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I As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE (UFAC) PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO (PROPEG) PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL (PPG-MDR) CURSO DE MESTRADO

JOO DE JESUS SILVA MELO

AS HIDRELTRICAS DO RIO MADEIRA NO CONTEXTO DA INTEGRAO REGIONAL SUL - AMERICANA

Orientador: Prof. Dr. Elder Andrade de Paula

RIO BRANCO-ACRE FEVEREIRO 2008

Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

II As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE (UFAC) PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO (PROPEG) PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL (PPG-MDR) CURSO DE MESTRADO

JOO DE JESUS SILVA MELO

AS HIDRELTRICAS DO RIO MADEIRA NO CONTEXTO DA INTEGRAO REGIONAL SUL - AMERICANA

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Acre como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Desenvolvimento Regional.

Orientador: Prof. Dr. Elder Andrade de Paula

RIO BRANCO ACRE FEVEREIRO 2008Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

III As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

MELO, J. J. S. 2008.

Ficha catalogrfica preparada pela Biblioteca Central da Universidade Federal do Acre

M528h

MELO, Joo de Jesus Silva. As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional SulAmericana. 2008. 132 f. Dissertao (Mestrado em Desenvolvimento Regional) Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao, Universidade Federal do Acre, Rio Branco AC, 2008. Orientador Prof. Dr. Elder Andrade de Paula 1. Amaznia, 2. Hidreltricas 3. Integrao regional 4. Alteraes ambientais 5. Capital internacional, I. Ttulo CDU 504.03 (811.2)

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IV As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

Se o territrio memria, fonte de identidade, corpo e carne de muitos, ningum pode querer redesenh-lo em funo de interesses particulares travestidos como se fossem "interesses do pas". Deciso, medida ou acordo que no respeitem esse elementar princpio de autodeterminao, no ser acatado nem legitimado pelos povos do Madeira desde j organizados para si mesmos. Porto Velho, 5 de maro de 2007. Movimentos dos Atingidos por Barragens - MAB / Brasil

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V As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

Esta Dissertao foi submetida ao Curso de Ps-graduao em Desenvolvimento Regional (Mestrado) Pr-reitoria de Pesquisa e Ps-graduao como parte dos requisitos necessrios obteno do Grau de Mestre em Desenvolvimento Regional, outorgado pela Universidade Federal do Acre - UFAC, e encontra disposio dos interessados na Biblioteca Central da referida Universidade. A citao de qualquer trecho desta Dissertao permitida desde que seja de conformidade com as normas tcnicas permitida pela tica cientfica.

_______________________________ Joo de Jesus Silva Melo

Dissertao aprovada em: 29 / 02 / 2008.

_______________________________________ Prof. Dr. Elder Andrade de Paula Orientador

_________________________________________ Adailton de Sousa Galvo - Membro

_________________________________________ Lucas de Araujo Carvalho - Membro

___________________________________ Jones Dari Goettert - Membro

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VI As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

Todos aqueles que perderam suas terras na luta pela dignidade, cidadania e uma vida melhor... Aqueles que abandonaram suas origens, expulsos dos seus lares por causa da ambio dos homens. Mas com sabedoria, garra, coragem e determinao souberam enfrentar o mundo com todos os seus obstculos! Ao MAB e aqueles que lutam por um mundo melhor...

OFEREO

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VII As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

Aos meus heris Alexandre e Alessandra. A minha querida tia Solidade de Abreu Melo (in memoria) A meu pai e companheiro Jos Melo Cordeiro, A esposa, meus irmos e sobrinhos

DEDICO ESTE TRABALHO

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VIII As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

AGRADECIMENTOS

S pode pesquisar aquele a quem a pesquisa distrai. Ai daquele cientista que no tem o sentido ldico ao trabalho cientfico.Carlos Chagas Filho

Esta frase me acompanhou no ltimo bimestre deste trabalho; foi um presente de uma nova amiga - Prof.a Dilma Andrade, meu eterno reconhecimento. A Deus, por tudo, principalmente, pela convenincia de est sempre prximo d'ELE. Universidade Federal do Acre - UFAC, em especial ao Departamento de Economia e Cincias Sociais pelos conhecimentos adquiridos nesta jornada, em especial ao Prof. Elder Andrade, pela amizade, pacincia e orientao transmitida na vida e no curso. Aos Drs. Adailton Galvo, Silvio Simioni e Gerson Albuquerque pela amizade e admirao criada durante o curso e contribuio no final do trabalho. A todos os professores do curso, como Carlos Franco, Rubisclei, Mary Menton, Carlitinho Cavalcante, Jac Piccoli, Antonio Carlos, Bia Pontes, pela ajuda necessria no decorrer do curso. Ao amigo Israel Pereira Dias de Souza pelo material de pesquisa cedido gentilmente e nimo durante o curso. Aos amigos de turma Vera, Socorro, Polanco, Marcos, Idalcio, Marcelo, Idaildo, Vagner, Raquel, Regis, Anglica, Clvis, Gerliano, Ado e outros que conviveram comigo durante estes rduos anos de batalha. Aos colegas da EMATER-ACRE, Souza, Marlene e Ademir pelo aporte e estmulo. A Central Norte de Cooperativismo do Brasil, Senhor Jonas Tavares, Edson Quevedo e ris Fernando, funcionrios e amigos, minha gratido pelo apoio financeiro e material durante as pesquisas em Porto Velho, o que tornou possvel este trabalho. A todos os amigos que diretamente ou indiretamente contriburam para a concretizao deste trabalho, os meus agradecimentos e reconhecimento.

MUITO OBRIGADO

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IX As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

RESUMO

Esta dissertao objetiva mostrar os conflitos socioambientais gerados a partir do processo de integrao forada na Amaznia Sul - ocidental. uma abordagem que trata do Complexo do Rio Madeira, um plano com tantas faces do desenvolvimento que contempla, principalmente, projetos de gerao de energia eltrica, navegao, estradas para transporte de commodities e expanso da fronteira agrcola, ao passo que contribui para destruio da floresta e expulso de ribeirinhos, pescadores e pequenos agricultores. Trata-se tambm da construo das usinas hidreltricas de Jirau e Santo Antnio, impulsionadas pelo capital dos bancos multilaterais e pela IIRSA pretendo ligar o oceano Atlntico ao Pacfico causando alteraes irreversveis ao meio ambiente e os diversos problemas sociais em pases da Amrica do Sul. Outro fato desconhecido revela desinformao sobre as alteraes sociais e ambientais causados pelas usinas do Madeira, mas desvenda uma ofensiva das grandes transnacionais sobre a Amaznia continental.

Palavras-chaves:

1. Amaznia, 2. Hidreltricas, 3. Integrao regional, 4. Capital internacional, 5. Alteraes ambientais.

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X As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

ABSTRACT

This thesis is to display the social conflicts generated by the process of integration into the Amazon South - west. It is an approach that addresses the complex of the river Madeira, a plan with so many faces of development that includes mainly the projects of electricity generation, navigation, roads for the transport of commodities and the expansion of the agricultural frontier, while contributing to the destruction and expulsion of the riparian forest, fishermen and small farmers. It is also the construction of hydroelectric plants Jirau and San Antonio, driven by the capital of banks multilateral and IIRSA connecting the Atlantic Ocean to the Pacific, causing irreversible changes in the environment and social problems in the different countries of America South Done Another unknown reveals misinformation about the social and environmental changes caused by the plants Madeira, but reveals an offensive of large transnational in the Amazon mainland.

Keywords:

1. Amazon, 2. Hydropower, 3. Regional Integration 4. Capital International, 5. Changes environment.

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XI As hidreltricas do Rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-americana

RESUMEN

Esta tesis tiene como objetivo mostrar los conflictos sociales generados por el proceso de integracin en la Amazona Sur - oeste. Es un enfoque que aborde el complejo del Ro Madeira, de un plan con tantas caras de desarrollo que incluye, principalmente, los proyectos de generacin de electricidad, la navegacin, los caminos para el transporte de los productos bsicos y la expansin de la frontera agrcola, al tiempo que contribuye a la destruccin y Expulsin de los bosques ribereos, los pescadores y pequeos agricultores. Es tambin la construccin de centrales hidroelctricas, Jirau y San Antonio, impulsada por la capital de los bancos multilaterales y el IIRSA desea conectar el Ocano Atlntico hasta el Pacfico, causando cambios irreversibles en el medio ambiente y los problemas sociales en los diferentes pases de Amrica del Sur Otro Hecho desconocido revela informacin errnea sobre las consecuencias sociales y los cambios ambientales causados por las plantas de Madeira, pero revela una ofensiva de las grandes transnacionales en la Amazona continental.

Palabras clave:

1. Amazonia, 2. Hidroelctrica, 3. Integracin Regional, 4. Capital Internacional, 5. Cambios medio ambiente.

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1 As hidreltricas do rio Madeira no contexto da Integrao Regional Sul-Americana

SUMRIO ndice das Ilustraes .....................................................................................................................3 ndice de Quadros ...........................................................................................................................4 Lista de Abreviaturas e Smbolo ....................................................................................................5 Introduo ........................................................................................................................................6 Parte I .............................................................................................................................................10 1.1 Olhares sobre a Integrao ....................................................................................................10 1.2 A Amaznia e a IIRSA no palco da Integrao Regional......................................................17 1.3 A IIRSA e os Templrios do Capital no sul ...........................................................................23 1.4 O Eixo Peru-Brasil-Bolvia ......................................................................................................32 1.5 Aspectos Econmicos e Infra-Estrutura atual ......................................................................37 1.6 Os Projetos e Funes Estratgicas da IIRSA ......................................................................40 Agrupamento 1- Corredor Porto Velho aos Portos do Pacfico: ...............................................40 Agrupamento 2: Corredor Rio Branco Riberalta - La Paz .......................................................42 Agrupamento 3: Corredor Fluvial Madeira-Madre de Dis - Beni..............................................43 Parte II ............................................................................................................................................47 2.1 As hidreltricas do rio Madeira ..............................................................................................47 2.2 As Hidreltricas de Jirau e Santo Antonio ............................................................................51 2.3 Quo vadis Ribeirinhos e Economias do Rio Madeira ...........................................................59 2.4 O Embate Ideolgico e as controvrsias...............................................................................61 2.5 Invisibilidade Social ................................................................................................................76 2.6 Os Bnus e os nus ...............................................................................................................78 2.7 O Acre e as hidreltricas do rio Madeira ...............................................................................79 2.8 Relevante ou irrelevante, os olhares se divergem................................................................83 Consideraes Finais ...................................................................................................................87

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Referncias Bibliogrficas............................................................................................................91 A n e x o s ....................................................................................................................................101 1. Decreto de 4 de Janeiro de 2006 do Presidente da Repblica ............................................101 2. Governo esconde os verdadeiros riscos das Usinas do Madeira, denunciam os movimentos .................................................................................................................................103 3. No passaro sobre o povo do Madeira ................................................................................105 4. H sentido em uma integrao desintegradora?..................................................................108 5. Saiba mais sobre as usinas do rio Madeira ..........................................................................114 6. Via Campesina divulga manifesto contra obras no rio Madeira - 04/12/2007 .....................118 7. O que est por trs do Complexo Madeira ............................................................................120

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ndice das Ilustraes

Figura 1: Eixos de Integrao e Desenvolvimento - IIRSA ................................................................29 Figura 2: Amaznia Brasileira no Contexto IIRSA .............................................................................31 Figura 3 Investimentos Financiados pela IIRSA .............................................................................33 Figura 4: Localizao e rea de Influncia do Eixo Peru-Brasil-Bolvia...........................................35 Figura 5: Agrupamentos do Eixo Peru-Brasil-Bolvia: localizao e rea de influncia ................40 Figura 6: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 1......................................................................................42 Figura 7: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 2......................................................................................43 Figura 8: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 3......................................................................................43 Figura 9: Desnvel do rio Madeira........................................................................................................49 Figura 10: Quedas dgua e cachoeiras do Madeira..........................................................................50 Figura 11: Regio de estudo das Usinas ............................................................................................52 Figura 12 Vista de Santo Antonio e Jirau - Rondnia .....................................................................53 Figura 13: Planta-Barragem de Santo Antonio...................................................................................58 Figura 14 - Sada para o oceano Pacfico ...........................................................................................62 Figura 15 - Caminho das Exportaes de Produtos Primrios .........................................................68 Figura 16: Percentagem dos responsveis pelos domiclios pesquisados que j moraram fora do municpio de Porto Velho - rea de formao dos reservatrios e entorno dos AHEs Jirau e Santo Antnio - 2004 ............................................................................................................................72 Figura 17: Propagandas e promessas Mo-de-obra de fora ..........................................................78 Figura 18: Propagandas - os servios diretos ...................................................................................79

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ndice de Quadros

Quadro 1: Projetos da IIRSA que tem ligao com os estados da Regio Norte ............................36 Quadro 2: Demonstrativo do PIB na rea de influncia do EID. .......................................................37 Quadro 3: Agrupamentos identificados no Eixo Peru-Brasil-Bolvia ...............................................39 Quadro 4: Investimento Estimado para o Eixo 1................................................................................42 Quadro 5: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 2: Investimentos associados .....................................43 Quadro 6: Eixo Peru-Brasil-Bolvia Grupo 3: Investimentos associados .....................................44 Quadro 7: Dados Tcnicos do Empreendimento AHE Jirau .............................................................55 Quadro 8: Dados Tcnicos do Empreendimento AHE Santo Antonio .............................................58 Quadro 9: Domiclios e Populao Residente - rea de formao dos reservatrios dos AHEs Jirau e Santo Antnio - 2000 e 2004 ....................................................................................................72 Quadro 10: Utilizao da terra e principal atividade na rea ocupada pelas famlias residentes em domiclios situados na rea de formao do reservatrio do AHE Jirau 2004 ............................74 Quadro 11: Utilizao da terra e principal atividade na rea ocupada pelas famlias residentes em domiclios situados na rea de formao do reservatrio do AHE Santo Antnio 2004..............74

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Lista de Abreviaturas e SmboloALCSA ALCA ANEEL BID BM BNDES BOLPEBRA CAF CASA CPT DOU EID ELETROBRS FMI FLONA FOBOMADE FONPLATA FUNAI IBGE ICMS ISSQN IHU IIRSA INEI MAB MAP MERCOSUL ONGs OLAS OTCA PAC PIB STR TDR UNIR rea de Livre Comrcio Sul-Americana Aliana de Livre Comrcio das Amricas Agncia Nacional de Energia Eltrica Banco Interamericano de Desenvolvimento Banco Mundial Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Bolvia, Peru e Brasil Consrcio Andino de Fomento Cpula da Comunidade Sul-Americana de Naes Comisso Pastoral da Terra Dirio Oficial da Unio Eixo Internacional de Desenvolvimento Centrais Eltricas Brasileiras S/A Fundo Monetrio Internacional Florestas nacionais Foro Boliviano de Medio Ambiente e Desarrollo Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata Fundao Nacional do ndio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Impostos sobre Circulao de Mercadorias e Servios Imposto Sobre Servios de Qualquer Natureza Instituto Humanista Unisinos (Universidade do Vale dos Sinos RS) Iniciativa de Integrao da Infra-estrutura Regional Sul-Americana Instituto Nacional de Estadstica e Informtica Movimentos dos Atingidos por Barragens Iniciativa formada por Madre de Dis (Peru), Acre (Brasil) e Pando (Bolvia) Mercado Comum do Sul Organizaes no Governamentais Organizao Latino-Americana de Solidariedade Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica Plano de Acelerao do Crescimento Produto Interno Bruto Sindicato dos Trabalhadores Rurais Processo de territorializao, desterritorializao e reterritorializao Universidade Federal de Rondnia

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Introduo Os processos de integraes so atualmente uma tendncia mundial, mas elas no devem ser limitadas s economias. Para consumar-se, necessitam de bases culturais, sociais e de projees polticas. Na regio Sudoeste da Amaznia est prestes a apresentar mudanas que vo afetar a imensa diversidade cultural e biolgica e a perspectiva para o desenvolvimento regional. A idia de regionalizao1 continental que compreende essa parte da Amaznia veio a chamar-se de Eixo PeruBrasil-Bolvia, onde abrange uma rea transversal composta por sete departamentos da macro-regio sul do Peru (Tacna, Moquegua, Arequipa, Apurimac, Cuzco, Puno e Madre de Dis), dois departamentos amaznicos da Bolvia (Pando e Beni) e quatro Estados do noroeste do Brasil (Acre, Rondnia, Amazonas e Mato Grosso). Esta rea representa uma nova rota internacional para melhor explorao dos recursos naturais locais, como tambm para a integrao econmica e social da Amrica Latina. Contudo, o diferencial dessa regionalizao centra-se na proposta de fazer-se, respeitando os diversos modos de vida e a cultura das diferenciadas populaes que vivem ao longo dos rios, estradas e florestas. Esta nova forma de integrao vem sendo coordenada pela Iniciativa de Integrao da Infra-estrutura Regional Sul Americana (IIRSA) que tem como brao financeiro-monetrio, o Consrcio de Fomento Andino (CAF) que libera recursos para complementar o financiamento de mega-investimentos na Amaznia, visando cobrir os custos da construo de um complexo hidreltrico, ampliao de hidrovias e do asfaltamento das estradas rumo ao Pacfico. So interesses meramente econmicos, de investimentos financeiros em infra-estrutura onde no existe nenhuma preocupao social com as populaes locais, nem to pouco com seu modo de vida e a manuteno de sua identidade cultural.

1 - Autores como Hilhorst (1975:84) definem que a regionalizao entendida como um processo de formao e transformao de regies, tendo dentre seus objetivos mostrar que a anlise terico-metodolgica do desenvolvimento de regies fundamental para o aparecimento de polticas que venham proporcionar o bem estar social e melhor condio econmica da regio. Sendo assim, o estabelecimento de critrios e a estabilidade dos mesmos na anlise regional so importantes para a melhor gesto de planejamento regional.

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Nos estudos sobre os mega-investimentos para a Amaznia presenciam-se pontos positivos e negativos da integrao, com maior nfase para o lado positivo quando abordada pela viso empresarial, ou melhor, para o lado do capital internacional no que se refere ao escoamento mais eficiente da produo, maior acesso s informaes, melhor nvel de comunicao e inter-relao com outras cidades, reduo de preos de alguns produtos industriais, agrcolas e manufaturados (PLANEJAMENTO.GOV.BR/IIRSA, 2003). No lado crtico, se observou que a integrao atravs de rodovias, hidrovias, ferrovias e hidreltricas na Amaznia favoreceram e:[...] impulsionaram a atividade madeireira na regio, onde os pequenos produtores so os principais fornecedores. Foi detectado a ampliao do nmero de serrarias na rea urbana e estas indstrias de processamento (serrarias) que limitam duma certa forma a criao local de emprego e contribuem para ampliao de estradas vicinais clandestinas, onde a maior parte das vicinais necessrias para o transporte de madeiras foi construda por madeireiros, de vez em quando com ajuda dos colonos e fazendeiros (BARROS, 2002 & LENTINI, 2003).

Na Amaznia, verifica-se que o maior investimento da IIRSA refere-se ao setor energtico (hidreltrico e de hidrovias), seguido de estradas com pavimentao asfltica. Vislumbra-se a construo de duas usinas hidreltricas brasileiras e ampliao de hidrovias no rio Madeira, o maior afluente do rio Amazonas; seguida de uma terceira barragem na fronteira Brasil/Bolvia e uma quarta hidreltrica em territrio boliviano, qualificados como pontos de discusso que envolve o crescimento futuro e econmico da regio. A dissertao foi orientada para um estudo sobre as implicaes socioambientais de construo das hidreltricas do rio Madeira: Santo Antonio e Jirau. Interessou-nos analisar mais especificamente como se processaram os mecanismos conflituosos no aspecto socioambiental e desenvolvimento regional entre as populaes locais e os interesses dos construtores e corporaes multinacionais. Um dos objetivos pretendido mostrar que os grandes projetos hidreltricos desenvolvidos na regio buscam exclusivamente a explorao dos recursos naturais para atender outras regies sem a devida compensao local, condenando as populaes amaznidas excluso. Mostrar ainda, os diversos discursos que envolvem a dicotomia meio ambiente e desenvolvimento econmico. Enfatizou-se que o jogo de interesse no se restringe apenas na questo da produo de energiaMestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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eltrica, mas envolve todo um confronto entre os grupos ambientalistas, Estado (ministrios) e as empreiteiras. Enfim, pretende-se tambm mostrar que as hidreltricas no vo afetar somente os peixes ou sedimentao do leito do rio, mas vai enterrar uma gama de conhecimentos socioculturais e ambientais. Nesta regio, o Complexo do rio Madeira, composto por produo de energia que contribuir para alimentar os parques industriais do centro-sul, e complementao de uma rede viria, formada por hidrovias que conformando uma trilha fluvial e intermodal transocenico que se dedicam a carrear e a escoar riquezas sem compromisso com a populao tradicional e local; o maior projeto de integrao do sudoeste amaznico e do eixo Bolvia, Peru e Brasil (BOLPEBRA) que apresenta ao agronegcio, as commodities, todas as vantagens de crescimento ao capital internacional sem deixar que as comunidades locais tomem partido das decises que as envolvem. Diante disto, escolhemos as Usinas do rio Madeira como objeto central de nossa investigao. O trabalho apoiou-se em trs grupamentos de fontes essenciais. O primeiro orienta-se para um estudo da produo bibliogrfica relacionada com a temtica. O segundo, buscou-se informaes junto s organizaes da sociedade civil vinculadas s polticas e estratgias de desenvolvimento na Amaznia (representaes de base, sindicatos, associaes, ONGs, etc.). O terceiro formado por consulta ao conjunto de fontes complementares, como arquivos pblicos e pessoais. A dissertao foi desenvolvida nas fases programadas: reviso bibliogrfica sobre meio ambiente e desenvolvimento regional; elaborao de cronograma / roteiro para pesquisa de campo; realizao da pesquisa de campo; anlise dos dados; elaborao de uma verso preliminar da dissertao; retorno a campo para complementao de dados e redao final. As razes para a escolha das Usinas Hidreltricas de Santo Antonio e Jirau como objeto de investigao so inmeras, alm daquelas que foram j apresentadas, destacaramos mais uma. Sob ponto de vista do desenvolvimento econmico em processo serve para ilustrar com o rigor necessrio os traos que

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marcam as relaes entre Estado e sociedade neste tipo de integrao consubstanciado na IIRSA. Alm da introduo, esta dissertao encontra-se organizada em duas partes, assim dispostas: a primeira parte, procurou-se problematizar as concepes de integrao regional, a fim de situar o objeto de estudo. Neste sentido cabe destacar as teorias estruturalistas da Comisso Econmica para Amrica Latina que buscou superar os problemas do continente latino americano por meio do regionalismo aberto, procurando combinar a anlise marxista com a anlise estrutural, estudando as caractersticas do capitalismo perifrico, bem como, as relaes centro-periferia. Outra teoria abordada (superficialmente) foi a neoclssica que em seus pressupostos, acreditava-se na hiptese de perfeita racionalidade entre o crescimento econmico e o meio ambiente; e enfatizou-se sobre a viso neofuncionalista, verificando-se que a abordagem de integrao se d de forma gradual e progressiva sendo os componentes so dependentes e necessrios sua existncia, a reafirmao da teoria da dependncia sob tutela americana. Na segunda parte, nosso objeto de estudo so as corporaes formadoras da integrao regional: a IIRSA e dos agentes financiadores da integrao sulamericana apoiada pelo BIRD, BNDES, CAF e outros. Ainda na segunda parte, mostra-se sobre a construo das Usinas Hidreltricas do rio Madeira e o conflito existente entre alguns grupos organizados da sociedade civil, governo, empreiteira.

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Parte I 1.1 Olhares sobre a Integrao O debate terico em torno da integrao regional sul-americana vinha sendo acompanhado pela difuso de diversas iniciativas consideradas inovadoras nesse campo. Entre elas cabe destacar, segundo Carvajal (1993) os trabalhos desenvolvidos pela Comisso Econmica para Amrica Latina - CEPAL onde pases emergentes estabelecem uma articulao necessria entre a racionalidade econmica e a tica social, de modo que a competitividade e a equidade passam a constituir o marco central de um modelo de desenvolvimento regido pela expanso do comrcio intralatinoamericano e de reciprocidade, mas poucas opinies eram debatidas no campo da dimenso poltica e estruturas institucionais que desencadeasse para o desenvolvimento regional, seguido da crise dos anos de 1980. Como bem resume Bielchowsky (2000), o estruturalismo cepalino chamava ateno para duas caractersticas centrais das estruturas latino americanas: a base econmica especializada em poucas atividades de exportao, e a baixa produtividade em todos os setores, com exceo do exportador. Para compensar tais deficincias havia, segundo esta concepo, limitaes srias, entre as quais se destacavam a escassez de exportaes e de disponibilidade de financiamento externo, e a insuficincia de poupana interna, esta ltima limitada, no setor pblico, por uma estrutura fiscal obsoleta e, no setor privado, impedida de ser ampliada por um amplo excedente real e potencial de mo de obra e uma baixa produtividade mdia per capita. Tanto a teoria cepalina sofreu mudanas quanto o sistema de integrao regional, em funo das constantes crises econmicas e monetrias nos pases latino-americanos de ponta como Argentina, Mxico e Brasil no final da dcada de 1970 at parte dos anos de 1990, logo por este vis tal integrao no seria possvel. Outras teorias monetrias, de carter heterodoxos sobre integrao chegam concluso oposta, anunciando maior desigualdade quando se abrem as fronteiras mercantis, seja em funo dos processos de concentrao/centralizao com aMestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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concorrncia acirrada, seja em vista da preferncia pela liquidez maior nos pases/regies menos desenvolvidos. A anlise monetria heterodoxa pe, pois, em dvida, a possibilidade de transformar produtivamente com eqidade conforme proposto no documento mais recente da CEPAL, por mais interessante e louvvel que seja a proposta de instituies democrticas dos blocos integrados. Em suma, os processos de integrao na Amrica Latina e na Europa se inspiravam no mesmo marco conceitual, como afirma Carvajal (1993:61), em matria de economia internacional, este marco recebeu a influncia dos escritos da poca sobre unies aduaneiras em matria de relaes internacionais a influncia da escola neofuncionalista. Nestas perspectivas se concebia um novo processo de neointegrao. Esta integrao um processo que se evolucionaria de forma gradual e progressiva - e alguns diriam lineares havia formas cada vez mais perfeccionistas, para culminar em uma meta final a predominncia do forte sobre o frgil. Prosseguindo nas idias de Carvajal (1993:203), a primeira fase da neo-integrao se culminaria com a generalizao dos modelos neoliberais de desenvolvimento (abertura, internacionalizao das economias, desregulao do mercado, interveno pontual e estratgica do Estado que cede lugar central da produo ao setor privado). De acordo com Ianni (1992), se distinguem duas tendncias na histria da integrao latino-americana: o bolivarismo e o monroismo. O bolivarismo tem origem no pensamento de Simn Bolvar (1783-1830), que prope uma progressiva integrao latino-americana a partir de dentro de cada sociedade, liderada pelos diferentes setores sociais que a compem (Otvio Ianni, In: MENGEL, 1992:7). O monroismo prope uma integrao a partir de fora e de cima, impondo as necessidades nacionais, os interesses econmicos, polticos e geopolticos das grandes potncias (Idem). A proclamao pelo presidente norte-americano do panamericanismo da chamada Doutrina Monroe passaria a impregnar todo o desenvolvimento dos pases ao sul do rio Grande.Na anlise da integrao latino-americana pode-se cair em duas armadilhas opostas: de um lado, num nacionalismo conservador, e de outro, no universalismo alienado. No primeiro caso, cai-se no ufanismo de julgar que existe uma latino-americanidade essencial e regional absoluta, exaltando-se o particular e rejeitando-se o universal [...]. A segunda armadilha representa a descrena completa na especificidade regional e na capacidade de distinguir-se como uma cultura prpria (GADOTTI-TORRES, 1992:88).

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A Doutrina Monroe sintetizada no lema A Amrica para os americanos, supe uma concepo tutelada da integrao americana. Ao contrrio, para Simon Bolvar, principal articulador das independncias na Amrica do Sul, a integrao americana viria pela adoo de republicanismos fortes que controlassem a desordem da transio colonial independncia (SOMBRA SARAIVA. In: BRASIL, 1995:37). Essa conexo uma velha pretenso que sempre esteve presente na histria da Amrica Latina e hoje no mais um sonho, mas tambm no chega a ser uma realidade. Como demonstra o caso-smbolo de integrao, que a Comunidade Europia, convertida no que hoje chamado de Unio Europia, ou, simplesmente Europa, o processo de integrao lento e enfrenta muitas dificuldades e muita oposio (Fernando Sarti e Joo Furtado. In: DESEP, 1993:158). H os que admitem que a integrao tenha razes histricas prcolombianas. Poder-se-ia dizer que at a chegada dos europeus, afirma Schilling (1992), o territrio que depois viria a chamar-se Amrica, era uno e indiviso. No existiam fronteiras geogrficas-polticas fixas e permanentes. Centenas de povos indgenas - em sua maioria nmades - povoavam precariamente o continente, mudando-se em funo de suas necessidades primrias - caa e pesca ou em conseqncia dos resultados das guerras entre as tribos [...]. A diviso geogrfica efetiva da Amrica comeou com a chegada dos europeus e teve como protagonistas oficiais os sumos pontfices do fim do sculo XV (SCHILLING, 1992:11). Houve vrias tentativas fracassadas de integrao (LAMBERT, 1979). Todas as tentativas de colonizao foram baseadas exclusivamente em critrios econmicos ou em princpios polticos, deixando-se de lado as determinantes culturais, os sociais e os poltico-culturais da Integrao. No podemos ser to ingnuos a tal ponto de pensar que a educao, a ecologia, a sociologia possam resolver sozinha o problema da integrao, mas , sem dvida, um fator importante de sua formao e para sua consolidao. O cenrio trata de um breve histrico sobre integrao poltica materializada e proposta de critrios mais condizentes com as exigncias de um desenvolvimento regional social e ambientalmente equilibrado no continente sul-americano. O projeto de integrao fsica dos 12 pases na Amrica do Sul no uma coisa nova. Foi a partir do sculo XIX que se iniciaram as primeiras preocupaes de cooperaoMestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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multilateral entre os pases desse continente. Fatos histricos apontam os indicativos de integrao, descritos por Faria e Cepik (2002:03):Em sua clebre conferncia de 1818, proferida no Ateneu Real de Paris, Benjamin Constant argumentava que os modernos estariam incapazes de desfrutar da liberdade dos antigos, caracterizada pela participao ativa e firme do poder coletivo. Aos modernos caberia o privilgio do exerccio pacfico da independncia privada (CONSTANT, 1985:15), as decises e negcios pblicos ficando a cargo dos representantes do povo. Tratava-se no apenas de ressaltar as virtudes e a inevitabilidade da democracia representativa, mas tambm de reforar o princpio da conteno do Estado, to caro ao liberalismo. A impossibilidade do exerccio da democracia direta seria definida, dentre outros fatores, pelas prprias dimenses e 2 complexidade do lcus democrtico contemporneo, o Estado-nao .

Na realidade, Faria & Cepik (2002) relatam que em tempos ditos psmodernos, de intensa multiplicao dos fluxos transnacionais, de acelerao dos processos de regionalizao e de redefinio do papel do Estado nacional, a questo da complexidade, abrangncia e legitimidade dos processos e instncias decisrias parecem instaurar novas fraturas, que geram e abrigam vertentes aparentemente contraditrias, como globalizao e (neo) localismos, fragmentao de Estados e identidades, seguidos de uma variedade de movimentos de desfragmentao, seja do nacional ou do local com intromisso de agentes externos ou alheios. A histria de integrao da Amrica Latina, desde os primeiros movimentos de buscam de liberdade poltica (independncia) no incio do sculo XIX, caracteriza-se de fragmentao e busca de desfragmentao. De acordo com Faria & Cepik (2002:03).[...] o processo de descolonizao da Amrica Latina implicou a idealizao de uma Grande Nao e a tentativa de se conformarem distintas ligas de pases, uma vez definidos e consolidados os Estados nacionais no se extinguiram os exerccios de resgate da utopia bolivariana, ainda que o vis pragmtico parea ter suplantado a perspectiva utpica original.

2 - O Estado-nao uma criao originalmente europia, sendo hoje a unidade poltica fundamental nas relaes internacionais, em resultado da sua exportao da Europa para o resto do mundo. O Estado-Nao uma entidade histrica que encarna princpios de unificao coletiva e cultural, de identidade e de direitos de povos diversificados pela raa, pela cultura ou pela geografia e que integram a grande diversidade do mundo. O Estado Nao fruto da necessidade do poder poltico querer unir as pessoas em torno de algo, algo metafsico, superior ao indivduo. Depois da Famlia e da Comunidade, ao Estado - Nao que dizemos pertencer e estamos dispostos a defender. O Estado - Nao nasceu com base em determinada conjuntura. Nada nos garante que, no futuro, um modelo melhor no seja inventado, para dar resposta convivncia em sociedade e que este modelo de Estado, tal como hoje o conhecemos, no venha a desaparecer. www.ciari.org/eventos/ter2001/05ter/ 05tertulia.htm e www.ieei.pt/post.php?post=122. Acesso via Google, em 27/12/2007.Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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Em continuidade, esta mesma histria da Amrica Latina, relata que a primeira grande expresso do ideal integracionista acalentado por Simon Bolvar a chamada Carta da Jamaica ou Carta Proftica, escrita em 1815 em seu exlio caribenho, em que se vislumbrava a formao da maior nao do mundo; o Libertador, feito presidente da Gr - Colmbia convoca os pases americanos, atravs da Circular de Lima, a se reunirem no Panam para a discusso de um futuro comum para a regio, para a formao de uma liga das naes americanas. O idealismo subjacente, contudo, j era temperado pelo realismo desde a Carta de 1815, que propugnava o apoio externo de uma nao liberal que nos empreste sua proteo (BELLOTTO & CORRA, 1983:19). O realismo germinava a sombra da ameaa europia, avultada no Congresso de Verona, de 1822, quando diversas naes do Velho Mundo decidiram pela recolonizao da Amrica. Apesar das resistncias e temores, o governo monrquico do Brasil foi tambm convidado a participar do congresso anfictinico, assim como, na qualidade de convidados especiais, representantes dos Estados Unidos e Inglaterra. Desse Congresso acabam participando apenas o Mxico, as Provncias Unidas da Amrica Central, o Peru e a Gr - Colmbia (Nova Granada, denominada Colmbia a partir de 1863, Panam, Venezuela e Equador) (DORATIOTO, 1994). O carter reativo do bolivarismo dos antigos deixaria marcas intensas, no deixa de ser irnico o fato, ou talvez melhor, o prenncio, de Bolvar estar, simultaneamente, empenhado na conformao de uma federao andina. Dito de outra maneira, Simon Bolvar, que buscava a criao de uma grande nao que abarcasse as ex-colnias, articulava tambm, paralelamente, a conformao de agregados menores de pases da regio.A perspectiva integracionista dos Estados Unidos sobre o continente era direcionada para sua hegemonia poltica e econmica. Derrubaram-se as protees alfandegrias em nome dos benefcios do livre comrcio, privatizaram-se as empresas estatais que se haviam constitudos em pilares da industrializao desde os anos 1950, desregulamentaram-se por diversas formas os mercados de trabalho estruturados num precrio Estado de BemEstar. Alguns foram bastante longe: o Mxico, pela via da integrao ao NAFTA, perdeu a autonomia para qualquer poltica econmica; a Argentina privatizou tudo e estabeleceu uma dolarizao que acabou por derrubar todas as protees no-alfandegrias, chegando ao limite de inscrever como letra de lei a paridade entre o peso e o dlar; negando, portanto, aos eleitos a capacidade de governar. De Ra foi o paroxismo dessa desestatizao da moeda. O Brasil, sob o duplo mandato de Fernando Henrique Cardoso, privatizou todo o poderoso parque industrial estatal, dele restando apenas a

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Petrobras, numa transferncia de propriedade que abalou as estruturas de poder e as relaes de classes, e destas com a poltica. Restou ainda um no irrelevante parque industrial privado, minado, entretanto, pela abertura comercial indiscriminada (OLIVEIRA, 2004: 114 apud SOUZA, 2007:71).

Conseqentemente, opondo-se a esse processo de dominao, segundo Carion e Paim (2006:03) surgem vrias conferncias promovidas pela Organizao Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), cuja liderana ficava a cargo de Cuba, e que incorporava vrios pases da sia, frica e Amrica Latina. Este movimento deu origem tri-continental, cujo objetivo maior era a articulao da luta contra o imperialismo americano, vindo a se enfraquecer nos anos sessenta e setenta, com a ascenso dos governos totalitrios em diversos pases, e com a consolidao do poder dos Estados Unidos no mundo em vias de se globalizar. A integrao se d em graus diferenciados de pas para pas, de acordo com a aceitao ou no por parte dos respectivos governos, o que no impede de afirmar que, a integrao econmica j est em curso na maioria dos pases do cone-sul, associada s reformas estruturais impostas pelas instituies financeiras

multilaterais, porta-vozes das grandes empresas transnacionais e tambm das polticas coniventes dos governos nacionais. De acordo com Zevallos (1993), a importncia da integrao reside no reconhecimento da soberania de cada um dos pases sobre a parte que lhe corresponde a isto se chama regionalizao, como conceito oposto a internacionalizao permitindo tambm discusso e tomada de posio sobre a problemtica do conjunto. No caso estudado, atualmente existe o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) que se trata de um importante grmen de integrao sulamericana, mais ainda se considerarmos ser esse o pacto que rene pases do Pacfico e do Atlntico deste subcontinente. Para que esta integrao Pacifico Atlntico pudesse se efetivar foi pensado e articulado planos de aproximao entre pases e explorao do continente sul-americano. Dando completude e amplificando o processo de aproximao entre Brasil e Argentina, as maiores potncias do continente sulamericano iniciaram-se, ainda sob a vigncia de regimes militares nos dois pases, mas que dinamizado aps a redemocratizao de ambos na dcada de 1980 e

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sacramentado pela Ata de Buenos Aires de 1990, o Tratado de Assuno, o qual foi firmado em maro de 1991, que cria as prerrogativas bsicas do Mercado Comum do Sul MERCOSUL. O MERCOSUL tenderia a tornar-se o epicentro da estratgia acalentada pela diplomacia brasileira de conformao de um regionalismo aberto3 capaz de, no novo cenrio ps-guerra Fria, garantir uma autonomia mnima ao pas e um maior protagonismo na cena internacional. Vislumbrava-se a possibilidade de expanso do bloco pela incorporao de outros pases sul-americanos. Segundo Faria & Cepik (2002), a este plano de ao sub-regional veio se agregar, em 1992, o anncio pelo Brasil da Iniciativa Amaznica (IA), que pretendia o estreitamento das relaes econmicas entre os pases signatrios do Tratado de Cooperao Amaznica, de 1978, quais sejam: Bolvia, Brasil, Colmbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Em 1993, o protagonismo regional do Brasil uma vez mais destacado pelo lanamento da proposta de criao da ALCSA (rea de Livre Comrcio Sul-Americana), que, ampliando o escopo da Iniciativa Amaznica, buscava promover uma rede de acordos de livre comrcio (MELLO, 2002) entre os pases do MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), da Comunidade Andina e o Chile. A partir de meados da dcada de 1990, d-se na Amrica Latina um significativo adensamento dos acordos comerciais de segunda gerao 4, intra e inter-regionais, de onde se destacam, por sua diversidade, as iniciativas da parte de Chile e Mxico, ainda que tomadas por motivos distintos (ver BAUMANN, 2001).

3 - O regionalismo que havia prevalecido na Amrica Latina at a dcada de 1980, pensado como mecanismo para a ampliao dos mercados nacionais e, portanto, como auxiliar do processo de desenvolvimento por substituio de importaes, muitas vezes classificado como fechado. Segundo definio da CEPAL, regionalismo aberto um processo de crescente interdependncia econmica no nvel regional, impulsionado tanto por acordos preferenciais de integrao como por outras polticas em um contexto de abertura e desregulamentao, com o objetivo de aumentar a competitividade dos pases da regio e de constituir, na medida do possvel, um cimento para uma economia internacional mais aberta e transparente (Rosenthal, 1995, p.49). Em outras palavras, trata-se da passagem de um regionalismo autocentrado para o regionalismo associado abertura e s reformas econmicas domsticas (VAZ, 2002). 4 - Os acordos entre pases so usualmente classificados segundo o objeto negociado. Seriam acordos de primeira gerao aqueles centrados principalmente na eliminao de restries ao movimento de bens (preferncias comerciais), enquanto os acordos de segunda gerao consideram no apenas concesses comerciais, mas tambm a reduo de barreiras em outras reas, como procedimentos comuns para compras governamentais, direito de propriedade e administrao de polticas de concorrncia (BAUMANN, 2001).Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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A viabilidade de tal integrao regional como um todo uma imposio do processo de globalizao econmica, que sempre se baseou no fundamentalismo de mercados e, portanto no tem a participao da sociedade civil ou popular. As populaes locais envolvidas no processo no tm participao nas discusses e sentem-se to somente objeto do processo e so no os protagonistas de uma luta contra esse modelo. Segundo a Cpula da Comunidade Sul-Americana de Naes CASA (2007), a nova integrao sul-americana deve basear-se, segundo os movimentos sociais, na primazia da colaborao sobre a competio, e dos direitos dos habitantes da regio sobre os interesses comerciais, entre outros. E prossegue, somente na medida em que se mude o modelo de desenvolvimento e se defenda a soberania das naes ser frutfero o esforo de construo da CASA, segue o texto. Estamos dispostos a promover o dilogo que dirija a resultados reais. Manteremos as lutas de resistncia que assegurem o protagonismo do movimento popular no processo de integrao, para promover uma verdadeira democracia e bem-estar para nossos povos, conclui. O documento da CASA, tambm cita a necessidade da incorporao ao processo de valores e julgamentos como a soberania alimentar, o respeito ao meio ambiente e a agenciamento da paz. 1.2 A Amaznia e a IIRSA no palco da Integrao Regional A Amaznia continental ocupa uma rea de 6,5 milhes de quilmetros quadrados, abrangendo dois quintos da Amrica latina (estando presente nos seguintes pases: Peru, Colmbia, Bolvia, Venezuela, Guiana, Guiana francesa e Suriname), e ocupando um espao territorial de trs quintos do solo brasileiro (3,5 milhes de km). O ecossistema amaznico compe um enorme depsito da biodiversidade do planeta, com grandes potencialidades ainda inexploradas, alm de abrigar imensas quantidades de minrios, terras cultivveis e outros tantos expedientes naturais. Resta ao pas explorar racionalmente os recursos disponveis. Essa a grande proposta de desenvolvimento sustentvel colocada pelos organismos internacionais. Sobre a bacia do Amazonas, esta se situa entre dois escudos que representam as terras mais velhas do planeta (era Pr-Cambriana), que se localizam ao norte o escudo das Guianas e ao sul o escudo brasileiro, com um grande volume de gua doce do planeta. De acordo com Born (2003:107-115):

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A Amaznia abriga o sistema fluvial de maior massa hdrica do planeta, drenando mais de sete milhes de quilmetros quadrados de terras. O rio Amazonas o rio mais longo do mundo, com 7.100 km e tambm o mais volumoso, com uma vazo mdia de 200 mil metros cbicos por segundo. Ele representa entre 1/5 e 1/6 da massa de gua que todos os rios da Terra lanam conjuntamente nos oceanos e mares. [...]. Na Amaznia se encontra a maior floresta pluvial tropical do planeta. [...]. A Amaznia tambm detentora do maior patrimnio gentico do planeta. Seus diversos ecossistemas abrigam cerca de 600 mil espcies de plantas, 2,5 milhes de artrpodes, dois mil espcies de peixes, mais de 300 espcies de mamferos e um nmero incomensurvel de microorganismos. Mas toda essa riqueza encontra-se sobre um dos solos mais pobre e lixiviados da terra.

Mesmo diante de tanta biodiversidade, de uma riqueza incomensurvel, certo que exista tanta cobia sobre a Amaznia por parte de outros povos e que houvessem as disputas e as estratgias de apropriao dos recursos naturais em tempos diferentes com formatos diversos. Com uma populao reduzida so considerados como scios minoritrios na participao em projetos de

desenvolvimento de infra-estruturas financiada por emprstimos do capital internacional. A partir da, comea a era das grandes fluxos migratrios para a Amaznia e seguido de megaprojetos de investimentos voltados para os capitais financeiros internacionais, para os barrageiros, para os canaleiros, latifundirios e outros que se intitulam os benfeitores do desenvolvimento amaznico. A Amaznia que antes era conhecida como terras despovoada, passa a ser vista como a terra deflorada, seja pelo desmatamento florestal, pela minerao, pela pata do boi, pela monocultura da soja e cana de acar. A Amaznia ser conhecida como o paraso da hidreletricidade. [...] o Brasil se torna um dos expoentes da hidreletricidade mundial nos anos 1980, quando foram inauguradas algumas megaobras5 cujas conseqncias logo atraram uma romaria de estudiosos, e cujas belezas so admiradas por grupos de turistas em geral desavisados (SEV FILHO, 2004:19). Segundo Sev Filho (2004), na dcada de 1980, na Amaznia, existiam duas pequenas hidreltricas funcionando: Curu-Una, perto de Santarm-PA, e5 - Fazem referencias s usinas de Itaipu, no rio Paran, (divisa Paran Paraguai), perto da cidade de Foz do Iguau, e que assegura quase metade do consumo eltrico do Sudeste e uma parte da regio Sul; de Balbina, no rio Uatum, (AM), perto da cidade de Presidente Figueiredo, e que assegura menos da metade da eletricidade de Manaus, Samuel, no rio Jamari, (RO), que fornece metade ou mais da eletricidade da capital Porto Velho, Tucuru, no rio Tocantins (PA), ao lado da cidade de mesmo nome, que abastece as indstrias de alumnio e de ferro-ligas, alm da minerao e exportao de ferro, as capitais Belm, (PA) e So Luiz, (MA).Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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Coaracy Nunes, no Amap. Ambas com uma rea inferior a 100 km2 e uma capacidade de gerao de 70 MW, causando impactos econmicos e ambientais mnimos. Entretanto, situao modificou-se aps a construo de Tucuru, no baixo Tocantins, com uma rea de 2.430 km2 e uma capacidade de gerao de 8 mil MW (WOLFGANG,1987:3) constituindo-se em uma das gigantes do norte do Brasil. Isso foi somente o comeo para que se iniciasse um novo processo na Amaznia brasileira, onde novas represas gigantescas foram construdas, como Balbina, perto de Manaus, e Samuel, perto de Porto Velho, que at hoje ainda no resolveu os problemas com indenizaes, junto aos moradores prximos da barragem e a retirada de famlias, ao longo da rea formada pelo lago. No resta dvida de que estas represas trouxeram fortes impactos economia local6, sociedade e ao meio ambiente, por causa de sua dimenso. A Amaznia mpar, em nenhum outro lugar do mundo pode se ver tamanha heterogeneidade, com as riquezas incontveis guardadas no subsolo amaznico. por isso que, desde os anos 1970, a Amaznia continental est sendo palco de grandes debates no cenrio internacional, especialmente em temas ligados soberania nacional, aos desequilbrios e desigualdade que se manifestam em todas as dimenses do processo de desenvolvimento: desigualdades econmicosociais, setoriais, tecnolgicas, regionais e internacionais de pases, a exemplo de Brasil, Bolvia e Peru. Contudo o discurso do desenvolvimento possui suas diferentes nuances que at hoje permanecem ignoradas. A vontade de grupos externos de integrar a Amaznia ao Brasil e ao resto do Continente sul-americano, por meio de formao de novas formas de regionalizao diferenciada, no uma coisa to recente. bem anterior aos anos de 1990, quando se vislumbrava uma nova rota para o capital (comercial) avanar rumo ao oceano Pacfico na busca de expandir as fronteiras comerciais e intercambiar produtos locais por outros aqui inexistentes. De acordo com Paula (1994), no Brasil, empreendimentos estrangeiros se ramificaram de norte a sul - como a construo da estrada de ferro Madeira-Mamor, na Amaznia entre 1907

6 - Essa economia baseada na pequena agricultura familiar, com cultivos bsicos da macaxeira, feijo, arroz, banana e, em alguns casos, variados como o milho, amendoim, mamo, limo, cana ou laranja, bem como na criao de pequenos animais e aves, no visa meramente abastecer mercados: destina-se a proporcionar, na essncia, a auto-sobrevivncia. (Leonel, 1998:218).

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e 1912, para ligar Porto Velho a Guajar-Mirim, no atual estado de Rondnia e posteriormente, o Brasil Bolvia. De acordo com Novoa (2007), para a regio amaznica que se dirigem as fronteiras econmicas, agrcola, energtica e tecnolgica do pas. Contando com cerca de 52% da regio nacional, a Amaznia no simplesmente espao de expanso, mas ambiente de projeo em que o Brasil pode ser ratificado ou alquebrado. Em um contexto de interface dos mercados e de harmonizao de processos polticos decisrios em escala mundial, os recursos naturais da Amaznia passam a ser vistos como estoques, mercados de commodities ou de futuros, a serem regulados pelos conglomerados transnacionais. A governana que querem aquela que proporciona a habilidade de administrao meticulosa da expanso das fronteiras dos negcios oligopolizados. Durante as dcadas de 1970 e 1980, o regime ditatorial buscou congregar a Amaznia ao arranjo produtivo do centro-sul e, por derivao, aos circuitos produtivos mundiais por meio de obras virias e de incentivos a grandes projetos minerais e agropecurios. Outra particularidade da Amaznia brasileira o grande nmero de rios que podem ser aproveitados para a gerao de energia eltrica. Talvez por a se tenha construdo a imagem de que nossas usinas hidreltricas forneciam uma energia barata, limpa e renovvel. O fato que o modelo de desenvolvimento adotado pelo Estado brasileiro conferiu energia hidreltrica papel considervel na promoo do progresso. A criao das Centrais Eltricas Brasileiras S. A. Eletrobrs em 1962, por exemplo, no s viabilizou a intensificao do aproveitamento deste tipo de energia como consolidou a interveno estatal no rumo do setor de energia eltrica brasileiro, fixando as colunas da estrutura setorial no Brasil, que vem sendo reestruturada. Os grandes projetos, e particularmente os hidreltricos, so

empreendimentos capazes de modificar paisagens, de provocar o deslocamento compulsrio de milhares de pessoas, rompendo laos entre elas e o espao, enfim, alterando seus modos de vida. Tudo isto acontece num curto perodo de tempo e, muitas vezes, ocorre de forma dramtica, sobretudo para os que so obrigados a sair de suas terras, deixarem suas casas, a abandonar seu passado, sem muitas vezes compreender o significado de tal mudana e ainda sentindo-se, como umMestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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entrave ao progresso; por no estarem organizados em categorias so obrigados a aceitar a determinao de governos impositores, como relata Paula (1994:88):A insuficiente organizao popular, a inexistncia de lderes com suficiente poder poltico, aliados a uma situao conjuntural de um governo autoritrio, facilitaram a destruio da cidade e a negligncia para com o destino daquela populao.

Novoa (2007) relata que a gerao energtica a ser obtida na Amaznia necessita ser discutida a um planejamento pblico nivelador em funo dos interesses das comunidades que nela residem. Ele aposta que fundos de inovao devam ser criados para darem sustentculos s cadeias tecnoprodutivas em biodiversidade, com associao gradativa de valor de baixo para cima, a partir das unidades de pesquisa/aplicao/extenso biotecnolgicas descentralizadas em cidades em que se possam entrecruzar escolas tcnicas, universidades, rgos pblicos, cooperativas, assentamentos e pequenas empresas. Para alm da lgica conservacionista, que se mostra muito operacional ao processo de mercantilizao da Amaznia (estoques de capital natural, domnio privado da biodiversidade e das guas, gesto corporativa do territrio7), preciso que se arquitete uma base produtiva regional que seja fruto da potencializao e qualificao das atividades extrativistas, agrcolas, de servios e industriais de base local. O conceito de desenvolvimento sustentvel, explicitamente incorporando os temas da conservao ambiental, da tica e da justia social, impe exigncias maiores aos processos de transformao produtiva. No se trata somente de que a estes pases produtores de matria-prima devam recuperar a trajetria de7 - Sobre o conceito de Territrio, tratamos o espao geogrfico a partir de uma concepo que privilegia o poltico ou a dominao-apropriao. Historicamente, o territrio na geografia foi pensado, definido e delimitado a partir de relaes de poder. No passado da Geografia, Ratzel (1982), ao tratar do territrio, vincula-o ao solo, enquanto espao ocupado por uma determinada sociedade. A concepo clssica de territrio vincula-se ao domnio de uma determinada rea, imprimindo uma perspectiva de anlise centrada na identidade nacional. Afirmava Ratzel (1982), "no que se refere ao Estado, a Geografia Poltica est desde h muito tempo habituada a considerar junto ao tamanho da populao, o tamanho do territrio". Continuando, "a organizao de uma sociedade depende estritamente da natureza de seu solo, de sua situao, o conhecimento da natureza fsica do pas, suas vantagens e desvantagens pertence histria poltica" (Ratzel, 1982). Observa-se que, historicamente, a concepo de territrio associa-se a idia de natureza e sociedade configuradas por um limite de extenso do poder. Contemporaneamente, fala-se em complexidades territoriais, entendendo territrio como campo de foras, ou "teias ou redes de relaes sociais". Segundo Souza (1995), no h hoje possibilidade de conceber "uma superposio to absoluta entre espao concreto com seus atributos materiais e o territrio como campo de foras". Para este autor, "territrios so no fundo relaes sociais projetadas no espao". Por conseqncia, estes espaos concretos podem formar-se ou dissolver-se de modo muito rpido, podendo ter existncia regular, porm peridica, podendo o substrato material permanecer o mesmo.Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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crescimento acima da mdia global para buscar o equilbrio; necessrio se faz responder as questes impostas pelo estruturalismo: O que crescer? Onde? Como? Por qu? Para quem? E a quem mais interessa este crescimento? (MELO, 2006). Diante deste panorama, observamos que a Amaznia representa alm de produtora de hidroenergia, a uma fronteira de povoamento na Amrica do Sul, que sofre um processo de crescimento em suas reas de forma muito intensa. A construo de auto-estradas inter-regionais (e internacionais), intensificao de projetos de colonizao nas reas de fronteiras para assentamento de pequenos agricultores, o estabelecimento de grandes fazendas pecuaristas, produo de gros e do agronegcio, as extraes mineral - vegetal e a realizao de megaprojetos hidroeltricos, para fornecimento de energia, ou seja, o insumo bsico nova fase industrial representa tentativas de modernizar a Amaznia. Em suma, mesmo existindo polticas voltadas para a regio amaznica, a integrao regional que se pleiteia apenas de cooperao comercial e complementao econmica, que se completa com uma rede de transportes, como a conexo rodoviria interocenica Atlntico-Pacfico na regio amaznica com portos peruanos, hidrovirios entre a bacia amaznica e a integrao energtica (oleodutos, gasodutos, eletricidade e rede de transmisso, etc.). Essa iniciativa decorre do fenmeno de regionalizao. De fato, a rede de intercmbio cresceu nos ltimos anos especialmente entre vizinhos, que possuem semelhante e diferente nvel de desenvolvimento. Este fenmeno cresceu ainda mais com a instabilidade financeira e o crescimento do protecionismo, que recentemente tem caracterizado a economia internacional. H aqueles que apostam que a integrao sul-americana tem a vantagem de criar um forte mercado regional, que alavancar as economias da rea, como tambm reforar o interesse de outros parceiros, como a Unio Europia e a sia oriental. Especialmente porque cria um contrabalano Alianas de Livre Comrcio das Amricas (ALCA), cujas negociaes se encontram estagnadas. Contudo, constatamos que tal integrao, somente est se dando em a rea de infra-estrutura, energia, telecomunicao e comercial, ou seja, pelo lado da economia. Ficando, mais uma vez, o ser humano e a realidade local sem a importncia necessria e cheio de incertezas quanto ao seu destino.

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A integrao forada rumo ao crescimento econmico promove um verdadeiro descaso com a populao menos favorecida das cidades e das matas. A bioantropologia8 encarregou-se, h dcadas, de corroborar a falcia que tentar separar o ser humano do seu meio ambiente ecolgico (BAKER; LITTLE, 1976; KORMONDY; BROWN, 2001). Nos ltimos de anos, o homem e seus antepassados contriburam de forma decisiva para o aparecimento e a sustentao de muitos dos ecossistemas naturais viventes hoje, inclusive a Amaznia (BENCHIMOL, 1998; DENEVAN, 2002; HECKENBERGER et al., 2003). Portanto, desconsiderar os seres humanos em qualquer aspecto da discusso ambiental uma grande insanidade. Quando chega a "alta tecnologia" a servio do "progresso", a floresta completa arrebatada e a mata pura simplesmente arrancada. Todo e qualquer ser vivo demolido pelo drago do progresso, do lucro, pela ganncia do capital multinacional que o financiador da destruio e desertificao da Amaznia. Seguido disso vem expulso criminosa de populaes tradicionais, de ribeirinhos de suas terras para as periferias das cidades, engrossando as multides em situao de misria e a proliferao de favelas. Contudo, aqueles que se negam a ir para as cidades, diversas vezes promovem uma maior degradao ambiental, aumentando o nvel de destruio florestal, medida que esta populao expulsa passa a ocupar e derrubar novas reas para moradia. 1.3 A IIRSA e os Templrios9 do Capital no sul A vontade de integrarem a Amaznia ao Brasil e ao resto do Continente sulamericano no uma coisa to nova como muitos afirmam. Isto vem desde o sculo XIX, porm se intensificou a partir dos anos de 1990, quando se investigava uma nova rota comercial para o oceano Pacfico na busca de alargar as fronteiras comerciais objetivando intercambiar produtos locais por outros que aqui inexistiam.

8 - Esse campo da antropologia tem como principal objetivo estudar a biologia humana de uma maneira especial: analisando o corpo humano e sua gentica para encontrar caractersticas que sejam comuns a um determinado grupo ou gerao ou ainda para ajudar a entender um pouco mais sobre suas origens, suas condies de vida e de sade, por exemplo. O objetivo fazer comparaes e pesquisas sobre a evoluo do ser humano e a variedade humana. 9 - uma comparao a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomo, melhor conhecida como Ordem dos Templrios criada em 1118, em Jerusalm, visando defesa e proteo dos cristos na Terra Santa. Do mesmo modo, os organismos internacionais financeiros que esto ligados IIRSA se comportam como verdadeiros defensores dos interesses privados sul-americanos e do capital internacional.Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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Segundo Paim (2003), desde a Cpula de Presidentes da Amrica do Sul, realizada em Braslia (Brasil), entre os dias 30 de Agosto e 1 de Setembro de 2000, est em curso um silencioso processo de integrao fsica denominado IIRSA Iniciativa de Integrao da Infra-estrutura Regional Sul-americana. Esta iniciativa um processo multisetorial que pretende desenvolver e integrar as reas de transporte, energia e telecomunicaes da Amrica do Sul, em dez anos. O objetivo dessa reunio foi estimular a organizao do espao sul-americano a partir da contigidade geogrfica, da identidade cultural, e dos valores compartidos dos pases vizinhos sul-americanos (confira: IIRSA www2003a). Conforme o Seminrio Sub-regional organizado pelo Comit de

Coordenao Tcnica da IIRSA, em setembro de 2003, em Lima, esta integrao est voltada para alcanar trs objetivos: Apoiar a integrao de mercados para melhorar o comrcio intra-regional, aproveitando primeiramente as oportunidades de integrao fsica mais evidentes; Apoiar a consolidao de cadeias produtivas para alcanar a

competitividade nos grandes mercados mundiais; Reduzir o custo sul-amrica atravs da criao de uma plataforma logstica vertebrada e inserida na economia global. Fica muito claro que essa integrao est voltada para escoar mais facilmente os recursos naturais dos pases sul-americanos, principalmente, para os mercados norte-americanos e europeus. Inclusive, a opo de no consultar a sociedade civil, dos 12 pases envolvidos nessa iniciativa, sobre que tipo de integrao desejam para seus pases, estratgica. Esta idia de regionalizao/integrao amaznica novamente aventada, no isoladamente, mas por pases da Amrica do Sul encabeada pelo governo brasileiro. Realizada em Braslia, a reunio deu origem a criao da IIRSA, subscrita no ano 2000 pelos governantes dos 12 pases da regio com o apoio de Instituies Financeiras Multilaterais (IFMs). Segundo Carrion e Paim (2006), estas IFMs so instituies pblicas ou privadas, cujos recursos provm dos cofres dos pases scios que, alm de financiar polticas, programas e projetos dos governos, elaboram estudos tcnicos,Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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formam parte da tcno-burocracia governamental, prestando assessoria e orientando a implementao das aes da infra-estrutura nos pases membros. Desde o lanamento da IIRSA, os bancos tm tido um papel bastante ativo financiando estudos e projetos, alm de ter promovido a participao do setor privado no contexto da iniciativa. A verdade que os pases membros deliberam sobre a poltica dessas instituies, estabelecendo-se a reciprocidade entre os pases e as IFMs. O domnio dessas foras so definidos pelo poder econmico de cada pas-membro na IIRSA: quem possui maior nmero de aes tem maior poder de deciso, logo o Brasil o sul-americano com maior peso dentro desta Iniciativa. A IIRSA pode observada como a expresso mxima da megalomania da integrao regional. Ela est ligada a algumas IFMS que atuam no Brasil e que trabalham a servio do capital financeiro internacional na busca incessante e qualquer custo do crescimento econmico do continente sul-americano. Vejam algumas destas instituies financeiras que fazem parte da IIRSA. Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID): mais antigo e maior banco regional de desenvolvimento, fundado em 1959, com o objetivo de impulsionar o progresso econmico e social da Amrica Latina e do Caribe. Com 47 pases membros, financiam projetos com capital prprio, recursos obtidos no mercado financeiro e dos fundos que esto sob sua administrao. Segundo informaes do prprio banco, o departamento do Setor Privado tem potencial para disponibilizar at US$ 1 bilho, por ano, para projetos de infra-estrutura na Amrica Latina e Caribe. O Brasil o pas que tem mais demanda de projetos. Entre 2000 e o fim de 2004, o setor privado do BID emprestou mais de US$ 3 bilhes para rea de estradas e energia, somente ao Brasil. H uma relao muito estreita entre o BID e a IIRSA. Em 2005, o banco liberou US$ 1,9 milho para a implantao de um plano de desenvolvimento da Amaznia, destinado Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica (OTCA). Este plano tem como objetivo coordenar e estimular o conhecimento da biodiversidade amaznica e de seu uso potencial apoiando tarefas de conservao e aproveitamento sustentvel. No entanto, importante ressaltar que na Declarao de Manaus, resultado da III Reunio de ministro das Relaes Exteriores dos Estados Membros da OTCA (Set/2004) est claramente descrito nos pargrafos 28 e 29 o apoio implementao dos projetos da IIRSA.Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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Corporao Andina de Fomento (CAF): instituio financeira multilateral que comeou a operar em 1970, constitui-se no maior agente financeiro em projetos de infra-estrutura na Amrica Latina, sobretudo na comunidade andina. Segundo Carrion & Paim (2006), em 2003, a instituio financiou 17 projetos dentro do contexto IIRSA com investimento de mais de US$ 800 milhes da CAF e, totalizando US$ 2.119 milhes. Entre estes projetos esto: Corredor Rodovirio Santa Cruz Porto Suarez (Conexo Bolvia Brasil); Rodovia Tarija Bermejo (conexo Bolvia Argentina); Corredor Rodoviria de Integrao Quito Bogot Caracas. Recente release divulgado conjuntamente pelo BNDES e pela CAF (dezembro 2005) destaca a assinatura do acordo entre as duas instituies para atuao conjunta na Amrica Latina e no Caribe. O novo convnio prev o fomento da atuao conjunta na Amrica Latina, que resulte em financiamentos a projetos de interesse comuns, orientados para o fortalecimento da integrao regional. [...] A partir da assinatura do memorando, BNDES e CAF podero co-financiar investimentos nos 17 pases membros da CAF, na Amrica Latina e Caribe [...]. Em 2004, a carteira de emprstimos e investimentos da CAF foi de US$ 7.216 milhes, sendo reconhecida que desta cifra US$ 3.500 milhes foram fixados previamente para processos de integrao regional e recuperao econmica de pases da Amrica Latina. Fondo Financiero para el Desarrollo de la Cuenca Del Plata (FONPLATA): O Fundo financeiro para desenvolvimento da Bacia do Prata foi criado em 1971 com o objetivo de financiar estudos, projetos e obras que promovam o desenvolvimento e a integrao dos pases da Bacia do Prata, com recursos prprios e aqueles oriundos de outras fontes como o Banco Mundial, BID e a CAF. Possui a seguinte composio financeira: Brasil e Argentina: 33,34%, cada; Bolvia, Paraguai e Uruguai com 11%, cada. O setor dos transportes consome a maior parte dos investimentos e, atualmente, vem inaugurando novas frentes de financiamento para infra-estrutura em estados e municpios, especialmente no Brasil. Banco Mundial (BIRD): criado em 1944, com a principal meta reduzir a pobreza no mundo. Cento e oitenta e quatro pases fazem parte do Banco Mundial que a maior agncia de emprstimos de longo prazo para pases em desenvolvimento,Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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sendo o governo brasileiro seu maior tomador de emprstimos. O Banco Mundial no est destinando recursos, oficialmente, para projetos integrantes da IIRSA, porm durante visita do presidente do Banco, Paul Wolfowitz, ao Brasil (dezembro/2005), o presidente brasileiro, Lus Incio Lula da Silva, solicitou que o Banco analisasse a possibilidade da entidade financiar projetos da Iniciativa. Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES): banco pblico brasileiro, fundado em 1952 com o objetivo prioritrio de financiar empreendimentos no setor industrial, agrcola e de infra-estrutura para pequenas e mdias empresas, atuando em parceria com a iniciativa privada. Em agosto de 2003, o BNDES em parceria com a CAF apresentou, durante o 1 Seminrio Internacional de CoFinanciamento BNDES/CAF, realizado no Rio de Janeiro, 22 projetos a serem executados no mbito da IIRSA. Entre esses projetos esto obras de fortes impactos biosocioambientais como: Complexo do rio Madeira (Brasil); Hidrovia ParanParaguai (Argentina); terminal porturio de Nueva Palmira (Uruguai), dentre outras. Nos ltimos anos, o BNDES est direcionado para financiar grandes empreendimentos de infra-estrutura na Amrica do Sul. Seguem alguns dados sobre a sua atuao nos pases vizinhos: - Expanso dos gasodutos TGS e TGN, na Argentina, onde a Petrobrs acionista. Crdito aprovado de US$ 230 milhes. - Financiamento de empresas brasileiras na construo da Rodovia Interocenica: estrada com mais de 2.600 quilmetros que ligar os portos peruanos de Marcona, Ilo e Matarani at os Estados de Rondnia, Mato Grosso e Acre, integrando 10 regies no Peru com Brasil e a Bolvia. Esta obra tambm possui recursos da CAF e do governo peruano. Nos primeiros trs anos do governo Lula, o BNDES desembolsou R$ 122 bilhes. Para o setor de infra-estrutura, chamado de prioridade de governo, o banco liberou, em 2005, 17 bilhes, um crescimento de 12,7% em relao a 2004. O planejamento para os anos de 2004 2007 foi a liberao de US$ 3 bilhes financiando a construo de estradas, hidreltricas, aeroportos, gasodutos na regio. Para gasodutos na Amaznia, o banco liberou R$ 800 milhes. A IIRSA (2006) informa que o BNDES possui montante de recursos disponvel para investimentos to elevado que superam recursos de bancos de grande poder como o BID e o Banco Mundial. O BNDES aumentou ainda mais a sua participao no capital principal da maior agncia multilateral de fomento, a CAF.

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Segundo Carvalho apud Carrion e Paim (2006) este acordo mostra os interesses de grupos econmicos do Brasil e/ou associados, tanto nos mercados quanto nos recursos naturais dos pases vizinhos, sendo o BNDES o principal instrumento financeiro do governo brasileiro considerado, inclusive, o principal parceiro do BID na Amrica do Sul. sabido que desde algum tempo, este banco brasileiro ultrapassou as fronteiras nacionais, financiando infra-estruturas no exterior. Ainda, conforme Carvalho (2006): hoje, por exemplo, em seu portflio de projetos, encontramse a usina de Trs Gargantas, na China, o gasoduto Bolvia-Brasil, as barragens de So Francisco no Equador e de Rio Branco em Honduras Em suma, esta Iniciativa consiste na promoo de 10 eixos de integrao, conforme a figura 1, onde se renem 335 projetos por um valor de 37,5 bilhes de dlares. Esses projetos so principalmente de transporte e conduo de energia, mas incluem tambm obras de gerao e de comunicaes. Um dos projetos desta Iniciativa que j executado na parte Brasileira, trata-se da estrada Interocenica e da ponte do rio Acre entre o Brasil e o Peru, que se justifica, de uma parte, para abrir os portos peruanos da costa do Pacfico Sul aos produtos brasileiros e, de outra, para promover o desenvolvimento econmico da regio que notoriamente debilitada em crescimento industrial, contudo rica em diversidades scio-culturais, biolgicas, alm de possuir um subsolo rico em minerais. A IIRSA coordena toda a integrao continental sul-americana e busca facilitar o escoamento de commodities brasileiras produzidas no Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte via portos do Peru (Pacfico) para os pases da sia. Segundo o BNDES/CAF, haveria um aumento de 25 milhes de toneladas/ano da produo agrcola nas duas regies (centro-oeste e sudeste), reduziria os custos de produo e melhoraria o saldo da balana comercial pelo aumento das exportaes. No lado biolgico, a IIRSA tem controle sobre praticamente todos os amplos biomas da regio e, dado sua dimenso, tem o potencial de instituir srios problemas sociais e ambientais com evidentes riscos manuteno da biodiversidade e ao arcabouo social de populaes tradicionais. De acordo com Wanderley et al.(2007), a IIRSA foi pensada analisando a Amrica do Sul em seu conjunto. No entanto, sua estratgia de implementao completamente fragmentada, dificultando a percepo de seus impactos econmicos,Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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sociais, culturais e ambientais. Idealizados como parte de um todo; os projetos da IIRSA e de seus financiadores devem ser avaliados tambm da mesma forma, levando-se em considerao os impactos cumulativos de cada obra juntamente com aquelas j existentes e outras planejadas. Essa estratgia no novidade nem exclusividade da IIRSA, FONPLATA, CAF ou BID. A implantao de infra-estrutura no Brasil sempre seguiu essa lgica de fragmentar projetos polmicos para facilitar o licenciamento e seguir com sua execuo, quando na verdade estes dependem uns dos outros para realizarem seu pleno potencial e sabe-se que seus impactos influenciam o conjunto da paisagem e sua sociedade. O exemplo mais prtico o complexo do rio Madeira, um grande projeto fragmentado para facilitar seu licenciamento ambiental que possui mltiplas falhas. At mesmo as linhas de transmisso, claramente imprescindveis s hidreltricas, so consideradas como projeto parte (IIRSA, 2004).

Figura 1: Eixos de Integrao e Desenvolvimento IIRSA

Andino

Escudo Guians

PeruBrasilBolvia

Amazonas

Interocenico Central Capricrnio

Hidrovia Paran - ParaguaiMercosul Chile Sul

Andino do Sul

Fonte: www.iirsa.org.br, 2005, com adaptaes nossas

Outra estratgia de anlise das obras de infra-estrutura utilizar duas medidas ao avaliar os projetos, uma para os aspectos econmicos e outra para os scio-ambientais. Quando se trata de defender o projeto de um trecho rodovirio no corao da Amaznia, rapidamente contextualiza-se a obra no pas e no continente,Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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demonstrando-se a importncia dela para a economia nacional, o comrcio internacional e intra-regional e o fomento economia dos pases. Entretanto, quando se apresentam os componentes sociais e ambientais do projeto, seus impactos so avaliados de forma pontual, como se estivesse isolado, sem conexo com outras obras e sem grande abrangncia regional. Finaliza Wanderlei et al.,(2007) ao assegurar que o processo atual de avaliao social e ambiental de projetos, isolados entre si, insuficiente para harmonizar a arcabouo social e a conservao ambiental com as obras de infraestrutura. A ampla divulgao dos riscos sociais e ambientais envolvidos nas obras, juntamente com seus benefcios econmicos, deve ser contrastada como forma ideal de gerenciamento e reduo de riscos, pois possibilita que a sociedade participe no debate, antecipando tenses e desastres potenciais. Diante de tantos olhares, pode-se verificar que a IIRSA um plano voltado constituio de um "sistema integrado de logstica" na Amrica do Sul que impulsione a insero desta no mercado global. O que isto quer dizer? Significa que a IIRSA tem como uma de suas prioridades a integrao da infra-estrutura dos setores de transportes, telecomunicaes e energia na Amrica do Sul, a fim de tornar a regio mais atrativa s grandes empresas nacionais e transnacionais interessadas em ter acesso aos mercados e aos recursos naturais do Brasil e de outros pases. A IIRSA, pouco se preocupa com o social, pois as atividades esto voltadas ao fortalecimento das instituies e dos mecanismos de mercado, estando, desta forma, em perfeita sintonia com as principais diretrizes das IFMs, como o BID, o Banco Mundial e o Fundo Monetrio Internacional (FMI), confrontando-se, assim, com toda e qualquer poltica pblica baseada na universalizao de direitos; a IIRSA foi elaborada e est sendo executada enquanto a materializao da terceira etapa das reformas estruturais de carter neoliberal. Ou seja, ela compreendida como a consolidao dos processos de abertura unilateral (iniciada nos finais dos anos 1980) e multilateral (iniciada no princpio dos anos 1990) das economias de nossos pases. Portanto, a integrao da infra-estrutura fsica est associada adoo de medidas estruturais pelos pases sul-americanos, como a reforma do Estado, a desregulamentao da

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economia e a privatizao de empresas pblicas, posto que sejam faces da mesma estratgia (figura 1). Na prtica, a IIRSA est em operao desde 2000, mas diversos estudos foram realizados no incio da dcada de 90 j visualizando um plano de integrao fsica para a Amrica do Sul. De acordo com Paim (2006) est claro que o objetivo da IIRSA aumentar as exportaes de bens de baixo valor agregado e de elevados custos scio-ambientais para as comunidades locais. Uma verdadeira integrao fsica do continente e dos povos da Amrica do Sul deveria objetivar o seu desenvolvimento, e no a expanso dos negcios das grandes corporaes mundiais. Esta viso de outra integrao possvel tem como premissas a democracia e o direito informao e autodeterminao dos povos e est calcada na busca pela utilizao eficiente dos recursos naturais, de forma apropriada s

particularidades regionais, destinada ao crescimento dos mercados e ao desenvolvimento das populaes locais, com respeito s suas culturas e ao ambiente onde vivem.

Figura 2: Amaznia Brasileira no Contexto IIRSA

Fonte: Paim, 2003

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1.4 O Eixo Peru-Brasil-Bolvia Comentaremos nesta parte, a respeito de um estudo sobre a existncia de trs agrupamentos estratgicos de sada para o oceano Pacifico desenvolvidos pela IIRSA com financiamento de vrios projetos de desenvolvimento econmico na Amaznia Continental. Enfatizaremos sobre o planejamento econmico pretendido pelo governo brasileiro e corporaes multinacionais para desenvolver a Amaznia e integrando-a as demais regies do subcontinente sul-americano. Na IIRSA, o Eixo Peru-Brasil-Bolvia tem como desenho ncora a pavimentao da rodovia Interocenica. Financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) e pela Cooperao Andina de Fomento - CAF tm como objetivo principal impelir uma integrao regional, por meio da ligao do sudoeste amaznico aos portos do Oceano Pacfico, com vistas exportao e acesso de produtos a mercados internacionais. O Eixo Internacional de

Desenvolvimento (EID) Peru-Brasil-Bolvia formado por trs agrupamentos compostos de 44 projetos de desenvolvimento e integrao e o maior eles - o complexo hidreltrico do rio Madeira, com um investimento estimado em US$ 11,6 bilhes. Um panorama inquietante est atualmente esboado no sudoeste amaznico, em decorrncia da articulao de grandes projetos de desenvolvimento e de integrao regional, o mais audacioso projeto a construo das hidreltricas do rio Madeira que esto em andamento, na esfera da IIRSA e do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC)10

. No sudoeste amaznico, o PAC prev, nos

prximos quatro anos, as seguintes obras de infra-estrutura: 1) investimento em transportes (construo e pavimentao da BR-364, trecho Sena MadureiraCruzeiro do Sul/AC, e restaurao, melhoramentos e pavimentao da BR-319,10 - O Programa de Acelerao de Crescimento (PAC), lanado em 28 de janeiro de 2007, um programa do Governo Federal brasileiro que engloba um conjunto de polticas econmicas, planejadas para os prximos quatro anos, e que tem como objetivo acelerar o crescimento econmico do Brasil, prevendo investimentos totais de 503 bilhes de reais at 2010, sendo uma de suas prioridades a infra-estrutura, como portos e rodovias. Ele se compe de cinco blocos. O principal bloco engloba as medidas de infra-estrutura (incluindo habitao, saneamento e transportes). Os demais blocos incluem: medidas para estimular crdito e financiamento, melhoria do marco regulatrio na rea ambiental, desonerao tributria e medidas fiscais de longo prazo. Essas aes devero ser implementadas, gradativamente, ao longo do quatrinio 2007-2010. A meta obter um crescimento do PIB de 5% ao ano. Foram selecionados mais de cem projetos de investimento prioritrios em rodovias, hidrovias, ferrovias, portos, aeroportos, saneamento, recursos hdricos. (WIKIPDIA, 2007).Mestrado em Desenvolvimento Regional - Universidade Federal do Acre - Rio Branco-Acre 2008

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