Hierarquia e Disciplina - Dr. Ricarlos Almagro
-
Upload
luiz-henrique-sardella-stutz -
Category
Documents
-
view
69 -
download
0
description
Transcript of Hierarquia e Disciplina - Dr. Ricarlos Almagro
5/10/2018 Hierarquia e Disciplina - Dr. Ricarlos Almagro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/hierarquia-e-disciplina-dr-ricarlos-almagro 1/3
HIERARQUIA E DISCIPLINA
Debruço-me em algumas reflexões acerca do
movimento reivindicatório a que se lançaram
alguns militares do CBMERJ. Faço-o sob dois
ângulos distintos, a saber: o de sua legitimidade,
de um lado; e o da sua legalidade, de outro.
Quanto ao primeiro, é uníssono o sentimento de
injustiça que perpassa a situação dos bombeiros.
Profissionais que integram uma corporação
centenária, a qual goza da mais alta estima da
população, pelo caráter nobre da sua missão e,
sobretudo, da galhardia com que se investem seus
integrantes na consecução da tarefa que
abraçaram: vida alheia e riquezas salvar. Não à toa
o justo título de heróis que lhes foi outorgado pela
sociedade. É
efetivamente
inadmissível que a
contrapartida dessa
arriscada atuação seja
um vencimento tão
parco que os obrigue a
literalmente passarnecessidades. Assim,
desde logo, irmano-me
na sua luta por
dignidade. Serve o
movimento literalmente como um alerta para a
dramática situação, bem delineada nos seus
momentos altos como um pedido de socorro às
avessas, porquanto originado exatamente
daqueles que ordinariamente o atendem e
destinado àquela que normalmente o emite – a
sociedade. Assim, tenho por legitimado o
movimento.
No que tange à sua legalidade, o movimento não
encontra respaldo normativo, seja do ponto de
vista penal, administrativo ou civil. E não preciso
esforçar-me muito para alcançar tal conclusão.
Quaisquer que sejam os movimentos
reivindicatórios, eles não autorizam a prática de
atos que consumem danos ao patrimônio público
ou de terceiros, permitindo-se, em tal hipótese,
que a Administração Pública invista contra o seu
servidor (ou militar) para que os prejuízos
causados sejam indenizados. Do ponto de vista
criminal, fossem as ações consentâneas com a lei,
não precisariam os militares da anistia que lhes foi
concedida pelo Congresso Nacional. Se há anistia,
significa que houve crime e é exatamente por aí
que se esvai a legitimidade de um movimento
que, em sua origem, era aceitável, para convolar-
se em algo grave, pois é da essência do direito
penal, e também do direito penal militar, reprimir
aquelas condutas que atentem contra valores
assumidos pela sociedade como mais destacadospara a convivência humana ordenada.
E aqui, a noção de valor
deve ser hierarquizada e
situada no contexto da
ambiência comunitária
de que partem. Explico-
me. A CRFB/88, a
exemplo das que a
precederam, colocam osmilitares sob o regime
estrutural administrativo
pautado nos valores da
hierarquia e da
disciplina. Duas palavras que aqui recebem uma
valência semântica ímpar e que justificam a
instituição de uma trama normativa pelo
Executivo que causaria espanto a qualquer civil
(por exemplo, privar da liberdade alguém por não
haver se apresentado para trabalhar com a barba
feita ou porque seu sapato não está lustrado,
exigir que alguém corte o seu cabelo dentro de
um padrão pré-estabelecido etc.). Os militares
tem assim um ambiente próprio de convivência
que não se ajustam aos costumes ordinários da
sociedade civil. Decerto que incorporam alguns de
seus valores, mas há inúmeros outros que são de
uma diversidade tamanha.
Pois bem, a intervenção de extraneos nesse
processo de julgamento, seja ele um membro do
É irrelevante seja Cabral ou Colombo quem
Governa o Estado, a movimentação política
direcionada ao comandante-em-chefe da
força militar, pugnando por seu afastamento
não se ajusta ao âmbito estruturante dos
princípios que mencionei, e aí já não se está
mais na linha legitimadora das reivindicações
por dignidade, mas na esteira de uma pura e
deturpada afronta à hierarquia.
5/10/2018 Hierarquia e Disciplina - Dr. Ricarlos Almagro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/hierarquia-e-disciplina-dr-ricarlos-almagro 2/3
Judiciário, do Parlamento, ou de alguns setores do
próprio Executivo, deve dar-se de maneira
extremamente comedida, a fim de que dela não
advenham o comprometimento de um modelo
centenário que vem demonstrando funcionar
eficientemente. A anistia é uma dessas investidas
que reputo radical, que pode até bem ter se
prestado ao momento político de tensão para,
acalmando os ânimos, restabelecer um clima mais
harmônico. De qualquer forma, não se pode daí
imaginar que se tenha por revogados os diplomas
normativos que regem a vida militar. Sinaliza, ao
contrário, o cuidado para que não se esvaneça a
linha de deveres a que estão jungidos aqueles
submetidos aos dois pilares essenciais daCorporação: hierarquia e disciplina.
Decerto que hoje não se tem notícia da balbúrdia
com que, no ápice do movimento, foi promovido o
ingresso forçado contra os portões do quartel
central da Corporação, com quebra de viaturas,
impedimento de saída do socorro etc., a ver
justificada a intervenção da Polícia Militar para
conter a dinâmica exponencial que ali se
deflagrou. Daí se tem a impressão de calmariaque, entretanto, obscurece uma crise institucional
grave, posto que é a própria identidade de uma
estrutura de serviço público que é abalada. E
talvez o mote do movimento, a justificar a
manifestação constante, seja exatamente o direito
constitucional à liberdade de expressão.
Indubitavelmente tem ele assento na Carta, sendo
fruto de uma conquista democrática inestimável,
e não se diga que militares não possam titularizá-
lo, mas não me parece possa o preceito ser
assumido de forma ilimitada. Desconheço
qualquer direito estabelecido na Carta que
ostente esse grau absoluto.
Não discuto que os regulamentos disciplinares,
em muitos pontos, carecem de uma revisão
profunda, a fim de que possam compatibilizar-se
com a Constituição, sob pena de insistir-se em
aplicar o que já não mais vigora. Mas daí não me
parece que os militares não estejam sujeitos a
certas limitações no que tange a expressão de seu
pensamento, as quais ordinariamente não se
aplicam aos civis. Isso, obviamente sem prejuízo
de poderem reivindicar melhores condições de
trabalho ou vencimentos compatíveis com as suas
funções. O que não está ajustada é a insistência
difundida em que, o fato de a Carta da República
assegurar o direito à livre expressão ou à livre
reunião autorize o desmantelamento de pilares
estruturantes do edifício militar.
Assim, por exemplo, é irrelevante seja Cabral ou
Colombo quem Governa o Estado, a
movimentação política direcionada ao
comandante-em-chefe da força militar, pugnando
por seu afastamento não se ajusta ao âmbito
estruturante dos princípios que mencionei, e aí já
não se está mais na linha legitimadora das
reivindicações por dignidade, mas na esteira de
uma pura e deturpada afronta à hierarquia.
Com a tristeza de quem abandonou uma carreira
por questões remuneratórias, fica a esperança do
êxito da reivindicação, mas simultaneamente, a de
que não se faça disso tudo um momento de
aproveitamento político que acabe por ameaçar a
integridade de uma Corporação absolutamente
querida e essencial. E se alguma lição há de ficar
deste episódio, é a de que, tanto o governo
quanto os manifestantes, compreendam que o
único encontro possível deve dar-se pelo diálogo,
por uma verdadeira abertura ao discurso, em quea racionalidade comunicativa se preste de meio a
uma ética pacificadora.
Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha
Juiz Federal e do TRE-ES, Doutor em Direito Público (PUC-MG)
5/10/2018 Hierarquia e Disciplina - Dr. Ricarlos Almagro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/hierarquia-e-disciplina-dr-ricarlos-almagro 3/3