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Higiênicas faltas de decoro

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São Paulo, 2011

José Armando da Costa

Higiênicas faltas

de decoro

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Editor responsávelZeca MartinsProjeto gráfico e diagramaçãoClaudio Braghini JuniorControle editorialManuela OliveiraCapaZeca MartinsRevisãoBruna Beatriz Donnarumma

Esta obra é uma publicação da Editora Livronovo Ltda.CNPJ 10.519.6466.0001-33www.editoralivronovo.com.br@ 2011, São Paulo, SPImpresso no Brasil. Printed in Brazil

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser copiada ou reproduzida por qualquer meio impresso, eletrônico ou que venha a ser

criado, sem o prévio e expresso consentimento dos editores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

C837h

Costa, José Armando da Higiênicas faltas de decoro / José Armando da Costa. -- São Paulo: Livronovo, 2011.

190 p.

ISBN 978-85-8068-030-0

Inclui Bibliografia 1. Psicologia social. 2. Preconceito. 3. Antropologia. 4. Moral. I. Título.

Ao adquirir um livro você está remunerando o trabalho de escritores, diagramadores, ilustradores, revisores, livreiros e mais uma série de profissionais responsáveis por transformar boas ideias em realidade e trazê-las até você.

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Dedicatória

As energias positivas porventura existentes neste livro são dedicadas a minha querida e pranteada sobrinha Fátima Maria Costa da Silva (Tatinha). Pessoa que – tão próxima de realizar o seu mais desejado e alentado sonho de formar-se em Direito pela Universidade Federal do Ceará – foi tão prematuramente retirada desta vida por um violento e impiedoso acidente de carro. Havendo deixado, assim, profundos pesares em todos os seus amigos e familiares. E muito mais ainda em sua mãe Anita (minha inesquecível irmã), que até o momento de sua última expiração arrastou-se amargurada e saudosa nas sombras das lembranças dessa filha que lhe fora arrebatada e ausentada.

Minha inesquecível sobrinha, sempre acodem à minha mente as canções reche-adas de encanto e consolo que – ainda em criança e em atenção aos meus pedidos ou ao meu sofrer – você sem enfado e de modo muito afinado cantarolava para apaziguar as minhas sentimentais dores e perdas na área do amor!

Tatinha, onde quer que estejas, saiba que todos os seus sobreviventes familia-res e amigos continuam amando-lhe como se você nunca houvesse partido naquele fatídico dia em que também a Faculdade de Direito em peso pranteou a sua perda.

O meu afeto e carinho por você sempre foi bem maior que o recomendado tácita e espiritualmente por seu pai (meu grande cunhado e amigo João Evangelista), nos últimos instantes em que, também deixando muitas saudades, retirava-se ainda muito cedo desta vida. Essas e outras compõem as vicissitudes por que todos passam, e, sem as quais “a vida não aceitaria a morte”, conforme poetizou há tantos anos Shakespeare.

Permitam os céus que você um dia venha até a mim juntamente com a comitiva dos meus coloridos balões que costumam de quando em vez visitar-me, conforme o que registro em outras paragens dos meus textos!

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Sumário

Dedicatória ............................................................................................... 5

Apresentação .............................................................................................. 9

CAPÍTULO I O inolvidável flato da madrugadadora missa. .................. 11

CAPÍTULO II - Relógio roubado ao bêbado ........................................... 20

CAPÍTULO III - O maior vira-casaca político de todos os tempos ........... 30

CAPÍTULO IV - Equívoco tridimensionalizado ...................................... 42

CAPÍTULO V - Uma mão na frente e a outra no traseiro ........................ 53

CAPÍTULO VI - O menino terror das galinhas ....................................... 65

CAPÍTULO VII - Sai-se da merda entrando-se na bosta .......................... 78

CAPÍTULO VIII - Segura o cu, cabra! .................................................... 88

CAPÍTULO IX - negada, vamos a ele! ..................................................... 96

CAPÍTULO X - Gravidez de cinco meses .............................................. 107

CAPÍTULO XI - Receio de que possa faltar merda ................................ 115

CAPÍTULO XII - Prática da merdimbuca ............................................. 126

CAPÍTULO XIII - Parafuso do umbigo ............................................... 137

CAPÍTULO XIV - Orgasmo santo ....................................................... 149

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CAPÍTULO XV - O bom de uma esposa má ........................................ 158

CAPÍTULO XVI - Baitas e sapatas ....................................................... 169

COMPLEMENTOS ............................................................................. 179

BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 179

ANEXOS

ANEXO 01 Tópicos relacionados a flatulências ................................ 15

ANEXO 02 - Glossário de apelidos sertanejos ..................................... 25

ANEXO 03 - lossário de apelidos timbrados em Aracati ..................... 38

ANEXO 04 - Retalhos folclóricos ........................................................ 49

ANEXO 05 - Lenda do negrinho do pastoreio..................................... 59

ANEXO 06 - Festa dos bichos ............................................................. 75

ANEXO 07 - Cantos de ninar crianças ................................................ 86

ANEXO 08 - atrite-se .......................................................................... 93

ANEXO 09 - Literatura de cordel sobre o valor - que o peido tem ... 105

ANEXO 10 - Fecundidade da mulher sertaneja ................................. 113

ANEXO 11 - História do cavalo que defecava dinheiro .................... 121

ANEXO 12 - Sabedoria popular ........................................................ 130

ANEXO 13 - Aforismos populres ...................................................... 142

ANEXO 14 - O Menestrel ................................................................ 155

ANEXO 15 - Glossário de comparaçoes matutas ............................... 165

ANEXO 16 - Aprendi ....................................................................... 178

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Apresentação

Parecendo ser licencioso em matéria de moral e bons costumes – sem o ser nem mesmo de muito longe – cuidamos neste livro das mais variadas matérias que tangenciam questões relacionadas com as emanações fisiológicas do gênero huma-no. O destaque que dá razão à existência deste trabalho é o fazer com que a matéria aqui tratada se mantenha sob o influxo de duas expansões contraditórias: o decoro imposto pelas normas éticas da sociedade e os irresistíveis impulsos emanados do fisiologismo humano.

Aqui, reconhece-se espaço na natureza para comportar a asserção de Noel Rosas segundo a qual “o costume é a força que fala mais forte do que a natureza”. Mas, por outro lado, descobre-se que, quando se tapa um buraco para impedir a evasão de certas forças fisiológicas, tais funções passam a ser fluidas e exauridas por outros buracos. Neste ponto, questionamos se a pedofilia predominante no meio clerical é totalmente indiferente às práticas celibatárias que se tenta impingir naquele meio.

O menino que era antigo terror das galinhas encontra-se totalmente erradicado da comunidade humana deste início de novo milênio, ou se encontra redivivo em muitos adultos de hoje que – parecendo estar preso à determinada herança atávica – nutre fervorosa libido em relação a certos animais?

É possível que uma pessoa somente possa sair da merda entrando na bosta? Depois de ler o seu catecismo de doutrina cristã, persignou-se uma prostituta

diante da estátua do Coração de Jesus para pedir-lhe: – Senhor, já que a sua mãe lhe concebeu sem pecar, estendei-me a graça para que eu possa pecar sem conceber!

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A gravidez de cinco meses da esposa de um homem simples fez com que este, depois das explicações do patrão daquela, passasse a ser o homem mais feliz deste mundo. Daí pergunta-se sobre o que é melhor: não ser corno e morrer-se com a certeza de que sempre o foi, ou ser corno e haver sido feliz e amado a vida toda? É provável isso? Confira aqui neste livro.

É plausível que uma esposa má possa constituir-se na salvação da humanidade, ou pelo menos de uma civilização, ou de uma cultura? Ser baitas ou sapatas é uma questão de opção ou uma imposição da natureza? Bufar, peidar e arrotar constituem práticas que afetam o decoro, ou são profilaxias que, fundadas nas coisas da natureza, guardam conotação com a saúde? É justo perder-se a vida por causa de uma flatulência?

Mostramos aqui – com seriedade, e com falta de seriedade – que já foi con-siderado crime autônomo a conduta de se obrigar alguém a comer merda. Conduta criminosa essa que já foi mui rigorosamente punida em outros lugares do Mundo. Diz-se que Voltaire no final da vida se merdimbucou, isto é, morreu comendo os seus próprios excrementos.

Muitas curiosidades científicas aqui versadas podem trazer o aprofunda-mento sobre outras realidades relacionadas com os costumes humanos e com a vida. São ponderáveis as digressões feitas em outras áreas relacionadas com as questões aqui enfocadas.

O autor

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CAPÍTULO I O inolvidável flato da madrugadadora missa.

Nos idos da década de cinquenta do século passado, a jornada de trabalho dos pequenos e médios comerciantes do Aracati era muito puxada. Tais comerciantes – em que se incluíam o meu pai e meus tios – trabalhavam até o meio dia dos domingos. Para possibilitar a frequência desses fiéis à missa aos domingos – já que naqueles tem-pos não era costume celebrar missa no turno da tarde - os párocos daquele município instituíram a missa da madrugada, que era celebrada pontualmente a partir das quatro horas do dia ainda escuro, confundido com a noite.

Talvez pelas mesmas razões, essa prática de missas na madrugada também exis-tia, ainda no século XIX, na cidade de Fortaleza. Pelo menos é o que se recolhe dessa passagem literária do grande romancista cearense Adolfo Caminha: “No domingo, com efeito, depois da missa da madrugada na Sé, Maria do Carmo e o padrinho seguiram para a Aldeota, a pé. Ainda tremeluziam estrelas no alto. Para as bandas do Coração de Jesus, por entre coqueiros que se avistavam da Praça do Colégio, nuvens esfarripavam-se numa soberba apoteose de púrpura e violeta”.1

A meninada (os meus primos, eu e outros amigos de infância) preferia liquidar logo bem cedo o débito para com a devoção imposta goela abaixo por nossos pais. Pois, se tal resgate não fosse cumprido, cerceado era-nos o direito de brincar e se divertir naquele domingo. É verdade que a ida à missa não era, para nós, uma moção

1 A Normalista, ABC Editora, p. 167.

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de exclusiva fé, e sim muito mais pelo prazer de alargar a faixa do brincar daqueles domingos tão matizados pelas nossas emoções primaveris. Éramos bem-sucedidos na intensidade dos coloridos desses domingos, mas não se conseguia evitar a fugacidade do seu passar. Como acabavam logo aqueles domingos! Passavam voando, até pare-cendo que pulavam as horas para chegar logo à enfadonha segunda-feira. Quando tudo recomeçava outra vez, repetindo-se a mesma rotina: acordar cedo, ir ao colégio, rezar o terço na capela, estudar, rezar de novo em casa, e, por fim, dormir mais uma vez. O tempo de brincar – para quem somente gostava disso – era muito pouco, principalmente no tempo em que o Ginásio Marista de Aracati exigia frequência de manhã e de tarde.

Para a meninada de então, a psicologia dessa prática de missa da madrugada pouco tinha a ver com religiosidade. Isso não quer dizer que deixasse de existir um mínimo de fé. Já que éramos acometidos por pequeno remorso toda vez que as nossas artimanhas – chegando a bloquear a vigilância de nossos pais – conseguiam nos livrar desse compromisso hebdomadário da religião católica. Tirando esse pequeno senão (remorso), a meninada ia mesmo a essas missas para comer arroz doce no mercado, e para ter mais tempo para brincar naqueles domingos primaveris.

Lembro-me de que – numa dessas missas madrugais – pessoa até hoje não identificada deu vazão a uma flatulência tão fedorenta que a celebração da missa quase que não chega ao seu final. Acossados por seu fedor, a grande maioria dos fiéis abandonou o interior daquela “Igreja de Nossa Senhora do Rosário”. Ainda hoje, quando passo nas imediações daquela igreja, sinto nitidamente aquele fedor sepulto e antigo cicatrizado no meu inconsciente. Para mim nada na vida fedeu mais do que esse pum covardemente expelido naquele templo cristão. Cheguei por muito tempo a pensar que do cu de um cristão não poderia haver saído tão desditosa e fedorenta ventosidade. Mas, paciência, para ser um bom cristão deve-se perdoar tudo. Mesmo que se saiba que tais ocorrências dentro de uma igreja, e justo no exato momento em que está em curso a liturgia de uma missa, parece soar como muito mais desrespeitoso.

Reconhecendo a gravidade de flatulentas manifestações nessas horas consagrada a fé, registra Irvin D. Yalom: “Philip não respondeu logo e Tony, que parecia sem graça, olhou o grupo e perguntou: - Que merda está havendo? Estou com a impressão de que desrespeitei alguma lei aqui, como se peidasse na igreja. Perguntei para Philip a mesma coisa que todo mundo pergunta para todo mundo”. 2

Em forma de opróbrio a tais manifestações que se exalam compulsoriamente em forma de gases digestivos, e parecendo ser desrespeitosa à fé cristã, vê-se em “Os

2 A Cura de Schopenhauer, Editora Ediouro, p.152.

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vendilhões do templo”, de autoria de Moacyr Scliar, esta passagem: “Templo tinha de ser uma coisa visível, acessível às massas. Templo tinha de ter um recinto para sacrifí-cios. Templo tinha de possuir pátio para vendilhões. Templo interior? Onde ficava esse templo interior? Na barriga? Perto do fígado? Junto à bexiga? E como é que chegava ao Templo interior, entrando pelo ânus, tropeçando nas hemorróidas, enfrentando a malcheirosa ventania da flatulência? 3

Saliente-se, contudo, que tais insolências verificam-se não apenas no mundo da cristandade. Noutras paragens, lugares, épocas e outras religiões tais ocorrências flatulentas costumam ocorrer. Como bem registra o filósofo Erasmo de Roterdã: “Conta Horácio que, tendo Príapo assistido, uma vez, às cerimônias noturnas de Canídia e de Sagana, que invocavam as Fúrias e as Sombras num jardim, teve tal surpresa que deixou escapar um formidável peido. As duas bruxas, assustando-se com o barulho, interromperam a feitiçaria e saíram a correr a toda pressa”. 4

Comentando essa fedorenta passagem do deus grego Priapo, salienta Hur-taut: “Pode ter ele deixado escapar um simples peido, mas com grande estardalhaço, semelhante ao de uma bexiga cheia, e essa explosão, imediatamente seguida de um ditongo, lançou o pânico entre as feiticeiras, obrigando-as a fugir. Com medo de ser demasiado difuso, calou-se e fê-lo porque julgou que ninguém soubera do sucedido”. 5

Em termos de eficácia e intensidade de fedor, diz-se que o peido somente é considerado de excelente qualidade quando chega a desmanchar até reuniões de teste-munhas de Jeová. Aí se conclui que nada pode ser mais execrável e repelente que isso!

Nos anais das coisas engraçadas do povo de Alencar, conta-se que um gaúcho radicado aqui em Fortaleza – para aqui vindo por razão de transferência (remoção) dentro do antigo Departamento de Correios e Telégrafos (DCT) – órgão esse vincu-lado à época ao Ministério da Viação e Obras Contra as Secas. Aqui em Fortaleza, esse senhor era exclusivamente conhecido pela alcunha de gaúcho. Já próximo da vizinhança do arranco final desta vida, com idade já bastante avançada, somente saía de casa acompanhado de uma pessoa de confiança da casa. Num dia de domingo, foi levado à Igreja do Patrocínio – que fica localizada na Praça José de Alencar – por uma serviçal de sua inteira confiança e predileção. Tratava-se realmente de pessoa muito dedicada no trato dessa pessoa idosa.

Conta-se que, numa dessas missas domingueiras, o senhor Gaúcho soltou uma flatulência um pouco barulhenta já no meio da celebração religiosa. Segundo consta,

3 Editora Companhia das Letras, p. 88.

4 Elogio da Loucura, Editora Edições de Ouro, p. 144.

5 A Arte de dar peidos, editora Orfeu Negro, p. 42.

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no entremeio desse fato, teria tal auxiliar lhe feito a seguinte indagação: - O senhor me chamou seu Gaúcho? E o velho, que estava calado, mais calado ficou. Pois, se fosse explicar com palavras o ocorrido, a sua vergonha teria sido ainda bem maior. Diz-se que, de volta a casa, teria o velhinho admoestado essa sua auxiliar pedindo-lhe que prestasse mais atenção nas coisas.

Depois de ter conhecimento que evitar peidar pode atacar o cérebro e a imagi-nação, bem como produzir outras doenças e cacoetes, passei a ver com melhores olhos todos esses ‘peidões’, inclusive os de igreja. Mesmo porque, quer queira quer não, isso é uma coisa muito natural. Daí porque já registrava em sua literatura Thomas Bakk: “Se a memória não me falha, o homem já se peidava no tempo da pré-história”. 6 Além do mais, costuma-se dizer que “os que não peidam, sobre serem hipócritas, sofrem de prisão de ventre e diarreia mental”. Por isso é que – mesmo que se saiba que tais flatulências assinalem que algo podre jaz no ventre das pessoas – ainda assim rimos quando soltamos um peido.

Causa espécie rara no nosso folclore os pruridos religiosos do então porteiro do bispo de Fortaleza, Manuel C. Rocha Palácio (conhecido vulgarmente por Manezinho do Bispo), que não admitiam que jornais católicos servissem para embrulho nem para limpar o cu. Em suas próprias asserções jornalísticas, esse autointitulado porteiro da religião assim repreendia: “É indiretamente uma injúria que se faz ao cristão, e a si próprio, servir-se de jornais católicos para fazer certos embrulhos, e às vezes até levando-os para a latrina e lá os rompendo...”. 7

Recatos que tais não deixam de se contaminarem por certo exagero. Embora não seja retrógrado que, ainda hoje, se conceba que igrejas católicas, mesquitas, sinagogas ou qualquer outro templo religioso não seja local muito apropriado para recepcionar tais flatulências.

Nada obstante, é pacífico entre as pessoas que cultivam a sanidade do corpo e da alma que o pum “é uma necessidade da natureza, uma condição de saúde, que pode e deve ser assumido como uma fonte de prazer”. Avançando um pouco mais, veicula-se à boca miúda que “mijar sem soltar um peido é como ir à praia e não ver o mar, pois, quando mijamos e nos peidamos, as nádegas ficam alegres”.

Registra-se a existência deste provérbio romano: “Um bom peido vale um talento”. Talvez por isso e por outras coisas, aconselhe-se aos escravos do pudor e da vergonha, “que dissimule o seu peido culpando o seu cão da inconveniência; ou tussa com muita força ou faça outro barulho”.

6 O Mistério do coiso e outras histórias, p. 7. 7 Apud Geová Lemos Cavalcante, O Porteiro da Religião, editora LCR, p. 47.

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ANEXO 01 Tópicos relacionados a flatulências

1. VÁRIOS TIPOS DE FLATOS

Há cerca de dois mil e quinhentos anos, o pensador e especialista na arte da guerra Sun Tzu concluiu que, fundamentalmente, não há mais que cinco notas musicais, cinco matizes de cores e cinco sabores. Mas, segundo esse sábio chinês, tais elementos básicos, devidamente combinados, harmonizados e temperados, produzem os mais variados sons, os mais diversos matizes e os mais diversos pala-dares que se podem saborear. (A Arte da Guerra, editora Jardim dos Livros, p. 60). De igual modo, concluiu Nicolas Hurtaut, por volta dos meados do século XVIII, que há apenas quatro modos básicos de peidos: o agudo, o grave, o reflexivo e o livre. A combinação dessas quatro espécies de flatos produz mais cinquenta e oitos modalidades diferentes. Estas – adicionadas àqueles – totalizam sessenta e duas distintas sonoridades de puns.

Depois de reconhecer a substancial diferença entre a bufa (peido mudo) e o flato sonoro, concebe Hurtaut vários tipos de peidos, a saber:

a) PEIDOS PROVINCIANOS – Pessoas experimentadas garantem que esses peidos não são tão falsificados quanto os de Paris, onde tudo é refinado em demasia. Não são servidos com tanta exuberância; mas são naturais e têm um gostinho salino, semelhante ao das ostras verdes. Despertam agradavelmente o apetite.