Hermenêutica+fácil+e+descomplicada-Esdras Costa Bentho

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Crosta T^cntko ■k ü HERMENÊUTICA

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Crosta T^cntko

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üHERMENÊUTICA

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(TEÓLOGO APOLOGISTA) PROJETO SEMEADORES DA PALAVRA

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£ .sd tãs (Zosta fèentho

HERMENÊUTICAF Á C I L E D E S C O M P L I C A D A

<3 0 m0 in te ip u ta i a T^íbtia

de inAneiiá p iá ticn e e ficaz

C90

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Todos os direitos reservados. C o p v n g h r © 2 0 0 3 para a língua portuguesa da Casa Publicadora

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P reparação de originais: Alexandre C oelho

Revisão: Joel D u tra do N a sc im e n to e Isael de Araujo

Capa, p ro je to gráfico e editoração: E d u a rd o Souza

C D D : 2 2 0 — In te rp re tação Bíblica

ISBN : 8 5 - 2 6 3 - 0 5 4 4 - 1

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As citações bíb licas fo ram extraídas da versão A lm eida e C orrig ida, edição de 1995 , da

Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação em contrário .

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I a e d i ç a o /2 0 0 3

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T^edlcatóüa

A minha esposa Ana Paula, ao meu filho Esdras Júnior e ao pastor Joel M ontanha com carinho.

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S u m á t lo

A B R E V I A T U R A S ...........................................................................................9

I N T R O D U Ç Ã O ..........................................................................................I I

C A P Í T U L O I

F u n d a m e n to s d a H e r m e n ê u t i c a ...................................................... 15

C A P Í T U L O 2

In sp ira ção e R evelação ..........................................................................3 7

C A P Í T U L O 3H e rm e n ê u t ic a B íb lic a ............................................................................. 55

C A P Í T U L O 4

H e rm e n ê u t ic a M a te r i a l ..........................................................................93

C A P Í T U L O 5

E sco las T e n d e n c io sa s de I n te r p r e ta ç ã o ...................................... 125

C A P Í T U L O 6H e rm e n ê u t ic a C o n te x tu a l ..................................................................139

C A P Í T U L O 7

H e b r a í s m o s .............................................................................................. 2 0 9

C A P Í T U L O 8

P o é tic a H e b r a i c a ................................................................................... 2 6 1

C A P Í T U L O 9

F igu ras de L in g u a g e m .........................................................................3 0 7

G L O S S Á R I O ............................................................................................. 3 3 7

B I B L I O G R A T I A ......................................................................................3 3 9

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a. C. - Antes de Cristo

ACF - Almeida Corrigida Fiel

ARA - Almeida Revista e Atualizada

ARC - Almeida Revista e Corrigida

AT - Antigo Testamento

BKJ - Bíblia King James

CB - Concordância Bíblica

cap. - Capítulo

cf. - compare-se (confira)

d. C. - Depois de Cristo

DITAT - D icionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento

ECA - Edição Contemporânea de Almeida

IBB - Imp rensa Bíblica Brasileira

LXX - Septuagmta

MC - M undo Cristão (editora)

Mss. - Manuscritos

NA-26 - Nestlé Aland 26a edição

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NDB - Novo Dicionário Bíblico

N D IT N T Novo Dicionário Internacional de Teologia do ־ Novo Testamento

N T - Novo Testamento

N V I - Nova Versão Internacional

SB - Sociedade Bíblica

SBB - Sociedade Bíblica Brasileira

ss. - sucessivos ou seguidos

TC - Texto Crítico

tr. - Traduzido ou tradução

TR - Textus Receptus (Texto Recebido)

v. - versículo

w. - versículos

vss. - Versões

Vulg. - Vulgata

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jh t to d u ç ã o

A Hermenêutica é a ciência tanto bíblica quanto secular, que se ocupa dos métodos e técnicas da interpretação. E, basi- camente, o estudo da compreensão de textos.

A Hermenêutica tem sido considerada por muitos estu- dantes sérios da Bíblia uma ciência tanto necessária quanto hermética.

Uns conferem às regras uma autonomia, e chegam a sepa- rar o texto e o contexto do pensamento do seu autor, como se o texto tivesse vida independente de quem o produziu. Por outro lado, há quem não creia na existência de qualquer regra válida de interpretação, ou que “interpretação boa é aquela que o Es- pírito revela no púlpito”; “a letra mata, mas o Espírito vivifica”, dizem eles. Acreditamos que o Espírito Santo é o agente funci- onal de toda interpretação bíblica genuína. Entretanto, não acei- tamos o argumento de que se o Espírito revela o que está no texto, não é necessária uma metodologia para a interpretação e compreensão das Escrituras. Esta obra não valoriza qualquer um dos dois segmentos. Ao contrário, critica-os.

Devo frisar, entretanto, que esta obra é resultado de mi- nha experiência como professor de Hermenêutica na Faculda- de Teológica Refidim, Escola Preparatória de Obreiros Siloé e

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

nos diversos cursos e seminários promovidos pela Missão de Edificação Cristã (M EC R I). Conseqüentemente, pretende ser mais prático do que teórico. Para isto, adotamos o mo- derno método de ensino integrado. Ao mesmo tempo em que procuramos adaptarmo-nos às condições do moderno conhecimento sobre a hermenêutica, colocamos ao alcance dos alunos blocos organizados de conceitos e afirmativas, capazes de mostrar a unidade do estudo teológico e secular, e a unidade do conhecimento interpretativo na multiplici- dade de suas abordagens.

Para que essa metodologia cumpra o fim pretendido, o currículo adotado não espera o encerramento de um bloco de assuntos para somente iniciar outro; ao contrário, integra-os na medida em que se faz necessário para a compreensão multifocal do tema tratado. N a prática, usa a linha traçada pela natureza própria do texto considerado.

O que define o método empregado não é diretamente a técnica para dentro do texto, mas o texto sugerindo as princi- pais vias in te rp re ta tiv as . C om isto prevalece a visão cosmogônica, centrada na direção que o texto concebe, sobre a visão microscópica centrada na técnica externa do intérpre- te. O texto conduz a técnica ou método a ser empregado, em vez de o intérprete conduzir o texto por meio de sua perícia. O uso deste método em sala de aula, para o primeiro ano do curso teológico propiciou novo dinamismo e interesse por parte dos estudantes.

Ja que em sala de aula há mais versatilidade e muitas ou- tras técnicas didáticas envolvidas no ensmo-aprendizagem do que no “autonomismo” que adquire o aluno autodidata atra- vés de um livro texto, esperamos que esta obra, se não atingir

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In t ro d u çã o

os modestos objetivos delineados, ao menos desperte no lei- tor o interesse e comprometimento pela interpretação séria das Escrituras.

Este livro não pretende substituir qualquer outro manual de hermenêutica cristã, senão, remetê-los.

Este manual foi elaborado a partir de um contexto espe- cífico em nosso seminário. Inicialmente definimos o termo teologia e seus principais conceitos e ramos. Esta forma hete- rodoxa de iniciar uma obra de hermenêutica prende-se às cir- cunstâncias que geraram a obra — muitos alunos em nossas aulas não conheciam os fundamentos básicos da teologia, sua história, ênfase e divisões. Portanto, caso esta obra seja usada na preparação formal, sem que o contexto acadêmico exija a explicitação introdutória, é só remeter-se para o capítulo se- guinte. O assunto de inspiração e revelação não se objetiva a discorrer sobre as teorias a respeito do tema, mas apenas reca- pitular aquilo que o aluno já conhece. N a hermenêutica mate- rial nossa mtenção é propiciar ao estudante obras de referên- cia acadêm ica, d ic ionário s , encic lopéd ias e obras de hermenêutica bíblica e filosófica. Consideramos um pouco extensas essas referências bibliográficas, mas em nossa expen- ência, constatamos que muitos alunos não realizam um sério trabalho exegético por não saber usar fontes apropriadas. O método mostrou-se útil em sala de aula. Ao tratarmos das escolas tendenciosas de interpretação, estamos cônscios de que deveríamos incluir outras correntes; porém, a análise apenas da alegórica e literal justifica-se pelo fato de serem as mais usadas em nossas comunidades. N o capítulo de hermenêutica contextual procuramos fornecer ao estudante bases contextuais para uma interpretação séria da Bíblia, tratando dos princi­

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pais tipos de contextos e de suas regras principais. Os hebraís- mos são tratados nesta obra por serem necessários ao conhe- cimento de todos aqueles que lidam com a exegese do texto bíblico. N a poética hebraica procuramos destacar os aspectos estruturais da poesia e as formas básicas de interpretação dos livros poéticos. N a seqüência, ao tratar-se das figuras de lin- guagem, consideramos apenas as mais comuns.

A guisa de epílogo, precisamos ressaltar que não tratamos sobre os aspectos teóricos da hermenêutica. A razão disto é que no currículo de nossa faculdade teológica temos a disci- plina Hermenêutica Filosófica, onde consideramos os aspec- tos teóricos da hermenêutica.

A transliteração dos termos hebraicos, sempre que possí- vel, segue a do Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testa-

mento. Os léxicos gregos usados foram o de Bauer e de Gingrich; a transliteração das palavras segue o da Gramática Coinê, de Fran- cisco L. Schalkwijk, e a pronuncia é a erasmiana.

Que o divino Espírito, em sua santa providência, dirija seu coração e mente no aprendizado da Palavra de Deus.

M inha oração é que você seja ricamente abençoado atra- vés deste manual.

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C A PÍT U L O I

fundamentos

dá é־ietn\cníutica

A hermenêutica e a teologia são

uma para a outra, 0 que 0 ouro é para

0 ourives, e 0 sol para 0 dia.

Inexistem separadas.

Étimo de Teologia

O termo teologia, tal qual conhecemos na língua portu- guesa, não se encontra nas Escrituras. Procede originalmente de dois substantivos gregos, o genitivo1 θεοί) ( theou = Deus)2 e do acusativo3 λόγια (Jogia), que significa “tratado, fala” (I Pe 4 .1 1). Em Lucas 4.32 λόγος é traduzido como palavra, ensino (Jo 4.41). Assim, Θεολογία é o ensino, discurso, tra- tado ou ciência sobre Deus e dos assuntos relacionados com a divindade.

Apesar de não encontrarmos o vocábulo nas Escrituras, não deixa, contudo, de ser correlativo a elas: τα λόγια τοΟ θεοΟ (fa logia tou Theou = oráculos de Deus — R m 3.2),

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H e rm e n êu t ica fácil e ·descomplicada

ώς λόγια θ€0ύ (hõs logía Theou — os oráculos de Deus —I Pe 4. I I ) . 4 Isto posto, ο θεολόγος é tanto o que fala a Palavra de Deus quanto aquele a quem Deus fala. Sua função confunde-se, neste aspecto, com a dos profetas veterotesta- mentários: por meio da revelação divina recebe a palavra dire- tamente de Deus e a transmite aos homens. Daí, a razão por- que aquilo que se diz acerca de Deus e dos fatos a Ele relacio- nados é chamado de theologoumenon.

U m estudo diacrônico do termo revelará que o vocábulo Θ€0λ0γία não constitui um monopólio dos cristãos. N o grego clássico, os poetas eram chamados de θεολόγος e, através de suas narrações mitológicas, criaram uma “teologia do mito”. Mais tarde, Platão contribui com a teologia do logos filosófico. N a época da escolástica medieval, a teologia era entendida de duas maneiras: em sentido literal, isto é, doutrina de Deus (λόγια του θεοΟ), e com o a afirm ação da verdade concernente a todos os ensinamentos sagrados da Igreja (sacra

doctrina); deste modo, a Θεολογία tratava desde a teologia pró- pria até os assuntos pertinentes a fé e a moral da Igreja.5

r ___Acepções do Etimo Teologia

O term o Θεολογία a partir do conceito escolástico me- dieval e das rupturas surgidas por meio das principais con- trovérsias cristãs, tornou-se termo elástico e inclusivo para reconhecer o expoente pragmático de um sistema teológico, combinando o nome do indivíduo ao vocábulo Θεολογία. Assim temos: Teologia Agostiniana, Teologia Arminiana, Teologia Wesleiana, Teologia Paulina, Teologia Joanma, e muitas outras.

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F u n d a m en to s da H e rm en êu t ica

O termo pode ser classificado também pelo local de ori- gem, por exemplo: Teologia Alexandrina, Teologia da Antiga Princeton, Teologia de Mercersburg, Teologia de New Haven. Entretanto, a forma mais comum à Ig re ja e aos estudos inici- ais de Θεολογία é o uso pelo qual se empregam: Teologia Exegética, Teologia Histórica, Teologia Bíblica, Teologia Sis- temática e Teologia Prática.

Quando se deseja diferençar a Θεολογία dos conteúdos da Antiga e Nova Aliança, chama-se de Teologia do Antigo Testamento e Teologia do Novo Testamento.

Classificação Básica da TeologiaA Teologia pode ser comparada a um edifício de cinco

andares, cada um desses com suas respectivas salas e funções. Estas, por sua vez, dependem uma das outras numa correspon- dência recíproca, formando todas o mesmo edifício. De modo análogo a um edifício de cinco andares, a Teologia em sentido restrito, pode ser agrupada e classificada em cinco formas usais. Assim, na medida em que se conhece uma disciplina teológica, esta obsequiará a compreensão da disciplina seguinte.

Teologia ExegéticaA Teologia Exegética enfatiza o emprego dos métodos

hermenêuticos a fim de poder auscultar corretamente a men- sagem dos textos sacros. Preocupa-se com o sentido primário e literal do texto sagrado. Inclui os seguintes estudos:

Filologia Sacra

HebraicoO hebraico é a língua em que Deus falou! Quase todos os

textos do Antigo Testamento foram redigidos em hebraico. O

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adjetivo “hebraico” deriva-se provavelmente, do nome do pa- triarca Heber (Ebher ou Ibhr), um dos pósteros de Sem, filho de N oé (G n 10.24,25). Foi de Heber que o povo oriundo de Abraão tomou nome — o povo “hebreu”, cuja língua mater- na tradicional é o hebraico (Gn 14.13).

O hebraico constitui uma das línguas do ramo semítico falado no período veterotestamentário. Durante o período da independência dos israelitas, o hebraico foi a língua oficial da civilização hebréia. Entretanto, após várias escaramuças sofri- das pelo povo judeu, em função da miscigenação das raças, a língua patrícia dos mesmos começou a arrefecer. Em 722 a.C., o hebraico era usado apenas pelos círculos sacerdotais e pro- féticos de Israel, e não como língua nacional. E possível que a famosa tradução Septuaginta (LXX) tenha sido traduzida dos originais hebraicos para o grego devido a dificuldade que os judeus helenistas possuíam com o idioma pátrio.

O alfabeto hebraico é constituído de 22 letras ou conso- antes, e possui três consoantes que não fazem parte do alfabe- to e que servem como vogais. Seu formato é quadrático e lê-se ou escreve-se como outras línguas semíticas, da direita para a esquerda. N ão há letras maiúsculas e minúsculas, e quando não podemos escrever parte de uma palavra numa linha se- guinte, não podemos usar hífen como no português. N o caso de não haver espaço, escreve-se a palavra toda na linha seguin- te. Também é chamada nas Escrituras de “língua de Canaã” ou “língua judaica” (Is 19.18; 2 Rs 18.26-28; Is 36.13).

Gênesis - בראעזית הארץ ואת השמ;ם את אלוזים ברא בראשית 1 :

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F u n d a m e n to s da F íe rm enêu tica

AramaicoEntre os descendentes de Sem, conta-se ainda Arão ou

Aram, do qual tomou nome a nação araméia (no hebraico) ou Síria (no grego), residente na Síria e na Mesopotamia. Era uma língua dotada de semelhanças e distinções do hebraico (2 Rs 18.26). As porções bíblicas escritas em aramaico geral- mente são mensagens de gentios a judeus ou de gentios a gen- tios, jamais de judeus a judeus. O aramaico influenciou pro- fundamente o hebraico por causa do cativeiro do reino de Israel em 722 a.C. na Assíria, e 587 a.C. em Babilônia. E por essa razão que, no tempo de Esdras, ao serem lidas as Escritu- ras em hebraico, era preciso interpretá-las (N e 8.5-8). O aramaico propagou-se tanto entre os judeus (N e 13.24) que no tempo de Cristo tornara-se a língua popular dos judeus (M t 5.18; Mc 14.36). São trechos significativos, pronuncia- dos nesse idioma no Antigo Testamento:

a) Carta de um gentio a outro (Ed 4.8-23; 5.6-17; 6.3- 18; D n 2.4-7.28);

b) Carta de um gentio a um judeu: (Ed 7 .11-26c).O aramaico possui o mesmo alfabeto que o hebraico,

diferindo nos sons e na estrutura de certas partes gramati- cais. D o mesmo m odo que o hebraico, não possui vogal e, em 800 a.C., é que os sinais vocálicos lhe foram introduzi- dos. Os idiomas hebraico e aramaico pertencem ao grupo das línguas semíticas, e este foi tornando-se cada vez mais comum entre os povos do Oriente, principalmente em suas relações diplomáticas (conforme 2 Rs 18.26, de m odo que veio a ser, no século IV a.C., a língua usual do próprio povo de Abraão — N e 13.24), ficando o hebraico reservado para o culto sagrado.

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GregoA terceira língua que compõe as Escrituras Sagradas é o

grego. O Novo Testamento foi todo escrito na língua grega, com exceção do original do Evangelho de Mateus, escrito em aramaico que, por sua vez, foi traduzido para o grego comê. O grego do Novo Testamento é denominado grego helenístico ou coinê, isto é, comum. Depois das conquistas de Alexandre Magno (330 a.C.), a língua grega ao redor do Mediterrâneo tornou-se um grego simplificado, comum. O Antigo Testa- m ento foi traduzido do hebraico para o grego coinê em Alexandria (280 a.C.), por um grupo de eruditos judeus- helenísticos — a famosa Septuaginta (LXX). O grego tor- nou-se uma língua universal, tanto que, quando Paulo escreve à igreja em Roma, não o faz em latim, mas em grego!

O alfabeto grego consta de vinte e quatro letras: a primei- ra é “alfa” (A) e a última “ômega” (Ω ) (Ap 1.8). Segundo LaSor, o grego escrito pelo evangelista Lucas e pelo escritor aos Hebreus é o “mais literário”, o grego do Apocalipse mais “comum” e Paulo é classificado como um helêmco educado.6

,Εν άρχη ήν ó λόγος, και ó λόγος ήν προς τον θεόν, και θεός ήν ό λόγος (Jo Ι .Ι ) .

1300

LXX

700 300 0

N T

500 1500 d.C.

a.C *

minóico clássico Comê Comê

d.C.

Bizantino Moderno

2 0

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F u n d a m en to s da H e rm en êu t ica

“N o período antigo da língua helênica, quatro dialetos eram identificados: o minóico, um alfabeto silábico; o clássico ou ático (falado por Platão, Homero, H eródoto); o Coinê falado no Novo Testamento; bizantino e o moderno, que é o grego demotiki”/

Toda a Escritura Sagrada foi escrita nessas três línguas por cerca de quarenta escritores, abrangendo um período apro- ximado de 1.600 anos. Os autores foram os mais variegados. As relações entre esses escritores e a cultura do seu tempo deixaram impressões extraordinárias nas Sagradas Escrituras.

Isagoge Bíblica ou Introdução Bíblica

A Teologia Exegética alcança também os assuntos que preparam os estudantes para melhor compreenderem as Es- crituras. Isagoge é a designação técnica para descrever os estu- dos que fornecem informações gerais e preliminares sobre os assuntos cujo conhecimento seja necessário a uma melhor com- preensão das E scrituras. Isagoge é derivado do grego ε ϊσ + άγω γή (eis+agõgê)8, que significa conduzir para den- tro, introdução, introduzir. Para fins didáticos designa-se como Introdução Bíblica.

O objetivo da Isagoge Bíblica é preparar o estudante para compreender melhor as Escrituras. Visa determinar a exten- são e o caráter original dos autógrafos sagrados, bem como conhecer as vicissitudes que eles enfrentaram para atmgir sua presente forma, unidade e valor. A Isagoge prepara o estudan- te para compreender melhor a Exegese, a Hermenêutica e a Teologia Bíblica. Tornando-se então não o edifício, mas o con- junto dos cálculos e estimativas necessárias à construção.9

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H e rm e n êu t ic a fácil e descom plicada

A Isagoge Bíblica divide-se em dois pólos principais: Isagoge Especial ou Restrita, e Isagoge Geral. A Isagoge Especial estuda as questões que dizem respeito aos livros que compõem as Sa- gradas Escrituras, tais como: sua origem divina, transmissão do texto e interpretação. Divide-se em cinco partes:

a) O Tratado da Inspiração: Discute os critérios pelos quais se distinguem os livros inspirados dos que não o são;

b) O Tratado do Canon: Discute as questões relaciona- f das com a formação dos escritos sacros, quais são concreta-

mente esses livros inspirados e como distinguí-los dos não inspirados;

c) Critica Textual: Também chamada de Baixa Crítica, es- tuda o texto dos manuscritos com o fim de descobrir e corri- gir possíveis erros que neles podem ocorrer e restaurá-los, até onde possível, às condições originais, procurando determinar os textos originais mais exatos;

d) Crítica Histórica: Também chamada de Alta Crítica. - Interessa-se por problemas relacionados a idade, autoria, fon- tes, valor histórico, composição, publicação de cada livro, cir- cunstâncias (de tempo e lugar) em que foi escrito, conteúdo da obra, os textos mais significativos e os dados característicos de sua mensagem divina, verificando os relacionamentos his- tóricos e a validade das asserções feita pelos documentos;

e) O Tratado da Hermenêutica: Utiliza-se dos resultados dos assuntos tratados nas disciplinas anteriores, a fim de mos- trar o melhor caminho a ser percorrido pelo exegeta na sua extração da verdade.

A Isagoge Geral ou Ampla, além de incluir as matérias da Especial, inclui: Arqueologia, História N atural e Geografia da Palestina.

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F u n d a m e n to s da F íe rm enêu tica

Teologia Histórica

A Teologia Histórica é o segundo andar do “edifício teo- lógico”. Trata do desenvolvimento histórico da doutrina e se preocupa com as variações sectárias e afastamentos heréticos da verdade bíblica que apareceram durante a era cristã. Con- tém duas divisões principais:

a) O estudo do desenvolvimento progressivo das doutri- nas da Bíblia. Os que seguem este método, também chamado de “horizontal”, consideram a história do desenvolvimento doutrinário como um todo, em períodos, e traçam a gênese de todos os vários dogmas em cada período específico, deixan- do-os no estágio em que são encontrados no fim do período, e então os retomam nesse ponto a fim de seguir seu posterior desenvolvimento. Assim, a teologia própria é estudada até o início da Idade Média; daí abandonada, sendo seguida pelo estudo de outras doutrinas até este período.10

b) O exame do desenvolvimento histórico das doutrinas da Igreja desde a era apostólica. Os que seguem este método, também chamado de “vertical”, consideram o estudo das dou- trinas separadas na ordem em que se tornam o centro da aten- ção da Igreja, seguindo seu desenvolvimento até atingirem sua forma final. Seguindo este método, o estudo da teologia pró- pria segue das discussões apostólicas, até a sua formulação final nos credos histórico posterior a reforma.11

A Teologia Histórica destaca a importância da história se- cular, bíblica e eclesiástica devido à contribuição que podem ofe- recer à compreensão do desenvolvimento doutrinário. Abrange:

a) H istória da Igreja;b) História das Missões;

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

c) História dos Credos e Confissões;d) História das Doutrinas.

Teologia Bíblica

O objetivo da Teologia Bíblica é traçar o progresso da verdade nos diversos livros da Bíblia, e descrever a forma de cada escritor apresentar as doutrinas fundamentais. A Teolo- gia Bíblica, então, preocupa-se com a doutrina em um livro, quer no Antigo Testamento, quer nas páginas do Novo Testa- mento em particular. Seguindo este m étodo teológico, o biblista, por exemplo, pode ocupar-se do estudo da doutrina de Deus apenas em Gênesis, ou da cristologia na epístola de Paulo aos Romanos, e assim sucessivamente.

A Teologia Bíblica não enfatiza o arranjo sistemático da doutrina em categorias específicas; ao contrário: o alvo é iso- lar os ensinamentos em determinados contextos, usjaalmente livro por livro, autor por autor, ou em agrupamentos históri- cos. Portanto, a Teologia Bíblica auxilia a Teologia Exegética procurando identificar a única verdade que cada locução, cláusula e frase pretende transmitir ao perfazer o pensamento dos parágrafos, seções e, em última análise, de livros intei- ros.12 As duas principais divisões da Teologia Bíblica são:

I) Teologia do Antigo Testamento:A Teologia do Antigo Testamento é a ciência que trata da

natureza de Deus e da sua relação com o universo. Propõe-se a expor, do modo mais ordenado possível, as grandes declara- ções da verdade divina e o propósito das atividades de Deus na história e na vida do povo de Israel, de acordo com a dou- trina da revelação divina nos livros sagrados deste povo. Nesta

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F u n d a m en to s da H e rm en êu t ica

disciplina discute-se a problemática geral do AT com objetivo de auscultar os temas teológicos que são chave para a interpre- tação do AT, tanto de forma diacrônica como sincrônica. Quatro tipos de métodos têm surgido, a saber:

a) O M étodo Estrutural seguido por Eichrodt, Vriezen e van Imschoot, que descreve o esboço básico do pensamento e da crença no AT em unidades tiradas por empréstimo da Te- ologia Sistemática, da sociologia ou de princípios teológicos seletos, e depois traça seu relacionamento para conceitos se- cundários.

b) O M étodo Diacrônico seguido por von Rad, que ex- põe a teologia dos sucessivos períodos de tem po e das estratificações da história de Israel. Infelizmente, a ênfase re- caía sobre as tradições sucessivas da fé e da experiência da comunidade religiosa.

c) O M étodo Lexicográfico seguido especialmente por Gerhard Kittel, limita seu escopo de investigação a um grupo de homens bíblicos e seu vocabulário especial, por exemplo, os sábios, o eloísta, o vocabulário sacerdotal.

d) O M étodo dos Temas Bíblicos seguido por John Bright e Paul e Elizabeth Achtemeier, leva sua busca além do vocabu- lário do único termo chave para abranger toda constelação de palavras ao der redor de um tema chave.13

2) Teologia do Novo Testamento:A Teologia do Novo Testamento é o ramo da Teologia

Bíblica que segue determinados temas através de todos os au- tores do NT, e que depois funde esses quadros individuais num só conjunto abrangente. Estuda, portanto, a revelação progressiva de Deus em termos da situação vivencial na oca­

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sião da escrita, e depois delineia o fio subjacente que une to- dos os dados. Essa disciplina enfoca o significado mais do que a aplicação, isto é, a mensagem do texto para seus própri- os dias mais do que para as necessidades modernas, além de discutir a problemática geral do N T .14 Objetiva-se a auscultar os temas teológicos que são necessários para a compreensão do NT, levando em consideração a diversidade dos testemu- nhos dos escritores (teologia paulina, joanina, etc.) e da Igreja em geral no período do NT. Os métodos empregados para a Teologia do Novo Testamento são:

a) O M étodo Sintético segue os temas teológicos básicos por todas as partes das Escrituras a fim de notar seu desenvol- vimento através do período bíblico. Sua fortaleza é a ênfase que dá à unidade das Escrituras. Sua fraqueza é a tendência para a subjetividade: é possível enquadrar a matéria do N T dentro de um padrão artificial.

b) O M étodo Analítico estuda a teologia distintiva de seções individuais e nota a mensagem específica de cada uma delas. Sua virtude é a ênfase no significado do autor individu- al. Sua fraqueza é a diversidade radical, que resulta numa colagem de quadros sem coesão.

c) O M étodo Histórico estuda o desenvolvimento de idéi- as religiosas na vida do povo de Deus. Seu valor é a tentativa de entender a comunidade dos crentes por trás da Bíblia. Seu problema é a subjetividade da maioria das construções, nas quais o texto bíblico está à mercê do pesquisador.

d ) O M éto d o C risto lóg ico faz de C ris to a chave hermenêutica do AT e NT. Sua virtude é o reconhecimento do verdadeiro centro da Bíblia. Sua fraqueza é a sua tendência de espiritualizar passagens e forçar interpretações que lhe são estranhas, p r in c ip a lm en te em te rm o s da experiência

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F u n d a m e n to s da H e rm e n êu t ic a

veterotestamentárias de Israel. N ão se deve considerar que tudo no AT ou no N T seja um “tipo de Cristo”.

e) O M étodo Multíplice combina o melhor dentre os métodos e passa hermeneuticamente do texto para a teoria. Começa com a análise gramatical e histórica do texto, e pro- cura desvendar o significado de vários textos dentro dos seus contextos vivenciais. Aqui, uma análise social também é útil, posto que estuda aqueles contextos vivenciais em termos de matriz social das comunidades da fé. N a medida em que os dados são coletados por meio dessa tarefa exegética, são orga- nizados pelos padrões básicos de cada livro individual e de- pois, pelos de cada autor. A ênfase que Paulo dá à justificação pela fé será unida ao uso que João faz da linguagem do novo nascimento. Finalmente, esses temas são compilados em se- ções principais e subseções, seguindo um método descritivo (bíblico), ao invés de uma reconstrução artificial.13

Percebe-se então que a Teologia Bíblica é a disciplina que estrutura a mensagem dos livros da Bíblia em seu ambiente formativo histórico, sendo mais descritiva do que aplicativa.

Teologia Sistemática

A Teologia Sistemática é uma ciência teológica que se encarrega do material das disciplinas anteriores com o fim de arranjá-los de forma lógica e metódica, para facilitar a com- preensão e promover aplicação prática do mesmo. Por isso, tem sido considerada como uma disciplina que segue um es- quema ou uma ordem humana de desenvolvimento doutriná- rio e que tem o propósito de incorporar no seu sistema toda a verdade sobre Deus e o seu universo, a partir de toda e qual- quer fonte: Teologia Natural, Bíblica, Histórica, etc.

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Por tratar de temas específicos e desenvolvendo-os atra- vés de toda Bíblia, pode ser chamada de Teologia Temática; porém, quando se preocupa com as formas confessionais (magisterium da Igreja) pode ser chamada de Teologia Dogmática; tanto um quanto o outro podem ser classificados como méto- dos no fazer teologia sistemática. Apesar das disciplinas da Teologia Sistemática, abarcarem todos os “fatos de toda e qualquer fonte referentes a Deus e às suas obras”16, entretan- to, as disciplinas comuns aTeologia Sistemática são: Bibliologia (Escrituras), Teontologia1' (Deus, seu ser, suas obras, seus decretos), Angelologia (Anjos, Satanalogia e Demonologia), Antropologia Teológica (Homem), Hamartiologia (Pecado), Cristologia (C risto), Soteriologia (Salvação), Expiação, Pneumagiologia (Espírito Santo), Eclesiologia (Igreja) e Escatologia (Ultimas Coisas).

Divisões da Teologia SistemáticaI) Teologia Dogmática ou Confessional:

Estuda os ensinos contidos nos credos e confissões ex- pressos nos símbolos da Igreja. E estritamente a sistematiza- ção e defesa das doutrinas como nos apresentam os credos e confissões eclesiásticas. Umas das dificuldades do método confessional na Teologia Sistemática é que são dadas poucas razões pelas quais certos pontos de vista confessional devam ser aceitos como norma, em contraste com todos os demais. Deve ser chamada de dogmática, principalmente porque se deriva de δοκεω, “pensar, crer, supor, considerar” (M t 3.9; Lc 24.37; I Co 3.18), a expressão δοκ6ι μοι (dokei moi) signi- fica não só “parece-me ou agrada-me”, mas também “deter- minei definitivamente algo de modo que para mim é fato esta­

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belecido”.18 Assim, cada sentença confessional deve ser testa- da pelos critérios da consistência lógica e da coerência com os fatos da revelação. U m exemplo de confissões dogmáticas é a Confissão de Westminster (Presbiterianos).19

2) Teologia Apologética:

Como subdivisão da Teologia Sistemática, a Teologia Apologética é tanto bíblica quanto filosófica. E um discurso sistemático e argumentative na defesa da origem divina e da autoridade da fé cristã. Desenvolve uma defesa das pressuposi- ções básicas dos cristãos a respeito de Deus, de Cristo e da Bíblia contra as pressuposições conflitantes. O sentido de

apologética procede de απολογία (apologia), que é traduzido como defesa, respQnder ou replicar (At 25.16; Fp 1.7,16; 2T m

4.16; I Pe 3.15; I Co 9.3), e απολογεομαι (apologéomai) sig- nifica falar em autodefesa, ou defender-se (Lc 21.14; Rm 2.15). N o período neotestamentário uma apologia era a defesa de al- guma coisa feita formalmente no tribunal (2 T m 4.16).

Teologia Prática

A Teologia Prática relaciona-se com a aplicação prática dos resultados da investigação teológica, particularmente no que concerne à obra do ministério cristão, procurando aplicar à vida prática aquilo que outros departamentos da teologia contribuíram.

E uma disciplina terminantemente prática, pois viabiliza a capacitação ministerial e eclesiológica da liderança e da igre- ja, a fim de que todos sejam perfeitamente habilitados para a obra do ministério. Abrange:

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a) Homilética;b) Organização e Administração Eclesiástica;c) Liturgia;d) Educação Cristã;e) outros.

SIN O PSE

Θ εολογία a é o ensino, discurso, tratado, ou ciência so- bre Deus e fatos a Ele relacionados. Procede originalmente de dois substantivos gregos, o genitivo Θεου (T h eo s) e do acusativo λόγια (logia) que significa tratado, fala .

Apesar de não encontrarmos o vocábulo nas Escrituras, não deixa contudo, de ser correlativo a elas: τα λόγια ToO θεου (ta logia tou T h e o u = oráculos de D eus — R m 3.2); ώς λό γ ια θεου (hõs logia Theou = os oráculos de Deus — I Pe 4 .11).

Ο θεολόγος é tanto o que fala a palavra de Deus, quan- to aquele a quem Deus fala.

A Teologia Exegética enfatiza o emprego dos métodos hermenêuticos a fim de auscultar corretamente a mensagem dos textos sacros.

A Teologia Histórica trata do desenvolvimento histórico da doutrina, e se preocupa com as variações sectárias e afasta- mentos heréticos da verdade bíblica que apareceram durante a era cristã.

O objetivo da Teologia Bíblica é traçar o progresso da verdade nos diversos livros da Bíblia, e descrever a forma de cada escritor apresentar as doutrinas fundamentais.

A Teologia Sistemática é uma ciência teológica que se encarrega do material de outras disciplinas com o fim de arran-

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já-los de forma lógica e metódica para facilitar a compreensão e promover aplicação prática do mesmo.

A Teologia Dogmática estuda os ensinos contidos nos credos e confissões expressos nos símbolos da Igreja. E estri- tamente a sistematização e defesa das doutrinas como nos apresentam os credos e confissões eclesiásticas.

Teologia Apologética, como subdivisão da Teologia Sis- temática, é tanto bíblica quanto filosófica. E um discurso sis- temático e argumentative na defesa da origem divina e da au- toridade da fé cristã.

A Teologia do Novo Testamento é o ramo da Teologia Bíblica que segue determinados temas através de todos os au- tores do NT, e que depois funde esses quadros individuais num só conjunto abrangente.

A Teologia do Antigo Testamento é a ciência que trata da natureza de Deus e da sua relação com o Universo. Propõe-se a expor, do modo mais ordenado possível, as grandes declara- ções da verdade divina e o propósito das atividades de Deus na história e na vida do povo de Israel, de acordo com a dou- trina da revelação divina nos livros sagrados deste povo.

A Teologia Prática relaciona-se com a aplicação prática dos resultados da investigação teológica, particularmente no que concerne à obra do ministério cristão, procurando aplicar à vida prática aquilo que outros departamentos da teologia contribuíram.

TR A BA L H A N D O C O M T E X T O

ISAGOGE BÍBLICA

Admite-se geralmente ter sido Adriano, monge grego que viveu provavelmente no século V, o primeiro estudioso a usar

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

o vocábulo ISAGOGE ou i n t r o d u ç ã o para designar os estudos que auxiliavam o mais correto conhecimento da Bíblia. Com este objetivo escreveu um pequeno tratado destinado a ajudar o estudante a familiarizar-se com a fraseologia bíblica e suas expressões peculiares, cujo título era “ A d r i a n o u I s a g o g e TÉ s

g r a f e s ” (εισαγωγή τής γραφής) apareceu em latim em 1602 editado por Davi Hoeschel.

Contribuição mais ampla e significativa foi oferecida por Marcus Aurelius Cassiodorus que, em 550, escreveu uma obra na qual se refere a cinco estudiosos que se empenharam na tarefa de investigar a Bíblia. A obra se intitula “Introcuciones Divinae Scripturae”; assim surgiu e foi consagrada a expressão “Introdução à Escritura Sagrada”, para designar a disciplina que inclui todos os assuntos preliminares e necessários ao es- tudo da Bíblia.

O fundador da ciência m oderna da Isagoge é J.G. Eichhorn, que publicou em 1780-83 alentada obra em três volumes sobre o assunto. Como parte da Introdução comen- tou sobre a origem do Canon, a história do texto e a origem dos diferentes livros.

Os críticos hoje admitem que a Isagoge compreende certas matérias que preparam o estudante para compreender melhor as Escrituras e alcançar conhecimento mais sólido delas. Porém, não há unanimidade entre os críticos dos assuntos a ser tratado, por isso, a divisão entre Isagoge Estrita e Isagoge Ampla.

RIBEIRO, Américo J. Isagoge do Velho Testamento, Seminário Presbiteriano de Campinas, 1970 (p. 1,2).

EXERCÍCIOS

I . Defina e conceitue o termo teologia.

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F u n d am e n to s da H e rm e n êu t ica

2. Quais são as principais disciplinas da Teologia Exegética e Sistemática?

3. Faça uma dissertação sobre a função da teologia e do teólogo na igreja.

4. Como a Teologia do AT e N T pode ser útil a comuni- dade cristã?

Bibli-Holmes

Ajude nosso detetive Bibli-Holmes a investigar as diver- sas acepções do termo “teologia” e sua correspondência com os diversos sistemas teológicos.

LE ITU R A S E LIVROS PARA A P R O FU N D A M E N T O

ELWELL, Walter A., editor. Enciclopédia Histórico-Teológica

da Igreja Cristã, Vida Nova, v.3 (p. 452-520).CH A M PLIN , R. N. & BENTES, J. M. Enciclopédia de Bí~

blia, Eeologia e Filosojia, Candeia, v. 6 (p. 465-495).H O R T O N , Stanley M., editor. Teologia Sistemática, CPAD

(p. 50-62).

N O TA S

1 Declmação do substantivo grego que indica possessão.2 N o grego Θ6ός, “Deus” ou “deus”. O grego do Novo

Testamento não difere pelo uso da letra theta maiúscula (Θ ) ou minúscula (Θ) a que divindade o texto se refere, usando ο “Θ” minúsculo para referir-se tanto ao verdadeiro Deus quanto aos deuses falsos. Os tradutores da Bíblia, subsidiados pelo contexto é que traduzem [interpretam] as referências a qual- quer uma das pessoas da Santíssima Trindade com ο Θ maiús-

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H e rm en êu t ica fácil e descom plicada

culo (At 7.32, “Deus de Abraão”), enquanto em minúsculo, refere-se a uma divindade falsa ou pagã, como em Atos 7.43

[deus Renfã]. Da raiz do termo θβός (theós), muitas outras palavras são formadas: theodidaktos (ensinado por Deus — I Ts 4.9); theomakbeo (lutar contra Deus — At 23.9); theópneustos (ms- pirada por Deus — 2 T m 3.16); theosébeia (reverência a Deus — I T m 2 .I 0 ) .

3 Declinação do substantivo grego que corresponde à fun- ção de objeto direto.

4 Lewis S. Chafer, Teologia Sistemática} 1986, p. 26. Importantes contribuições históricas sobre o conceito נ

de teologia podem ser encontradas em Roque Frangiotti, H is-

tória da Teologia — Período Patrístico, SP: Edições Paulinas, 1992; Claude Geffré, Como Tazer Teologia Hoje — Hermenêutica Teológica!

SP: Edições Paulinas, 1989. Cf. Alberto F. Roldán, Para que

Serve a Teologia? Curitiba: Editora Descoberta, 2000.6 W illiam S. LaSor, Gramática Sintática do Grego do N T

1986, p. 4.7 Francisco L. Schalkwijk, Coinê-Pequena Gramática do Grego

Neotestamentário, 1992, p. 4.8 Esse estilo de análise remonta ao monge do século V,

membro da escola de Antioquia, conhecido por Adrianos, es- creveu Eisagõgê eis tas theiasgrapbas, “Introdução às Sagradas Es- crituras” aproximadamente em 440 (d.C.). Em latim Eisagõgê tornou-se Introductio, e daí por diante, o termo técnico Introdu-

ção, como apresentado nas ciências teológicas.9 Américo J. Ribeiro, Isagoge do V T ~ Iparte: Canônica, Semi-

n á rio P re sb ite r ia n o de C am pinas , 1 9 7 0 , A p o stila mimeografada, p. 2.

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F u n d a m e n to s da H e rm e n êu t ica

10 Louis Berkhof, A História das Doutrinas Cristãs, 1992, p. 27.11 Id.Ibidem, 1 9 9 2 , p. 27.12 C f, por exemplo, G.Eldon Ladd, Teologia do Novo Testa-

mento, 1997, p.24-32.13 C f Walter C. Kaiser Jr., Teologia do AntigoTestamento, 1980,

p. IO-II .14 G. Eldon Ladd, 1997, Id. Ibidem, p. 25. G. R. Osborne, Teologia do Novo Testamento, In: Enciclopédia ה1

Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Walter A. Elwell (ed.), vl.III p. 504. Foi omitido propositalmente o método confessional e o do Corte Transversal.

16 Considere as proposições sobre o tema em Chafer, 1986, op.cit., p. 5.

.Chamado também de Teologia Própria ׳118 Outras considerações sobre o termo e sua ênfase nos

escritores judeus, latinos e gregos pode ser conferida In: Walter Bauer’s, A Greek-English Lexicon of the N ew Testament and Other Early

Christian Literature, 1958, p. 201-2.Ig A Igreja Assembléia de Deus possui seu credo dogmático

exposto nos periódicos da denominação.

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C A PÍT U L O 2

3n9pítação e *Revelação

Se cremos na bondade de D eu s, é p resum íve l que E le

não d e ixaria 0 hom em na escuridão da ignorância

sobre a sua pessoa, seus atos e seu incom ensurável

amor. Para compreendê-lo, a razão hum ana

é incompleta e absolutam ente ineficaz. O s grandes

pensadores têm fo r m u la d o m ilhares de labirintos para

entender e defin ir 0 E terno , porém , sem qualquer

proveito. A fastados da revelação do Logos E ncarnado

e da Palavra Escrita, os pensadores céticos só

encontraram percalços na compreensão do Insondável.

Revelação, Inspiração e Escritura

Etim o de Revelação

O termo hebraico para revelação é gcW que conota o mesmo significado que a expressão neotestamentária apokalipsis

(άποκαλυψ ις )2: desvendar, revelar ou tirar o véu. E assim que em Romanos 16.25 Paulo refere-se a “revelação do mis- téno que desde os tempos antigos esteve oculto”. O termo revelação e mistério são associações comuns nas epístolas paulmas. Paulo emprega, por exemplo, o termo mistério seis vezes na epístola aos Efésios. Para compreender adequada­

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H erm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

mente este termo é necessário uma comparação formal com a epístola aos Colossenses, pois esta também usa o termo várias vezes (1.26,27; 2.2; 4.3). O termo também pode ser encon- trado em Romanos (duas), I Coríntios (seis vezes), I Timó- teo (duas), 2 T im óteo (duas). Os usos do term o grego mystêrion (μυστήριον) nestas epístolas possuem particular afinidade com o contexto já encontrado em Efésios e Colos- senses. Notadamente em Colossenses, mistério é especificado pelo genitivo “mistério de Deus” (2.2) e “mistério de Cristo” (4.3). N os outros dois casos (1.26,27), o contexto define o mistério em relação a Deus e a Cristo: “Deus quis fazer co- nhecer quais são as riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós, esperança da glória”. Em Colos- senses 2.2, este mistério é o próprio Cristo: “para conheci- mento do mistério de Deus — Cristo”.

Esse conjunto de taracterísticas se encontra também nos textos de Efésios. Em três casos o mystêrion é determinado por um genitivo que o põe em relação com a iniciativa gratuita e eficaz de Deus, a sua “vontade” (1.9), com o Cristo (3.4) ou com o Evangelho (6.19). Em dois casos o termo é usado de forma absoluta, “o mistério” (3.3,9), mas o contexto permite referi-lo, sem dúvida, a Deus ou ao Cristo. Exclui-se dessa perspectiva o caso de 5.32, onde designa uma interpretação “profética” de um texto bíblico, precisamente, de Gênesis 2.24, relido à luz da ligação salvífica entre Cristo e a Igreja3. Veja- mos os textos relativos ao termo na Epístola ao Efésios:

“descobrindo-nos o mistério da sua vontade” (1.9); “este mistério manifestado pela revelação” (3.3); “compreensão do mistério de Cristo” (3.4); “dispensação do mistério... oculto em Deus” (3.9);

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Inspiração e Revelação

“Grande é este mistério” (5.32);“fazer notório o mistério do evangelho” (6.19).N ão somos escusados de frisar que Paulo dá-nos a chave

sobre o seu entendimento do “mistério”: “como me foi este mistério manifestado pela revelação, como acima, em pouco, vos escrevi” (3.3). O mistério de que o doutor dos gentios trata não é nada oculto ou enigmático, mas antes algo “revela- do”, pois relaciona-se com a revelação que Deus faz de si e de seus projetos salvíficos. Ele chama os seguintes temas dos de- eretos divinos como um mistério revelado:

a) as bênçãos espirituais em Cristo nas regiões celestes (1.3);b )a eleição em Cristo (1.4);c) a predestinação (1.5);d) a adoção (1.5);e) a redenção pelo sangue (1.7);f) Congregar em Cristo todas as coisas (I.IO);g) o selo do Espírito ( L I 3);h )o poder de Deus no crente ( I .1 9);1) Cristo acima de todo principado ( I .2 I ) ;j) Cristo a cabeça da Igreja (L 22);1) a Igreja, corpo de Cristo (1.23).Isto posto, revelação, no sentido escriturístico, é a mam-

festação que Deus faz de si mesmo e de sua vontade aos ho- mens. Essa revelação, de acordo com a origem e desenvolvi- mento do Canon Sagrado, é a comunicação sobrenatural des- conhecida do hagiógrafo. Por meio da revelação, verdades an- teriormente ignoradas pelos hagiógrafos foram descortinadas, como Zacarias 12.10, Miquéias 5.2 e Isaías 50.4-10. Certa- mente os autores sagrados não adquiriram essas informações por estudo ou vias meramente humanas.

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H e rm e n êu t ica tacil e descomplicada

Tip os de RevelaçãoRevelação Ativa

E uma revelação imediata da parte de Deus, sem qual- quer permeio humano. E Deus revelando-se diretamente ao homem. A revelação de Deus a Moisés no monte Sinai é um exemplo direto dessa revelação. A revelação ativa ou direta pres- supõe a comunicação especial de Deus ao homem. A fimtude humana não é capaz de penetrar no mcognoscível universo divino. Seus modos de percepção naturais apenas o possibili- tam a discernir as bases físicas e temporais da existência. Atra- vés de sua mente, o homem especula o lógico, perceptível e natural. A revelação de Deus aos homens então não é somente plausível, mas também necessária, por dois fatores:

a) O fator implícito: Que diz respeito ao que Deus é em sua natureza infinita, sendo por isso, Deus inacessível aos ho- mens ( I Tm 6.16; Jo 4.23,24);

b) O fator explícito: Que é a vulnerabilidade humana para conhecer a Deus em sua natureza incomensurável. Não parte de Deus, mas da natureza finita do homem. Daí, a necessidade de uma comunicação direta de Deus aos homens. Neste aspec- to é notável o modo teofânico como Deus se revela: teofanias visíveis (Gn 16.11 cf. 16.13; Êx 3.2-6; 19.18-20; D n 7.9-14) e, teofanias audíveis (Gn 3.8; I Rs 19.12,13; M t 3.17). Através desses textos percebemos que a teofânia, como veículo da reve- lação de Deus, pode ser humana (Gn 18.1,2,13,14), angélica (Jz 2.1; 6.11,14) e não humana (Gn 15.17; Êx 19.18-20). Al- gumas dessas revelações teofânicas são cristofanias (Jo 12.40,41). N a teofania é Deus quem toma a iniciativa. Ele nunca se revela completamente, e usualmente o faz apenas de modo temporá­

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In spiração e Revelação

rio, ao invés de se manifestar de forma permanente. A manifes- tação permanente foi a encarnação de Cristo (Jo I .I4 -I8 ) .

Revelação Passiva

E uma revelação mediativa, isto é, Deus não se revela di- retamente ao homem como o fez com Moisés, porém, é o conhecimento de Deus que é comunicado aos homens ou mesmo aquele que é observado através da revelação geral (Gn I; SI 119; 148; R m I.20ss).4 Revelação Geral é uma expressão teológica para definir uma forma de teologia natu- ral (SI 8; I9 .I ; Rm Essa revelação acha-se impressa ב.(1.8-21 na criação. Apesar de não ser uma revelação pontifícia, como a Revelação Especial, o Logos Encarnado ( Logos Theau) e a epistemológica ( Rhetna Theou — que é o registro dessas revela- ções através das Escrituras a todas as gerações), contudo, pos- sui predicativo suficiente para que o homem conheça a Deus e o adore.6

A Revelação Geral ocorre de dois modos distintos:a) Uma revelação externa na criação — a qual proclama

o poder, a sabedoria e a bondade de Deus, e;b) Revelação interna da razão e da consciência em cada

indivíduo (Rm 12.16; Jo 1.9).O cristianismo reconhece tanto a Revelação Geral quan-

to a Especial, como modos progressivos da auto-revelação de Deus. Entretanto, o clímax revelador manifesta-se em dois meios específicos: o Verbo Vivo e a Palavra Escrita. A Revela- cão Especial é coroada pela encarnação do Verbo Vivo (Jo 1.1,14,17,18; 14.8,9; H b I.I-3 ), e pelo registro da Palavra nas Escrituras (I Co 14.37; 2 Tm 3.16), sendo essas revela- ções o desvendamento que Deus faz de si mesmo de modo

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H e rm e n êu t ica fácil e de sc om phc ada

imediato e sobrenatural. O Logos Encarnado revelou o Pai. A Palavra escrita registrou essa revelação e o seu progresso(H b L I -3; 2 Pe 1.20,21; G1 I .I2 ) .7

Inspiração do AT e do N T

O sentido teológico de inspiração divina é derivado da expressão paulina de 2 Timóteo 3.16: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a educação na justiça” (N V I).

A expressão “divinamente inspirada”, no grego theópneustos

(θεόπνευστος), constitui-se um hapax legoumenon, isto é, ter- mo que aparece apenas uma vez nas Escrituras, e é formada p o r dois vocábulos, T h e ó s (θεός = D eu s) e pneusto s (πνευστός =inspiração, influxo). O apóstolo Pedro afirma que os profetas eram literalmente levados (φερόμενοί - pherófnenot) pelo Espírito Santo (2 Pe 1 .21; cf. At 27.15,17). A Vulgata traduz pherómenoi por iivírtítus inspírata. Isto posto, 2 Tim óteo 3.16 quer dizer que as Escrituras são produtos do sopro criador de Deus. Paulo exorta seu discípulo a per- severar na autêntica doutrina que aprendeu desde a tenra idade no Antigo Testamento, a qual é capaz de guiá-lo à salvação exatamente porque se origina de Deus.

O apóstolo assevera que toda Escritura é inspirada (πάσα γραφή - pãsa graphê), isto é, cada parte, pois o adjeti- vo acusativo πάσα, faltando o artigo, deve de preferência en- tender-se em sentido distributivo (cada Escritura), mas tam- bém em sentido coletivo (toda Escritura), o que vem a ser substancialmente o mesmo, pois se as Escrituras são assim em cada uma de suas partes, logo também o é no seu conjunto.

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Inspiração e Revelação

Por meio da inspiração divina, o conteúdo das Escrituras não é proveniente da sabedoria e aferimento humano, não sendo produto pessoal da mente do escritor (2 Pe L I 9-21). Assim sendo, o uso litúrgico do AT na Igreja militante é útil para ensinar, repreender, corrigir e instruir na justiça, para que o

homem de Deus (θεοΟ άνθρωπος, cf.’is hã Élnhim — D t 33.1) +seja apto e plenamente preparado para toda boa obra. Dessa forma, inspiração é a influência sobrenatural exercida pelo Espírito Santo sobre os hagiógrafos, em virtude do qual seus escritos são produtos da vontade divina, constituindo-se cânon de regra, fé e prática ( I Co 2.13; cf I Co 14.34; G1 I.6 -I2 ).

A Abrangência da Inspiração

Todo o Antigo Testamento

E significativo o argumento de Cristo em Lucas 11.51. Ao citar de Abel até o sangue de Zacarias, Jesus está referin- do-se ao Cânon Judaico da Tanak. Abel encontra-se no livro de Bereshith (Gênesis), que é o primeiro livro da primeira divisão conhecida comoTorá ou Lei; “até... Zacarias” encontra-se no livro de Drive Hayamim (I e 2 Crônicas) e corresponde ao últi- mo livro da terceira divisão da Tanak, conhecidos como Kethuvim

ou Escritos. Em Lucas 24.45, Cristo refere-se à tríplice divi- são da Tanak, referindo-se à Lei de Moisés (Torá — I a divi- são), Profetas (2a divisão) e Salmos (o primeiro livro da 3a terceira divisão). Assim, Cristo confirma toda a inspiração bíblica do Antigo Testamento. N ão somente isto, mas os ju- deus tecnicamente designavam a coleção dos escritos da Anti- ga Aliança como hê graphê (a Escritura, R m 9.17), ou tais

graphais (as Escrituras, Lc 24.27).

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H e rm e n êu t ica tácil e descomplicada

O Testimonium de CristoCaminhando um degrau acima em nossa investigação, é

sempre de praxe assinalar o testimonium de Cristo acerca das Escrituras. Os ditos de Jesus sempre costeavam as profecias do Antigo Testamento. Quando uma controvérsia enrubescia, citava um dos textos das Escrituras a fim de encerrar a polê- mica e atestar o valor profético da mesma, senão vejamos:

• “Nunca lestes nas Escrituras...” (M t 21.42; cf. Rm 4.3);• “Ele, porém, respondendo, disse: Está escrito” (M t 4.4);• “Como, pois, se cumpririam as Escrituras, que dizem

que assim convém que aconteça?” (M t 26.54);Os eixos im plíc itos da au to ridade das E scrituras

veterotestamentárias brotam nas páginas do NovoTestamen- to como uma nascente límpida e fresca. O m odo como Cristo interpreta as Escrituras distingue-se do uso rabínico de inter- pretação da Torá, seja dos textos estritamente legalistas (halakah) ou todas as seções não jurídicas (haggadah). Cristo interpreta o Antigo Testamento a partir de si mesmo. N o con- texto de seu sofrimento vicário explica e reinterpreta o Antigo Testamento colocando-o no contexto de sua situação vivencial (Sitz im Lebem).

Esse novo método hermenêutico foi posteriormente ado- tado pelos apóstolos. Estes, por sua vez, tanto atestavam a a u to r id a d e e in fa lib il id ad e das E sc ritu ra s q u a n to a reinterpretavam a partir da tradição cristológica inaugurada e exemplificada pelo próprio Mestre. Em seus discursos, ao afir- marem a autoridade e procedência divina das Escrituras, esta- vam de conluio com a tradição existente entre os judeus, mas quanto ao método interpretativo, diferenciavam-se do uso pro- saico dos rabinos: “... porque assim está escrito pelo profeta...”

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In spiração e Revelação

(M t 2.5 cf. Jo 10.35); “... irmãos, convinha que se cumprisse a Escritura que o Espirito Santo predisse pela boca de Davi” (At I .I6 ) . A pregação dos apóstolos era lustrada pela convic- ção de que as Escrituras da Antiga Aliança eram a expressão de autoridade da vontade de Deus para a história das nações, de Israel e da Igreja (At 3.18).

Deste recomeço interpretativo é que o Antigo Testamen- to foi redescoberto e remterpretado na historiologia da salva- ção cristã (I Co 15.3,4). Para tanto, seguiu-se um padrão normativo quase sacramental no escopo do Novo Testamen- to, isto é, o uso de uma frase-programa para referir-se às cita- ções e remterpretações veterotestamentárias. Este novo padrão in trodu tório é usado pelo narrador como discurso que semaforiza uma redescoberta do sentido do texto. A fraseologia padrão é “para que se cumprisse” e o uso combinado de duas preposições gregas “pelo” (υπό, hypo) e “por meio”, “por in- termédio” (δ ιά , dia).6 Conectivos estes, expressos em fórmu- las quase que sacramentais no escopo do NT, o que sugere ser o próprio Deus quem fala por meio do hagiógrafo:

• “... foi dito da parte do Senhor pelo profeta” (M t 1.22);• “O próprio Davi disse pelo Espírito Santo” (M c 12.36);• “O Espírito Santo predisse pela boca de Davi” (At 1.16);• “... é o que foi dito pelo profeta Joel” (At 2.16).• “... e também o Espírito Santo no-lo testifica, depois de

haver dito” (H b 10.15);• “(...) para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta

Isaías” (M t 4 .I4 ;8 .I7 ; M c 1.2);• “... porque está escrito” (M t 4.10);• “... é este de quem está escrito” (M t I LIO);• “Está escrito nos profetas” (Jo 6.45);

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H e rm e n êu t ica fácil e d escom phcada

• “... para que se cumpra a Escritura” (Jo 13.18);• “Porque isso aconteceu para que se cumprisse a Escritu-

ra” (Jo 19.36,37).A razão pela qual os escritores neotestamentários atribuem

as Escrituras veterotestamentárias uma autoridade mcontestá- vel é porque estas se originam de Deus, através de um hagiógrafo. Chamam-se Escrituras porque não foram comunicadas oral- mente às sucessivas gerações, mas através de escritos.

Por fim, Cristo faz duas asseverações cruciais: quem qui- ser acreditar n’Ele faça-o segundo as autênticas afirmações das Escrituras da Antiga Aliança: “Quem crê em mim, como diz a Escritura” (Jo 7.38); “(...) a Escritura não pode ser anulada” (kai ou dunatai luthênai hê graphê — Jo 10.35).

As Aduções Internas dos Hagiógrafos

Se não bastassem as apologias dos eixos internos do N T para a ratificação da inspiração do AT, bastaria citar as aduções testemunhais do próprio hagiógrafo, tais como:

Moisés:

“E chamou o Senhor a Moisés...” (Lv I .I ) ;

Josué:“Falou o Senhor a Josué, dizendo...” (Js 4.1);

Isaías:“Porque assim o Senhor me disse, com uma forte mão

sobre mim...” (Is 8 .11); “Assim diz o Senhor” (Is 43.14);

Jeremias:“Porque assim me disse o Senhor, o Deus de Israel” (Jr

25.15; 34.8).

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In spiração e Revelação

Ezequiel:

“Caiu, pois, sobre mim o Espírito do Senhor e disse-me” (Ez 1 1.5);

Todo o Novo Testamento

N o próprio texto dos livros do Novo Testamento há nu- merosos indícios de sua autoridade e inspiração divina. Os apóstolos estavam cônscios de que seus escritos não eram pro- dutos especulativos de sua mente, mas que procediam direta- mente do Espírito Santo: “... não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito Santo” [didaktoispeneumatos1 (I Co 2 13; 14.34; cf G1 I .6 -I2 ). Sua vocação ao apostolado era por iniciativa divina (R m I .I - 3). Por isso, o que escrevia era mandamento divino ( I Co 14.37) e, quando escrevia ou falava, estava credenciado por Deus, tendo recebido por revelação: “... porque não o recebi, nem o aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus C nsto” (G 11.12 cf E f 3.2; Cl 4 .16;I Ts 2 .13;I Tm 4 .11,13).

Pedro equipara os escritos paulinos às Escrituras veterotestamentárias. Deturpá-las é torcer a palavra de Deus (2 Pe 3.15.16).

As profecias jamais foram produzidas por vontade hu- mana: “Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação; porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito San- to ” (2 Pe 1.20,21).

A expressão “n en h u m a p ro fec ia da E s c r i tu ra ” (πάσα προφ ητεία γρα φ ή ς) é um caso d e pars pro tota, isto é, uma parte da Escritura representando a totalidade desta. As

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H e rm e n êu t ic a fácil c descomplicada

mesmas evidências podem ser encontradas nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos (M t I .22 ;2 .I5 ,I7 ; M c 1.2; Lc 1.1,2; Jo 20.31; At I .I ) . O Novo Testamento reivindica a autonda- de que inspira e revela.

Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento são comple- tamente inspirados por Deus. A inspiração é proporcional a tudo que está registrado. Tudo é igualmente inspirado porque é o efeito da cooperação de Deus com o homem. Portanto, cada livro da Escritura é igualmente inspirado, e em cada livro são inspirados todos os elementos que o compõe. Deus é tan- to a causa quanto o autor da Escritura, ainda que não tenha sido o autógrafo direto da mesma. Deve-se, porém, evitar a visão simplista de que cada enunciado bíblico são afirmações divinas. Assim, a narrativa histórica (não folclórica) do preci- pitado voto de Jefté não está incluída como modelo a ser se- guido, e sim, a ser estudado e evitado; entretanto, de forma alguma quer dizer que não seja inspirado.

SIN O PSE

O termo hebraico para revelação égvlâ, que conota o mes- mo significado que a expressão neotestamentária apokalipsis:

desvendar, revelar ou tirar o véu.Revelação, no sentido escriturístico, é a manifestação que

Deus faz de si mesmo e de sua vontade aos homens.Revelação Ativa é uma revelação imediata da parte de Deus,

sem qualquer interferência humana. E Deus revelando-se di- retamente ao homem.

Revelação Passiva é uma revelação mediativa, isto é, Deus não se revela diretamente ao homem, como o fez com Moisés, mas o conhecimento de Deus é comunicado aos homens.

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In spiração c Revelação

O clímax da revelação manifesta-se por dois meios espe- cíficos: o Verbo Vivo e a Palavra Escrita. A Revelação Especial é coroada pela encarnação do Verbo Vivo (Jo 1.1,14,17,18; 14.8,9; H b I .I -3 ) e pelo registro da Palavra nas Escrituras ( I Co 14.37; 2 Tm 3.16).

O sentido teológico de inspiração divina é derivado da expressão paulma de 2 Timóteo 3.16.

A expressão “divinamente inspirado”, no grego theopneustos,

constitui-se um hapax legoumenon, isto é, termo que aparece ape- nas uma vez nas Escrituras, e é formada por dois vocábulos Tkeós ((θεός = Deus) e pneustos (πνευστός = inspiração, in- fluxo ן .

O apóstolo Pedro afirma que os profetas eram literal- mente levados (φερόμενοι - pherómenot) pelo Espírito Santo (2 Pe 1.21; cf At 27.15,17). A Vulgata traduz pherómenoi por tlivinitus inspirata.

Inspiração é a influência sobrenatural exercida pelo Espí- rito Santo sobre os hagiógrafos, em virtude do qual seus escri- tos são produtos da vontade divina, constituindo-se cânon de regra, fé e prática.

A conclusão apostólica sobre a inspiração e autoridade bíblica é que as predições proféticas do AT cumpnram-se in- falivelmente no ministério terreno de Cristo, e o núcleo dessa ratificação é a certeza inviolável de que foi Deus quem anun- ciou por boca de todos os profetas (At 3.18).

A Inspiração garante infalibilidade e veracidade ao ensi- no exposto pelas Escrituras, enquanto a Revelação acrescenta o tesouro de conhecimento do hagiógrafo.

N ão devemos ignorar as idiossincrasias dos hagiógrafos, onde traços marcantes de suas personalidades são aviltados

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H e rm e n êu t ica f á a í e descom píicada

nas Escrituras. Através de seu estilo aparece sua psicologia e cultura, por vezes consultando outros manuais quando neces- sáno (2 Cr 9.29; 12.15).

TR A BA L H A N D O C O M T E X T O

Infalibilidade e inerrânciaAmbos conceitos, aplicados às Escrituras, são amplamente

corretos quando entendidos os seus matizes principais. Am- bos se depreendem da doutrina da Inspiração das Escrituras. São termos mais teológicos do que bíblicos. Por esse motivo, temos que ser prudentes em toda formulação dogmática a respeito dessas características da Bíblia. A etimologia de “infa- libilidade” nos ajuda a determinar seu significado. Falibilida- de se deriva do latim “fallere”, que quer dizer enganar, induzir ao erro, ser infiel, não cumprir, trair. Neste sentido pode-se dizer que a Bíblia é infalível, que não induz ao erro e que não trai ao propósito com o qual Deus a inspirou. Se assim não fosse, a Escritura, como instrumento de comunicação da reve- lação de Deus, careceria de valor. A “inerrância”, neologismo teológico, indica a ausência de erro nos livros da Bíblia. Po- rém, que amplitude deve dar a estes conceitos? A tendência mais generalizada nos credos e confissões de fé tem sido a de aceitar a infalibilidade das Escrituras em tudo o que concerne a questões de fé e conduta, enquanto que na inerrância se tem aplicado especialmente aos textos históricos em sua relação com a obra redentora. Além dessas posições, há aqueles que têm defendido a inerrância levando-a a extremos desnecessá- rios, afirmando com veemência que na Bíblia não existe ne- nhuma classe de erro, nem sequer os derivados de equívocos

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Inspiração e Revelação

dos copistas, solapando qualquer problema que o texto possa apresentar e sugerindo soluções pouco convincentes. Em sen- tido oposto, não têm faltado aqueles que só reconhecem a fidedigmdade das Escrituras no tocante a assuntos doutrinais e éticos, negando a inerrância nos fatos históricos. As duas posturas, contudo, estão presas a inconvenientes. A primeira, de uma falta de objetividade; a segunda, de um excesso de subjetividade.

M A R T ÍN EZ , José M. Hermenêutica Bíblica, CLIE, p. 55.

EXERCÍCIOS

1. O que é inspiração?

2. Diferencie revelação de inspiração?

3. Como podemos provar a inspiração do AT e do N T?

4. Quais são as expressões bíblicas que comprovam a ins- piração das Escrituras?

Bibli-Holmes

Ajude nosso detetive Bibli-Holmes a investigar as princi- pais teorias sobre a inspiração bíblica: inspiração verbal e ple- nána, ditado divino na inspiração, orientação dinâmica na ins- piração e outros.

LEITURAS E LIVROS PARA APROFUNDAMENTOR O D O R , Amin A. A Bíblia e a Inerrância — Revista Teoló-

gica do Salt-Iaene, v. 2 (p. I -22);VIERTEL, Weldow E. A Interpretação da Bíblia, Juerp (p.

13,14,21,22);

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

BOICE, James Montgomery. O Alicerce da Autoridade Bíblica,

Vida Nova (p. 71-94);GEISLER, Norman; NIX, William. Introdução Bíblica,Y i d a,

( p . I 5 - 5 9 ) .

N O TA S

1N o hebraico גלא , “revelar”, “desvendar”, “retirar o véu”.T

2 E a transliteração do vocábulo grego άττοκώ λυψ ίς, que significa “revelação”, “desvendamento”. Procede de “apo” (άττό) (a partir de / / da parte de) e de “kalüpto” ( κ α λ ύ π τ ω ) (cobrir / / ocultar / / esconder).

3 Cf. Rinaldo Fabris, As Cartas de Paulo) vl. III, Edições Loyola, p. 114-8.

4 Cf. J. I. Packer, Revelação e Inspiração, In; O Novo Comentário

da Bíblia, Dr. Russell P. Shedd (ed.) 1995, p. 25.* C f■ H . O rton Willey & Paul T. Culbertsos, Introdução à

Teologia Cristã, 1990, p. 45. A Revelação Geral algumas vezes é designada como Natural ou Externa, enquanto a Revelação Especial, de Sobrenatural e Interna. A Revelação Geral mani- festa-se através da Natureza, da Constituição do Hom em e na História. U m excelente artigo que reflete o sentido de Revela- ção Geral e especial pode ser observado em B. A. DEMAREST, Revelação Especial e Revelação Geral, In; Enciclopédia Histórico~Teológica

da Igreja Cristã, Walter A. Elwell (ed.), vl. III (N -Z ),I990 , p. 299-305.

6 Cf. Weldon E. Viertel, A Interpretação da Bíblia, p. 32-39. Para uma análise filosófica da revelação veja Paul Tillich, Teolo- gia Sistemática, p .77-I37.

7 A Revelação Especial é manifestada no propósito re­

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dentor de Deus manifesto em Jesus Cristo, em oposição à re- velação mais geral do seu poder e da sua deidade no universo criado, na constituição da natureza humana e na história. Cf.

Wilev & Paul T. Culbertson, op. c i t p. 48.8 P. M. Beaude, De acordo com as Escrituras, Cadernos Bíbli-

cos, p.39. Cf. também C. H . Dodd, Segundo as Escrituras - Estru- tura Fundamental do Novo Testamento, Biblioteca de Estudos Bíbli- co —7. Para um estudo das preposições hypo e dia, consulte o D IT N , VL. III, p. 657. Veja Esdras Costa Bentho, Hermenêutica

Contextual, 2000, p. 135,6.

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C A PÍT U L O 3

^Hetmeneutlca lS>ibtic<\

A hermenêutica não é apenas a arte ou a ciência da

interpretação de qualquer texto; antes de tudo, é uma

ciência que procura também 0 significado da palavra

como evento histórico) social e de vida. O que

representa um fóssil para 0 arqueólogo e paleontólogo,

tal é a palavra fossilizada através dos séculos nas

Escrituras para 0 intérprete,

Introdução

Hermenêutica Bíblica é a disciplina da Teologia Exegética que ensina as regras para interpretar as Escrituras e a maneira de aplicá-las corretamente. Seu objetivo primário é estabele- cer regras gerais e específicas de interpretação, a fim de enten- der o verdadeiro sentido do autor ao redigir as Escrituras. E a ciência da compreensão de textos bíblicos.

A Hermenêutica como Ciência é:• Objetiva, pois está fundada em fatos concretos, isto é,

na verdade bíblica.

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

• Racional, pois é constituída de conceitos, juízos e raci- ocínios, e não por sensações e imagens.

• Analítica, pois em virtude de abordar um fato, processo, ou situação de interpretação, ela decompõe o todo em partes componentes e relacionadas entre si. Isto quer dizer que a hermenêutica, ao analisar um texto, disseca-os em partes a fim de que o todo seja compreendido.

• Explicativa, em virtude de ter como finalidade explicar os fatos em termos de leis, e as leis em termos de princípios. Ora, qualquer pregador ou estudante precisa justificar sua m- terpretação, isto é, mostrar as leis ou princípios que o cond^i- ziram na interpretação de qualquer texto bíblico, Como ele- mento explicativo^ a hermenêutica é tanto descritiva quanto prescritiva. Como descritiva explica o que é o texto (seu signi- ficado), enquanto prescritiva, determina qual deve ser o nosso comportamento mediante a interpretação fornecida - o que deve ser feito.

A hermenêutica como teoria que postula M étodos e Regras:

M étodo1 é todo processo racional usado para se chegar a determinadas conclusões válidas. Em hermenêutica, refere-se às regras ou técnicas usadas para chegar ao conhecimento do significado original do texto. Para que o método seja útil e aconselhável, não basta que indique qualquer caminho; é pre- ciso que indique aquele que melhor e mais satisfatoriamente conduza ao fim que se tem em vista. Método, então, é a ma- neira de proceder.

Metodologia, entretanto, é uma indicação do método. Metodologia exegética é o conjunto de procedimentos cientí- ficos colocados em ação para explicar os textos. Diferencia-se

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H e rm e n êu t ica Bíblica

das “abordagens”, que são pesquisas orientadas segundo um ponto de vista particular.

Quando fazemos exegese, usamos sempre um método que orienta a pesquisa e o modo de proceder. Estudaremos alguns métodos e técnicas a fim de descobrir o verdadeiro sentido de um texto. O método empregado dirige o resultado da pesqui- sa ou análise. Dependendo da metodologia empregada, pode- se chegar a conclusões conflitantes. Entre os principais méto- dos hermenêuticos ou exegéticos encontram-se o histórico- crítico, o estruturalista e o fundamentalista. Além destes mé- todos encontramos abordagens distintas aplicadas às Escritu- ras: sociológicas, antropológicas, psicológicas e psicanalíticas.2

A hermenêutica, como disciplina geral do conhecimento, é uma ciência que se ocupa do estudo da compreensão, sendo essencialmente a ciência da compreensão de textos. Mas não se aplica somente a estes, pois transcende as formas lmgüísti- cas de interpretação. Os seus princípios se aplicam não so- mente a textos literários, teológicos, bíblicos, filosóficos, lingüísticos ou jurídicos, mas também a obras de arte e ao viver cotidiano. Atualmente possuímos, segundo o Dr. Richard E. Palm er , seis definições modernas de hermenêutica, das quais destacamos quatro:

a) Hermenêutica como teoria da Exegese Bíblica: b^ Hermenêutica como Metodologia Filológica;c) Hermenêutica como Ciência da Compreensão Lingüística; d ; H erm enêu tica como base m etodológica para as

Geisteswissenschaften.4Deste modo, a hermenêutica propõe-se a postular méto-

dos válidos de interpretação. U m método é todo processo ra- cional usado para se chegar a determinadas conclusões váli­

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

das. Em hermenêutica, refere-se às regras ou técnicas usadas para chegar ao conhecimento do significado original do texto.

O primeiro registro do termo como título de um livro foi obra de J. C. Danhauer, publicada em 1654 sob o título Hermeneutica sacre sirve metbodus exponenàarum sacrarum litterarum.

Após a obra de Danhauer, o termo como metodologia da m- terpretação foi usado freqüentemente para distmguir-se do comentário real do texto bíblico (exegese), principalmente entre os teólogos alemães.3 N o que concerne aos seus períodos his- tóricos, pode-se afirmar que a hermenêutica bíblica passou por sete períodos distintos:

1) Pré-Cristão;2) Cristão Primitivo;3) Patrística;4) Medieval;5) Reforma e ortodoxo;6) Moderno;7) Contemporâneo.6

Terminologia

O term o “herm enêu tica” procede do verbo grego hermeneueín, usualmente traduzido por “interpretar”, e do subs- tantivo hermeneia (έρμενεΐα), que significa “interpretação”. Tanto o verbo quanto o substantivo podem significar “tradu- zir, tradução”, ou “explicar, explicação”.

N a filologia do Antigo Testamento acham-se termos cor- respondentes ao grego hermeneuein; entre eles: tirgen, cujo signi- ficado é “interpretar ou traduzir” (Ed 4.7), pesher, pcshar, tradu- zido por “solução ou interpretação em geral”, e o vocábulo hawâ, isto é, “interpretar, informar, contar”.' U m hermeneuta,

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H e rm e n êu t ica Bíblica

segundo o étimo, é um intérprete ou tradutor de qualquer porção literária, quer sacra, quer profana.

Derivação do TermoO termo grego bermeios referia-se, originalmente ao sacer-

dote do oráculo de Delfos, que era responsável pela interpreta- ção dos desejos dos deuses aos seus consulentes. N a cultura pagã, os romanos possuíam o áugure da salvação, que era um especialista oficial encarregado da interpretação dos sinais ce- lestes, como por exemplo, o vôo das aves, e os arúspices, adivi- nhos que estudavam as entranhas das vítimas sacrificadas e pro- curavam assim, interpretar presságios favoráveis ou contrários.8

O étimo do verbo kermêneueiu e do substantivo herrneneia, no entanto, remetem para o deus mensageiro-alado Hermes, de cujo nome as palavras aparentemente derivam, ou vice-versa.

Hermes, segundo a mitologia greco-romana, era filho de Zeus e de Maia, sendo o arauto e mensageiro dos deuses. Era também considerado o deus da ciência, da interpretação e elo- qüência. Nas escrituras neotestamentárias a cultura pagã ro- mana o chamava de Mercúrio (At 14.12). Porém, no texto original grego, aparece o substantivo próprio Hermes em vez de Mercúrio.

N o texto grego de Atos 14.12, Hermes (Ε ρμήν) aparece com a oração explicativa, “porque era este o principal porta- dor da palavra” (ARA).

Os gregos atribuíam a Hermes a descoberta da língua- gem e da escrita — as ferramentas que a compreensão huma- na utiliza para chegar ao significado das coisas e para transmi- tir aos outros.

Hermes se associa a uma função de transmutação — trans- formar tudo aquilo que ultrapassa a compreensão humana em

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H e rm e nêu t ica fácil e descom plicada

algo que essa inteligência consiga compreender.L) As várias for- mas da palavra sugerem o processo de trazer uma situação ou uma coisa, da ininteligibilidade à compreensão.

Quando Filipe (At 8.26-40) foi conduzido pelo Espirito Santo ao encontro do oficial etíope perguntou-lhe: “Compre- endes o que vens lendo?” (ARA). Seu objetivo era levar ao etíope a compreensão do texto, decodificar o incógnito signi- ficado ao seu leitor. Se considerarmos o fato à luz do diálogo platônico Ion, Sócrates afirma que os poetas são “eisin ho hermêneus tõn theõ” (e lo ív ό 6ρμηνεύς τω ν θ εώ ) ou seja, “são os intérpretes de deus”. A função de Filipe, sob a ótica helênica, confunde-se com a de um mensageiro divino incumbido de ser portador de uma mensagem divina e torná- la compreensível, tanto narrando quanto explicando.

O Termo e suas Vertentes no N T

As várias aparições do termo hermeneuein e hermeneia ou um dos cognatos no Novo Testamento subjazem duas orienta- ções significativas do seu uso clássico e também do seu signi- ficado moderno. Entre eles destacamos:

a) diermenéusen (δίερμήνευσεν), “explicar ou interpretar” A interpretação como explicação enfatiza os aspectos

discursivos da compreensão, em vez da sua dimensão expres- siva. Em Lucas 24.25-27, Jesus ressuscitado aparece aos discí- pulos: “E começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes (diermêneusen) o que dele se achava em todas as Escrituras”.

Jesus estava trazendo à compreensão dos discípulos o sig- nificado oculto do texto. Em vez de apenas discorrer sobre o texto, explicou-o e explicou-se a si mesmo em função deles.10

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H e rm e n êu t ica Bíblica

Isto sugere que o significado tem a ver com o contexto; o processo explicativo fornece o palco da compreensão. Marcos (4.34) afirma que Cristo falava em parábolas, e muitas delas ficavam incógnitas aos seus ouvintes, mas Ele “explicava em particular aos seus próprios discípulos” (ARA). O texto não usa o termo diermêneusen, mas epilyõ (επιλύω), explicar, inter- pretar. Nota-se que o sentido prático de hermenêutica é ex- plicar, decodificar um significado, proporcionando a compre- ensão exata do seu sentido. Sem explicação não há atividade hermenêutica.

b) methermêneuõ (μεθερμηνεύω) “traduzir, tradução, dar significado”.

A tradução é uma forma especial do processo básico mterpretativo de tornar algo compreensível. Tornamos com- preensíveis o que é estrangeiro, estranho ou ininteligível. Tal como Hermes, o tradutor é um mediador entre um mundo e outro. A tradução torna-nos conscientes do fato de que a pró- pria língua contém uma visão que abarca o mundo, à qual o tradutor tem que ser sensível, mesmo quando traduz expres- sões individuais.

Os evangelistas por diversas vezes foram tradutores das expressões estranhas aos seus destinatários. A transliteração aramaica Talitka, Kcum significa (quer dizer ou traduz-se) “Me- nina, levanta” (Mc 5.41). Emanuel significa “Deus Conosco” (M t 1.23), Gólgcta, “Caveira” (M t 15.22), Messias, “Cristo” (Jo 1.41) ou Rabi, “Mestre” (v. 38), e assim por diante.

A tradução da Bíblia pode servir de ilustração aos proble- mas da tradução em geral. A Bíblia chega-nos de um mundo distante no tempo, espaço e língua. As variegadas traduções e toda sua terminologia técnica (versão, versão revista, versão

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H e rm e n ê u t ic a fácil e deseom piicada

atualizada, revisão, transliteração, recensão, tradução idiomá- tica, tradução literal modificada, tradução dinâmica, paráfra- se) mostram a tentativa de mediar o hiato existente entre a língua receptora e o contexto histórico e social diferenciado entre os dois mundos.

CORRELAÇÃO E N T R E H ER M E N ÊU TIC A E O U T R A S CIÊNCIAS BÍBLICAS

As hermenêuticas bíblica e teológica valem-se dos resul- tados do estudo das seguintes disciplinas exegéticas:

Tratado da Inspiração

Discute os critérios pelos quais se distinguem os livros inspirados dos que não o são. E o meio pelo qual podemos precisar com certeza quais são realmente os livros inspirados e como distingui-los dos que não o são. O Tratado da Inspira- ção procura responder as seguintes perguntas:

a) O que é inspiração divina:b) Existem livros inspirados:c) Quais exatamente são os livros inspirados:d) Que reivindicações contêm o AT e o N T sobre sua

inspiração divina?e) Quais são os critérios para que um livro seja conside-

rado inspirado?f) Qual a relação entre merrância, infalibilidade e veraci-

dade das Escrituras?

Canônico

Canônico é o estudo que trata do reconhecimento, com- pilação, fixação e história do Cânon. N o estudo da canoni-

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H e rm e n êu r ic a Bíblica

cidade, estão também incluídos os conhecimentos sobre o processo de canonização. A canônica procura responder as seguintes perguntas, indispensáveis a um a hermenêutica escnturística e responsável:

a) Quais são verdadeiramente os livros possuídos de au- toridade normativa para a fé cristã, que possuem a inspiração divina?

b) Quais os critérios para distinguir entre um livro inspi- rado do não1־nspirado?

c) Como o presente Canon veio a ser fixado?

Crítica Textual

Também chamada de Baixa Crítica, estuda o texto dos manuscritos com o fim de descobrir e corrigir erros que neles ocorrem e restaurá-lo, até onde possível, às condições origi- nais, procurando determinar os textos originais mais exatos. A Crítica Textual, exclusivamente bíblica, ocupa-se mais preci- samente do estudo, história, e restauração dos manuscritos bíblicos. Graças a esta ciência podemos afirmar que algumas das atuais edições e traduções das Escrituras estão de acordo com os originais, ainda que estes tenham sido perdidos pouco depois de sua circulação. E uma ferramenta indispensável a todo exegeta. A Crítica Textual busca responder às seguintes perguntas:

a' Quais são os manuscritos que hoje possuímos em con- formidade com os autógrafos originais?

b'' Quais os erros que existem nos manuscritos bíblicos que hoje possuímos?

c) Como determinar os textos originais mais exatos?

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

d) Quais os tipos de vicissitudes enfrentadas pelos textos bíblicos?

Crítica Histórica

Crítica Histórica ou Alta Crítica se interessa por proble- mas relacionados à idade, autoria, fontes, valor histórico, com- posição, publicação de cada livro, circunstâncias (de tempo e lugar) em que foi escrito, conteúdo da obra, os textos mais significativos e os dados característicos de sua mensagem divi- na. Também verifica os relacionamentos históricos e a valida- de das asserções feitas pelos documentos. Essa disciplina tem sido usada principalmente por racionalistas germânicos, na tentativa de desmitologizar as Sagradas Escrituras. Porém, quando corretamente entendida, consiste no escrutínio cui- dadoso, à base de princípios aplicados a toda forma de litera- tura, dos fenômenos reais das Escrituras, objetivando deduzir dali as considerações escudadas nos fatos relativos à antigüi- dade, autoria, etc. Como ferramenta hermenêutica, a Crítica Histórica, procura responder as seguintes perguntas:

a) Quem foi o autor?b) Quais são as fontes, valor histórico, composição e pu-

blicação de cada livro sagrado?c) Quais as circunstâncias de tempo e lugar em que foi

escrito?d) Qual o conteúdo da obra, os textos mais significativos

e os dados característicos de sua mensagem divina?e) Quais os relacionamentos históricos e a validade das

asserções feitas pelos documentos?

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H e rm e n êu t ica Bíblica

Divisão da Hermenêutica Sacra

A hermenêutica bíblica subdivide-se em geral e específi- ca. A geral estuda as regras que regem a interpretação do texto bíblico inteiro: análise histórico-cultural, léxico-sintática, contextual e teológica. A especial estuda as regras que se apli- cam a gêneros literários específicos, tais como figuras de lin- guagem, tipos, símbolos, numerologia, profecia e poesia.

A exegese católica costuma dividir a hermenêutica bíblica em:

a) Noemática:L itera lm en te significa “p e rcep ção ”. A função da

hermenêutica noemática é analisar os vários sentidos das Es- crituras. Pela noemática compreende-se que existe uma lacuna filosófica entre o autor e o tradutor atual, e que para transmi- tir validamente uma mensagem o tradutor precisa estar ciente tanto das similaridades como dos contrastes das cosmovisões. Uma das disciplinas da noemática é a fenomenologia, isto é, opiniões acerca da existência, vida, circunstância e da natureza do Universo.

b) Heurístico:

Literalmente significa “achar”. A função da hermenêutica heurística é ensinar as regras para encontrar os sentidos trata- dos pela noemática. Através de métodos analíticos procura descobrir as verdades expostas cientificamente. Atua também como disciplina auxiliar da História, estudando as “Pesquisas das Fontes”.

c) Proforística:Literalmente significa “expor”. Ensina a maneira de ex-

por o sentido encontrado.11

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Propósito da Hermenêutica

A hermenêutica propõe-se a auxiliar o obreiro e a qual- quer estudante da Bíblia, a usar métodos de interpretações confiáveis, além de estabelecer os princípios fundamentais da exegese bíblica, como base para o estudo do texto na sua di- versidade lingüística, cultural e histórica.

Além disso, podem os acrescentar, que por fim, a hermenêutica auxilia o estudante a analisar criticamente, com critérios objetivos, os métodos e resultados de um estudo ou exegese de qualquer texto da Bíblia.

Correlação entre Hermenêutica, Exegese e Eisegese

A hermenêutica precede a exegese. Esta, por sua vez, vale- se dos princípios, regras e métodos hermenêuticos em suas conclusões e investigações. O sentido literal do termo con- funde-se com o vocábulo hermenêutica, de sorte que, às ve- zes, se usa os dois termos simultaneamente. Exegese é a apli- cação dos princípios hermenêuticos para chegar a um enten- dimento correto sobre o texto. E o estudo do sentido literal do texto. Refere-se a idéia de que o intérprete está derivando o seu entendimento do texto, em vez de incutir no texto o seu entendimento. Enquanto a hermenêutica é a teoria da inter- pretação, a exegese é a prática. Teologicamente, a exegese é o capítulo da Teologia que estuda a interpretação, utilizando-se Se modos formais de explicação, que podem ser aplicados a alguma passagem das Escrituras a fim de compreender o seu sentido. Já a Eisegese, consiste em manipular o texto para di- zer o que ele não diz.

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H e rm e n ê u t ic a Bíblica

Definição Etimológica de Exegese

A palavra exegese, do grego eksêgêsis (έξήγησις de έξηγέομαι eksêgeomaí, “explicar, interpretar, contar, descrever, relatar”]

Lc 24.35; At 10.8; 15.12,14; 21.19), significa, segundo o con- texto, narrativa, explicação, interpretação. E a ciência da inter- pretação. O termo é formado pela aposição do final “sis” (σ ίς), expressivo de ação, ao tema verbal composto, ek+bêgeomai (έκ+ ήγέομαι), “tiro, extraio, conduzo fora”. A exegese é, pois, a extração dos pensamentos que assistiam ao escritor ao redigir determinado documento.12

Em João I .1 8, exegese é traduzido por “revelou”. O ter- mo έξηγήσατο ('eksegêsato) traduzido por “revelou” é um hapax

legoumenon. A expressão eksegêsato, usada por João, é termo de cunho técnico para indicar um expositor. N a ARA é traduzi- do por “revelou”, na ARC por “o fez conhecer”, na Vulgata ípse enarravit, “aquele que expõe em porm enor”. Ao que parece, esse termo designa não o indivíduo, mas a função exercida por ele — arauto, proclamador, revelador. O eksegêsato confunde- se com o hermenêutes, arauto ou proclamador oficial. Dessa forma, o Logos aparece como o principal e oficial intérprete de Deus Pai, pois para os gregos, os eksegêtai eram os intér- pretes e expositores oficiais.

João descreveu no versículo dezessete dois expositores: Moisés, expositor da Lei no monte Smai, e Jesus, eksegêsato da graça e da verdade. Assim é descrita a superioridade do expo- sitor “da graça e da verdade” sobre o da “Lei”. Através do intérprete do Smai, a “graça e a verdade” ficaram obscuras, mas através de Cristo a * graça e a verdade” se manifestaram aos homens, pois Ele é “a verdadeira luz que, vinda ao mun- do, ilumina a todo homem” (v.9).

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

O termo sugere que a finalidade da hermenêutica é muito mais do que interpretação. Sua finalidade é guiar-nos a uma compreensão adequada de Deus através de Cristo, a Palavra Encarnada. As interpretações dos textos do Antigo e Novo Testamentos devem ser o efeito de uma preocupação evange- lística e pastoral, mais do que técnica e documental. A hermenêutica deve ser um instrumento que conduza o ho- mem a Deus.

Segundo o Dr. George A. Barton, as cinco regras comuns à exegese são:

a) Interpretação Lexical;b) Interpretação Sintática;c) Interpretação Contextual;d) Interpretação Histórica;e) Interpretação Analógica.13

Exegese e Eisegese

Enquanto a exegese consiste em extrair o significado de um texto qualquer, mediante legítimos métodos de interpre- tação; a eisegese consiste em injetar em um texto, alguma coisa que o intérprete quer que esteja ali, mas que na verdade não faz parte do mesmo. Em última instância, quem usa a eisegese força o texto mediante várias manipulações, fazendo com que uma passagem diga o que na verdade não se acha lá. Contudo, J. Severino Croatto diverge do sentido protestante de eisegese. Segundo Croatto:

“Existe uma práxis, do crítico ou do seu contexto sócio- histórico, que indica o parâmetro da leitura. Não se ‘sai’ do texto (ex-egese, do grego ago, ‘conduzir/guiar’), trazendo um sentido puro nele recolhido, como um mergulhador traz um

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coral à superfície do mar ou como se tira um objeto do cofre. Antes, a partir de um horizonte vivencial novo que repercute significativamente na produção de sentido que é a leitura, ‘en- tra-se no texto (eis-egese(! com perguntas que nem sempre são as de seu autor’.14

N a hermenêutica do dr. Croatto, o autor é banido. O significado do texto não se encontra impingido no próprio texto, isto é, na intenção autoral, no contexto histórico, na audiência original e nem mesmo no texto, ao contrário, está na experiência existencial do intérprete — o leitor é quem determina o significado. Eisegese, segundo Croatto, substitui a exegese tradicional, onde o autor, suas idiossincrasias e o panorama social em que viveu são levados em consideração, constituindo-se bases para uma interpretação viável.

Função da Hermenêutica e da Exegese Bíblica

·Traduzir o texto original tornando-o compreensível em língua vernácula, sem sangrar o sentido primário.

• Compreender o sentido do texto dentro de seu ambien- te histórico-cultural e léxico-smtático;

• Explicar o verdadeiro sentido do texto, em todas as di- mensões possíveis (autor, audiência, condições sociais, religi- osas, etc.).

·Tornar a mensagem das Escrituras inteligível ao homem moderno.

• Conduzir-nos a Cristo.

Formas pelas quais o Intérprete Pratica a Eisegese

I ) Quando força o texto a dizer o que não diz:O intérprete está cônscio de que a interpretação por ele

asseverada não está condizente com o texto, ou então está

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H e rm e n êu t ica fác i l e descom plícada

inconsciente quanto ao objetivo do autor ou propósito da obra. Entretanto, voluntária ou involuntariamente, manipula o tex- to a fim de que sua loquacidade possa ser aceita como princí- pio escriturístico.

Geralmente tal interpretação não possui qualquer justifi- cativa lexical, cultural, histórica ou teológica, pois se baseiam em pressupostos ou premissas previamente estabelecidos pelo intérprete.

Outro problema neste caso é o individualismo que embe- be alguns na leitura da Bíblia. O que se busca como interpre- tação “é o que as Escrituras significam para mim agora”, e não “o que elas significam em seu contexto”.

2) Quando ignora o contexto, sob pretexto ideológico:Poucas atividades hermenêuticas têm sangrado tanto o

texto como o banimento do contexto. Ignorar o contexto é rejeitar deliberadamente o processo histórico que deu mar- gem ao texto. O intérprete, neste caso, não examina com a devida atenção os parágrafos pré e pós-texto, e não vincula um versículo ou passagem a um contexto remoto ou imediato.

Uma interpretação que ignora e contraria o contexto não deve ser admitida como exegese confiável. Existem pessoas que são capazes de banir conscientemente o contexto e o sen- tido do texto, simplesmente para forçar as Escrituras a con- formarem-se com suas ideologias.

3) Quando ignora a mensagem e o propósito principal do livro:

U m livro pode ser mais facilmente entendido quando se sabe qual é o propósito do autor e qual a mensagem que ele procura afirmar para seus contemporâneos. A mensagem do livro e o propósito do autor são “almas gêmeas” da interpre- tação bíblica.

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H e rm e n ê u t ic a Bíblica

Os assuntos genéricos tratados pelo autor precisam ser observados a partir dos propósitos e da mensagem do autó- grafo. Quando ignoramos a mensagem principal e o propósi- to do livro, somos dispersivos na aplicação coerente do texto.

Os livros de Lucas ( L I -4), João (20.30, 31; 21.24,25), Atos (I) , I Coríntios (5.1; 6 .I ;7 .I ;8 .I , I2 .I ; I6 .I ) e muitos outros são melhor compreendidos quando conhecemos a in- tenção do autor, expresso no próprio autógrafo.

4) Quando não esclarece um texto à luz de outro:Os textos obscuros devem ser entendidos à luz de outros

e segundo o propósito e a mensagem do livro. Recorrer a ou- tro texto é reconhecer a unidade das Escrituras na correlação de idéias. Por vezes, pratica-se eisegese por ignorar a capaci- dade que as Escrituras têm de interpretar a si mesmo.

5) Quando põe a “revelação” acima da mensagem revelada:Por vezes, aparecem indivíduos sangrando o texto sagra-

do sob o pretexto de que “... Deus revelou”, ou “... essa veio do céu”. Estes colocam a pseudo-revelação acima da mensa- gem revelada. Quando assim asseveram, procuram afirmar in- falibilidade à sua interpretação, pois Deus, que “revelou”, au- tor principal da Escrituras, não pode errar. Devemos ter o cuidado de não associar o nome de Deus a mentira, pois Ele não pode contradizer o que anteriormente, pelas Escrituras, havia afirmado.

6λ Quando está comprometido com um sistema ou ideologia:Não são poucos os obstáculos que o exegeta encontra

quando a interpretação das Escrituras afeta os cânones do sis- tema e as tradições de sua denominação. Por outro lado, até as ímpias religiões encontram justificativas bíblicas para ratificar as suas heresias. Kardec citava a Bíblia para defender a reen-

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H e rm e n ê u t ic a tácil e cicscomplicada

camação! Muitos outros movimentos sectários torcem as Es- crituras. Utilizar as Escrituras para apologizar um sistema ou ideologia pode passar de uma eisegese para uma heresia aplica- da.

Pelo menos três razões podem ser apresentadas para ex- plicar essa atitude imprudente do intérprete.

Atitude Defensiva

Provavelmente, a atitude defensiva do intérprete em rela- ção às suas ideologias seja responsável pela prática da eisegese. Com o doutrinismo, usa o Livro Sagrado para ratificar suas doutrinas, em vez de confrontá-las com a Palavra de Deus. Ignora o caráter histórico e contextual da Bíblia e sobrepõe à ela a “revelação espiritual” das entrelinhas do texto. A inter- pretação histórica e contextual para esses não é suficiente, por isso, é necessária a espiritualização do texto.

Preconceito

H á muitos conceitos, costumes, interpretações e ensinos que procedem mais do preconceito, ignorância, e atitudes pré- concebidas do intérprete do que de uma exegese bíblica confiável.

Preferência ao M étodo Alegórico

O método alegórico de interpretação é um dos mais usa- dos por esses intérpretes. Desprezam o significado comum e ordinário das palavras e especulam sobre o sentido místico ou simbólico de cada uma delas, além, é claro, de ignorar a intenção autoral, inserindo no texto todo tipo de extravagân- cia ou fantasia.

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H e rm e n êu t ica Bbíblica

O intérprete que usa métodos como o alegórico tende a rejeitar os demais métodos válidos de interpretação, e a única base mterpretativa que concebe é aquela que procede de sua própria imaginação folclórica.

“Se alguém ensina alguma outra doutrina e se não con- forma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com a doutrina que é segundo a piedade, é soberbo e nada sabe...” ( I Tm 6.3,4a).

Bloqueios a Interpretação das EscriturasA tarefa da hermenêutica e da exegese não é nada fácil.

Quando alguém se propõe a interpretar as Escrituras, encon- tra diversos bloqueios a uma compreensão espontânea do sig- nificado primitivo da mensagem. Pede a boa ordem do racio- cimo que voltemos ao tópico anterior, movendo-nos nas im- plicações funcionais da hermenêutica e da exegese. Quando o intérprete inicia a empresa de “traduzir” o texto bíblico, ele inevitavelmente está lidando com uma língua e cultura distin- ta da sua; como agravante, há muitas cópias manuscritas dos textos originais que reverberam autenticidade, apesar de não concordarem com um outro manuscrito mais recente ou mais antigo do que este. Entre os tipos de bloqueios, destacaremos os mais comuns.

Podemos dividi-los em bloqueios internos e externos. Os bloqueios internos são os que deduzem do próprio objeto em si; os externos deduzem dos agentes em resposta a esse objeto.

Bloqueios Internos

Bloqueios Histórico-CulturaisAs Escrituras foram escritas não para a nossa realidade e

cultura, mas para uma outra eqüidistante da nossa a mais de

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

três milênios. Os conjuntos de fatos e mensagens expostos nas Sagradas Escrituras são produtos de uma evolução histórico- cultural vivenciados pelo hagiógrafo e seus contemporâneos. N ós não fomos os destinatários originais. A cosmovisão, com- preensão dos fenômenos físicos e naturais, existência e filoso- fia de vida dos hagiógrafos e de seus contemporâneos eram distintas da atual. Imagine se você voltasse alguns milênios de anos através de uma máquina do tempo e aparecesse na corte do rei Salomão, e no diálogo com ele, você falasse sobre internet, e-mail, luz elétrica, telefone, televisão, avião, viagens espaciais... Acredito que ele se surpreenderia com tanta cultu- ra e conhecimento, ainda que não compreendesse totalmente aquilo que está sendo dito. A recíproca é verdadeira em rela- ção à cultura dos povos bíblicos. Para compreendermos per- feitamente essa cultura, expressa principalmente através da lm- guagem, são necessárias introspecção e empatia com ela. As- sim como Salomão teria que se esforçar para compreender a tecnologia moderna, nós temos que depreender esforços para entender a cultura s emita.

Os povos próximos à época dos autógrafos assimilaram mais rapidamente o conteúdo das Escrituras por viverem na mesma cultura, ou próximos a ela, do que os intérpretes afas- tados por milênios de anos. Por vezes, os escritores da Antiga Aliança tiveram de explicar os costumes que por tempos imemoriais já haviam caído em desuso em Israel (R t 4.7). Os exegetas atuais precisam também transpor a barreira históri- co-cultural.

Bloqueios LingüísticosNossas Bíblias não foram originalmente escritas em nosso

idioma. Isto é um fato. Tanto a grafia hebraica quanto a grega

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H e rm e n ê u t ic a Bíblica

são distintas da nossa. A Bíblia foi escrita nos idiomas hebraico, aramaico e grego, além de possuir diversos vocábulos derivados de outros idiomas do ramo semita. Quando os hagiógrafos se comunicaram, fizeram-no pela palavra falada e escrita. Para que suas mensagens fossem entendidas, eles precisaram, no mínimo, coordenar sua fala e escrita de acordo com a gramática vigente. Por sua vez, essa gramática e a língua pelas quais as Escrituras foram produzidas possuem sintaxe, morfologia, fonemas, en- fim, estruturas diferentes da nossa. E quase impossível, àqueles que não possuem conhecimento das línguas originais, entende- rem as Escrituras no seu idioma de origem.

Bloqueios TextuaisN ão perceptivas a qualquer intérprete, as diferenças de

cópias e versões tornaram necessária a árdua atividade dos crí- ticos textuais.

N enhum dos autógrafos dos escritores sagrados chegou até nós; o que possuímos são cópias manuscritas. Apesar da meticulosidade dos escribas, o texto sagrado sofreu algumas alterações ao ser repetidamente copiado, porém não invali- dam o conjunto.

Versões --------- abismo textual ------- N T ----- AT

Diversas traduções seguindo Autógrafos originais perdidos,

manuscritos distintos: Cópias manuscritas: textos

textus receptus; texto crítico massorético, bizantino,

ocidental e alexandrino

Crítica TextualO propósito fundamental da Crítica Textual é reconstruir

com toda perfeição possível o texto bíblico, expurgando-o de

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H e rm e n êu t ica tácil e descomplicada

qualquer alteração introduzida por erro do escriba, seja um equi- voco de d1tografial\ fusão16, ou outro qualquer que costumam achar-se na transmissão de obras manuscritas plunsseculares. Tal texto, reconstruído à base dos critérios da crítica textual, chama-se texto crítico. A ARA é baseada em tais textos.

Entre os vários exemplos dessa ciência, podemos citar como exemplo o texto de Mateus 6.13 (ARA), onde aparece a expressão entre colchetes: “(pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém]”. N a ARC os colchetes são omiti- dos e na N V I aparecem no rodapé. Já em Marcos 16.9,20, tanto a ARA quanto a ARC, não trazem qualquer referência à omissão dos textos (vv.9-20), enquanto a N V I, no rodapé, afirma que “alguns manuscritos antigos omitem os versículos 9-20; outros manuscritos apresentam finais diferentes do evan- gelho de Marcos”.17 Estes e muitos outros postos em colche- tes não se encontram nos melhores manuscritos segundo vári- os críticos textuais, mas foram adotados por Almeida (1 6 8 1). N a ARC encontramos diversas palavras em itálico que não se encontram no texto hebraico ou grego, mas que foram adotados pelos tradutores para que o texto tivesse sentido.18

U m outro exemplo pode ser encontrado em Mateus 12.40. N a ARC diz que “como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia...”, enquanto a ARA traduz por “ no ventre do grande peixe”. As duas traduções comparadas parecem contradizer-se. Jonas esteve no ventre de um mamífero ou no ventre de um grande peixe? O texto original hebraico em Jonas I .1 7, é “dâggâdhôl”, literalmente “peixe enorme”. Quan- do Almeida traduziu o termo por “baleia”, fez provavelmente fundamentado no aspecto fenomenológico ou natural das coisas, mas do que na consistência científica ou lingüística,

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H e rm e n êu t ica Bíblica

visto que para o tradutor, um “peixe grande ou enorme”, en- quadrava-se melhor na descrição de uma baleia do que em outro ser marinho qualquer. O próprio termo, no grego k‘tous,

significa “grande peixe” e não “baleia”. Pelo que a tradução da ARA é mais correta.19

ARAARCTexto Hebraico Texto Grego

“Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do

grande peixe .’. ’

..pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre

da baleia.!’

“...en lonas em

te koilia tou

kêtoustreis hêmera kai treis núnktas...”

“w av'm am Ύ H W H

dâg gâdhôl libhlô'” "'eth-Yômah waig'hi bim 'ey hãddâg shdôshâh vâmím ushclôshâh leylôth”

O termo grego agápe, que é traduzido pela ARC como “caridade”, é um outro exemplo de como a crítica textual pode ajudar ao intérprete a transpor os abismos comuns à exegese. Em I Coríntios 13 0 termo aparece nove vezes, sempre tradu- zido pela ARC como “caridade”, não representando o senti- do do vocábulo original, enquanto a ARA, neste caso, conci- 11a-se com o sentido comum ao termo, traduzmdo-o por amor.

Espero que o leitor compreenda tratar-se de três breves e fáceis exemplos, à guisa de ilustração de alguns aspectos do labor da crítica textual. N ão desejamos, ser simplistas quanto as implicações conflituosas dos problemas elencados, mas a complexidade do tema, não nos permite argüi-los acurada- mente nesse breve esboco.

Embora redundante, creio ser necessário sublinhar que cada tradução ou versão das Escrituras, protestante ou não, dão à estampa de que usam os manuscritos mais antigos e

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mais corretos ( “vetustussimis simul et emendatissimis”'), apesar de diferirem em muitos aspectos textuais um dos outros por se- guirem manuscritos distintos. O exegeta, cônscio desta bar- reira fará uso das diversas versões, além de se exercitar por adquirir cada vez mais perícia tanto nas línguas bíblicas quan- to nos cânones que regem a crítica textual.

Frontispício de Algumas Versões BíblicasSociedade Bíblica Trinitariana do Brasil

Edição Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original

Imprensa Bíblica BrasileiraVersão Revisada da Tradução de João Ferreira de Almeida de acordo

com os Melhores Textos em Hebraico e Grego

Edições Paulinas e Edições LoyolaA Bíblia TEB com o Antigo e o Novo Testamento traduzidos dos

textos originais hebraico e grego com introduções, notas essenciais e glossários nova edição revista e corrigida

Sociedade Bíblica do BrasilBíblia Sagrada Traduzida em português por João Ferreira de Almeida

com referências e algumas variantes

Edição Revista e Corrigida Edição de 1995

Temos diversas cópias e versões das Escrituras Sagradas20, e por meio do exercício dos críticos textuais, podemos assegu- rar com toda clareza a confiabilidade das Escrituras vetero e neotestamentárias, e afirmar que são exatamente idênticas aos autógrafos originais.

Por mais de dois mil anos as cópias manuscritas dos ori- ginais foram transmitidas com a máxima exatidão. Antes da descoberta dos rolos do mar M orto, discutia-se muito a

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confiabilidade dos textos sagrados, se as sucessivas cópias ha- viam alterado profundamente o sentido original. Porém, ao ser descoberto o rolo de Isaías, escrito em 125 a.C., desco- briu-se que esse texto corresponde ao mesmo texto massorético de Isaías que data de 9 16 (A.D.). O texto preparado quase mil anos antes era idêntico ao texto que hoje possuímos, deixando dúvidas apenas sobre dezessete letras que em nada alteram o sentido primário.

Isto posto, infiro que as relações da crítica textual com a exegese e a hermenêutica fundem-se grandemente, tornando a empresa de interpretar não só desafiante e exaustiva, mas tam- bém com pensadora , pois através dessas três ciências indissociáveis, o sentido primário do texto sagrado é entregue na ação evangelística e pastoral, tal qual pretendido pelo Espí- rito da inspiração escriturística.

Casos conflitantes pelo uso de fontes manuscritas distin- tas tal qual Marcos 9.24, não devem diminuir a credibilidade na autenticidade das Escrituras. Os que seguem o Texto Ma- joritário (TM aj), por exemplo, criticam os que usam o Texto Crítico, simplesmente porque este não inclui o vocativo “Se- nhor” no texto.

Simplifiquemos este exemplo citando especificamente os textos.

ARC“E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse:

Eu creio, Senhor! Ajuda a minha incredulidade.”ARA“E imediatamente o pai do menino exclamou [com lágri-

mas]: Eu creio! Ajuda na minha falta de fé!”

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H e rm e n êu t ica tácil e descom plicada

NVI“Imediatamente o pai do menino exclamou: Creio, ajuda-

me a vencer a minha incredulidade.”TEB“Logo o pai do menino exclamou: Eu Creio! Vem em

auxílio da minha falta de fé!”

Verificando cada uma das traduções assinaladas observa- mos uma distinção e correspondência:

A ARC, seguindo oTextus Receptus, inclui o vocativo “Se- nhor”, com a variante de tratar-se de “senhor” no sentido de divindade, e não de respeito comum. Isso salienta que o pai tinha conhecimento da divindade de Cristo, o que é discutível.

A ARA, N V I e a TEB omitem o vocativo “Senhor”. Almeida Revista e Atualizada acrescenta, entre colchetes, a nota explicativa de que o pai do menino exclamou21, “com lágrimas”: termo que corresponde aos manuscritos A (2) C (3), D E F G H K M N SU V X , Gamma, Delta e Fam Pi, mas também é omitida pelos manuscritos mais antigos do evange- lho de Marcos: P (45), Aleph, A (I), BC (I)D L W , 28,700. O que sugere que o texto de Marcos não continha essas pala- vras, que foram acrescidas por algum escriba a fim de aumen- tar o efeito dramático.22

Bloqueios Externos

A Atividade Maligna no MundoSegundo as Escrituras “o deus deste século cegou o en-

tendimento dos incrédulos para que lhes não resplandeça a luz do evangelho” (2 Co 4.4). Percebe-se uma atividade ma­

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ligna com intuito de que o Evangelho não floresça na mente e no coração dos incrédulos. Além de procurar obscurecer a mensagem do evangelho, envia seus ministros malévolos para perverter a sã doutrina (2 T m 4.1), quando não, falsos minis- tros atestando infalibilidade procuram distorcer o evangelho de Cristo, “por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo” (Cl 2.8,22; E f 4.14).

A Depravação Mental a que os Homens Ficaram Sujeitos após a Queda

Em decorrência da queda, o homem não perdeu a facul- dade intelectual; entretanto, o pecado a dilacerou terrivelmen- te, e através do pecado, os homens adquiriram uma mente depravada em relação a Deus, a moral e a si mesmo (Rm 1.28ss; T t L I 5). Pela corrupção de suas mentes não têm capacidade, por mais eruditos que sejam, de divisar os assuntos espiritu- ais, por parecerem irracionais e loucura ( I Co 2.14). Por ou- tro lado, após a regeneração, o homem recebe profunda trans- formação em sua mente ( I Co 2.14-16), que é operado pelo Espírito Santo (Jo 16.8-10) através da Palavra pregada ou ensinada (Rm 10.13-21).

Atitudes e Qualidades do Intérprete

Maturidade Espiritual

Deve o hermeneuta possuir qualidades espirituais, prin- cipalmente o temor e a reverência ao Espírito Santo (Pv 1.7). O “homem espiritual”, segundo Paulo, é o crente que tem capacidade de julgar, de discernir, de compreender todas as verdades espirituais. O escritor aos Hebreus assevera que o homem espiritual é “adulto, o qual tem, pela prática, a fa­

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

culdade exercitada para discernir tanto o bem como o mal” (H b 5.12-14; c f I Co 3.1-3). Assim como o homem espiri- tual contrasta com o “homem natural”, o homem maduro é a antítese do cristão menino. Enquanto o cristão tem suas fa- culdades exercitadas pela prática e alimenta-se de alimentos sólidos, os “meninos” “ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus”. Sua dieta é a base de leite e não de alimentos sólidos. O hermeneuta possui suas faculdades “dilatadas” por Cristo (Lc 24.44), para compreender “as coisas do Espírito de Deus” ( I Co 2.14).

Comunhão com o Espírito Santo

O homem natural, por conhecimentos de filologia (estu- do das línguas, idiomas), pode extrair significados dos mais aplicáveis aos vernáculos bíblicos, mas entender as realidades espirituais é facultado apenas àqueles que têm a mente de Cris- to. Daí a necessidade do hermeneuta cristão ser, acima de tudo, nascido de novo (Jo 3.5,6).

O intérprete deve estar cheio do Espírito Santo e guiado por Ele. Somente o crente pode sondar o verdadeiro significa- do das Escrituras, porque o mesmo Espírito que a inspirou realiza no intérprete uma obra de iluminação que lhe permite chegar, através do texto, ao pensamento de Deus ( I Co 2.10). A carência de sensibilidade com o Espírito Santo incapacita o exegeta para captar com profundidade o significado das pas- sagens bíblicas. O crente precisa de uma congenialidade espi- ritual ÇGeisteverwandschaft) com o Espírito Santo.

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H e rm e n êu t ica Bíblica

A mente, os sentimentos e a vontade do hermeneuta de- vem estar abertos para a ação espiritual do Espírito Santo.

Oração

T odo trabalho exegético deve ser acompanhado com ora- ção. N o campo da hermenêutica tem perfeita aplicação o aforismo bene est bene stuiuisse (orar bem e estudar bem). O exegeta, mais que qualquer leitor da Bíblia, deveria fazer a mesma súplica do salmista: “Desvenda os meus olhos para que veja as maravilhas de tua lei” (SI 119.18).

Um dos nossos irmãos em Cristo, quando ainda era um novo convertido, leu a epístola de Paulo a Timóteo (4.2) e não compreendeu o texto da ARC que diz: “tendo cauterizado a sua própria consciência”. Já passava das 24:00 horas, quando ele, cansado (pois às 4:00 horas da manhã levantaria para o trabalho diário), disse: “Espírito Santo eu não entendo o que é ‘consciência cauterizada’. Ensina-me”. Ao acordar ouviu o Es- pírito Santo falando mansamente ao seu ouvido: “Consciência cauterizada é o estado insensível da alma que não aceita mais o meu apelo em sua consciência”. Passado alguns anos, quando ele terminava o seminário, compreendeu que se tratava de uma figura de linguagem, e que o texto pode ser interpretado literal- mente como “cuja consciência foi marcada com ferro em bra- sa”, isto é cicatrizada, o que eqüivale a dizer que está insensível. Tal qual a mensagem do Espírito Santo para ele.

É Inimigo da Ociosidade Bíblica

Em Hebreus 5 .11 e 6.12 o escritor chama os cristãos hebreus de “tardios em ouvir” e “indolentes”. Essas duas ex- pressões são a tradução de um termo grego ( notbrói) usado

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

somente nestas duas passagens no Novo Testamento. O vocá- bulo literalmente significa “preguiçosos”. Por serem indolen- tes, deixaram de receber profundas instruções espirituais (v.I I). Pois devido ao tempo de fé que possuíam (cerca de trinta anos), nunca se preocuparam com o estudo sério da Palavra de Deus. A preguiça era tanta que até o que sabiam haviam esquecido. Em vez de haver progresso: “Quando devíeis ser mestres” (v. 12), houve regressão: “Tendes, novamente, neces- sidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os prmcípi- os elementares dos oráculos de Deus”; a estagnação seria mais aceitável. A inanição era tão crônica que o escritor desabafa: “Vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento sólido” (5.12). Eles não tinham condições de seguir uma ex- planação profunda das Escrituras porque o raciocínio deles era semelhante ao de uma criança. O mais notável é que eles não eram preguiçosos, mas tornaram-se (v 05 tornastes).

Mente Sã e Equilibrada

O hermeneuta deve evitar o raciocínio defeituoso e a ex- travagância da imaginação, a perversão do raciocínio e as idéi- as vagas. O intérprete deve ser capaz de perceber rapidamente o que uma passagem ensina e não ensina, assim como obser- var sua verdadeira tendência. O intérprete deve gozar do po- der de observar o pensamento do autor e notar, de uma só vez, toda força e significado. Essa rapidez de percepção deve ser unida a um entendimento, não somente do sentido das palavras, como também do propósito do argumento.

Ao tratar de explicar a Epístola aos Gálatas, com uma percepção rápida, se observará o caráter apologético dos pri­

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H e rm e n êu t ica Bíblica

meiros capítulos, e a veemente audácia de Paulo ao afirmar sua autoridade divina e seu apostolado e as conseqüências de sua pretensão na epístola. Notará, também, com quanta força os incidentes pessoais da vida e do ministério de Paulo entram em seu argumento.23

É Apreciador das Línguas Originais

O hermeneuta reconhece o valor das línguas sagradas. Sabe que uma consistente extração da verdade depende, a cer- to ponto, do conhecimento das línguas bíblicas, sua gramáti- ca e ídiotismos. Não somente isto, mas sabe que uma intuição verdadeira com a cultura e o gênio característicos da lingua- gem do hagiógrafo propiciará riquezas que somente o conhe- cimento da língua original não favorece. Pio XII em Divino

ajflante Spiritu, deixou uma recomendação aos exegetas católi- cos que deveria ser observada pelos estudiosos das Sagradas Escrituras.

“Hoje são tantos os meios para aprender as línguas bíblicas que o intérprete das Escrituras não pode fechar-se ao acesso aos textos originais, não pode atualmente evitar a tacha de mconsideração e indolência. Por isso trabalhe por adquirir uma perícia cada vez maior das línguas bíblicas e também dos outros idiomas orientais, e apóie a sua interpretação em todos os recursos submimstrados por toda espécie de filologia.”24

Possui Cultura GeralN ão somente o conhecimento da gramática e do ver-

náculo de sua língua pátria, mas também da história dos povos bíblicos, da geografia palestina, arqueologia do O ri- ente M édio, etc...

à5

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H e rm e n ê u t ic a fácil e d escom phcada

SINOPSE

O term o “herm enêu tica” procede do verbo grego hermeneuein, usualmente traduzido por interpretar, e do subs- tantivo hermenda, que significa interpretação. Tanto o verbo quanto o substantivo podem significar “traduzir”, “tradução”, ou “explicar”, “explicação”.

Hermenêutica é a ciência que se objetiva a formular regras gerais e específicas de interpretação de qualquer texto literário.

Exegese, do grego eksêgêsis, significa, segundo o contexto, narrativa, explicação, interpretação. E a ciência da interpretação.

Enquanto a exegese consiste em extrair o significado de um texto qualquer, mediante legítimos métodos de mterpre- tação, a eisegese consiste em injetar em um texto alguma coisa que o intérprete quer que esteja ali, mas que na verdade não faz parte do mesmo.

As formas pelas quais o intérprete pratica a eisegese são: quando força o texto a dizer o que não diz; quando ignora o contexto sob pretexto ideológico; quando não esclarece um texto à luz de outro; quando está comprometido com um sis- tema ou ideologia.

Os principais bloqueios à interpretação das Escrituras são: histórico-culturais; lingüísticos; textuais; a atividade maligna no mundo; a depravação mental a que os homens ficaram su- jeitos após a queda.

As atitudes e qualidade apreciáveis no intérprete das Es- crituras são: maturidade espiritual, comunhão com o Espírito Santo, oração, inimigo da ociosidade bíblica, mente sã e equi- librada, apreciador das línguas originais, cultura geral.

O propósito fundamental da Crítica Textual é recons- truir com toda perfeição possível o texto bíblico, expurgando-

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H e rm e n êu t ica Bíblica

o de qualquer alteração introduzida por erro do escriba, seja um equívoco de ditografia, fusão, ou outro qualquer que cos- tum am achar-se na transm issão de obras m anuscritas plurisseculares.

Pelos menos três razões podem ser apresentadas para ex- plicar a atitude imprudente de se ignorar o contexto: atitude defensiva, preconceito, preferência ao método alegórico.

As principais funções da hermenêutica e da exegese bíbli- ca são: traduzir o texto original tornando-o compreensível em lín gua vernácula; compreender o sentido do texto dentro de seu ambiente histórico-cultural e léxico-sintático; explicar o verdadeiro sentido do texto em todas as dimensões possíveis; tornar a mensagem das Escrituras inteligível ao homem mo- derno; conduzir-nos a Cristo.

TR A BA L H A N D O C O M T E X T O

Hermenêutica Fundamental

A hermenêutica presta-se a formular regras gerais de in- terpretação de textos bíblicos. Deve-se observar, entretanto, que tipos diferentes de literatura bíblica requerem metodologias específicas para cada um deles. Isto sugere que os métodos que se empregam na interpretação das parábolas serão dife- rentes daqueles que se empregam na interpretação da poesia hebraica ou numa parte das epístolas de Paulo. Os poucos princípios gerais que podem ser universalmente aplicados a todos os tipos de literatura bíblica tendem a ser tão básicos que ficam óbvios, por exemplo: a necessidade de prestar aten- ção ao contexto lingüístico, à situação histórica, ao gênero literário e ao propósito do autor.

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H e rm e n êu t ica tácil e descomplicada

Por causa do caráter multifacetado da Bíblia, sua inter- pretação adota uma variedade de formas. Os documentos bí- blicos são antigos, escritos em hebraico, aramaico e grego, em vários períodos entre 1200 a.C. (ou antes) e 100 d.C., refle- tindo vários contextos históricos e culturais. Uma exigência básica para a compreensão destes documentos é sua mterpre- tação histórico-gramatical, ou exegese — ressaltando aquilo que os escritores pretendiam transmitir e aquilo que se espe- rava que os leitores entendessem.

ELWELL, Walter A., editor, Enciclopédia Historico-Teológica

da Igreja Cristã, Vida Nova; v.2, p. 338-342.

EXERCÍCIOS1. Defina e conceitue hermenêutica.2. Diferencie hermenêutica, exegese e eisegese.3. Quais são os principais bloqueios à interpretação cor-

reta das Escrituras?4. De que forma o intérprete pratica a eisegese?5. Quais as principais qualidades do intérprete?

Bibli-HolmesAjude nosso detetive Bibli-Holmes a investigar as princi-

pais práticas eisegéticas aplicadas em nossas reuniões de pre- gaçao e ensino das Escrituras.

LEITURAS E LIVROS PARA APROFUNDAMENTO

M ARTÍNEZ, José M. Hermenêutica Bíblica, CLIE (p. 15-21);BLEICHER, Josef. Hermenêutica Contemporânea, Edições 70

(p. 13-18, 23-30);BROW N, Colin, editor, Dicionário Internacional de Teologia do

Novo Testamento, Vida Nova, v.2 (p. 180-191);PALMER, Richard, Hermenêutica, Edições 70 (p. 45-50).

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H e rm e n êu t ica Bíblica

NO TA S

1 Do grego μετα + όδός literalmente “caminho a seguir”.

Sobre os diversos métodos e abordagens confira a obra ־da Pontifícia Comissão Bíblica, A Interpretação da Bíblia na Igreja,

Paulinas, 1994. Sobre o método histórico-crítico, Odete Mamville, A Bíblia à L u z da História —guia de exegese histórico-crítica,

Paulinas, 1999; Cássio M. Dias da Silva, Metodologia de Exegese

Bíblica, Paulinas, 2000. U we W E G N E R , Exegese do Novo Testa-

mento, Manual de Metodologia, Smodal, Paulus, 1998. Para o mé- todo estruturalista, Vários autores, Iniciação à Análise Estrutural,

C adernos Bíblicos —23, Paulinas, 1983; Paul Ricoeur, Hermenêutica y Estructuralísmo, Ediciones Megápolis, 1975; Horácio Simian-Yofre (Coord.), Metodologia do Antigo Testamento,

Bíblica Loyola, 28, p. 109-122.

Richard E. Palmer, Hermenêutica, O '־־ Saber da Filosofia, 1969, p. 44. Palmer foi orientado pelos três maiores teóricos hermenêuticos de nosso tempo: Professor Gerhard Ebeling no Institut f i i r Hermeneutik, na Universidade de Zurique, por Hans - Georg Gadamer em Heidelberg, e M artin Heidegger.

’ Richard E. Palmer, Hermenêutica, O Saber da Filosofia, 1969, p. 43. As outras duas definições são: Uma Fenomenologia

da Existência e da Compreensão Existencial e Hermenêutica como um

Sistema de Interpretação; Recuperação de Sentido Versus Iconoclasmo.

' Id. Ibidem, 1969, p. 44.

6 Op.cit., p. 45. Palmer cita a divisão apresentada por Gerhard Ebeling. Palmer foi orientado pelos três maiores teó- ricos hermenêuticos de nosso tempo: Professor Gerhard Ebeling no Institut für Hermeneutik, na Universidade de Z u­

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H e rm e n êu t ica fácil e d escom phcada

rique, por Hans - Georg Gadamer em Heidelberg, e M artin Heidegger.

' R. Laird Harris (et alii(), Dicionário Internacional de Teologia

do Antigo Testamento, 1998, p. 1248. Os termos gregos para her- menêutica são: èpp.€V׳e ía , “tradução” ou “interpretação”; έρμηνεύω, “explicar, interpretar” ;Ερμηνευτής, “tradutor”. Os termos são encontrados nos textos de I Co 12.10; Lc 24.27 e I Co I . I I .

8 Cf. J. Comby; P. Lemonon, Vida e Religiões no Império Roma- no, Documentos do M undo da Bíblia-4,1988, p. 8-27. Para informações sobre a situação religiosa e social do mundo do NT, Eduardo Arens, Asia Menor nos Tempos de Paulo; Lucas e João,

Paulus, 1997.9 Palmer, id.Ibidem, 1969, p. 34.10 Id. Ibidem, 1969, p. 34.11 Teodorico Ballarine, Introdução à Bíblia, 1968, p. 20912 W. D. Chamberlain, Gramática Lxegética do Grego Neo-Tes-

tamento, 1989, p. 25.13 Citado por Chamberlain, op.cit., p. 25.14 Cf. Hermenêutica Bíblica — Para uma teoria da leitura como

produção de significado - Estudos Bíblicos Teológicos A T e N T 5,

1985, p. 59.15 Escrever duas vezes o que se deveria ser escrito apenas

uma vez.16 Combinação da última letra da palavra anterior com a

primeira do termo seguinte.17 Informações detalhadas sobre o problema textual dos

doze últimos versículos de Marcos o leitor deve consultar Russel N orm an Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo

por Versículo, VI I, 1995, p. 800-2. Sobre Crítica Textual, Wil-

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H e rm e n ê u t ic a Bíblica

son Paroschi, Crítica Textual do Novo Testamento, SP, Vida Nova, 1993, ou ainda, B. P. Bittencourt, O Novo Testamento: metodologia

da pesquisa textual, RJ, Juerp, 1993. Ver também Champlin, op.

cit., p. 86-130.18 Cf. o Prefácio da ARC [1995], p. 5.19 B. P. Bittencourt, O Novo Testamento: metodologia da pesquisa

textual, 1993, p. 190.20 Acrescentando os manuscritos unciais, minúsculos,

lecionários, papiros e outros, temos apenas para o NT, mais de 5.000 manuscritos, acrescentando os da Vulgata e outras versões, perfazem mais de 24.000 manuscritos. Comparado a Ilíada de Homero, que possui apenas 643 manuscritos, as Es- crituras são mais confiáveis pelo testemunho textual do que qualquer outro manuscrito antigo.

21 Literalmente gritou: κραζας particípio aoristo de κράζω, gritar, clamar (em alguns casos clamar ininteligivelmente). Confi- ra, por exemplo, www.sbibrasil.org.br/nvi2.htm.

22 Cf. Champlm, 1995, op. cit. p. 737; os textos de The Greek

Text VnderlyingTke English Authorised Version of 1611 daTrinitarian Bible Society e The Greek N ew Testament, Kurt Aland (et alii),

United Bible Societies, The Greek New Testament According to the

Majority Text, Zane C. Hodges & Arthur L. Farstad, Thom as Nelson Publishers. Consulte Esdras Costa Bentho, Hermenêutica

Contextual, 1999, p. 37. ,Confira José M. Martinez, Hermenêutica Bíblica, 1987 '־־2

p. 27-36.24 Citado por P. Teodorico Ballarini, Introdução à Bíblia,

1969, p. 201.

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C A PÍT U L O 4

cHzttneheutica /Kateilaí

A Hermenêutica como disciplina teológica contínua

árdua e espinhosa. Todos os docentes e alunos que

se prestam a essa íngreme e escarpa trilha precisam

a todo tempo de auxílios exegétícos dos mais

substanciais\ e que perfilem sohre a moderna

e clássica literatura auxiliar a interpretação bíblica.

N a fa lta de saber qual é 0 caminho, caminhar

por trilhas seguras ainda continua sendo a melhor

fo rm a de se seguir à frente.

Chaves e Concordâncias Bíblicas

Concordância bíblica é uma compilação em ordem alfabé- tica, de termos bíblicos ou de conceitos (matérias) bíblicos, que remete às passagens da Bíblia onde ocorre o respectivo termo ou conceito. Chama-se Concordância porque as passagens bíblicas que contém a mesma palavra ou a mesma idéia são “con- cordantes” entre si, e porque a concordância ajuda a encontra- las, e mesmo as aduz já reunidas. O primeiro a idealizar uma obra deste gênero foi o cardeal dominicano Hugo de S. Caro, que em 1230, compilou uma concordância verbal da Vulgata.

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H e rm e n ê u t ic a fác i l e descom plicada

As concordâncias são muito úteis para a exegese, pois fornecem as passagens paralelas, cujo conhecimento ajuda a interpretar o sagrado texto; são úteis também para a pregação.

Objetivos das Concordâncias Bíblicas

Os principais objetivos das Concordâncias Bíblicas são:a) Localizar passagens. Suponhamos que alguém se re-

corde de que a Bíblia em certo lugar fala do “encontrar-se com Deus”. Mas onde? Basta procurar o verbete “encontrar” e, passando os olhos sobre a lista de passagens sob este verbe- te, logo notará Amós 4.12 e lerá “Israel, para te encontrares com”. Consultando o texto da Bíblia, terá a oração: “Prepara- te, ó Israel, para te encontrares com o teu Deus”. Esta passa- gem por exemplo, aparece quatro vezes na Concordância (CB- ARA-SB) caso o leitor prefira Israel, preparar e Deus. Se houver interesse em saber se em outros lugares a Bíblia menciona “en- contro com Deus”, a Concordância imediatamente cita I Tessalonicenses 4 .17.1

b) Auxiliar o leitor da Bíblia no estudo de assuntos ou tópicos bíblicos. Tomemos como exemplo o verbo “salvar” tão freqüente na Bíblia, e estudemos os seus usos e sua signifi- cação. O leitor terá, imediatamente, a surpresa de grande lista de passagens citadas; e, juntando a este verbete Salvação e Salva-

dor, terá diante de si várias páginas, todas referentes a “salvar”. Logo em seguida notará o leitor que em toda Bíblia, quando se trata do sentido passivo do verbo “salvar”, foi usada, quase sem exceção, a forma “ser salvo” e não “salvar-se”, pois esta, ainda que expressão popular, é ambígua, tendo também o sen- tido reflexivo, salvar-se a si mesmo (cf. E f 2.8).2

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H e rm e n êu t ica M ateria l

Tip os de Concordâncias Bíblicas

H á dois tipos de concordâncias:a) As verbais: relacionam palavras ( verbum), são chamadas

também de Chaves Bíblicas; algumas são encontradas nas par- tes finais de algumas Bíblias. Podemos afirmar que as referên- cias encontradas nos rodapés ou dispostas em colunas em al- gumas Bíblias são formas abreviadas de chaves bíblicas. A im- portância dessas chaves é que elas são correlativas à versão bíblica da qual compõem.

b) Concordâncias reais:Estas, ao contrário de somente palavras arrolam também

idéias, são em sentido estrito, listas de idéias ou assuntos que remetem aos textos bíblicos. Atualmente, existem quatro con- cordâncias bíblicas evangélicas no Brasil, representando as ver- sões bíblicas mais divulgadas:

1) A Concordância Bíblica baseada na ARA da Sociedade Bíblica do Brasil, que compreende cerca de 7.000 verbetes, com mais de 45.000 referências a passagens bíblicas e 51 bio- grafias de personagens bíblicos.

2) A Chave Bíblica baseada na ARC da Sociedade Bíblica do Brasil.

3) A Concordância Bíblica Abreviada da Imprensa Bíblica Brasileira.

4) A Concordância Bíblica Abreviada baseada na Edição Con- temporânea da Editora Vida.

Deve-se dar devida consideração às Concordâncias Gre- gas, geralmente bilíngües entre elas:

" Concordância Fiel do Novo Festamento (Editora Fiel).

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H e rm e n êu t ica tácil e descomplicada

A obra foi editada em dois volumes Grego-Português e Português-Grego, tendo como base para a tradução a Bíblia Revista e Atualizada (ARA) da Sociedade Bíblica do Brasil. Esta concordância investiga as palavras no grego e mostra, em português, como os tradutores interpretaram cada uma delas em todas as passagens em que aparecem.

ψ Concordância Analítica Greco-Espanola del Nuevo Testamento de A. E. Tugg e J. Stegenga (CLIE).

Tem como propósito ajudar os leitores a entender perfei- tamente a língua helenista. E uma concordância analítica: ana- lisa cada palavra do N T grego exaustivamente, além de ser um auxílio aos missionários e lingüistas que trabalham entre os índios hispânicos, pois nela encontram-se todas as formas de uma palavra grega traduzida para a língua espanhola dentro de seus vários contextos.

ψ Concordância Greco-Espanola dei Nuevo Testamento de Hugo Petter (CLIE).

Inclui um índice espanhol de todas as palavras do NT, indicando debaixo de cada uma, como se encontram no texto original grego e quantas vezes ocorrem na mesma forma, ofe- recendo a transliteração em caracteres latinos. O leitor pode, mediante o número de referências, consultar a passagem onde se encontram os termos, comparando-a com outras passagens e distinguindo suas possibilidades de tradução.

* Concordância Completa da Santa Bíblia, de William H. Sloan (CLIE).

Abrange de forma completa todos os vocábulos bíblicos, contendo todos os verbos castelhanos no infinitivo, como em outras concordâncias, e também em todos os tempos verbais. Oferece também o sinônimo da palavra que se busca, permi-

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H e rm e n êu t ica M ateria l

tmdo assim encontrar paralelos; inclusive os dos nomes pró- prios e de lugares, e é compatível com todas versões de Reina- Valera: 1909, I9 6 0 e 1977.

Enciclopédia de Tópicos) Concordâncias, de Samuel Vila (CLIE).E uma Concordância Temática completa e exaustiva de

toda a Bíblia. Contém 702 temas, classificados em 14 secções principais, que permitem em pouco tempo saber o que a Bí- blia diz sobre uma idéia ou conceito determinado.

Dicionários e Enciclopédias

Não devemos confundir dicionário com concordância, e estas com enciclopédias ou vice-versa. Os dicionários bíblicos não se propõem, como as concordâncias, a reproduzir os tex- tos, e sim oferecer a cada assunto uma exposição mais ampla. Dicionário, tal como é seu étimo latino ditionariu, é um conjunto de vocábulos e termos de uma língua dispostos em ordem alfabética com seus respectivos significados. As enciclopédias bíblicas, entretanto, não se prestam a verificar o significado dos termos, ainda que muitos se achem nela, mas abranger todos os ramos do conhecimento bíblico e teológico.

Dicionários

* O Novo Dicionário da Bíblia, editado por J. D. Douglas ("Vida N ova\

“Os assuntos tratados incluem tanto pessoas, lugares, geografia, história, cultura e costumes das terras e tempos bí- bli cos como apresentações extensas e claras das grandes dou- tnnas da Fé cristã. E um tesouro de conhecimento bíblico, reunindo os resultados especializados de uma equipe de 139 eruditos entre os maiores do atual mundo evangélico.”

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

* O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento,

editado por Colin Brown (Vida Nova).“Baseia-se no Teologisches Begriffslexihon zun Neuen Testament,

que originalmente foi publicado em alemão em 1965. Os ver- betes dispostos em ordem alfabética discorrem sobre o signi- ficado helenístico clássico, seu correlato veterotestamentário com base na Sep tuag in ta (L X X ) e seu uso no grego neotestamentário. O dicionário é expressamente teológico em sua intenção. Informações históricas, geográficas e arqueoló- gicas, que são apropriadas num dicionário geral da Bíblia, nele se incluem à medida que são teologicamente relevantes. Faz parte essencial do propósito de O Novo Dicionário Internacional

de Teologia do Novo Testamento, capacitar o leitor a explorar por si mesmo as novas avenidas de descoberta que têm sido abertas, e avaliar por si mesmo os pontos-de-vista dos estudiosos que têm contribuído ao moderno estudo da Bíblia.”

O *י Léxico do Novo Testamento Grego/ Português, de F. W. Gingrich e F. W. Danker (Vida Nova).

“O léxico é uma versão condensada da obra publicada para o inglês em 1957. O alvo da versão em português é fornecer os significados dos vocábulos gregos sem entrar em discussões de hermenêutica e teologia”.

* Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento, de R. L. Harris, G. L. Archer Jr e B. K.Waltke (Vida Nova).

“Quarenta e seis especialistas em hebraico bíblico contri- buíram com artigos valiosos para essa obra. As principais pa- lavras do texto hebraico são examinadas sob os seguintes as- pectos: significado teológico, usos bíblicos, antecedentes etimológicos, comparação com línguas cognatas, traduções em

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versões antigas, sinônimos e antônimos. As palavras-chave em textos de difícil interpretação recebem atenção especial”.

Dicionário Enciclopédico da Bíblia, redigido por A. Van Den *״Born (Vozes).

“Obra holandesa e belga com cooperação de biblistas de outras nacionalidades. Obra de farto material arqueológico, sobretudo os documentos. Os verbetes são eruditamente ex- postos, trazendo o significado lexical de cada palavra, bem como, o significado simbólico de alguns termos.”

hnagens Verbais do Novo Testamento, de Archibald Thomas Robertson (CLIE)

“E uma obra editada em seis volumes. Estuda e expõe as expressões mais importantes do NT, dando uma análise gra- matical do texto, por ordem do livro, capítulo e versículo tal como se apresenta no NT. Para uma melhor compreensão do assunto, faz observações sobre os costumes da época.”

* Dicionário de Figuras de Dicção Usadas na Bíblia> de E. W. Bullmger (CLIE).

“O objetivo da obra é apresentar em sua própria ordem e lugar cada uma das 214 figuras literárias usadas na filologia sacra, fornecendo a pronúncia de cada uma, facilitando a sua etimologia através das razões pelas quais se disse certo nome e seu significado. Apresenta ainda os textos bíblicos em que se usa tal figura.”

* Vocabulário Teológico do Evangelho de São João, de Juan Mateos e Juan Barreto (Edições Paulinas).

“Juan Mateos e Juan Barreto produziram em parceria um excelente comentário bíblico e exegético ao Evangelho de João. J. Mateos e J. Barreto partem de princípios hermenêuticos claros e peculiares, tão peculiares que talvez signifiquem uma

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mudança inédita na exegese bíblica: a interpretação do texto pelo próprio texto. O Vocabulário é um apêndice e índice do vernáculo ao comentário do mesmo evangelho. Os vocábulos teológicos estão classificados em ordem alfabética e de forma orgânica, os conceitos fundamentais de João, aqueles que pul- sam ao longo de todo escrito e lhe conferem peculiar fisionomia”.

* Dicionário Teológico, de Claudionor Corrêa de Andrade (CPAD).

O Dicionário Teológico traz as definições dos principais termos usados no círculo teológico e nas obras de referência teológica. Possui definições etimológicas e a tradução das prm- cípais locuções latinas usada pelos pais latmos.

* Dicionário de Figuras e Símbolos Bíblicos, de Manfred Lurker (Paulus).

Esta obra foi traduzida do original alemão. Propõe-se a interpretar o mundo das figuras e dos símbolos do Antigo e Novo Testamento. Possui índice de cada um dos verbetes usa- dos e instruções de como os artigos da obra estão estruturados.

A Pequena Enciclopédia Bíblica; de O. S. Boyer (CPAD)Combina em uma só obra dicionário, chave bíblica, m-

trodução aos 66 livros da Bíblia, um atlas bíblico, e uma mini- enciclopédia bíblica.

1:1 Manual Bíblico, por Henry H . Halley (Vida Nova)“Começou em 1924, como um panfleto de 16 páginas...

e, agora com 850. Seu desígnio não é servir de livro texto; destina-se a ser um breve manual para aqueles que dispõem de poucos comentários sobre a Bíblia. O conteúdo destina-se a fornecer uma vista geral da Bíblia, seus pensamentos centrais, descobertas arqueológicas, nota sobre cada livro da Bíblia, in-

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formações bíblicas diversas, notas sobre passagens obscuras, dados históricos relacionados, epitome da história da Igreja e sugestões sobre a leitura da Bíblia”.

* Enciclopédia Histónco-Teológica da Igreja da Igreja Cristã, edita- do por Walter A. Elwell (Vida Nova).

Ό professor Walter Elwell, deão do W heaton College Graduate School o f Theology, compilou os 1.200 tópicos da Enciclopédia. Escolheu cerca de duzentos eruditos entre os evangélicos mais reconhecidos no mundo, para que fossem escritos os artigos sobre pessoas, movimentos e doutrinas que mais influenciaram as correntes do Cristianismo em seus dois milênios de história.”

* Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas, de Gleason Archer (Vida).“O Dr. Archer escreveu esta enciclopédia para mostrar que

nada existe na Bíblia de incoerente com a afirmação de ser ela a Palavra merrante de Deus. Dr. Archer durante muitos anos foi responsável pela área de apologética da revista Decision, produ- zida pela Associação Evangelística Billy Graham.”

Versões bíblicas

São diversas as traduções da Bíblia existentes em circula-גcão no Brasil — todas com base na tradução de João Ferreira de Almeida, trazida para o Brasil no século X V II pela Socie- dade Bíblica Britânica e Estrangeira. Nesta ocasião a tradução de Almeida foi entregue a uma comissão de tradutores brasi- leiros. a fim de tirar os lusitanismos do texto e dar uma carac- terística lingüística mais brasileira. Apesar do labor desempe- nhado, alguns lusitanismos ainda persistem (por exemplo, lume,

Ez 24.3). Essa revisão, publicada em 1898, recebeu o nome de "Revista e Corrigida”; a partir de então “Almeida” vem

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sendo constantemente revisada. A tradução de J. Ferreira de Almeida em português (1681), a tradução do Novo Testa- mento em Alemão por Lutero (1522) e da Bíblia Kmg James, em inglês (1 6 1 1), tomou como base o Textus Receptus (Texto Recebido) em grego, publicado pelo holandês Erasmo de Roterdã, em 1516. U m dos principais percalços do Textus

Receptus, apesar de ser um dos melhores que existiam naqueles dias, é que ele continha palavras, frases e às vezes versículos inteiros que tinham sido incluídos pelos copistas, mas que não faziam parte do texto original. Os manuscritos usados não eram os mais antigos e confiáveis. Após o lançamento do Textus Receptus, muitos outros manuscritos foram achados, até mesmo mais antigo que o usado por Erasmo. Esses novos manuscritos são conhecidos como Textos Críticos. Nosso estu- do não comporta mmudências sobre as diferentes traduções, pois ainda há problemáticas relacionadas com algumas ver- sões que seguiam o vocabulário da Vulgata Latina. Citamos um vago exemplo: na versão de Almeida, Revista e Atualizada, João 7.53-8.12 e Atos 8.37 trazem versículos entre colchetes, enquanto o mesmo não ocorre na Revista e Corrigida. Isto porque na Revista e Atualizada, tomou-se como base à 1 edição do Novo Testamento de Nestle, baseado nos Textos Críticos.3 Os colchetes, no caso, destacam textos que não se encontram nos manuscritos usados na versão Revista e Atua- lizada, enquanto eles são omitidos na Revista e Corrigida pois esta segue o Textus Receptus.

Para auxiliar o estudante sugerimos familiarizar-se com a seguinte terminologia:

Tradução4Do latim traductione, é o ato de transpor uma composição

literária de uma língua para outra. Através da tradução, as Escri­

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turas foram vertidas dos originais gregos e hebraicos para as línguas afins. Sem a tradução, a Palavra de Deus seria como uma espada embamhada — não cortaria, pois não a entenderíamos.

A Tradução pode ser:a) Tradução Literal Modificada: E uma tradução que pro-

cura expressar com toda fidelidade e o máximo de exatidão o sentido das palavras originais do texto que está sendo traduzi- do. E uma transcrição textual palavra por palavra.

b) Tradução Idiomática: E uma tradução “popular” que procura a forma mais natural de expressão do idioma na qual será traduzida. Procura expressar a mensagem em linguagem corrente, em vez da forma das línguas originais, como naTra- dução Literal.

c) Tradução Dinâmica: Dentro desse princípio todo esfor- ço é feito para que, de um lado, a tradução seja completamente fiel ao sentido do texto original e, de outro, seja claramente compreendida pelo público atual. A Bíblia na Linguagem de Hoje, da Sociedade Bíblica do Brasil, é um exemplo de tradução dinâmica, ainda que outros a considerem como paráfrase.

TransliteraçãoD o latim trans + littera, é o ato de reduzir um sistema de

escrita a outro, letra por letra. E a versão das letras de um texto em certa língua para as letras correspondentes de outra língua. Palavras como “batizar” e “anjo” foram transliteradas do grego para o português.

VersãoD o latim versíone, é uma tradução da língua original para

outra língua. Geralmente o termo “versão” é usado, simulta- neamente, com o vocábulo “tradução”. .

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Revisão ou Versão RevistaDo latim revisione, é o ato ou efeito de rever através de um

novo exame do texto, com vistas a corrigir erros ou introduzir emendas ou substituições. E uma “versão” já aceita sendo “re- vista” e atualizada.

RecensõesDo latim recensione, é o ato de comparar o texto de edições

anteriores com os manuscritos. Através das recensões são con- frontados entre si os diversos manuscritos, códice, versões e citações, agrupando-os de acordo com suas coincidências e semelhanças em grupos ou famílias. Por meio desses agrupa- mentos os estudiosos chegam a descobrir as diversas recensões das quais os códices descendem. Assim reconstroem, ao me- nos nas linhas gerais, a história primitiva do texto e as revisões a que ele foi submetido, com o fim de purificá-lo das altera- ções devidas aos amanuenses (copistas).

ParáfraseDo grego paraphrases é uma tradução “livre e solta” de um

texto, procurando expressar a idéia ou mensagem do texto e não as palavras.

E mais uma interpretação do que uma tradução literal do texto. U m dos problemas da paráfrase é que, às vezes, o tradu- tor inclui explicações desnecessárias ou informações que não estão implícitas no texto original, o que pode levar a acrésci- mos, omissões ou até distorções no texto bíblico. Dr. Werner Kaschel cita, como por exemplo, Romanos 4.9, na Bíblia Viva. A passagem traz:“Agora, então, a pergunta: Será que a bênção só é dada àque-

les que têm fé em Cristo mas também guardam leis judaicas,

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ou a bênção é dada também àqueles que não guardam as leis judaicas, mas tão somente confiam em Cristo? Dizemos que ele recebeu essas bênçãos por meio da sua fé. Foi pela fé mes- mo? Ou porque também guardou as leis judaicas? ”

Segundo o Dr. Werner, há dois sérios deslizes nesse texto parafraseado. “Em primeiro lugar, Paulo não está falando das ‘leis judaicas’ em geral, mas especificamente do costume da circuncisão, que já existia no tempo de Abraão. E há, também, um anacronismo, ao falar-se de Abraão como guardando as leis judaicas — as quais só vieram uns 700 anos mais tarde.”5 As Cartas para Hoje (Vida Nova) e a Bíblia Viva (M C ) são alguns exemplos de paráfrases.

Edição

D o latim editione, é um empreendimento editorial com vista à publicação.

Uma edição pode ser:a) Edição Atualizada — quando o texto sofreu acresci-

mos ou modificações em relação a edição anterior;b) Edição Anotada — quando o texto se faz acompanhar

de notas destinadas a esclarecê-lo, completá-lo ou atualizá-lo;c) Edição Crítica — (é uma edição exegética), quando se

procura estabelecer o texto original de uma obra, mediante colação com o manuscrito, correção de erros tipográficos, modernização na maneira de compor e, tanto quanto possí- vel, de particularidades ortográficas e gramaticais acrescen- tando variantes de passagens, notas e comentários que consti- tuem o aparato crítico;

d) Edição Abreviada — quando o texto foi parcialmente suprimido, ou resumido em trechos ou passagens supostamente não essenciais à sua compreensão;

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e) Edição de Bibliófilo — quando se destina a coleciona- dores, de tiragens reduzidas e exemplares numerados;

f) Edição Fac-similar — quando reproduz outra por pro- cesso fotomecâmco;

g) Edição Corrente — é uma edição comum, de baixo custo, feita para o grande público, e que contém o texto puro e simples da obra;

h) Edição de Luxo — quando editada em papel de alto preço, em formato quase sempre grande e com margens am- pias, às vezes composta com tipos especiais, ornadas de ílus- trações e, não raro, suntuosamente encadernadas,

i) Edição Comemorativa — quando procura celebrar um acontecimento. ARA e ARC receberam edições comemorati- vas no jubileu da SBB.

j) Edição de Afinidade — quando procura personalizar certas edições para grupos especiais.

Entre as versões mais conhecidas temos:

Traduções Protestantes6

l j Edição Revista e A tualizada no Brasil, 2 a edição daTradu- ção de João Ferreira de Almeida, Sociedade Bíblica do Brasil.

Tradução de equivalência formal em linguagem erudita. Seu formato é prosa em parágrafos e poesia em versos. Os parágrafos são apresentados com a letra inicial em negrito. Foram atualizadas a linguagem, pesos e medidas. Acrescenta colchetes aos termos que não se encontram em diversos ma- nuscritos, além de incluir no Novo Testamento as citações do AT de forma edentada. Inclui referências bíblicas, e o vocábu- lo Senhor quando se refere ao nome de Deus (Iavé) é grafado

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com letras maiúsculas. Possui ainda mapas, cronologia, plano anual de leituras bíblicas e palavras de orientação.

2 ) Edição Revista e Corrigida edição de 1 9 9 5 da Tradução de João Ferreira de Almeida, Sociedade Bíblica do Brasil.

Tradução de equivalência formal em linguagem erudita. Seu formato traz tanto o texto em prosa quanto a poesia em parágrafos. Os termos que não fazem parte do texto original, mas que foram incluídos a fim de que o texto fosse compreen- dido, aparece em itálico. A ARC conserva essa inserção desde a primeira edição do Novo Testamento em 16 8 1. Possui refe- rências, indicação de parágrafos de conteúdo em negrito, translitera o tetragrama (Y H W H ) pelo nome “Jeo v á”, e pos- sui notas variantes de termos.

3 ) Edição Revisada da Tradução de João Ferreira de Almeida, também chamada de “Melhores Textos”, 3a impressão 1991, RJ. Juerp & Imprensa Bíblica Brasileira. A primeira (1967) foi chamada de Versão da Imprensa Bíblica Brasileira.

Tradução de equivalência formal em linguagem erudita e arcaica. Seu formato é prosa em parágrafos e poesia em ver- sos. Os textos referentes ao AT que aparecem no N T estão edentados. Possui notas de rodapé que fazem referências aos termos originais. Consta textos em colchetes, com notas de que não fazem parte dos manuscritos mais aceitos, possui mapas e referências.

4 ) Edição Corrigida e Revisada Fiel ao Texto Original, Socie- dade Bíblica Trinitanana do Brasil, 1994.

Tradução de equivalência formal em linguagem erudita e arcaica. Seu formato é prosa e poesia em parágrafo. Possui vocábulos e preposições em itálico que não constam nos ori- ginais, mas que foram acrescidos ao texto a fim de facilitar a leitura. As referências ao AT no N T aparecem edentados. Não

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possui referências textuais, notas ou qualquer outro tipo de comentário. Inclui um plano de leitura da Bíblia.

5 j Nova Versão Internacional (N V I). Obra feita por um colegiado de especialistas patrocinados pela International Bible Society.

E uma tradução baseada nos melhores textos gregos e hebraicos disponíveis. Seu estilo é a equivalência formal com uso do português m oderno em linguagem corrente. A prosa está em parágrafos e a poesia em versos. Possui notas de rodapé, além de preservar os term os teológicos (peca- do, graça, expiação).

Traduções Católicas

I j Tradução de Antônio Pereira de Figueiredo.

E uma tradução da Vulgata Latina e seu estilo é corres- pondência formal literal, utilizando linguagem arcaica. Possui pouquíssimas notas explicativas e seu formato é prosa em pa- rágrafos e poesia em versos.

2 ) Tradução do Padre Matos Soares.

E uma tradução da Vulgata Latina e seu estilo é corres- pondência formal literal. Possui poucas notas explicativas e seu formato é prosa e poesia em parágrafos.

3 ) Bíblia de Jerusalém.

Foi traduzida dos originais por um grupo de exegetas interconfessionais, respeitando as opções da tradução france- sa feita pela Ecole Biblique de Jerusalém, seu estilo é a equiva- lência dinâmica. A prosa encontra-se em parágrafos e a poesia em versos. H á abundantes notas textuais e explicativas, com introduções, mapas, quadro cronológicos e outros aparatos.

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4 j Ave Maria.

Foi traduzida dos originais mediante a versão francesa dos monges de Maredsous, pelo Centro Bíblico Católico. Usa como estilo a correspondência formal; prosa em parágrafos e a poesia em versos. Poucas notas textuais e explicativas.

5'j Santuário.

R ep ro d u ção e adap tação da trad u ção feita pelos capuchinhos de Portugal a partir dos originais. Possui corres- pondência formal e os textos em prosa estão em parágrafos e a poesia em versos.

6 ) TEB — Tradução Ecumênica Brasileira} Edições Paulinas e

Edições Loyola

Baseia-se nos textos originais e reproduz fielmente o mo- delo da Traduction oecuménique de la Bible. Procura cuidadosa fidelidade semântica, isto é, expressar-se em língua moderna, levando em consideração a cultura atual, a realidade comunicada pelas palavras antigas. Correspondência formal literal.

Com tantas versões circulando, não é apenas necessário como também plausível que o leitor se familiarize com essas terminologias e procure adquirir conhecimento de cada uma das versões aqui apresentadas e das que foram omitidas.

C o m e n t á r i o s B íb l i c o s 7

Os comentários bíblicos são classificados de acordo com o seu planejamento:

a) Sermonário;b) Exegéticos;c) Devocionais.

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Entre os comentários básicos de auxílio exegético pode- mos citar:

* A Série Cultura Bíblica, da Sociedade Religiosa Edições Vida Nova e Associação Religiosa Editora M undo Cristão.

Esses comentários são mais exegéticos do que devocionais. Todos os livros do AT e do N T são comentados com grande erudição, perfazendo um total de 33 volumes. Destaca-se nes- sa obra o uso do método histórico-gramatical.

* Comentário Bíblico Moody, da Imprensa Batista Regular.São cinco volumes comentando cada capítulo dos 66 11-

vros da Bíblia.* O Novo Comentário da Bíblia das Edições Vida Nova.Anteriormente o comentário foi publicado em língua por-

tuguesa em três volumes. Atualmente foi editado em apenas um. A atenção do comentário foi orientada principalmente para o entendimento do texto conforme existente em versões co- muns. Não se encontra nele qualquer extensão considerável de espaço à análise de fontes, ao criticismo arbitrário e às teorias especulativas e nem extensivas notas devocionais e homilétícas.

Devida atenção deve ser dada também aos comentários individuais.

* O Comentário Bíblico de Broadman, editado pela Juerp; e* O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, editado

pela Candeia.Esta obra possui seis volumes e demorou oitos anos de

trabalho árduo para ser produzida. O texto usado foi a terceira edição do Novo Testamento Grego, da United Bible Societies, bem como os comentários textuais dessa mesma obra. São discutidas cerca de duas mil variantes importantes do texto do N T. Cada versículo é discutido minuciosamente, além de con- ter esboços temáticos e filosóficos de diversos temas.

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* Comentário Bíblico de Matthew Henry (CPAD).Deste comentário Spurgeon afirmou: “Todo ministro de

Deus deveria ler M atthew H enry com plena atenção pelo menos uma vez”.

T ítulos Histórico-Culturais8

São livros que auxiliam o estudante no conhecimento da cultura, história, antropologia e sociologia do mundo bíblico constituindo-se excelente pano de fundo para a interpretação histórico-cultural.

* Usos e Costumes dos Tempos Bíblicos, Ralph Gower (CPAD)* O Mundo do Antigo Testamento, J. I. Packer et alli, (Vida)* Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos, J. I. Packer et alli, (Vida)* Vida e Religiões no Império Romano, J. Comby e J. P. Lemonon

(Paulinas).* Roma em Face a Jerusalém, J. Comby e J. P. Lemonon

(Paulinas).* Vida Cotidiana nos Tempos de Jesus (Vida Nova);* Para Entender 0 Antigo Testamento, Estêvan B ittencourt

(Santuário).Estes livros procuram combinar pesquisas seculares com a

narrativa bíblica. Costumes, rituais e crenças que governaram a vida diária dos tempos bíblicos são examinados em pormenores nessas obras, bem como uma compreensão geral dos povos, reis, impérios e períodos do Antigo e do Novo Testamento.

M A NUAIS D E H ER M E N ÊU TIC A E TEO R IA H ER M E N ÊU TIC A

* Hermenêutica Avançada: Princípios e Processos de Interpretação

Bíblica, Henry A. Virkler (Vida);

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

* Hermenêutica Bíblica, ]. Severino Croatto (Sinodal e Paulinas);

* A Arte de Interpretar e Comunicar a Palavra Escrita — Técnicas

de Tradução da Bíblia, John Beekman e John Callow (Vida Nova);* Como Interpretar a Bíblia - Introdução à Hermenêutica, Pedro

Gilhuis (Editora Cristã Unida);* Hermenêutica de E. Lund e P. C. Nelson (Vida);* Entendes 0 que Lês? G. D. Fee e D. Stuart (Vida Nova);* Princípios de Interpretação Bíblica de W A. Hendrichsen (Mun-

do Cristão);* Hermenêutica Bíblica de José M . M artinez (CLIE);* Hermenêutica de M. S. Terry (CLIE);* A Interpretação da Bíblia na Igreja, Pontifícia Comissão Bí-

blica (Paulinas);* A Palavra Inspirada: A Bíblia à luz da Ciência da Linguagem, de

L. Alonso Schõkel (Loyola);* A Interpretação da Bíblia na Igreja de J.M.Terra (Loyola);* Iniciação à Análise Estrutural de vários autores - Cadernos

Bíblicos (Paulinas);* Princípios de Interpretação Bíblica de Louis Berkhof (JUERP);* A Interpretação Bíblica: Meio de Descobrir a Verdade de Roy B.

Zuck (Vida Nova);* Hermenêutica Contextual (edição do autor) Esdras Costa

Bentho;* A Bíblia à L u z da História de Odette Maínvílle (Paulinas)* Metodologia de Exegese Bíblica de Cássio Murilo Dias da

Silva (Paulinas);* Exegese do Novo Testamento - M anual de Metodologia, Uwe

Wegner (Sinodal e Paulus);

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Hermenêutica Filosófica

* Hermenêutica, de Richard E. Palmer (Edições 70);

*Hermenêutica Contemporânea, de Josef Bleicher (Edições 70);

*Hermenêutica e Sociologia do Conhecimento, de Susan J. Hekman (Edições 70);

* Hermeneutica y Estructuralismo, de Paul Ricoeur (Ediciones megápolis);

* Ser e Tempo, de M artin Heidegger (Vozes);

* Verdade e Método, de Hans-Georg Gadamer (Vozes).

SINO PSE

Concordância Bíblica é uma compilação em ordem alfa- bética, de termos bíblicos ou de conceitos (matérias) bíblicos, que remete às passagens da Bíblia onde ocorre o respectivo termo ou conceito.

O primeiro a idealizar uma obra deste gênero foi o carde- al dominicano Hugo de S. Caro, que em 1230 compilou uma concordância verbal da Vulgata.

Os principais objetivos da Concordância Bíblica são lo- calizar passagens e auxiliar o leitor da Bíblia no estudo de assuntos ou tópicos bíblicos.

H á dois tipos de concordâncias: as verbais — chamadas também de Chaves Bíblicas, e as concordâncias reais.

A tradução de J. Ferreira de Almeida em português ( 16 8 1), a tradução do Novo Testamento em alemão por Lutero (1522) e da Bíblia King James, em inglês ( 16 11), tomou como base o Textus Receptus (Texto Recebido), em grego, put^licado pelo holandês Erasmo de Roterdã, em 15 16.

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T ra d u ç ã o , do latim traiuctione, é o ato de transpor uma

com posição literária de um a língua para outra.

T ra n s l i te ra ç ã O , do latim trans+littera, é o ato de reduzir

um sistema de escrita a outro, letra por letra.

V e rsã o , do latim versione é um a tradução da língua origi-

nal para outra língua.

R ev isão o u V e rs ã o R ev is ta , do latim revisione, é o ato

ou efeito de rever através de um novo exame do texto, com

vistas a corrigir erros ou in troduzir emendas ou substituições.

RECENSÃO, do latim recensione, é o ato de com parar o tex-

to de edições anteriores ou com os manuscritos.

PARÁFRASE, do grego paraphrases é um a tradução “livre e

solta” de um texto, procurando expressar a idéia ou mensa-

gem do texto e não as palavras.

E d ição , do latim editione, é um em preendim ento editorial

com vista a publicação. U m a edição pode ser:

* Edição Atualizada, quando o texto sofreu acréscimos ou

modificações em relação à edição anterior;

* Edição Anotada, quando o texto se faz acom panhar de

notas destinada a esclarecê-lo, com pletá-lo ou atualizá-lo;

ψ Edição Crítica, é um a edição exegética, quando se procura

estabelecer o texto original de um a obra;

* Edição Abreviada, quando o texto foi parcialmente supri-

mido;

ψ Edição de Bibliófilo, quando se destina a colecionadores, de

tiragens reduzidas e exemplares numerados;

φ Edição Fac-similar, quando reproduz outra por processo

fotomecânico;

ψ Edição Corrente, é uma edição comum, de baixo custo, feita

para o grande público, e que contém o texto puro e simples da obra.

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TR A BA L H A N D O CO M T E X T O S

SINOPSE HISTÓRICA DAS CONCORDÂNCIASCom o termo “concordância” costuma-se chamar um re-

gistro alfabético de todas as palavras na Bíblia, indicando os lugares onde se encontram. E evidente a utilidade de tais obras, tanto para o exegeta (estudo de linguagem e idéias da Santa Escritura) como para o pregador (ajuda para encontrar textos bíblicos sobre determinados assuntos).

A primeira concordância nesse sentido foi feita sobre o texto da Vulgata por Hugo de S. Caro. Depois o rabino Isaac Nathan trabalhou por dez anos, de 1438 a 1448, produzindo sua obra sobre a Bíblia Hebraica. Essa concordância foi poste- riormente aprimorada pelo hebraísta John Buxtorf, em sua Concordantia Bibliorum Ebraicae, publicada em Basel, em 1632. Houve concordâncias no período medieval, da Vulgata Latina. Em 1896, Mendelkern, de Leipzig, publicou uma concordância hebraica que se tornou uma espécie de trabalho padrão, a qual foi muito usada.

A melhor concordância da Septuaginta é a de Hatch e Repath, publicada em Oxford, na Inglaterra, em 1897-1900. Q uanto ao Novo Testamento, temos a concordância de M outon e Geden, publicada em 1897. N o idioma inglês, o começo dessa atividade foi a concordância do Novo Testa- mento, de autoria de Thomas Bybson, publicada em 1540. A primeira concordância da Bíblia inteira em inglês foi a de John Marbeck, publicada em 1550. Por motivo desse esforço ele quase foi executado pelo estado!

BORN, A. Van Den, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, p. 285 & C H A M PLIN , R. Norman, Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filo~

sofia, v. I p. 835-6.

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H e rm e n ê u t ic a fácil e d escom phcada

EXERCÍCIOS

Exercício de Tradução, Revisão e EstilísticaConfira cada um dos textos destacados nas diferentes versões bíblicas.Isaías 27.8aARA : “Com xô! xô! e exílio o trataste”.A R C :________________________________________________T R I : _________________________________________________V R : _________________________________________________B L H : ________________________________________________T E B :_________________________________________________J E R : _________________________________________________N V I : ________________________________________________

O que significa a expressão: “xô! xô!״ ? _________________

Qual a tradução/versão mais clara?_______________________

Jeremias 48.1 IaARA : “Moabe esteve descansado desde a sua mocidade, e as suas fezes repousaram”.A R C :________________________________________________T R I : _________________________________________________V R : _________________________________________________B L H : _________________________________________________T E B : ________________________________________________J E R : _________________________________________________N V I : ________________________________________________

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O que s ign ifica a expressão “ suas fezes rep o u sa - ram’ ’ ?__________________________________________________

H e rm e n êu t ica M aterial

Qual a tradução/versão mais clara?________________________

Zacarias 9. 15ARA : “...eles devorarão os fundibulários e os pisarão”.A R C :________________________________________________T R I : _________________________________________________V R : _________________________________________________BLH : ________________________________________________T E B : ________________________________________________J E R : _________________________________________________N V I : ________________________________________________

O que significa a expressão “devorar os fundibulários”?

Qual a tradução/versão mais clara?.

Jó 15.27ARA : “ Porquanto cobriu o rosto com a sua gordura e criou enxúndia nas ilhargas”.ARC: _____________________________________T R I : _________________________________________________V R : _________________________________________________B L H : ________________________________________________

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

T E B : ________________________________________________J E R : _________________________________________________N V I : ________________________________________________

O que significa a expressão “enxúndia nas ilhargas”?

Qual a tradução/versão mais clara?________________________

Êxodo 12.4ARA : “ ...então tome um só com seu vizmho perto de sua casa, e... conforme o comer de cada um ”.A R C :________________________________________________T R I : _________________________________________________V R : _________________________________________________B L H : ________________________________________________T E B : ________________________________________________J E R : _________________________________________________N V I : ________________________________________________O que significa as expressões “tome um só com seu vizinho”e “comer de cada um ”?:________________________________Qual a tradução/versão mais clara?_______________________

Jeremias 31.22

ARA : “ ... a mulher infiel virá a requestar um homem”.A R C :________________________________________________T R I : _________________________________________________V R : _________________________________________________B L H :______________________ __________________________T E B : ________________________________________________

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H e rm e n ê u t ic a M ateria l

J E R : _________________________________________________N V I : ________________________________________________

O que significa a expressão “requestar um homem”; _______

Qual a tradução/versão mais clara?________________________

Sofonias I .I2 bV R : “...e castigarei os homens que se embrutecem com as fezes do vinho”.A R C :________________________________________________T R I : _________________________________________________A R A :________________________________________________B L H :________________________________________________T E B : ________________________________________________J E R : _________________________________________________N V I : ________________________________________________O que significa a expressão: “embrutecer com as fezes do vi-nho”?_________________________________________________Qual a tradução/versão mais clara?_______________________

Provérbios 28.25bARC : “...mas o que confia no Senhor engordará”.A R A :________________________________________________T R I : _________________________________________________V R : _________________________________________________B H L : ________________________________________________T E B : ________________________________________________J E R : _________________________________________________N V I : ________________________________________________

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

Bibli-HolmesAjude nosso detetive Bibli-Holmes a investigar as pnnci-

pais técnicas e métodos de tradução da Bíblia, para que possa justificar as diferentes versões de um mesmo texto.

LEITURAS E LIVROS PARA APROFUNDAMENTOBORN, A. Van Den, editor, Dicionário Enciclopédico da Bíblia,

Vozes (p. 285).CH A M PLIN , R. N orm an & BENTES, J. M. Enciclopédia

de Bíblia Teologia e Filosofia, Candeia v. I (p. 835-6).BALLARINI, Teodorico, editor, Introdução à Bíblia, Vozes

(p. I9I-I92).

NOTAS1 Paul W Schelp. Concordância Bíblica. In: Apresentação, Soei-

edade Bíblica do Brasil.2 Id. Ibidem.

3As diferenças encontradas na ARC e ARA são devido ao uso de fontes distintas. O N T da ARA foi revisado com base na 16a edição do Novo Testamento de Nestlé (Textos Críti- cos), e por isso acrescenta os colchetes ou omite algumas ex- pressões. Já a ARC segue o Textus Receptus, onde as variações salientadas na ARA não possuem notas.

4 Confira N orm an Geisler e William Nix, Introdução Bíbli- ca, Como a Bíblia chegou até nós, p. 184; John Beekman e John Callow, A Arte de Interpretar e Comunicar a Palavra Escrita — Técnicas

de Tradução da Bíblia, p. 17-28.5 Consulte A BÍBLIA N O BRASIL, n° 174, abril a ju-

n h o /9 6 , in Fiel, Clara e Confiável, p. 17-22.

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H e rm e n êu t ica M ateria l

6Esta lista de versões ou traduções não é exaustiva, foi feita à guisa de exemplo. Estamos cônscios de que deixamos de mencionar outras traduções importantes. Por se tratar de uma citação breve, recomendamos a leitura de Bittencourt, O Novo Testamento: metodologia da pesquisa textual p .157-195; Elizabeth Muriel Ekdahl Versões da Bíblia: Por que tantas diferen~ fas'!, Edições Vida Nova. W ilson Paroschi, Crítica Textual do

Novo Testamento, Vida Nova. SO C IED A D E BÍBLICA D O BRASIL, Curso de Cultura Bíblica Çlradufão, Lingüística e Comu-

nicafão), Rev. Oswaldo Alves. Cf. Luiz Sayão, N V I — A Bíblia

do Século 2 1, Editora Vida. Além de que o leitor deve sempre ler as notas e prefaciais das versões que adquire a fim de com- preender as notas e variações desta comparadas com outras.

' Será de bom alvitre o leitor consultar Gordon D. Fee & Douglas Stuart, Entendes 0 que lês?, p. 223-5; principalmente o apêndice I, que faz uma avaliação do uso dos comentários por parte dos estudantes. E uma sinopse muito apropriada para quem está começando, e para aqueles que esqueceram o assunto. Cf. p. 223-5.

8Estas referências são à guisa de exemplo. Os manuais sobre este assunto e afins são tantos que um livro não seria suficiente para arrolar tantas obras.

9Abreviações: ARC- Almeida Revista e Corrigida; ARA - Almeida Revista e Atualizada; TRI - Trmitariana; VR - Ver- são Revisada; BLH - Bíblia na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica Brasileira; JER - Bíblia de Jerusalém; NVI .Nova Versão Internacional ־

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CAPÍTULO 5

Escolas ^tendenciosas

de ôntetpietaçao

Todas as interpretações das Sagradas Escrituras

devem estar firm adas em pilares críticos

interpretativos confiáveis. Devem-se ju s t ficá -la

através de métodos e técnicas hermenêuticas livres

de quaisquer premissas dogmáticas ou pressupostos

individuais. O texto pelo texto ainda continua

sendo um dos melhores métodos para

se interpretar as Escrituras.

Escolas Tendenciosas de Interpretação

Em todo labor de investigação bíblica, os resultados de- pendem em grande parte dos sistemas ou métodos de traba- lhos que se empregam. A Hermenêutica Bíblica não é uma exceção, pois o modo de inquirir o significado dos textos de- termina consideravelmente as conclusões do trabalho exegético. Isto explica a grande disparidade de interpretações dadas aos mesmos textos da Escritura. Isto significa que nem todas as escolas e métodos são confiáveis. Entre elas destacamos duas: alegorista e literalista.

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H e rm en êu t ica fácil e descom plicada

Vejamos a posição mterpretativa dessas duas escolas ten- denciosas de interpretação bíblica e os principais métodos por elas empregados.

Alegórica

O termo alegoria procede da combinação de dois termos gregos, allos, isto é, “outro”, e agoreyo, “falar”, ou “proclamar”. Literalmente significa “d ize r uma coisa que significa outra”. O vocábulo aparece em Gálatas 4.24, a fim de indicar a expli- cação ou expressão de alguma coisa por meio do nome ou imagem de outra. Quem alegoriza fala ou escreve sobre algu- ma coisa por intermédio de outra, procurando desvendar sen- tidos simbólicos, espirituais ou ocultos.

Em Lucas 13.32, Cristo usa a alegoria quando diz: “Ide dizer a essa raposa...” referindo-se à natureza ardilosa e má de Herodes, principalmente a sua agudez. Como figura literária, a alegoria é uma metáfora estendida e um recurso literário válido e útil; porém, como sistema de interpretação, mutila os textos bíblicos. A Escritura está repleta de alegorias que são usadas como recurso retórico e didático.

De acordo com o método alegórico, o sentido literal e histórico das Escrituras é completamente desprezado, e cada palavra e acontecimento são transformados em alegoria de al- gum tipo, a fim de escapar de dificuldades teológicas ou para sustentar certas crenças estranhas e alheias ao texto bíblico. Assim, não interpreta o texto bíblico, mas perverte o verda- deiro sentido deles, embora sob o pretexto de buscar um sen- tido mais profundo ou mais espiritual.1

Bultmann chama esse tipo de interpretação de alegorese, e não alegoria.

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Escolas Tendenciosas de In te rp re tação

“...Pois se o texto apresenta uma alegoria, ela naturalmen- te precisa ser explicada como alegoria. Essa explicação, entre- tanto, não é alegorese, uma vez que pergunta pelo sentido ten- cionado pelo texto.” 2

M. S. Terry assim se expressa acerca do método alegórico:“O método alegórico de interpretação se baseia em uma

profunda reverência pelas Escrituras e um desejo de exibir suas múltiplas profundidades de sabedoria. Porém, se notará ime- diatamente que seu costume é desatender o significado co- mum das palavras e dar a elas toda classe de idéias fantásticas. N ão se extrai o significado legítimo da linguagem do autor, mas sim, introduz toda fantasia e capricho do intérprete.”3

Os Perigos do M étodo Alegórico

O método alegórico, como sistema de interpretação, é repleto de perigos que o tornam inaceitável ao intérprete da Escritura, a saber:

a) Ele despreza o significado comum e ordinário das pala- vras, especulando sobre o sentido místico de cada uma delas;

b) Ele ignora a intenção do autor, inserindo no texto todo tipo de extravagância ou fantasias que um intérprete possa desejar;

c) O intérprete que usa o presente método rejeita os mé- todos válidos de interpretação, e a única base de interpretação encontra-se na arte que sua própria mente concebe;

d) A autoridade básica da interpretação deixa de ser a Bíblia, e passa a ser a mente engenhosa do intérprete.4 D. Pentecost assevera que “a interpretação pode então ser distorcida pelas posições doutrinárias do intérprete, pela au- toridade da igreja à qual o intérprete pertence, por seu am-

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H e rm e n ê u t ica fácil e descom plicada

biente social e por sua formação ou por uma enormidade de fatores” .3

e) Quem usa o método alegórico não possui meios de provar as suas conclusões, afirma o teólogo Ramm:

“Ele não pode estar seguro de coisa alguma, exceto do que lhe foi ditado pela igreja, e em todas as eras a autoridade da ‘igreja’ tem sido falsamente reivindicada pela presunçosa tirania das falsas opiniões dominantes... afirmar que o princi- pal significado da Bíblia é um sentido secundário e que o prm- cipal método de interpretação é a ‘espiritualização’, é abrir a porta à imaginação e especulação praticamente desenfreadas. Por essa razão, insistimos que o controle na interpretação se encontra no método literal”.6

Sinopse Histórica

O método alegórico foi usado pelas escolas filosóficas gregas no afã de interpretar os poemas de Homero e Hesíodo, e reduzir os problemas teóricos e religiosos entre a tradição religiosa e a herança filosófica.

N o tempo de Cristo, estava entre os quatro tipos princi- pais de exegese: mídráshica, alegórica, literal e pcsber. Filo, pro- vavelmente, foi o maior defensor do método alegórico. Acre- ditava que o método literal era uma forma imatura de com- preensão, que deveria ser superado pelo alegórico. Henrv A. Virkler colaciona dez regras instituídas por Filo. O método deveria ser usado:

a) Se o significado literal repugna a santidade de Deus;b) Se contraria outra declaração das Escrituras;c) Se o registro alega tratar-se de uma alegoria;

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Escolas Tendenciosas de In te rpretação

d) Se as expressões são dúplices ou se há emprego de palavras supérfluas;

e) Se há repetição de algo já conhecido;f) Se uma expressão é variada;g) Se empregam sinônimos;h) Se for possível um jogo de palavras;i) Se houver algo anormal em número ou tempo (verbal);j) Se há presença de símbolos.8Filo, comentando sobre a peregrinação de Abrão, afirma:“A viagem de Abrão para a Palestina é realmente a histó-

na de um filósofo estóico que deixa a Caldéia (entendimento sensual) e se detém em Harã, que quer dizer “buracos”, e significa o vazio de conhecer as coisas pelos buracos, isto é, os sentidos. Ao tornar-se Abraão, ele se torna um filósofo verda- deiramente esclarecido. Casar-se com Sara é casar-se com a sabedoria abstrata”.9

N a exegese patrística, Clemente de Alexandria e Orígenes adotaram com devida ênfase o método alegórico. Clemente desenvolveu a teoria de que cinco sentidos estão relaciona- dos à Escritura: histórico, doutrinai, profético, filosófico e místico, este por sua vez, suas riquezas são disponíveis so- mente aos que entendem os sentidos mais p ro fundos.10 Orígenes, discípulo de Clemente, cria ser a Escritura uma vasta alegoria na qual cada detalhe é simbólico, e dava gran- de importância a I Coríntios 2.6,7, principalmente à ex- pressão “falamos a sabedoria Deus em mistério”. Orígenes cria que assim como o homem constitui de três partes: cor- po, alma e espírito, da mesma forma a Escritura possui três sentidos: o corpo é o sentido literal, a alma o sentido moral,

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H e rm e n êu t ica tácil e descom plicada

e o espírito o sentido alegórico ou místico, do qual usou amplamente ignorando os restantes.11

Posteriormente, Agostinho concebeu várias regras para interpretar as Escrituras. N a prática, contudo, menospre- zou todas as suas regras, exceto o m étodo alegórico. Agos- tinho justificou suas interpretações alegóricas em 2 Corín- tios 3.6, “porque a letra mata, mas o espírito vivifica”, querendo com isto dizer que uma interpretação literal da Bíblia mata, mas a alegórica ou espiritual vivifica. Para ele as Escrituras possuía um sentido quádruplo: histórico, etiológico, analógico e alegórico.12

N a exegese medieval (600-1500), o sentido quádruplo elaborado por Agostinho era a norma para a interpretação da Bíblia. Segundo a exegese medieval, as quatro regras de Agos- tinho existiam em toda passagem bíblica. Virkler assevera que neste período:

“a letra mostra-nos o que Deus e nossos pais fizeram; a alegoria mostra-nos onde está oculta a nossa fé; o significado moral dá-nos as regras da vida diária e a anagogia mostra-nos onde terminamos nossa luta13.״

Durante essa época os místicos ou cabalístas judaicos acre- ditavam que cada letra possuía um significado sobrenatural. O método era substituir uma palavra bíblica por outra que tinha o mesmo valor numérico, acrescentar ao texto por con- siderar cada letra de uma palavra como a letra inicial de ou- tras; substituir novas palavras num texto por algumas letras das palavras primitivas.14

O intérprete deve, a todo custo, evitar o uso do méto- do alegórico como princípio válido de interpretação das Escrituras.

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Escolas Tendenciosas de In te rp re tação

M étodo Literalista

A princípio não devemos confundir o método literalista,

híperliteralista ou letrista com o método literal ou lingüístico-gra- matical. O método literal reconhece princípios de tradução e interpretação não reconhecidos pelo seu oposto. O literalismo é o extremo da escola gramatical. O método literal considera o valor das palavras no texto, mas não ignora os matizes da linguagem figurada, e o sensus plenior - próprio da linguagem

escntvirística. Ocupa-se tanto da lexicografia, isto é, do signifi- cado das palavras e de sua relação com a oração (sintaxe), quanto do valor retórico da linguagem conotativa, quando assim intencionada pelo autor. N a escola literalista ignoram-se esses valores e interpreta-se tudo “ao pé da letra”.

As fraquezas do literalismo

a) Al guns textos são observados, em detrimento a outros.Textos como Deuteronômio 22.5, I Coríntios I I . 13 ou

2 Coríntios 13.12 são interpretados literalmente, ignorando as finuras da cultura do mundo de então. Porém, quando se trata de textos como os de Deuteronômio 2 1.18-21, 22.8, 5.12 e I Timóteo 2.11,12, dificilmente alguém os interpreta literalmente.‘3 Mas vejamos qual é o sentido de Deuteronômio 22.5. O texto afirma que:

“N ão haverá trajo de homem na mulher, e não vestirá o homem veste de mulher; porque qualquer que faz isto abomi- nação é ao Senhor, teu Deus”.

Ao que parece a exegese de Deuteronômio 22.5 não é tarefa fácil; entretanto, admitir que o texto prova que a mulher não deve usar calças compridas (o que é um anacronismo se­

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

mântico, visto não existir essa indumentária naqueles dias) carece de autenticidade exegéttca, senão vejamos.

O texto está envolto em vários aspectos culturais eqüidistantes de nossa contemporaneidade, porém, o espírito legal da proibição atravessa qualquer temporalidade cultural. Dois termos são inclusivos para a exegese de Deuteronômio 22.5: a palavra hebraica klí, que se traduz por “que é pertinen- te a”, mas que se refere contextualmente a qualquer tipo de produtos manufaturados, embora também possa relacionar- se a adornos e jóias; e o vocábulo sinlab, traduzido por “roupa, veste ou manta”.16

Sínlah é um entre vários termos hebraicos para designar a palavra portuguesa roupa ou veste. A princípio era feita de lã, e mais tarde utilizou-se pêlo de camelo. Tratava-se de uma vestimenta exterior semelhante a um lençol grande com capuz, e os judeus a usavam como roupa de frio. Os pobres a usavam como vestido básico de dia e como capa de noite (Ex 22.26,27).

Sem e Jafé tomaram esta vestimenta para cobrir a nudez de seu pai (Gn 9.23). Outros termos são: beged (Gn 27.15) que era considerado pelos israelitas como um distintivo de dignidade do usuário; o addereth que indicava que o usuário era um cidadão respeitável (Js 7.21); e o labesb (C t 5.3), termo genérico para roupa, vestimenta, ou estar vestido.1'

N o contexto bíblico, o uso que se faz desses vocábulos poderia variar um do outro. As vezes, fala de vestimentas em sentido próprio, outras como sinal de nível social ou hierár- quico, ou ainda com o recurso poético para com parar vestimentas com qualidades abstratas. E assim que se diz de “vestes de justiça” (Jó 29.14), de “salvação” (2 Cr 6.41), de “força” (Is 52.1), e assim por diante.

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Escolas Tendenciosas de In te rpretação

N o trato com o texto de Deuteronômio 22.5, deve-se verificar que sendo os judeus um povo nômade no período de sua formação, as modas dos homens israelitas permaneceram quase inalteradas, geração após geração, sofrendo alguma in- fluência, no início, da indumentária dos egípcios durante o tempo em que lá foi cativo. Havia pouquíssimas diferenças entre o vestuário feminino e o masculino. A veste interior que se assemelhava a uma camisa justa e apertada chamada de kethoneth, era feita de lã, linho ou algodão, e geralmente a pessoa que usava apenas esta vestimenta interior, dizia-se que estava nu (I Sm 19.24; Is 20.2-4).18 N ão havia qualquer diferença entre a ketbonet masculina e feminina. A vestimenta exterior dos homens consistia numa faixa de pano quadrada ou oblonga, de 2 a 3 metros de largura que em hebraico se chamava meyil,

e é traduzida por “capa, manto, túnica ou vestimenta”. Era enrolada no corpo como uma coberta protetora, com dois cantos do material na frente unido ao corpo com um cinto (uma faixa de couro, com 10 cm de largura ou mais).19 Os homens judeus usavam franjas com fitas azuis na orla (N m 15.38). A vestimenta exterior da mulher hebréia era parecida com as do homem, todavia, as diferenças eram suficientemen- te observáveis (D t 22.5). Era mais comprida, com borda e franja suficientes para cobrir os pés (Is 47.22), um material mais fino e mais colorido. Prendia-se à cintura por um cinto. Como no caso dos homens, a vestimenta da mulher podia ser feita de materiais diferentes, de acordo com a condição social de cada pessoa. Uma outra peça de destaque no vestuário fe- mimno era o véu e um ornato para a cabeça.20

Do que acima foi descrito fica claro que a diferença entre a indumentária feminina e masculina era ínfima. Daí, conside­

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

rarmos que a proibição e a rotulação de “coisa abominável” revestia-se de um caráter muito mais moral e sacramental do que de usos e costumes. A proibição como tal era uma refe- rência às perversões sexuais e homossexuais relacionadas ao culto pagão em Canaã. Thom pson assinala que Luciano de Samosata e Eusébio mencionam a prática do travesti no culto à deusa da fertilidade Astarte. As mulheres apareciam com roupas masculinas e os homens com roupas femininas nesses cultos, e invertiam a posição sexual e relacionai característica de cada sexo.21 Essa inversão da ordem natural era ofensiva e repugnava a distinção criada por Deus entre macho e fêmea. Todas as leviandades praticadas nos cultos pagãos são severa- mente rejeitadas por Deus nesse versículo, pois que, como afir- ma Matthew Henry: ״A adoção das vestimentas de um sexo por outro é um ultraje à decência, mancha as distinções da natureza, produzindo efeminação no homem, indecoro e falsa modéstia na mulher, como também leviandade e hipocrisia para ambos”.22 Fica claro que a condenação divina é contra o travestismo, ao indecoro e a hipocrisia característica a quem assim procede. Embora esta lei em seu contexto original não tenha implicações diretas para com a nossa vida moderna, há algumas implicações indiretas: "... porque qualquer que faz tais cousas é abominável ao Senhor teu Deus”. Portanto, é bastante questionável se essa provisão especial da lei mosaica deve ser relegada ao nível de mero rito inconseqüente, que se pode ou deve eliminar mediante a emancipação dos crentes neotestamentários, os quais devem estar livres do jugo lega- lístico do Antigo Testamento.

O Novo Testamento enfatiza o vestuário adequado, mo- desto, como elemento im portante do testemunho cristão

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Escolas Tendenciosas de In terp retação

( I Tm 2.9), pelo que o crente dedicado deve vestir-se de manei- ra a honrar ao Senhor. Em Gálatas 3.28 a afirmação de Paulo de que não há macho e fêmea não se aplica a coisas como rou- pas ou costumes, mas à nossa posição espiritual perante Deus. O reconhecimento das diferenças relativas entre os sexos, den- tro de sua unidade comum à humanidade, é um princípio digno de ser preservado, mas facilmente mal interpretado.23

b) Ignora-se a situação histórica.A situação histórica do texto também é ignorada no mé-

todo literalista. As orientações bíblicas nem sempre são as mesmas em todas as circunstâncias; por exemplo, em Esdras 10.2,3, ele obriga os judeus a despedirem suas esposas. Po- rém, o apóstolo Paulo aconselha aos casados com cônjuges incrédulos a não se apartarem um do outro ( I Co 7 .I2 ,I3 ) .24

c) Usa textos de prova isolados para provar certas doutri- nas e tradição eclesiástica com sentidos diferentes do propósi- to do texto.

A maneira como o Diabo usou o texto bíblico compro- va esta prática inverossímil do texto. Em Mateus 4.6, Sata- nás cita literalmente o Salmo 91.11,12, não para consolar, e sim para tentar. Usou literalmente, mas sangrou o propósito principal do texto. U m outro exemplo disto é Isaías 55.2 para condenar qualquer uso do dinheiro que não seja para comprar pão. Comentando o primeiro verso do Salmo 130, tão carregado de dramatismo espiritual e rico ao ser exami- nado à luz da totalidade contextual do Salmo, o intérprete literahsta judeu, sempre inclinado ao legalismo, só observa- va uma forma correta de orar “das profundezas”, significan- do, segundo eles, que a oração devia ser praticada na posição mais baixa possível.2:)

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H e rm e n êu t ica fácil e de sc om phc ada

d) Aceitam a inspiração mecanicista das Escrituras Sa- gradas. Neste caso os hagiógrafos eram extremamente passi- vos no ato da inspiração, onde suas idiossincrasias foram ignoradas.

SIN O PSE

O termo “alegoria” procede da combinação de dois ter- mos gregos, allos, isto é, “outro”, e agoreyo, “falar ou proclamar Literalmente significa “dizer uma coisa que significa outra”.

O vocábulo “alegoria” aparece em Gálatas 4.24, a fim de indicar a explicação ou expressão de alguma coisa por meio do nome ou imagem de outra.

Como figura literária, a alegoria é uma metáfora estendi- da e um recurso literário válido e útil, porém, como sistema de interpretação mutila o texto bíblico.

De acordo com o método alegórico, o sentido literal e histórico das Escrituras é completamente desprezado, e cada palavra e acontecimento são transformados em alegoria de al- gum tipo.

Bultmann chama os tipos de interpretações alegonstas de alegorese, e não alegoria.

O método alegórico despreza o significado comum e or- dinário das palavras, especulando sobre o sentido místico de cada uma delas;

O método alegórico ignora a intenção do autor, inserm- do no texto todo tipo de extravagância ou fantasias que um intérprete possa desejar;

O intérprete que usa o método alegórico rejeita os méto- dos válidos de interpretação.

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Escolas Tendenciosas de In terp retação

A autoridade básica da interpretação deixa de ser a Bi- blia e passa a ser a mente engenhosa do intérprete.

O método alegórico foi usado pelas escolas filosóficas gregas no afã de interpretar os poemas de Hom ero e Hesíodo, e reduzir os problemas teóricos e religiosos entre a tradição religiosa e a herança filosófica.

Filo provavelmente foi o maior defensor do método ale- górico. Acreditava que o método literal era uma forma imatu- ra de compreensão que deveria ser superado pelo alegórico.

N ão devemos confundir o método literalista, hiperlite- ralista ou letrxsta com o método literal ou lingüístico-grama- tical. O método literal reconhece princípios de tradução e m- terpretação não reconhecidos pelo seu oposto.

As fraquezas do literalismo são que alguns textos são ob- servados, em detrimento a outros; ignora-se a situação históri- ca; usa textos de prova isolados para provar certas doutrinas e tradição eclesiástica com sentidos diferentes do propósito do texto; aceitam a inspiração mecanicista das Escrituras Sagradas.

TR A BA L H A N D O CO M T E X T O S

É POSSÍVEL A EXEGESE LIVRE DE PREMISSAS?

“E preciso responder ‘sim’ a esta pergunta se ‘livre de pre- missas’ significar: sem pressupor os resultados da exegese. Neste sentido, a exegese livre de premissas não só é possível, mas até constitui uma exigência. Em outro sentido nenhuma exegese naturalmente está livre de premissas, uma vez que o exegeta não é nenhuma t a b u l a r a s a , mas aborda o texto trazendo consigo certas perguntas, isto é, abordando-o com certo enfoque, além de ter certa noção do assunto de que trata o

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texto. Expliquemos em rápidos traços a exigência de que a exegese seja isenta de premissa no sentido de ela não pressu- por seus resultados; ou também poderíamos dizer: de ela ser livre de preconceitos. Esta exigência significa em primeiro lu- gar a rejeição do método da alegorese. Quando Filão vê a idéia estóica de sábio livre de afetos representada no preceito da lei de que o animal de sacrifício seja imaculado (Spec. Leg. I, p. 270), ou quando Paulo interpreta Deuteronômio 25.4 como prescrição de que o pregador do Evangelho seja sustentado pela comunidade (I Co 9.9), ou quando na carta de Barnabé os 318 servos de Abraão (Gn 14.14) são interpretados como profecia da cruz de Cristo (9.7s), está claro que nestes casos o exegeta não ouve o que o texto diz, e sim fá-lo dizer aquilo que ele, o exegeta, já sabe de antemão.

B U L T M A N N , R udolf. C rer e Compreender, S inodal (p. 2 2 3 ) .

EXERCÍCIOS

1. Qual a diferença entre alegoria e escola alegorista?2. Faça um resumo da história do método alegórico

3. Qual a diferença entre o hiperletrismo e o método literal?

4. Quais são as fraquezas do método literalista:

Bibli-Holmes

Ajude nosso detetive Bibli-Holmes a investigar as princi- pais diferenças entre o método literalista e o método literal- gramatical.

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Escolas Tendenciosas de In te rp retação

LEITURAS E LIVROS PARA APROFUNDAMENTOB U L T M A N N , Rudolf. Crer e Compreender, Sinodal

(p. 223-229).ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares, A Bíblia e 0 Pensamento

Teológico na América Latina - Boletim Teológico/ftl -B (p. 7-13).P E N T E C O S T , J. Dwight, M anual de Escatologia, Vida

(p. 29-43).V IR K L E R , H en ry A., Herm enêutica Avançada, V ida

(p. 36-39).

NOTAS1 Confira a definição de Joseph Angus & Samuel G. Green,

m Manual de Escatologia, citado por J. D. Pentecost, p. 32.2 Confira, Crer e Compreender, Rudolf Bultmann, Artigos

Selecionados, Editado por Walter Altmann, 1987, p. 223-229.3 Cf. Hermenêutica, Barcelona, 1990, p. 22.4 Pentecost, op.cit., p. 33..Id. Ibidem כ

6 Id. Ibidem, p. 32 Cf. Louis Berkhof, Princípios de Interpretação Bíblica, 19 8 1,

p. 15-19.8 Cf. Hermêutica, Princípios e Processos de Interpretação Bíblica,

1992, p. 38.9 Id.Ibidem, 1992, p. 39.10 Op.cit., p. 45.11 Op.cit., p. 44.12 Ibidem.

Op.cit., p. 46.14 Op.cit., p. 47. Cf. Pedro Gilhuis, Como Interpretar a Bíblia — Introdução à נ1

Hermenêutica, 1980, p. 17.

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1616 Gleason Archer, Enciclopédia de Dificuldades Bélicas, 1997, p. 16 1.17 Merril C. Tenney (et alli), Vida Cotidiana nos Tempos Bíhli-

r05,I988, p. 1 15-133.18 Id.Ibidem, 1988, p. 115.19 Id.Ibidem, 1988, p. 115.20Id.Ibidem, 1988, p. 116.21 J. A. Thom pson, Deuteronômio: Introdução e Comentário,

1982, p. 224.22 Comentário Exegético Devoeiocional de toda la Biblia, VI.

I Pentateuco, 1982, p. 172.23 Archer, 1997, op.cit., p. 162.24 Gilhuis, 1997, op.cit., p. 21.25 Id.Ibidem, 1997, p. 25.

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C A PÍT U L O 6

cH^^ncneutlca (Contextual

A lei do contexto é um a das primeiras leis

que regem a interpretação. M uitas interpretações

errôneas têm sua origem na desconsideração

desta norma tão óbvia.

C O N T E X T O

O próprio conceito do termo nos mostra a conveniência de seu estudo. O étimo do termo contexto significa “tecido com’’. N o latim, cun é preposição do ablativo que denota união, associação ou companhia, e textum significa “tecido”; por ex- tensão, “contextura, trama”. Aplicados a documentos escritos, expressa a conexão de pensamento que existe entre diferentes partes para fazer dela um todo coerente. Assim, contexto é o nexo recíproco dos vários elementos duma oração, sejam pró- ximos (contexto imediato), sejam distantes (contexto remoto).

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N um texto, ou uma seqüência de textos, o contexto é constituído pela seqüência de parágrafos ou blocos que prece- dem e seguem imediatamente o texto, e que podem, de uma forma ou de outra, fazer pesar sobre o texto certas coerções.1

A Importância do ContextoU m dos reconhecidos problemas hermenêuticos são os

chamados textos de “prova”. São textos isolados do contexto usados por determinados intérpretes para aquilatar certas as- severações teológicas, dogmáticas ou culturais. Textos de pro- va, segundo a hermenêutica contextual, são secundários para a validação de uma interpretação, simplesmente porque erram ao desconsiderar o contexto.

Importância de se Conhecer o ContextoO exame do contexto é extremamente importante por

três razões:a) As palavras, as locuções e as frases podem assumir sen-

tidos múltiplos.O contexto neste caso vai determinar qual o sentido exa-

to do termo usado, como veremos adiante. Não somos escu- sados de frisar que não basta apenas decompor o termo con- siderado em seus aspectos etimológicos, é necessário com- preendê-lo em relação ao conjunto geral da frase.

O significado de um termo nem sempre se projeta basea- do em sua raiz. E necessário que se analise o signo lingüístico com a luz refletida pela frase e pelo contexto a que pertence. N o entanto, verdade é que um vocábulo espelha o significado de sua raiz e de sua composição.

O estudo etimológico é útil e necessário em vários casos, mas não significa que em todos os textos essas análises sejam

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extremamente necessárias, ou que os termos significarão aqui- lo que a raiz determina, daí a necessidade do estudo diacrônico da 11 nguagem (isto é, histórico, as mudanças ocorridas aos vocábulos em certos períodos).

b) Os pensamentos normalmente são expressos por se- qüência de palavras ou de frases.

Os sentidos de uma palavra (unidade) podem ser capta- dos de acordo com a frase (conjunto), pois o termo e a frase estão associados dando entendimento um ao outro, da pala- vra à frase (várias unidades formando um conjunto) e da frase à palavra (o conjunto limitando, aí o sentido da palavra).

Deve-se lembrar que o sentido de um termo qualquer em uma frase geralmente é determinado pelos artigos, verbos, adjetivos, etc., que o precedem e sucedem (tal como veremos no contexto gramatical).

O vocábulo manga (fruta) e manga (camisa) são termos com o mesmo som e grafia, porém de significado distinto (homônimos homógrafos perfeitos). Somente a frase (geral) é que determinará se a palavra (unidade) deve ser interpretada como uma fruta, ou tratar-se de parte de vestuário onde se enfia o braço (camisa).

c) Desconsiderar o contexto acarreta interpretações fal- sas, além de se constituir numa eisegese.

Certo pregador, ao explanar Efésios 6.12 sobre o significa- do da expressão “regiões celestiais”, deu uma pausa retórica, interrogou a congregação sobre o significado da expressão e sorriu, como se algo sobrenatural e enigmático fosse revelado. Interrogou a platéia pela segunda vez dizendo: “O que você tem de mais celestial?” Ninguém ousou responder. U m silêncio sepulcral tomou conta da audiência. Ele mesmo respondeu: ‘Ό

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seu coração”. Difícil foi para ele explicar como as potestades do mal viviam no coração do crente regenerado! A solução para ele foi muito simples: “Espiritualmente falando...”

Efésios é o único livro do Novo Testamento que trata especificamente do tema “regiões celestiais”. Se nosso prega- dor das “regiões celestiais” apenas conferisse a mensagem da epístola nos versículos 1.3, 21-22; 2.6; 3.10 compreenderia o significado de regiões celestiais.

T IP O S D E C O N T E X T O

A interpretação da Bíblia deve levar em consideração os diversos tipos de contexto.

Contexto InicialE a própria frase ou versículo em que o termo foi usado.Antes mesmo de recorrer ao contexto imediato e remoto,

é extremamente necessário entender o texto (frase) onde o termo aparece em seu conjunto.

Esta regra é muito viável, principalmente na interpreta- ção dos Provérbios, onde uma sucessão de conselhos é fornecida, e algumas vezes sem qualquer relação com o texto precedente e o subseqüente. Exclusivamente neste caso, o co- nhecimento de como as palavras se formam, raízes, prefixos, sufixos e uma intuição com a linguagem das Escrituras é m- dispensável. Desse modo, a análise do contexto inicial não deve ser da palavra pela palavra apenas, mas da palavra como intermediária entre o intérprete e um conteúdo de idéias, sen- timentos e emoções que nela se coagulam.

N os termos principais cujos textos são irregulares em seu contexto, deve-se atentar para:

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• o gênero literário que o caracteriza;• o propósito da obra;• a totalidade da mensagem do autógrafo.Cada um desses itens serve de parâmetro para identificar

o significado pretendido pelo hagiógrafo. Em razão de as Es- crituras serem tanto descritivas quanto prescritivas, ocorre a repe- tição quase que proposital de certos vocábulos. Assim sendo, se o vocábulo já apareceu em contextos anteriores ligado a um fato histórico ou código legal, leis cerimoniais, etc., pode ser que o autor pretenda ao repeti-lo:

• dar o mesmo significado;• esclarecer o sentido anterior;• remterpretar o termo original aplicando um novo con-

texto social, moral, religioso ou vivencial.Correndo o risco de perturbar a clareza deste livro, levan-

do-o fora dos limítrofes aqui perlustrados, é necessário determo-nos por um instante nesse pormenor.

Não se deve dar prosseguimento a uma interpretação en- quanto os termos principais não forem devidamente compre- endidos, isto é, determinado os seus significados. U m bom dicionário do hebraico e grego bíblicos, uma análise diacrônica do termo, o uso de uma concordância e a observação do con- texto remoto são necessários a fim de que se compreenda o uso dos vocábulos em contextos distintos.

Assim sendo, mesmo que o contexto seja irregular, ele não é independente da frase que o forma, mas uma unidade relacio- nada com todos os elementos semânticos que o compõem.

N a análise contextual decompõe-se o texto em suas par- tes fundamentais. A postura do intérprete é primariamente analítica, e só depois crítica.

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N a análise das unidades que estruturam o texto, preten- de-se conhecer sua estrutura a fim de absorver sua mensagem com todo colorido pincelado pelo autor. Analisar o texto é entrar em diálogo com o seu autor.

Essa comunicação é ampliada desmesuradamente no cam- po da perquirição dos conteúdos textuais quando se lhes co- nhecem as relações com o meio exterior em que foram gera- dos. E o caso de Provérbios 22.28: “N ão removas os marcos antigos que puseram teus pais” (ARA). N ão são poucos os “doutrinadores” que usam este texto para falar dos usos e cos- tumes que não são mais observados pelos adeptos de determi- nadas denominações, afirmando que “antigamente não era assim... mas a Bíblia diz: “N ão removas os marcos antigos que fizeram teus pais”. N a verdade entendemos o zelo, mas que este seja com entendimento!

U m “marco” era uma pedra ou um poste inscrito, onde eram definidos os limites do terreno ou propriedade. Quan- do Canaã foi dividida entre as tribos israelitas, e a cada família foi dada uma porção da terra, os limites da terra foram deter- minados através de um marco. A remoção de um marco im- plicava falsificação do levantamento topográfico e constituía um roubo de terra, além de violar o nono mandamento.

A recomendação já tinha sido prescrita antes mesmo da possessão da terra de Canaã pelos israelitas (D t 19.14), e todo aquele que removesse o marco era considerado maldito: “Mal- dito aquele que mudar os marcos do seu próximo. E todo o povo dirá: Amém!” (27.17). A violação do marco deve ser entendido no âmbito da herança divina (Lv 25.23,24). A por- ção de terra que o israelita possuía era uma dádiva divina (I Rs 21.3) e alterar os limites dessas propriedades era uma ofensa àquEle que as outorgou.

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A remoção do marco ou limite aparece mais uma vez em Provérbios 23.10, como uma ação de roubo, opressão e injusti- ça contra a herdade do órfão. Fica patente que este versículo não ensina a veneração de costumes históricos, mas o respeito pela propriedade alheia, pela prática da justiça. O que adianta venerar costumes históricos se não praticamos atos de justiça?

Atente-se para o fato de que o verso identificado possui estreita relação com a sabedoria egípcia, conhecida como Sa- bedoria de Amen-em-opet, esse paralelo inicia em 27.17 e culmina em 23.12. O texto paralelo afirma: “N ão retires os marcos das fronteiras da terra cultivável... nem ultrapasses as fronteiras da viúva”.2

Antes de recorrer ao contexto remoto ou imediato é ím- portante entender o termo ou toda a frase, porque nem sem- pre uma mesma palavra quer significar a mesma coisa em tex- tos distintos, e somente o texto, em seu contexto original, é que projetará luz sobre o significado exato do termo.

E o caso de alguém descuidadamente tentar inserir o sen- tido de marco, tal qual apresentamos acima, com o marco registrado em Jeremias 31.21: “Ergue para ti marcos, levanta para ti pirâmides, aplica o teu coração à vereda, ao caminho em que andaste; regressa, ó virgem de Israel, regressa, a estas tuas cidades” (Jr 31.21). Neste caso temos um marco que traz também o sentido de sinal, mas com aplicação distinta. En- quanto em Provérbios trata-se de um marco que funciona como um “documento de delimitação topográfica”, o marco de Jeremias 31.21 designa um sinal feito com um montão de pedras para assinalar uma vereda, ou seja, servir de orientação para que não se perca o caminho certo. Isto fica claro quando lemos o versículo 22 que interroga: “Até quando andarás er- rante, ó filha rebelde?”, “errante” quer dizer “sem definição”.

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Já os textos de Ezequiel 39.15 e 2 Reis 23.17, o termo significa monumento ou pilha de pedras usados para assinalar o local do sepultamento dos mortos.

Quando qualquer um dos sentidos do vocábulo marco é inserido em textos distintos de modo que se altere o sentido do referido texto, temos um caso de pseudoconcordância. E a ocorrência repetida da mesma palavra em um ou mais textos com sentidos diferentes. Assim, não podemos transferir o sig- nificado de marco de Ezequiel 39.15 para o texto de Jeremias 31.21 ou vice-versa.

N o contexto inicial, os vários sentidos de uma mesma palavra podem relacionar-se através de um significado tênue, mas comum.

Todas as palavras naqueles textos têm um significado co- mum, que é “sinal”.

O mesmo ocorre com o termo gregoglossa (γλώσσα):a) Tem o sentido primário de “língua” como órgão mus-

cular situado na cavidade bucal, responsável principalmente pela fala, como no texto de Marcos 7.33,35: “... e lhe tocou a língua com saliva... e soltou o empecilho da língua” (ARA). Nesse texto o sentido de língua é verbal, literal ou próprio.

b) O sentido de /055« não se limita apenas à língua, como órgão do corpo, mais também por “idioma”, como em Mar- cos 16.17: “Falarão novas línguas”, ou ainda como em Atos 2.4 e 2 .1 1: “... e passaram a falar em outras línguas..”, “... ouvimos falar em nossas próprias línguas...” (cf. Ap 7.9; 13.7).

Nesses textos há uma relação entre causa e efeito. Sendo a língua (órgão) responsável pela fala (idioma, linguagem), busca-se a contigüidade, preferindo usar a metonímia a fim

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de reforçar a causa, em vez do efeito. E o que pretende Paulo ao afirmar: “... toda língua dará louvores a Deus...״ (R m14.11; Fp 2 .1 1).

c) O sentido de glossa não se limita apenas a esses dois exemplos. Em Tiago 1.26, a metáfora “refrear a sua língua” quer dizer literalmente “guiar a língua com arreios” e significa “exercer controle ou domínio sobre o conteúdo do que se fala”. E o oposto daquele a quem chamamos de linguarudo, ou seja, o que possui “língua solta”, “fofoqueiro” ou “maldi- zente”. U m exemplo semelhante encontramos em I Pedro 3.10: “... refreie a sua língua do mal”.

Em I Jo 3.18, onde se lê: “... não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade”, a expressão “não amemos de palavra, nem de língua” faz parte do mesmo cam- po semântico, isto é, possui significado com os textos anteri- ores através de uma relação associativa. As implicações dessa proposição joanina é dicotômica: literal e figurada. Literal- mente refere-se ao conteúdo do que se fala, a um amor or- questrado por palavras formosas, enquanto figuradamente, a um amor efêmero, sem qualquer ação, exalando hipocrisia. Daí, João concluir o texto usando uma adversativa: “ Mas por obra e em verdade”.

N o contexto inicial, saber se o vocábulo está sendo usado em sentido literal (denotativo) ou figurado (conotativo) é imprescindível.

Foi publicado no jornal do Telecurso 2° Grau um texto intitulado “Eles vivem fazendo arte”. Lendo esta manchete, poderá vir-nos à mente a idéia de que “fazer arte” é igual a fazer estripulias, molecagens ou bagunça. N o entanto, ao lermos o texto do artigo, constatamos que o significado é outro, ou seja,

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que todos os visitantes do museu Lasar Segall em São Paulo, podem, ao visitar o museu, desenvolver sua capacidade de criar.

A palavra arte, no dicionário, é um dos principais meios de comunicação usados pelo homem para a expressão de suas idéias, valores, emoções, crenças, sentimentos e revoltas. As- sim, o significado do termo arte tem um sentido atribuído pelo dicionário que nos permite uma só interpretação. E o significado literal, isto é, denotativo.

Denotação é o uso do signo lingüístico (palavra/repre- sentação gráfica) com seu significado próprio, que não per- mite mais de uma interpretação.

Mas o significante arte pode receber um outro significa- do, não contido no dicionário: arte é o mesmo que fazer ba- gunça. E um significado criado pelo contexto inicial, e ao qual chamamos de significado conotativo ou figurado.

Conotação é o uso do signo lingüístico com novos sig- nificados e com novas interpretações oferecidas pelo contex- to ou não.3

a) Ao lermos M ateus 10.34, onde Jesus diz: “Vim trazer...espada”, veremos que Ele não se referia ao objeto em si, mas ao que esse objeto representa: dissensões, contendas. Assim, “vim causar dissensões, contendas” seria a interpreta- ção correta.

b) Em Mateus 16.17, Jesus diz a Pedro: “ ... porque não foi carne e sangue quem to revelou”. Noutras palavras: “Não foi nenhum ser humano quem to revelou”.

c) Em Mateus 27.24, Pilatos declara: “Estou inocente do sangue deste justo”, o que quer dizer: “Estou inocente da morte (ou de causar a morte) deste homem justo”.4

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Nesses textos o sentido literal de espada, carne e sangue, e sangue deste justo, é, à princípio, alterado por uma relação associativa. E o dinamismo característico da língua/língua- gem ausente nos léxicos.

A palavra oú o significante, com seu sentido denotativo ou seu sentido próprio, é muito comum nos textos mformati- vos, narrativos e históricos, amda que estes textos não excluam o uso do sentido conotativo.

O significado denotativo dificilmente permite ambigüi- dade na interpretação ou leitura do texto. Já a palavra (significante), com seu sentido figurado (conotativo), renova o sentido da palavra.

O significado conotativo permite ambigüidade na inter- pretação ou leitura do texto, por isso, no estudo do contexto inicial, é necessário conhecer as mutações semânticas que um mesmo vocábulo pode possuir no texto.

Em 2 Samuel 7, o substantivo hebraico bayt ( ית que é ,(בtraduzido por “casa”, possui conotações distintas no capítulo.

a) no versículo I trata-se de casa no sentido de residência;b) nos versículos 5 e 6 casa é entendida por “templo”;c'l nos versículos 16 e 18 trata-se de “descendência”;/ 7d) no 19 com sentido tanto de reino quanto de descendência

(v. 16), que sem dúvida refere-se ao remado do Messias.0U m outro exemplo bastante comum entre os estudantes

das Escrituras são os diversos sentidos do termo “m undo”.a) em João 3.16 o term o (κόσμος) representa a huma-

mdade;b) em I João 2.15-18 somos admoestados a não amar ao

mundo; neste caso, o sistema rebelado e organizado contra Deus (Tg 4.4);

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c) em João 1.9,10 é dito que Jesus criou o mundo, no sentido mundo habitado ou Universo.

Fica claro que os te rm os são os m esm os códigos lingüísticos (palavras), mas com significados distintos, este que é determinado pelo contexto.

Nas páginas do Novo Testamento grego, o substantivo casa possui dois significantes, oikos [οίκος] e oikia [οικία]. Tanto um quanto o outro são usados em sentido intercambiáveis para:

a) referir-se a casa/moradia: “Entrando na casa” (M t 2 .1 1 {eis tê n o ik ian /εις τή ν ο ικ ία ν} , cf. 7.24-27); “partiu para sua casa” (M t 9.7 {eis ton oikon / ε ις το ν ο ικον});

b) referir-se a casa /família: “se uma casa estiver dividida” {oikia/ο ϊκ ία } (M c 3.25; M t 12.25 cf.Lc 19.9; At 16.5,31);

c) o termo também pode significar nação ou descenden- tes: “ovelhas perdidas da casa de Israel” (M t 10.6; 15.24 {oikou Israel / ο ίκ ο ο ’Ισραήλ});

d) em sentido figurado o corpo físico: “casa terrestre”

(2 Co 5.1 {oikia tou skênous/ ο ι κ ί α του σκήνους});e) a habitação de Deus-Pai: “N a casa de meu Pai”

(Jo 14.2 {oikia tou patros / ο ι κ ί α του πατρός}).O sentido conotativo pode apresentar-se também como

um símbolo, figura, tipo, ou até mesmo abrangendo termos característicos da cultura semita, e geralmente os termos não correspondem àqueles registrados nos dicionários.

A palavra adquire sentido figurado dentro do texto, à medida que é relacionada a outras palavras.

Deve-se cuidar principalmente quando o autor usa uma figura de estilo, tais como o símile, a metáfora, o eufemismo ou outra qualquer.

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N o texto de I Samuel 15.26-28 lemos: “N ão tornarei contigo; porquanto rejeitaste a palavra do Senhor, já ele te rejeitou a ti, para que não sejas rei sobre Israel. Virando-se Samuel para se ir, Saul o segurou pela orla do manto, e este se rasgou. Então, Samuel lhe disse: O Senhor rasgou hoje de ti o reino de Israel, e o deu ao teu próximo, que é melhor do que tu” (grifo nosso).

Neste texto, o termo manto, no versículo 27, refere-se a túnica ou capa usada por Samuel. N o versículo 28, contudo, o significado da palavra é trasladado, figurado, tomando um novo sentido, isto é, remo ou reinado.

N o episódio de I Reis I I . 19-32, o mesmo sentido figu- rado de manto é expresso de modo mais eloqüente. O manto rasgado representa o reino dividido, em doze pedaços, as doze tribos de Israel: “... toma para ti os dez pedaços, porque assim diz o Senhor, Deus de Israel: Eis que rasgarei o reino da mão de Salomão, e a ti darei as dez tribos” (v.3I).

O sentido de manto, representando reino encontra para- leio nas escrituras neotestamentárias. N o evangelho de João, ele usa o sentido figurado do manto (reino), embora dando- lhe cunho particular. O manto de Jesus, Rei dos judeus (Jo 19.19), é figura do seu reinado. O manto sorteado entre os gentios é figura de que o antigo reinado sobre os judeus se realizará agora sobre os gentios: estes tiram dos judeus seu Rei para fazê-lo rei deles (Jo I .I2 ) .6

O significante manto, em sentido figurado, pode repre- sentar também pessoas. Em 2 Reis 9.12,13 lemos: “... Disse Jeú: Assim e assim me falou, dizendo: Assim diz o Senhor: Ungi-te rei sobre Israel. Então se apressaram e, tomando cada um

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0 seu manto, os puseram debaixo dele, sobre os degraus, toca- ram a trombeta, e disseram: Jeú é rei” (grifo nosso).

O manto neste texto representa o seu possuidor, as pes- soas que se submetem a Jeú, pondo à sua disposição a própria vida. Semelhante cena ocorre na entrada triunfal de Jesus em Jerusalém: “E muitos estendiam as suas vestes pelo caminho, e outros cortavam ramo das árvores, e os espalhavam pelo cami- nho” (M c 11.8). O ato concreto de estenderem seus mantos pelo caminho, indicava a submissão daquele povo a Jesus, pois o consideravam como sucessor de Davi: “Bendito o remo do nosso pai Davi” (v. 10).' N ão podemos considerar estes fatos apenas como acidentais, principalmente quando verificamos no AT tal prática entre os judeus; é de se esperar que o mesmo ocorresse com os judeus neotestamentários ao proclamarem Jesus como rei, tal como ocorreu com Jeú.

Quando observamos que “... apresentavam os enfermos nas praças e rogavam-lhe que os deixasse tocar, ao menos na orla de sua veste; e todos os que tocavam saravam” (M c 6.56), devemos compreender que o fato de os enfermos sararem quan- do tocavam no manto de Jesus é figura (representada pelo manto), da vida que emana da pessoa de Cristo (ver M c 5.25- 32). Neste caso, o manto é literal, ao mesmo tempo em que a cura através dele, representa o poder vivificador que emanava da pessoa que o usava, Cristo.8

O sentido denotativo, que é o significado comum e usual da palavra, é encontrado nos dicionários. Sobre essa designa- ção denotativa da palavra, deve-se prestar atenção nos termos:

Sinônimos:Palavras de significantes (letras) diferentes e significados

(conceitos) semelhantes. Ex: luminária — candeeiro/ candeia/ lâmpada (H b 9.2; M c 4.21; SI 119.105; Pv 20.20);

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Antônimos:Palavras de significantes (letras) diferentes e significados

(conceito) opostos. Ex: justo — ímpio (Pv 21.12); prudente — simples (Pv 22.3), rico — pobre (Pv 22.2);

Homônimos:Palavras de significantes iguais e significados diferentes:a) canto, do verbo cantar), e canto com o âng ulo

(S1I00.2;98.5; Pv 21.9; At 26.26);b) lança (arma), lança (do verbo lançar) (Jo 19.34; Ec I I.I). Homônimos Homófonos:Mesmo som, mas grafias (letras) diferentes:a) cega — tornar cego; sega — colheita, ceifa (Ex 23.8,16;

D t 16.19; Jr 5.17:51.33);b) expiar — purificar; espiar — observar secretamente

(D n 9. 24; Ez 43.20; G1 2.4; Jz 18.2).Homônimos Perfeitos:Os que são homógrafos e homófonos ao mesmo tempo

(tem escrita e pronúncia idênticos mas significados distintos), como: pêlo — do corpo de um animal; pelo — preposição (M t 3.4; 21.8).

N o contexto inicial, o importante não é o estudo isolado de uma palavra (interpretação léxica) com seu significado etimológico e diacrônico (o estudo histórico da palavra), e sim, ao sentido particular em que ela ocorre no texto.

O intérprete deve determinar se as palavras são usadas em sentido geral ou particular; se empregadas em sentido lite- ral ou figurado. Deve levar em conta também o aspecto dinâ- mico de muitos textos.

O sentido dos Salmos reais, por exemplo 72, não deve estar limitado estritamente às circunstâncias históricas da

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produção deles. Falando do rei, o salmista evocava ao mesmo tempo uma instituição verdadeira e uma visão ideal da realeza, conforme ao plano de Deus, de maneira que seu texto ultra- passava a instituição real tal qual como ela tinha se manifesta- do na história. O mesmo ocorre com os Salmos messiânicos. Particularmente certos textos que poderiam ser considerados como hipérboles (exagero), como por exemplo, 2 Samuel 7.12,13 e I Crônicas I 7 . I I - I 4 , onde Deus, falando de um filho de Davi, prometia firmar “para sempre” seu trono, de- vem ser tomados literalmente, porque diz a palavra: “Haven- do Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre” (R m 6.9).

Os hermeneutas e exegetas que possuem uma visão limi- tada, isto é, apenas histórica, do sentido literal, ou apenas do contexto inicial, não levando em consideração o restante das Escrituras, julgarão que aqui há heterogeneidade. Aqueles que são abertos aos aspectos dinâmicos dos textos reconhecerão uma continuidade profunda, ao mesmo tempo em que uma passagem é elevada a um nível diferente: Cristo rema para sem- pre, mas não sobre o trono terrestre de Davi, ainda que profe- ticamente isto virá a ocorrer (SI 2.7-8; 110.1,4; Fp 2.9-11; Ap I9 .I6 ) .9

Deve-se levar em conta a variedade de significados (polissemia) que uma palavra pode ter em uma mesma época, inclusos nos escritos de um mesmo autor.

Nesta altura podemos deduzir do uso sinonimico e vari- ante de um vocábulo qualquer. Mesmo um termo possuindo outras palavras sinônimas ou variantes do mesmo sentido, o autor por vezes, insiste no uso repetitivo de uma mesma pala- vra, não sabemos se por pobreza vocabular, por gênio peculiar

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do literato, ou ainda para levar o leitor a raciocinar sobre o sentido pretendido pelo autor.

O termo kosmos (mundo, ordem, sistema), em cada uma das ocasiões em que aparece nos Evangelhos e nas Epístolas de João, é usado com sentido distinto, e somente o contexto imediato esclarecerá o sentido; às vezes, mesmo recorrendo ao contexto, permanece um dúbio sentido. Vejamos:

Em João 3.16 o termo kosmos representa a humanidade como objeto do amor de Deus. O versículo 17 descreve o mesmo sentido (mundo-humanidade) mas com ênfase na missão de Cristo (cf. 10.36). Enquanto estes três textos pro- jetam luz sobre o relacionamento entre Deus, a humanidade e a missão de Cristo, em outros textos, como 1.10, é dito que Jesus “estava no m undo” (mundo — a terra habitada? mundo— a humanidade?). Tanto um sentido quanto o outro se en- caixam perfeitamente no contexto. Em sentido explícito, “es- tava no m undo” (en tõ kosmo ên) designa “a terra habitada pelo homem”, mas em sentido implícito, “todos os homens que habitam na terra”. Ele não apenas estava no mundo, mas também entre a humanidade, sendo ele próprio, homem. Con- siderando João I.IO como poesia, e não prosa, teremos como estrutura, um trístico (estrofe com três versos) e, quanto ao paralelismo, trata-se do climático, pois retoma do membro precedente um termo (kosmos) acrescentado-lhe um comple- mento até levá-lo ao clímax.

εν τω κοσμώ ήν,(en tõ kosmõ ên)

estava no mundo

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και ó κόσμος δι’ αυτού έγένετο,(kai hô kosmos di autú egêneto)

e 0 mundo fo i feito por meio dele

και ó κόσμος αυτόν ουκ εγνω (kai hô kosmos autôn ouk egnõ)

e 0 mundo não 0 conheceu

N o limítrofe de nossas inquirições, o verso 9 fulge como texto de tradução controversa, mas que não se interpõe ao significado do vocábulo kosmos. O disparate não é resultado dos textos gregos mais comuns aos seminaristas, todos eles— Nestle-Aland (N T G — Novum Testamentum Graece), Majority Text (Texto Majoritário, mais conhecida como VA — Versão Autorizada ou Versão King James), The Greek N ew

Testament (G N T - ed. Kurt Aland) e o Textus Receptus (T R — Texto Recebido) — trazem o mesmo texto sem qualquer va- riação que comprometa a tradução; apenas, como atesta o aparato crítico da GNT, uma pequena interrupção no micio do versículo, caracterizada comumente por uma vírgula. A vír- gula, por exemplo, aparece no T R (uma vez), G N T (duas vezes), mas é omitida na VA. Agora, a tradução é outra histó- ria. Cada uma das versões (ARA, ECA, N V I, VR, TEB) con- cordam que o Verbo “estava vindo ao m undo” para iluminar todos os homens, enquanto a ARC e a KJ (Kmg James), que essa iluminação é sobre “todo homem que vem ao m undo”. O texto grego possibilita mais de uma tradução.

ARA A saber, a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem

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ECA A luz verdadeira que ilumina a todos os homens estava

vindo ao mundo

N V I Estava chegando ao mundo a verdadeira luz, que ilumina a todos os homens

V R Pois a verdadeira luz, que alumia a todo homem, estava

chegando ao mundo

TEB 0 Verbo era a verdadeira luz que, vindo ao mundo,

ilumina todo homem

ARC Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo homem

que vem ao mundo

Mas, parece-nos mais correto entender o acusativo (objeto direto) vindo ao mundo como se referindo ao nominativo (subs- tantivo) luz. Somos inclinados a entender “vindo ao m undo”como aposto do substantivo; assim sendo, o texto declara: “era a verdadeira luz, (que) vindo ao mundo, ilumina todo (o) homem”. Em cada um dos casos, porém, o sentido de kosmos é claro — trata-se da terra habitada pelo homem.

Deixando as controvérsias para os peritos, vejamos a urdidura do texto. Neste verso, sentimos a pulsação, o ritmo, a cadência da própria poesia, e até mesmo a sonoridade ao final de cada linha poética:

Hvtò φως τό αλη θ ινή ν ,(en tô fõs tô alêthinôn)

Era a verdadeira luz

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

ο φοτίζει πάντα άνθρωπον, (hô fotízei panta ânthrõpon)

que ilumina todo 0 homem

ερχόμενον εις τον κόσμον (erkhomenon êis tôn kosmon)

vindo ao mundo

Voltemos ao propósito principal desse tópico. Em I João 2.15-18, somos admoestados a não amar o mundo (&05mo5), neste caso, o sistema organizado e rebelado contra Deus. O mundo-ordem injusta é o mundo-humanidade alienado de Deus pela rejeição das leis do Reino e do Messias Encarnado (Jo 8.7; 17.25). Em João o mundo-ordem injusta possui seus próprios valores, sistemas e governo (Jo 8.44; 12.31; 14.30; 16.11).

Em João I.9 -I0 , como analisamos anteriormente, é dito que Jesus criou o mundo ( kosmos), significando a terra ou mundo habitado (v.9) — o sentido é logo explicado pelo apos- to: “ilumina a todo homem”. Nas duas primeiras frases do versículo 10, o evangelista, seguindo a trama do texto, fala de mundo (kosmos-universo) como a terra habitada pelo homem: “Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele”, mas na últi- ma parte do verso trata do mundo não em seu aspecto físico, a terra, mas a humanidade — aqueles que nela habitam, “mas o mundo não o conheceu”.

Já no capítulo 17.5, o evangelista usa o termo kosmos tan- to em sentido particular quanto geral. Particularmente prefe- re o uso do termo para dar ênfase à preexistência de Cristo. Em geral, antes que houvesse mundo físico e mundo humani- dade, mas o uso distinto do significado de kosmos permanece.

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N o versículo 4, ocorre o uso do termo “terra” como smôni- mo de “mundo habitado pelos homens”.

Cremos não ser necessário repisar o quanto é necessário considerar os diversos sentidos de um mesmo vocábulo usado pelo mesmo autor. Esse fenômeno literário não se explica fa- cilmente, pois o rapsodo, possivelmente conhecendo outros termos que se enquadravam perfeitamente no contexto de sua obra, prefere o uso repetitivo e prolongado de um mesmo vo- cábulo em vez de usar:

a) gês/ γ η ς (terra, solo, chão, no sentido de território, terra em distinção ao firmamento);

b) oikoumené/οΤκουμένη (habitado; a terra habitada: Lc 4.5; o mundo: M t 24.14; Lc 4.5; mundo no sentido de humanidade: Lc 2.1; At 7.31);

c) ou mesmo a iõ n /αιώ ν (era; século; presente século; eternidade; o povo do mundo em Lc 16.8).

Apesar de todos os textos em que o termo kosmos é usado em sentido positivo no evangelho joamno, prevalece o sentido de “mundo hostil a Deus”, ou “sistema de idéias e ideais que se opõe a Deus e ao Messias” representado principalmente pelas classes do judaísmo (fariseus, saduceus, etc.), e pelos opositores de Cristo em geral. N ão obstante, o sentido positi- vo também é largamente usado por João.

A guisa de epílogo, deve-se frisar acerca do contexto ini- cial que:

1 ) 0 significado de uma palavra deve ser determinado, levando em conta o marco cultural e costumes que impera- vam durante a com posição do texto, o cham ado usus loquendi. Por exemplo, “M oabe é a minha bacia de lavar/ sobre Edon lançarei as minhas sandálias” (SI 108.9); “D i­

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zendo, pois, o remidor a Boaz: Compra-a para ti, descalçou o sapato” (R t 4.8).

2) Deve-se examinar cuidadosamente os sinônimos, parônimos e homônimos; se o sentido pretendido pelo autor é denotativo ou conotativo.

3) Deve-se dar devida atenção aos termos principais, às palavras com aspectos litúrgicos ou que expressam a teologia do seu tempo, por exemplo: sacrifícios, holocaustos, ofertas, luas novas, estender as mãos, purificar (Is I . I I - I7 ) , tradições de homens, Corbã (M c 7.8,11), jurar pelo santuário e pelo altar (M t 23.16-18).

4) Deve-se levar em conta a variedade de significados (polissemia) que uma palavra possa ter numa mesma época - no autógrafo só haverá um significado (monossemia) e inclu- so nos escritos de um mesmo autor. U m autor bíblico não escreve uma coisa pensando noutra.10 O termo kosmos (mun- do), por exemplo, em cada um dos textos analisados, possui sentidos distintos, e somente o contexto imediato esclarece o conceito pretendido pelo autor.

C O N T E X T O IM EDIATO

O contexto imediato, conseqüente, microcontexto ou sub- seqüente é aquele que procede imediatamente ao texto. Quan- do o texto está numa seqüência ordenada, é um termo ou texto que sucede imediatamente o outro de modo racional, lógico e coerente.

Em lingüística chama-se microcontexto, o contexto ime- diato da palavra considerada, isto é, a palavra que precede e a palavra que segue, em oposição ao macrocontexto, que desig- na um contexto maior.

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H e rm e n êu t ica C ontex tua l

O contexto imediato de um versículo ou texto é forma- do pelos textos que vêm antes e depois do versículo considerado.

Deve-se:1) verificar a situação histórica do texto;2) saber quem foi o autor;3) a quem o autor destinou o escrito;4) e qual foi o propósito do autor.Assim sendo:• o contexto imediato de um versículo é o parágrafo pelo

qual é formado;• o contexto de um parágrafo é o capítulo que o forma;• o contexto do capítulo é todo o livro.

Livro

capítulo_______________________________________________

parágrafo______________________________________________

versículo_______________________________________________

parágrafo______________________________________________

Isaías I .I I afirma que: “De que me serve a mim a multi- dão de vossos sacrifícios diz o SENHOR? Já estou farto dos holocaustos de carneiros, e da gordura de animais nédios, e não folgo com o sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes”.

Sem tomar conhecimento do contexto de Isaías L I I con- cluiremos, como fazem alguns intérpretes, que Deus está em contradição com toda legislação do Antigo Testamento, pois condena aquilo mesmo que Ele instituiu: os sacrifícios.11 Mas verificando o contexto do versículo I I , veremos que tanto na

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H e rm e n ê u n c a fácil e descom plicada

ARA como na ARC o capítulo é formado por sete parágrafos( I . I ; 2,3; 4-9; 10-17; 18-20; 21-26; 27-31).

O versículo em apreço ( I I ) , está no quarto parágrafo, então, o versículo 1 1 tem como contexto os parágrafos: 4-9 e 18-20, e estes parágrafos todo o capítulo I.

Muitos intérpretes têm argumentado que Deus, através do versículo I I , rejeita a validade dos sacrifícios. Se admitirmos essa interpretação como correta, teremos que aceitar, com base na mesma seqüência lógica de textos, que Deus também está invalidando as orações no versículo 15 (mesmo parágrafo!). Deus, de fato, está invalidando os sacrifícios oferecidos por um povo injusto e impuro. Estes textos esclarecem que até mesmo as for- mas corretas e próprias de culto são inteiramente ofensivas ao Senhor quando prestado por crentes não arrependidos que ten- tam suborná-lo, a fim de que os poupe do castigo que mere- cem.12 O sentido do texto, de acordo com o contexto subse- qüente, é que Deus não aceita e não pode aceitar mesmo as ofertas mais pródigas e mais dispendiosas que os não arrependidos lhe possam colocar no altar.13 Neste exemplo, Deus está condenando em todo o capítulo a prática litúrgica destitu- ida de piedade e justiça. Ao descobrir o título principal do capí- tulo I, estamos prontos para saber como cada parágrafo ou bloco se inter-relacionam com a temática geral do capítulo.

Disposição dos parágrafos de Isaías I( I .! ) :T ítu lo e descrição do período do ministério profé-

tico de Isaías.(2,3): A queixa do Senhor contra Israel que não o

conhece.(4-9): A descrição do estado espiritual de Israel devido

ao formalismo.

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H e rm e n ê u t ic a C ontex tua l

(10-17): A condenação do culto hipócrita.(18-20): U m convite ao arrependimento.(21-26): Jerusalém é julgada e purificada de suas mazelas.(27-31): Os transgressores são julgados e condenados

juntamente com as árvores sagradas.Deve-se observar que nem sempre os parágrafos ou blo-

cos, tal como se encontram nas atuais edições das Escrituras, estão coerentemente divididos. As vezes bipartem as idéias centrais do texto como se fossem unidades distintas. Em mi- nha própria observação dos blocos que compõem o capítuloI, o versículo 27 deveria fazer parte do sexto parágrafo, en- quanto o sétimo deveria iniciar no versículo 28. Visto que os versículos 25-27 tratam do reavivamento da cidade rebelde.

Nunca é demais insistir que:• a exata extensão da delimitação do texto é conditio sine qua

nonN para uma compreensão perspicaz das unidades que ο acompanham;

• determinar essas mtegridades lógicas subjaz uma com- preensão dos movimentos sucessivos do texto, no decurso dos quais produz, abandona e ultrapassa teses ligadas umas às ou- tras numa ordem racional;13

• a delimitação dos textos auxilia na determinação do conteúdo, de forma que o analista é capaz de saber se as uni- dades são congruentes e perfeitamente unidas, ou se verifica eli são de idéias e conceitos cuja estrutura dificulta a claridade do texto, o chamado contexto irregular.

Deve-se por fim registrar que uma das formas caligráficas comuns aos autógrafos, que perdurou até o século X d.C., foi a escrita uncial, que, além de ser em letra maiúscula (daí uncial), não possuía qualquer divisão entre as palavras, isto é, eram

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H e rm e n ê u t ic a tácil e descomplicada

redigidos em escrita contínua, sem espaço entre as palavras, sem subdivisões de versículos, parágrafos ou capítulos, além de não possuírem acentuações. Importantes manuscritos como o Códice Sinaítico16, Alexandrino1' e o Vaticano16 foram re- digidos em escrita uncial.

Correndo o risco de perturbar a clareza de nossa assertiva, vejamos alguns porm enores das divisões de capítulos e versículos das Escrituras:

A Vulgata Latina foi a primeira versão dividida em capí- tulos, obra de Estêvão Langton, que a introduziu pela primei- ra vez na edição parisiense da Vulgata no século XIII. As divi- sões de capítulos feitas por Langton eram extensas por toda obra, possuindo textos relativamente curtos em cada capítulo. Contudo, foi necessário subdividir ainda os capítulos, e foi o que fez o abade dominicano Hugo de Samt Cher em 1250, ao compilar a sua Concordância, subdividindo cada capítulo em outros sete pequenos trechos designados pelas primeiras sete letras do alfabeto (a-g)19, totalizando 929 capítulos para o Antigo e 260 para o Novo Testamento. Mais tarde, o rabino Mardoqueo Nathan (1445), de modo análogo, divide o Anti- 2 0 Testamento em versículos, cerca de 23.214, ficando a res-Oponsabilidade da divisão em versículos do Novo Testamento a Robert Stevens (ou Roberto Estéfano), que em 1551, na ci- dade de Genebra, dividiu o Novo Testamento em 7.959 versículos. Stevens também dividiu o Antigo Testamento em versículos, introduzindo essa divisão numa edição latina da Bíblia em 1555. A divisão feita por Stevens foi para substituir a introduzida por Santes Pagnini, que introduziu em sua ver- são latina dos originais, os versículos, porém, estes eram lon- gos demais vindo a ser substituída pelo labor de Stevens. Uma

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das razões pelas quais a divisão do texto bíblico apresenta cer- ta subjetividade pode ser atribuída a ocasião em que Stevens lançou-se a essa titânica tarefa. Segundo Wilson Paroschi20 a divisão do texto bíblico foi feita quando Stevens viajava de Paris a Lião, e que este foi confundido pelo balanço do animal ao fazer tal divisão. A padronização da pontuação e a divisão em parágrafos do texto foi feita por Johann A. Bengel (1687-1752).

A guisa de epílogo, o leitor deve atentar para as constan- tes revisões das principais versões bíblicas. Como dizem os revisores da ARA, na apresentação de maio de 1975:

“E certo que toda tradução, ou revisão, da Bíblia Sagrada, ainda que levada a termo por íntegros peritos bíblicos, é sem- pre trabalho humano, e como tal, sujeito a falhas; por outro lado, no entanto, suscetível de melhoria” .21

Os parágrafos ou blocos já se encontram dispostos nas atuais edições da Bíblia Sagrada.

1) N a ARA / RA, aparece com uma palavra cuja primei- ra letra está em negrito (Gn I .I ) ;

2) N a ARC, a partir da edição de 1995, exibe a indica- ção de parágrafos de conteúdo, seguindo o modelo da ARA (Gn L I) ;

3) N a ECA (Edição Contemporânea de Almeida) e na Νλ/Ί não aparecem em negrito, ao contrário, os inícios de parágrafos aparecem edentados, enquanto os versículos que correspondem ao mesmo seguem nas linhas contínuas (Gn 1.9-13).

4) A Bíblia Viva divide os parágrafos em blocos distintos. Cada parágrafo é antecedido pelos números dos versículos que o correspondem.

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H e rm e n êu t ica fác i l e descom plicada

5) A Trimtariana, não divide em parágrafos. Separa os capítulos apenas em epígrafes.

E assim que na ARA (1956):O Salmo 2 apresenta cinco estrofes (1-4; 4-7; 7-10; 10-

I2b; I2b), porém na 2 a edição da mesma (1993) apresenta apenas quatro (1-4; 4-10; I0 -I2 b ; I2b);

N a ARA (1956 e 1993) I Coríntios 12 o versículo 31 é bipartido (2 7 -3 Ia; 3 1b), formando um novo parágrafo, en- quanto na ARC (1995) o texto compõem-se do mesmo pará- grafo (27-31). Os exemplos seguiriam ininterruptos por toda a Bíblia. Quando comparamos Bíblias de edição católica com as protestantes, encontramos também disparidades entre ambas.

Os poéticos seguem o mesmo princípio divisório, exceto que nestes, os blocos não são chamados de parágrafos, mas estrofes e os versículos de versos.

O Salmo 139 surpreende não somente pela excelência literária, mas também pela sublimidade de sua mensagem es- piritual. Possui 24 versos, divididos em 4 estrofes (quaternário), contendo cada uma 6 versos (sextilha). Vejamos a estrutura deste maravilhoso poema:

I a estrofe: 1-6: A onisciência divina2a estrofe: 7-12: A onipresença divina3a estrofe: 13-18: A onipotência divina4a estrofe: 19-24: O problema do malN a primeira estrofe (1-6): trata-se da onisciência divina.

O salmista afirma que Deus conhece:a) o seu coração (I) ,b) os seus pensamentos (2),c) os seus caminhos (2),d) as suas palavras (4).

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Isso indica o homem moral por inteiro, toda nossa vida interior e exterior. A omsciência é vista como uma realidade controladora, que influencia toda nossa vida e nosso ser, e não como uma simples abstração teológica ou filosófica.

N a segunda estrofe (7-12): trata-se da onipresença divi- na. Esta, por sua vez, é expressa em cinco extremos:

a) altura (v.8a),b) profundidade (8b),c) leste (9a),d) oeste (9b),e) trevas ( I I ) .N o verso 9: “Se tomo as asas da alva...”. E uma referência

poética ao nascer do sol e, portanto, ao leste: “e se habitar nas extremidades dos mares”, referência ao mar Mediterrâneo e, portanto, ao oeste. Nem altura, profundidade, leste e oeste, luz, e ainda as trevas, podem ocultar-nos da presença de Deus através de seu Santo Espírito (vs.7 ,II).

N a terceira estrofe (13-18): trata-se da onipotência divi- na, claramente evidenciada na repetição do verbo formar (vs. 13, 14, 15). Nesta terceira estrofe o salmista relaciona a oni- potência à presciência divina: “Os teus olhos viram o meu corpo ainda informe” (16, cf. 17, 18). Deveríamos terminar de ler estes versos com a mesma admiração do salmista: “Que preciosos para mim, ó Deus, são os teus pensamentos! E como é grande a soma deles!” (v. 17).

N a quarta estrofe (19-24): trata-se do problema do mal. Depois do salmista divisar todos os excelentes atributos divi- nos, considera que uma visão clara como essa, só pode levar o homem a abandonar o pecado e aborrecer o mal. Esta é a razão porque condena os pecados dos outros (vs. 19-22) e o dele próprio (v.23-24). Ao contemplarmos a Deus, à seme-

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lhança do salmista e de Isaías (6), só nos resta ajoelharmos em oração, temor e confissão! 22

A estrutura do Salmo 139 sugere o título “Deus é louva- do pelos seus atributos”, ou ainda “Deus deve ser adorado pelo que é”.

Em cada um desses títulos verifica-se o relacionamento com os blocos ou estrofes que o formam. O aluno deve ter o cuidado de compreender satisfatoriamente a mensagem de cada parágrafo ou estrofe, a fim de dar-lhe o tema correspondente, de acordo com o título ou vice-versa.

H á salmos que possuem uma estrutura interna bastante simples, sendo formados por poucas estrofes.

O Salmo I possui apenas duas estrofes, que além de se- rem facilmente detectadas, são de uma coesão interna simples, por tratarem apenas de dois temas: o justo e o ímpio:

I o) A bem-aventurança do justo ( I .I -3 ) ;2°) A brevidade dos ímpios (vs.4-6).

O mesmo exemplo pode ser verificado no Salmo 23:I o) O Senhor é o nosso anfitrião (vv.I-3);2 o) Deus está com os peregrinos (v.4);3o) Deus é o nosso acolhedor (vv.5,6).

Nunca é demais repisar que o autor, quando termina a seção de um parágrafo, usa certos termos que indicam este término e outros vocábulos que sinalizam o início de outro.23 Deve-se atentar para:

• As alterações de gênero;• As alterações temporais;• As alterações regionais;

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• As alterações de personagens;• As alterações de conectivos lógicos.

C O N T E X T O R E M O T O

O macrocontexto, também chamado amplo, imediato ou remoto de uma palavra ou de um versículo, é um contexto maior que a palavra ou o versículo que precede ou segue o versículo considerado.

O contexto remoto é formado pelas passagens que não vêm imediatamente antes ou depois do texto, mas que se refe- rem ao assunto do texto.

Além de o exegeta contar com o esclarecimento do texto, derivado do contexto imediato, ele também é auxiliado pelo contexto remoto. Pois este é formado por todas as passagens que se referem ao assunto do texto.

Já sabemos qual é o título do capítulo I de Isaías, agora é necessário saber o que o restante do livro tem a dizer sobre o assunto.

N o capítulo 29.13 de Isaías, o Senhor condena o culto hipócrita e a cegueira espiritual do povo:

“O Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a boca e com os lábios, me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim, e o seu temor para comigo consiste só de mandamentos de homens, em que foi instruído”.

E interessante verificar que o livro de Isaías possui duas principais divisões:

• A primeira, formada pelos 39 capítulos iniciais, cuja temática é a “Denúncia dos pecados de Judá”;

• A segunda, formada pelos capítulos 40-60, cujo tema é a “Consolação de Judá”.

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Todo o capítulo I está inserido na primeira seção (1-39), que é uma denúncia dos pecados de Judá. Assim, o capítulo é o primeiro de um composto de 39.

N o contexto amplo, o importante é verificar o tema ex- posto pelo versículo, parágrafo e capítulo e como ele se relaci- ona com o esboço geral do livro, e com temas semelhantes em outros livros.

Já observamos como o versículo 1 1 de Isaías I está rela- cionado à primeira divisão do livro. Agora veremos a rela- ção entre a temática do capítulo I com os demais livros das Escrituras.

Recorrendo a temas semelhantes ao de Isaías I, em ou- tros livros das Escrituras, estaremos aptos para entender o que as Escrituras afirmam sobre o formalismo, o ativismo religioso, e as práticas cúlticas destituídas de justiça e sensi- bilidade espiritual.

Temos várias personagens que servem como exemplos:a) os filhos de Eli ( I Sm 2.12-36);b) o estado de Israel e dos seus sacerdotes em Malaquias

(M q I;2;3;4). Ao ler Malaquias I .6 -I4 , parece que estamos ouvindo Isaías em I . I I .

Ao que parece, o contexto remoto de um texto nas pági- nas do Novo Testamento se encontra aduzido nas próprias citações que prendem um a situação h istórica presente (sincrônica) a um fato ou profecia pretérita.

Por diversas vezes, os escritores do Novo Testamento uti- lizaram-se das profecias do Antigo Pacto — quanto a isso nada novo] O que muitos ignoram, todavia, é que essas cita- ções tanto acentuavam o cumprimento da profecia na histó- ria, quanto ligavam o fato a um contexto remoto.

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Verifica-se esse procedim ento , como p o r exemplo, M arcos 7.6:

“Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hi- pócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão, porém, me hon- ram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens”.

Ao fazer referência a Isaías 29.13, Jesus cita a Escritura respeitando o contexto em que foi pronunciado, enquanto ao Diabo, condena-o por usar textualmente as Escrituras igno- rando, porém, o contexto (SI 91. I I cf. M t 4.6).

Creio não ser necessário insistir no contexto da primeira seção de Isaías (1-39), que condena os pecados de Judá, para verificarmos como é idêntica a situação denunciada por Cris- to aos seus contemporâneos.

Ao lermos o texto de Mateus 12.18-21:“Eis aqui o meu servo que escolhi, o meu amado, em

quem minha alma se compraz. Porei sobre ele o meu Espírito, e anunciará aos gentios o juízo. N ão contenderá, nem clama- rá, nem alguém ouvirá pelas ruas a sua voz. N ão esmagará a cana quebrada, e não apagará o morrão que fumega, até que faça triunfar o juízo. E, no seu nome, os gentios esperarão”.

Quanto mais estudamos sobre o contexto, mas impressi- onado ficamos pelo respeito dos escritores sacros a esta nor- ma. Mateus, ao citar Isaías, fê-lo dentro do contexto primiti- vo. A referência é ao capítulo 42 de Isaías, precisamente na segunda seção do livro que trata da “restauração ou consola- ção de Judá”.

Os exemplos continuam: confira a denúncia de Mateus I3 . I 4 ,I5 24 e compare com Isaías 6.9,10 ( I a seção), ou ainda a citação de Cristo em Lucas 4.18,19 com Isaías 61.1,2.

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Se o próprio Cristo e os escritores sacros respeitaram o contexto das Escrituras, não devemos fazer o mesmo?

O uso do contexto remoto por Cristo, e mais tarde pelos apóstolos, inaugurou uma nova fase mterpretativa das Sagra- das Escrituras: A interpretação cristológica, tendo as profeci- as do Antigo Testamento como pilar, mas sendo explorada de seu contexto maior e geral para um particular e especial.

C O N T E X T O GRAMATICAL E LÓGICO

Contexto gramatical e lógico regem-se simultaneamente pelas leis da gramática e da lógica. O contexto gramatical e lógico confundem-se de modo que é impossível falar de um sem penetrar na esfera de ação do outro.

O contexto gramatical estuda as regras para a construção e coordenação das frases, exclusivamente através da sintaxe, a disposição das palavras na oração e das orações no período.

Entende-se por lógica a ciência do raciocínio correto. O contexto lógico ocupa-se do estudo da coerência interna do pen- sarnento e o modo como são aplicados. O objeto do contexto lógico é verificar a relação existente entre os termos de uma mes- ma frase, e daí determinar sua viabilidade ou incoerência.

O propósito do contexto gramatical é verificar o nexo dos termos com outros termos na mesma frase, e a relação da oração com outras orações do mesmo período. N o contexto lógico, entretanto, a conexão das idéias de uma determinada sentença, oração ou frase, relativas a outras orações do mesmo parágrafo, capítulo ou livro do mesmo autor.

O contexto lógico apresenta-se unido ao gramatical, prm- cipalmente através do uso de palavras que estabelecem liga- ções entre dois term os ou duas orações, os chamados

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conectivos. Os conectivos podem apresentar-se como prepo- sições, conjunções 2נ , etc.

Os conectivos são palavras que ligam orações subordina- das e coordenadas à anterior. Os conectivos são de duas espé- cies: coordenantes, pois ligam orações coordenadas, e subordinantes, que ligam orações subordinadas. Há, ainda, outros conectivos: os pronomes relativos (que, quanto, quem, o qual, onde, cujo — depois de substantivo), que ligam ora- ções subordinadas adjetivas.

Conectivos Lógicos:

Causais

São conjunções subordmativas que ligam uma oração prin- cipal a uma subordinada na relação de causa e efeito.

I ) Podem designar a razão pela qual algo acontece:a) porque: Em I João 2.8-16, encontramos nove vezes a

conjunção causai “porque”. Quando João afirma que aquele que odeia a seu irmão “está em trevas, anda em trevas, e não sabe para onde deva 1r;” a causa disto é “porque as trevas lhe cegaram os olhos”.

b) por causa: Paulo afirma aos coríntios que o motivo pelo qual muitos nas igrejas estavam fracos e enfermos, era porque não discerniam o corpo de Cristo (v. 29): “Por causa disto há entre vós muitos fracos e enfermos, e muitos que dorm em ” (I Co 11.30). Enquanto o versículo 29 aborda a causa, o versículo 30 aborda o efeito.

c) porquanto: O uso do conectivo causai “porquanto” refere-se ao julgamento sobre àqueles que não crêem no umgênito Filho de Deus: “Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado; porquanto não crê no

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nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3.18). A causa deste julgamento-morte não é porque foram predestinados a isso, mais sim, por uma decisão voluntária de não crer no Filho de Deus.

N outra ocasião, Paulo ordena aos efésios que usem pru- dentemente as oportunidades, “porquanto os dias são maus”(E f 5.16).

Conclusivas

São conjunções coordenativas que ligam orações coorde- nadas conclusivas.

2) Designam a conclusão da primeira oração:a) portanto: Essa conjunção, como as demais que se se-

guem, ligam à oração anterior uma oração conseqüente que exprime conclusão.

“Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mun- do, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram.” (Rm 5.12).

N o parágrafo anterior (6 -11), Paulo refere-se ao homem em sua condição de pecador: ímpios (v. 6), ninguém morreria por um pecador (v. 7), Cristo morreu pelos pecadores (v. 8), pecadores justificados pelo sangue (v. 9), os pecadores são mi- migos de Deus (v. 10), os pecadores são reconciliados (v. I I ) .

Paulo conclui seu argumento anterior, “portanto”, e mi- cia uma segunda oração usando um conectivo de subordina- ção “assim como”, ao mesmo tempo que conclui o período explicando a razão porque todos os homens morrem, “por- quanto”. O encadeamento lógico das proposições que-com- põem este versículo, leva ao seguinte silogismo:

Pelo pecado entrou a morte no mundo Todos os homens pecam

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H e rm e n ê u t ic a C on tex tua l

Logo, todos os homens morremConfira os outros “portanto” de Paulo aos Romanos: 2.1;

5.18; 8.1,12; 14.13; 15.2,7.b) assim: Uma outra conjunção muito freqüente nas ora-

ções seguidas por conjunções coordenativas conclusivas é o conectivo “assim”. Vejamos:

“Pois, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus” ( I Co 2 .1 1).

N o versículo 10, Paulo já atestara que o Espírito Santo é aquEle que “esquad rinha todas as coisas, m esm o as profundezas de Deus”. A demonstração que ele ainda não interrompeu o seu argumento é o uso do conectivo conclusivo “pois”. Esse conectivo não apenas relaciona-se ao aspecto discursivo da linguagem, mas cria naquele que lê ou ouve, uma expectativa para o que sucede imediatamente. Assim como somente o espírito do homem entende as coisas do homem por causa da relação íntima existente entre ambos, Paulo con- clui, afirmando que somente o Espírito de Deus compreende as coisas de Deus, devido a sua relação íntima, ou seja, indissociável com Deus. Neste exemplo, Paulo parte de uma dedução primária, física e inferior, para uma outra, superior e metafísica. Mas a surpresa que espera o leitor está no argu- mento que sucede:

“Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus” (v. 12).

A conjunção explicativa “ora” prossegue o argumento antecedente designando a relação lógica entre ambos. Se o Espírito de Deus, que nEle está, conhece os mistérios de

,

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Deus, este mesmo Espírito que também habita em nós, proce- dente de Deus, revela-nos gratuitamente o conhecimento de Deus (v. 10).

Outros conectivos correspondentes:* Por isso: “Por isso, Deus entregou tais homens a

imundícia”(R m 1.24).ψ Pois: “Se, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti

mesmo?” (R m 2.26; 3.28)

Adversativas

São conjunções coordenativas que ligam orações coorde- nadas que expressam adversidade.

3) Designam adversidade:a) mas: Essa conjunção e as da mesma classe ligam dois

termos ou duas orações de igual função, acrescentando-lhes, porém, uma idéia de contraste.

“Mas em todas estas coisas somos mais que vencedores, por aquele que nos amou” (R m 8.37).

Paulo alista dez inimigos contra o soldado cristão: opositores (v.3I), acusadores (v.33), condenadores (v.34), tri- bulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada (v.35), porém, através da adversativa “mas”, acrescenta que “em todas estas coisas somos mais que vencedores, por aquele que nos amou”.

N os textos de Romanos 7.19-25, Paulo usa quatro vezes o conectivo “mas”, sempre contrastando uma sentença com a outra:

“N ão faço o bem... mas o mal que não quero, esse faço” “Mas, se eu faço o que não quero”“Mas vejo nos meus membros, outra lei...”“Sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne”.

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“M as” é o tipo de conjunção adversativa que nitidamente indica adversidade de pensamentos ou idéias. Dentre esses conectivos, é este o mais ácido.

b) contudo: “Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia” (R m 4.16).

As idéias de adversidade e contraste nesse versículo fi- cam evidenciadas pela oposição: homem exterior/hom em interior, corromper/renovar, ânimo/desânimo, estagnação/ renovo (dia a dia).

Vejamos a adversidade demonstrada pelo texto paulino de 2 Coríntios 13.4, onde “contudo” e “mas” se intercalam:

“Porque, ainda que tenha sido crucificado por fraqueza, vive, contudo, pelo poder de Deus. Porque nós também somos fracos nele, mas viveremos com ele pelo poder de Deus em vós”.

A primeira sentença, “crucificado em fraqueza”, é con- trastada (contudo) com a sentença de oposição “vive pelo poder de Deus”, enquanto por meio da adversativa “mas”, o contraste ocorre entre somos fracos/mas viveremos, com ele.

Outros conectivos:* porém: “uns, para honra; outros, porém, para desonra”

(2 Tm 2.20)~ entretanto: “E, entretanto, os seus discípulos lhe roga-

ram, dizendo: Rabi, come” (Jo 4.31)* ainda: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e

dos anjos” (I Co I3 .I )" senão: “Quem pode perdoar pecados, senão Deus?”

(M c 2.7)Deve-se distinguir entre o “senão” de Marcos 2.7 do “se

não” de I Coríntios 13.1. Enquanto o primeiro pode ser tra­

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

duzido por “mas sim”, o segundo contudo, o “não” é advér- bio de negação e o “se” conjunção, que pode ser substituído por “e”, tal qual encontramos na ARC.

ψ aliás: “..para serdes vistos por eles; aliás [־ARA — “dou- tro m odo”], não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus” (M t 6.1)

Comparativas

São conjunções subordmativas que ligam orações subor- dinadas comparativas.

4) Designam comparação:a) assim, (assim) como, assim também: Assim, como e

assim também são conectivos subordinativos de comparação. Estes geralmente, iniciam uma oração adverbial que encerra uma comparação.

“[Assim] Como se dissipa a fumaça, assim tu os disper- sas; como se derrete a cera ante o fogo, assim à presença de Deus perecem os iníquos” (SI 68.2 ARA).

“[Assim] Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma” (SI 42.1 ARA)

Nesse dístico, a segunda linha poética desenvolve a pri- meira elevando-a a um nível superior através do uso de um conectivo de comparação “assim”. Como figura literária, é claro estar se tratando de um símile, ou seja, uma comparação entre dois objetos ou ações, normalmente precedido por uma conjunção de comparação, a fim de impressionar o ouvinte com algo semelhante. Tomamos a liberdade de decompor esse dístico como se segue:

“[Assim] Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma” (SI 42.1).

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H e rm e n êu t ica C ontextual

Além da símile, a beleza poética desse canto está na su- gestão verbal do suspiro da corça. O salmista evoca uma ima- gem auditiva que projeta sentimentos de ansiedade, expectati- va e necessidade. Esse recurso poético chamado de onomatopéia também é usado no Salmo 93.3,4:

“Os rios levantam, ó Senhor, os rios levantam o seu ruí- do, os rios levantam as suas ondas. Mas o Senhor nas alturas é mais poderoso do que o ruído das grandes águas e do que as grandes ondas do mar”.

Em Eclesiastes 7.6 pode-se ouvir o riso tolo:“Porque qual o crepitar dos espinhos debaixo de uma

panela, tal é o riso do tolo; também isso é vaidade”.A imagem, típica do cenário palestino nos períodos de

seca e praga, foi usada como palco profético por Joel ( L I 7- 20), especificamente no verso 20:

“Também todos os animais do campo bramam a ti; porque os rios se secaram, e o fogo consumiu os pastos do deserto”.

Qual uma solitária corça suspira audivelmente por água, não escondendo sua sede e necessidade, assim o salmista não consegue disfarçar sua paixão e sede pela “fonte de águas vi- vas” (Jr 2.13):

“A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus? (SI 42.2)

O anelo pela presença de Deus é comparado ao suspiro audível da corça, tal qual o salmista se expressa.

b) qual, (tal) qual, (tanto) quanto: Esses conectivos de comparação são usados em diversas ocasiões. N o Cântico dos Cânticos, é usado principalmente para exaltar a graça e a be- leza do cônjuge. Vejamos:

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H e rm e n êu t ica fácil e d escom phcada

“Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha amiga entre as filhas. (Tal) Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os filhos” (Ct 2.2,3).

Nesse epitalâmio, o esposo e a amada exaltam mutua- mente as qualidades um do outro. Em 2.1, ela se expressa afirmando ser “a rosa de Sarom”. Sarom era a planície costei- ra do Mediterrâneo entre Jope e Cesaréia. Era uma planície fértil com muita água e vegetação rica. Ao afirmar que era a “rosa de Sarom”, provavelmente esteja falando de algum tipo de rosa que se destacava das demais pela sua singeleza e bele- za. O esposo responde à amada, afirmando que assim como o lírio se destaca entre os espinhos, tal é a amada entre as demais virgens. Ela responde declarando que assim como, uma maci- eira se destaca entre as árvores da floresta, assim o amado entre os demais jovens.

Cada uma dessas comparações evoca uma imagem de con- traste, a fim de dignificar e exaltar as qualidades do cônjuge. A amada, ao escolher floresta em vez do pomar, o faz para que o contraste mais se acentue. O valor de uma macieira numa fio- resta é muito superior aquela encontrada no pomar.

Condicionais

São conjunções subordinativas adverbiais que ligam ora- ções subordinadas condicionais.

5) Designam condição:

a) exceto·, excetua: As conjunções condicionais ligam duas ora- ções, principal e subordinada, pondo a subordinada em relação de condição em que se indica uma hipótese ou uma condição necessária para que seja realizado ou não o fato principal.

“... e todos foram dispersos pelas terras da Judéia e da Samaria, exceto os apóstolos” (At 8.1c).

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H e rm e n êu t ica Contextual

exceto Calebe, filho de Jefoné, o quenezeu, e Josué, filho de Num, porquanto perseveraram em seguir ao Senhor”(N m 32.12).

“Exceto”, em cada um desses textos, pode ser substituído por “salvo”. O versículo de Números 32.12 biparte o versículoI I , e não deve ser considerado distinto deste, ao contrário, segue a linha lógica da narrativa.

Em I Coríntios 15.27, Paulo, tratando da subordina- ção de todos e tudo à Cristo, condiciona esse domínio nes- tes termos:

“Porque todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés. Mas, quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que sujeitou todas as coisas.”

Vej am os as três divisões lógicas deste d iscu rso , exemplificado pelos uso dos conectivos:

1 ) Explicativo: P o r q u e todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés.

2) Adversativo: M a s , quando diz que todas as coisas lhe estão sujeitas,

3) Condicional: claro está que se EXCETUA aquele que su- jeitou todas as coisas

b) contanto que: “A mulher casada, está ligada pela lei todo o tempo em que o seu marido vive; mas, se falecer o seu mari- do, fica livre para casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor” (1 C o 7.39).\ y

“Mas em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus” (At 20.24).

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

Em cada um dos dois textos, “contanto que” pode ser substituído por “desde que”. N o primeiro texto, a viúva, é livre para casar-se. N o entanto, Paulo admoesta que ela não seja precipitada, condicionando a nova união “no Senhor”. “Contanto”, inicia a oração subordinada estabelecendo uma condição necessária para o novo matrimônio: “no Senhor”.

Texto célebre, usado por diversos missionários e pastores, o versículo 24 de Atos 20, o doutor dos gentios, estabelece uma condição para expor-se ao martírio: “contanto que cumpra com alegria a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus”.

Paulo não era um cavaleiro errante a procura de redemo- inhos para a batalha, e dispõe sua própria vida sob a condição de cumprir alegremente a carreira e o ministério recebido da parte do Senhor, não de outro modo.

Registre-se por fim que as conjunções coordenativas e as subordmativas, que mtroduzem orações, não têm, isoladamente nenhuma função sintática. Todavia, semelha acrescentar às observações anteriormente expendidas, que o conectivo pode também exercer função sintática de sujeito de objeto direto, de objeto indireto, de complemento-nominal, de adjunto adnominal, de ad-

junto adverbial, preduativo e agente da passiva - os pronomes relati- vos. Mas isto foge dos limítrofes de nosso manual.

QUADRO DE ALGUNS CONECTIVOS LÓGICOS

R azão: porque1 por causaI porquanto

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H e rm e n êu t ica Contex tua l

C onclusão: portanto assim por isso pois

A dversidade: mascontudoporémentretantoaindasenãoaliás

C omparação: assim, assim como,assim tambémcomo, qual, tal qualtanto quanto, tanto

C ondição : excetoexcetuacontanto quedesde que

Pelo que se depreende do que atrás foi dito, é que o con- texto gramatical e lógico unem-se naturalmente no discurso literário, cada um emprestando ao outro suas normas.

N o contexto gramatical, o hagiógrafo respeita as regras gramaticais; no lógico, as regras do raciocínio correto.

Como a pouco perlustramos, o sentido de um texto, se- gundo a gramática, não é o resultado de cada uma de suas partes, mas é um todo relacionado de forma específica com

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H e rm e n êu t ic a fácil e descomplicada

suas partes. Daí, o cuidado que o hermeneuta deve ter para não dar devida ênfase a expressões menos importantes. O m- térpre te deve estar atento entre a relação da estru tura (morfologia) e da função (partes do discurso) com a mterpre- tação das Escrituras.

Os substantivos são as palavras com que se nomeia algo. N a Bíblia temos vários exemplos deles, como por exemplo:

a) de pessoa (Pedro, Paulo);b) de lugar (Betânea, Egito);c) de coisa (pedra, porta);d) de conceito ou idéia (justificação, pecado, graça);e) de ação (ascensão, crucificação), etc.26N o contexto gramatical, não é apenas necessário como

também plausível, que o intérprete faça um esquema das divi- sões das orações do texto, a fim de que a seqüência lógica do pensamento do autor fique mais patente, além, é claro, do período e sua estrutura.

Ú til ao estudante é o emprego do método lingüístico- gramatical também chamado de léxico-smtática. Esse método combina o estudo etimológico dos vocábulos e a relação deste termo com as partes frasais que o acompanha.

Enquanto na análise léxica ou lingüística a ênfase está no sentido etimológico, sua origem (étimo), desenvolvimento (diacrônia), e o sentido deste termo empregado pelo autor (sincronia), a gramatical ou sintática verifica as relações funci- onais de cada uma das partes integrantes da frase.2־

Análise Etimológica

O termo etimologia procede da língua de Homero. E formado por dois termos: etyrnos, que é traduzido por “verda­

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H erm e n êu t ica C ontextual

de” e, logos, “tratado, palavra, discurso ou relato”. Chama-se de etimologia o ramo da lingüística que se ocupa da origem, derivação e desenvolvimento dos vocábulos. O alvo do estudo etimológico é proporcionar um entendimento claro do vocá- bulo em análise, a fim de que o leitor hodierno compreenda os matizes lexicais, culturais e semânticos que circundam o lexema em apreço.

A análise etimológica precede a gramatical. N ão em im- portância, pois as duas são igualmente necessárias, mas por razões metodológicas. N os variegados exemplos apresentados nesta obra provamos o quanto é útil esse recurso hermenêutico. Acreditamos porém, ser mais fácil apresentar os perigos e fa- lácias deste método, quando usado inabilmente pelo intérpre- te, do que as regras seguras de análise, composição e interpre- tação. As vezes, o interpretante é encantado pela semelhança epidérmica do seu achado e não acura, contrasta ou testa sua conclusão acumulando prejuízos estratosféricos à intenção autoral. N a verdade, esse método de análise textual se movi- menta em busca do enlace e do divórcio, do falso e do verda- deiro, do real e do imaginário, e por isso as aparências fugidias e ambíguas devem ser rejeitadas. A guisa de remate deste tópi- co, vejamos como opera o método:

Ler o parágrafo várias vezes até compreender-lhe a tessitura, o sentido; a mensagem que o literato deseja comunicar. Ler não é pouco, se entendermos bem o que significa o termo.

Selecionar o termo-chave ou central do texto. Os vocá- bulos que se repetem propositalmente, os termos teológicos, litúrgicos ou cerimoniais que estão carregados de sentido pneu- mático (graça, expiação, purificação, redenção, etc.).

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

Exclusivamente este último, a terminologia usada para referir-se a redenção abrange diversos verbos e substantivos que participam do mesmo campo semântico.

Os verbos:agorazõ (αγοράζω = comprar, adquirir, I Co 6.20);exagorazõ (εξαγοράζω = redimir, comprar de volta,

G1 3.13);lytrôõ (λυτρόω = libertar ao pagar um resgate, redimir,

resgatar, I Pe I .I8 ).E os substantivos:lytron (λυτρον = preço de libertação, resgate, M t 20.28);antilytron (αντί λυτρον = resgate, preço pago para liber-

tar um escravo, I Tm 2.6), e muitos outros, são termos que merecem atenção do exegeta quando encontrados no texto.

O estudo etimológico de um vocábulo conduzirá o exegeta ao estudo e a compreensão da estrutura e formação da palavra em apreço. Para tanto, o expositor terá que se imiscuir ao fas- cmante estudo dos sufixos formadores de substantivos, de adjetivos, de verbos, além é claro, de imergir na análise das palavras compostas.28

Com ajuda de uma concordância bíblica verificar o uso do termo em contextos anteriores e posteriores ao escrito e ao autor em análise, a fim de compreender o uso diacrônico e sincrônico do vocábulo.

Isto deve ser feito para que o hermeneuta evite a atribuição de um sentido recente de uma palavra ao vernáculo fossilizado das Escrituras, o chamado anacronismo semântico29, ou senti- do anacrônico. Para evitar esta e muitas outras falácias o exegeta deve conhecer as significações que o termo adquiriu no decor- rer do tempo, e o sentido corrente ou específico usado pelo

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autor naquele contexto específico. Beekman e Callow, na opus magnum A Arte de Interpretar e Comunicar a Palavra Escrita ~ Técnicas de

Tradução da Bíblia} tratando sobre a equivalência léxica entre as línguas — quando coisas ou eventos são desconhecidos na língua receptora, assinalam que no caso da tradução:

“... não existe uma distinção clara entre o que é anacrôni- co e o que não é. Contudo, há uma gradação que vai do mais

anacrônico até 0 menos anacrônico... Provavelmente, não há hoje ne- nhuma versão do Novo Testamento que não inclua certo grau de anacronismo. N o entanto, casos sérios de anacronismo podem e devem ser evitados” 30 (grifos nossos).

Entre os vários exemplos apresentados na obra, citam quatro substitutos culturais que representam a gradação de anacronismos aceitáveis e inaceitáveis na tradução dinâmica da Bíblia, destes citamos apenas dois: “Ninguém costura re- mendo de pano novo em veste velha” (M c 2.21). Ao traduzir o texto para algumas tribos aborígines da Austrália, que não conhecem o pano, e daí não existe sentido textual para eles, Beekman e Callow consideram aceitável na tradução dinâmica a substituição da imagem “pano” por “pele de gambá”, visto ser essa pele o artefato usado para remendar um tapete nessas tribos. De certa forma este substituto cultural possui um cer- to grau de anacronismo semântico, entretanto, “deixar de usar um substituto cultural pode diminuir a fidelidade dinâmica, e provavelmente alguma parte da mensagem original não será entendida”.1' Já o texto de Lc 12.3: “... será proclamado dos ־eirados” ( “dos telhados”, na BLH), um substituto por demais anacrônico, diminuindo a fidelidade histórica seria “será anun- ciado pelo rádio”.''2 Recomendamos aos interessados a leitura de Carson, Beekman e Callow, para aqueles que desejam co- nhecer todas as nuanças desta ciência.

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H e rm e n êu t ic a fácil e descomplicada

• Consultar a palavra assinalada na língua original. Tra- duzi-la. Procurar o significado da mesma em um dicionário hebraico ou grego. Observar se o autor empregou o termo em sentido próprio ou conotativo.

• C o n su lta r o te rm o nos d ic io n á rio s teo lóg icos especializados para apreender o sentido original, desenvolvi- mento histórico, campo semântico e sentido usado por diver- sos hagiógrafos.

• Ser cuidadoso com os termos chamados de hapax legomenon

(isto é, termos que aparecem apenas uma vez na Escritura).Neste caso é importante reconhecer as diferenças apre-

sentadas por Louis Berkhof, que divide estes em duas espéci- es: absolutos e relativos.33 O primeiro, quando um termo apa- rece uma única vez em todo acervo de literatura conhecida. O segundo, quando há apenas um exemplo nas Escrituras, josé M. M artinez assevera que na ocorrência de um hapax legomenon,

o te rm o só pode ser “de te rm in ad o ou sim plesm ente conjecturado pelo contexto ou pela comparação de palavras análogas de outras línguas”.34 Quanto a isto, o expositor deve tranqüilizar-se, pois os bons dicionários e comentários exegéticos sempre assinalam estes termos raros.

Recorrer sempre ao contexto, seja ele inicial, imediato ou remoto. Pois mesmo que uma palavra seja polissêmica, o con- texto em que foi usada indicará o sentido pretendido pelo autor. Deve-se, portanto, atribuir prioridade não ao versículo isolado, mas a estrutura geral do texto — ao bloco que com- põe cada um dos versículos.

C O N T E X T O H IST Ó R IC O

Os contextos subseqüentes e remotos são muito úteis para a interpretação de qualquer texto bíblico. N ão podemos igno­

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H erm en êu t ica C ontextual

rar, entretanto, os matizes histórico-culturais e literários que enriquecem e adornam a mensagem de determinados versículos. Esta realidade parte da premissa de que o hagiógrafo não é uma tabula rasa33, isto é, um indivíduo alheio à cultura de seu tempo e desprovido de qualquer saber que o habilite a ter um pré-conhecimento da realidade.36

A inspiração divma sobre os sacros escritores não elimi- nou suas idiossincrasias e, portanto, valeu-se do registro ope- rado pelos órgãos dos sentidos e da cultura do tempo de cada um. As vezes, nos escritos sacros, vazam essa cultura dando beleza e fortalecendo a mensagem. Quando não há uma cita- ção literal de algum texto literário, escreve-se condenando muitos dos costumes licenciosos e pagãos da época.

Muitos leitores se surpreendem com a ironia, explosão de ira, eufemismo e desabrido usado por Paulo em Gálatas 5.12: “Tomara até se mutilassem os que vos incitam à rebeldia”.

O pomo da discórdia nesse texto é a circuncisão. Esse texto é polimorfo em seu contexto. Se valermo-nos do con- texto histórico, pode ser que seja uma referência aos ritos de castração dos sacerdotes, próprios do culto à deusa Cibele, na Galácia.

O culto a Cibele foi introduzido em Roma na época da segunda guerra púmca. A deusa era representada com os tra- ços e a aparência de uma mulher robusta que trazia uma coroa de carvalho, torres sobre a cabeça e uma chave que levava nas mãos indicando os tesouros que a terra guarda no inverno e concede no verão. Segundo a mitologia greco-romana, Cibele enamorou-se perdidamente pelo formoso jovem frígio Atis, a quem confiou o cuidado de seu culto, com a condição de que não violaria seu voto de castidade. Atis violou o juramento,

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descomplicada

casando-se com a ninfa Sangárida, sendo esta morta por Cibele. Atis, em um acesso de frenesi e torturado pela morte de sua amada, se mutilou. Cibele, para evitar o suicídio de Atis, o transforma em pinheiro.

Ao som de oboés e címbalos, nos cultos à deusa, todo tipo de licenciosidade era cometido — o som da música con- trastava-se com os uivos dos sacrificadores.

Uma porca, uma cabra ou um touro, era oferecido em sa- crifício a Cibele para lembrar a fertilidade da deusa. Eram-lhe consagrado o buxo e o pinheiro em memória do desafortunado Atis. Seus sacerdotes eram os Cabiros, os Conbantes, os Curetes, os Dáctilos do monte Ida, os Semíviros e os Telquinos, quase todos eunucos, trazendo à memória a sorte de Atis.

Estes sacerdotes, chamados também de Gálos, se castra- vam ou emasculavam-se, retirando os testículos com um pe- daço de cerâmica. Neste caso seria como se o apóstolo afir- masse: “Se para ser salvo e consagrar-se à Divindade é neces- sário circuncidar־se, porque não fazem eles como os sacerdo- tes de Cibele?”.

N o contexto veterotestamentário, a castração era um impedi- m ento à participação das assembléias santas (D t 23.1). A invectiva de Paulo à luz destes contextos torna-se mais veemente.

“Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos con- duz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento” (2 Co 2 .I4 -A R A \

Paulo, na função de mestre e pedagogo, exacerba no uso de imagens visuais para interiorizar o seu ensino nos discípu- los. Apela aos estímulos de seus ouvintes, projetando uma imagem dos conquistadores romanos sobre um ensino parti- cular das Escrituras.

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O texto, sem dúvida, refere-se à exposição dos vencidos ao escárnio por parte da soldadesca romana e do populacho, que concorriam para essas cerimônias. Socorramo-nos com um fato histórico, que provavelmente lançará luz ao contexto histórico do texto.

N o ano 51 d.C., quando os rom anos derro ta ram Caratacus, eles bem que poderiam tê-lo matado imediatamente e contar a história do massacre depois. Porém, não o fizeram. Levaram o líder subjugado e o arrastaram pelas ruas de Roma, fazendo uma exibição nacional de que os romanos mais uma vez haviam triunfado sobre seus inimigos.

A marcha triunfal exibia publicamente Caratacus e su- bordmados ao escárnio; quanto mais humilhado era o cativo, mais aumentava a glória dos conquistadores. Estes, arrastados pelos calcanhares atrás das carruagens, contrastavam com a fumaça adocicada do incenso que se seguia adiante deles.

Os templos com suas portas escancaradas, adornados de perfumadas flores; sobre os altares era queimado incenso à divindade. A fragrância dos conquistadores inebriava os pul- mões dos vencidos.

N ão havia necessidade de posicionar-se em praça públi- ca e, à vista de todos, proclamar como foi a vitória sobre os vencidos. Caratacus, como um troféu, estava lá para que to- dos o vissem.

Nossas traduções assinalam que Deus é o agente da vi- tória do crente, “Ele nos faz triunfar através de Cristo”. O texto não se refere só à vitória do crente, mas antes, à vitória de Deus sobre o crente — onde uma aporia é demonstrada: vencendo Deus ao crente, este se torna vitorioso por sua submissão a Deus, Jacó é um exemplo dessa verdade. Assim,

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o crente cativo é exibido por Cristo. Por empréstimo, Champlín comenta:

“Portanto, o sentido dessas palavras é que os próprios apóstolos sejam vistos aqui como os cativos de Deus, aqueles sobre quem o Senhor obtivera total vitória, e a quem exibia como troféus de sua missão remidora, em Cristo Jesus. Essa exibição, pois, seria feita para benefício do resto do mundo, perante quem os apóstolos passariam em marcha, a fim de que outros pudessem unir-se à parada triunfal, deixando-se sujei- tar ao mesmo poder divino. Porém, ceder ao poder divino é uma vitória humana. Dessa forma é que os homens verdadei- ramente triunfam”.37

C O N T E X T O LITERÁRIO

Os escritores estavam familiarizados não somente com a cultura contemporânea à sua época, mas também com a lite- ratura poética e filosófica.

Chama-se de contexto literário (no âmbito bíblico) o con- texto que é próprio à literatura e publicações correntes no perí- odo vetero ou neotestamentário, e que servem como fundo lite- rário para a compreensão dos matizes literários das Escrituras.

Segundo Tenney:“N o tempo de Augusto, Roma acomodou um grande

avivamento literário, do qual o poeta Virgílio era um dos prin- cipais. Sua opus mais conhecida, Eneida, glorifica a Roma de Augusto. A época de Augusto foi o período áureo da poesia e literatura latina. Foi adornada por Horácio, que escrevia suas poesias nos moldes gregos, e por Ovídio, cujas histórias da mitologia grega e romana revelam as atitudes morais contem- porâneas do povo romano — moralidade esta capaz de es­

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H e rm e n êu t ica Contex tual

pantar qualquer habitante de Sodoma! Mais tarde, Sêneca, o estóico, e tutor de Nero, produziu ensaios filosóficos e tragé- dias dramáticas. Petrônio compôs uma novela, que ainda hoje é uma das melhores fontes de conhecimentos da vida comum dos seus tempos. N ão muito depois destes, surgiram Plínio, o Velho, com sua História Natural, os historiadores Tácito e Suetômo e, depois destes, o satirista Juvenal ”.38

Ao contexto literário alia-se o estudo das formas literári- as. Esse método combina a crítica dos gêneros literários com a investigação de sua história. A crítica dos gêneros literários investiga-os com base em determinados critérios. A história dos gêneros é a história de seu uso no quadro da história do Oriente Médio, do Oriente Próximo e da Europa.39

Qualquer um desses autores sempre apresenta, em suas literaturas, várias fontes de pensamentos que se encontram relacionadas com a composição e coerção literária de vários textos neotestamentários.

O apóstolo Paulo foi o escritor sacro que mais se utilizou do contexto literário e cultural de sua época, provavelmente devido sua c idadan ia tam b ém ro m an a e a sua vasta intelectualidade, usando aqui e acolá vários recursos oratórios, tais como o “traductio” e a “diatribe”.

• traductio era uma técnica retórica usada pelos escritores latinos em que o escritor repetia insistentemente um vocábulo.

• Em 2 Coríntios 3, por exemplo, Paulo repete o termo kanoi (capazes) por três vezes ( ikanoi, ikanotes e ikanosem, vs.5,6);

• gramma (letra) por seis vezes Çengegrammene — 2 vezes; grammatos, gramma c grammasin, vv. 2, 3, 6 (2 vezes);

• diakonetheisa (ministrada), diakonous, diakonia (3, 6-9), e doksa

por oito vezes (7,8,9,10,11).

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

• Em Efésios 1.3, eulogetos (bendito), eulogesas (abençoou), eulogia (bênçãos).

O Novo Testamento mostra que este era um recurso usa- do por outros escritores.

Tiago, no capítulo 1.22-26 repete poietai (fazer) por qua- tro vezes, e nos versículos 26, 27 repete threskeia (religião) por três vezes.

O propósito do traductío era reforçar o sentido imediato do texto através da repetição.

O principal propósito da d i a t r ib e grega é fazer com que o escritor entre logo em contato com os seus leitores, como um orador com seus ouvintes, daí, o termo significar coló- quio, sendo definido como uma forma literária com elemen- tos de tratado e de diálogo.

Paulo usando o recurso da diatribe aos seus leitores:• apostrofa-os, faz perguntas (Rm 3.13; G1 3.19),• introduz um adversário fictício (Rm 9.19; I I . 19). faz objeções (Rm 2.1,3; 9.20; 14.4,20,22)• e gosta de contrastes (D eus/m undo; justiça/pecado;

esp írito /carne/; espírito/letra; fé/lei; velho hom em /novo homem; longe/perto).41

N os escritos paulmos ocorrem certas alusões aos poetas e escritores gregos e latinos como Píndaro, Aristófanes, Epimênedes, Sêneca e muitos outros.

Em Atos dos Apóstolos (17.28), Paulo faz citação de um texto poético familiar aos atenienses: “... como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois dele também somos geração”.

O uso do pronome na segunda pessoa plural mdica que mais de um poeta havia se expressado nesses termos. Nesse texto, Paulo cita a poesia “F enôm enos/P hainótnena” de Arato

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(315-240 a.C.), poeta, astrônomo e filósofo estóico, origina- rio da Cilícia, onde o apóstolo nascera, e também, a poesia “Hino a Zeus”, de Cleantos (331-232 a.C.), filósofo, disci- pulo e sucessor de Zenão, o fundador da escola estóica.

“Enche ele (Zeus) também o mar, todo o ribeiro e baía; E todos, em tudo, precisamos da ajuda de Zeus,Pois também somos sua geração”(Fenômenos, 1-5).42O contexto histórico e o literário, às vezes, convergem si-

multaneamente esclarecendo o sentido de determinados textos.E o que ocorre em Romanos 7.24: “Miserável homem

que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?”O sentido literal é que o corpo, por meio da alma pecami-

nosa, é controlado pelo princípio do pecado-morte. Mas o sen- tido histórico pode também facilitar o entendimento da mensa- gem. N o mundo antigo, costumava-se castigar um assassino por seu crime, amarrando-o membro a membro com a sua vítima. N a medida em que o cadáver se decompunha, o criminoso sen- tia todo o horror sufocante desse estado. E provável que o versículo 24 seja o próprio grito do condenado: “talaiporos ego anthropos! tis me husetai ek tou thanatos toutou”.

O contexto literário também pode auxiliar a interpretação desse versículo. Virgílio (Eneida) escreve sobre essa prática tam- bém como uma forma bárbara de tratar prisioneiros de guerra:

“Que língua pode descrever tais barbaridades,Ou enumerar os massacres da espada implacável dele. N ão foi bastante que os bons, os inocentes sangrassem; Ainda pior, ele amarrou os mortos aos vivos;Estes, membro a membro, rosto a rosto, ele fixou;O crime monstruoso! crime sem precedente.

H e rm e n êu t ica C on tex tua l

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H e rm en êu t ica fácil e de$compl1c<i*H;i

Os vivos, sufocados com fedor, miseráveis deitado lá;E, neste abraço repugnante, aos poucos, morreram!” 4׳' Em I Coríntios 15.32, “comamos e bebamos, porque

amanhã morreremos” é a mesma expressão que se encontra em Isaías 22.13. Escavações arqueológicas descobriram numa al- deia vizinha aTarso, Anquiale, uma estátua de Sardanapalo Tun- dador da cidade de Tarso) com a seguinte inscrição: “Come, bebe, desfruta a vida. O resto nada significa”. E bem provável que além da citação de Isaías, Paulo tivesse consciência dessa declaração, tendo visto a estátua por mais de uma vez.44

Devemos considerar que Paulo, ao fazer citação de um trecho de qualquer fonte literária, está usando um recurso retórico comum em seus dias. O filósofo e escritor Sêneca fez largo uso deste método, e em Cartas a Lucilío faz citação de Virgílio quando diz:

“N o coração de cada homem de bem ‘habita um deus’. Qual é ele' N ão sabemos; mas é um deus” (grifo nosso).4:1

Ainda na mesma obra, Sêneca orienta ao seu aluno para que depure a sua idéia da divindade. Segundo o filósofo, Deus desce entre os homens. Escreve:

“Os deuses não têm por nós nem desprezo, nem inveja; eles nos querem junto de si e nos estendem a mão para nos ajudar em nossa ascensão. Admiraste que um homem possa chegar junto dos deuses: E Deus que vem entre os homens. Além disso, ele se faz próximo, desce neles. Sem Deus, não existe alma sábia”.46

Ao lermos este texto, somos capazes de estatuir que o mundo do Novo Testamento anelava pela presença real de Deus entre eles. Qual não foi o impacto da mensagem de João I .I - 14,16-18 e Marcos I .IO -I I no mundo de então?

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H e rm e n êu t ica Contex tua l

Em Tito 1.12, o apóstolo afirma: “U m deles, seu pró- prio profeta, disse: Os cretenses são sempre mentirosos, bes- tas ruins, ventres preguiçosos”.

O apóstolo Paulo faz citação, nesse texto, de um precon- ceito já existente no ambiente helenista contra os cretenses. Esse hexâmetro é atribuído a Epimênides de Cnossos, poeta do século VI a.C., escritor dos poemas Minos, Teogonia e uma coleção de oráculos. A tradição grega chamava-o de pro- feta, outros consideravam-no poeta, e até mesmo reformador religioso. Champlin afirma que alguns o tem como um dos sete homens mais sábios da cultura grega. E a citação de que os cretenses são mentirosos é porque, veja só, eles gabavam-se de guardar a tumba de Zeus! O apóstolo Paulo conhecia tanto a cultura e caráter dos habitantes de Creta que confirmou o poema no versículo 13: “Esse testemunho é verdadeiro”.

Os escritores sagrados usaram vez por outra, não somen- te a poesia e filosofia do seu tempo, mais também provérbios e textos apócrifos.

Em 2 Pedro 2.22, o apóstolo cita provérbios 26.1 Ia e complementa: “e a porca lavada volta a revolver-se no lama- çal”. A segunda parte desse provérbio combinado é de fonte não bíblica e desconhecida. Entretanto, os dois animais (cão e porco) já haviam sido usados por Cristo em Mateus 7.6, e devido aos seus hábitos imundos, serviram para os filósofos e poetas ilustrarem os vícios morais — um indivíduo era chamado de cão por causa do desregramento moral vivido por essa pessoa. E o caso por exemplo, do pai da filosofia cínica (cinismo), Diógenes de Smope, que foi chamado de kúmkos, isto é, “parecido com um cão” (daí cinismo), por satisfazer seus desejos publicamente. Certa ocasião mastur­

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

bou-se em público a fim de mostrar como é fácil axpessoa satisfazer seus desejos libidinosos.

O texto de Judas 9, desde Origenes, é considerado cita- ção do livro pseudepígrafo chamado “Assunção de Moisés”. Neste livro consta que “o Diabo não queria permitir que Miguel sepultasse a Moisés porque o corpo de Moisés per- tencia à ordem material, acusando-o de homicida e, por isso, não merecia um sepultamento digno. Miguel retruca, afirman- do que o Senhor é o criador e governador do mundo material, pelo que Satanás não possuía qualquer direito de se declarar sobre o assunto...”.4'

Sem mencionar as diversas figuras apocalípticas usadas no livro das Revelações que eram comuns a livros congêneres. Muitas dessas declarações literárias e outras semelhantes eram ouvidas com freqüência entre os filósofos estóicos, poetas la- tinos e do conhecimento do povo.

Esses conceitos refletem o panteísmo estóico e os ensi- nos das religiões de mistérios, pois derivavam de autores pa- gãos, honrando deuses pagãos. Entretanto, Paulo empregou trechos dos poemas destes, direcionando certas verdades distorcidas para a adoração do único Deus.

N o Antigo Testamento, a combinação entre cultura e 11- teratura não deixa de ser menos interessante. Existia forte m- fluência egípcia na terra de Canaã antes da chegada dos hebreus. Isto quer dizer que os hebreus foram atingidos não somente pela cultura canamta, mas também pela influência que a cul- tura egípcia mantinha em Canaã. Semelhantemente ocorre no domínio literário; basta observar a influência do hino de Akhenáton (Amenófis IV ) com o Salmo 104, ou ainda o pa- rentesco de Provérbios 22.17-23 com algumas passagens do

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Ensinamento de Amen-em-opet. O mesmo ocorre quando comparamos o “Cântico dos Cânticos” e alguns cânticos de amor egípcio.40

SINOPSE

O contexto é o nexo recíproco dos vários elementos duma oração, sejam próximos (contexto imediato), sejam distantes (contexto remoto).

O exame do contexto é extremamente importante por- que as palavras, as locuções e as frases podem assumir senti- dos múltiplos, os pensamentos normalmente são expressos por seqüência de palavras ou de frases, e desconsiderar o con- texto acarreta interpretações falsas.

Contexto inicial é a própria frase ou versículo em que o termo foi usado. Antes mesmo de recorrer ao contexto imedi- ato e remoto, é extremamente necessário entender o texto (frase) onde o termo aparece em seu conjunto.

N o contexto inicial, saber se o vocábulo está sendo usado em sentido denotativo ou conotativo é imprescindível.

O contexto conseqüente é aquele que procede imediata- mente ao texto.

O macrocontexto de uma palavra ou de um versículo é um contexto maior que a palavra ou o versículo que precede ou segue o versículo considerado.

N o contexto amplo, o importante é verificar o tema ex- posto pelo versículo, parágrafo e capítulo e como ele se relaci- ona com o esboço geral do livro, e com temas semelhantes em outros livros.

Chama-se contexto literário (no sentido bíblico) ao con- texto que é próprio a literatura e publicações correntes no

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H e rm en êu t ica lacil e descomplicada

período vetero ou neotestamentário, e que serverfi como fun- do literário para se compreender os matizes literários das Es- crituras.

Ao que parece, o contexto remoto de um texto nas pági- nas do Novo Testamento, se encontra aduzido nas próprias citações que prendem uma situação histórica presente (sincrônica) a um fato ou profecia pretérita.

O contexto gramatical e lógico unem-se naturalmente no discurso literário, cada um emprestando ao outro suas normas.

Util ao estudante é o emprego do método lingüístico- gramatical também chamado de léxico-smtático. Esse método combina o estudo etimológico do vocábulo e a relação desse termo com as partes frasais que o acompanha.

O uso do contexto remoto por Cristo e mais tarde pelos apóstolos, inaugurou uma nova fase mterpretativa das Sagra- das Escrituras: A interpretação cristológica, tendo as profeci- as do Antigo Testamento como pilar, mas sendo explorada de seu contexto maior e geral para um particular e especial.

TR A BA L H A N D O CO M T E X T O S

ESCRITURAS E CRÍTICAS

“(...) como as traduções são remodeladas à medida que são ultrapassadas, depois de algum tempo poderemos estar afastados da palavra de Deus, mas ainda assim insistindo em que todas nossas opiniões teológicas são bíblicas e, portanto, verdadeiras. Quando isso acontece, se estudarmos a Bíblia de uma forma que não seja crítica, é mais do que provável que iremos simplesmente reforçar nossos erros. Se a Bíblia deve cumprir sua obra de reforma contínua — reforma de nossas

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vidas e de nossas doutrina — devemos fazer tudo o que pu- dermos para ouvi-la novamente e utilizar os melhores recur- sos que se encontram à nossa disposição. A importância desse tipo de estudo não pode ser superestimada se pretendermos alcançar unanimidade nas questões de interpretação que ain- da nos dividem. Dirijo-me àqueles que têm uma visão das Escrituras: é muito angustiante perceber quantas diferenças existem entre nós com relação ao que a Bíblia realmente diz. As verdades supremas e unificadoras logicamente não devem ser minimizada, mas o fato é que, em meio aos que crêem que os sessenta e seis livros canônicos são nada menos que a Pala- vra de Deus escrita, há uma incômoda lista de opiniões teoló- gica mutuamente incompatíveis. [O fato de] os evangélicos, todos reivindicando uma norma bíblica, chegarem a formula- ções teológicas contraditórias em muitas questões abordadas, sugere a natureza problemática de sua atual concepção de in- terpretação teológica. Argumentar que a Bíblia tem autorida- de, mas ser incapaz de chegar algum tipo de acordo sobre o que ela diz (mesmo com aqueles que compartilham do mes- mo compromisso evangélico) é autofrustrante.

Por que será que, entre aqueles que têm conceitos eleva- dos acerca da autoridade das Escrituras, há alguns que acham que as línguas são o sinal definitivo do batismo do Espírito, outros que acreditam que o dom de línguas é opcional e ou- tros ainda que pensam que isso não existe mais como dom genuíno? O u por que existe tal superabundância de opiniões com relação à escatologia? Por um lado, claro, os motivos nem sempre sao racionais ou podem ser corrigidos apenas com maior rigor exegético. Muitos professores e pregadores bíbli-

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H e rm e n êu t ica fácil e d escom phcada

cos locais foram obrigados a confrontar de maneira profunda as interpretações alternativas.

D. A. C A RSO N - A Exegese e Suas Falácias.

EXERCÍCIOS

1. Quais são os tipos comuns de contexto?

2. O que é contexto imediato?

3. Qual a importância do contexto para a interpretação bíblica?

4. Escolha um capítulo da Bíblia, divida-o em parágrafos e dê um tema para cada parágrafo de acordo com o assunto.

Bibli-Holmes

Ajude nosso detetive a investigar as diferenças estruturais dos parágrafos em cada versão bíblica conhecida.

LIVROS E LEITURAS PARA APROFUNDAMENTO

VIRKLER. Η . A. Hermenêutica Avançada — Principio e Proces-

sos de Interpretação Bíblica, Vida (p. 59-67).

BEEKMAN, J. & C A L L O W , J. A Arte de Interpretar e Co-

municar a Palavra Escrita — Técnicas de Tradução da Bíblia, Vida Nova(p. 43-59).

W E G N E R , Uwe, Exegese do Novo Testamento — Manual de

Metodologia, Paulos e Sinodal (p. 84-89).

EGGER, Wilhelm, Metodologia do Novo Testamento, Bíblica Loyola 12, 1994, p. 71-142; 155-179;

SIM IAN-YOFRE, Horácio (coord.) Metodologia do Antigo

Testamento, Bíblica Loyola 28, 2000, p. 73s.; 123-144.

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NOTAS

1Sobre a conexão entre vocábulos e frases e sobre os fato- res de coesão e falta de coesão, ver Wilhelm Egger, Metodologia

do Novo Testamento, Bíblica Loyola 12, 1994, p. 7681.

2 Cf. Charles F. Pfeiffer & Everett F. Harrison, Comentário

Bíblico Moody, V1.2: Josué a Cantares, 1995, p. 473. Ver também Documents from Old Testament Times (Documentos dos Tempos do Antigo Testamento), D. W. Thom as (ed.), 1958, p. 179. Veja Também, A. Barucq, et alii. Escritos do Oriente Antigo e Tontes

Bíblicas, Biblioteca de Ciências Bíblicas, Edições Paulinas, 1992.3 Paschoalm & Spadoto, Literatura,Gramática e Redação,

1986, p. 15.4 John Beekman & John Callow, A Arte de Interpretar e Comu-

nicar a Palavra Escrita: Técnicas de Tradução da Bíblia, 1992, p. 97. .Este exemplo, com ligeiras modificações, devo ao Dr נ

Estevan F. Kirschner, quando cursava Hermenêutica Avança- da no CETEO L.

6 Juan Mateos & Fernando Camacho, Evangelho Figuras &

Símbolos, p. 15-17..lindem ־

ô Ibidem.

9 Pontifícia Comissão Bíblica, A Interpretação da Bíblia na

Igreja, p. 96.10 Wittenstein, Op.cit., p. 188, considera: ״Digo uma fra-

se: O tempo está bonito”; mas as palavras de fato são signos arbitrários — em seu lugar coloquemos esses: ‘a b c d ’. Mas agora se os leio, não posso sem mais vmcular-lhes o sentido acima. — Eu diria que não estou habituado a dizer “a” ao invés de ‘o’, ‘b ’ no lugar de ‘tempo’, etc. ( ״ .)”.

2 0 3

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H e r m e n ê u t i c a faci l e d e s c o m p l i c a d a

11 A partir de um exemplo apresentado por Pedro Gilhuis é que desenvolvemos o assunto. Ver Gilhuis, In: Como Interpre-

tar a Bíblia: Introdução à Hermenêutica, p. 109.12 Charles F. Pfeiffer & Everett F. Harrison, Comentário

Bíblico Moody, Isaías a Malaquias, vl. 3, p. 8. Consulte também Epsztem, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e 0 Povo da Bíblia,

Edições Paulinas, p. 53; Barucq Çet alii), Escritos do Oriente Antigo

e Fontes Bíblicas, Edições Paulinas.13 Ibid.

14 Isto é, uma condição ou exigência que não se pode dispensar.

13 Cf. Victor Goldshimit, Tempo Histórico e Tempo Lógico na

Interpretação dos Sistemas Tilosóficos, In: A Religião de Platão, p. 140.16 Escrito em pergaminho fino de excelente qualidade,

contém em 347 folhas boa parte do Antigo Testamento e todo o Novo Testamento arranjados em cadernos de oito folhas.

17 Escrito em duas colunas por página, num pergaminho muito fino, consiste em 773 folhas de praticamente todo o Antigo e Novo Testamento, mais as duas epístolas de Cie- mente de Roma.

18 Escrito em pergaminho de excelente qualidade, consis- te em 759 folhas de um códice que continha originalmente cerca de 820.

19 Ballarme, op.cit., p. 184.20 Crítica Textual do Novo Testamento, p. 112.21 A Bíblia Sagrada, traduzida em Português por João Ferreira

de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil, Sociedade Bíblica do Brasil, 1969, Brasília, p. 5.

22 J. Sidlow Baxter, Examinai as Escrituras, p. I3 0 -I .

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H e rm e n êu t ica C ontextual

Sobre a delimitação e constituição do texto confira '־2Horácio Simian-Yofre (coord.), Metodologia do Antigo Testamento,

Bíblica Loyola 28, 2000, p. 79-84. Ver ainda Wilhelm Egger, Metodologia do Novo Testamento, Bíblica Loyola 12, 1994, p. 52-58.

24 P. M. Beaude, De acordo com as Escrituras, Cadernos Bíbli- cos, p. 39, pensa de modo distinto. Para ele, Mateus não se interessa pelo contexto dos oráculos que cita; podendo transplantá-los e misturá-los, cita por exemplo, o uso combi- nado de M q 5.1 com 2 Sm 5.2 citado em M t 2.6.

2' Para uma visão geral das preposições, conjunções e in- terjeições importantes no NT, f . Carlos Osvaldo Pinto & Bruce M. Metzger, Estudos do Vocabulário do Novo Eestamento, 1996, SP, Vida Nova, p. 27-31. Veja Barbara Friberg & Timothy Friberg (ed.), Novo Eestamento Grego Analítico, 1987, SP, Vida Nova, p. 833-40. Cf. D IT N T .

Os casos apresentados não são exaustivos. Dependendo da tradução adotada pelo leitor, um conectivo pode ser muda- do por outro. Por isso, caso o estudante deseje um estudo mais adiantado deve ler as bibliografias recomendadas.

־י( Consulte, por exemplo, Roy B. Zuck, A Interpretação B í-

blica. p. 129-41. Ver também, Augusto Gotardelo, Português para

Pregadores Evangélicos, SP, Vida Nova.2 Sobre a diacronia e sincronia ver W ilhelm Egger,

Metodologia do Novo Testamento, Bíblica Loyola 12, 1994, p. 71- 142; 155-179; cf. Florácio Simian-Yofre (Coord.), Metodologia

do Antigo Testamento, Bíblica Lovola28, 2000, p. 73s.; 123-144;20 C f C. O. Cardoso Pinto & Bruce M. Metzger, op.cit,

p.107-136.~9 D. A. Carson, A Exegese e Suas Falácias - Perigos na Interpre-

tação da Bíblia.

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H erm en êu t ica fácil e descomplicâda.

30 Cf. p. 180-98.31 Op.cit., p. 194.32 Ibidem.

33 Princípios de Interpretação Bíblica, p. 75.34 Hermenêutica Bíblica, p. 142..”Literalmente “folha em branco ב336 Prócoro VELASQUES FILHO, In: O nascimento do

“Racismo” confessional: raízes do conservadorismo protes- tante e do fundamentalismo, Introdução ao Protestantismo no Brasil, p. 115.

3/ Champlin, O Novo Testamento Versículo por Versículo, 1995, vl. IV, p. 308.

38 M erril C. Tenney, O Novo Testamento, Sua Origem e Análise,

p. 81.39 Para uma compreensão adequada das formas literárias

do Novo Testamento recomendamos a obra de Klaus Berger, A s Formas literárias do Novo Testamento, São Paulo, Edições Loyola: 1998.

40 Diatribe (δ ια τρ ιβ ή ), é um colóquio - uma forma lite- rária com elementos de diálogo. Cf. A. Van Den Bom, Dicio-

nário Enciclopédico da Bíblia)l 9 8 5 , p.397.41 Cf. A . Van Den Bom, Dicionário Enciclopédico da Bíblia,

p. 397. O autor faz uma sinopse histórica do uso da diatribe a partir de Sócrates, passando pelos círculos dos sofistas e sua sistematização pela filosofia cínico-estóica. Menciona ainda, os mais antigos fragmentos que constam esse recurso retórico. Divide a diatribe em dois pólos principais: uma forma popu- lar e outra erudita ou literária. Cita entre outras obras de refe- rência a tese de Bultmann quando este encerrava o curso de Licenciatura em Teologia em 1910: D er Stil der paulinischen Predigt

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H e rm e n êu t ica C ontex tua l

und kunischstoische Diatribe. C f também Klaus Berger, As Formas

Literárias do Novo Testamento, 1998, p. 104-5.42 Champlin, 1995, op.cit., vl. Ill, Atos a Romanos, p. 377.43 Op. cit., p. 698.44 Op.cit., vl IV, p. 258.-J. Comby, J., P. Lemonon, Vida e Religiões no Império Roma י~4

no, p. 30.46 Ibid., p . 294' Champlin, 1995, op.cit., vl. VI, p. 336. U m resumo cri-

tico do livro pseudepígrafo “Assunção de Moisés” e referênci- as bibliográficas (não disponíveis em português) pode ser en- contrado em L. Rost, Introdução aos Livros Apócrifos e Pseudepígrafos

do Antigo Testamento e aos Manuscritos de Qumran, p . 149-152, Edi- ções Paulinas.

48 Cf. A. Barucq (et ahi), Escritos do Oriente Antigo e Fontes

Bíblicas, São Paulo, Edições Paulinas: 1992.

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CAPÍTULO 7

<f־[e()taísn\o$

Um dos percalços extremamente sérios com que se tem

defrontado a Hermenêutica Bíblica, desde a

antigü1dade} é ofato da variabilidade da língua e da

cultura hebraica. Sua formação, composição gramatical

e histórico cultural cobrem períodos abissais que,

não raras vezes, só épossível uma correta interpretação,

através do estudo sincrônico da linguagem.

Para que haja uma compreensão adequada das Escrituras, é necessário uma compenetração e empatia com a cultura hebraica. Os hagiógrafos deixaram registrados nas Escrituras os matizes culturais e formas próprias de expressão semita que nos causam estranheza à primeira vista. São frases rechea- das de figuras selváticas e campestres, todas retiradas da ob- servação do ambiente que cercava os escritores sacros.

Se na cultura ocidental hodierna, chamar a outros de jumento ou de gazela ofende ao gosto estético, e por vezes moral, não era o mesmo na cultura hebréia daqueles dias. Issacar foi chamado de jumento de fortes ossos; Naftali, de

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H e rm e n êu t ica írácil e descomplicada

uma gazela solta; Benjamim, lobo que despedaça; Dã, ser- pente junto ao caminho, sem que eles se sentissem ofendi- dos pela metáfora (Gn 49).

Pouco adianta ao intérprete o conhecimento da filologia sacra, se não for acompanhado da compenetração com o gê- nio característico da cultura hebraica. O conhecimento filológico e sintático é extremamente essencial; mesmo assim, a interpretação pode continuar cálida, estática, sem qualquer dinamismo. O que cria mobilização na interpretação do texto é justamente essa congenialidade com a cultura e a dicção semita. Daí a necessidade de se estudar smcrônicamente as Escrituras, isto é, mergulhar no ambiente histórico-cultural do hagiógrafo. Não podemos divorciar a análise sintática da análise cultural.

O que pretendemos, neste caso, é verificar smcrônicamente a linguagem dos hagiógrafos. Sincronia é o estudo da língua- gem, sem levar em consideração sua evolução histórica (diacronia), considerando, portanto, o mecanismo pelo qual uma língua funciona num dado momento. E evidente que não visamos fazer tais análises técnicas, mas lembrar que o méto- do é científico.

Principais Características de Pensamentos

e Linguagem dos Hagiógrafos

HebraísmosHebraísmos são determinadas expressões idiomáticas en-

contradas nas Escrituras, que registram a forma de comunica- ção específica dos judeus. São idiotismos familiares à cultura hebraica de então, desconhecida do exegeta e que não podem

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H ebra ísm os

ser determinadas a priori, mas somente através de um estudo consciencioso.

Quando estudamos os hebraísmos, estamos analisando as Escrituras smcromcamente. Geralmente as estruturas lin- güísticas chamadas de hebraísmos são aplicadas a um com- portamento social, que por suas características culturais não são perceptíveis ao leitor hodierno. Estabelecida tal premissa, busquemos socorro em C. Charlier:

“O conhecimento mesmo das línguas originais se torna inútil, se não é vivificado por uma comunhão simpática e in- tuitiva com o gênio próprio da civilização à qual pertencia o escritor. E preciso aprender a ler entre as linhas e procurar penetrar aos poucos no ambiente de vida em que se movia o autor sagrado, ambiente que transparece no texto bíblico”.1

As atuais traduções vernáculas preocupam-se em não ex- pressar alguns idiomatismos da língua hebraica, tal qual se encontram nos originais, pois apresentaria grande dificuldade de interpretação, embora ainda conste inúmeros deles em nossas Bíblias, que, por vezes, trai ao leitor desatento. Outro nome pelo qual os hebraísmos são conhecidos é semitismos.

Analisemos alguns dos hebraísmos ou semitismos mais comuns, que transparecem através do gênio semita nas Escri- turas (Lc 24.27). A guisa de exemplo, citaremos alguns hebra- ísmos e suas peculiaridades.

I) Hebraísmo de Posse e Poder:

“Sobre Edom lançarei a minha sandália, sobre a terra dos filisteus cantarei o meu triunfo” (SI 108.9; 60.8, cf. Gn 14.23).

Nesse texto, “lançar a sandália” refere-se ao ato de tomar posse de alguma coisa ou dommar sobre algo. A luz de Rute

211

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H e r m e n ê u t i c a ta ci l e d e s c o m p l i c a d a

4.7,8, compreendemos que o ato de descalçar os sapatos fazia parte das transações comerciais da época, indicando o direito legal sobre alguma coisa. Quando o remidor não desejava ad- quirir aquilo que estivesse em permuta, dava o direito ao pa- rente que estivesse na vez, após ele. O ato era oficializado quan- do o remidor tirava o sapato e entregava ao parente mais próximo. Isto era símbolo de que ele estava passando a ou- trem o direito sobre aquela propriedade (veja D t 25 .5-11 so- bre a lei do levirato).

Além disso, devemos acrescentar que o pé, para os anti- gos hebreus, era símbolo de poder (SI 36 .11). O símbolo de- riva-se do ato de o vencedor colocar o pé na nuca do vencido: “Chegai, ponde os vossos pés sobre o pescoço destes reis. E chegaram e puseram os seus pés sobre os pescoços deles” (Js 10.24; SI IIO .I). Em Mateus 18.29 o súdito prostra-se aos pés de seu senhor, demonstrando a sua dependência e auton- dade do senhor sobre ele (Mc 5.22). Desde então, para o ju- deu, “colocar alguma coisa aos pés de alguém” significa submetê-la ao seu poder: “Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste” (SI 8.6 ARA).

E com essa compenetração cultural que devemos enten- der os hebraísmos cristológicos de I Coríntios 15.25-27, Efésios 1.22, Hebreus 2.8 e a promessa cristã de Romanos 16.20. Além disso, o pé também representava a posse: “Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé será vosso” (D t 11.24). Daí, “lançar a sandália” é uma extensão do hebraísmo “pé”, que conotava o poder e domínio sobre alguma coisa.

2) Hebraísmo de Felicidade e Suficiência:“A minha alma se farta, como de tutano e de gordura; e a

minha boca te louva com alegres lábios” (SI 63.5).

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H e b r a í s m o s

A escolha desse texto, justifica-se porque ele descreve dois aspectos do mesmo hebraísmo: suficiência e sentimento. Já em Gênesis 41 aprendemos que as vacas gordas representam prosperidade, suficiência, abundância e, conseqüentemente, a felicidade (vv.26,29), enquanto as magras, necessidade, escas- sez, fome e tristeza (vv.27,30).

Imagens como essas eram freqüentes no Crescente Fértil. Nos períodos áureos, o gado sempre gordo refletia a prosper!- dade da terra, trazendo alegria a seus donos, enquanto o reba- nho magro refletia a miséria e infortúnio. Desde então, os ju- deus, nada afeitos a termos abstratos, preferiam referir-se sobre a suficiência e prosperidade, utilizando-se de imagens como gor- dura, vacas gordas e tutanos (gordura do interior dos ossos).

A bênção de Isaque sobre seu filho incluía a “gordura da terra”, conotativamente representando as “riquezas e prospe- ridades advindas da produtividade agrícola”:

“Assim, pois, Deus te dê do orvalho do céu, da gordura da terra, e da abundância de trigo e de mosto” (Gn 27.28 ECA).

N a tradução, a ARA omite o hebraísmo “da gordura da terra”, traduzindo por “exuberância da terra”. Ao seu outro filho, Isaque diz:

“Longe dos lugares férteis da terra será a tua habitação, e sem orvalho que cai do alto” (v.39).

A ARA traduz por “longe dos lugares férteis da terra será a tua habitação”.

A prosperidade sobre Israel restaurado incluía a prospen- dade e riqueza dos sacerdotes: “Saciarei de gordura a alma dos sacerdotes” (Jr 31.14 ECA), o que quer dizer que os sacerdo- tes terão uma vida próspera e afortunada.

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

N o que diz respeito ao aspecto sentimental, é que a gor- dura era considerada pelos judeus de então, a sede dos senti- mentos por estar mtrinsecamente relacionada com as entra- nhas, enquanto o sangue, com a sede da vida. Daí, usar-se quase sempre no cenmomalismo levítico a junção entre san- gue e gordura. Enquanto o sangue representa a expiação, a gordura representa uma celebração pelas riquezas ministradas ao ofertante.

Em Gênesis 4.4, a gordura é separada para ser oferecida para a divindade. A gordura por certo, representava os mo- mentos festivos e alegres vividos pelo ofertante (Ex 23.18).

N ão sabemos ao certo se a gordura passou a representar os sentimentos devido a prescrição de Levíticos 3.3, ou vice- versa. Certo é, que o texto de Levítico 3.3 projeta luz sobre o sentido de “gordura” representando os sentimentos, pois, a restrição é que se ofereça nos sacrifícios pacíficos “a gordura que esta sobre (ou cobre) as entranhas” — ARA (adendo nosso). As entranhas (vísceras contidas no abdômen), por se- rem internas e ocultas, muitas vezes pela gordura, representa- vam os sentimentos. E assim que é dito que a ternura, o afeto e a compaixão brotam das entranhas, o que significa da alma, do íntimo (Is 63.15; 2 Co 7.15; Fp 1.8; 2.1).

Portanto, é provável que a gordura, ao representar os “sen- timentos”, seja uma metonímia de uma figura já considerada.

Conseqüentemente, a gordura representava a felicidade, a alegria. Daí, os hagiógrafos, substituírem o substantivo abstrato “alegria” pela expressão gordura, porque esta representava a far- tura e a suficiência, é por isso que o salmista assim se expressa:

“Eles se fartarão da gordura da tua casa, e os farás beber da corrente das tuas delícias” (SI 36.8).

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H ebra ísm os

“Tu coroas o ano da tua bondade, e as tuas veredas desti- lam gordura” (SI 65.11)

Entendemos, pois, que os escritores sagrados procura- vam expressar-se utilizando-se do dinamismo de sua língua- cultura, em vez de confinar no sentido dos termos aos valores estáticos da língua. Por isso, os substantivos abstratos alegria, felicidade, poder e domínio eram substituídos por termos concretos tais como gordura, tutano, sandália e pé.

3) Hebraísmo de Contraste ou Antítese

Os judeus usaram constantemente a antítese para desig- nar a virtude em contraste com a fraqueza, a sabedoria em oposição à loucura, a prudência contrapondo-se à ingenuida- de, o amor ao ódio, e assim respectivamente. Esses contrastes ilustram uma realidade através da enunciação do oposto, es- pecificamente quando se trata de questões de conduta, seja ela moral, ou religiosa. N a poética hebraica chama-se “paralelismo antitético”, pois a primeira linha poética entra em franca opo- sição com a segunda. O segundo verso faz agudo contraste com o primeiro.

“O filho sábio alegrará a seu pai, mas o homem insensato despreza a sua mãe” (Pv 15.20).

“Ao anoitecer pode vir o choro, mas a alegria vem pela manhã” (Sl 30.5).

Em cada um desses dísticos (estrofes com dois versos) verifica-se o uso proposital da antítese: pai/mãe; filho sáb io / homem insensato; alegra/despreza; anoitecer/manhã; choro / alegria.

I) Amar e Odiar: Noutras ocasiões usava-se o contraste para designar a preferência entre duas pessoas, com o contras-

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H e rm e n êu t ica tácil e descomplicada

te dos termos amar e aborrecer ou odiar. Quando se amava mais um indivíduo do que a outro costumava-se usar esse paralelismo antitético a fim de que evidenciasse claramente a distinção ou preferência de um pelo outro.

“Amei a Jacó e aborreci a Esaú” (M l 1.2,3; Rrn 9.13).O u seja: “Preferi Jacó a Esaú”.“Se alguém vier a mim e não aborrecer a seu pai, e mãe, e

mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua pró- pria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14.26; cf M t 10.37).

Isto é: “Se alguém ama ou prefere os seus, em vez de mim, não pode ser meu discípulo”.

“Quem ama a sua vida, perdê-la-á; e quem neste mundo odeia a sua vida, guarda-la-á para a vida eterna” (Jo 12.25).

Bettencourt assinala que essa antítese: “amar-odiar” sig- nifica satisfazer desregradamente e coibir devidamente as ten- dências da alma, podendo a coibição ou renúncia levar até à morte de martírio”.2

Muitos outros hebraísmos poderiam ser acrescentados: misericórdia/sacrifício; ju s to / ímpio; entrar/sair; assentar/ levantar, etc.

Observe, por exemplo, 2 Coríntios 5.1:“Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo

se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus”.

O grau de contraste desse versículo é um dos mais elevados de todo o Novo Testamento. A transitonedade da matéria orgâ- nica, especificamente do corpo, é contrastada com a eternidade que o aguarda. Se por um lado o apóstolo usou imagens transi- tórias como a do tabernáculo, por outro contrastou essa ima- gem com a figura do edifício, que reflete a estabilidade e perma­

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H ebra ísm os

nência. O corpo mortal contrastado com o glorioso. Paulo dei- xa subentendido (sentido implícito) de que recebemos da parte de nossos pais terrestres um corpo corruptível, enquanto do nosso Celestial um incorruptível. Para tanto, o apóstolo não economizou paralelos antitéticos, vejamos:

Corpo M ortal Corpo Glorioso

casa (feita por mãos) terrestre tabernáculo desfizerparte dos genitores

casa (não feita por mãos)céusedifícioeternaparte de Deus

4) Hebraísmo de Poder e Força

Um dos fatos interessantes no gênio semita que dão azo a diversas proposições poéticas é a equivalência de significa- dos que um objeto concreto empresta a um termo ou expres- são abstrativa. O hagiógrafo, ao contemplar a multicolorida criação divina, se inebriava com a variedade das obras de Deus: “Ó SE N H O R , quão variadas são as tuas obras!” (SI 104.24 a). Esta visão cosmogônica da criação adubava a criatividade poéti- ca do escritor sacro, servindo de fulcro para o seu estilo literário e apoio para a comunicação da mensagem: ״.(״) a minha língua é a pena de um destro escritor” (SI 45b). Assim, usaram cons- tantemente exemplos extraídos dos hábitos dos animais, da praticidade da vida cotidiana e assim por diante. E sob esta ótica que devemos entender os hebraísmos que conotavam for- ça e poder. Estes conceitos eram expressos pelos termos roche- do, lugar forte, fortaleza, escudo, chifre.

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H e rm e n êu t ic a fácil e descomplicada

O S E N H O R é o meu rochedo, e o meu lugar forte, e o meu libertador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem con- fio; meu escudo, a força (literalmente chifre) da minha salva- ção e o meu alto refúgio” (SI 18.2).

Interessante é a expressão do Salmo 75.10:Έ quebrantarei todas as forças (lit. “todos os chifres”)

dos ímpios, mas as forças dos justos serão exaltadas”.Bettencourt assinala que:“Os israelitas usavam freqüentes comparações e imagens,

visando também, por esta via, impressionar mais profunda- mente os ouvintes, já que os hebreus tendiam a considerar o aspecto dinâmico e vital de cada ser. Sabiam aproveitar-se lar- gamente dos objetos materiais que os cercavam para ilustrar verdades abstratas ou sobrenaturais. Isto justifica o constante uso de símbolos nas Escrituras. Estes constituem, sem dúvida, um artifício muito apto a traduzir o sentido concreto e o va- lor que para a vida têm as proposições religiosas”.3

E com este tipo de compenetração e empatia que nossos olhos devem voltar-se para o texto sagrado. Conhecer as nuanças culturais e a variedade de expressões retiradas do ce- nário da criação, torna a empresa de interpretar não somente austera e conscienciosa, mas também necessária e plausível. E dentro desta perspectiva que devemos considerar os símbolos e tipos das Escrituras.

Sím bolos e T ipos

Símbolos e tipos fazem parte do mesmo contexto dos he- braísmos. O símbolo é uma figura, objeto, número ou emble- ma, cuja imagem representa, de modo sensível, uma verdade moral, ou religiosa. Através do símbolo, uma certa coisa, objeto

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H ebra ísm os

ou verdade é substituído por um sinal. N o símbolo um concei- to abstrato recebe uma correspondência material e concreta pela relação existente entre o conceito e o objeto ou símbolo por ele representado. Assim, o cajado do pastor, um bastão encurvado, é símbolo de regência; o cetro, de senhorio, de poder, de domí- mo; o casamento, da união entre Deus e Israel, e Cristo e a Igreja, e assim conseqüentemente.

Os simbolismos usados pelos escritores sagrados eram recursos literários contrários ao significado próprio ou verbal. As realidades sobrenaturais da religião judaica eram expressas através de objetos concretos. Também se compraziam em usar símbolos para designarem as ações e o caráter dos homens.

Relação entre Sím bolos e T ipos

Dentro deste conceito é que devemos entender também os tipos. Enquanto o símbolo e os recursos poéticos são prá- ticas universais a todas as religiões e livros, quer sagrados ou não, o tipo é um recurso puramente bíblico, pois é proposital- mente intencionado por Deus nas Escrituras.

Os símbolos e os tipos respiram no mesmo campo de atuação, de forma que podemos afirmar que todo tipo é um símbolo, mas nem todo símbolo é um tipo. Isto porque, para que um tipo seja mensurado, é necessário que este possua cer- ta validação textual posterior, pois se trata de um ato, fato ou objeto que tenciona uma mensagem profética, e até mesmo enigmático. O símbolo, porém, não reclama a mesma valida- ção, seja ela profética ou neotestamentária. Acrescente-se a esta proposição o fato de que o tipo não é variável em sua forma ou estrutura posterior, enquanto os símbolos podem

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H e rm e n e u n c a tacil e descomrl ic . id .

receber diversos significados. G. R. Osborne faz a seguinte distinção entre tipos, símbolos alegorias:

“E importante fazer distinção entre tipos, símbolos e ale- gonas. O símbolo tem seu significado à parte do seu campo semântico normal, e vai além dele para representar um concei- to abstrato, e.g., cruz = vida; fogo = julgamento. A alegoria é uma série de metáforas em que cada uma destas acrescenta um elemento para formar um quadro composto da mensagem, e.g., na alegoria do Bom Pastor (Jo 10} cada parte transmite algum significado. A tipologia, no entanto, lida com o princí- pio do cumprimento análogo. Uma alegoria compara dois ele- mentos distintos e envolve uma história ou um desenvolvi- mento prolongado de expressões figuradas, ao passo que um tipo é um paralelo entre duas entidades históricas; a alegoria é indireta e implícita, o tipo é direto e explícito”.4

Interpretação dos Símbolos

N ão somos escusados de frisar que tanto os símbolos quanto os tipos devem ser interpretados dentro de seu con- texto de origem, respeitando o sentido intencionado pelo au- tor, além é claro, de respeitar as diversas significações que um mesmo símbolo pode possuir em diferentes épocas, e inseri- dos no escrito de um mesmo autor sacro (e.g., o fogo(.

Deve-se portanto:I) Considerar os diversos contextos em que o símbolo é

usado, antes de afirmar que este ou aquele sentido é o preten- dido pelo autor.

O fogo pode representar a presença do Senhor (Êx 3.2; 19.18; D t 5.24); o juízo de Deus (SI 50.3; H b 12.29;); a ira de Deus (SI 79.5; 83.14,15); como também a purificação

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H ebra ísm os

(Is 6.6,7); o símbolo pode ainda representar o perigo (SI 66.12; Is 43.2); a palavra de Deus que a tudo penetra (Jr 5.14; 20.9); a força do ministério de Cristo (M t 3.1), etc. Vimos que o fogo tanto representa o ser e agir da divindade, quanto sua justiça e juízo sobre o que é injusto e perverso.

Por empréstimo, afirma Martinez:“Outros fatores que devem ser considerados ao interpretar

um símbolo são a situação vivencial do escritor, sua perspectiva histórica, o essencial de sua mensagem e o significado claro do mesmo símbolo usados em outras passagens do livro...”.3

2) Considerar o símbolo focalizado com as utilidades representadas pela própria coisa ou objeto, pelas significações gerais do símbolo em contextos diferente, e limitá-lo ao senti- do pretendido pelo autor.

O símbolo do fogo está relacionado às principais ativida- des do fogo — iluminar, aquecer, purificar e destruir. O termo grego pyr (fogo) e o latino purns provêm da mesma raiz lingüís- tica; o fogo é puro e purificador.6 O intérprete deverá, entre os vários sentidos que um símbolo possa possuir, aceitar apenas o sentido pretendido pelo hagiógrafo. Como afirmou Martinez:

“(...) por, conseguinte a analogia entre o símbolo e o sim- bolizado deve ser simples; não se deve buscar multíplice pon- tos de semelhança ou correspondência entre ambos”.'

3) Será esclarecedor, ao mesmo tempo em que interes- sante, fazer uma varredura no significado do símbolo em con- textos diferentes do cenário judaico.8

Como o ambiente sócio-cultural bíblico não estava imu- ne às crenças das civilizações e povos aos arredores de Israel, deve-se entender o caráter pagão de alguns símbolos. Por exem- pio, na mesopotâmia, Gibil, o deus sumério do fogo, era consi­

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

derado o portador da luz e, em virtude da força purificadora da chama, os sumérios acreditavam que ele podia livrar a alma da impureza. N a antiga Pérsia, parte importante do culto cons- tituia na adoração ao fogo. O fogo era designado como o filho de Aura Mazda, tido como sinal visível da presença de Deus. N a antiga Roma, a chama que se movimenta indica o rumo do céu, é símbolo da vida e da energia do sol. Esta chama guardada pelas sacerdotisas vestais9, garantia a permanência do estado romano.10

Q U A D R O BÁSICO D O S SÍM BO L O S BÍBLIC O S11

ELEMENTOSr

Agua R egeneração , Palavra de D eus (jo 3 .5 ; 4.10,11; E f 5.26).

Luz Verdade, sabedoria, gozo, glória e pureza deDeus, felicidade (SI 104.2; Jo 12.35; IT m 6 .I6 ;2 Co 4.6; 2 Pe I . I 9 \1 /

Trevas M en tira , ignorância, cegueira esp ir itua l (M t 6.23; I Jo 1.6).

Montanha Grandeza e estabilidade ÍIs 2.2; Dn 2.35 \V י y

Pó Fragilidade, fraqueza e fmitude dos homens (Gn 2.7; Jó 30.19; Ec 3.20).

Rocha F orta leza , abrigo, refúgio, D eus, C ris to (D t 32 .31;I Sm 2.2; SI 2.3; 61.2; M t 7.24; Rm 9.33; I Pe 2.8).

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H ebra ísm os

BOTÂNICA

Arvores Altas {governantes} Baixas {povo}(Ez 31.5-9; Ap 7.1).

Espinhos e Abrolhos Más influências (M t 13.22; H b 6.7,8)

Frutos Manifestações das atividades do homem (M t 7.16).

Frutos maduros de Verão: Aproximação do fim. Frutos Bons: Atos piedosos, justos. Frutos M aus: C o n d u ta in íqua (Sl 72 .1 ; Pv 11.30; 12.14; 18.20; Is 3.10; M t 3.8; 7.17,18).

Vinha G ran d e fecu n d id ad e . V ind im ar: Destruição (Jr 22-1 ;Os 14.7; Ap 14.18,19) Sega, Messe.

Ceifa Tempo de destruição; M undo como cam po de traba lho para a Igreja (Is 17.5; M t 9.37; Ap 14.18).

Videira Cristo, Israel. Sentar-se sobre a própria Videira: paz e prosperidade (Jo 15.1,2; Sl 80.8; Is 5.2-7; I Rs 4.25; M q 4.4; Zc 3.10) Ramos.

Rebentos Filhos, Descendentes. Ramo Frutífero: os santos. Ramo Infrutífero: os maus educadores, maus discípulos (Is I I . I ; Jo 15.2,5) Palmeiras.

Palmas Realeza, vitória, prosperidade (Sl 92.12; Ap 7.9).

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H e rm e n êu t ica tácil e descomplicada

Figos Obras, atividades. Figos bons e maduros: as obras dos santos. Figos maus e fora do tempo: ímpios maduros para o julgamento de Deus :Jr 24.2-5,8; Is 34.3).

METAIS E PEDRAS

Ferro Severidade, força, resistência (D t 4.20; Jó 40.18; Sl 107.10; Ap 9.9).

Bronze F orça e f irm eza (Is 4 8 .4 ;J r 6 .28 ; Sl 107.16).

Prata Resgate, redenção (Ex 26.21).

Ouro Glória de Deus, realeza e poder (Gn 4 1.42; Êx 28.36; 25 .17 ,18;Ap 3.18) "

Pedras Preciosas Magnificência e formosura (Êx 28.17-21;Ap 4.3; 2 1 .I I ) .

ANIMAIS

Boi Submissão, força, serviço. O ato de trilhar grão sem ter atada a boca: o direito que tem o obreiro do seu sustento (Is 30.24; I Co 9.9,10).

Bode Reis macedônios, especialmente Alexandre; ímpiose falsos p as to res (D n 8 .5 ,7 ,2 1 ; Z c I 0 .3 ;M t 25.32,33).

Cabras Os maus (M t 25.32,33).

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H ebra ísm os

Cão Impureza, apostasia, falsos mestres e ministrosinfiéis (Pv 26.11; Fp 3.2; Ap 22.15).

Raposa Engano, astúcia, falsos p rofetas (E z 13.4; Lc 13.32).

Lobo Satanás, egoísmo, avidez, ímpios e governantes ímpios, falsos mestres (Ez 22.27; M t 7.15; M t 10.16; Lc 10.3; Jo 10.12).

Urso Inimigo feroz e temerário; governantes ímpios; juízo de Deus contra os ímpios (Pv I7 .I2 ;2 8 .I5 ; Lm 3.10; Os 13.8; Ap 13.2).

Dragão Reis cruéis; perseguidores; inimigos da Igreja; os ímpios; o Diabo (Ez 29.3; Sl 44.19; Ap 13.2; 20.2).

Leão Majestade, força, ferocidade, poder enérgico e dominador; realeza soberana do Messias (D n 7.4; Am 3.8; Ap 5.5).

Touro Inimigo forte e furioso (Sl 22.12).

Cavalo Equipamento de Guerra e de conquista; rapidez; domínio (J1 2.4; D t 32.13; Is 58.14).

Cordeiro Simplicidade e mansidão; pureza de Cristo; Cristo como sacrifício; o povo do Senhor; crentes fracos(Is 53.7; 5.17; 40.11; Jo 1.19; 21.15; Ap 5.6).

Besta Poder tirano e usurpador; poder temporal qualquer (Dn 7.3-17; Ez 34.28).

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H e rm e n êu t ic a fácil e descomplicada

Jumento Selvagem, os ismaelitas, a instabilidadedo homem natural, os ímpios em busca do pecado; Israel e seu amor pelos ídolos; Jumentinho simboliza paz: Cnsto entrando em Jerusalém como Rei da Paz (Zc 9.9; M t 21.5,7; Gn 16.12; Jó I I . 12).

Leopardo - Tigre Inimigo cruel e enganoso )Ir 5.6; Dn 7.6; H b 1.8; Ap 13.2).

Crocodilo-Dragão Egito e, em geral, o poder anticristão (Sl 4 4 .19; Is 27 .1; 51.9; Ez 29.3; Ap 12.13),

Carne, Poeira e Cinza Fraqueza humana, moral e física (Gn 18.27; Is 31.3).

Ouro, Mármore, Marfime Cedros do Líbano A beleza, o encanto (Ct 5.11,14 ,15).

TIPOS

O termo grego typos, da qual se deriva a palavra “tipo”, aparece com diversos significados nos vários textos do Novo Testamento12: smal (Jo 20.25), modelo (H b 8.5; At 7.44; Rm 5 .I4 ;I Pe 5.3), modelo (At 7.44), nestes termos [deste tipo] (At 23.25), forma [t1po](Rm 6.17), exemplo | modelo] ( I Co 10.6; I Ts 1.7; I Pe 5.3), padrão ( I Tm 4.12; T t 2.7). Literalmente o termo significa uma marca visível deixada por algum objeto. Daí a marca deixada na história ou natureza pelo antítipo.13

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H ebra ísm os

A idéia comum em todos os casos é a de alguma coisa que se assemelha ou corresponde a outra. O termo por si não indica que haja uma relação formal entre coisas, seres, pessoas ou objetos, mas ocorre sem qualquer matiz teológico. Entre- tanto, Paulo ao escrever a epístola aos Romanos (5.14) refere- se ao sentido profético do tipo: “N o entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não peca- ram, à semelhança da transgressão de Adão, o qual é figura daquele que havia de vir”. O termo typos é traduzido neste versículo por figura na A R C/TEB , prefigurava na ARA, e por tipo (tradução literal) na N V I. O sentido típico neste texto é facilmente verificável na tradução da ARA, “prefigurava”, ou seja, representação de coisa futura; representar antecipadamen- te. Neste texto o tipo ou figura apontava para o futuro, mas a relação entre Adão e Cristo, neste versículo, não é de seme- lhança, e sim de contraste. A antítese é facilmente detectável nas linhas mestras dos versículo 12 a 21. Os pontos seme- lhantes entre Adão e Cristo estão associados na representação de ambos numa nova raça — Adão cabeça federal da raça hu- mana, e Cristo dos redimidos - mesmo assim, ao comparar o efeito dessas duas representatividades, persiste a antítese.

O escritor aos Hebreus 8.5 usa o termo hypódeigma para referir-se aos sacerdotes aarônicos, no sentido de que eles mi- ms travam segundo a cópia ou imitação das coisas celestiais: “os quais servem de exemplar (hypódeigma) e sombra (skia) das coisas celestiais, como Moisés divinamente foi avisado, estan- do já para acabar o tabernáculo; porque foi dito: Olha, faze tudo conforme o modelo ( typon) que, no monte, se te mos- trou”. O tabernáculo era apenas uma representação ou figura que não incluía a natureza real do santuário celestial, é o que

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H e rm e n êu t ica íacil e d escom ri icada

se depreende quando o autor usa o vocábulo skia, ou seja, uma sombra projetada por qualquer objeto. Esta cópia representa- va com exatidão o arquétipo original, mas não deixava de ser uma cópia. Os rabinos costumavam explorar estes fatos levan- do a questão dos tipos e símbolos bíblicos ao absurdo. Procu- ravam em cada utensílio, detalhe ou faceta do tabernáculo terrenal, alguma característica espiritual do celestial1 ’ . Este texto deixa claro que o tabernáculo e as cerimônias nele mi- nistradas são um tipo ou modelo profético do que Cristo, verdadeiro sacerdote, faria nas regiões celestiais, onde consta- va o verdadeiro santuário (H b 8.1,2 cf. At 7.44(.

O doutor dos gentios faz uso de um termo sinônimo txpikôs,

traduzido pelo vocábulo “exemplo”: “Ora, tudo isto lhes acon- tecia como exemplo lyp/X\V, e foi escrito para aviso nosso, para quem já são chegados os fins dos séculos” (I Co I 0 . I I \ Este advérbio aparece somente neste versículo em todo o NovoTes- tamento, e pode ser traduzido por “tipologicamente”, “como um exemplo ou advertência”13, tal como faz a maioria das ver- sões. Entretanto, preferimos a tradução de Barbaglio, que não apenas trad u z , mas tam bém in te rp re ta o te rm o p o r “prefiguração”, assim como faz a ARA em Romanos 5.14:

“Ora, esses acontecimentos ocorreram como prefiguração, e foram colocados por escrito como advertência a nós: a nós que nos encontramos no fim dos tempos”.16

Segundo Barbaglio:Paulo, após traçar a história do êxodo de Israel, esclarece

logo o seu significado para o presente da comunidade cristã (vv. 6-13). Como fundamento, Paulo põe o princípio da in- terpretação tipológica: a história de Israel prefigura a da Igreja (vv.6-I I); os exemplos passados são um exemplo admoestador

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para os fiéis (v .IIb). Os termos typos e typihôs, traduzidos no sentido de prefiguração, assumem um significado claramente moral. Prova disso é o caráter exortativo do trecho e, mais ainda, o paralelismo das duas proposições do v.I I: “Ora, es- ses acontecimentos ocorreram como prefiguração / e foram colocados por escrito como advertência a nós”. Todavia, no conjunto parece que se pode dizer que a dimensão exemplar do Êxodo se baseia na continuidade histórico-salvífica exis- tente entre a proeza israelita e a experiência cristã (cj. sobretu- do os vv. 1-5). Temos, pois, um duplo significado de typos:

história antecipadora e história-advertência (por isso preferi- mos traduzi-lo por “prefiguração” e não por “exemplo”) . 17

Esses três trechos analisados, Romanos 5.14, Hebreus 8.5 e I Coríntios 10.I I , salientam dois aspectos importantes dos tipos bíblicos: primeiro o da antítese, e depois da semelhança. Tanto o contexto de Romanos 5.14 quanto o de Hebreus 8.5 usam o termo tipo com ênfase mais antitética do que seme- lhante. O capítulo 8 de Hebreus pode ser subdividido em duas seções: a primeira que é uma documentada declaração a respeito da inadequação da liturgia terrena, exercida por sa- cerdotes hebreus conforme as prescrições legais mosaicas (8.3- 6). Em seguida se destaca que essa insuficiência está ligada á ineficácia ou esterilidade da “primeira” aliança, mediante uma longa citação do profeta Jeremias (31.31-34). Essa estrutura emerge literanamente do uso estratégico de dois vocábulos, postos no mício e no fim das respectivas subseções: “Liturgia (8.2 λειτουργός ; 8.6 λειτουργίας j) e “primeira aliança” (8.7,13 πρώτη €Κ£ΐη). A ponte entre as duas subdivisões é constituída pelo versículo 6, que retoma o tema da “mais ex- celente liturgia” e do sumo sacerdote celeste, conectando-o

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H e rm e n ê u t ic a fácii e descomplicada

com a aliança melhor, já acenada em 7.22 e que será ampla- mente ilustrada, primeiro de forma negativa (8.7-13} e depois de forma positiva (9 .11-23).10

O paralelo antitético entre Adão e Cristo é facilmente observável na assertiva de Paulo (Rm 5.12). O capítulo está repleto de símile ou dos conectivos de comparação “assim como” nos versículos 12, 18, 19, 21, acrescente a estes o conectivo de adversidade “mas” nos versículos 13, 16, 20.

Já no texto de I Coríntios 10.11, a relação está mais na semelhança do que no contraste. Recorrendo à história do Exodo de Israel, utiliza-se dos eventos pretéritos para admoestar a co- munidade cristã de Corinto, afirmando que os fatos narrados dos versículos I ao 5 foram “exemplos (jxpo í/prefigurações) para nós a fim de que não cobicemos as cousas más, como eles cobiçaram”, segue-se então uma série de assertivas de caráter prático-moral que se inicia no versículo 7 e culmina no versículo 10, completando com um intermezzo1g a partir do versículo I I , onde Paulo retoma o vocábulo estratégico desta seção Çtypíkôs'),

encerrando assim, com uma palavra exortativa, para retomar a partir do versículo 14, as considerações acerca da idolatria ini- ciada no capítulo 8 e versículo I. Sumariando, “a tipologia bí- blica, portanto, envolve uma correspondência analógica em que eventos, pessoas e lugares anteriores na história da salvação tor- nam-se em padrões por meio dos quais eventos posteriores, pes- soas, etc. são interpretados”.20

A Legitim idade dos T ipos

A semelhança básica entre os dois Testamentos e o uso que o segundo faz do primeiro explicam a validez da tipologia. A tipologia expressa a forma básica de hermenêutica. O senti-

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H ebra ísm os

do típico contém traços de predição e de simbolismo, repre- sentado pela palavra. Temos em Exodo 12.8, um claro exem- pio. O pão da Páscoa devia ser sem levedura. Literalmente designa aquele alimento sem fermento que acompanha a re- feição da Páscoa. Em sentido típico, designa que a libertação do crente em Cristo implica sua purificação moral, isto é, a ausência de fermentos pecaminosos ( I Co 5.6-8). Por esta razão, é chamado típico ou figurativo, porque aquela tal coisa ou pessoa é figura de uma outra. O sentido típico pode ser:

a) Real: porque é expresso imediatamente por uma coisa.b) Profético: porque pronuncia realidades futuras.c) Espiritual: porque transmuta o sentido que a palavra

pode exprimir.d) Enigmático: porque a realidade profética ou espiritual

está escondida sob realidade indicada pela palavra, ou ainda porque sem a revelação do Novo Testamento, o homem não pode identificá-lo.21 Para termos uma idéia correta desta par- te da hermenêutica e para fazer uso adequado da mesma, é fundamental levar em conta suas características essenciais.

O utro termo característico no estudo do sentido típico é o antitypo, que representa ou corresponde a um modelo. Em I Pedro 3.21 diz que o batismo nas águas é um antítipo do dilúvio. O dilúvio foi um tipo ou figura do batismo, no senti- do de que nos dois casos a palavra simbolizava julgamento. O dilúvio significou a morte para os perversos, e o batismo nas águas retrata a morte de Cristo e a identificação do crente com ela. Mais uma vez a idéia de semelhança está presente. O termo “antítipo”, segundo o texto de Hebreus 9.24, também significa literalmente “corresponder ao tipo” e sugere um cor- respondente. Paulo, escrevendo acerca de Adão, afirma que ele

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H e rm e n êu t ica tácii e descomplicada

é “figura {typos') daquele que havia de vir” (Rm 5.4), e das experiências de Israel no deserto afirma que “essas coisas fo- ram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram” (I Co 10.6). O sentido típico ou a tipologia pode ser definido como o estabelecimento de co- nexões históricas entre determinados atos, pessoas ou coisas (tipos) do Antigo Testamento e pessoas ou objetos do Novo Testamento (antítipos).

Vejamos as bases do sentido típico ou tipologia:a) Tanto o tipo como o antítipo são realidades históricas

que se correspondem.As personagens, os fatos ou elementos do Antigo Testa-

mento que são tipos de coisas nas páginas do NovoTestamen- to possuem correspondência histórica. N ão se trata de uma mera alegorização ou ilustração de uma passagem do Antigo Testamento; isto já faz a escola alegonsta. N ão podemos acei- tar como tipo a vitória de Davi sobre Golias, correspondendo a vitória do cristianismo contra Satanás. N o entanto, se falta elementos que ratifiquem a vitória de Davi sobre Golias como um tipo, não falta à “serpente levantada” no deserto, como tipo de Cristo (N m 21.9; Jo 3 .I4 ) .22

b) Entre o tipo e o antítipo deve haver algum ponto ím- portante de analogia.

A principal característica de um tipo é sua semelhança, similaridade ou correspondência com o antítipo. N ão pense que essa semelhança é algo superficial; ao contrário, é consubstanciai, autêntica. Por exemplo, Jonas é tipo de Cristo mais pela semelhança dos três dias no ventre do peixe e sua liberação deste, do que pelo seu ministério (M t 12.40). A relação tipológica clara entre um e outro se estabelece unica­

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H ebra ísm os

mente pela permanência do profeta “três dias e três noites”, seguida de sua liberação, e sepultura de Jesus seguida de sua ressurreição. O tipo é perfeitamente válido, apesar de que em tantos outros aspectos o rebelde, racista e irascível Jonas nada teve em comum com aquEle que foi “manso e humilde de coração” e “amigo de pecadores”.23

c) O tipo sempre apresenta um caráter preditivo e descritivo.Especificamente os sacrifícios mosaicos, que são “som-

bra dos bens futuros” (H b IO.I; Cl 2.17). O tipo contém traços de predição, descrição e simbolismo. Ele antevê e cha- ma a atenção para o antítipo. O tipo é uma sombra que indica outra realidade (Cl 2.17). Os tipos são uma forma de profe- cia. A profecia consiste numa predição verbal, ao passo que a tipologia é a predição feita pela correspondência entre duas realidades — o tipo e o antítipo. Limitando-nos aos sacrifíci- os mosaicos, observamos que estes não são somente o pre- núncio dos sacrifícios mosaicos e o sacrifício de Cristo, mas também ensinam algumas qualidades essenciais, como o seu caráter purificador (H b 9.13,14) e sua eficácia para a remis- são dos pecados (H b 9.15). O tipo é determinado também pelo próprio Deus. Melquisedeque, o Cordeiro de Deus, e muitos outros foram tipos preditivos (Sl I I0 .4 ; H b 6.20).24

d) O tipo é determinado pelo próprio Deus.O tipo não é fantasia humana; ao contrário, responde ao

programa da revelação estabelecida por Deus desde o princí- pio, com visão global de toda história da salvação. Neste caso, o sentido típico só pode ser tencionado por Deus. O elemen- to ou coisa significadora (tipo) tem em si mesmo a sua plena razão de ser, e ao mesmo tempo significa amda uma ulterior realidade (a n tí t ip o ) o rd inariam en te desconhecida do

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

hagiógrafo; por exemplo, Adão é tipo de Jesus Cristo (Rm5.12). Este sentido é exclusivamente próprio das Escrituras porque está intimamente conexo à inspiração, de modo que, sendo Deus o autor das Escrituras, só ela pode ter um sentido intencionado pelo próprio Deus. E impossível que o hagiógrafo conhecesse o sentido típico, a não ser que para isto tenha uma revelação especial de Deus, revelação distinta da inspiração. O tabernáculo, por exemplo, é riquíssimo do ponto de vista tipológico, porque todo ele estava desenhado segundo o pia- no divino (Êx 25.9; H b נ2.(8.5

e) U m verdadeiro tipo apresenta bases neotestamentárias26.N o sentido típico destacam-se três elementos: os dois

termos contrapostos que se chamam de tipo (ou figura) o primeiro termo, e o segundo antítipo (ou figurado), por exem- pio, Melquisedeque e Cristo, e sua mútua relação (tipologia). Essa relação é o elemento essencial do sentido típico, e é o próprio Deus que a estabelece, enquanto Ele determina que o primeiro signifique o segundo.2. Isto posto, como sabermos que Deus através de um ato, personagem ou coisa prefigure, outra personagem, acontecimento ou fato real? Sem qualquer dúvida, o Novo Testamento deve ser o parâmetro para filtrar qualquer tipo. O caráter tipológico de Melquisedeque e o da Páscoa israelita é indiscutível como tipo (H b 7.1-3, 15-17; Lc 22.14-20). N o entanto, verifica-se que muitos persona- gens e coisas no Antigo Testamento são usados por certos pregadores e professores como tipo, sem qualquer referência neotestamentária. E o caso, por exemplo, de José e Moisés. N o primeiro personagem, Habershon, segundo Roy Zuck, fez uma relação de 131 comparações, uma das quais, curiosamen- te, é que ambos (José e Cristo) foram até Siquém! Ela também

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H e bra ísm os

vê Moisés como uma prefiguração de Cristo, fundamentada em 69 comparações.28 E necessário que se distinga o tipo inato

do tipo inferido. O inato é explicitamente declarado nas páginas do N ovo T estam ento enquan to o tipo inferido não é explicitado, mas estabelecido pelo tom geral do ensino do Novo Testamento, como por exemplo, a Epístola aos Hebreus cuja metodologia hermenêutica é o uso da tipologia. Entretanto, muitos teólogos negam o tipo inferido por causa do perigo da exegese fantasiosa que torce subjetivamente o texto.29 Se usar- mos cada personagem, eventos ou coisas, como tipo de Cris- to, apenas devido às comparações existentes entre ambos sem qualquer base escriturística que a ratifique, como então dis- tinguir o tipo verdadeiro da mera ilustração ou comparação (elevada a um tipo verídico)? N em tudo que é semelhante deve ser considerado um tipo. Deve ser apresentado como uma ilustração, ao sermão e ao ensino, e não como um tipo válido, pois deixaria de ser ilustrativo para ser alegorização.30

Interpretação dos T ipos

1) Descobrir o sentido literal do tipo.Aspecto fundamental na interpretação dos tipos é a apu-

ração do sentido literal do texto. A exegese, deve preceder qual- quer afirmação dogmática ou heurística. Ao fazer o confronto entre os dois termos do sentido típico, é necessário restringir- se estritamente ao ponto intencionado por Deus, para evitar que se entre em detalhes estranhos à tipologia, ainda que pare- ça haver algum fundamento analógico.31

2) Reparar no ponto ou nos pontos de correspondência ou semelhança entre o tipo e o antítipo, delimitando adequadamen- te a fim de não atribuir ao tipo mais do que realmente prefigura.32

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H e r m e n e u t i c .1 tÃc: 1 e aescon11?11cada

Por exemplo, Melquisedeque era rei e sacerdote, e era su- perior a Aarão. Pelo menos nesses dois aspectos ele represen- tava Cristo, pois Cristo é Rei e Sacerdote, e seu sacerdócio é superior ao de Aarão. Deve-se procurar as semelhanças prin- cipais, não as secundárias e insignificantes.

3) Reparar nos elementos de contraste ou de diferenças, para evitar caracterizá-los como aspectos do tipo.

Melquisedeque era humano, mas Cristo era Deus e ho- mem. Aarão tmha de oferecer sacrifícios por seus próprios pecados, enquanto Cristo não precisava fazê-lo por causa da natureza santa que possuía como Deus encarnado. Na Pás- coa, os israelitas sacrificavam animais, mas Cristo, nossa Pás- coa, sacrificou-se a si mesmo. Os sacrifícios que retratavam vários aspectos de Cristo eram repetidos, ao passo que a mor- te do Senhor na cruz foi um evento definitivo.

4) Atentar para as afirmações explícitas no Novo Testa- mento que atestem a correspondência tipológica/־'

A Páscoa judaica no Antigo testamento possui diversas referências tipológicas nas páginas do Novo Testamento, as quais asseguram ser esta antiga festa judaica um perfeito exem- pio de tipos válidos, isto é, confirmáveis pelas Escrituras neotestamentánas.

5) O tipo deve possuir fundamento histórico.Esta norma possibilitará decidir nos casos aparentes e

duvidosos: se a relação que se acredita encontrar destrói o sentido histórico, a tipologia certamente não existe; se o res- peita, é possível que exista. “Tanto o tipo quanto o antítipo devem basear-se em paralelos históricos genuínos ao invés de paralelos mitológicos mtemporais. A tipologia não deve redefinir o significado do texto nem sugerir uma correspon- dência artificial, que não seja genuína.”34

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H ebra ísm os

A ntropom orfism o

Etimologia

A palavra antropomorfismo é derivada de dois vocábulos gregos: anthropos, que significa homem, e morphé, que significa “forma”. Literalmente é a forma de homem ou forma humana.

Nas Escrituras verifica-se que os escritores sacros não hesitaram em conceber o mundo irracional com caracteristi- cas humanas (prosopopéia), e nem de atribuir a Deus essas características. E certo que essa forma, algumas vezes rústica, não agrada a consciência estética do homem moderno, pois, descrever a Deus com o nariz fumegando e com a boca rubra pelas brasas ardentes que dela saem (Sl 18.8), talvez careça de um retoque poético. Dificilmente em nossa época, alguém descreveria o Eterno com esta linguagem. Entretanto, essas imagens antropomórficas estão carregadas de significados con- eretos e devem ser entendidos segundo os matizes e gênio peculiar dos hagiógrafos. Subentendida esta realidade, deve- mos concluir que os antropomorfismos são, na realidade, me- táforas pelas quais os escritores sagrados procuraram descre- ver os atributos da divindade, ou clarear, com o uso de signos concretos, certas realidades espirituais.

Os antropomorfismos são recursos simbólicos, figurados e poéticos, presentes em todas as religiões, pois são inevitáveis à natureza humana, onde o conhecimento preliminar das coi- sas processa-se através dos sentidos.

Razão do Uso de AntropomorfismoOs israelitas, como já observamos, não gostavam da abs-

tração. Eram circunlóquios, e estavam mais interessados em descrever as características essenciais de Deus através de lon­

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

gas descrições do que usar a síntese. Partiam do concreto para o abstrato, isto é, preferiam descrever as coisas sensíveis e abs- tratas através de atos ou gestos concretos. E assim que no Salmo 18.8, o salmista poderia ter usado o conceito abstrato de ira, indignação, mas preferiu exprimir esse sentido através da expressão facial de quem se mostra irritado ou irado — exalação nasal ofegante, além é claro de palavras mais agressi- vas, firmes e intimidadoras. Tudo isto para descrever a indig- nação de Deus quando o justo é perseguido (v. 16).

Apesar disto, não devemos imaginar que eles concebiam a divindade como um ser mortal. Estavam cônscios de que o Criador não era homem (N m 23.19; Os 11.7; M l 3.6; Jo 4.23-24; D t 4.1), mas percebiam que o fato de Deus ser Deus, e não homem, implicava uma existência e inacessibilidade im- possível à compreensão humana ( I Tm 6.16). Daí, não se omitiram em atribuir ao Criador características humanas.

N ão somos escusados de frisar que, em nossa experiência cristã, encontramos muitos irmãos queridos que rejeitam a realidade dos antropomorfismos, atribuindo mesmo a Deus, as características corpóreas dos hom ens.33 C onfundem corporeidade com personalidade, e espírito com a matéria. Quando afirmamos que Deus é espírito, dizemos que Ele é real, apesar de ser invisível aos olhos humanos. Ninguém ja- mais viu a Deus em Sua glória (Cl I .1 5; IT m 6.16; Jo I .I8 ; I Jo 3.2). A afirmação de que Deus é espírito leva-nos a con- cluir que Ele é incorpóreo, mas pessoal. U m espírito não pos- sui carne e osso (Lc 24.39; N m 23.19; Os I I .9 ; Jo 5.37). Contudo, consideramos ser necessário observar mais atenta- mente a proposição de que Deus não possui corpo humano:

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H ebra ísm os

• Por não possuir partes corporais, Deus não está sujeito às limitações a que estão sujeitos os seres humanos;

• Por ser mcorpóreo, não possui faculdades sensoriais como um homem e, por isso, não está sujeito às paixões humanas;

• Por ser mcorpóreo, não se compõe de nenhum elemen- to material, e não está sujeito às condições naturais;

• Por ser incorpóreo, subentende-se que Ele deve ser ado- rado de modo não corpóreo, e sim espiritual (Jo 4.24), pelas faculdades da alma, vivificadas e iluminadas pelo Espírito Santo (I Co 2.14; Cl 1.15-17).

Isto posto, Deus não pode ser visto com olhos naturais e nem apreendido pelos sentidos físicos. Com essas declarações não estamos afirmando que:

• Deus seja um hálito, vento ou algo amorfo, irreal, som- brio, pois Jesus referiu-se a forma de Deus (Jo 5.37);

• Deus seja impessoal, desprovido de atributos de perso- nalidade, pois entendemos que corporeidade não eqüivale à personalidade.

Aplicações Escriturísticas dos Antropomorfismos

Os escritores sagrados não se intimidavam no momento de conceber as realidades abstratas e sensíveis do Criador e da criação natural em termos puramente humanos. Para tanto, aplicavam desmesuradamente os antropomorfismos a fim de realçar certas características tanto afetuosas quanto metafísicas que não poderiam ser facilmente perceptíveis Assim, aplica- ram os antropomorfismos à natureza (Gn 4 .10 ,11; Is 44.23;55.12), e ao Criador. Do Criador é dito ter:

• Face (Êx 33.14).M ã o s (Sl 10.12; Êx 33.23)

2 3 9

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H erm e n êu t ica írácil e descom phcada

. Ouvidos ( I Sm 8.21; Sl 17.6)

. Lábios (Jó I I . 5; Is 30.27)• Língua (Is 30.27)• Pálpebras (Sl 1 1.4).O lh o s (Sl 11.4; D t I I . 12; I Sm 15.19)• Dedos (Êx 31.18).P é s (Sl 18.9; N a 1.3)• Costas (Êx 33.23).V oz (Gn 3.8; I Sm 15.19)·N arinas (Êx 15.8; Sl 18.8-16). Asas e penas sob as quais protege os justos (Sl 91.4);. U m belo manto, cujas orlas enchem o templo (Is 6.1). Além dessas características antropomórficas, o Senhor:. Ruge (Am 1.2);. Assovia (Is 7.18);. Dorm e (Sl 44.23);. Desperta-se como dum sono (Sl 78.65);. Cavalga sobre um querubim (Sl 18.IO).''6

O Significado de Alguns Antropomorfismos

Estevão Bettencourt oferece uma clara explicação sobre alguns antropomorfismos, vejamos a definição deste mestre:

O Senhor Tem Nariz e Narinas

O termo hebraico ‘af, que significa nariz, pode também significar ira, cólera. Com objetivo fundamento: o furor cos- tuma-se exprimir por respiração mais veemente, exalação na- sal mais intensa. Facilmente, pois, se entende a menção do nariz fumegante do Senhor nas Escrituras veterotestamentárias, devendo ser interpretado como a expressão da justiça de Deus que pune os homens maus (cf. Ex 15.8; Sl 18.9-6).

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H ebra ísm os

O Senhor Tem Braços e Mãos

Com a idéia de braço se associa naturalmente a de força,/

poder. E o que claramente dá a entender o texto de Jeremias 17.5: “Maldito o varão que confia no homem, e faz da carne o

seu braço, e aparta o seu coração do Senhor!”A luz deste texto, torna-se claro o antropomorfismo cor-

respondente, usado por exemplo em Lucas 1.49-52:“O Poderoso... com o seu braço agiu valorosamente; dis-

sipou os soberbos... depôs dos tronos os poderosos e elevou os humildes” (cf. Ex 15.6).

O Senhor Tem Face ou Rosto

Sendo a face ou o rosto a sede dos órgãos que exprimem o íntimo do indivíduo, significa freqüentemente na Bíblia, a personalidade. Verifica-se a tendência espontânea de um indi- víduo de ocultar ou recobrir o rosto, a fim de ocultar a cons- ciência ou o seu íntimo... a sua personalidade.

Por conseguinte, nas páginas sagradas: ...ver a face, é não raro, sinônimo de comparecer perante; ...fugir da face de, é fu gir de tal pessoa ou ainda esquivar-se à influência de. As- sim, por exemplo, fala Jacó:

“Aplacá-lo-ei com o presente que vai adiante de mim, e depois verei a sua face; porventura aceitará a minha face” (Gn

( / 32.20־A luz destes dizeres hão de se entender os antropomorfismos: “N ão me escondas, Senhor, a tua face” (Sl 27.9a). Conforme Êxodo 33 .11, o Senhor falava face a face com

Moisés. Neste versículo o antropomorfismo é logo explicado pelo aposto: “Como um amigo fala ao amigo”.38

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

Vejamos outros recursos da linguagem hebraica.

AntropopatismoN a m e n ta lid ad e p r im itiv a dos h ag ióg ra fos , os

antropopatismos registravam os afetos humanos que marcam a figura do Senhor.

EtimologiaO termo “antropopatismo” é de origem grega, provem-

ente de dois verbetes antbropos, “homem” e pathos, que significa “afeto” ou “paixão”. Literalmente é paixão ou afeto humano.

Principais Sentimentos Atribuídos a Deus:• O desgosto (Lv 20.23);. Aversão (SI 106.39-40);.Z e lo (Êx 20.5; 34.14);·Vingança (Êx 32.34; D t 32.35; Is 1.24);.C ó le ra (Êx 15.7; Is 9.19);• Complacência (Jr 9.23);. Alegria (D t 28.63; SI 104.31; Sf 3.17);. Arrependimento (Gn 6.6; I Sm 15.35; Jr 26.13).

N om eN a concepção dos semitas o nome é nitidamente a essên-

cia e o destino do portador ( nomen este omen). N ão se tratava apenas de algo que distinguia uma cousa ou pessoa da outra, mas uma parte essencial da natureza e personalidade da pes- soa. A leitura em profundidade pressupõe que o nome corresponde, ou pelo menos, deveria corresponder, a uma qualidade da pessoa. E isso que se subentende nas palavras da sábia Abigail: “N ão se importe o meu senhor com este ho- mem de Belial, a saber, com Nabal; porque o que significa o

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H ebra ísm os

seu nome ele é. Nabal é o seu nome, e a loucura está com ele; eu, porém, tua serva, não vi os moços de meu senhor, que enviaste” (I Sm 25.25 A R A )/9

Etimologia

O vocábulo “nome” (do hebraico sem, e do grego onoma,

aparece mais de mil vezes nas Escrituras Sagradas. Literal- mente significa, “nome”, “chamar”. O próprio fato da pala- vra aparecer 1770 vezes na Bíblia, na maioria das vezes desig- nando o caráter do portador, a característica de uma cidade ou povo, e a descrição de um evento, testifica a sua importân- cia hermenêutica e teológica.40 E não são poucos os pregado- res que têm feito uso deste recurso hermenêutico. Certa vez, ouvi uma mensagem baseada em dois nomes encontrados em Gênesis 12.8, “Ai e Betei”, traduzidos pelo pregador por “Casa de Deus e monte de lixo”. Bem, por isso, a metodologia que norteia este manual apóia-se em bases bíblicas sólidas. Assim sendo, tanto um estudo orientado segundo os textos bíblicos como aquele de orientação histórica e sociológica convergem para sistematizar e ordenar a análise.

Acepções

a) N o grego, língua em que foi escrito o NovoTestamen- to, o termo onoma é traduzido corretamente como “pessoas” em Ap 3.4.

b) Freqüentemente significa reputação (M c 6.14; Ap 3.1), autoridade/poder (M t 7.22; At 4.7), caráter (M t 6.9).

c) N o Antigo Testamento é, repetidas vezes, achado em paralelismo com memória, lembrança, renome: “... este é meu nome eternamente,e este é meu memorial de geração em gera- ção” (Êx 3.115; Jó 18.7; SI 135.13).

24 3

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H e rm en êu t ica fácil e descomplicacU

A Filosofia por trás do Nome

Os israelitas tinham consciência clara da sigmficância dos nomes pessoais e próprios. A maneira como os autores bíbli- cos se referem ao nome, seja de Deus, seja das criaturas, chama a atenção e só pode se explicar à luz do gênio semítico, que o Espírito Santo houve por bem respeitar. Observemos os me- andros dessa linguagem!

O Caráter Intrínseco do Nome

O nome não era apenas um apelativo, para distinguir uma pessoa das outras, mas para mostrar o caráter e a índole do indivíduo, designava neste caso, o íntimo do portador: “Rogo- te meu senhor, que não faças caso deste homem de Belial, a saber Nabal; porque tal é ele qual é o seu nome. Nabal é o seu nome, e a loucura está com ele...” ( I Sm 25.25); “Depois saiu o seu irmão, agarrada sua mão ao calcanhar de Esaú; por isso se chamou o seu nome Jacó (suplantado!־)...” (Gn 25.26).

A este contexto pertencem também as numerosas inter- pretações etimológicas que se oferecem quando as pessoas e os lugares recebem nomes: Eva: “A mãe de todos os seres hu- manos” (Gn 3.20); Caim (gerei): “Alcancei do Senhor um varão” (Gn 4.1); Babel (confundir): “Porquanto ali confun- diu o Senhor a língua de toda terra” (Gn 1 1.9).41

Mudar o Nome

M udar o nome de alguém significa assinalar-lhe uma nova função, um novo destino de vida. O caráter meritório do nome, então, fica exposto pela mentalidade do hagiógrafo. Assim sendo, o Senhor muda o nome de alguém quando a este dirige novo futuro ou destino: Abrão “Pai elevado”, torna-se Abraão

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H ebra ísm os

“Pai de multidão” (Gn 17.5); Jacó, “suplantador”, torna-se Israel, “aquele que luta com Deus” (Gn 32.28; 35.10); Benôni, “Filho da minha tristeza”, torna-se Benjamim, “Filho da mi- nha destra, ou direita” (Gn 35.18); José torna-se “Tsaphnath- Paneach” que significa “provedor da vida” (Gn 4 I.45 ) .42

O Nome E a Própria Pessoa

O nome é identificado com a própria pessoa e existência do respectivo portador, istõ eqüivale para o hagiógrafo ao ca- ráter pessoal do nome. E isto o que pretende afirmar o texto de Apocalipse 3.4: “Mas também tens em Sardes algumas pessoas (literalmente uns poucos nomes) que não contamina- ram suas vestes e comigo andarão de branco, porquanto são dignas disso”. Ter o nome apagado, riscado, é sinônimo de morte, repúdio e desprezo, “Agora, pois, perdoa o seu pecado; se não, risca-me, peço-te, do teu livro, que tens escrito” (Ex 32.32); “Os meus inimigos falam mal de mim, dizendo: quando morrerá ele e perecerá o seu nome” (Sl 4 I .5 ) .43 En- quanto conhecer o nome de um indivíduo revela intimidade, comunhão e conhecimento do caráter do tal. O nome neste caso é como um sósia da pessoa. Jeremias I4 .9b afirma: “(.״) Mas tu estás em nosso meio, e somos chamados pelo teu nome; não nos desampares”. E neste contexto que devemos entender Mateus 18.20: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (cf. Jo 10.3-I I ) .

O Nome Eqüivale à Propriedade

Quando o nome de alguém é pronunciado sobre alguma coisa, objeto ou cidade, então esse torna-se intimamente ligado à pessoa nomeada, ou torna-se sua propriedade. E assim que devemos entender o texto de 2 Samuel 12.28. Se Joabe pronun­

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descomplicada

ciasse o seu nome sobre a cidade de Rabá essa Lhe pertenceria. Em Isaías 4.1 sete mulheres pedem que o nome de um homem seja proclamado sobre elas, isto é, que sete delas pertençam a um homem somente. Se há dúvidas concernentes a este tópico, o texto de Isaías 44.5, esclarecerá o que se pretende afirmar: “U m dirá: Eu sou do Senhor: outro se chamará do nome de Jacó; outro ainda escreverá na própria mão: Eu sou do Senhor, e por sobrenome tomará o nome de Israel (ARA)”.44 Em 2 Reis 23.34 e 24.17, o monarca vencedor muda o nome dos homens subjugados, a fim de significar que a partir daquele ato estariam sujeitos ao poder do novo soberano.

O Nome Garante ProteçãoÉ o que ocorre quando alguém pronuncia sobre outrem o

nome de um soberano, garantindo-lhe a proteção do monar- ca. E assim que se compreende a bênção sacerdotal de Núme- ros 6.27: “Assim, porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei”. Ter o nome do Senhor sobre si, é obter a segurança do próprio Deus: “... o nome do Deus de Jacó te proteja” (Sl 20.1).

O Nome da DivindadeN a mentalidade primitiva dos semitas conhecer o nome

de uma divindade, conferia ao adorador certa autoridade para obrigar o divo a fazer a vontade do adorador. Isto torna-se claro quando em 2 Reis 18.26-28, os adoradores de Baal evo- cam o seu nome a fim de que esta divindade cananita se obri- gue a realizar o desejo do ofertante. Em Gênesis 32.29 e Juizes 13.6,17-18, os nomes das personagens são ocultados, pois, conforme a mentalidade vigente, a entrega do nome seria a consignação do poder próprio. E neste contexto que devemos

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H ebra ísm os

entender tam bém o ato de invocar o nom e do Senhor(Gn 4.26; 12.8).

Estas características culturais dos antigos semitas deram origem a incontáveis expressões bíblicas. A priori, devemos estudar cada destes textos segundo o contexto em particular.

Números

Os números, tal como as características semíticas anterio- res, estão arrolados no processo de desenvolvimento e transmis- são do texto sagrado, constitumdo-se uma forma típica, idio- mática e simbólica de transmitir a verdade por meio escrito.

Nas Escrituras veterotestamentárias os números não são representados por numerais ou letras, mas por expressões numé- ricas escritas por extenso.

Os Usos dos Números

Quantidade

N o Antigo e Novo Testamento os números são usados para expressar diversos conceitos relacionados com quantidade, de maneira bem semelhante ao uso em outros livros, exemplo:

a) “medida” (Sl 39.5);b) “soma”, “total” (N m 1.49);c) “em números pequenos” (D t 26.5);d) “incontável” (Gn 41.49; Is 2.7);e) “ser muitíssimo numeroso” (Sl 40.5).

QualidadesOs números, muitas vezes, nas Escrituras, não figuram

como indicações de quantidade, mas como enunciação de qualidades. Neste caso são a expressão de um juízo que o

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H e rm e n êu t ica tacil e descom rl icaà .

hagiógrafo form ula a respeito de de term inado sujeito (Ap 13.17,18).

Números Bíblicos Significativos4 י1. Unidade e caráter ímpara) O Senhor Deus é o único Senhor (D t 6.4);b) A raça humana provém de um único progenitor, don-

de se deriva a unidade da raça (At 17.25);c) O pecado entrou no mundo por um homem, como

também a justiça (Rm 5.12,15);d) O sacrifício único de Cristo é suficiente para todos e

para todas as épocas (H b 7.27);e) O Pai e o Filho são um (Jo 10.30);f) O homem e a mulher dentro do casamento, tornam-se

uma só carne (M t 19.6).

2. Unidade e Divisãoa) Dois é a expressão mínima da pluralidade, e natural-

mente indica alternativas e contraste (M t 6.24; 21.28).b) Dois também pode indicar alguma força separadora

(Jr 18.21), como duas opiniões que apresentam um dilema, ou como duas maneiras diferentes de apresentar algo (M t7.13,14).

c) Hom em e mulher são um só (Gn 1.27; M t 19.6);d) Duas pessoas trabalham juntas em cooperação (Js 2.1);e) Os apóstolos foram enviados de dois em dois (Mc 6.7);f) N o Sinai, foram dadas as duas tábuas da lei.

3. Unidade na MultiplicidadeTrês é um número retórico muito comum e natural, e

ocorre freqüentemente a repetição ou agrupamento tríplice

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H ebra ísm os

onde não se menciona número propriamente dito. Muitos conceitos básicos se formalizam através de um padrão tríplice: começo, meio e fim; passado, presente e futuro; espírito, alma e corpo. São numerosos os exemplos diferentes: há três dons duradouros em I Coríntios 13.13; três testemunhas em I João 5.8; títulos tríplice de Cristo e Deus em Apocalipse 1.4 e 4.8.

a) Esse é o número da Trindade: três pessoas, mas uma só substância (M t 28.19; Jo 14.26);

b) Três dias marcaram um ponto terminal;c)Três discípulos especiais eram íntimos do Senhor Jesus

(M c 9.2);d) A doxologia tríplice de Isaías 6.3 indica a perfeita san-

tidade de Deus;e) Em Números 6.23-26, a bênção tríplice.

4. A Totalidade da Terra e do UniversoE indicativo de amplitude ilimitada no sentido de espaço

e tempo aplicado ao Universo visível.a) O tetragrama divino YaHW eH (Y H W H );b) Quatro nos fluíam do Edem (Gn 2.10);c) Os quatros cantos da terra (Ap 7.1);d) Os quatros ventos (Jr 49.36; Ez 37).

5. Exprime Algo IncompletoO número do homem, que fica aquém do número sete, o

número divino.a) Deus criou o homem no sexto dia da criação (Gn 1.27);b) O homem deve trabalhar por seis dias (Ex 20.9);c) O Anticristo, o homem terrível, é representado por

um tríplice seis “666” (Ap 13.18). O uso das letras de uma palavra para expressar através da combinação de seus valores

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H e rm e n êu t ic a fácil e descomplicada

numéricos um nome ou uma frase engenhosa é chamado de gematria. Esse é o método usado principalmente pelos rabi- nos judeus, e seus adeptos têm alcançado combinações ím- prováveis. O livro O Código da Bíblia, de Michael Drosnm, é baseado nessa técnica bastante heterodoxa.

6. Número da Perfeição e da Divindade, Integridade,Intensidadea) Sete maldições contra quem matar Caim (Gn 4.15);b) A palavra do Senhor é depurada sete vezes (Sl 12.6);c) Sete vezes ao dia, o salmista louvava ao Senhor

(Sl 119.164);d) Sete estrelas, sete igrejas, sete anjos (Ap 1.10,12,20; 2.1);e) A proeminência desse número se observa:• Em ordenanças rituais (santificação do sétimo dia, as

festas dos pães sem fermento, a festa dos tabernáculos, o ano sabático, as sete aspersões com sangue no dia da expiação; Êx 34.18; Lv 23.24; Êx 21.2; Lv 16.14,19);

• Em atos históricos (sete anos de servidão de Jacó, sete mergulhos de Naamã, sete subidas do servo de Elias ao Car-melo; Gn 29.20,27; 2 Rs 5.10; I Rs 18.43,44);

• Em passagens didáticas (sete abommações que há no co- ração de quem odeia, ou em o Novo Testamento concernentes às ofensas e ao perdão; Pv 26.25; Lc 17.4; M t 18.21);

• Em textos apocalípticos (a visão de João sobre as sete igrejas, as sete lâmpadas, os sete selos, os sete chifres, os sete olhos do cordeiro, as sete pragas finais (Ap 1.4,16;4.5;5.1,6;15.1).

• Sobre os seus múltiplos:

14 - Catorze (Ex 12.6; N m 29.13,15) Chama a atenção especialmente para a divisão das gerações de Abraão até Cristo em três grupos de catorze cada um (M t I.17);

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H ebra ísm os

49 - Quarenta e nove — 7x7. Aparece em uma das prin- cipais prescrições rituais: regulamento da festa das primícias (Lv 23.15), os quarenta e nove anos de intervalo que deveria haver entre um ano de jubileu e outro (Lv 25.8);

70 - Setenta. Os mais importantes são: descendentes de Jacó (Êx 1.5; D t 10.22), os anciãos de Israel (Êx 24.1,9; N m11.16,24), os filhos de Acabe (2 Rs 10.1), os anciãos idóla- tras vistos por Ezequiel (Ez 8.1), as setenta semanas de Daniel (D n 9.24), os anos da vida humana (Sl 90.10), os setenta discípulos (Lc 10.1,17).

7. Todo Completo, Fechado em siO número dez tornou-se importante entre os semíticos

pelo fato de que o homem primitivo, ao contar, recorria aos dedos de suas mãos; desta praxe se originou o sistema deci- mal. Em tais circunstâncias, foi tido como símbolo de um “todo completo, fechado em si”. E certamente esse o signifi- cado que lhe compete nas genealogias dos setitas (Gn 5.1- 32), e dos semitas (Gn I I . 10-32).

a) Os dez servos (um grupo completo), as dez dracmas (nú- mero redondo), as dez virgens (todos os cristãos) (Lc 19 .13; 15.8;M t 25.1);

b) O catálogo taxativo de dez adversários que não conse- guem arrebatar ao cristão o amor de Cristo (Rm 8.38s);

c) Dez vícios taxativos, que excluem do remo de Deus (I Co 6.9s);

d) Dez milagres narrados sucessivamente para compro- var a autoridade de Jesus após o importantíssimo sermão so- bre a montanha (M t 8s);

e) As dez prescrições dirigidas a quem queira subir a montanha do Senhor (Sl 14).

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8. O Número Doze — 12E um número básico para a história do povo de Deus em

sua totalidade, unidade, grandeza e glória a que está destina- do. Era número predileto dos judeus. Estes constavam de doze tribos, portadoras da fé e da esperança messiânicas; em conse- qüência o remo messiânico é freqüentemente assinalado pelo número doze.

a) Os doze filhos de Jacó — as doze tribos de Israel;b )O s doze apóstolos (M t 10.12; I Co 15.5);c) Os doze mil selados de cada tribo de Israel (Ap 7.4-8);d) As doze estrelas sobre a cabeça da mulher vestida de

sol (Ap I2 .I);e) A Nova Jerusalém tem doze portas, guardadas por doze

anjos (Ap 2 1.12), ornada cada qual com uma pérola e o nome de uma das tribos de Israel; sobre cada qual das pedras da base acha-se o nome de um dos apóstolos (Ap 21.14); suas dimen- sões são múltiplos de doze (Ap 21.19,20), e os doze frutos da árvore da vida (Ap 22.2). Tais indicações significam o caráter de plenitude e consumação, que toca à Nova Jerusalém ou à Igreja. Esta constitui o remo teocrático por excelência, em que os bens outrora outorgados às tribos de Israel se acham multi-

O

plicados e oferecidos a todos os homens.

9. O Número Quarenta — 40a) Quarenta anos os judeus comeram o maná no deserto

(Êx 16.35);b) Quarenta dias Moisés esteve orando, jejuando e falan-

do com Deus (Êx 24.18);c) Quarenta dias Elias \iajou alimentado pela comida que

o anjo trouxe ( I Rs 19.8);d) Quarenta dias Jesus ficou no deserto jejuando e oran-

do (M t 4.2).

H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

252

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H ebra ísm os

SIN O PSE

U m símbolo procura transmitir a idéia abstrata ou real, utilizando-se de elementos concretos e experienciais.

A palavra “antropom orfism o” é derivada de dois vocá- bulos gregos anthropos, que significa “hom em ”, e morphe, que significa “form a”. Literalmente significa forma de homem ou forma humana.

As aplicações escriturísticas dos antropom orfism os objetivam personificar a natureza e referir-se ao Senhor

O termo “antropopatismo” é de origem grega, proveni- ente de dois verbetes: anthropos, “homem” e pathos, que significa “afeto” ou “paixão”. Literalmente é paixão ou afeto humano.

O termo “onoma” é traduzido corretamente como pes- soas, frequentemente significa reputação, autoridade/poder, caráter, memória, lembrança, renome.

O nome mostrava o caráter e a índole do indivíduo; desig- nava, neste caso, o íntimo do portador. M udar o nome de al- guém significa assinalar-lhe nova função, novo destino de vida. Ter o nome apagado ou riscado era sinônimo de morte, repúdio e desprezo, enquanto que conhecer o nome de um indivíduo revela intimidade, comunhão e conhecimento do caráter do tal.

O termo “número” é a tradução do grego arithmos e do hebraico mispãr, que significam respectivamente “aquilo que foi juntado, quantidade, medida, número, total, extensão”.

Trabalhando com Textos

Crítica Textual baseia-se no testemunho dos mais antigos e melhores manuscritos, assim como dos papiros, das tradu- ções antigas e da patrística, ela procura, segundo regras de­

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

terminadas, estabelecer um texto bíblico que seja tão próximo quanto possível do texto original.

Os Gêneros procuram determinar os gêneros literários, ambiente de origem, traços específicos e evolução desses tex- tos. O texto é em seguida submetido a uma análise lingüística (morfologia e sintaxe) e semântica, que utiliza os conheci- mentos obtidos graças aos estudos de filologia histórica.

A Critica Literária esforça-se, então, em discernir o início e o fim das unidades textuais, grandes e pequenas, e em verifi- car a coerência interna dos textos.

A Crítica dos Gêneros procura determinar os gêneros 11- terários, ambiente de origem, traços específicos e evolução desses textos.

Enquanto as etapas precedentes procuraram explicar o texto pela sua gênese, em uma perspectiva diacrônica, esta úl- tima etapa termina com um estudo sincrônico: explica-se aqui o texto em si, graças às relações mútuas de seus diversos ele- mentos e considerando-o sob seu aspecto de mensagem comunicada pelo autor a seus contemporâneos.

A Interpretação da Bíblia na Igreja (p. 41-42), Pontifícia Comissão Bíblia — Paulinas.

EXERCÍCIOS

L Conceitue o termo símbolo.2. O que é antropomorfismo?3. Como devem ser interpretados os números bíblicos?4. O que é Gematria?5. O que representava o nome para os hebreus?

2 5 4

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H ebra ísm os

Bibli-Holmes

Ajude nosso detetive “Bibli-Holmes” a pesquisar o sig- mficado simbólico e metafórico dos termos: cinto, chifre, co- ração, fermento, fogo, Oola e Ooliba.

LEITURAS E LIVROS PARA APROFUNDAMENTO

BETTEN C O U RT, Estêvão. Para Entender 0 Antigo Testa- mento. Editora Santuário (p. 84-91).

M A R T IN EZ , José M. Hermenêutica Bíblica. Editorial Clie (p. 181-91).

Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Vozes (p. 1050-53). SC H O K E L , Alonso L. A Palavra Inspirada - Loyola

(p. 1 10-I I 8).

NOTAS1La lecture chretiène de la Bible, Mavedsores, 5° ed., p. 150, apud.,

Estêvão Bettencourt, Para Entender 0 Antigo Testamento, p. 48.2 Bettencourt, op.cit., p. 51.3 Op.cit., 52.4 Tipo, Tipologia. In: Enciclopédia Histórico~Teológka da Igreja Cristã,

Walter A. Elwell (ed.), vl. I l l (N -Z ), p. 535. ,Hermenêutica Bíblica — Como interpretar las Sagradas Escrituras נ

p. 182.6 Manfred Lurker, Dicionário de Figuras e Símbolos Bíblicos, p. 105. ' Idem.

8 N enhum intérprete sério das Escrituras ignora o valor paralelo dos escritos do Oriente Antigo e a cultura religiosa destes povos. E assim que os textos e a cultura social e religio­

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicacLí

sa destes povos projetaram luz em muitas passagens das Escri- turas. Cf. A. Barucq, et. alli, Escritos do Oriente Antigo e Fontes Bíblicas,

Edições Paulinas, Klaus W EN G ST, Pax Romana — Pretensão e

realidade, Edições Paulinas; Leon Epsztem, A Justiça Social no Antigo

Oriente Médio e 0 Povo da Bíblia, Edições Paulinas; J. I. Packer, et alii, O Mundo do Antigo Testamento, Vida; J. Comby & Lemonon, Roma em face a Jerusalém, edições Paulinas; Santos Benetti, Sexu-

alidade e Erotismo na Bíblia, Paulinas.9 Estas sacerdotisas eram encarregadas de manter o fogo

da cidade, personificado pela deusa Vesta. Cf. Combv & Lemonon, op.cit., p. 10.

10 Lurker, op.cit., p. 105.11 Além das observações pessoais as fontes para este grá-

fico foram: A. Van D E N BORN, Dicionário Enciclopédico da B í-

blía, Vozes; Estevão Bettencourt, Para Entender 0 Antigo Testamento,

Editora Santuário; Manfred Lurker, Dicionário de Figuras e Sím-

bolos Bíblicos, Paulus; José M. Martinez, Hermenêutica Bíblica; CTTE;

Atônieto Grangeiro Sobrinho, Hermenêutica Bíblica, CPAD; E. Lund & P. C. Nelson; Hermenêutica, Vida.

12 Cf. F. W. Gmgrich & F. W. Danker, Téxüo do Novo Testa-

mento Grego / Português, p. 210.13 F. Rienecker & C. Rogers; Chave Lingüística do Novo Testa-

mento Grego, p. 264. Para uma visão completa do sentido do termo e suas ênfases principais, confira o Dicionário Internacional

de Teologia do Novo Testamento, vl IV (R-Z), p. 623-6.14 Champlm, op.cit., vl V, p. 568..Gingrich & Danker, op.cit., p. 210 נ116 As Cartas de Paulo (I), p. 287.17 Op.cit., p. 289.18 Rinaldo Fabris, As Cartas de Paulo (III), p. 441.

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H e bra ísm os

19 Pequeno trecho que liga as divisões principais do texto.20 Osborn, op.cit., p. 535.21 Teodorico Ballarini, Introdução à Bíblia, p. 210.22 Martinez, p.cit., p. 176.23 Ibidem.

24 Ibidem.

,Ballarine, op.cit., p. 221. Confira também Martinez ג2op.cit., p. 177.

26 Martinez, op.cit., p. 177.2/ Ballarine, idem.

28 A Interpretação Bíblica — meios de descobrir a verdade da Bíblia,

p. 205.29 Osborne, op.cit., p. 536.30Seria melhor entender essas ilustrações como “acomo-

dação bíblica”. Acomodação bíblica é a aplicação de um texto bíblico a pessoas ou coisas inteiramente diversas daquelas que o autor mtencionou, por uma certa semelhança. Em princípio é lícita: justifica-se pelo uso ilustrativo no sermão ou no ensi- no, entretanto, não é lícito ensiná-la como Palavra de Deus ou como um sentido intencionado por Deus ou pelo hagiógrafo. Esta distinção temos feito constantemente em sala de aula.

Jl Ballarine, op.cit., p. 223.32 Martinez, op.cit., p. 180..”Ver as “bases neotestamentárias do tipo '־'־''4 Osborne, op.cit., p. 536.

Em boa parte das igrejas evangélicas no Brasil, os crentes possuem um conceito e visão equivocada de Deus. Para alguns deles crer que Deus possui forma corpórea, tal qual o homem, é proposição de fé. Geralmente, essa forma de compreensão não está baseada na má compreensão dos textos que atribuem a Deus

32

34

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

certas características corpóreas, mas bem investigado, veremos que se trata de uma suposta revelação divina. Reafirmamos que Deus continua a revelar-se nos dias hodiernos, mas a pretensão de afirmar que alguém viu a Deus, e que Ele possui esta ou aquela forma corpórea, cheira ao politeísmo grego. Até as teofanias visíveis no Antigo Testamento não foram similares (Ex 3.2-6; 19.18-20; Dn 7.9-14). As vezes foram manifestações angélicas (Jz2 .I; 6.11,14), humanas (Gn 18.1-2,13,14), e não humanas (Gn 15.17; Ex 19.18-20). Outras vezes apenas audí- veis (I Rs 19.12-13; M t 3.17).

36 Bettencourt, op. cit., p. 62.37 Op. cit., p. 62.38 Op. cit., p. 68.39 O texto daTEB é mais contundente: “Que o meu se-

nhor não dê atenção a esse idiota, a Nabal, porque ele merece o nome que tem: ele se chama Infame, e a infâmia gruda nele. Eu, porém, tua serva, não tinha visto os moços que meu se- nhor enviara”.

40 Cf. R. Youngblood, Nomes nos Tempos Bíblicos; significados

dos. In: Enciclopédia Histórtco-Teológica da Igreja Cristã, vl. I ll (N -Z), Walter A. Elwell, ed., p. 25.

41 C f Bettencourt, op.cit., p. 71-76.42 Idem.

43 Idem.

44 C f A. Van Den Born, op.cit., p. 1048.4i Cf. Martinez, op. cit., p. 186-189; Bettencourt, op.cit,

76-91, A. V Den Born, op.cit., p. 1050-3; Grangeiro Sobrinho, op.cit., p. 75-8; Lurker, op.cit., p. 160-2. Enciclopédia Histórico-Teo~

lógica da Igreja Cristã,vl. I l l (N -Z ), p. 34-35. Dicionário Internaci-

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H e bra ísm os

onal de Teologia do Novo Testamento, vl.III (L-Q), p. 290-308. Esses manuais serviram de base para o desenvolvimento do tema, o leitor deve consultá-los para uma apreciação melhor e mais profunda. Consulte, John H . Stek, Aspectos da Poética do Antigo

Testamento e uma introdução a: Salmos, Provérbios e Tclesiastes, editora Luz Para o Caminho, 1985, p. 22-5 — Apostila. Ver ainda Christian Chen, 05 números na Bíblia — Moisés; os números e nós vl.I, Editora Betânia.

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CA PÍT U L O 8

p o é tica éi.^alccí

A poesia das Sagradas E scrituras não está lim itada

apenas aos cinco livros poéticos.

E ncon tram os no conteúdo dos livros históricos\

proféticos, evangelhos e das epístolas vários fra g m en to s

da poesia hebraica Ç D t 3 2 ; I s 1 .2 - 3 ) . O acervo

de literatura poética dos hebreus não se lim itava apenas

às contidas no A n tig o Testamento; pois ex istia m outras

produções literárias-poéticas que eram populares

em Israel ( N m 2 1 . 1 4 ; Z S m 1 . 1 8 ) .

Definições

Poeta

E aquele que tem faculdades poéticas e se consagra à po- esia; aquele que faz versos.

N o grego, a palavra poeta é expressa pelo vocábulo poietés.

Logo, a definição etimológica de poeta seria “fazedor”, “rea- lizador”, “ator”, “agente”. A palavra poeta aparece na Bíblia em Atos 17.28, onde o apóstolo Paulo cita um trecho de Arato de Mísia: “... como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração” (ARA). N ão obstante, o termo

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

grego aparece em Romanos 2.13 e Tiago 1.22, com o sentido distinto daquele que faz poesia.

O poeta é um “realizador” ou “agente da poesia”. Poesia é a realização do labor do poeta. Tanto um como o outro pode ser distinguido, ao mesmo tempo em que são indivisíveis: não existe poeta sem poesia e não existe poesia sem poeta. Um é o criador, o outro a criatura. As Escrituras afirmam que Deus é o poeta por excelência, e os salvos e a criação, a sua maior poesia! Aleluia! “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras...” (E f 2.10). O u ainda, como afirma Paulo aos Romanos: “... desde a criação do mundo... se entendem e claramente se vêem pelas coisas que foram cria- das...” (1.20). O grego do Novo Testamento diferencia tanto o poeta quanto a poesia, nos termos acima descritos.

N o sentido literário, um poeta é alguém que exprime suas idéias mediante imagens verbais, metáforas e outros artifícios literários.

A Poesia e os Livros PoéticosA partir do momento que entendemos o que vem a ser

poesia e poeta, torna-se fácil a definição de livros poéticos.Livros poéticos são aqueles nos quais o seu conteúdo é

escrito numa linguagem caracterizada pela emoção, ritmo e linguagem metafórica.

Isto não significa que tais livros sejam mero fruto da ima- ginação humana. Poesia é um discurso emotivo marcado pela emoção, rima, ritmo e pelo uso da linguagem figurada. Dife- re-se da prosa, pois enquanto esta é essencialmente descritiva e dissertativa, a poesia, apesar de usar a descrição e a disserta- ção em alguns casos, concentra-se peculiarmente no uso da linguagem figurada.

262

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Poética H ebra ica

Texto em Prosa Texto Poético

“O p a rd a l e n co n tro u casa, e a andorinha, ninho para si, onde acolha os seus filhotes; eu, os teus altares, Senhor dos Exér- citos, Rei meu e Deus meu! ” (SI 84.3 ARA)

“N o ano terceiro de Ciro, rei da Pérsia, foi revelada uma pa- lavra a Daniel, cujo nome é Beltessazar; e a palavra é ver- dadeira e trata de uma guerra prolongada; e ele entendeu essa palavra e teve entendimen- to da visão”. (D n IO.I)

O s C om ponentes de uma Poesia

Linguagem Poética

Qualquer poeta trabalha com uma matéria-prima chama- da palavra. Porém, um termo em si não é suficiente para al- cançar a excelência poética; é necessário que ele seja trabalha- do num processo de seleção e arrumação vocabular, cuja ex- ploração de significados irá caracterizá-lo como linguagem poética, ou seja, o sentido conotativo das palavras (figuras de linguagem). Facilmente encontramos esse elemento na poesia bíblica.

Rima

A rima é um jogo sonoro cujas sílabas apresentam sons semelhantes ou mesmo idênticos no final de seus versos. E a uniformidade de sons no final de dois ou mais versos. Veja- mos, por exemplo, alguns versos de “Rondó do Capitão”, de Manuel Bandeira:

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

“Bão, balalão; senhor capitão;tirai esse peso do meu cora cão;

não é de tristeza, não é de aflição é só de alegria, senhor capitão...”

Ao final de cada uma das linhas poéticas desse verso, nota- se a repetição proposital de “ão”, a fim de rimar com a linha anterior e posterior. A isto chamamos de “paralelismo sono- ro” ou rima.

U m outro exemplo na poética brasileira encontramos em Vinícius de Morais em seu famoso “Soneto de fidelidade”:

De tudo, ao meu amor serei atento - A

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto - B Que mesmo em face do maior encanto - B Dele se encante mais meu pensamento - A

Ainda que não seja comum nas traduções de nossas Bíbli- as o uso de paralelismo sonoro, contudo, algumas formas de assonância podem ser encontradas nos textos originais das Escrituras, como por exemplo, Jo 1.9

Hv το φως τό άληθι-νον,(en tô fõs tô alethi-nôn)

Era a verdadeira luz

ô φοτίζει πάντα άνθρω-πον,(hô fotízei panta ânthõ-pon)

que ilumina todo 0 homem

ερχόμενον εις τον κόσ-μον׳(erkhomenon êis tôn kos-mon)

vindo ao mundo

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Poética H ebra ica

MétricaMétrica é a ciência que ensina a medir os versos poéticos

ou sílabas poéticas. Isto quer dizer que a m edição ou metrificação de um verso é feito a partir das sílabas, isto é, das emissões sonoras. N ão devemos confundir sílaba poética com sílaba gramatical. E que a sílaba gramatical é pronunciada numa única emissão sonora, enquanto a sílaba poética, permite a junção sonora, isto é, duas sílabas gramaticais pronunciadas numa única emissão sonora. Esta forma estrutural da poesia encontramos largamente nas Escrituras Sagradas. Vejamos:

Sílaba gramatical do SI 92.12O / ju s / t o / f io / re s / c e / r á / c o / m o / a / p a l / m e i/ ra,I- 2- 3- 4- 5- 6- 7- 8- 9- 10- I I - 12- 13

Sílaba Poética do SI 92.12Leia atenta e corretamente, em voz alta. N ote a junção

sonora que ocorre:O / ju s / t o / f io / re s / c e / r á / c o / mo a / p a l / m e i/ ra1

I- 2- 3- 4- 5- 6- 7- 8- 9- 10- I IAlém da junção sonora, as sílabas que aparecem depois

da última sílaba tônica do verso são pronunciadas muito fra- camente, o que faz com que sejam desprezadas na contagem de sílabas poéticas:

pal / mei / ra

Ultima sílaba A sílaba pós-tônicatônica do verso. é desprezada.

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Fica claro que a contagem de sílabas poéticas obedece a duas regras básicas:

• A junção sonora de algumas vogais no interior do verso.• A contagem somente até a última sílaba tônica do verso. Deve-se observar, contudo, que a estrutura dos versos po-

éticos obedecem padrões rítmicos variados, que se denomi- nam como versos livres, muito comum nos poetas modernis- tas, como Manuel Bandeira.

EstrofeUma estrofe é um conjunto de versos em que os poetas

dividem seus textos. Interessante é o modo como o Salmo 139 está dividido. Possui 24 versos, divididos em 4 estrofes (quaternário), contendo cada uma 6 versos (sextilha). Veja- mos a estrutura deste maravilhoso poema:

I a estrofe: 1-6: A onisciência divina2 a estrofe: 7-12: A onipresença divina 3a estrofe: 13-18: A onipotência divina 4 a estrofe: 19-24: O problema do mal

Ritmo PoéticoOs dois elementos que contribuem para a obtenção do

ritmo poético são a rima e a métrica. Porém, o ritmo não resulta apenas desses dois elementos, mas é elaborado através do jogo das sílabas tônicas, dos fonem as vocálicos e consonantais, da pontuação, e outros recursos poéticos. O largo uso da estrutura paralelística propicia ao verso hebraico o con- trole do ritmo através das sílabas fortes.

Estrutura da Poesia HebraicaParalelismo

Enquanto grande parte de nossa poesia moderna apóia- se na rima e no paralelismo sonoro, a hebraica enfatiza o rit­

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Poética H e bra ica

mo e o paralelismo de idéias ou pensamentos. E raro ou quase impossível encontrar na poesia bíblica o paralelismo de sons (rima) ao final de cada linha poética. Contudo, o paralelismo de idéias abunda em toda a Bíblia. Robert Lowth foi o princi- pal estudioso do paralelismo bíblico.

O paralelismo poético hebraico é um ritmo equilibrado do pensamento e das idéias, mais do que das palavras e dos sons.

Vejamos:“O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o

cedro do Líbano” (SI 92.12).Nesta parelha de versos não se verifica o paralelismo so-

noro, mas o paralelismo de idéias. Além disto, o ritmo acom- panha esse paralelismo. Observe a cadência ou a regularidade de repetição de sons, ou ainda a ordem que percebemos na sucessão de elementos, tanto sonoros como significativos. Esta forma de ritmo de idéias chama-se de ritmo de sentido ou ritmo paralelístico:

“O - jus-to / flo-res-ce-rá / como a / pal-mei-ra, cres-ce- rá / como o / cedro do / Lí-ba-no”.

A idéia da segunda linha poética coincide com a idéia da primeira (florescer/crescer/palmeira/cedro), porém desenvol- ve o pensamento até um ponto pretendido, passando-o a um nível mais elevado. Essa forma de paralelismo é chamada de paralelismo completivo. Vejamos apenas uns exemplos da es- trutura da poesia do Salmo 92.12

Q uanto à estrutura poética, é:a) U m dístico (verso com duas linhas poéticas);b) U m paralelismo completivo;c) Usa a figura de linguagem conhecida como símile.Devemos observar que o uso figurado utilizado pelo po­

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H e rm e n êu t ica tácil e descomplicada

eta nas frases “florescer como a palmeira” e “crescer como o cedro do Líbano”, refere-se ao justo. Se desejarmos então sa- ber a m ensagem do poeta acerca do justo, precisamos decodificar o significado oculto no símile, isto é, na língua- gem figurada. Fica claro que o poeta, ao mesmo tempo em que ensina através do poema, brinca de “esconde-esconde” com o leitor.

Estrutura das Estrofes

A estrutura da estrofe hebraica é composta por:• Dístico, Bicola ou Bimembre: Estrofe de dois versos.

“O justo florescerá como a palmeira, ( I a linha ροέίκ3λ crescerá como o cedro do Líbano.” (2a linha poética)

(SI 92.12)

“Ensina-nos a contar os nossos dias,de tal maneira que alcancemos coração sábio” (SI 90.12)

“A luz semeia-se para o justo, e a alegria, para os retos de coração” (SI 97 .11)

• Trístico, tricola ou trimembre: Estrofe de três versos.“Levantam os rios, ó Senhor, ( I a linha poética) Levantam os rios o seu bramido (2a linha poética)Levantam os rios as suas ondas.” (3a linha poética)(SI 93.3)

“Ele é que cobre o céu de nuvens,que prepara a chuva para a terra,que faz produzir ervas sobre os montes” (SI 147.8)

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PoériCci H e b r a i c a

“Levantam os rios, ó Senhor, levantam os rios o seu bramido, levantam os rios o seu fragor” (SI 93.3)

“Faze resplandecer o teu rosto sobre o teu servoe ensma-me os teus estatutos״ (SI 119.135)

• Quarteto: Estrofe de quatro versos.“A lei do Senhor é perfeita, ( I a linha poética) e refrigera a alma; (2a linha poética)O testemunho do Senhor é fiel (3a linha poética) e dá sabedoria aos simplices.” (4a lmha poética)(SI 19.7)

“Rios de águas correm dos meus olhos, porque os homensnão guardam a tua lei.” (SI 1 19.136)“Ele faz cessar as guerrasaté o fim da terra,quebra o arco e corta a lança;queima os carros no fogo.” (SI 46.9)

• Qumtilha: Estrofe de cinco versos.“Mas eu,sou como a oliveira verde,na casa de Deus;confio na misericórdia de Deuspara sempre, eternamente” (SI 52.8)

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

“Assim nós, teu povoe ovelhas de teu pasto,te louvaremos eternamente;de geração em geraçãocantaremos os teus louvores.” (SI 79.13)

• Sextilha: Estrofe com seis versos:Estas simplesmente com binam alguns versos, sejam

dísticos ou trísticos, com os anteriores.“... Eis que os meus servos comerão, ( I a lmha poética) mas vós padecereis fome; (2a linha poética)Eis que os meus servos beberão, (3a linha poética) mas vós tereis sede; (4a lmha poética)Eis que os meus servos se alegrarão, (5a linha poética) mas vós vos envergonhareis” ()6a linha poética)(Is 65.13).

As estrofes, segundo a sua estrutura podem ser:2• Alternadas ou cruzadas: o primeiro verso combma com o terceiro, e o segundo com o quarto ( A B A B).

“ A lei do Senhor é perfeita - A e restaura a alma - B O testemunho do Senhor é fiel - A e dá sabedoria aos símplices - B(SI 19.7)

• Estruturas emparelhadas: elas sucedem-se duas a duas (AA BB).“Pois quanto o céu está elevado acima da terra, - A assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem. - A Quanto está longe o Oriente do Ocidente, - B assim afasta de nós as nossas transgressões. - B (Sl 103.11-I3)

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Poética H ebra ica

• Estrofes interpoladas ou opostas: o primeiro verso rima com o quarto e o segundo com o terceiro (A B B A).

“N ão deis aos cães as coisas - A nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, - B para que não as pisem com os pés, - B e, voltando-se, vos despedacem. - A (M t 7.6)3

Principais Tipos de Paralelismo HebraicoParalelismo Sinonímico ou Sinônimo:O paralelismo sinonímico ou sinônimo consiste em re-

petir na segunda parte do verso, com algumas variações de forma, o que fora enunciado na primeira.

“Por que se amotinam as nações ( I a linha poética) e os povos imaginam coisas vãs?” (2a linha poética)(SI 2.1)

“Rompamos as suas ataduras e sacudamos de nós as suas cordas” (SI 2.3)“Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos instruir, juizes da terra” (SI 2.10)

“E a sua terra está cheia de prata e ouro, e não têm fim os seus tesouros.Também está cheia de cavalos a sua terra, e os seus carros não têm fim” (Is 2.7)

“Que é o homem mortal que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?” (SI 8.4)

“Em Deus louvarei a sua palavra, no Senhor louvarei a sua palavra” (SI 56.10)

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

O paralelismo sinonímico, segundo John H. Wolton, elas- sifica-se em quatro tipos:4

1) Sinonímicos Idênticos: em que cada elemento é sinônimo, “D o Senhor é a terrae toda a sua plenitude,o mundo e aqueles que nele habitam” (SI 24.1)

2 ) Sinonímicos Idênticos: em que cada elemento é semelhante:

“U m dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite” (SI 19.2)

3) Sinonímicos Incompletos: em que o segundo elemen- to da linha anterior é repetido:

“Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” (Jr 17.9)

4) Sinonímicos Contínuos: em que o segundo elemento é repetido e usado como alicerce:

“Este receberá a bênção do Senhor e a justiça do Deus da sua salvação?” (SI 24.5)

Paralelismo A ntitético ou Contrastante

O paralelismo antitético ou contrastante tende a ilustrar uma realidade ou qualidade mediante a evocação do seu oposto, espe- cialmente no âmbito da conduta religiosa e moral. O segundo verso faz agudo contraste com o primeiro. São os tipos mais comuns de paralelismo, principalmente no livro de Provérbios. “O filho sábio alegrará a seu pai,mas o homem insensato despreza a sua mãe” (Pv 15.20)

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Poética H ebra ica

Paralelismo Climático

O paralelismo climático é o que retoma do membro pre- cedente um termo ou expressão, acrescentando-lhe algum ele- mento complementar ou determinativo, que contribui para sublinhar o sentido de realce que já está na própria repetição. A segunda linha completa a primeira, levando o seu pensa- mento ao clímax.“O Senhor será também um alto REFÚGIO para o oprimido, um alto r e f ú g i o em tempos de angústia” (SI 9.9 cf. 3.1,2; 10.8; 93.3; 29.1,2)

Paralelismo Quiástico ou Cruzado

E um esquema bimembre (duas linhas poéticas) no qual dois termos são invertidos, de tal sorte que o primeiro se tor- ne segundo e o segundo primeiro. Pode ocorrer com mais de dois versos. O nome provém da letra grega “chi” (c). Através desse mecanismo retórico, duas partes de um texto são ima- gens paralelas uma da outra.

“... Efraim não invejará Judáe Judá não oprimirá a Efraim” (Is 11.13b)

Nesse paralelismo bimembre, Efraim aparece no início da primeira linha poética, mas torna-se o último na segunda linha, enquanto Judá é último na primeira e primeiro na últi- ma, fazendo ímagmariamente um “X ”.

Page 266: Hermenêutica+fácil+e+descomplicada-Esdras Costa Bentho

H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

ץ

(a ) “N ão deis aos cães as coisas santas,(b) nem deiteis aos porcos as vossas pérolas,(bb) para que não as pisem,

(a a ) e, voltando-se, vos despedacem” (M t 7.6)

(A ) /(B B )x f

(P) ^ ( A A )

As linhas fA e ( a a ) fazem referência aos cães e as lmhasvvBj e (bb) aos porcos.

Paralelismo Completivo ou Emblemático

Os assim chamados de paralelos completivos são aqueles em que o segundo constituinte coincide com o primeiro e o desenvolve até um ponto pretendido, elevando-o a um nível mais alto ou usando uma símile (daí alguns chamarem de parabóli- co). São introduzidos, quase sempre, por uma comparação. Costuma-se confundi-lo com o paralelismo climático, no en- tanto, preferimos distingui-lo pelo uso associado do símile.

“O justo florescerá como a palmeira, crescerá como o cedro do Líbano” (SI 92.12).

“Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus” (SI 42.1).

“N ão são assim os ímpios; mas são como a momha que o vento espalha”. (SI 1.4)

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Poética H ebra ica

“Pois quanto o céu está elevado acima da terra,assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem.

Quanto está longe o Oriente do Ocidente, assim afasta de nós as nossas transgressões.

Como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece daqueles que o temem”

(SI I 0 3 . I I - I 3 , ver M t 7.3-5, 7 -1 1, 19-22).

Paralelismo Sintético ou Construtivo

O paralelismo sintético ou construtivo é aquele em que sucessivos paralelos unem-se de forma estrutural até expressa- rem conjuntamente uma idéia completa — é edificado sobre um pensamento. O pensamento do(s) primeiro(s) verso(s) serve(m) de base para o verso seguinte. A segunda linha com- pleta a primeira, suplementando o pensamento original.

“Os olhos que zombam do pai, ou desprezam a obediência da mãe, corvos no ribeiro os arrancarão e os pmtãos da águia os comerão” (Pv 30.17)

Nesses quatro versos o tema central é “olhos”, e cada par de versos faz-se necessário para expressar a idéia central: os quatro versos apresentam-se em dois pares — dois paralelos completivos.

(a ) “A lei do Senhor é perfeita,(b) e refrigera a alma;(a a ) O testemunho do Senhor é fiel

27 5

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H e rm e n êu t ica taci! e de>compl:c.adA

(bb) e dá sabedoria aos símplices.

(a) O s preceitos do Senhor são retos,(b) alegram o coração;(a a )o mandamento do Senhor é puro (bb) e ilumina os olhos”6 (SI 19.7,8(

Em todas essas parelhas de versos, vê-se imediatamente que o sentido do segundo seguimento do paralelismo tem estrita semelhança com o do primeiro.

E fácil constatar como em ambos os casos (a ) e (b), (a a n e (bb) formam paralelismo sintético, e o conjunto (a ), (b) e (a a ), bb) constituem paralelismo sinonímico.

Diversos Procedimentos Poéticos

Repetição:

São alguns expedientes baseados na repetição poética de algumas palavras ou refrãos propositalmente:

Anáfora:

Repetição de uma palavra ou de um conjunto no início de um ou mais versos ou membros, como no Salmo I3 .I,2s ( “Até quando”):

“Até quando te esquecerás de mim, Senhor?Até quando esconderás de mim o teu rosto?Até quando consultarei com a minha alma...Até quando se exaltará sobre mim o meu inimigo?”

Outros exemplos podem ser identificados:1) N o Salmo 3.2s: “muitos”;2) N o Salmo 124.1,2: “N ão fora o Senhor”;

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Poética Hebra ica

3) N o Salmo 118.2,3,4: “diga/digam ”;4) N o Salmo 127.1: “Se o Senhor não”;5) N o Salmo 129.1: “desde a minha” (ver Oséias 3.19,20).

Epífora:

Repetição do fim ou da segunda parte do verso. N o Salmo 118.1-4 (ARA) verificamos o uso da anáfora; entretanto, cons- tata-se também o uso da epífora onde a expressão “misericódia dura para sempre” é repetida (nos versos 8 -11, 15-16):

“Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre.”

N os versos 8 e 9 (ARA) dois paralelismos bimembres se intercalam expressando uma epífora:

“M elhor é buscar refúgio no Senhor do que confiar no homem.“M elhor é buscar refúgio no Senhor do que confiar em príncipes”

N os versos 10,11,12 (ARA) temos um paralelismo completivo formado por uma bicola (v. 10), uma tricola ( I I ) e um quarteto (12) todos expressando uma epífora no final: “em nome do Senhor as destruí”:

“Todas as nações me cercaram, mas em nome do Senhor as destruí.

Cercaram-me,cercaram-me de todos os lados; mas em nome do Senhor as destruí.

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Como abelhas me cercaram, porém como fogo em espinhos foram queimadas;em nome do Senkor as destruí’.

N os versos 15 e 16 a epífora é repetida com a expressão “a destra do Senhor faz proezas”.

Da combinação da anáfora e da epífora tem-se a símploce, isto é, a combinação ou fusão destes. O Salmo II8 .2 s apre- senta essa fusão, isto é, entre a epífora, “sua misericórdia dura

para sempre” e a anáfora “diga/digam”.

Artifícios Sonoros:São alguns expedientes poéticos baseados no som das

palavras, das letras ou das sílabas acentuadas.

Onomatopéia:

Ocorre geralmente na linguagem hebraica pela tendência a sugerir, com as palavras, a imagem auditiva de um objeto e ação, como por exemplo, o fragor das águas no Salmo 93.4 (ARA):

“Mas o Senhor nas alturas é mais poderosodo que o bramido das grandes águas, do que os poderosos vagalhões do mar.”

O u ainda, o gemido da parturiente em Isaías 42.14:“Por muito tempo me calei,estive em silêncio e me contive;mas agora darei gritos como a parturiente,e ao mesmo tempo ofegarei,e estarei esbaforido”.

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Poética H ebra ica

Em Juizes 5.22 quase se ouve os cavalos galopando, “Então, as unhas dos cavalos tocavam pelo galopar, galopar dos seus guerreiros”.

Uma onomatopéia bastante interessante é a de Eclesiastes 7.6, confira.

Paranomásia:

E um jogo de palavras para exprimir melhor uma adver- tência ou máxima. Consiste em empregar palavras semelhan- tes no som, mas diferentes no sentido (como Am 8.2):

“Que vês, Amós?E eu respondi: U m cesto de frutos de verão.Então, o Senhor me disse: Chegou o fim para o meu povo

de Israel; e jamais passarei por ele”.

O trocadilho encontra-se no termo qayis (traduzido lite- ralmente como “cesto de frutas maduras” e qes, “fim”.

Em Isaías 5.7 (c), lemos:“... este desejou que exercessem juízo, e eis aí quebrantamento da lei; justiça, e eis aí clamor” (ARA)

A paranomásia encontra-se no termo mishpat (juízo) e mispa

(opressão, lit. delito); tsedhaká (justiça) e tseaká (clamor, lit. grito de oprimidos). O Dr. A. R. Crabtree traduz o texto assim:

Ele esperou o juízo - M ISHPATEis o derramamento de sangue - MISPA

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Esperou a justiça - TSED H A K ÁEis um clamor - TSEAKÁ׳

O utro exemplo pode ser identificado em Isaías 7.9b :“... se o não crerdes, certamente não permanecereis”

Neste versículo, os vocábulos “crerdes” e “permanecereis” possuem a mesma raiz 'mn (crer e estar firme). U m caso mte- ressante de paranomásia encontra-se em Oséias 2.16 (BHS2.18) que diz:

“Naquele dia, diz o Senhor, ela me chamará: Meu marido e já não me chamará: M eu Baal”

O trocadilho é entre os termos “M eu m ando” e “Meu Baal”. N o hebraico Baali (meu baal), sinônimo de ishi (meu marido), contém o termo Baal (senhor — divindade cananita). Ver ainda Mateus 16.18 — Π έτρ0+/ πέτρα (Petros, subs- tantivo nominativo masculino / nome próprio; petra, subs- tantivo dativo feminino / substantivo comum). Confira Eclesiastes 7.1, entre os termos “shem” (nome) e “shemen” (azeite; óleo perfumado).8

Números no Paralelismo Hebreu

Os hagiógrafos utilizaram-se de vários recursos da cultu- ra semítica para expressarem concretamente os sentimentos que aturdiam no peito. Entre esses recursos estão os números. John H . Stek9 apresenta alguns exemplos dos padrões numé- ricos na poesia semítica:

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Poética H ebra ica

Ugaríticos 51 (III 17.18)Dois tipos de sacrifícios Baal aborrece, / / três, o Cava-

leiro das NuvensAramaicos Ahigar, col. vi, 92:Duas coisas são agradáveis/ / e uma terceira é amada por SMS.

Núm eros no Paralelismo Poético (ARA)Uma / DuasUma vez falou Deus / / duas vezes ouvi isto (SI 62 .11) Deus fala de um modo / / sim, de dois modos (Jó 33.14) Uma vez falei... / / aliás, duas vezes (Jó 40.5)Tomarei um de cada cidade / / e dois de cada família (Jr 3.14)

Três / QuatroPor três transgressões de Damasco / / e por quatro (Am 1.3,4s) H á três coisas que nunca se fa rtam // sim, quatro (Pv

30.15,18)

Seis / SeteSeis coisas o S E N H O R aborrece / / e a sétima... abomi-

na (Pv 6.16)De seis angústia te livrará / / e na sétima o mal (Jó 5.19) Reparte com sete / / e ainda com oito (Ec I I .2 )

Sete / SetentaSete vezes se... / / Lameque... setenta vezes sete (Gn 4.24) Até sete vezes? / / . . . até setenta vezes sete (M t 18.21; Lc 17.4)

Setenta / OitentaA duração de nossa vida é de setenta anos E se alguns, por sua robustez, chegam a oitenta (SI 90.10)

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Distribuição dos nom es divinos com postos

na poética hebraica

YaHWeH Altíssimo Trovejou, então, o SENHOR, nos céus;o Altíssimo levantou a sua voz(SI 18.13 ARA).

Altíssimo Shadday Aquele que habita no esconderijodo Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará (SI 9 1.1).

Deus Altíssimo E dizem: Como o sabe Deus?Ou: H á conhecimento no Altíssimo? (SI 73.11).

YaH WeH, Deus A voz do S E N H O R ouve-se sobre asda Glória águas; o Deus da Glória troveja

_________ (SI 29.3)._______________________

YaH WeH, nosso Deus Vós que assistis na casa do SENHOR,nos átrios da Casa de nosso Deus(SI 135.2).

Deus YaH WeH Deus subiu com júbilos, o SE N H O Rsubiu ao som da trombeta (SI 47.5).10

Podemos citar o Salmo 23 como demonstrativo dos no- mes divinos compostos. Ainda que não perfile sobre os no- mes divinos especificamente, fornece indicações destes, apesar de alguns nomes divinos compostos serem posteriores à com- posição salmódica de Davi, como nos casos de Ezequiel 48.35 e Jeremias 23.6. N o verso I, Iavé Raah, o Senhor Pastor, é combinado com Iavé Yireb, o Senhor que provê (Gn 22.14),

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Poética H ebra ica

“nada faltará”. N o verso 2, lavé Shalom (Jz 6.24), conduz o crente temente por “águas tranqüilas”. N o verso 3, lavéRoph’ekha,

o Senhor que é teu Médico (Ex 15.26) é o que “refrigera” a alma do crente enfermo, a expressão é combinada com lavé

Tsidkenu, o Senhor, nossa justiça (Jr 23.6) na expressão “guia- me pelas veredas da justiça”. N o verso 4 “tu estás comigo” lembra-nos de lavé Eloheka, o Senhor teu Deus (D t I6 .I ) e de El Ro’i, Deus que vê (Gn 16.13), e pode ser comparado a Eze- quiel 48.35, lavé Shammah, o Senhor está ali. N o verso 5, lavé

Nissi, o Senhor que é minha bandeira (Ex 17.15), é a seguran- ça do crente quando está na presença de seus inimigos. N o verso 6 “a bondade e a misericórdia”, “habitarei na casa do Senhor por longos dias” faz eco a El Berít, o Deus da Aliança ou do Pacto (Gn 3 I .I3 ;3 5 .I-3 ) .

Classificação da literatura poética hebraica e seus métodos hermenêuticos

Drama Poético11

O gênero dramático consiste na representação poética dum fato por meio da palavra e da ação. Essas cenas são apresenta- das principalmente em formato de versos:

O Livro de Jó

Não falta qualquer elemento de efeito dramático, e FrancisI. Andersem12 atesta que o livro de Jó possui provérbios, emg- mas, hinos, lamentações, maldições e poesias líricas da natureza.

Observações Hermenêuticas sobre o Livro de Jó

A exegese de Jó deve efetuar-se tendo presente algumas observações especiais:

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H e rm e n êu t ica facil e de$compl!cada

I o) Analisar adequadamente a riqueza da linguagem figu- rada. O livro está cheio de metáforas, símiles, antíteses e ironi- as, dos quais citamos: “Pele dos meus dentes” )19.20':, “olhos como raios da alva” (41.18), “ossos como tubo de bronze” (40.18).

2°) Estudar as declarações de cada um dos personagens que intervém nos diálogos à luz de sua própria teologia. De- terminando até que ponto expressam uma verdade completa, e não uma meia verdade, o que constitui um erro. U m exem- pio disto é o modo como os amigos de Jó diferiam acerca das causas do sofrimento, senão vejamos:

• Os Amigos de JóO sofrimento é sempre conseqüência do pecado pessoal

(4.7-9;8.3-6;I L I 3-15). Assim sendo, se alguém está aflito, deve concluir por certo, que haja pecado. A medida da aflição indica o grau do pecado. Argumentam que sendo Jó o homem que mais sofria, deve ser ele o maior dos pecadores. Aconselham Jó a que se arrependa de seus pecados para que Deus lhe restitua a felicidade e os bens e que, quanto mais procurar se justificar, mais demorada será a sua restauração. Jó, porém, rejeita as opi- niões de seus amigos, pois elas afirmam claramente que seu so- frimento é fruto dos pecados que ele cometera e de que somen- te Deus era testemunha. Jó nega calorosamente a inexatidão do juízo de seus amigos, não porque se considera perfeito, mais por estar cônscio de sua retidão e confiança em Deus.1''

· J óPara Jó o seu sofrimento não pode ser conseqüência de

seu pecado pessoal. Sugere aos seus amigos que mudem o rumo de seus raciocínios e busquem outras explicações para suas

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Poética H e bra ica

angústias, além da pressuposição injusta de que era acusado (6.29). Enquanto seus amigos sugerem que Deus é testemu- nha dos seus pecados ocultos, Jó, por outro lado, advoga que a sua verdadeira testemunha está nos céus (16.19). Para tanto, Jó emprega uma metáfora para explicar a sua inocência (23.10) e defender-se da acusação de pecados ocultos: “Mas ele sabe o meu cammho; se ele me provasse, sairia eu como o ouro” (ARA). O versículo não se refere ao efeito depurador do so- frimento, mas à inocência de Jó. Quando o “aquilatador” o pusesse à prova, não encontraria qualquer escória habilmente escondida dos homens, ao contrário, ouro.14

3°) Evitar ver em determinadas passagens mais do que realmente significam.

4 o) Limitar-se aos próprios limites das respostas que o livro dá às perguntas que surgem em seu conteúdo. Isto não quer dizer que não se deve usar os diversos tipos de paralelos, mas sim, procurar limitar as respostas ao próprio conteúdo.

5o) Fazer com que as figuras de linguagem digam mais do que realmente quer expressar o autor ao usá-las.13

Versos Líricos PoéticosO gênero lírico consisti na expressão poética dos pensa-

mentos e sentimentos pessoais do autor traduzidos em ritmos análogos à sua emoção. O lirismo impregna a saga histórico- religioso dos hebreus. Eram preparados para ser cantados ou salmodiados.

O Livro de SalmosOs salmos apresentam a maioria dos tipos de poesia lírica:• Odes:Composição poética em que se louva uma pessoa ou coisa,

dividida em estrofes semelhantes entre si (I Sm 18.7). Pode ser:

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplica-da

• Sacra: Que segundo as circunstâncias pode se chamar de:• Salmo: louvores a Deus;• Hino: Canção religiosa, canto em louvor a pátria, ou

poesia acompanhada de música, em honra a uma nação, de um monarca, de uma causa. Davi costumava cantar hinos a Deus, celebrando as obras da criação (SI 8.1 ;84; 122-126);

• Epódica: ocupa-se de matéria filosófico-moral (SI 53;62;73;77);

• Cânticos: distribuído por todos os salmos. Maria, exalta ao Senhor com um belo canto genetlíaco (composição lírica que celebra o nascimento ou aniversário de uma pessoa — Lc 1.46- 55).

• Elegias: pequeno poema consagrado ao luto e à tristeza(SI 126; 13 7);

• Ecloga ou égloga: poesia pastoril. Diálogo poético em cenário rural, entre pastores ou camponeses. Nos salmos não temos esse diálogo, mas são constantes as cenas pastoris e cam- pestres (23);

• Intercessões: cântico oratório que se intervém a favor de alguém (67;72;74).

Observações Hermenêuticas sobre os SalmosA exegese de salmos deve efetuar-se tendo presente algu-

mas observações especiais:I o) Ter em consideração o gênero do salmo. Se é um hino

de louvor, uma súplica, um cântico de ações de graças, lamentação ou imprecação. Essas formas genéricas da composição salmódica alteram por completo o método de interpretação.

2°) Levar em conta a conexão histórica do salmo. Neste caso, precisa-se determinar a autoria do salmo, o que nem sempre é possível, pois as epígrafes, apesar de fazerem parte

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Poética H ebra ica

do texto hebraico, são adendos dos editores, e não dos autó- grafos originais. Isto não quer dizer que sejam sem funda- mentos. U m dos casos de salmos com títulos discutíveis é o34 (cf. I Sm 21.10-15). Os Salmos 3, 7, 18, 30, 34, 51, 52, 54, 56, 57, 59, 60, 63, 142, possuem indicação de autor e as circunstâncias históricas do autor ajuda na interpretação.

3o) Deve-se prestar atenção ao estado psicológico e senti- mental do autor. N ão basta apenas conhecer as circunstâncias em que a composição foi escrita, mas também o efeito psico- lógico e sentimental que essas circunstâncias produziram no salmista: abatimento, depressão, temor, reação fervorosa nas- cida da fé, clamor amargo ou súplica de esperança, inseguran- ça ou certeza, descrição de sua culpa ou de sua inocência.

4°) Analisar os conceitos teológicos do autor compa- rando com a teologia de seu tempo, baseado na revelação de que dispunha.

O u os conceitos dos salmistas se adequaram à verdade reve- lada, ou são frutos de seus problemas existenciais, feridas de alma, ou tribulação? As lamentações do Salmo 44 são bons exemplos. Parece que o salmista repugna o caráter de Deus no verso 23. Outro exemplo é o 77.9,10, o qual evidentemente era uma afir- mação falsa, como o próprio salmista atesta no verso 11.

5o) Deve-se interpretar os salmos imprecatórios segundo sua natureza intrínseca e de acordo com o contexto teológico da época.

Sidlow Baxter admite que os salmos imprecatórios são “como espinhos agudos num ramo de rosas”. “N o Saltério”, diz Baxter, “ocorrem aqui e ali certos salmos expressando ira veemente e imprecações contra inimigos e malfeitores”16. Não são poucos os que atribuem aos salmos imprecatórios como

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H e rm e n ê u t ic a f־ác11 e descom plicada

sendo “um dos maiores problemas do Velho Testamento1 (Clyde Francisco). Entretanto, as palavras e ditos austeros não são implicações somente das Escrituras veterotestamen- tárias. O Novo Testamento também inclui certas palavras ás- peras (tais como M t 13.50;23.13-33; 25.46; Lc 18.7,8; 19.27; At 13.8-11; II Ts 1.6-9; Ap 6.10; 18.4-6). Essas passagens ensinam plenamente que todos colhem as conseqüências de sua escolha (M t 7.22,23; 2 Co 5.10; G1 6.7). Percebe-se en- tão, que as palavras rudes e austeras não são sintomáticas ape- nas no Antigo Testamento, pois o Novo também exacerba ex- pressões imprecatórias. Baxter afirma que a solução encontra- se em um princípio básico hermenêutico: a primeira menção de qualquer assunto fornece a chave de tudo o que for dito sobre ele posteriormente. O primeiro versículo dos salmos imprecatórios fornece a chave de todos os que se seguem: “Declara-os culpados, ó Deus! Caiam por seus próprios pia- nos. Rejeita-os por causa de suas muitas transgressões, pois se rebelam contra ti” (Sl 5.10). Seguindo, a abordagem herme- nêutica, compreendemos que:

a) Essa imprecação é contra transgressores rebeldes, e é contra eles somente porque são o que são, como vemos na última oração: “... pois se rebelaram contra ti”. Em outras palavras, a imprecação é contra malfeitores ímpios como tais. As palavras de Davi nesse versículo são as de um homem que vê o pecado em sua natureza real, como uma rebelião contra Deus. Estas palavras são de um homem que se identificou com Deus contra o pecado, e que odeia o pecado pelo fato de Deus também odiá-lo. E a disposição mental estabelecida no Salmo 139: “Não aborreço eu, Senhor, os que te aborrecem? e não abomino os que contra ti se levantam? Aborrreço-os com ódio consumado: para mim são inimigos de fato” (vv.21,22 ARA).

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Poética H ebra ica

b) Como observamos o primeiro versículo dos impreca- tórios, sua análise contextual recai não sobre homens simples- mente, mas sobre os malfeitores. U m exame cuidadoso de to- das as passagens imprecatórias revela que dois terços delas são especificamente contra os malfeitores; nas restantes, o mesmo motivo fica subentendido. Embora este não seja uma explica- ção que resolva todos os conflitos teológicos da questão, en- tretanto, apresenta justificativas hermenêuticas, pelo menos quanto ao motivo das imprecações.

c) Corroborado com esta asseveração, não somos escusa- dos de frisar que essas imprecações não são explosões de iras pessoais e destituídas de justiça. Os salmistas não se coloca- vam acima da lei teocrática, mas legislavam através dela. Urge ser observado que cerca de dezesseis salmos imprecatórios são de autoria do rei teocrático Davi.18

Didática Poética

São versos poéticos destinados a ensinar alguma verdade, ajudados pelos encantos da imaginação, da vida prática e do verso. D 1v1dem-se em:

- Poema didático próprio;- A epístola;- Apólogo ou fábula;- Sátira;- Didática prática;19

O Livro de ProvérbiosO termo hebraico mashal procede de uma raiz que significa

ser como, e isto tem o significado de comparação ou similitude. O vocábulo pode ser traduzido como provérbio, parábola, ale-

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

gona, dito satírico, mote]o, discurso ou tratado. Os provérbios são ditos sapienciais breves; máximas e aforismos que procuram instruções para a alma na realidade da vida prática.

Os Provérbios estão classificados como:Provérbios históricos

Nessa classificação, um acontecimento do passado pas- sou para o vulgo popular ( “Está Saul também entre os profe- tas?”). Entretanto, não aparece haver qualquer exemplo desses no livro de Provérbios.

Provérbios metafóricosEstes são os que devemos realmente chamar de provérbi-

os. Usam a metáfora, a símile a fim de ensinar uma verdade correspondente.

Provérbios parabólicosEstes são os que apresentam verdades em forma alegórica.

O melhor exemplo desta classe são os que tratam da sabedoria.

Provérbios didáticosSão os que dão informações e instruções precisas quanto

à conduta (especialmente os capítulos 1-9).

EnigmasEstes compreendem as adivinhações ou perguntas obscu-

ras (cap. 30).O livro de Provérbios utiliza vários mecanismos literários

a fim de apresentar máximas práticas para a vida através de figuras criativas, analogias surpreendentes e contrastes. As unidades poéticas básicas empregadas são as seguintes:

Em paresSão provérbios com duas formas básicas:

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Poética Hcbra ica

1) U m dístico em que a primeira linha expressa um pen- samento e a segunda suplementa-o, a fim de desenvolvê-lo ou interpretá-lo (11.30).

2) U m dístico em que ambas as linhas expressam o pen- samento pelo uso do mesmo padrão de paralelismo (10.12).

Em gruposSão grupos de provérbios sobre um tema comum, tais

como os referentes ao rei (25.2-7), ao insensato (2 6 .I - I2 ) e ao preguiçoso (26.13-16).

EpigramaE um provérbio ampliado que tem no seu âmago duas

linhas (não necessariamente consecutivas) que expressam o pensamento aforístico, sendo que o restante é seu suplemento ou expansão (1.8,9). Geralmente alcança o seu objetivo por meio de afirmações sentenciosas, vigorosas ou satíricas.

SonetoE uma composição poética de catorze versos. O soneto

hebraico não se fixa no exato número de versos. Começa com um dístico expressando o tema e forma depois dois blocos ou dois pensamentos; um desenvolve o primeiro verso do dístico, e o outro o segundo verso. Isso dá um feitio poético ao poema(1 .10-19).

Monólogo DramáticoOs objetos inanimados ou idéias abstratas são personifi-

cadas para admoestar ou enfatizar sua natureza ou objetivo(1.20-33).

AcrósticoU m acróstico com o alfabeto hebraico termina o livro

■'31.10-3 I V o\ /

291

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Observações Hermenêuticas sobre os ProvérbiosA exegese de Provérbios deve efetuar-se tendo presente

algumas observações especiais:I o) Determinar o tipo de linguagem usado no texto,

denotativo ou conotativo, um símile, metáfora, alegoria etc. e buscar o significado correspondente.

2°) Fazer com que as figuras de linguagem digam mais do que realmente quer expressar o autor ao usá-la.

3°) Estudá-los levando em conta o contexto social, moral e religioso. Muitas comparações dos provérbios são extraídos da vida prática e, portanto, um conhecimento da cultura e dos valores morais da época auxiliam a exegese do texto.

4 o) Identificar os paralelismos antitéticos, sinonímicos ou outros que possam ocorrer.21

D idática Filosófica

O Livro de Eclesiastes

N o hebraico chama-se Koheleth, um título extraído de sua sentença inicial “Palavras de Koheleth, o filho de Davi, rei de Jerusalém”. Jerônimo traduziu koheleth por Ekklesiastes, que é a forma latina da palavra grega para pregador. Koheleth, vem de uma raiz hebraica que significa “chamar, reunir”.22

Quando Koheleth foi traduzido por Jerônimo, levou-se em consideração o vocábulo latino calo e o grego kaleo, que significa “congregar, reunir especialmente para fins religio- sos”. Jerônimo explica dizendo que no grego chama-se assim a pessoa que reúne a congregação ou ekkksia.

O tema dominante de Koheleth é a vaidade e futilidade da vida sem Deus. Descreve dez tipos de vaidades:

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Poética H ebra ica

I o Da Sabedoria H u m a n a ................. 2.15,16;2° Do Trabalho H u m a n o ..................2.19-21;3o D o Propósito H u m a n o .................2.26;4 o Da Inveja H u m a n a ........... ........... 4.4;5o Da Avareza H u m a n a ..... ........ ..... 4.7;6° Da Glória Hum ana .......... .......... .4.16;7o D a Ambição Hum ana ....................5.10;8o Da Cobiça H u m a n a .................... ...6.9;9° Da Frivolidade H u m a n a ............... 7.6;10° Das Recompensas Humanas ....8 .I0 ,I4.23

Observações Hermenêuticas sobre EclesiastesA exegese de Eclesiastes deve efetuar-se tendo presente

algumas observações especiais:1°) Considerar a natureza da estrutura do livro. Eclesiastes

é um monólogo dramático que apresenta as complicadas ex- penências da vida. Nesse monólogo o autor conversa consigo mesmo, comparando as experiências da vida uma com as ou- tras. E um sermão didático-filosófico autobiográfico cercado de especulações sobre o sentido da vida, da morte, do traba- lho, do amor, da juventude da velhice, etc.

2°) Considerar as diversas expressões que se repetem como indicativo do sentimento de koheleth sobre o sentido da vida. Deve-se classificar entre elas hebel, que é traduzido por vaidade. Das 71 ocorrências de hebel no AT, cerca de 36 ocorrem so- mente em Eclesiastes, onde aparece pelo menos uma vez em cada um dos 12 capítulos, exceto o capítulo 10. O termo geralmente significa vento, sopro, o que comunica a idéia de vacuidade, temporal, abstrato, inutilidade, vaidade. Dessas ocorrências o termo subjaz em várias aplicações:

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H e rm e n êu t ica tácil e descom plicada

a) Incapacidade de realização no trabalho, por não con- seguir ser criativo e não conseguir controlar o livre uso e o destino de suas posses; isso é hebel (2.11,19,21,23; 4.4,8;6.2);

b) a idéia de que a conexão entre pecado e juízo, justiça e livramento, nem sempre é direta ou óbvia, sendo uma anoma- lia da vida que é hebel (2 .15;6.7-9;8.10-14). Neste caso hebel

significa “sem sentido”;c) para lamentar a brevidade da vida, o que também é hebel

(3.19;6.12;11.8,10). A vida, em sua qualidade, é vazia ou sofre de vacuidade (msubstancial), e em sua quantidade é transitória.

Outras expressões repetidas são “debaixo do sol” (cerca de 30 vezes), “correr atrás do vento” ( f ‘üt rü“h — “aflição de espírito” na ARC), “então eu vi”, “então eu considerei” e muitas outras.24

Idílios PoéticosIdílios são poemetos líricos geralmente dialogados, em

que são exaltados os encantos da vida rural. São cenas cam- pestres ou pastoris em forma de verso, e também pode ser entendido como amor poético e suave.

Cantares de Salomão

O título Cântico dos Cânticos é a tradução literal do hebraico Shir ha-shirim, que expressa de modo superlativo o Cântico que é sobre todos os cânticos de Salomão.

O livro está formado por um conjunto de poesias líricas, em que são cantados os sentimentos e as experiências do amor, suas esperanças, sua visão luminosa do mundo e da vida e seus deleites; também suas inquietudes e seus temores. Pode ser observado:

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Poética H ebra ica

O IdílioEm Cantares 2.1-10, esposo e esposa, com o coração a

transbordar de ternura, entretêm em delicado idílio.

O EpitalâmioEm 4 .8 -1 1 o esposo solícito convida a esposa num

epitalâmio.

A EclogaAinda no mesmo poema se encontra um exemplo de

écloga, na qual o esposo evoca aspectos da vida pastoril, va- lendo-se de figuras bem românticas (4.1-5).

O MadrigalEntre as amostras líricas que no poema se entrelaçam,

surge ainda algo do madrigal, em que o poeta decanta os atra- tivos da amada (1.8,10,11). Quanto a estrutura de Cantares, tem díspares, suscitando as mais controversas opiniões a res- peito do número de unidades poéticas e a extensão de cada uma. Porém, a unidade do livro jamais poderá ser desafiada. Refrões semelhantes aparecem em 2.7; 3.5; 8.4; as imagens são as mesmas através de todo o livro; e os mesmos persona- gens aparecem repetidas vezes.23

Observações Hermenêuticas sobre CantaresAlém do que já foi perlustrado, a exegese de Cantares

deve efetuar-se tendo presente outras observações especiais: I o) Definir os principais objetivos da poesia de Cantares.

Como interpretar um livro ignorando o seu propósito? São dois os propósitos mais aceitos, divididos de acordo com as escolas interpretativas mais disputadas:

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a) Histórico: Celebrar o casamento de Salomão e expres- sar as delícias do casamento como dádiva de Deus;

b) Religioso: Referir-se ao relacionamento de Israel e Adonai e Cristo e a Igreja.

2°) Investigar o gênero literário empregado e o palco histórico desenvolvido no livro.

3°) Avaliar os métodos hermenêuticos adotados pelas principais escolas de pensamento cristão. Para facilitar, deli- neamos as principais correntes para que o hermeneuta avalie amplamente os métodos adotados.26

Escola Alegórica

Descrição: Ignora o poema como fato histórico, preferm- do um significado figurado, fictício e enigmático. O ponto crucial é a exaltação poética do amor de Deus e o seu povo.

Seus representantes são:Bernardo de Clairvaux: “A esposa é figura da alma mdivi-

dual, e não da igreja”.Ambrósio de Milão: “A esposa é figura de M aria”.Rabis: Rashi e Iben Ezra: (ref.: a 1.13): “A presença de

Deus no tabernáculo e entre os querubins”. Iben Ezra, apesar de aceitar a alegorização do livro, prestava atenção ao sentido simples do texto e sua explicação gramatical.

Lutero: “A esposa personifica o Reino, e o Cantares ceie- bra a lealdade de seus súditos”.27

Escola N aturalista/L iteral/L írica

Descrição: O livro não passa de uma coleção de canções eróticas, ou idílios de amor, reunidos por causa de seu mérito literário, sem qualquer significado alegórico ou tipológico.

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Poética H ebra ica

Seus representantes são:Charles F. Pfeiffer e Everett F. Harrison: “O princípio

básico desta interpretação é que o hino é um poema que exalta o amor humano”.

Teodoro de Mopsuestia: “Uma celebração do casamento de Salomão com uma filha de Faraó”. A literalidade de Teodoro sobre Cantares foi condenada no Concilio de Constantmopla.

Herder: N o final do século X V III esboçou a teoria de que o livro é uma coleção de “cânticos eróticos independen- tes, com objetivo de assinalar o processo gradual do verdadei- ro amor em seus variados matizes e etapas, até chegar a consu- mação no matrimônio”.

Escola Litúrgica

Descrição: Considera Cantares como uma derivação dos ritos litúrgicos do culto a Tamuz, Osíris e Isis ou de Baal e Astarote.

Escola Dramática

Descrição: O hino é um drama apresentando Salomão apaixonado pela Sulamita, uma jovem inculta, a qual ele intro- duz no palácio real em Jerusalém.

Seus representantes são:Franz Delitzsh: “Uma jovem humilde de origem campo-

nesa que, por sua formosura e pureza de alma, encheu a Salomão de um amor que lhe arrancou da luxúria e poligamia levando-o a uma experiência pessoal”.

Ewald: O pinou três personagens: a sulamita, o pastor e Salomão, que tenta seduzir a jovem. Percebendo a resistência

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da sulamita, Salomão a permite regressar junto ao homem que ama.

Escola Típica

Descrição: O texto possui uma conotação histórica, mas em harmonia com as Escrituras, possui também um propósito religioso e um conteúdo espiritual. Os fatos são fundamental- mente históricos, mas foram levados à esfera da poesia com um objetivo religioso. Assim, a base de seu palco histórico possui relação tipológica entre Israel e Adonai e Jesus e a Igreja.

Escola Folclórica ou Erótica

Descrição: A escola folclórica ou erótica deve sua origem a Renan, que observou um certo paralelismo entre Cantares de Salomão e a poesia epitalâmica da Síria. Por isto, a descn- ção de Cantares é uma coleção de cânticos folclóricos destina- dos a descrever a beleza física dos contraentes.

Seus representantes são Renan e J. G. Wetzstem.

Escola Didático-M oral

Descrição: Sustenta que Cantares exalta a pureza e a for- mosura do verdadeiro amor na relação conjugal vivida confor- me o santo propósito de Deus.

Seu representante é:E. J. Young: “O Cântico é didático e moral em seu pro-

pósito... em minha opinião não temos base para dizer que o livro é um tipo de Cristo. Isso não parece ser um ponto de vista exegético defensável. Porém, o livro conduz os nossos olhos a Cristo... pode ser considerado como uma parábola...”.

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Poética H ebra ica

4°) Observar as características lingüísticas peculiares a Cantares. Essas particularidades referem-se tanto aos termos literários quanto religiosos.

1) Literários:O Dr. Lloyd Carr assinala que Cantares possui cerca de

470 palavras diferentes do hebraico; cerca de 47 ocorrem so- mente em Cantares e nem uma outra vez no AT, 5 1 aparecem cinco vezes ou menos, 45 entre 6 a 10 vezes, e outras 27, entre onze e vinte vezes; sobram cerca de 300 palavras co- muns em Cantares26.

2) Religiosos:Segundo Carr, Cantares omite todas as palavras religio-

sas mais importantes do vocabulário do AT.

• N ão aparecem os nomes divinos do Senhor (Javé, ou Adonai);

• Palavras associadas com a celebração cultuai de Israel (arca da aliança, lugares altos, trono, misericórdia, templo, san- tuário, etc.);

• Palavras de culto (cordeiro, boi, oferta, altar, sacrifício, sangue, alçada, expiação, ungir, aspergir, etc.);

·T erm os básicos teológicos (mal, fiel, bênção, estatu- to, pecado, sabedoria, graça, limpo, imundo, glória, man- damento, etc.). Carr admite que a to tal ausência de ter- mos teológicos e cúlticos do AT hebraico em Cantares é a “mais forte razão para rejeitar-se a interpretação tipológica, ou cúltica desse livro29.״

5°) Observar os termos comuns à cultura do hebreu, que evidenciam padrões judaicos e semíticos, ou seja, uma filologia comparada. Avaliar concretamente o pensamento judaico so-

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bre a temática do amor, do vinho, das cerimônias matrimoni- ais, do jardim e da aplicação de símbolos para descrever as personagens do Cântico.30

S IN O P S E

Os versos poéticos hebraicos são compostos por uma 11- nha poética (ou verso) composta comumente de: dísticos, trísticos ou estrofes de quatro versos ou mais.

A composição poética das frases, em sua maior parte, consta de uma igualdade e semelhança, ou seja, paralelismo, dos membros de cada oração, de tal sorte que geralmente em dois membros correspondem coisas a coisas, palavras a pala- vras, como se fossem medidos e pares.

Paralelismo é um ritmo equilibrado do pensamento e das idéias, mais do que das palavras e dos sons.

Robert Lowth foi o principal estudioso da era moderna sobre o paralelismo na poesia hebraica.

O paralelismo antitético ou contrastante tende a ilustrar uma realidade ou qualidade mediante a evocação do seu con- trário, especialmente no âmbito da conduta religiosa e moral.

O paralelismo sinonímico ou sinônimo, consiste em re- petir na segunda parte do verso, com algumas variações de forma, o que fora enunciado na primeira.

Paralelismo Quiástico é um esquema no qual dois termos são invertidos, de tal sorte que o primeiro se torne segundo e o segundo primeiro.

Repetição: são alguns expedientes baseados na repetição poética de algumas palavras ou refrãos propositalmente.

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Poética H ebra ica

Anáfora: Repetição de uma palavra ou de um conjunto no mício de um ou mais versos ou membros.

Epífora: Repetição do fim ou da segunda parte do verso.Artifícios Sonoros: São alguns expedientes baseados no

som das palavras, das letras ou das sílabas acentuadas.Onomatopéia: Ocorre geralmente na linguagem hebraica

pela tendência a sugerir, com as palavras, a imagem auditiva de um objeto e ação.

Paranomásia: E um jogo de palavras para exprimir me- lhor uma advertência ou máxima. Consiste em empregar pala- vras semelhantes no som, mas diferentes no sentido.

Alíteração: Consiste no emprego sucessivo de fonemas consoantes idênticos numa frase, ou seja, a insistência sobre uma ou mais letras.

T R A BA L H A N D O C O M T E X T O S

LÍNGUA LITERÁRIA

N a língua literária, as palavras têm importância absoluta, sendo normalmente buscadas com grande exigência. U m pin- tor dizia a seu amigo Mallarmé: “Também sou poeta, ocor- rem-me muitas idéias, mas não encontro as palavras” . E Mallarmé lhe respondia: “A poesia é feita com palavras”. E, segundo Valéry: “A significação não é para o poeta o elemento essencial e único da linguagem; não é mais que um dos seus constituintes... D o mesmo modo, a simples noção do sentido das palavras não é suficiente para a poesia. Eu falo de resso- nância...”. Por isso, a poesia é sempre parcialmente, e às vezes totalmente, intraduzível. A poesia ama a multiplicidade, acei- ta e chega a buscar a ambigüidade (Empson), usa imagens e

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símbolos, evita a lógica. A poesia funde o objetivo com o sub- jetivo, e produz uma presença quase mágica.

Os autores sagrados trabalharam com uma língua literá- ria preexistente e, sob a ação do Espírito, desenvolveram a sua própria língua literária. Esse fato, que tem uma importância relativa para a inspiração, é de enorme transcedência para a hermenêutica.

Como língua literária, a Escritura valoriza substancial- mente as palavras, nelas subsistindo e por elas se atualizando... Como língua literária, exige que manejemos com sutileza a distinção “o que o autor quis dizer”. U m literato costuma dizer o que quer dizer. A distinção é legítima à medida que se opõe à leitura superficial, ingênua, sem sensibilidade, desafi- nada, fora de foco. A distinção é ilegítima se considera que o autor diz o que não quer e não diz o que quer.

Alonso Shõkel: A palavra Inspirada (p. 110-2).

EXERCÍCIOS

1. O que é paralelismo?2. Quais são os tipos comuns de paralelismo na poética

hebraica?3. O que é paralelismo sinonímico?4. O que é paralelismo antitético?5. O que é paralelismo quiástico? cite exemplos?

Bibli-HolmesAjude nosso detetive a investigar o ritm o na poesia

hebraica.

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Poética H ebra ica

LEITURAS E LIVROS PARA APROFUNDAMENTO

BEEKMAN, John & CALLOW Jhon. A Arte de Interpretar

e Comunicar a Palavra Escrita — Vida Nova (p. 26, 211-3).

TERRY, M.S. Hermenêutica, C lie (p. 77-87).

BALLARINE, Teodorico. Poética Hebraica e os Salmos. Vozes.

S C H O K E L , Alonso L. A Palavra Inspirada - Loyola (p. 105-118).

NOTAS1Costuma-se chamar o verso com doze sílabas poéticas

de alexandrino. Foi a métrica mais cultivada pelos poetas parnasianos, como Olavo Bilac. Deve-se considerar, à guisa de exemplo, a metrificação deste texto, pois pelo que se sabe, o elemento regulador do ritmo hebraico é o acento de intensi- dade e a ordem periódica dos acentos, e não a menor ou maior duração das sílabas. Registre-se por fim, que apesar de encon- trarmos diversos exemplos de assonância na poesia hebraica, não é esta assonância o seu principal característico, podendo desaparecer na tradução dos Salmos sem qualquer prejuízo para o efeito. Se os Salmos ou os textos poéticos tivessem sido escritos segundo a metnficação moderna ou clássica, sofreri- am muito nas mãos dos tradutores. Mas pela forma como estão compostos, podem ser traduzidos mantendo-se a con- sistência original. Neste aspecto, o verso hebraico em tradu- ção vernacular foge ao padrão tradicional sendo chamado de verso livre. A ausência de rima, chama-se de verso branco.

2Estas combinações servem também para traçar os diver- sos tipos de rimas: emparelhadas, alternadas ou cruzadas, interpoladas ou opostas, ou mesmo as mistas. N a poesia

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H e rm e n êu t ica f í c i l e descom plicada

hebraica, as estruturas dos versos assinalam mais o paralelismo de idéias do que da rima ou dos sons.

3 Para uma visão sintética e eficaz das formas estruturais da poesia moderna ver, Augusto Gotardelo, Português para Pre-

gadores Evangélicos, p. 256-266.4Quadros Cronológicos do Velho Testamento, p. 75.3Çf. O Novo Comentário da Bíblia, p. 42-44.6 Ihidem.

' A Profecia de baías, vl.I Casa Publicadora Batista, 1967.8 Consulte a excelente obra de Teodorico Ballarine (ed,y\

Poética Hebraica e os Salmos, Vozes, 1980.9 Op.cit.,p.22. Sobre a tradição Cananéia ver, José M. G.

M artinez (org.), 05 Salmos, p. 59-61; obra muito útil para a compreensão da estrutura poética das Escrituras.

10 Op.cit., p. 21.11 Uma relação sintética desta estrutura pode ser obser-

vado em Stanley A. Ellisen, Conheça Melhor 0 Antigo Testamento,

p. 145-6. Uma síntese dos gêneros poéticos encontra-se tam- bém em Vittorio Bergo, A Bíblia Como Tonte Titerária, RJ, CPAD, 1985.

11 O Novo Comentário da Bíblia, vl. I, p. 482.12 Jó - Introdução e Comentário, Série Cultura Bíblica, p. 30-8.13 Ellisen, op.cit.,p.I57.14 O Novo Comentário da Bíblia, vl.I, p. 482.Is J. M. Martmez, Hermenêutica Bíblica — Como interpretar las

Sagradas Escrituras, p. 334.16 Examinai as Escrituras, vl 3; passim.

17 Introdução ao Antigo Testamento, p. 229.18 Op.cit., Confira Martinez, op.cit., p. 332.19 Ellisen, op.cit., p. 146.

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Poética H ebra ica

20 Op.at., p. 184.21 Martinez, op.cit, p. 345.22 Cf. O Novo Comentário da Bíblia, vl.I, p. 657; Μ . A.

Eaton & G. L. Carr, Eclesiastes e Cantares — introdução e comentário, Série Cultura Bíblica, p. 26-28; C. F. Pfeiffer & E. F. Harrison, Comentário Bíblico Moody, vl. 2 — Josué a Cantares, p. 484.

23 Henrietta Mears, Estudo Panorâmico da Bíblia.24 Eaton & Carr, op.cit., p. 62-4.23 Cf. Bergo, op.cit., p. 49-52.26 Este quadro representativo foi realizado como exerci-

cio no curso de Hermenêutica Avançada no Ceteol -S C - a biblio- grafia básica para este quadro foram, Carr, op.cit., D. D.Tunner, Introdução ao Antigo Testamento vl I f IB R ; Pfeiffer & Harrison, Comentário Bíblico Moodyג vl. 2 — Josué a Cantares} IB R ; Ellisen, op.cit., Baxter, op.cit.

Z/ Descrição pormenorizada sobre o método alegórico pode ser observado sumariamente em Turner, op.cit.

28 Op.cit., p. 203-5 (veja p. 190).29 Idem.30 Além das excelentes descrições de Carr, disposta em

toda obra, o leitor deve consultar também, G. Ravasi, Cântico dos Cânticos, Pequeno Comentário Bíblico AT, p. 15-38, Edi- ções Paulmas.

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C A PÍT U L O 9

de Jllh^ua^em

Figuras de linguagem ou de retórica são recursos

lingüísticos empregados pelo literato para expressar

de modo concreto suas idéias, evocando algum tipo

de imagem real, comparação, ou de correspondência

entre as palavras e 0 pensamento.

FIGURAS D E LINGUAGEM O U RETÓ RIC A

As figuras de linguagem podem ser assim classificadas:

De Comparação I ) Símile ־2)- Metáfora

De Dicção I)- Pleonasmo2)- Hipérbole

De Relação I)- Sinédoque2V Metonímia

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

1)- Ironia2)- Parábola3)- Litote4V Eufemismo

De Contraste

1)- Prosopopéia2)- Apóstrofe

D e índole Pessoal

FIGURAS COM POSTAS

1)- Alegoria2)- Fábula3)- Enigma

Torna-se necessário ressaltar que as figuras de linguagem não se limitam apenas a estas que a pouco classificamos. A estes exemplos poderíamos acrescentar a sinestesia1, catacrese2, epizeuxe3, diácope4, anadiplose0, epimone6, e muitos outros.

Figuras de Comparação

Símile

O símile consiste em uma comparação formal entre dois objetos ou ações, que não estão materialmente relacionados entre si, normalmente precedido por uma conjunção de com- paração, com vista a impressionar a mente com algo concreto, parecido ou semelhante.

Os símiles apontam para um só objeto, que se compara com outro (também único), o qual serve para clarear a ilustra- ção, e não para buscar significados ocultos em todos os deta- lhes da figura.

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Figuras de Linguagem

Os símiles ocorrem com freqüência nas Escrituras, tendo por objetivo ilustrar a idéia do autor. Deve-se evitar dois erros na interpretação dos símiles:

1) Abandonar o conteúdo do texto, a causa da clareza e riqueza da figura.

2) Fazer o símile dizer mais do que realmente quer ex- pressar o autor ao usá-lo7.

“Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus” (Sl 42.1).

“N ão é a minha palavra como fogo, diz o Senhor, e como martelo que esmiúça a penha?” (Jr 23.29). (grifos do autor)

“... quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quises- te!” (M t 23.37). (grifo do autor)

“Sou como o pelicano no deserto, como a coruja entre as ruínas. N ão durmo, e sou como o passarinho solitário nos te- lhados” (Sl 102.6,7 ARA), (grifos do autor)

“Logo que saiu da água viu os céus abertos, e o Espírito, que, como pomba, descia sobre ele” (M c I.IO; M t 3.16; Lc 3.22; Jo 1.32). (grifo do autor)

“Porque assim como em um só corpo temos muitos mem- bros, e nem todos os membros têm a mesma operação, assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros” (R m 12.4;I Co 12.12). (grifo do autor)

“Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras e as pratica, assemelhá-lo-ei a um homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha. E aquele que ouve estas minhas palavras mas não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia” (M t 7.24,26; Ez I3 .I I - I5 ) .

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

MetáforaMetáfora8 é uma mudança, transferência, transposição;

mudança de sentido próprio para o figurado. E uma figura de linguagem mediante a qual o sentido de uma palavra se trans- fere à outra. E uma comparação implícita, onde o sujeito e a coisa com a qual ele é comparado estão entrelaçados, ainda que o autor não tencione que suas palavras sejam tomadas em sentido literal (Jo 6.35; 8.12).

Diferencia-se do símile, por ser uma forma de expressão breve, porém, mais contundente, em que transfere o significa- do literal da palavra a outro novo e notável. São três as partes estruturais da metáfora e do símile:

I o) o tópico, o item que a imagem ilustra;2°) a imagem, a parte metafórica da figura;3°) O ponto de semelhança, o aspecto específico em que

o tópico e a imagem são semelhantes.9Deve-se evitar dois erros na interpretação das metáforas:I o - Abandonar o conteúdo do texto, a causa da clareza e

riqueza da figura.2° - Fazer a metáfora dizer mais do que realmente quer

expressar o autor ao usá-la.10Assim sendo, o propósito fundamental da metáfora é

transpor a imagem para o vocábulo e, possivelmente, na análi- se de um texto qualquer onde esta figura apareça, seja essa figura a palavra chave da qual todas as outras funcionam, como palavras secundárias ou satélites. Esses palavras dependentes ou satélites resultam praticamente do desdobramento da me- táfora. Isto posto, a análise de textos em que aparecem figuras de retórica, a ênfase exegética deve convergir para as palavras

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Figuras de Linguagem

figuradas, e somente depois, para as secundárias. Socorramo- nos nas palavras de Massaud Moisés:

“... a camada semântica das palavras que integram um poema, conto... pode ser estudada estática e dinamicamente. N o primeiro caso, por meio da consulta aos dicionários, a que deve recorrer o analista a fim de conhecer a significação das palavras uma a uma. E como o sentido dos vocábulos no dici- onário recebe o nome de denotação, ou significado denotativo, dir-se-ia que o analista examina o cociente denotativo de cada termo, como indispensável tarefa prévia: é escusado passar à frase seguinte da análise sem proceder à pesagem do cociente denotativo das palavras fundamentais do texto”.11

Quando a metáfora apresentar dificuldade, deve-se recor- rer ao exame do contexto, passagens paralelas, hebraísmos, análise gramatical, cultural, etc., pois, geralmente, as fontes procedentes da ilustração são o cenário natural das terras bíblicas, os costumes, as antiguidades do Oriente e o culto ritualista dos judeus. Já falamos da necessidade do hermeneuta familiarizar-se com a cultura semita, vejamos como essas re- gras se aplicam na interpretação de textos em que diversas metáforas sucedem uma a outra.

Metáforas Extraídas dos Hábitos dos Animais

“Issacar é jumento de fortes ossos, de repouso entre os rebanhos de ovelhas” (Gn 49.14 ARA).

“Naftali é uma gazela solta; ele profere palavras formo- sas” (Gn 49.21).

Essas duas expressões poéticas são ácidas e parecem não possuir qualquer senso do belo e estético. Chamar alguém de jumento ou gazela em nossa cultura ocidental talvez não seja

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

uma boa opção para qualquer hercúleo que deseja ter o seu nariz inteiro! N o entanto, é um dos mais lindos poemas pro- féticos do Gênesis (vv. 1,2).

Jacó, próximo à eternidade, convoca cada um de seus fi- lhos e profere, de acordo com o caráter e disposição personalógica de cada um, bênçãos, censuras ou maldições.

Issacar E Comparado a um Jumento (heb. hamôr)

Os hebreus conheciam pelo menos três tipos destas bes- tas: o jumento selvagem ( ‘arôd - Jó 39.5), a fêmea do asno Çatôn - Gn 12.16) e o jumento (hamôr). O termo usado por Jacó não se refere ao jumento selvagem ( ‘arôd , que era veloz e fo goso, mas, sim, hamôr, asno macho, apreciado para o serviço agrícola por sua força e submissão.12

Esta metáfora é dicotômica — comparar e profetizar. N a comparação, a profecia é vinculada e o caráter do indivíduo serve como base para ambos. Issacar, então, é comparado a um “jumento forte agachado entre duas cargas” (fardos, na ARC, e “entre os rebanhos de ovelhas”, na ARA). Jacó estava profetizando que os descendentes de Issacar se submeteriam ao jugo cananita, preferindo viver na quietude da escravidão e vergonha, do que nos conflitos da liberdade através da guerra.

Naftali E Ccomparado a uma Gazela Solta

Era filho de Jacó e Raquel através da escrava Bila. Seu nome significa “lutar”, e é comparado a uma “gazela solta”. A metáfora descreve um animal selvagem, rápido e gracioso que se apraz com a liberdade das montanhas cobertas de bos- ques e vales abertos.

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Figuras de Linguagem

N o Antigo Testamento, a velocidade e liberdade das gazelas eram usadas como ditos proverbiais:

“Asael era ligeiro de pés, como gazela selvagem”(2 Sm 2.18; Ct 3.5; 8.14).

Essa profecia, mais tarde, foi confirmada por Moisés, ao descrever que Naftali gozava dos favores e das bênçãos de Deus, e, por isso, desfrutaria da fertilidade e beleza da sua herança nas partes Sul de Genezaré:

Έ de Naftali disse: Farta-te, ó Naftali, da benevolência, e enche-te da bênção do Senhor, e possui o Ocidente e o Meio-dia” (D t 33.23).

Segundo Jacó, Naftali (hb. luta) conquistaria grandes ex- tensões de terra em Canãa, mas a permanência e liberdade nesses campos, por vezes, haveria de expô-lo a muitas escara- muças, o que não seria estranho a alguém cujo nascimento foi palco de uma disputa (Jz 4.10; 5.18). A expressão “profere palavras formosas” (Gn 49.21) é uma alusão provável a ele- gância retórica e poética de Naftali e a sua tribo epônima (Tribo de Naftali).

Metáfora Extraída do Cenário Palestino“O meu povo fez duas maldades: A mim me deixaram, o

manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” (Jr 2.13).

Esse texto condena a demência e a ignorância do povo em trocar a Deus por falsos deuses (v. I I ) . Nessa metáfora, Deus é a fonte segura e viva deixada por Israel, que preferiu uma fonte turva e insegura. A ingratidão e apostasia de Israel estão notavelmente caracterizadas pela primeira figura, enquan- to sua suficiência própria, pela segunda.

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H e rm e n êu t ica tácil e descomplicada

Culturalmente, uma fonte de águas vivas, principalmente num país como a Palestina, é de um valor inestimável, muitís- simo maior do que qualquer poço ou cisterna artificial feita para reter a água da chuva, a qual estava exposta a romper-se e perder seu conteúdo.

“E oro para que, estando arraigados e fundamentados em amor...” (E f 3.17).

“E, quando se manifestar o Sumo Pastor, recebereis a imarcescivel coroa de glória” ( I Pe 5.4).

Essas duas metáforas têm como palco o conhecimento rural e agrícola dos judeus palestinos. Paulo, aos efésios, refe- re-se ao crente como enraizados para designar a firmeza e segu- rança do crente — uma figura bem conhecida dos judeus e usada várias vezes pelos profetas:

“Serei para Israel como orvalho, ele florescerá como o lírio e lançará as suas raízes como o cedro do Líbano” (Os 14.6).

Em Gálatas 1.4 Paulo usa a figura no sentido oposto, desar- raigar. A ARC traduz desarraigar por “nos livrar”, e a N Y I por “resgatar”. Ê a tradução do termo έ ξ έ λ η τ α ί ( ^ ^ / ) . O prefi- xo ex (έξ ) significa “tirar, extrair ou redimir”. O termo έξαγοραζο Çeksagorázo') significa “comprar de volta” (G1 3.13) de εξάγο Çeksago), “levar para fora, tirar” (Lc 24.50; Jo 10.3).

A preferência da ARA por desarraigar provavelmente seja para manter o sentido ácido e metafórico de arrancar, como se extraísse uma planta junto com suas raízes da terra, sentido este afirmado naTEB. A tradução da N V I por “resgatar” traz o sentido de “compra”, que se refere ao costume de comprar um escravo do ágora, que era o mercado de escravos ( I Pe 1.18,19). Assim, a figura arraigar/desarraigar é mais bem

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Figuras de Linguagem

compreendida quando comparada uma com a outra — enrai- zados em amor, mas desarraigado do presente século mau.

A metáfora de I Pedro 5.4 é firmada pelo termo imarcescível, que é a tradução do grego άμαράντίνον (amarantinon, do ad- jetivo amarantos), que é traduzido por, “que não murcha”. Literalmente pode ser traduzido por feito de amaranto. O amaranto era uma espécie de planta conhecida como planta imortal, pois não murchava e não ressecava tão facilmente, ape- sar da altíssima temperatura do Oriente. Pedro contrasta a coroa perecível dos atletas vitoriosos, que representavam ape- nas uma vitória temporal e exígua, com o galardão eterno con- cedido ao crente pelo Pastor Pontifício.

Metáforas Reais-significativas

N os textos cujo estilo é a prosa, geralmente os termos aparecem em seu sentido óbvio e original. N ão somos escusa- dos de frisar que isto não significa que o autor deixará de usar termos cujo sentido figurado seja captado através da aglutinação de raízes, prefixos ou radicais, ou mesmo que um vocábulo deixará de possuir suas imagens reais-significativas. E o caso do texto de I Coríntios 6.9:

“...Não vos enganeis: nem impuros, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem sodomitas”.

Os termos efeminados e sodomitas refletem muito bem o uso prosaico de vocábulos que subjazemum significado conotativo devido ao empréstimo destes a situações específicas. Paulo declara que nenhum efeminado ou sodomita herdará o reino de Deus. ARA e a ARC (v. 10) traduz malakoi por efeminado e arsenokoites por sodomitas.

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

O termo malakoí (μαλακοί) descreve roupas e tecidos macios, indicando que são finos, moles e suaves (M t 1 1.8; Lc 7.25). De fato, Paulo não usa o termo para referir-se a roupas, mas empresta do termo o significado conotativo a fim de pro- jetar sobre o termo “as pessoas que são macias, suaves ou efeminadas”. O termo malakoí, apesar de referir-se a homos- sexualidade, não descreve diretamente se a posição deste é ati- va ou passiva.

Arsenokoites é um termo composto por dois vocábulos gre- gos, “arsen” e “koites”. Almeida traduz o vocábulo pelo ter- mo “sodomitas”. Arsen (άρσην), significa “macho” ou “va- rão”. O termo aparece em Mateus 19.4 e Romanos 1.27 para designar o homem viril, com fortes conotações sexuais. Koite (κοίτε), significa “cama ou leito” em geral, mas que também é um eufemismo para relação sexual, tal qual aparece em Hebreus 13.4:

“Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula; porque Deus julgará os impuros e adúlteros”.

O sentido tanto de malakoí quanto de arsenokoites foi capta- do magistralmente pela lente dos tradutores responsáveis pela N V I. A Nova Versão Internacional traduz o termo efeminado, no grego, malakoí (μαλακοί) e arsenokoites (άρσενοκοΤται) para “homossexuais passivos e ativos”.

“ ... nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem ho- mossexuais passivos ou ativos” (N V I).

Metáfora Extraída das Práticas Cúlticas

“Purifica-me com hissopo, e ficarei puro” (SI 5I.7;Lv 14.6-7,51;N m I 9.18-19),

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Figuras de Linguagem

“Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova mas- sa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebremos a fes- ta não com o velho fermento, nem com o fermento da malda- de e da malícia, mas com os asmos da sinceridade e da verda- de" (I Co 5.7,8).

Aqui as metáforas são contínuas até formarem uma alegoria.

Metáfora Extraída das Práticas Comuns à Vida

“Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo...” (M t 6.13,14).

“Eu sou o pão da vida” (Jo 6.35).“Eu sou o bom pastor” (Jo 10.11; ver 2 Pe 2.3,17; Jd 12,13)

Metáfora Tipo Antropomórfica“Eis que a mão do Senhor não está encolhida, para que

não possa salvar; nem o seu ouvido agravado, para que não possa ouvir” (Is 59.1; Sl 34.15).

“... E contra os ribeiros a tua ira ou contra o mar o teu furor, já que andas montado nos teus cavalos, nos teus carros de vitória?” (H c 3.8)

Figuras de D icção

PleonasmoO pleonasmo (gr. pleonasmós, superabundância) é uma fi-

gura de dicção em que se emprega a redundância, vocábulos desnecessários, à repetição elegante de certas frases ou de idéi- as, a fim de dar maior vivacidade a linguagem.

Duas formas básicas de pleonasmo: o literário e o vicioso. “O copeiro-mor, porém, não se lembrou de José; antes, se

esqueceu dele” (Gn 40.23).

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

“M ulher virtuosa quem a achará” (Pv 31.10).“Porque tenho para mim que Deus a nós, apóstolos, nos

pôs por últimos” )1 Co 4.9).“Ao que vencer, lhe concederei que se assente comigo no

meu trono...” (Ap 3.21).

HipérboleA hipérbole consiste no emprego de palavra ou frase com

sentido exagerado para dar maior força, maior impressão, para mais ou para menos, a fim de apresentá-la viva à imaginação.

“Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e, se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda 0 mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem” (Jo 21.25).

“Também vimos ali gigantes, filhos de Anaque, descen- dentes dos gigantes; e éramos aos nossos olhos como gafanhotos, e assim também éramos aos seus olhos” (N m 13.33).

“...as cidades são grandes e fortificadas até aos céus” (D t 1.28).“... toda noitefaço nadar a minha cama, molho 0 meu leito com

as minhas lágrimas” (SI 6.6). (gnfos do autor)

Figuras de Relação

SinédoqueSinédoque (gr. synedochê, compreensão) é uma espécie de

metonímia mediante a qual se outorga uma significação parti- cular a uma palavra que, em sentido próprio, tem uma sigmfi- cação mais geral; ou, ao contrário, se dá uma significação geral a uma palavra que em sentido próprio, só tem uma significa- ção particular. Pode ser:

Particularizante• Destaca o significado de uma parte em relação ao todo;• Destaca uma espécie em relação ao gênero.

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Figuras de Linguagem

Generalizante• Destaca o todo em relação às partes (o todo pela parte);• Destaca o gênero em relação às espécies (raro).“ O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, a manje-

doura de seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Is 1.3; Jr 8.7; SI 46.9).

“Estávamos no navio duzentas e setenta e seis pessoas aostodo” (At 27.37).

“... também a minha carne repousará segura” (SI 16.9).“ ... converterão suas espadas em enxadas...” (M q 4.3; Is 2.4).“Por isso, quem ... beber do cálice do Senhor...” ( I Co 11.27).

MetonímiaChama-se M etonímia (gr. met + onymia, ampliação do

nome) à ampliação de sentido que consiste em nomear um objeto por meio de um termo que designa o outro objeto unido ao primeiro, por uma relação constante de causa e efei- to. N a metonímia o termo próprio de uma palavra é substitu- ído por uma palavra diferente, sem que por isso a interpreta- ção do texto resulte em interpretação distinta. U m exemplo expressivo de metonímia encontramos nas palavras de Abraão em Lucas 16.29:

“Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos”.Obviamente faz referência aos seus escritos.“Deus é um só, que justifica, pela fé, a circuncisão e, por

meio fé, a mcircuncisão” (Rm 3.30).O que eqüivale a declarar que Deus, pela fé, justificará

tanto a judeus quanto os gentios.“ ... foi publicado um edito de César Augusto, mandando

recensear o mundo inteiro” (TEB) (Lc 2.1)

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Neste texto, “mundo inteiro”, significa o Império Romano.

Figuras de Contraste

IroniaIronia é a figura de linguagem por meio da qual o que se

escreve (construção gramatical), ou fala (construção verbal), expressa o contrário do que se deseja dizer, porém, sempre de tal modo que se faz ressaltar o sentido verdadeiro. N a ironia uma declaração afirmativa deve ser entendida negativamente, e uma declaração negativa deve ser entendida positivamente.

“Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal...” (Gn 3.22).

“... porque ele é um deus; pode ser que esteja falando, ou que tenha alguma coisa que fazer, ou que intente alguma via- gem; porventura, dorme e despertará” ( I Rs 18.27).

“N a verdade, que só vós sois 0 povo, e convosco morrerá a sabedoria” (Jó 12.2).

“Arroja isso ao oleiro, esse belo preço em que fui avaliado por eles” (Zc I I .I3 ) .

Torna-se difícil por vezes reconhecer a expressão irônica, por ser ela uma figura muito mais sonora do que escrita, que se presta mais ao discurso mdireto do que direto.

“Já estais fartos, já estais ricos: chegastes a reinar sem nós...” ( I Co 4.8). (grifos do autor).

N o discurso direto eqüivale a: “Vocês pensam que estão fartos, mas não estão; pensam que são ricos, mas não são. Vocês não remaram verdadeiramente como reis sem nós”.

Facilmente se percebe que a ironia é uma declaração afir- mativo-negativo ou vice-versa, que as vezes chega ao sarcasmo(I Sm 26.15; I Rs 18.27; I Co 4.8).

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E1־guras de Linguagem

ParábolaParábola, do grego parabolé, significa “colocar ao lado de”,

e leva a idéia de colocar uma coisa ao lado de outra com o objetivo de comparar. A parábola envolve uma contradição aparente apresentada em forma de narração, relatando fatos naturais ou acontecimentos possíveis, sempre com o objetivo de declarar ou ilustrar uma ou várias verdades importantes.13

Parábolas, Símiles, Enigmas e AlegoriasA parábola possui diferenças e semelhanças com outras

figuras de linguagem. Essas semelhanças, todavia, não devem ser confundidas, pois pode ocorrer o erro de fundir duas figu- ras distintas. As diferenças notam-se sutilmente. Essencialmen- te, a parábola é um símile ampliado, ainda que o símile não seja uma parábola. Vejamos:

Símile e ParábolaO símile pode apropriar-se de uma comparação de qual-

quer gênero ou classes de objetos, uns reais e outros imaginários.A parábola está limitada em seu raio de ação e reduzida

às coisas reais. Suas imagens sempre incorporam uma narra- ção que responde com verdade aos atos e experiências da vida humana.

N a parábola tam bém não se emprega artifício de prosopopéia como na fábula; aves e árvores falantes, feras e árvores reunidas em concilio, etc.

Como o enigma, a parábola pode servir para ocultar al- guma verdade dos que não possuem penetração espiritual para perceber sua forma figurada, porém, seu estilo narrativo e a comparação formal sempre anunciam a suposta lição moral, ética ou espiritual pretendida.

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

Entre a parábola e a alegoria existe maior analogia. As parábolas têm sido definidas como “alegorias históricas” , po- rém, diferem entre si, na mesma forma em que o símile difere da metáfora.

“Havia numa cidade dois homens, um rico e outro po- bre. O rico tinha muitíssimas ovelhas e vacas; mas o pobre nào tinha cousa nenhuma, senão uma pequena cordeira que com- prara e criara; e ela havia crescido com ele... E, vindo um via- jante ao homem rico... e tomou a cordeira do homem pobre, e a preparou para o homem que viera a ele. Então, o furor de Davi se acendeu ...” (2 Sm 12.1-5 cf vs 6-14).

Essa parábola não possui mais que três símbolos:• O rico simboliza o rei Davi;• O pobre simboliza Urias;• A ovelha simboliza Bate-Seba.Segundo K. Bailey, essa parábola significa que:• O rei está sob a lei, e não acima dela. Ela é a lei de Deus,

e não do rei. Deus foi ofendido;• A lei especifica direitos especiais para o “estrangeiro

dentro das portas”. Unas é heteu. Davi negara a Urias esses direitos.

• Diferente do que acontecia no Egito e na Babilônia, as mulheres do reino não estão à disposição do rei como uvas em uma vinha.

• Davi tem muitas esposas, Urias só uma. A justiça sim- pies fora violada.14

As recomendações fornecidas a respeito dos símiles ca- bem devidamente aqui:

I o N ão abandonar o conteúdo do texto, a causa da clare- za e riqueza da figura.

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Figuras de Linguagem

2° Fazer a parábola dizer mais do que realmente quer expressar o autor ao usá-la.

3° Os símbolos que devem ser identificados são aqueles que o narrador original da estória coloca nesta com objetivo de comunicar-se com o auditório original.

OITO PASSOS PARA INTERPRETAR AS PARÁBOLAS, SEGUNDO BAILEY15

I o - Determine o auditório. Jesus está falando aos escribas e fariseus, às multidões, ou aos discípulos?

2° - Examine cuidadosamente o contexto / interpretação propiciados pelos evangelistas ou sua fonte.

3° - Identifique a “peça dentro da peça” e observe a pará- bola nesses dois níveis.

4° - Procure discernir os pressupostos culturais da estória, tendo em mente que os seus personagens são aldeões palestinos.

5° - Veja se a parábola se divide em várias cenas, e veja se os temas constantes das diferentes cenas se repetem segundo algum padrão discernível.

6° - Procure discernir quais os símbolos que o auditó- rio original teria identificado imediatamente e instintivamente na parábola.

7° - Determine que única decisão / reação o auditório ori- ginal é levado a tomar quando ela originalmente foi contada.

8o - Discirna o conglomerado de temas teológicos que a parábola afirma e / ou pressupões, e determine o que a pará- bola está dizendo a respeito desses temas.

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

TRÊS PASSOS PARA DETERM INAR O SENTIDO DE UMA PARÁBOLA, SEGUNDO M.S. TERRY1 (

I o - Deve-se determinar a ocasião histórica e o propósito da parábola.

2° - Deve-se fazer uma análise muito cuidadosa do assun- to de que se trata e observar a natureza e propriedade das coisas empregadas como imagens na similaridade.

3° - Devemos interpretar as várias partes com estrita refe- rência ao objeto e desígnio geral do conjunto, de uma maneira que se conserve uma harmonia de proporções, se mantenha a unidade de todas as partes e se faça proeminente na verdade central.

LitoteLitote, ou atenuação, consiste em não expressar direta-

mente o que se pensa, ou então negar o contrário daquilo que se quer afirmar.

Em forma de litote expressa Jesus a promessa do Espírito Santo:

“...vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At !.S').

Isto eqüivale a dizer: “dentro de poucos dias”. Paulo para referir-se aos judeus afirma que:

“... e não agradam a Deus...” (I Ts 2.15).N o sentido de afirmar que “desagradam ou ofendem gra-

vemente a Deus” como se depreende do contexto.O utra forma de expressar a litote é diminuindo uma pes-

soa ou coisa a fim de exaltar outra:“... me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza”

(Gn 18.27).

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Figuras de Linguagem

EufemismoEufemismo é a figura de linguagem que sugere com

dissimulo e decoro idéias cuja expressão franca e literal soa demasiadamente dura. Nas Escrituras, os eufemismos são ge- ralmente empregados para designar:

Morte“Abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que

dormiam foram ressuscitados” (M t 27.52; At 7.60).“Eis aqui vos digo um mistério... nem todos dormiremos,

mas todos seremos transformados” (I Co 15.51; IT s 4.13,14).Nesses textos, “dorm ir” sugere a esperança cristã de uma

vida eterna pós-túmulo, visto que o que dorme haverá de des- pertar. D orm ir sugere apenas breve intervalo das atividades físicas (I Rs 2.10), bem como (dormir-morte) refere-se ao estado consciente e passageiro até a vinda de Cristo. Em Sal- mos 13.3a, a “m orte” é comparada a um sono Jó 3.13 . Outros eufemismos para morte são:

a) “caminho de toda a terra” (Js 23.14 cf I Rs 2.2 : ou ainda “indo para o seu próprio lugar” (At 1.25 ver ainda M t 26.24 ,·

b) “deitarei no pó” (Jó 7.21 cf. Dn 12.2';Nestes textos as origens dos homens são contrastadas com

seu final (Gn 2.7), e a morte é imposta como castigo.c) “profundo abismo” — que se refere ao remo dos mor-

tos (SI 88.6);d) “desce ao sepulcro” (Jó 5.26) — onde um símile é

usado para comparar a morte do indivíduo que não é repreen- dido em vão por Deus;

e) “estar com Cristo” (Fp 1.23);f) “fizeram tudo o que quiseram” (M c 9.13). Este texto

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H e rm e n êu t ica fácil e descom plicada

descreve um tipo de morte violenta. Atos 22.22 usa uma ex- pressão semelhante para referir-se ao mesmo tipo violento de morte: “Tira tal homem da terra”.

Moralidade Sexual

N a Bíblia, o sexo é mencionado através de eufemismo como em muitas outras línguas. O eufemismo hebraico para as relações sexuais é geralmente “conhecer”; mas também, en- contram-se outros termos: “deitar, chegar-se, tocar, possuir, conhecer; ajuntardes”. Nas prescrições sobre a moralidade se- xual em Levítico 18 encontramos várias expressões eufemísticas.

“... Eu já ontem à noite me deitei com meu pai...” (Gn 19.34). “Mas Abimeleque ainda não se tinha chegado a ela...” (Gn

20.4,6 c fM t 1.25; I Co 17.1,5).

Deus

Os eufemismos aplicados a Deus justificam-se pelo fato de que os judeus evitavam usar o nome de Deus.

“Nenhuma autoridade terias contra mim, se de cima não fosse dado” (Jo 19. I I ) . (grifo do autor)

Gentios

O u os que “estão longe, Oriente e do Ocidente”. Geral- mente estes eufemismos eram usados para não provocar os judeus à ira (At 22.21-22). Os gentios são diversas vezes refe- ridos pela expressão eufemística “todos os que ainda estão longe”. A relação associativa neste texto é espacial — o lugar de moradia indica o próprio povo.

“ ... a vossos filhos e a todos os que estão longe... (At 2.39; E f 2.13,17; cf. Lc 13.29).

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Figuras de Linguagem

Figuras de ín d o le Pessoal

Prosopopéia

A prosopopéia ou personificação consiste em atribuir características ou ações próprias de pessoas a seres inanima- dos. Nos Salmos e em Isaías observamos vários exemplos de personificação. Vejamos alguns casos em Isaías:

“Cantai alegres, vós, ó céus... exultai vós, as partes mais baixas da terra; vós montes retumbai com júbilo; também vós, bosques e todas as árvores em vós...” (Is 44.23).

“... os montes e os outeiros exclamarão de prazer perante a vossa face, e todas as árvores do campo baterão palmas” (Is 55.12 c f.H c 3.10).

Apóstrofe

Apóstrofe é a interrupção do discurso com o intuito de dirigir-se a uma pessoa ou coisa personificada. Procede do termo grego apostrophé e denota especialmente a interrupção de um discurso, dirigindo-se a uma pessoa, ou coisa real ou fictí- cia. N o Salmo 114, além de personificação, nos versos 5 e 6 temos também uma apóstrofe. Outras apóstrofes podem ser observadas em outros textos (Is 14.8-20; Jz 5.3-4,31; 2 Sm 18.33; M t 11.21).

Figuras Compostas

A linguagem figurada não se limita a palavras ou frases simples como nos tropos que acabamos de mencionar. Podem ser mais extensas, relativamente claras em alguns casos e obs- curas em outra. Possuir uma idéia correta de suas característi- cas é essencial para sua interpretação.

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H e rm e nêu t ica fácil e desconiplicada

AlegoriaA alegoria é uma sucessão de metáforas ou uma metáfora

estendida, geralmente combinada em forma de narração. Sua característica singular é a pluralidade de pontos de aplicação. A alegoria contém dentro de si mesma a sua interpretação e a coisa significada está identificada com a imagem apresentada:

“Vós sois o sal da terra” (M t 5.13).“Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o lavrador”

(Jο I5 .I ; Ec 12.3-7).Não existem regras separadas para a interpretação das

alegorias, os métodos estudados nas figuras anteriores tam- bém se aplicam aos textos alegóricos.

Fábula

A fábula faz parte do gênero didático e pode ser definida como uma narração imaginária, fictícia ou alegórica que se propõe a encerrar uma lição moral. Costuma-se chamar de apólogo quando se põe a falar a animais, e fábula quando se refere a seres inanimados.

Já encontramos alguns alunos que, não compreendendo a natureza da linguagem figuracja em apreço, chegaram a duvidar da inspiração divina, acreditando que Deus não usaria no texto sagrado, “certas histórias fictícias”, pois o fictício não é verda- deiro, mas falso. Pura falácia de premissas contraditórias.

D evem os co n sid e ra r que o uso de fábulas pelos hagiógrafos não desmerece a credibilidade do texto bíblico. A inspiração comporta qualquer gênero literário, desde que não repugne a verdade e a santidade de Deus, e, por isso mes- mo, qualquer interpretação do uso figurado das fábulas que comprometa a verdade bíblica deve ser termmantemente re­

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Figuras de Linguagem

jeitada. Porém deve-se diferençar, no uso que os escritores sa- cros fizeram da fábula, o que é fictício do que é falso. Jamais os escritores bíblicos ensinam o que é falso, mas através do fictício ensinam verdades morais aos seus ouvintes. O falso é o que se opõe ao verdadeiro, enquanto o fictício ao real. Por exemplo, certas historiografias áulicas que atribuem aos sobe- ranos certos cometimentos que nunca realizaram de fato. Fic- tícias são as parábolas, as fábulas e alegorias. A lenda, por outro lado, quando apresentada como narrativa verídica, falsi- fica a história, portanto mente e engana; a parábola, alegoria e a fábula não mentem, e sim instruem e educam.17

U m dos exemplos clássicos de apólogo é Juizes 9.8-15 e2 Reis 14.9.

Enigma

O enigma, como anteriormente tratamos, serve para ocul- tar alguma verdade dos que não possuem penetração espiritu- al para perceber sua forma figurada. Em certo sentido, difere da fábula pois se objetiva a confundir e deixar perplexo aquele que ouve. Faz-se obscuro, a fim de colocar a prova o gênio e a inquirição daquele que se propõe resolvê-lo.

“Inclinarei os meus ouvidos a uma parábola; declararei o meu enigma na harpa” (SI 49.4; 78.2; Jz 14.14; Ap 13.18; Gn 4.23-24; Jo 3 .I - I3 ; Lc 22.36).

SIN O PSE

O símile consiste em uma comparação formal entre dois objetos ou ações, que não estão materialmente relacionados entre si, normalmente precedidos por uma conjunção de comparação, com vista a impressionar a mente com algo con-

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H e rm e n êu t ica fácil e d escom phcada

ereto, parecido ou semelhante.Metáfora é uma figura de linguagem mediante a qual o

sentido de uma palavra se transfere à outra. E uma compara- ção implícita, onde o sujeito e a coisa com a qual ele é compa- rado estão entrelaçados, ainda que o autor não tencione que suas palavras sejam tomadas em sentido literal (Jo 6.35; 8.12). Pode ser viva ou latente.

O pleonasmo (gr. pleonasmós, superabundance) é uma fi- gura de dicção em que se emprega a redundância, vocábulos desnecessários, à repetição elegante de certas frases ou de idéi- as, a fim de dar maior vivacidade a linguagem.

A hipérbole consiste no emprego de palavra ou frase com sentido exagerado para dar maior força, maior impressão, para mais ou para menos, a fim de apresentá-la viva à imaginação.

Sinédoque (gr. synedochê, compreensão) é uma espécie de metonímia mediante a qual se outorga uma significação parti- cular a uma palavra que, em sentido próprio, tem uma sigmfi- cação mais geral; ou, ao contrário, se dá uma significação geral a uma palavra que em sentido próprio, só tem uma significa- ção particular.

Chama-se metonímia (gr. met + onymia, ampliação do nome) à ampliação de sentido que consiste em nomear um objeto por meio de um termo que designa o outro objeto unido ao primei- ro por uma relação constante de causa e efeito.

Ironia é a figura de linguagem por meio da qual o que se escreve (construção gramatical), ou fala (construção verbal), expressa o contrário do que se deseja dizer, porém, sempre de tal modo que se faz ressaltar o sentido verdadeiro.

Parábola, do grego parabolé, significa colocar ao lado de, e

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Figuras de Linguagem

leva a idéia de colocar uma coisa ao lado de outra com o obje- tivo de comparar.

Litote, ou atenuação, consiste em não expressar direta- mente o que se pensa, ou então negando o contrário daquilo que se quer afirmar.

Eufemismo é a figura de linguagem que sugere com dissimulo e decoro idéias cuja expressão franca e literal soa demasiadamente dura.

A prosopopéia ou personificação consiste em atribuir ca- racterísticas ou ações próprias de pessoas a seres inanimados.

A alegoria é uma suscessão de metáforas ou uma metáfora estendida, geralmente combinada em forma de narração. Sua característica singular é a pluralidade de pontos de aplicação.

A fábula faz parte do gênero didático e pode ser definida como uma narração imaginária, fictícia ou alegórica que se propõe encerrar uma lição moral.

O enigma, como anteriormente tratamos, serve para ocul- tar alguma verdade dos que não possuem penetração espiritu- al para perceber sua forma figurada.

TR A BA L H A N D O CO M T E X T O

O estudo do bom emprego das palavras fica incompleto se também não levarmos em conta que a cada passo as desviamos do seu sentido próprio. E essa circunstância que não raro torna fútil, quando não contraproducente, o escrúpulo de um acordo rigoroso com as definições do dicionário, e torna inútil, quando não falaz e desastroso, deduzir a significação em função do ra- dical ou dos termos cognatos. Desviar uma palavra da sua sig- nificação própria, o que tem em gramática o nome de lingua-

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H e rm e n êu t ica fácil e descomplicada

gem figurada, é um fenômeno normal na comunicação lm- güística... o alcance exato de uma palavra depende em grande parte do alcance da frase em que ela se acha. E precisado e delimitado pelas outras palavras em torno e já é completa- mente sugerido pelo teor geral do que se diz. E, por exemplo, um sentido figurado o de vapor ou de vela como equivalentes de navio; mas nmguém entenderá o sentido próprio de corpo gasoso numa asserção como — “o vapor encalhou”, da mesma sorte que — “uma frota de cem velas” é logo interpretada como de cem navios de vela, e não cem velas literalmente ditas nos cem respectivos mastros, o que implicaria num número muito menor de embarcações. Analogicamente, um viajante pode comunicar que — “já vai entrar no vapor”, sem a menor possi- bilidade de sobressaltar seus amigos pelo temor de vê-lo mor- rer sufocado... Se a linguagem figurada está, como vimos, no próprio cerne da expressão verbal, não é de admirar que a encontremos, latente ou já francamente extinta, em quase todoo vocabulário de uma língua. Assim, para nos limitarmos a um exemplo, a comparação entre governar e dirigir um navio apenas renova uma metáfora, que se esvaiu do primeiro desses verbos, pois de gubernáre em latim (port, governar) a significa- ção própria era a de pilotar. E o que podemos chamar a lm- guagem figurada fossilizada, partindo de um trecho célebre do ensaísta norte-americano Emerson: “A linguagem é poesia fossilizada. Como as rochas sedimentárias consistem de mas- sas infinitas de conchas de animálculos, a linguagem é feita de imagens ou tropos, que agora, no seu emprego secundário, deixaram há muito de nos sugerir a sua origem poética” (Essavs and Representative Men, ed. Collins, p. 231).

J. M attoso Câmara Jr.: Manual de Expressão Oral e Escrita(p. 185-6,190-1).

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Figuras de Linguagem

EX ER C ÍC IO S

1. Como estão classificadas as figuras de linguagem?2. Quais são as figuras de contraste?3. Quais são as figuras compostas?4. Diferencie o símile da metáfora.5. Como devemos interpretar as parábolas?

Bibli-Holmes

Ajude nosso detetive a investigar as figuras: meiose, zeugma, braquiologia, elipse, epizêuxis, anacoluto.

LEITURAS E LIVROS PARA APROFUNDAMENTO

FILIPAK, Francisco. Teoria da Metáfora, I a ed.,I983, H D V DUBOIS, Jean, et aln. Dicionário de Lingüística, 9a ed., 1993,

Editora Cultrix.SCHOKEL, Alonso L. A Palavra Inspirada - Loyola. BERKHOF, Louis, Princípios de Interpretação Bíblica, Juerp

(p. 92-100).

NOTAS1 Figura que consiste em criar relações entre uma percep-

ção e outra que pertença ao domínio de um sentido diferente. -Aplicação de um termo figurado por falta de termo pró ־

pno. -Consiste na repetição proposital de uma palavra ou ex ־

pressão a fim de reafirmar uma verdade.4 Consiste na repetição das mesmas palavras, ficando en-

tre elas uma expressão diferente.

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H e rm e n ê u t ic a fácil e descom plicada

3E a repetição de uma palavra no fim de uma frase ou verso e no começo da frase ou verso seguinte.

6 Repetição enfática da mesma palavra.7Martméz, op.cit., p. 165.8 do grego, metá (trans), e phérein (levar).9 Consulte Beekman & Callow, A Arte de Interpretar e Count-

nicar a Palavra Escrita — técnicas de tradução da Bíblia,p.I 15-140. U m a obra de caráter técnico, teórico e prático fora dos limítrofes cristãos é o manual de Francisco Filipak, Teoria da Metáfora, Curitiba, editora H D V 1983. Esta obra trata do con- ceito filosófico da metáfora passando pela methaphorá gené- rico-analógica de Aristóteles, o autor rasteja a evolução do conceito de metáfora através dos tempos, dos antigos retóricos (Gorgias, Platão, Aristóteles, Cícero, etc.), até os novos retóricos da Universidade de Liège (Jacques Dubois), passando ainda pelos maiores tratadistas da retórica clássica: Dumarsais, Fontanier e Lausberg. Verifica a relação da metáfora com ou- tras figuras retóricas tais como a sinédoque e a metonímia. Segundo a nota do livro, é o primeiro livro teórico no Brasil dedicado à metáfora. Caso o leitor nutra interesse pelo tema enfocado ver também o excelente tratado de Rui Gomes DANTAS, Metáfora: Sentido e Referência — a poética do mythos-mimesis, p. 49-80. In: Filosofia da Linguagem e Lógica, Temas UniversitáriosII, por Raul L A N D IM F IL H O & Guido A. de Almeida, Edições Loyola e PU C — RJ.

10 Martinéz, op.cit., p. 166.11 A Análise Literária, p. 42.12 R . P. Shedd (ed.), O Novo Dicionário da Bíblia, Vida

Nova, p. 156.

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Figuras de Linguagem

13 Para um estudo das parábolas ver Georg Baudler, A Figura de Jesus nas Parábolas, Editora Santuário; Kenneth Bailey, As Parábolas de Lucas, V id a Nova. Para conhecer as regras princi- pais de in te rp re tação de Parábo las ver M . S. Terry, Hermenêutica,p.115-137, CLIE; Η. A. Virkler, Hermenêutica Avançada, p .I2 5 -I3 3 , Vida.

14 As Parábolas de Lucas, p. 26-27..Op.cit., p. 27-228 ג116 Op.cit., passim.I׳ Consulte, por exemplo, Ballarine, Introdução à Bíblia,

p. 7 7 - 8 0 .

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Cjlossdüo

G LO SSÁ R IO D E T E R M O S G R E G O S

άνθρωπος anthropõs = Homem, ser humano,

αντίτιπτος antitypos = Correspondente a; antítipo.

άττοκάλυψίς apokálypsis == Revelação, desvendamento. tlç τήν OLKiaV eis t i n oikian = Para a (à) casa.

elç τον OÍKOV eis ton oikon (A) = Para a (à) casa. άσ ίν ό έρμηνεύς τών Θ^ώ eisin ho hermêneus ton

Theõ = São os intérpretes de Deus. €K (έξ) ek (eks) = Para fora de; de.

Έρμήν H erm ên = Hermen.4ξηνήσατ0 eksêgêsato = Guiou para fora, conduziu, revelou, έξήγησίς ekségêsis = Narração, exposição, exegese. έρμΛ ος hermeios = Sacerdote do oráculo de Delfos. έρμη v e ia hermèneia = Tradução, interpretação. φ μ ην6υ€1ν hermêneuein = Explicar, interpretar, ήγέομαί hêgeomai = Guiar, considerar,καλύπτω kalüptõ = Cobrir, ocultar, esconder,κ α τη χέω katekheo = Informar, ensinar, mstruir. κόσμος kosmos = M undo; Universo.

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H e rm e n ê u t ic a tácil e descom plicada

μ6τα, μ^θ meta (meth) = Além de.0'ίκία oikia = Casa, habitação, moradia; lar.οικία του σκήνους oikia tou skênous = M orada da

tenda (barraca), οικία του πατρός oikia tou patros = A casa do pai. οίκός oikos = Casa, moradia, habitação; lar.ο’ίκου Ισραήλ oikou Israel = Da casa de Israel,ονομα, ονυμία onoma (onymia) = Nome.ΊΤαθός pathos = Paixão; doença.παραβολή parabolê = T ip o , figura; parábola; ilustração, τταραφράσίς parafrásis = Ao lado da palavra, do

discurso; paráfrase, = ΐτλεονασμος pleonasmos׳ Excesso; pleonasmo.προφητης profetês = Profeta; falar por.σ ίς sis = Sis (expressivo de ação),σ υ νέδ ο χη synedokhê = Compreensão,τυπ ικός typikos = T 1polog1camente; modelo, padrão,τύπος typos = Padrão, modelo.

GLOSSÁRIO D E TE R M O S HEBRAICOSהאלוהים איש ,ish ha’elohim = H om em de Deus.

כה אי ’eykhah = Como.בית bayith = Casa, moradia, habitação.בלל bâlal = Confundir.א ל ג , gflâ = Revelar, desvendar.= Yahwêh 'הרה Jahweh; Javé; Senhor.

ה יהרה צכאו Yahwêh Tsebbaoth = Senhor dos Exércitos.ה(ר נ qânâh = Adquirir, comprar.

ה קינ qinah = Canção fúnebre, lamentação fúnebre.ם ט shêm = Nome; reputação.

33 8

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fèíUíoçwfU

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Disciplina obrigatória cm qualquer curso tcológico, a Hermenêutica é a arte

de interpretar texto? de forma correta, e neste caso, os textos bíblicas.

, Hla ajudi^-idcntitícapos pontos principais dos textos sagrados, como a época em que

foram estilo da escrita e do autor, para que grupo foi endereçado e os ׳

>1^t™í<pclQ>»<ןΐl·ãi -íeram escritos e mrormações importantes acerca das línguas

ór1gmais^rom,sy3s figunjs.de linguagens e peculiaridades, dando condições ao leitor

/ ׳ sador para_melhor aproveitar ã mensagem da Bíblia. Mesmo sendo

/ imprescindível ao estudo bíblicofíriuitos cristãos acham a Hermenêutica uma

/ - disciplin^liríciLda ser aprendida e seguida.

Hermenêutica FáciLe-Oescoirrfliffaaa aborda, de maneira clara, didática e objetiva,

faHermenêutica Bíblica, e entre outros assuntos:

Fundamentos da Hermenêutica Inspiração e Revelação

Escolas Tendenciosas de Hermenêutica

Hermenêutica Bíblica iguras de Linguagem nos Textos Bíblicos

Repleto de exemplos c exercícios, este livro e uma ferramenta indispensável

■ para seminaristas, mestres, pregadores pastores e demais membros do corpo de Cristo, que terão melhores condições de interpretar corretamente

o texto sagrado e aplicá-lo às suas vidas.

O AutorEsdras Costa Bentho,é evangelista, professor de Hermenêutica, Exegese, Grego e Preleção Exegética de Hebreus na Faculdade Teológica Refidim, )oinvile, SC, e mestrando em Exegese do Novo Testamento. ־