida cientif ica-

    6 Esta id6ia e exposta, pnr cxcmplo , em J. F. O Brien, "Gravity and Loveas Unifying Principles", The Thonnst , vo l, 21 (1958), 184 -93.

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    CRITERIOS DE CONFIRMA

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    50 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALresultado dos dois primeiros casos do conjunto. Mas isso e urnerro. 0 que se repetiu 100 vezes nao foi Iiteralmente 0 mesmoexperimento, pois as sueessivas execucoes diferiam em variesaspectos: certamente a distancia, do aparelho a Lua, talvez atemperatura da fonte de luz ou a pressao atrnosferica etc. 0que se "manteve 0 rnesmo" foi simplesmente certo conjunto decondicoes, entre as quais deterrninado angulo de incidencia eurn particular par de meios. E ainda que as primeiras medidasnessas circuns tancias t ivessem Iornecido 0 mesmo valor parasen a /sen { 3 , nao e logicamente impossivel que as subsequen-tes, nas mesmas circunstancias, fornecessern outros valores. Arepeticao de medidas com resuItado Iavoravel aumentou de fatoa confirrnacao da hip6tese, embora muito menos do que fize-ram as medidas executadas numa variedade mais ampla decasos.

    Em geral, as teorias cientificas estao apoiadas por umavariedade considerave l de fatos. Lembremo-nos da confi rrnacaoencontrada por Semmelweis para a sua hipotese final. Lern-bremo-nos sobretudo da impressionante confirrnacao recebidapela teoria newtoniana do movimento e da gravitacao: delasao deduzidas as leis de queda livre, do pendulo simples, domovimento da Lua em torno da Terra e dos planetas em tornodo Sol, das 6rbitas dos cometas e dos satelites feitos pelo ho-mem, do movimento relative das estre las duplas, dos fenornenosdas mares e de muitos outros Ienornenos. Todos os resultadosobservacionais e experimentais que estao de acordo com essasle is trazem apoio a teoria de Newton.

    A razao pela qual a diversidade de evidencia e urn fatortao importante na confirrnacao de uma hipotese pode ser su-gerida pela seguinte consideracao, relativa ao nosso exemplodas varias verificacoes da lei de Snell. A hip6teseem ques-tao - que vamos designar por S - se refere a todos os paresde meios opticos e afirma que para urn par qualquer a relacaosen a/sen {3 tern 0 mesrno valor para todos os associadosangulos de incidencia c de refracao. Quanto mais distribuidasfor em as experiencias sobre essas diversas possibilidades, tantomaior sera a probabilidade de achar urn caso desfavoravel se Sfor falsa. Pode-se dizer que 0 primeiro conjunto de experi-mentes examina uma hipotese mais par ticular Sl, segundo a qualsen a/sen {3 tern 0 mesmo valor toda vez que 0 raio luminosopassa do ar para a agua com uma incidencia de 30. Por-tanto, se S, fosse verdadeira mas S falsa, 0 primeiro tipo de

    CRITERIOS DE CONFIRMA~AO E ACEIT ABILIDADE 51

    teste nao 0 revel aria. Analogamente, 0 segundo conjunto de ex-perimentos veri fica uma hipotese S2 , que afirma dist intamentemais do que S, mas nao tanto quanto S - a saber, quesen a/sen {3 tern 0 mesmo valor para todos os angulos a e seuscorrespondentes angulos {3 quando a lu~ passa do ar para aagua. Aqui t ambemv se S2 fosse v~rdadelra mas S. fals~, 0 se-gundo tipo de teste nao 0 !evelana. ~~de-se , P O l S , dizer q~eo terceiro conjunto de experimentos verifica a lei de Snell marscompletamente que os outros dois e que por ~sso u~ resultadodele, inteiramente Iavoravel, Iornece urn apoio mars forte pa-ra ela.Mas nao estamos exagerando a importancia da evidenciadiversificada? Afinal de contas, urn aumento de variedade podeas vezes ser considerado como insignificante, justamente porser .incapaz de elevar a confirma'1ao. ~a hjpotese. ~ssim e queno nosso primeiro conjunto de venflca

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    52 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALbaseia-se em pressupostos - talvez resultantes de pesquisasanteriores - quanta a influencia provavel dos fatores a seremvariados sobre 0 fenomeno a que se refere a hipotese.,E, as vezes, quando esses pressupostos sao contestados esao por isso introduzidas variacoes experimentais ateentao con-side radas insigni ficantes, uma descoberta revolucionaria pode so-brevir. b 0 que aconteceu com a recente derrubada de urndos pressupostos basicos da Fisica, 0 principio da paridade,segundo 0 qual as leis da natureza sao imparciais entre a direitae a esquerda: se urn processo fisico e possivel (i. e., sc suaocorrencia nao est a excluida pelas leis da natureza), tarnbemo e sua imagem por ref l exao (0 processo visto num espelho),onde a direita e a esquerda sao trocadas. Em 1956, Yange Lee, que procuravam a razao de alguns resultados experi-m e nta is e ni gr na ti co s sab re parti culas e lernentarcs, sugeri ramarroj adamente que 0 principio de paridade fica violado emcertos casos; 0 que nao tardou a ser cIararnente confirmadopela experiencia.

    As vezes urn teste pode ser refeito de modo mais rigorosoe 0 seu resultado mais ponderavel, aurncntando a precisao dosprocessos de observacao e de rnedida que ele usa. Assim eque a hipotese da identidade das massas de inercia e gravita-cional - justificada, par exernplo, pela igualdade da acelera-"ao em queda livre de todos as corpos - foi recenternentereexarninada com metodos extremamente precisos; e os resul-tados, que ate agora sustentaram a hipotese, ref'orcaram enor-memente a confirrnacao dela.

    CONFIRMA

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    54 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALparecer razoavel respondermos afi rmativamente pela seguinte ra -zao: e sempre possivel construir uma hipotese que esteja deacordo com um conjunto qualquer de dados quantitativos, domesmo modo que e sernpre possivel desenhar uma curva re-gular passando por urn numero fin ito de pontos. Assim sen-do, nao ha nada de surpreendente que uma formula como ade Balmer possa ser estabelecida no nosso caso ficticio, a. quee notavel e dacredito a uma hipotese e que ela se ajuste aoscasos "novas" como sucedeu com a de Balmer no caso real.Mas a isso se poderia replicar que, mesmo no caso ficticio, aformula de Balmer nao e simplesmente uma hipotese a rbit ra-ria capaz de se ajustar aos 35 comprimentos de onda medidos;antes, e uma hipotese de simplic idade formal impressionante ;e e 0 fato mesmo de ela conter essas 35 medidas numa formulamatematicamente simples que the da muito maior crcdibilidadeque a que seria atribuida a uma f6rmula muito complexa tam-bern se ajustando aos mesrnos dados. Para dize-lo em lingua-gem geometric a : se se puder fazer passar uma curva simplespelos pontos representatives dos resultados de medidas, tem-semuito maior confianca ern haver descoberto uma lei geral sub-jacente do que se a curva for cornplicada, scm uniformidadeperceptivel. (Adiante, neste capitulo, retomarernos esta qucs-tao da simplicidade.) De resto, do ponto de vista da Logica,a firmeza do apoio que uma hipotese recebe de urn certo con-junto de dados so depende do que e afirmado pela hipotesee do que sejam os dados: saber se foi a hipotese ou 0 conjuntodos dados que se apresentou em primeiro lugar e questao pura-mente hist6rica e por isso nao pode ser levado em conta naconfirrnacao da hipotese. Esta e a concepcao certarnente im-plicita nas teorias cstatisticas da verificacao, recentemente de-senvolvidas, e tarnbcm ern algumas analises logicas contem-poraneas da confirrnuciio c da inducao, como veremos bre-vemente ao fim do capitulo.

    0. APorO TEORICO0. apoio que pode scr rcclamado para uma hipotese nao

    precisa ser inteiramente do tipo indutivo que consideramos ateagora: nao precisa consistir intciramente - ou mesmo parcial-men te - de dados que confirmam as consequencias derivadas

    ,I

    CRITERIOS DE CONFIRMAC;AO E ACElT ABILlDADE 55delas, a apoio pode vir tambern "de cima", isto e, de hipotesesmais amplas ou de teorias que implicam a hipotese consideradae que tern 0 apoio de uma evidencia independente. Para .exem-pli fica r, consideremos novamente a lei hipotetica para a quedalivre na Lua s = 89 t2 em. Embora nenhuma de suas con-seqiiencias tenha sido jamais verificada por experiencia na Lua,tern entretanto urn forte apoio teorico, pois decorre dedutiva-mente da teoria newtoniana do movimento e da gravitacao (for-temente apoiada por uma evidencia altamente diversificada )juntamente com a inforrnacao de que 0 raio e a massa daLua sao 0,272 e 0,0123 dos da Terra e que a aceleracao degravidade na vizinhanca da superficie da Terra e de 981 centi-metros por segundo por segundo.

    Por outro lado, a confirrnacao de uma hipotese que jatern apoio indutivo pode ser reforcada se receber "de cima" ~mapoio dedutivo. E 0 que aconteceu, por exemplo, com a for-mula de Balmer. Balmer entreviu a possibilidade de espectrode hidrogenio conter outras series de raias, cujos comprimentosde onda obedeceriam a uma generalizacao da sua formula,a saber

    A=b---n2 _ m2onde meum inteiro positivo e n qualquer inteiro maior que m.Para m =2 reca i-se na formula ja conhecida; m = 1,3,4, ...determinariam novas series de raias. E, de fato, a existencia deser i-es correspondentes a m = 1,3,4 e 5 foi estabelecida pos-teriormente pela exploracao experimental das partes invisiveisinfra-vermelho e ultra-violet a do espectro de hidrogenio. Che-gou-se assim a urn forte apoio empirico para uma hipotesemais geral que implicava a formula original de Balmer comocaso especial, Iornecendo portanto um apoio dedutivo p~raela. E em 1913 surgiu urn apoio dedutivo por uma teona,quando Bohr mostrou que a formula generalizada - e portantoa original de Balmer - decorria da sua teoria do atomo dehidrogenio. Essa deducao reforcou enorrnemente 0 apoio aformula de Balmer, porque a colocou no contexto das concep-C;5es quanticas desenvolvidas por Planck, Einstein e Bohr, queestavam apoiadas por diversas evidencias alem das medidas

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    5 6 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURAL

    espectroscopicas que forneceram suporte indutivo a formulade Balmer.!Correlativamente, a credibilidade de uma hipotese seraatingida adversamente se entrar em conflito com as hipotesesou teorias ja aceitas como bern confirmadas. No New YorkMedical Record, de' 1877, urn medico de Iowa, Dr. Caldwell,re latando uma exumacao a que teria testernunhado, assegurouque 0 cabelo e a barba de urn homem que fora enterrado bar-beado e de cabelos cortados arrebentaram 0 caixao e cres-ceram atraves das fendas." Ainda que apresentado par umatestemunha presuntiva, a afirrnacao sera rejeitada sem muitahesitacao porque colide com os fatos bern estabelecidos sobreo crescirnento do cabelo humano depois da morte.Analogamente, a nossa discussao anterior da pretensao deEhrenhaft de te r experi rnenta lrnente estabe lec ido a exi stencia decargas subele tronicas mostra como 0 conflito com uma teoriaarnplamente sustentada mil ita cont ra uma hip6tese.

    Entretanto, 0 principio a que nos estamos referindo deveser aplicado com discricao e com rest r icoes. Senao, poderia serusado para proteger qualquer teoria contra qualquer descobertaque the fosse contraria. Ora, a ciencia nao esta interessada emdefender concepcoes favoritas contra as evidencias que possamIhes ser contrarias. Em virtude mesmo do seu objetivo, est asempre pronta a renunciar a uma hip6tese ja aceita ou pelomenos a modifica-la. Mas para desalojar uma teoria bern esta-belecida exigern-se razoes ponderaveis; exige-se sobretudoque os result ados experimenta is adversos possam ser repet idos.E mesmo quando "efeitos" experimenta lmente reproduzivei s en-tram em conflito com uma teoria robusta e fecunda, esta poderacontinuar a ser usada nos contextos em que nao erie dificulda-des. Foi 0 que Einstein reconheceu quando, ao prop or a teoriados quanta de luz para cxplicar fcnomcnos como 0 efeito Iotoe-letrico, obscrvou que para tratar da reflcxao, da refracao e dapolarizacao da luz a tcoria clctrornagnctica era provavelmenteinsubstituivel ; e de fato a inda c usada neste contexto. Uma teo-ria de largo ambito, jti triunfantc em muitos dominios, s6 seraabandonada norrnalmentc quando uma outra teoria ainda mais

    3 Para detalhes, ver Holton e Roller. Foundations 0/ Modern Phys icalScience, cap. 34 (especial rnente a seciio 7).

    4 B. Evans. The Natural History 0/ Nonsense (Nova York: Alfred A. Knopf.1946), p. 133.

    CRITERIOS DE CONFIRMA~AO E ACEITABILIDADE 57satisfat6ria se apresentar - mas boas teorias sao dificeis deaparecer ."

    SIMPLIClDADEOutro aspecto que afeta a aceitabilidade de uma hip6tese

    e a sua simpiicidade comparada com a de hip6teses alternativasque justificam 0 mesrno fenomeno.Consideremos urna i lustracao esquerna ti ca. Suponhamos

    que a investigacao de certo tipo de sistemas fisicos (Cefeidas,molas elast icas, liquidos viscosos ou 0 que far) sugira que certacaracteristica quantitativa, n, desses sistemas possa ser uma fun-

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    58 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALe que nao diferem no que ainda possa ser relevante para a con-firrnacao, a mais simples seria a mais bern aceita.

    A importancia da simplicidade para teorias intciras e fre-qiientemente exemplificada com 0 destronamento da concepcaogeocentrica do sistema solar, herdada de Ptolorneu, pela helio-centrica de Copernico. A concepcao de Ptolomeu era cngenho-sa e rigorosa, mas "suntuosamente complicada por circulos prin-cipais e subcirculos, com diferentes raios, velocidades, inclina-yoes e diferentes valores e direcoes de excentr icidadc" ."

    Inegavelmente, ' existe em cienc ia uma preferencia marc antepelas teorias e hipoteses mais simples, mas nao e Iacil formularcri te rios de simplicidade num sentido relevan te que just ifiquemcssa preferencia.

    Qualquer criterio de simplicidade teria que ser objetivo, eclaro; nao se poderia rcferir a uma seducao intuitiva ou a faci-lidadc com que uma hip6tese ou teoria possa ser compreendidaou lembrada etc., pois estes sao fatores que variam de pessoaa pessoa. No caso de hip6teses quantitativas como HI, H2, H3,poder-se-ia pcnsar em julgar da simplicidade observando-se osgraficos correspondcntes . Em coordenadas retangulares, 0 graficode Hs e uma reta, cnquanto os de HI e H2 sao curvas muito maiscomplicadas passando pelos quatro pontos dados. Mas estecriterio parece arbitrario, Pois se usarmos coordenadas pola-res, representando u pelo angulo diretor e n pelo raio vector,entao Ha deterrninaria uma espiral, enquanto a funcao determi-nando uma "simples" reta seria bastante complicada.

    Quando, como no nosso exemplo, todas as Juncoes estaoexpressas por polinomios, a ordem do polinomio poderia servircomo indice da cornplcxidade; H2 seria mais complexa que H i,por sua vez mais cornplcxa que H . Mas outros criterios saonecessaries quando funcocs de Dutra natureza, como as trigo-nometricas, devarn scr tambcm considcradas.

    Sugere-se as vczcs que 0 numcro de suposicoes bdsicasseja urn indieador da complcxidadc de lima teoria. Mas suposi-coes podem ser combinadas c parccladas de varies modos; nao

    6 E. Rogers, Ph ysics for tire ("III/rill!: Mlnd (Princeton: Princeton UniversityPress. 1960). Os capitulos 14 c [6 tic"" obr a oferccem uma esplendida descricaoe apreciacao dos dois sistemas; tWO muis substancia a proclamada superioridadeem simplicidade do esquema de Copernico, mas mostram tambem como ele eracapaz de dar a razao de varios Iatos, j" conhccidos na epoca de Copernico, queo sistema de Ptolomeu nao podia e xpl icar.

    CRITERIOS DE CONFIRMA~AO E ACEIT ABILIDADE 59ha maneira inequivoca de conta-las. Por exernplo, dizer quepara qualquer par de pontos existe exatamente uma reta pas-s~n_do p or eles pode ser contado como expressao de duas supo-sicoes em vez de uma: a de que existe pelo menos uma talreta e a de que existe no maximo uma. E mesmo que houvesseaco.rdo n~ c?nt'agem, as diferentes suposicoes basicas ainda po-denam diferir pela complexidade, devendo portanto ser pesadasem vez de contadas. Observacoes semelhantes se aplicar iam asugestao de que 0 mimero de conceitos bdsicos usados numateoria poderia servir como Indice de sua complexidade.

    A questao dos criterios de simplicidade reeebeu recente-mente uma atencao especial da parte dos logicos e dos filosofos,que obt ive ram resultados inter essantes, mas a inda nao consegui-ram uma caracterizacao geral satisfatoria da simplicidade. En-tretanto, como esta sugerido peIos nossos exemplos, existemc~rtam~nte casos ,em que mesmo na ausencia de criterios expli-CltOS h a substancial acordo sobre qual seja a mais simples deduas hipoteses ou teorias rivais.

    Outro problema intricado atinente a simpl ieidade e 0 dasua justificacao: que razoes existem para seguir 0 chamadopri~dpio. da simplicidade, isto e, 0 preceito de que se deve pre-f~nr, .es~lma: como mais aceitavel, entre duas hipoteses ou teo-nas nvais e igua lrnente confi rmadas aquela que e a mais s imples?

    Muitos grandes cientistas manifestaram a conviccao de queas leis basicas da natureza sao simples. Se assim 0 fosse, po-der-se-ia de fato admitir que a mais provavelmente verdadeirade duas hipoteses rivais e a mais simples. Mas supor que as leisbasicas da natureza sao simples e, naturalmente, pelo menostao problernatico quanta a legitimidade do principio de sirnpli-cidade e nao po de portanto fornecer uma justificacao para de.

    Alguns cientistas e filosofos - entre os quais Mach, A ve-narius, Ostwald e Pearson - sustentaram que a ciencia visadar uma descricao econornica au parcimoniosa do mundo e queas hip6teses gerais promovidas a leis da natureza sao expedien-tes economicos para 0 pensarnento, servindo para condensarurn numero indefinido de casas particulares (como os de quedalivre) numa (mica formula simples (como a lei de Galileu);desse ponto de vista parece inteiramente razoavel adotar a maissimples das hipoteses adversarias. 0 argumento seria convin-cente se tivessemos que escolher entre diferentes descricoes deurn mesmo conjunto de [atos; mas ao adotar uma entre varias

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    60 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALhipoteses em disputa, tais como HI, H2, H3 acima, adotamostambern as predicoes que ela implica quanta aos casas aindanao verificados; e a esse respeito as hipoteses divergem larga-mente. Assim e que, para u = 4, HI, H2, Ha predizem paranos valores 150, 30 e 6 respectivarnente. Cabe cntao perguntar:Basta reconhecer que H3 e matematicamente a mais simplespara considera-la a mais provavel de ser verdadeira, para ba-sear nela 0 que esperamos acontecer no caso nao-examinadou = 4 e nao nas outras hipoteses que acertam nos casos j{ tmedidos com a mesma precisao?

    Urna resposta interessante a est a questao foi sugerida porReichenbach." Em resumo, 0 seu argumento e 0 seguinte: su-ponhamos que no nosso exemplo n seja de fat a uma funcao deu, n = f(u). Seja g 0 scu graf'ico em algum sistema de coor-denadas,cuja escolha nao e essencial. A verdadeira funcao fe 0 seu grafico g sao, naturalmente, desconhecidos pelo cientis taque mede os valores associados das duas variaveis. Admitindo,para favorecer ao argumento, que suas medidas sejam exatas~ele achara certo numero de pontos "dados" que pertencem a"verdadeira" curva g. Suponhamos em seguida que, de acordocom 0 principio de simplicidade, ele trace a curva mais sim-ples, isto e, a intuitivamente mais regular passando por essespontos. 0 grafico ass im obtido, que chamaremos gl, pode afas-tar-se consideravelmente da verdadeira curva, tendo, entretanto,com esta os pontos dados em comum. Mas a medida que 0c ienti st a va i de terminando mais pontos ira tracando novos gra-f icas mais s imples g2, s . g4, ... que irao coincidindo cada vezmais com a vcrdadeira curva g, assim como as funcoes associa -das /2 , h4 . . . aproximar-sc-ao cada vez mais da verdadeirarelacao funcional /. i\ obedicnc ia ao principia de simplic idadenao pode pois garantir que sc obtcnha a funcao f de uma so vezou mesmo em varias: mas sc cxistir uma rclacao funcionalentreu e n, 0 processo conduzir.i gradualmcnte a uma funcao que seaproxima da verdadcira na ordcm descjada.o argumento de Reichenbach, aqui reproduzido em formaurn tanto simplificada, c cngcnhoso, mas sua forca e limitada.Pois, par mais lange que se tcnha ido na construcao dos grafi-

    7 H. Reichenbach, Experience ",,,1 Prediction (Chicago: The Universi ty ofChicago Press, 1938), se~lio 42.

    CRITERlOS DE CONFIRMA

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    que seja uma elipse, porque a pri~:ira poderi~ ser falsificadapela deterrninacao de quatro pOSH;oes que nao pert~nam aurn mesmo circulo (tres pont as podem ser sernpre unidos parurn circulo ), ao passo que a falsificacao da segunda hipoteseexigiria a determinacao de pelo menos seis posicoes .do planeta.Neste sent ido, .a hipotese mais simples e a ma~s facllme~t,e f .al-sifi cave l e e tarnbem a mais forte porque logicarnente implicaa hipotese menos simples. Este criterio certament~ contribu,ipara esclarecer a especie de simplicidade que mteressa aCiencia,Mas Popper diz alternativamente que uma hip~tese. e rnaisfalsificavel, logo mais simples, que outra quan?o Impl.lca estaoutra e tern portanto maior conteudo num sentido estntamentededutivo. Ora, nem sempre maior conteudo se une a maiorsimplicidade. Certo, uma teoria forte "como a teoria .newto-niana do movimento e da gravitacao pode ser consideradacomo maissimples que uma vasta colecao de leis desconexase de alcance mais limitado, que sao implicadas por ela. Masa desejavel especie de simplificacao assim conseguida por .umateoria nao e apenas uma questao de maior conteudo; pOlS seduas hipoteses desvinculadas (e. g., a lei de .Hoo_ke e a ~eSnell) Iorem afirmadas conjuntamente, a conjuncao nos dizmais sern ser mais simples, que cada componente. Nern qual-quer' das tres hipotescs H 1, H 2 ,. H 3 con~idera?as acima, quecertamente nao sao igualmente Simples, diz mars que uma dasoutras; nem diferem quanta a fa lsificabil idade . Se fal sas,qualquer uma delas pode ser r~~elada falsa com a mesmafacilidade: urn iinico caso contrano, por exemplo 0 par (4,10), uma vez medido, falsificaria a todas elas. .

    Assim,ainda que as diferentes ideias aqui ra'pl~a~enterevistas iluminem de certo modo 0 rationale do prmcrpio dasimplicidade, permanece sem solucao satisfatoria o. p~o?le~ade achar para ele uma formulacao precisa e uma justificacaounificada.?

    9 0 leitor desejoso de aprofundar es tas ques t6es encont rara auxf lio. nasseguintes discussOes:S. Barker, Induction and H~.pot~e~ls (Ithaca.: ~~rnell Un~ve::-s ityPress 1957). "A Panel Discussi on of S impl icity of SCient ific Theo~les ,Philosoph; of Science, vol . 28 (1961), 109-71; W. V. O. Quine, "On SimpleTheories of a Complex World". Svnthese , vol. 15 (1963). 1036 .

    CRITERIOS DE CONFIRMA

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    64 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALclaro como caracterizar com rigor fatores como a simplicidadede uma hipotese ou a variedade da evidencia que a sustenta;muito menos, como expressa-los numericamente.Entretanto, certos resultados elucidativos e de enormealcance foram obtidos recentemente por Carnap, que estudouo problema em linguagem modelo rigorosamente formalizada,cuja estrutura logica e consideravelmente mais simples que arequerida para os propositos da ciencia, Carnap desenvolvcuurn metodo geral de definir 0 que chamou 0 grau de confir-macae para qualquer hipotese expressa em tal linguagem. 0conceito assim definido satisfaz a todos os principios da teoriada probabilidade, 0 que permitiu a Carnap referir-se a e1ecomoa probabilidade logica ou indutiva da hipotese relativa a in-formacao dada.'!

    11 Carnap deu uma nlpida e elernentar exposicao das ideias basicas emseu artigo "Statistical and Inductive Probability", reimpresso em E. H. Madden,org., The S tructur e o f Sci en tlj lc Thought (Bos ton : Houghton Mi ff li n Company,1960), pp. 269-79. Uma exposiciio mais recente e que multo esclarece 0 assuntoencontra-se no artigo de Carnap "The Aim of Inductive Logic", incluldo em E.Nagel, P. Suppes e A. Tarski, orgs., Logic, Methodology and Philosophy 01Science, Proceedings of the 1960 International Congress (Stanford: StanfordUnivers it y Pr es s, 1962), pp. 303-18.

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    AS LEIS E SEU PAPEL NA EXPLICA

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    camente em nossa experiencia e portanto apta a uma verificacaoobjetiva. As explicacoes cientificas devern, por esta razao, sa-tisfazer a dois requisi tos, que chamaremos 0 requisi to da rele-vancia explanatoriae 0 requisito da verificabilidade.o astronomo Francesco Sizi apresentou 0 seguinte argu-mente para dernonstrar por que, ao contrario do que seu con-ternporaneo Galileu afirmava ter visto com uma Iuneta, naopode haver satelites circulandoem torno de Jupiter:

    Existem sete janelas na cabeca: duas ventas, duas orelhas,dois olhos e uma boca. Do mesmo modo, existem no ceuduas estrelas propiciadoras, duas desfavoraveis, duas lumi-nosas e uma so indecisa e indiferente, que e Mercurio. Daie de muitos outros fenomenos semelhantes da natureza(sete metais etc.), que seria Iatigante enumerar, eoncluf-mos que 0 numero dos planet as e necessariamente sete . ..Alern disso, os satelites sao invisiveis a olho nu, logo naopodem ter influencia sobre a Terra, logo sao imiteis, logonao existern.!o defeito principal desse argumento e evidente: os "fatos"

    que aduz, ainda que aceitos sem discussao, sao inteiramente ir-relevantes para 0 ponto em pauta; nao fornecem razao algumapara negar que Jupiter tenha satelites; 0 usa de palavras como'logo' e 'necessa riamente ', com 0 fim de dar uma impressar, derelevancia, e inteiramente ilegitimo.

    Muito diferente e a explicacao do arco-iris dada pela Fi-sica. 0 fenomeno surge entao como resultado da reflexao e darefracao da luz branca do Sol nas goticulas esfericas de aguaque existe rn nurna nuvem. ~ justarnente 0 que as leis da opticapermitem prever toda vez que agua pulverizada for iluminadapor uma fonte de luz branca situada atras do observador. As-sim.!,m esm~ q.u~ nunea tivessemos visto urn arco-iris, a expli-cacao constuutna born fundamento pam acreditar que 0 feno-meno surgir ia nas eondic;5es especificadas. A esta caracterist icae que queremos nos referir quando dizemos que a explicacaosatis~az ao requisite da reievanan explanatorin; a informacaoaduzida fornece born fundamento para acreditar que 0 feno-rneno a ser explicado de fato aconteceu au acontecera. E a

    1 Transcrito de Holton e Roller, Foundat ion s 01 Mod er n Phys ica l SCie nc e.p. 160.

    As LEIS E SEU PAPEL NA EXPLICAC;AO 67condicao a ser satisfeita para que estejamos autorizados a dizer:"0 fenomeno esta explicado - e justamente 0 que se esperavanas circunstancias dadas ."o requisito traduz uma condicao necessaria para uma ex-plicacao adequada, mas nao suficiente. Por e~e~plo? 0 desloca-mento para 0 vermelho nos espectros das galaxl~s. distantes for-nece uma forte base para acreditar que essas galaxies se afastamde nos com enormes ve1ocidades, mas nao para explicar par queesse afastamento.

    Para introduzir 0 segundo requisito, consideremos uma vezmais a concepcao da atracao gravitacional como manifestacaode uma tendencia natural comparavel ao ,am?r. ~o~o ja o~e~-vamos essa concepcao nao tern nenhuma implicacao verifica-yd. Portanto, nenhurn resultado empfrico poderia, sustenta-laou refuta-la. Sendo assim vazia de qualquer conteudo empl~l-co, nao pode justificar a expectativa dos fenomen~s c~racter~s-t icos da a tracao gravitac ional: falt a-lhe poder. eXP:lca tlv.o obj e-tivo. 0 mesmo se pode dizer sobre as explicacoes feitas emtermos de urn destino inescrutavel: invocar uma ideia comoesta, longe de ser sinal de uma visao ~r?funda, e a~enas re-mincia a qualquer explicacao. Ao contrar~o: o~ enur:c.lad~s eI?que se baseia a explicacao Iisica do arco-~ns tern. v_anas impli-cacoes verificaveis: por exemplo, q_uanto as condicoes em quese ve urn arco-iris no ceu, quanto a ordem das cores que nelefiguram, quanta ao seu aparecimento na poeira liqu~~a. levan-tada pelo quebrar das ondas ou por um~ !onte artificial ~tc.Esses exemplos ilustrarn uma segunda c~~dlc ;ao par~, as ~~phca~coes cientificas, que chamaremos 0 reqUl~lto _da ~erzf~~abilidade.os enunciados que constituem uma explicacao cientifica devemprestar-se a verificacao empirica.

    Como ja foi sugerido, a concepcao da gravitacao como ~~'aafinidade universal subjacente nao pode ter poder explanatonoporque nao tern implicacoes verifica~eis. Com efeito, para jus-tificar a ocorrencia da gravitacao universal ou de qualquer urnde seus aspec tos caracte ri st icos, a conc~pc;ao ~eria que. imp,l .ica-los quer dedutivamente quer num sentido mais fraco indutivo-probabilistico; mas' entao ela seria verificavel no que se r~-fere a' essas conseqilencias. Este exemplo mostra que os dotsrequisitos nao sao independentes: um~ explica

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    Vejamos agora que formas tomam as explicacoes cientifi-cas e como elas satisfazem aos dois requisitos fundamentais.

    A EXPLICA

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    70 FILOSOFIA DA CIENCIA NATURALDiremos .que e 0 esquema das explicacoes por subsuncaodedutiva sob leis gerais ou das explicacoes dedutivo-nomologi-cas. (A raiz do termo 'nornologico' e a palavra grega 'nomos',para lei.) Diremos tambem que 0 argumento explanat6rio sub-sume 0 explanandum sob essas leis ou que estas sao as leisde cobertura para 0 fenorneno explanandum.o fenomeno explanandum numa explicacao dedutivo-no-

    rnologica pode ser urn acontecimento que ocorreu em epoca elugar particulares, como foi 0resultado da experiencia de Pe -rier; pode ser tambem alguma regularidade encontrada na na-tureza, como a dos aspectos geralmente exibidos pelos arco-iris; pode ser ainda uma uniformidadeexpressa por uma leiempirica, como a de Galileu ou a de Kepler. As explicacoesdedutivas dessas uniformidades invocarao leis de alcance maisvasto, como as leis da reflexao e da refracao, ou as leis newto-nianas do movimento e da gravitacao, Como mostra este usodas leis de Newton, as leis empiricas fieam muitas vezes expli-cadas por meio de principios teoricos que se referem a estrutu-ras e processos subjacentes as uniformidades em pauta. Vol-taremos a este genero de explicacao no proximo capitulo.As explicacoes dedutivo-nomologicas satisfazem ao requi-sito da relevancia explanat6ria no sentido mais forte possivel:a informacao explanatoria que elas fornecem implica a sentencaexplanandum dedutivamente e permite assim concluir logica-mente por que e deesperar 0 fenomeno explanandum. (Encon-traremos em breve outras explicacoes cientificas que satisfazemao requisito apenas num sentido mais fraeo, indutivo.) E 0requisito de verificabilidade tambern e satisfeito, pois 0 expla-nans impliea entre outrascoisas que nas condicoes especifica-das 0 fenomeno explanandum ocorrera.Algumas explicacoes cientificas obedecem ao esquemaD-N) de urn modo bastante exato. E 0 que acontece, parti-cularrnente, quando eertos aspectos quanti tativos de urn feno-rneno ficam explicados por derivacao matematica a partir de

    leis gerais de cobertura, como no caso da reflexao em espelhosesfericos e parabolicos. Outro exemplo e a celebre explicacaoproposta por Leverrier (e independentemente por Adams) dasirregularidades peeuliares ao movimento do planeta Urano, quenao podiam ser justificadas pela atracao gravitacional exercidapelos outros planetas entao conhecidos, Leverrier suspeitouque elas fossern devidas a urn planeta exterior ainda nao ob-servado e calculou a posicao, a massa e outras caracteristicas

    11!-,

    As LEIS E SEU PAPEL NA EXPLICA~AO 71que esse planeta deveria possuir para, de acordo com a teoriade Newton, dar razao quantitat iva das irregularidades consta-tadas. Sua explicacao foi sensacionalmente confirmada peladescoberta, na posicao prevista, de urn novo planeta, Netuno,que tinha exatamente aquelas caraotensticas oalouladas porLeverrier. Aqui tambem a explicacao tern 0 carater de urnargumento dedutivo cujas premissas incluem leis gerais - nocaso, as leis newtonianas do movimento e da gravitacao - eenunciados que especificam os valores particulares ao planetaperturbador de varias grandezas.

    Nao raro, entretanto, as explicacoes dedutivo-nomologi-cas sao enunciadas em forma eliptica: omitem a mencao decertas suposicoes pressupostas pela explicacao mas tacitamen-te aceitas no contexto dado. Sao explicacoes as vezes expres-sas na forma 'E porque C', onde E e 0 evento a ser explicadoe C algumevento ou estado de coisas antecedente ou conco-mitante a E. Como exemplo, tomemos 0 enunciado: 'A lamana calcada permaneceu liquida durante a geada porque foisalpicada'. Esta explicacao nao menciona exphcitamente leialguma, mas tacitamente pressupoe pelo menos uma: que 0ponto de solidificacao da agua e mais baixo quando ha saldissolvido nela. De fato, e precisamente em virtude dessa leique 0 salpico adquire 0 papel explanatorio, e especificamentecausal, a ele atribuido pelo porque do enunciado eliptico. Esseenunciado, acidentalrnente, tambem e eliptico em outros senti-dos; por exemplo, admite tacitamente certas suposicoes sobreas condicoes fisicas vigentes, como a de que a temperaturanao baixou muito. Acrescentando essas suposicoes e a lei omi-tidas ao enunciado de que 0 sal foi espalhado na lama, obtem-se as premissas para uma iexplicacao dedutivo-nomologica dofato de haver a lama permanecido liquida.Comentarios semelhantes se aplicam a explicacao dadapor Semmelweis de que a febre puerperal era causada pelamateria em decomposicao introduzida na corrente sangilinea

    atraves das feridas abertas. Assim formulada, a explicacao naofaz mencao de lei geral alguma; mas pressupoe que tal conta-minacao da corrente sangiiinea provooa em geral umenvene-namento do sangue acompanhado dos sintomas caracteristicosda Iebre puerperal, pois isso e 0queesta implicado pela as-sercao de que a contaminacao causa a febre puerperal. Estageneralizacao foi certamente admitida sem discussao por Sem-melweis, para quem a causa da doenca fatal de Kolletschka

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    "t

    nao apresentava problema etio16gico: uma vez introduzida ma-te ria infectada na corrente sangt iinea, resulta 0 envenenamentodo sangue. (Kolletschka nao fora 0 primeiro a morrer de en-venenamento do sangue resultante de urn corte com bisturiinfectado. Por uma ironia tragica, 0 pr6prio Semmelweis so-freria 0 mesmo destino.) E, uma vez explicitada a premissaomitida, ve-se que a explicacao faz referencia a leis gerais.

    Leis gerais estao sempre pressupostas quando se diz queurn particular evento da especie G (por exemplo, dilatacao deurn gas sobpressao constante; passagem de corrente pelo fiode uma bobina) Ioi causado por urn evento de outra especieF (por exemplo, aquecimento do gas; movimento da bobinaatra ves de urn campo magnetico). Para ve-lo, nao precisamosentrar nas complexas rarnificacoes da nocao de causa; bastanotarmos que 0 ditado "Mesrnas causas, mesmos efeitos",aplicado a esses cnunciados, implica dizer que toda vez queocorrer urn evento da especie F, ele sera acompanhado de urnevento da especie G.

    Dizer que uma explicacao repousa em leis gerais nao edizer que a sua descoberta requer a descoberta de leis. 0 queM de