Herminio Scarelli

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Talvez fosse um exagero dizer que Hermínio Scarelli teria sido o responsável pela construção da maior parte das casas de Atibaia. Mas não será exagero nenhum afirmar que pelo menos um terço ou a metade dos imóveis da cidade nasceram graças aos tijolos que saíram da sua olaria, que ficava ali ao pé da serra, pertíssimo da antiga Fazenda Santana. Quem duvidar que faça as contas. A olaria de Hermínio produziu no mínimo entre 150 a 200 milhões de tijolos. Ou até um pouco mais, por quê não? Não, você não leu errado. “Durante uns 29 anos a gente produziu por volta de 300 mil tijolos por mês. Em média fazíamos uns 15 mil por dia.” E quem faz as contas chega mesmo aos números já mostrados. Hermínio era um dos poucos que tinham uma olaria inteira à sua disposição bem na porta da sua casa.

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Edgard de Oliveira Barros e Jean Takada

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Herminio e os seus

milhoes de tijolos que ergueram Atibaia

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Talvez fosse um exagero dizer que Hermínio Scarpelli teria sido o responsável pela construção da maior parte das casas de Atibaia. Mas não será exagero nenhum

afirmar que pelo menos um terço ou a metade dos imóveis da cidade nasceram graças aos tijolos que saíram da sua olaria, que ficava ali ao pé da serra, pertíssimo da antiga Fazenda Santana. Quem duvidar que faça as contas. A olaria de Hermínio produziu no mínimo entre 150 a 200 milhões de tijolos. Ou até um pouco mais, por quê não? Não, você não leu errado. “Durante uns 29 anos a gente produziu por volta de 300 mil tijolos por mês. Em média fazíamos uns 15 mil por dia.”

E quem faz as contas chega mesmo aos números já mos-trados. Hermínio era um dos poucos que tinham uma olaria inteira à sua disposição bem na porta da sua casa. Tudo ficava num terreirão e terminava num forno onde se cozinhava o tijolo. Quem procurar ainda pode encontrar muitos tijolos por lá. Foram tijolos que ele deixou para fazer a casa de seus filhos. “Dificilmente se vê na cidade alguma construção que não tenha tijolos produzidos aqui. Boa parte de Atibaia nasceu aqui. A Vila Giglio inteira saiu daqui.” Para se comprovar, basta pegar tijolos antigos e reparar na marca. “Cada tijolo leva a marca de seu produ-tor. Os nossos levavam a marca AS. “A” de Amador e “S” de Scarelli,” explica. Amador Scarelli era seu pai.

Quase todas as construções antigas eram feitas com ti-jolos de barro, os blocos de cimento e o tal de tijolo baia-no só vieram depois. “Eu nem imagino quantas olarias existiam em Atibaia. Onde tinha barro tinha uma olaria. O dono colocava a família para trabalhar, a criançada aju-dava muito. Depois vieram leis exigindo que toda olaria

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fosse registrada e aquela lei que proibiu o trabalho dos menores. Ai complicou tudo.” Isso sem contar os problemas com o meio ambiente. “Proibiram esse tipo de trabalho onde tivesse uma nascente. Não se podia tirar barro do espaço que ficasse a 50 metros da nascente. A beira dos rios foi preservada. As leis foram limitando, limitando até o ponto que já não se podia mais fazer tijolos. Fechou tudo. Foi quando surgiram o tijolo baiano e os blocos de cimento.”

Como se faz um tijolo? Quem vê de longe até acha fácil. Seria só pegar o barro, a argila, amassar, colocar as pelotas de barro nas formas que ficavam em banca-das. “Aí vinha alguém tirando as bordas, os excessos. Feito isso o tijolo era colocado em pilhas no chão. Os tijolos ficavam enxugando até secar, só depois eram removidos para o forno. Ficavam queimando durante 90 horas. Cada fornada dessas exigia nada menos que três caminhões de lenha que formavam um calor in-suportável, atingindo 90, 100 graus de calor.”

Difícil era encontrar argila. “Só em locais mais bai-xos. E tinha que ser um barro limpo, sem pedras, sem areia. Um barro macio. Logicamente que o fato de se tirar argila acaba destruindo o local. Este lugar onde nós estamos (Hermínio fala do seu sítio, ao pé da ser-ra, onde foi feita esta entrevista), chegou a ser total-mente destruído em função de toda a argila que nós fomos tirando. Os locais de onde se tira a argila aca-bam destruídos. Eu mesmo destruí meu sítio. Ficou um buraco só. Passei 7 anos jogando terra e entulho para resgatar. Acho que joguei uns 15 mil caminhões de terra e entulho para recuperar o lugar.”

Inicialmente a propriedade tinha uns 18 alqueires. “Com o tempo vendemos 12 alqueires lá para cima da montanha.” Hermínio tinha dois irmãos. “Cada um ficou com dois alqueires.” Ele destruiu seus dois

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alqueires com a olaria. Esburacou tudo. “Arranquei plan-tação de uva, plantação de tomate, fui arrancando tudo para fazer tijolos. Era o que rendia um bom dinheiro. Eu e a Terezinha, minha mulher, criamos nossos filhos com isso, todos estudaram. Foi melhor do que a lavoura.”

Além da argila os tijolos exigiam lenha, muita lenha para o forno. “Eu tinha plantado 120 mil pés de eucalip-to. Na verdade, antes de entrar no negócio dos tijolos eu já fazia carvão, vendia lenha, vida dura”, desabafa. E no meio do papo lembra de sua história. “Tudo começou quando meus avós vieram naquela leva de imigrantes que escolheram o Brasil para viver. A maior parte deles mergulhou nas lavouras. Muitos se deram bem. Eram trabalhadores mesmo. Meus pais tiveram 9 filhos, seis mulheres e três homens. Na casa da gente só se falava ita-liano. Faz tempo que eu não falo, às vezes me atrapalho.”

Se a gente reparar bem vai perceber que Hermínio con-tinua com um certo sotaque italiano. E é palmeirense... “A família veio para a região em 1942. Trabalhando mui-to conseguiu comprar uma propriedade de uns 172 al-queires em Jarinu. Depois cada membro da família ficou com um pedaço de terra. Meu pai e um tio compraram as terras aqui. Eram 38 alqueires. Só lavoura, e plantação de café. Eu mesmo peguei empreitada para plantar café na Fazenda Santana. Cuidava de um cafezal que depois virou plantação de eucalipto. Eu trabalhava muito, mas minha mãe que tinha parido e cuidado de oito filhos era quem trabalhava mais. Ela fazia o serviço de dois homens. Não tinha homem que conseguisse emparelhar com ela.”

Faz 70 anos que Hermínio mora no lugar, que hoje é conhecido como Haras Scarelli (que é tocado por um de seus filhos). Foi ali naquele pedaço que ele conheceu Te-rezinha de Jesus Arruda Scarelli, a Dona Terezinha dos doces. O casal teve quatro filhos, Claudio, Cleonice, Car-los e Cleide. Claro que ele adora o seu pedaço de terra

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onde já plantou café, milho, feijão, arroz, eucalipto. “Di-nheiro não se tem tanto, mas vive-se bem”, afirma sor-rindo. E come-se bem. Do bom e do melhor. Afinal ele cria seus frangos, suas galinhas, seus porcos... “Nem sei quantos porcos eu já matei na vida. Quando era bem mais jovem e a vida mais difícil, a gente matava porco para tro-car com mercadorias lá do armazém. Trocava porco, gali-nhas e ovos por açúcar, sal, óleo, essas coisas. Aqui tinha tudo. O óleo era menos, pois a gente usava mesmo era a banha. Matava o porco, cortava em pedaços, fritava tudo, e guardava naquelas latas de óleo. A própria gordura do porco é que protegia e servia como conservante.” Tempos difíceis e amargos, doces memórias. O repórter pergunta se é verdade que o porco chora na hora da morte. “Chora mesmo”, responde. “Mas será que você não choraria se soubesse e visse que iria morrer???” Calou-se o repórter.

Só que a vida era melhor, resmunga. “Principalmente na honestidade do povo. O mundo mudou muito. Os jo-vens não pensam em trabalhar. A gente fica decepciona-do com o ser humano. A lei do Brasil protege o bandido que ganha mais que um trabalhador. Aos 84 anos ainda fica carpindo, vai cortar galhos, buscar lenha debaixo das broncas da mulher, Dona Terezinha que não quer vê-lo fazendo esforços maiores. Nunca bebeu e nem fumou. “Tomava um vinhozinho, não mais que isso.” E um dia tomou um choque de l3.200 volts quando foi desligar o transformador do sítio. “Fui jogado longe. Acordei no hospital. Tinha tudo para perder todos os movimentos.” Ele é tido como o super homem da família e gosta de fa-zer o que é difícil. “De vez em quando cai alguma coisa em cima de mim. Até o teto do forno de queimar tijolos já caiu.” Hermínio ri. Ele e a esposa passaram o resto da tarde falando de causos para o repórter. Seria preciso um livro para contar... ■