Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM CLÍNICA MEDICA EM PEQUENOS ANIMAIS HIPERADRENOCORTICISMO CANINO MARIA FERNANDA VILLELA SGARBI Ribeirão Preto, nov. 2006

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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM CLÍNICA MEDICA EM PEQUENOS ANIMAIS

HIPERADRENOCORTICISMO CANINO

MARIA FERNANDA VILLELA SGARBI

Ribeirão Preto, nov. 2006

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MARIA FERNANDA VILLELA SGARBI

Aluna do Curso de Especialização “lato sensu” em

Clínica Medica em Pequenos Animais

HIPERADRENOCORTICISMO CANINO

Trabalho monográfico do curso de pós-graduação

“Lato Sensu” em Clínica Medica de

Pequenos Animais apresentado à UCB como

requisito parcial para a obtenção de

título de Especialista em Clínica Medica

de Pequenos Animais, sob a orientação do

Prof. Fausto Eiiti Hayashi

Ribeirão Preto, nov. 2006

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HIPERADRENOCORTICISMO CANINO

Maria Fernanda Villela Sgarbi

Aluna do Curso de Especialização “Lato sensu” em

Clinica Medica de Pequenos Animais

Foi analisado e aprovado com grau:

pelo orientador Fausto Eiiti Hayashi

Ribeirão Preto, 7 novembro de 2006

Ribeirão Preto, nov. 2006

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Dedico este trabalho ao meu grande

pai, Jurandyr e a grande mãe, Maria

Olívia, que sempre me apoiaram em

todos os momentos da minha vida,

erguendo minha cabeça em todas as

situações difíceis das quais eu passei.

Obrigado.

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Page 5: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Agradecimento

À minha família, especialmente aos meus irmãos

Marcelo e Roberto, e minha irmã Paula, minhas

sobrinhas Marina e Maria Eduarda.

As minha amigas Japa, Fabiana, Maristela, Lú, Dani,

Jéssica e Claudia pelo carinho, atenção e pelos

momentos vividos juntos e pela amizade.

Aos amigos Fernando, Andreza e Andressa pelo

período de especialização que convivemos juntos.

Ao Professor e amigo Fausto, por toda a sua dedicação,

orientação e amizade comigo durante a faculdade e agora

na pós-graduação.

Aos meus cachorros, Jady, Nestor e Tommy

“meu piticos” , por serem verdadeiros companheiros em

todos os momentos .

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RESUMO

O Hiperadrenocorticismo ou síndrome de Cushing é um distúrbio

associado ao excesso de glicocorticóides endógenos ou exógenos. É uma

das doenças endócrinas mais comuns nos cães.

A classificação fisiopatológica do hiperadrenocorticismo envolve um

tumor pituitário que sintetiza e secreta o hormônio adrenocorticotrópico em

excesso, hiperplasia da pituitária e hiperplasia adrenocortical resultante de

excessos na secreção do hormônio liberador da corticotropina.

Os sinais clínicos clássicos incluem; polidipsia, poliúria, polifagia,

dilatação abdominal, alopecia, piodermatite, dificuldade respiratória e

letargia. Os exames clínicopatológico, ultra-sonografia e RX permitem que

o veterinário faça um diagnostico presuntivo. O hiperadrenocorticismo não

tratado pode trazer diversas seqüelas aos pacientes, tais como Diabetes

Melitus, hepatopatias, infecções, alterações cardíacas e músculo-

esquelética e dermatopatias.

ABSTRACT

The Hyperadrenocorticism or syndrome of Cushing is na illness

associated with the endogenous or exogenous excesso f glicocorticoid. It is

one of the most common endocrinous illnesses in dogs.

The physiopathologic classification of the hyperadrenocorticism

involves a pituitary tumor that synthesizes and releases the

adrenocorticotropic hormone in excess, hyperplasia of the pituitary and

v

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adrenocortical hyperplasia resultant of excesses in the secretion of the

corticotrophin liberating hormone.

The classic clinical signs include; polidipsia, polyuria, polyplagia,

abdominal dilatation, alopecia, piodermatitis, respiratory difficulty and

lethargya. Clinical pathologic examinations, ultra-sound, and X-Ray allows

the veterinarian to make a presumptive diagnosis. The

hyperadrenocorticism if untreated can bring diverse sequels to the patients,

such as Diabetes Mellitus, hepatopathy, infections, cardiac alterations,

muscle-skeleton alterations and dermatopathy.

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SUMÁRIO

Página

Resumo........................................................................................................... v

Abstract........................................................................................................... v

Índice de Figuras.............................................................................................. x

Parte

1.Introdução...................................................................................................... 1

2. Glândula adrenal – considerações anatômicas e fisiológica........................ 4

2.1. Glicocorticóides..................................................................................... 5 2.2.Mineralcorticóides................................................................................... 6

2.3. Regulação na secreção de glicocorticóides ......................................... 7

3. Patofisiologia................................................................................................ 9

4. Etiologia........................................................................................................ 11

4.1. Hiperplasia adrenocortical bilateral idiopática ...................................... 12

4.2. Tumor hipofisário................................................................................... 13

4.3. Hiperplasia de hipófise.......................................................................... 14

4.4. Neoplasia adrenocorticai...................................................................... 14

4.5. Síndrome do ACTH ectópico................................................................. 15

4.6. Iatrogênico ............................................................................................ 15

5. Predisposição............................................................................................... 17

6. Histórico........................................................................................................ 19

7. Sinais clínicos............................................................................................... 21

7.1. Poliúria e polidipsia................................................................................ 21

7.2. Polifagia................................................................................................. 21

7.3. Distensão abdominal............................................................................. 22

7.4. Sinais músculo-esqueletico................................................................... 23

7.5. Sinais cutâneos..................................................................................... 23

7.6. Obesidade............................................................................................. 27

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7.7. Sinais respiratórios................................................................................ 27

7.8. Sinais reprodutivos................................................................................ 28

7.9. Miotonia / Pseudomiotonia.................................................................... 28

7.10. Sinais neurológicos............................................................................. 29

7.11. Sinais oculares.................................................................................... 29

8. Exame físico................................................................................................. 30

9. Diagnóstico................................................................................................... 31

9.1. Hemograma........................................................................................... 31

9.2. Glicose sanguínea e insulina sérica...................................................... 32

9.3. Nitrogênio sanguíneo derivado da uréia (BUN)..................................... 32

9.4. Alamina aminotrasferase (ALT)............................................................. 33

9.5. Fosfatase alcalina (FA).......................................................................... 33

9.6. Colesterol e triglicérides........................................................................ 34

9.7. Eletrólitos séricos.................................................................................. 35

9.8. Amilase e lípase.................................................................................... 35

9.9. Urinálise................................................................................................. 35

9.10. Hormônios tireoideanos (T3 e T4)....................................................... 37

9.11. Hormônio de crescimento (GH) e hormônios sexuais......................... 37

9.12. Fatores de coagulação........................................................................ 38 9.13. Radiografia.......................................................................................... 38 9.14. Ultra-sonografia 39 9.15. Tomografia Computadorizada (TC) Ressonância Magnética (RM) 40 9.16. Pressão sanguínea............................................................................. 41 9.17. Eletromiografia.................................................................................... 41 9.18. Histopatologia...................................................................................... 41 9.19. Testes endócrinos............................................................................... 42 9.19.1. Corticosteróides urinário.......................................................... 42 9.19.2. Concentração do cortisol basal plasmático............................. 43 9.19.3. Teste de estimulação com ACTH............................................ 44 9.19.4. Teste de supressão com dexametasona................................. 48 9.19.5. Teste combinado de supressão da dexametasona e do ACTH.................................................................................. 51 9.19.6. Comparação dos testes de estimulação por ACTH e supressão por dexametasona................................................. 52

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9.19.7. Teste de discriminação: diferenciação de HDP e HAD ......... 53

10. Diagnóstico diferencial............................................................................... 56

11. Tratamento................................................................................................. 57

11.1. Tratamento cirúrgico.......................................................................... 57

11.2. Tratamento médico............................................................................ 59

11.2.1. Terapia com Mitotane..................................................................... 59

11.2.1.1. Terapia de indução.......................................................... 60

11.2.1.2. Terapia de manutenção................................................... 63

11.2.1.3. Reações adversas........................................................... 64

11.2.2. Terapia com Cetoconazol................................................... 65

11.2.3. Outras drogas.................................................................... 66

12. Complicações médicas associadas com o HAC........................................ 68

12.1. Hipertensão....................................................................................... 68

12.2. Pielonefrite e cálculo urinário............................................................ 68

12.3. Glomerulopatias................................................................................ 69

12.4. Insuficiência cardíaca congestiva...................................................... 70

12.5. Pancreatite........................................................................................ 70

12.6. Diabetes Melitus................................................................................ 70

12.7. Tromboembolismo pulmonar............................................................. 73

13. Prognóstico................................................................................................. 75

14. Conclusão................................................................................................... 76

Referência Bibliográfica,,,,,,.............................................................................. 77

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LISTA DE FIGURAS

Páginas

Figura 1. Resumo da fisiologia da glândula adrenal e sua interação com

a hipófise e hipotálamo .............................................................................. 8

Figura 2. Eixo hipófise-adrenal em um cão normal (A), cão com HDP (B),

e cão com tumor adrenocortical funcional (C) ........................................... 12

Figura 3. Cão com HAC apresentando alopecia generalizada, abdômen

dilatado ...................................................................................................... 24

Figura 4. Animal com HAC, foto ampliada mostrando alopecia, leve

hiperpigmentação e atrofia da pele ........................................................... 25

Figura 5. Animal Bull Terrier com HAC, calcinose cutânea extensa, e

observase também abdômen penduloso .................................................. 26

Figura 6. Média da concentração plasmática de cortisol determinada 1

hora após a administração de ACTH sintético em cães controles, cães

com HAC espontâneo e cães com HAC iatrogênico ................................. 47

Figura 7. Efeito da administração de dexametasona em cão normal, com

HDP e HAD ................................................................................................ 51

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1. INTRODUÇÃO

Em 1932, o Dr.Harvey Cushing descreveu 12 seres humanos com

distúrbio sugerido pelo cientista como “resultante do pituitária-basofilismo”. O

estudo cuidadoso destes e de outros indivíduos diagnosticados anos atrás

sugere causas múltiplas desta síndrome, com os excessos crônicos na

concentração sérica de cortisol representando denominador comum final para

suas enfermidades (FELDMAN et al., 1997).

O Hiperadrenocorticismo (HAC) ou síndrome de Cushing é um distúrbio

associado ao excesso de glicocorticoides endógenos ou exógenos (SCOTT et al,

1996). É uma das doenças endócrinas mais comuns nos cães, mas muito rara

nos gatos (HOENING et al., 1991). O epônimo moléstia de Cushing é aplicado

aos casos da síndrome de Cushing em que o hipercortisolismo é especificamente

resultante da secreção inadequada do homônio adrenocorticotrópico (ACTH) pela

pituitária [HDP]). O hiperadrenocorticismo canino (síndrome de Cushing canino

[SCC]) também tem diversas origens fisiopatológicas, mas todas têm um

denominador comum: excessos crônicos de cortisol sistêmico (FELDMAN et al.,

1997).

Uma classificação fisiopatológica das causas de SCC envolve um

tumor pituitário que sintetiza e secreta ACTH em excesso, com hiperplasia

adrenocortical secundária; hiperplasia da pituitária e, secundariamente,

hiperplasia adrenocortical resultante de excessos na secreção do hormônio

liberador da corticotropina (CRH), causados por um distúrbio hipotalâmico;

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excessos primários no cortisol adrenal, autonomamente secretado por carcinoma

ou adenoma adrenocortical, excessiva de ACTH (raras) ou do excesso de

medicamentos com glicocorticóides (comum) (FELDMAN et al., 1997).

Acomete sobretudo cães de meia idade a idosos, não sendo observada

predileção sexual nos cães com hiperadrenocorticismo hipófise-dependente.

Contrariamente, cerca de 70% dos cães com tumores adrenocorticais são

fêmeas. As raças mais acometidas são Poodles, Dachshund, Terriers, Beagles e

Pastores Alemães. Embora todas as raças possam ser afetadas (NELSON &

COUTO, 1994).

A exposição crônica ao excesso de cortisol, frequentemente resulta no

desenvolvimento da combinação clássica de lesões e sinais clínicos dramáticos,

estes sintomas incluem: polidipsia, poliúria, polifagia, dilatação abdominal,

alopecia, piodermatite, dificuldade respiratória, astenia muscular, e letargia. Nem

todos os cães com HAC apresentam os mesmos sintomas. Os animais com esta

enfermidade apresentam-se com alguns sinais clínicos associados. Os sintomas

são seqüelas da combinação de efeitos gliconeogênicos, lipolíticos, do

catabolismo protéico, antiinflamatórios e imunossupressivos dos hormônios

glicocorticóides sobre diversos sistemas do organismo (FELDMAN et al., 1997).

Os cães com HAC desenvolvem sintomas clínicos que são reflexos da disfunção

de muitos sistemas de órgãos, embora em alguns cães possam predominar

somente um ou alguns sinais clínicos (KINTZER et al., 1998)

O HAC não tratado pode trazer diversas seqüelas aos pacientes, tais

como Diabetes Melitus, hepatopatias, infecções, alterações cardíacas e músculo-

esqueléticas, aumento do catabolismo e dermatopatias (ZERBE et al., 1993).

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2. GLÂNDULA ADRENAL – CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS E FISIOLÓGICAS

As glândulas adrenais se situam contra o teto do abdome, próximo a

junção toracolombar. São retroperitoneais e, em geral, de localização

craniomedial ao rim correspondente, recebendo também o nome de supra-renal.

Embora geralmente alongadas, com freqüência as glândulas adrenais são

assimétricas e bem irregulares, sendo difícil determinar seu tamanho (DYCE et

al., 1990).

O sistema endócrino permite coordenação e regulação de processos

fisiológicos. Utiliza mensageiros químicos denominados hormônios que são

substâncias químicas, produzidas em baixa concentração por órgãos endócrinos

específicos, que são transportadas pelo sistema vascular sanguíneo e capazes de

afetar órgãos alvos distantes. O sistema endócrino interage com outros sistema

regulador, o sistema nervoso, que coordena atividades que requerem rápido

controle. Esta interação, por exemplo de células endócrinas da medula adrenal é

controlada diretamente por neurônios pré-ganglionares da medula

(CUNNINGHAM,1992).

O hipotálamo coordena a atividade da hipófise pela secreção de

peptídios e aminas. Já a hipófise anterior produz os seguintes hormônios:

hormônios do crescimento, prolactina, hormônio estimulantes da tireóide,

hormônio folículoestimulante, hormônio luteinizante e hormônio

adrenocorticotrófico (CUNNINGHAM, 1992).

Em mamíferos, as glândulas adrenais são embriológicas,

morfológica e funcionalmente separáveis em duas partes distintas: o córtex

adrenal e a medula adrenal. Esta última é responsável pela produção de

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adrenalina e noradrenalina; o córtex adrenal é tipicamente dividido em três zonas:

glomerulosa, fasciculada e reticular (DUKES, 1993):

. Zona glomerulosa: corresponde a 25% do córtex e produz

mineralocorticóides, principalmente aldosterona. É a zona mais externa sendo

que a síntese de aldosterona é regulada primariamente pelo sistema renina-

angiotensina e concentrações séricas de potássio (DRAZNER, 1987).

. Zona fasciculada: corresponde a 60% do córtex sendo a mais

espessa das três camadas adrenocorticais. Produz glicocorticóides,

principalmente cortisol. É a zona intermediária (DRAZNER, 1987).

. Zona reticular: corresponde 15% do córtex produzindo uma

pequena quantidade de glicocorticóide e principalmente andrógenos. É a zona

adjacente à medula, sendo a menos espessa e situada internamente (DRAZNER,

1987).

As duas últimas zonas, a fasciculada e a reticulada, são reguladas

primariamente pelo hormônio adrenocorticotróficos (ACTH), que atua estimulando

a conversão do colesterol (FINDLING et al., 1991).

2.1. Glicocorticóides

Os glicocorticóides possuem mais efeitos sobre o corpo do que

qualquer outro hormônio (HERRTAGE, 1990). Esses efeitos envolvem a

estimulação da gliconeogênese e glicogênese pelo fígado e músculo, supressão

da absorção celular periférica e utilização da glicose plasmática, promoção do

catabolismo protéico e das gorduras, estimulação da eritrocitose, supressão das

respostas inflamatórias e do tecido linfóide, manutenção da pressão sanguínea

normal, e contra-ação dos efeitos da tensão (FELDMAN, et al., 1997).

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A secreção dos glicocorticóides é controlada, em parte, pelo eixo

hipotálamo-hipófise-adrenal, por meio de uma retroalimentação negativa simples.

As secreções de ACTH e fator liberador de corticotrofina (CRH) são influenciadas

pelas variações diárias do nível de cortisol ( o nível é maior pela manhã em cães,

e à noite em gatas) e pelo estresse, onde os níveis de ACTH e cortisol

permanecem elevados (HERRTAGE, 1990).

2.2. Mineralocorticóides

A principal função da aldosterona é evitar a hipotensão e a

intoxicação por potássio. A aldosterona promove a reabsorção de sódio, cloreto e

água, bem como a excreção de potássio em muitos tecidos epiteliais, inclusive a

mucosa intestinal, glândulas salivares, glândulas sudoríparas e rins. Seu principal

sítio de ação é o túbulo renal onde promove a reabsorção de sódio (Na) e cloro

(Cl) pelo túbulo contorcido proximal e a reabsorção de Na, trocando pelo potássio

(K), no túbulo contorcido distal. È um dos complexos sistemas de regulação das

concentrações eletrolíticas e de volume de fluido extracelular, volume sanguíneo

e pressão arterial (HERRTAGE,1990).

A liberação de aldosterona pela zona glomerulosa do córtex da

adrenal é influenciada primariamente pelo sistema renina-angiotensina e pelos

níveis plasmáticos de potássio (HERRTAGE, 1990). O ACTH e o Na têm um

pequeno papel sobre a liberação de aldosterona. O ACTH exerce, na verdade,

uma influência “permissiva” sobre a secreção de aldosterona (FELDMAN, et al.,

1997).

A renina é secretada pelas células do aparelho justaglomerular renal

quando ocorre estimulação dos receptores de estiramento em resposta à

Page 18: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

hipotensão ou a baixa perfusão renal, ou pela estimulação dos receptores de Na e

Cl na mácula densa. A renina também é liberada pela estimulação do nervo

simpático e é inibida pela angiotensina II, hormônio antidiurético (ADH),

hipertensão e aumento da reabsorção de Na pelos túbulos renais (HERRTAGE,

1990).

A renina age sobre o angiotensinogênio, uma alfa-2 globulina

produzida pelo fígado, transformando-o em angiotensina I. Esta é hidrolisada em

angiotensina II por uma enzima conversora. A angiotensina II leva a uma

poderosa vasoconstrição e estimula a secreção de aldosterona pela zona

glomerulosa, e, se presente por longo prazo, aumenta o tamanho da zona

glomerular (STABENFELDT,1992).

2.3. Regulação na secreção de glicocorticóides

O centro de liberação do hormônio CRH está localizado na parte

anterior do núcleo paraventriculares no interior do hipotálamo, que exerce

controle sobre a secreção de ACTH pela hipófise anterior. O ACTH, por sua vez,

exerce controle sobre a secreção de cortisol pela adrenocortical. O cortisol

completa o ciclo por afetar o controle exercido pelos hormônios hipotalâmicos e

hipofisários (FELDMAN et al., 1997).

O ACTH é um hormônio produzido pela hipófise. Os seus

precursores aumentam em resposta ao stress e hipoglicemia e são suprimidos

com glicocorticóides. A secreção de ACTH também é aumentada em resposta à

alimentação em humanos e animais (FINDLING et al., 1991).

A função primária do ACTH consiste em estimular a secreção de

glicocorticóides do córtex adrenal. As propriedades estimulantes que o ACTH

Page 19: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

exerce sobre a secreção adrenocortical dos mineralocorticóides e esteróides

andrógenos são menos importância (FELDMAN et al., 1997).

Muitos tipos de tensão estimulam o ACTH, freqüentemente

anulando as flutuações diárias normais. Foi demonstrado que tensões físicas,

emocionais e quimicas, como a dor, trauma, hipóxia, hipoglicemia aguda, cirurgia

e pirógenos têm demonstrado capacidade em estimular a secreção de ACTH e

cortisol (FELDMAN et al., 1997).

O aumento da concentração de ACTH durante o stress é mediado

pela vasopressina e CRH. Embora níveis fisiológicos de cortisol não suprimam a

resposta do ACTH ao stress, altas doses de corticosterróides exógenos fazem

supressão do ACTH nesta situação (FELDMAN et al., 1997).

Um resumo da fisiologia da glândula adrenal pode ser observado na fugura 1

FIGURA 1 – Resumo da fisiologia da glândula adrenal e sua interação com a hipófise e

hipotálamo. (extraído de FINDLING et al., 1991).

Page 20: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

3. PATOFISIOLOGIA

No HDP, a freqüência e a amplitude da secreção de ACTH estão

cronicamente elevadas, resultando na excessiva secreção de cortisol e,

eventualmente, na hiperplasia adrenocortical. O feedback inibitório da secreção

de ACTH pelas células hipofisárias hiperplásicas, com adenoma ou carcinoma,

tanto em concentração de glicocoticóides fisiológico como excessivas, é

relativamente inefetivo. O cão com HAC é exposto a mais cortisol diário total do

que animal normal. A perpetuação desta anormalidade resulta na síndrome clínica

associada com o excesso de cortisol (FELDMAN et al., 1997).

O HAC crônico suprime a função hipotalâmica e secreção de CRH e

o controle da secreção de ACTH pelo hipotálamo é perdido (FINDLING et al.,

1991).

O HAC afeta todos os tecidos do corpo devido às múltiplas ações do

cortisol. O hipercortisolismo leva ao aumento da produção de glicose. Ambas as

concentrações, de insulina e glucagon, podem se elevar em resposta às altas

concentrações de cortisol. Eventualmente as células β do pâncreas podem tornar-

se exaustas ocasionando o Diabetes Melitus. O enfraquecimento muscular é

comum e pode levar à profunda perda de peso. Ácidos graxos são metabolizados

no tecido adiposo sobre influencia dos altos níveis de cortisol e freqüentemente

distribuídos em lugares peculiares. A redistribuição de gordura nos membros e

abdômen contribui, junto com o enfraquecimento da musculatura abdominal, para

a distensão abdominal vista no HAC (HOENING et al., 1991).

Page 21: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Altas concentrações de cortisol induzem a retenção de sódio e

excreção de potássio, levando a um quadro de hipertensão e possivelmente

hipocalemia. Contudo, em adição ao aumento de volume de fluido extracelular, o

cortisol também aumenta a taxa de filtração glomerular, iniciando a diurese. Tem

sido sugerido que a poliúria decorra do decréscimo na liberação de vasopressina;

contudo a interferência com a ação da vasopressina no túbulo distal também é

possível (HOENING et al., 1991).

O excesso de cortisol inibe reações inflamatórias em múltiplos

pontos. Há estabilização das membranas lisossomais, bloqueio do aumento de

permeabilidade dos capilares induzindo pela inflamação aguda, inibição da

migração de leucócitos e formação de granulomas, supressão de sistema imune e

sepressão do acúmulo de leucócitos nos locais de inflamação (HOENING et al.,

1991).

Em adição ao efeito diabetogênico, altas concentrações de cortisol

suprimem a secreção de hormônio estimulador da tireóide (TSH), causando uma

diminuição na concentração total de tiroxina numa grande porcentagem dos cães

afetados com HAD (HOENING et al., 1991).

O hipercortisolismo leva a muitas outras mudanças, incluindo a

estimulação da hematopoiese, efeitos mentais, estimulação do apetite,

osteoporose e estimulação de enzimas, como a fosfatase alcalina (HOENING et

al., 1991).

Page 22: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

4. ETIOLOGIA

O HAC canino pode ser, quando à origem, de causa espontânea ou

idiopâtica. Quando espontânea pode ocorrer por uma hiperplasia adrenocortical

bilateral idiopática, neoplasia adrenocortical ou pela síndrome do ACTH ectópico.

O HAC iatrogênico decorre do emprego descontrolado de glicocorticóide

exógenos (MULLER et al., 1985) (Figura 2).

Oitenta a 85% dos casos com HAC espontâneo são devidos à

hiperplasia adrenocortical bilateral resultante de tumor ou hiperplasia hipofisária

com secreção de ACTH. O restante, 15 a 20% dos casos, estão associados a

neoplasias adrenocorticais e, aproximadamente metade deles, são malignos

(TILLEY et al., 2000). Contudo, a causa mais comum de HAC é o uso imprudente

de glicocorticóides com objetivos terapêuticos. O uso de esteróides por longo

prazo por via oral, injetável ou tópica (olhos, orelhas, pele) pode produzir

supressão adrenocortical, níveis elevados de enzimas hepáticas e HAC

iatrogênicos (SCOTT et al., 1996).

FIGURA 2 – Eixo pituitário adrenal em um cão normal (A), cão com HDP (B),

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cão com tumor adrenocortical funcional (C). a, adrenal; P, pituitária;

CRH, fator liberador de corticotrofina (extraído de FELDMAN et al.,

1997).

4.1. Hiperplasia adrenocortical bilateral idiopática

Estudos recentes sugerem que esta forma de HAC tem origem no

SNC. A serotonina parece ser um transmissor excitatório, com relação à liberação

de ACTH. Com o aumento do fluxo serotonérgico não há inibição do hipocampo

na liberação de CRH, resultando numa estimulação aumentada do CRH para a

liberação de ACTH pituitário. Agentes anti-serotonérgicos, como a cipro-

heptadina, foram empregados com sucesso no tratamento de pacientes humanos

portadores de HAC decorrente de hiperplasia adrenocortical bilateral, que pode

tomar a forma difusa e/ou nodular. Em geral, a zona glomerulosa encontra-se

normal quanto à espessura e aspecto histológico; o crescimento do órgão se deve

à hiperplasia das zonas fasciculadas e reticuladas. Em alguns casos não se

observa aumento macroscópico das adrenais. O córtex da adrenal poderá estar

normal histológica e macroscopicamente, mas funcionalmente anormal (MULLER

et al., 1985).

4.2 Tumor hipofisário

Esta forma de HAC origina uma hiperplasia adrenal bilateral

secundária ao tumor funcional de hipófise produtor de ACTH. Os adenomas da

parte distal são muitas vezes grandes,compressivos e funcionais, especialmente

nas raças braquicefálicas. Os adenomas originados na parte intermédia são

geralmente pequenos, não-compressivos, não-funcionais e encontrados em raças

Page 24: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

não-braquicefálicas, mas podem eventualmente ser funcionais. O HAC

espontâneo tem sido observado também em associação com adenocarcinomas

hipofisários. Parece não haver correlação direta entre as dimensões da neoplasia

pituitária, o grau de hiperplasia adrenal bilateral e a severidade do HAC. Embora a

velocidade de crescimento das neoplasias pituitárias seja variável, é usualmente

lenta (MULLER et al., 1985).

Quarenta a 45% dos cães com HDP apresentam tumor de pituitária

menor do que 3mm de diâmetro, sendo denominados microadenomas. Isso

significa que a massa pode não ser visível em tomografia computadorizada ou

ressonância magnética (FELDMAN et al., 1997).

Uma significante porcentagem dos cães com HAC hipófise dependente

(15-20%) desenvolvem grandes tumores de pituitária (maior que 1 cm), que são

denominados macroadenomas (FELDMAN et al.,1997). Os macroadenomas se

estendem dentro da área do hipotálamo e podem estar associados com

depressão, anorexia, letargia ou mudanças de comportamento (HOENING et al.,

1991).

4.3. Hiperplasia de hipófise

A hiperplasia difusa de células corticotróficas tem sido resposta em

uma pequena porcentagem de cães com HDP. Muitos cães com hiperplasia de

hipófise também apresentam tumor de hipófise (FELDMAN et al., 1997).

4.4. Neoplasias adrenocorticais

Page 25: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

As neoplasia adrenocorticais funcionais, produtoras de cortisol,

podem ser adenocarcinomas (60% dos casos) ou adenomas (40% dos casos),

usualmente ocorrendo na glândula adrenal direita (77%) (MULLER et al., 1985).

Os adenomas são encapsulados e facilmente visíveis; são usualmente ¾ do

tamanho de um rim normal ou menores. Aproximadamente 50% dos adenomas

são parcialmente calcificados. Os carcinomas tendem a ser maiores do que a

metade de um rim normal. Podem não ser encapsulados, comumente há

vascularização, necrose, hemorragia e degeneração cística. Em 50% dos

carcinomas encontra-se calcificação parcial. Estes podem ser benignos ou exibir

considerável pleomorfismo (FELDMAN et al., 1997). Podem invadir estruturas,

freqüentemente estendendo-se até as veias adrenal e cava caudal, podendo

promover metástases hepáticas, pulmonares, renais e nos nodos linfáticos

(MULLER et al., 1985).

Essas neoplasias adrenocorticais funcionam autonomamente,

produzindo quantidades excessivas de cortisol, resultando em supressão do CRH

no hipotálamo e no ACTH na hipófise por feedback negativo, com atrofia da

glândula adrenal remanescente (MULLER et al., 1985). Exceto no caso raro de

tumor de adrenal bilateral, essa atrofia produz assimetria no tamanho das

glândula adrenais (NELSON & COUTO., 1994).

A secreção autóctone de cortisol torna estes tumores não

responsivos à estimulação com ACTH ou altas doses de glicocorticóides, como a

supressão com dexametasona. Contudo, alguns deles mantém-se responsivos ao

ACTH e podem mostrar supressão com altas doses de dexametasona (HOENING

et al., 1991).

Page 26: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

4.5. Síndrome do ACTH ectópico

É uma expressão empregada na descrição de estados em que o

HAC está associado com neoplasias não hipofisárias e não adrenocorticais. No

cão parece ser rara, tendo sido descrita em conjunto com linfossarcoma em um

cão e, posteriormente, linfossarcoma e carcinoma bronquial em outros dois

animais (MULLER et al.,1985).

4.6. Iatrogênico

O excesso da administração de glicocorticóides exógenos é tão

prejudicial como o excesso da liberação de glicocorticóides endógenos. Os

glicocorticóides exógenos mimetizam a ação do cortisol e atuam no feedback

negativo, regulando a glândula pituitária e hipotálamo, causando decréscimo na

liberação de ACTH. Isso resulta em decréscimo na estimulação do córtex adrenal

com supressão da liberação do cortisol andógeno e atrofia das glândulas

adrenocorticais (HOENING et al., 1991).

Nos pacientes com HAC iatrogênicos, testes diagnósticos para

avaliar o eixo hipófise-adrenocortical são compatíveis com hipoadrenocorticismo,

apesar da sintomatologia clínica hipoadrenocorticismo ( NELSON & COUTO.,

1994).

Page 27: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

5. PREDISPOSIÇÃO

O HAC é uma doença que acomete cães adultos-jovens ou idosos,

sendo a maioria acima de 6 anos de idade. Segundo FELDMAN et al. (1997),

mais de 75% dos cães possuem mais de 9 anos de idade, e a idade média é de

Page 28: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

10 anos. Contudo, já foi diagnosticado em cães jovens,de até um ano de idade

(NELSON & COUTO, 1994).

Cinqüenta e cinco a 60% dos cães com HAC hipófise-dependente

são fêmeas e 60-65% dos cães com tumores adrenocorticais também são fêmeas

(FELDMAN et al., 1997).

Os representantes mais comuns do HDP são: Poodle, Dachshunds,

Terriers, Beagles e German Shepherds. O Boston Terrier e Boxer também são

raças de alto risco. Aproximadamente 75% dos cães com HAC pesam menos de

20kg. Isso enfatiza o conceito de que o HAC ocorre mais freqüentemente em

raças de pequeno porte. Os tumores adrenocorticais aparecem mais

freqüentemente em Poodles, Dachshunds, Labrador Retriviers, várias raças de

Terriers (FELDMAN et al., 1997). e Pastor Alemão (NELSON & COUTO, 1994).

Aproximadamente 45 a 50% dos cães com tumores adrenocorticais funcionais,

sejam eles adenomas ou carcinomas, pesam mais de 20kg (FELDMAN et al.,

1997). Embora a predisposição racial tenha sido observada, todos as raças,

mesmo os cães mestiços, podem ser acometidos (SCOTT et al., 1996).

O HAC iatrogênico não tem predisposição de idade, sexo ou raça.

Ocorre mais comumente em cães com prurido crônico, porque são mais prováveis

de receber corticosteróides sistêmicos por logo prazo (SCOTT et al., 1996).

Page 29: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

6. HISTÓRIA

Antes de começar a discussão de todos os problemas encontrados

em um cão com hiperadrenocorticismo, é válido avaliar os problemas que este

cão tem. Cães com esta síndrome raramente tornam-se pacientes críticos ou

seriamente doentes. Raramente Observa-se vômito, diarréia, dor, convulsão,

Page 30: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

hemorragia, por exemplo. A maioria apresenta sinais que progridem lentamente.

Geralmente, este não é um problema de natureza aguda ou problemas que

assustam o proprietário (FELDMAN et al., 1997).

Porém, a exposição crônica ao excesso de cortisol freqüentemente

resulta no desenvolvimento de combinação clássica de lesões e sintomas clínicos

como: polidipsia, poliúria, polifagia, dilatação abdominal, alopecia, piodermatite,

dificuldade respiratória, astenia muscular e letargia. Dentro desta longa lista de

sinais possíveis, muitos dos cães exibem vários problemas. Frequentemente os

donos relatam retrospectivamente a presença de algumas alterações típicas do

hiperadrenocorticismo em seus animais por cerca de 1 a 6 anos antes de ter sido

firmado o diagnóstico. O aconselhamento veterinário geralmente é procurado

apenas quando os sinais se tornam intoleráveis para os clientes, ou apenas

quando os clientes são alertados por outras pessoas que observam o animal

infreqüentemente (sendo portanto capazes de atentar para alterações que

ocorreram de modo tão lento que os próprios donos não se apercebam). A

duração dos sinais clínicos e o tipo de sinais notados não tem sido meios

auxiliares confiáveis para a diferenciação entre o tipo dependente da pituitária e

ou dependente da adrenal (FELDMAN et al., 1997).

Page 31: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

7. SINAIS CLÍNICOS

7.1. Poliúria e polidipsia

Polidipsia e poliúria são sinais extremamente freqüentes,

aproximadamente 80 a 85% dos cães com HAC e representam estes sinais como

Page 32: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

queixa mais comum quando o animal é levado ao veterinário (FELDMAN et al.,

1997).

A ingestão normal de água pelo cão é de aproximadamente 40 a 60

mL/Kg de peso corporal por dia. Proprietários usualmente reportam que a

ingestão de água do paciente com HAC é 2 a 10 vezes maior que o normal. A

causa da poliúria é obscura. Alguns estudos atribuem a poliúria à interferência do

cortisol com a ação do hormônio antidiurético nos túbulos renais (uma forma de

diabetes insípidos nefrogênica); outros sugerem que o animal pode aumentar a

taxa de filtração glomerular, e dessa forma provocar diurese (FELDMAN et al.,

1997).

7.2. Polifagia

O aumento do apetite pode ser um incômodo para alguns

proprietários, pois o cão pode começar a roubar alimentos, comer lixo e ficar

pedindo alimentos continuadamente. Na maioria das circunstâncias, contudo, os

cães que mantêm um excelente apetite, apesar de outras anormalidades,

convencem o proprietário de que estão saudáveis e não necessitam de cuidado

veterinário. O aumento de apetite ocorre por consegüência direta dos

glicocorticóides. A polifagia, ou um excelente apetite, está presente em 80 a 90%

dos cães com HAC (FELDMAN et al., 1997).

7.3. Distensão abdominal

O perfil abdominal “barrigudo” ou penduloso em casos de

hiperadrenocorticismo é o sintoma clássico em seres humanos, estando presente

Page 33: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

em 90 a 95% dos cães afetados. Acredita-se que este sinal seja o resultado

cumulativo de vários fatores: o aumento do peso do conteúdo abdominal,

juntamente com o decréscimo do vigor muscular. Parte do peso maior do

conteúdo abdominal se deve à redistribuição do tecido adiposo de diversas áreas

de reserva para o abdômen. O mecanismo responsável por esta redistribuição da

gordura não está ainda esclarecida, mas o resultado é a quantidade significativa

de deposição de tecido adiposo no abdômem (FELDMAN et al., 1997).

Quando o peso da gordura abdominal é acrescentado às dimensões e

peso do fígado (secundariamente ao efeito do cortisol), à bexiga cronicamente

repleta e dilatada, e á depleção muscular resultante diretamente do excesso de

cortisol, resultará em abdômen penduloso. O acúmulo da urina se deve à poliúria

e, em parte da redução da capacidade em esgotar completamente a bexiga

durante a micção. O catabolismo protéico é o responsável pela depleção

muscular. Os músculos abdominais, enfraquecidos pelos efeitos dos

glicocorticóides, simplesmente não podem evitar a protuberância do ventre

(FELDMAN et al., 1997).

7.4. Sinais músculo-esqueléticos

As anormalidades músculo-esqueléticas são comuns no HAC

canino, devido a atrofia dos músculos esqueléticos e fraqueza, que está mais

pronunciada sobre a cabeça, ombros, coxas e pelve (MULLER et al., 1985).

O enfraquecimento muscular em cães é usualmente demonstrado

por uma inabilidade em subir escadas, pular sobre móveis, ou pular para dentro

do carro, a tolerância ao exercício normalmente está reduzida. A distensão

Page 34: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

abdominal e a fraqueza muscular são resultado do catabolismo protéico. A

fraqueza tem sido reportada em 75 a 85% dos cães com síndrome de Cushing

(FELDMAN et al., 1997).

Cães mais velhos podem desenvolver doença articular degenerativa e

artrite (FELDMAN et al., 1997). Também observa-se claudicação, associada com

osteoporose e esteomalácia, com ou sem a presença de fraturas patologias

(MULLER et al., 1985). O HAC crônico pode exacerbar problemas comuns, como

a ruptura do ligamento cruzado anterior e luxação de patela (SCOTT et al., 1996).

7.5. Sinais cutâneos

As mudanças cutâneas ocorrem na maioria dos casos de HAC, mas

nem todas são identificadas pela inspeção casual da pele. A mudança mais

comum ocorre na pelagem. De início, a pelagem perde seu brilho e aspecto

saudável (SCOTT et al., 1996), e pêlo torna-se facilmente depilável (MULLER et

al., 1985). Com o tempo os pêlos perdem-se, resultando em hipotricose e

alopecia. Na maioria dos casos, a perda de pêlo é simétrica, bilateral e envolve o

tronco, poupando a cabeça e extremidades distais, mas perda marcada de pêlos

ou envolvimento apenas da região do flanco ou face podem ser vistos também

(SCOTT et al., 1996). A alopecia simétrica bilateral é menos pronunciada em cães

de pelagem curta, nesses animais, a alopecia é freqüentemente maculosa,

espessa e falhada (MULLER et al., 1985).

Page 35: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Figura 3 – Cão com HAC apresentando alopecia generalizada, abdômen dilatado

(extraído de WILLEMSE, 1998).

A mudança na cor da pelagem pode ser observada como sinal

cutâneo inicial em alguns cães. Os pêlos pretos tornam-se castanho-claros ou cor

de ferrugem e os pêlos marrons clareiam para marrom claro ou loiro. Esta

mudança na pigmentação pode envolver todo o comprimento da haste do pêlo ou

apenas as porções distais. No último caso, a mudança da cor do pêlo parece

devida ao descoramento pelo sol porque os pêlos não crescem na velocidade

normal. A mudança na cor uniforme parece ser mediada por hormônios sexuais. A

mudança na cor da pelagem com outros poucos sinais de HAC é indicativa de um

desequilíbrio do hormônio sexual gonadal ou de neoplasia adrenal, especialmente

adenocarcinomas (SCOTT et al., 1996).

A hiperpigmentação cutânea pode ser difusa ou focal é um sinal freqüente.

Histologicamente há aumento no número de melanócitos encontrados no estrato

córneo, epiderme basal e derme. A hiperpigmentação pode ser encontrada em

causas adrenais ou pituitárias da síndrome de Cushing (FELDMAN et al., 1997).

Page 36: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Figura 4 - Animal com HAC, foto ampliada mostrando alopecia, leve

hiperpigmentação e atrofia da pele (extraído de WILLEMSE, 1998).

A calcinose cutânea pode ser vista em até 40% dos pacientes, mas a

incidência nos casos precoces é muito baixa (1,7 e 8%). Ocorre mais comumente

sobre a parte dorsal do pescoço, na nádega ou na região axilar e inguinal. As

lesões precoces são firmes, de pápulas a placas dérmicas esbranquiçadas. Com

o tempo, apelo subjacente fica avermelhada, ulceram-se e formam-se crostas. As

lesões antigas podem parecer piodermites ou dermatite piotraumática e

frequentemente são pruriginosas. Outras causas de prurido no HAC são a

piodermite bacteriana, dermatite por Malassezia, seborréia e demodiciose

(SCOTT et al., 1996).

Page 37: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Figura 5 – Animal Bull Terrier com HAC, com calcinose cutânea extensa, e

observase também abdômen penduloso (extraído de WILLEMSE, 1998).

Flebectasias cutâneas são vistas em até 40% dos cães com HAC,

especialmente no ventre e região medial das coxas. Essas lesões vasculares são

maculares, papulares e eritematosas, com até 6 mm de diâmetro. São

assintomáticas e geralmente não clareiam a diascopia. Essas lesões não

regridem após tratamento eficiente. Escaras de pressão (úlceras por decúbito)

são comuns em cães grandes com HAC (SCOTT et al., 1996).

Outros sinais cutâneos incluem pele fina e hipotônica (semelhante a

desidratação, tende a formar vincos), contusões (petéquias e equimoses),

seborréia (seca ou oliosa), comêdos (folículos pilosos preenchido com queratina

e debris usualmente pretos), cicatrização deficiente de feridas, piodermite

bacteriana e estrias. As estrias podem ocorrer espontaneamente ou ser o

resultado de remodelação de uma cicatriz anterior. A demodiciose pode ser

secundária, confundindo o problema em mais de 5% dos casos (SCOTT et al.,

1996).

Page 38: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

As infecções de pele vista no HAC ocorrem principalmente em áreas

hipotricóticas a alopécicas. Tipicamente, a infecção é folicular, mas pústulas

grandes, superficiais não-foliculares (impetigo bolhoso) com mínima inflamação

podem ser vistas. As infecções neste cães respodem mal ao tratamento ou

recidivam imediatamente após a suspensão do mesmo. Nos casos em que a

resposta aos antibióticos seja má, múltiplos raspados profundos de pele devem

ser feitos para checar demodicose (SCOTT et al., 1996).

7.6. Obesidade

Cães com HAC usualmente não ganham grandes quantidades de

peso; estes cães apresentam, de fato, uma redistribuição da gordura com conse-

qüente abdome penduloso, o qual exacerba a aparência de ganho de peso.

Obesidade do tronco é sinal clássico da síndrome de Cushing. A obesidade

verdadeira presente em menos da metade dos cães afetados (FELDMAN et al.,

1997).

7.7. Sinais Respiratórios

As complicações respiratórias do HAC incluem respiração ofegante,

broncopneumonia, mineralização e fibrose distrófica e tromboembolismo

pulmonar (SCOTT et al., 1996).

Cães com HAC freqüentemente apresentem uma respiração curta

com rápido período de descanso. Estes animais têm aumento do depósito de

gordura sobre o tórax, perda da musculatura e fraqueza dos músculos envolvidos

na respiração. O aumento da pressão local sobre o diafragma, resultado do

Page 39: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

acúmulo de gordura abdominal e hepatomegalia, promove um acentuado distúrbio

no mecanismo da respiração (FELDMAN et al., 1997).

O tromboembolismo é um sinal presente em cães com síndrome de

Cushing. Cães com tromboembolismo pulmonar podem apresentar sinais

crônicos ou desenvolver uma aguda angústia respiratória (FELDMAN et al.,

1997).

A mineralização distrófica de tecidos moles é uma característica

importante encontrada em cães com HAC. O exato mecanismo da mineralização

pulmonar não é conhecido, mas a alta concentração plasmática de cortisol pode

alterar o colágeno e causar um efeito catabólico sobre essa proteínas, o que

resulta na ligação do cálcio à matriz orgânica da proteína alterada (BERRY,

2000).

7.8. Sinais reprodutivos

A atrofia testicular pode ser observada freqüentemente em çães

machos inteiros (MULLER et al., 1985).

Segundo MULLER (1985), cadelas com HAC usualmente cessam a

atividade cíclica e apresentam anestro persistente. Por outro lado, não é incomum

a hipertrofia do clitóris; presumivelmente, este fato decorre da hipersecreção de

andrógenos adrenais. O aumento de volume do clitóris não é visto no HAC

iatrogênico (SCOTT et al., 1996).

7.9. Miotonia / Pseudomiotonia

Raramente cães com HAC desenvolvem uma miopatia distinta,

caracterizada por rigidez muscular e hipertrofia dos músculos apendiculares

proximais (MULLER et al., 1985). Estes cães apresentam um andar rígido

Page 40: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

(especialmente nos membros pélvicos), que coincide com outros sinais do HAC.

Os sinais clínicos podem melhorar após terapia para HAC. A causa desse

fenômeno raro no HAC é desconhecida (FELDMAN et al., 1997).

7.10. Sinais Neurológicos

Pode haver sintomatologia neurológica em cães com HAC

conseqüente ao crescimento e expansão do tumor hipofisário no hipotálamo e

tálamo. Pode também se desenvolver sintomatologia neurológica dias ou meses

após o diagnostico de HAC e o início da terapia clínica apropriada. O sinal clínico

mais comum é estupor. Sintomatologia adicional de macroadenoma hipofisário

inclui compressão da cabeça, marcha lenta, andar em círculos, alterações de

comportamento, convulsões, ataxia e adipsia (NELSON & COUTO, 1998).

7.11. Sinais oculares

A síndrome repentina da degeneração retinal adquirida é uma

desordem de causa desconhecida que produz uma cegueira súbita e permanente

em cães adultos. A síndrome é caracterizada por uma degeneração não

inflamatória e perda dos fotoreceptores da retina. Tem sido proposta uma

associação entre esta síndrome e o HAC (FELDMAN et al., 1997).

Page 41: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

8. EXAME FÍSICO

O exame físico de cão típico com moléstia de Cushing revela

indivíduo que está estável e hidratado, tem boa coloração nas membranas

mucosas, e não se encontra sob tensão. Tipicamente os veterinários observam

muitos dos sinais observados pelos donos durante o exame físico de cães

hiperadrenocorticais. Entre estas anormalidades, são observados: dilatação

abdominal, intensificação do arquejamento/palpitação, obesidade do tronco,

alopecia simétrica bilateral, infecções cutâneas, e comedões (folículos pilosos

obstruídos com queratina e restos teciduais, comumente de coloração negra e

que podem ser facilmente comprimidos). São comuns a hiperpigmentação,

calcificação ectópica, atrofia testicular, hipertrofia do clitóris, hepatomegalia, e fácil

formação de contusões. Ocorre notável variação no número e gravidade destes

sinais. Estes cães podem ter um sinal dominante único, ou até 10 sinais

(FELDMAN et al., 1997).

Page 42: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

9. DIAGNÓSTICO

Um cão ou gato sob suspeita de sofrer hiperadrenocorticismo deve ser

minuciosamente avaliado antes que sejam efetivados procedimentos endócrinos

específicos. Os exames iniciais devem incluir: estudos clinicopatológicos

(hemograma completo; urinálise com cultura, e perfil bioquímico, que inclua a

determinação das enzimas hepáticas, testes da função hepática, cálcio, fósforo,

sódio, potássio, colesterol, glicemia, proteína plasmática total, albumina

plasmática, e bilirrubina total). Além dos testes com base no sangue e na urina,

deve ser realizada a ultra-sonografia e a radiografia abdominal nestes cães e

gatos. O achado de grande percentagem de anormalidades nos testes de triagem

iniciais consistentes com o hiperadrenocorticismo permite que o veterinário

estabeleça um diagnóstico presuntivo. Então, podem ser apresentados ao cliente

os estudos mais caros e sofisticados, que se façam necessários para a

confirmação e localização da causa da síndrome (FELDMAN et al., 1997).

9.1. Hemograma

A produção excessiva de cortisol resulta numa neutrofilia e monocitose

causadas pela desmarginação destas células a nivel dos capilares sanguíneos e

pela subseqüente prevenção da saída normal das células desde o sistema

vascular. A linfopenia é provavelmente decorrente de linfólise por esteróides, e a

Page 43: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

eosinopenia resulta do seqüestro, a nível da medula óssea, dos eosinófilos. Estas

alterações são observadas como resposta de tensão na leucometria diferencial.

Cerca de 80% dos cães hiperadrenais apresentam-se com contagem reduzidas

de linfócitos e eosinófilos, e 20 a 25% apresentam-se com leucometrias globais

aumentadas (FELDMAN et al., 1997).

9.2. Glicose sanguínea e insulina sérica

Cães e gatos com HAC ocasionalmente apresentam um moderado

aumento na concentração plasmática da glicose em jejum e um possível diabetes

melitus. Os glicocorticóides aumentam a gliconeogênese e diminuem a utilização

periférica da glicose por antagonizar os efeitos da insulina. A glicosúria pode ser

manifestada se o limiar renal de absorção de glicose (180 a 220 mg/dL) for

ultrapassado. A concentração de insulina sérica em cães normais é 12 µU/mL,

enquanto que em cães com HAC espontâneo é 38 µU/mL. A concentração de

glicose média em cães normais é de 85 mg/dL e 111 mg/dL em cães com HAC

(FELDMAN et al., 1997).

Apesar desses fatores serem reconhecidos, a mensuração da

concentração de insulina em jejum para ajudar no diagnóstico de HAC não tem

valor diagnóstico. Menos da metade dos cães com HAC possuem um aumento

anormal da concentração sérica de insulina (FELDMAN et al., 1997).

9.3. Nitrogênio sanguíneo derivado da uréia (Bun)

Page 44: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

A diurese estimulada por glicocorticóide causa uma perda contínua

de BUM na urina. Um diagnóstico diferencial da polidipsia e poliúria em qualquer

cão mais velho é com a insuficiência renal (IR) (FELDMAN et al., 1997)

O HAC deve ser a principal suspeita quando o animal está se

alimentando, mantendo o peso corporal e hidratação. O bem-estar pode estar

sendo conseguido devido ao excesso de cortisol (FELDMAN et al., 1997).

9.4. Alanina aminotrasferase (ALT)

A atividade da ALT está comumente aumentada nos cães com HAC.

Freqüentemente ocorre um aumento que parece ocorrer secundário aos danos

hepáticos causados pelo edema dos hepatócitos, acúmulo de glicogênio, ou

interferência com o fluxo sanguíneo hepático. Necrose hepatocelular, um

significante fator da hepatopatia causada por esteróides, é observada com

suficiente freqüência a ponto de ser responsável pelas pequenas elevações da

ALT sérica (FELDMAN et al., 1997).

9.5. Fosfatase alcalina (FA)

A principal origem da FA é no fígado, com a FA óssea contribuindo

pouco para a quantidade em circulação, dependendo da fase de desenvolvimento

do animal. A FA alcalina hepática e óssea têm uma vida-média de

aproximadamente 3 dias. As FAs intestinal, placentária e renal não são

detectadas no soro devido á vida-média ser muito curta, entre 3 a 6 minutos

(FELDMAN et al., 1997).

Page 45: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

A FA-corticóide-induzida é a única enzima que aparece tanto nos

cães que recebem administração exógena de glicocorticoides quanto nos cães

que apresentam excessiva liberação endógena de glicocorticoide (SOLTER et al.,

1993). Nestes a taxa de produção de FA aumenta como resultado do depósito de

glicogênio hepático e vacuolização do trato biliar em cães hiperadrenais. Outras

causas do aumento da concentração dessa enzima incluem crescimento ósseo

em cães jovens, hepatopatias primárias que causam colestase (inflamação,

cirrose, lipidose), pancreatite, diabetes melitus, atividade osteolítica anormal do

osso (hiperparatireoidismo, neoplasia óssea: sarcoma, carcinomas), e isoenzimas

induzidas por anticonvulsivantes e esteróides (FELDMAN et al., 1997).

A FA está aumentada em 95% dos cães com HAC e, ao contrário da

situação dos cães, os níveis de FA não estão elevados no HAC felino (MULLER

et al., 1985). Não há correlação entre a concentração de FA e a severidade do

HAC, resposta a terapia ou prognóstico (FELDMAN et al., 1997). Um aumento na

concentração sérica da FA é um dos indicadores mais seguros de HAC, mas não

é uma prova diagnótica da doença (NELSON & COUTO, 1994).

9.6. Colesterol e Lipemia

O estímulo da lipólise por glicocorticóides provoca elevação nas

concentrações sanguíneas de lipídeos e colesterol. Noventa por cento dos cães

com HAC apresentam-se com as concentrações plasmáticas elevadas para o

colesterol . A lipemia é, pelo menos, tão freqüente, podendo interferir com a

avaliação acurada de diversos resultados dos testes clinicopatológicos

(FELDMAN et al., 1997).

Page 46: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

9.7. Eletrólitos séricos

A hipofosfatemia tem sido reportada em aproximadamente um terço

dos cães com HAC. Isso pode ser resultado do aumento da excreção urinária de

fosfato induzida por glicocorticóides (FELDMAN et al., 1997).

Embora de pouco significado diagnóstico ou clínico, leves

anormalidades séricas de sódio (elevação) e potássio (depressão) são

observadas em cerca de metade dos cães com HAC. A avaliação das

concentrações dos eletrólitos séricos tornam-se muito importante se o cão com

HAC desenvolver anorexia, vômito, ou diarréia, pois exageros nas anormalidades

eletrolíticas podem se tornar ameaçadoras para a vida do animal (FELDMAN et

al., 1997).

9.8. Amilase e lipase

A pancreatite é incomum em cães com HAC. Se a pancreatite

ocorrer, é geralmente secundário á lipemia ou pelo fato de que estes cães

apresentam polifagia e podem se alimentar de lixo ou de grandes quantidades de

gordura. Nestas circunstâncias, as concentrações de amilase e lípase podem

estar aumentadas. Geralmente estas mensurações não são efetuadas, a não ser

que haja sinais de pancreatite, como emese ou dor abdominal (FELDMAN et al.,

1997).

9.9. Urinálise

A urinálise talvez seja um dos mais importantes parâmetros na

avaliação de um cão suspeito de HAC (FELDMAN et al., 1997). A densidade

Page 47: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

urínaria específica revela-se tipicamente hipostenúrica (<1,007) quando o cão

com HAC tem livre acesso á água. Esta ocorre em aproximadamente 85% dos

casos. Cães hiperadrenais privados de água conservam a capacidade de

concentrar a urina, embora em geral a capacidade de concentração permaneça

inferior ao normal. Assim a densidade específica da urina pode não ser

hipostenúrica se a urina for obtida após a remoção da água do cão (por

exemplo, longo passeio de carro ou hospitalização) (NELSON & COUTO, 1994).

Outros achados em urinálise incluem glicosúria, que ocorre em 5 a

10% dos casos se houver Diabete Melito concomitante (NELSON & COUTO,

1994).

A infecção do trato urinário ocorre em aproximadamente 40 a 50%

dos cães hiperadrenais. A hipostenúrica pode prejudicar a identificação de

bactérias ou células inflamatórias na urina (NELSON & COUTO, 1994). Dessa

forma, deve ser realizada urocultura através de cistocentese. Há várias

explicações para justificar esta infecção: o excesso de glicocorticóides resulta em

imunossupressão com aumento do risco de infecção; a poliúria origina em notável

volume de urina, que, juntamente com a flacidez da musculatura, típica do HAC,

causa uma distensão crônica da bexiga resultando em retenção urinária, outra

causa seria a urina diluída aumentando a susceptibilidade á infecções do trato

urinário inferior. O controle da infecção do trato urinário é importante, mas

Page 48: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

algumas vezes estas anormalidades são de difícil tratamento devido a uma

concomitante pielonefrite (FELDMAN et al., 1997).

9.10. Hormônios tireoideanos (T3 e T4)

Alguns dos sinais clínicos de hipotireoidismo sobrepôem-se

com os sinais de HAC (apatia, alopecia não-pruriginosa, ganho de peso e

hipercolesterolemia) (FELDMAN et al., 1997).

Os níveis basais dos hormônios tireoideanos (T3 e T4) estão

geralmente baixos nos casos de HAC canino (aproximadamente em 70% dos

casos). Esses níveis esporadicamentes baixos são o resultado da ação dos

glicocortocóides e, geralmente, não indicam hipotireoidismo concomitante

(MULLER et al., 1985). O HAC crônico (iatrogênico ou de ocorrência natural)

suprime a secreção de TSH pela pituitária, levando a um hipotireoidismo

secundária. Altera-se, também, a ligação do hormôrnio tireóideo com as proteínas

plasmáticas, aumentando o metabolismo do hormônio da tireóide (FELDMAN et

al., 1997).

Os testes de resposta ao TSH são usualmente normais. Quando o

HAC é corrigido, os níveis dos hormônios tireoideanos retornam ao normal.

Ocasionalmente, um cão apresentará verdadeiro hipotireoidismo concomitante,

exigindo então tratamento de manutenção tireoideana (MULLER et al., 1985)

9.11. Hormônio de crescimento (GH) e hormônio sexuais

Os cães com HAC apresentam níveis diminuídos de GH sanguíneo.

Os glicocorticóides também podem suprimir os níveis de gonadotrofinas séricas

Page 49: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

(LH e FSH), níveis de prolactina e os níveis de testosterona, estrógenos e

progesterona (FELDMAN et al., 1997).

9.12. Fatores de coagulação

Os cães com HAC podem apresentar elevações significativas dos

fatores de coagulação I (fibrinogênio), V, VII, IX e X, bem como níveis elevados de

antitrombina III e plasminogênio. Essas anormalidades podem predispor o

paciente a hipercoagulabilidade e tromboembolismo (SCOTT et al., 1996).

9.13. Radiografia

No HAC observa-se contraste abdominal intensificado secundário à

distribuição aumentada de gordura no abdome. Aproximadamente 80 a 90% dos

cães apresentam hepatomegalia causada por hepatopatias secundarias ao

estado poliúrico (NELSON & COUTO, 1994).

Talvez o achado mais importante, porém menos comum, nas

radiografias abdominais, é uma massa adrenal. A identificação positiva de uma

destas massas ocorre raramente porque apenas 10 a 20% dos cães com HAC de

ocorrência natura apresentam-se com tumor adrenocortical, e apenas 50% destes

tumores podem ser visualizados radiograficamente devido à calcificação. Os

adenomas e carcinomas são calcificados em números relativamente iguais

(FELDMAN et al., 1997). Quanto maior a massa de tecido mole, maior a

probabilidade da massa ser um carcinoma (NELSON & COUTO, 1994).

Uma redução distinta na densidade radiográfica dos corpos

vertebrais lombares relativamente às placas terminais vertebrais pode ser

Page 50: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

detectada em cerca de 15% dos cães com síndrome de HAC. Os glicocorticóides

têm efeito catabólicos sobre a matriz óssea, aumentando a excreção urinária de

cálcio, e inibem a absorção gastrintestinal de cálcio, pela interferência com a ação

de vitamina D. Assim, a depleção da matriz, acompanhada pela perda de mineral,

pode ser a causa da osteoporose (FELDMAN et al., 1997)

Os sinais radiográficos da calcinose cutânea são observados em 10

a 20% dos cães com síndrome de HAC; um numero menor apresenta calcificação

distrófica que envolve a pelve renal, fígado, mucosa gástrica, ou ramos da aorta

abdominal. A calcificação ectópica é frequentemente observada envolvendo os

anéis traqueais e brônquios principais. Entretanto, a calcificação destas estruturas

pode ser observada em cães em processo normal de envelhecimento (FELDMAN

et al., 1997).

Deve ser investigada a presença de metástases pulmonar de

carcinoma adrenocortical, que ocorre em uma pequena porcentagem dos cães.

Outro achado importante é o tromboembolismo pulmonar, que causa

anormalidades na radiografia torácica (FELDMAN et al., 1997).

9.14. Ultra-sonografia

Talvez mais do que qualquer outro procedimento, o valor da ultra-

sonografia correlaciona-se diretamente com habilidade do operador. Devem ser

realizadas varreduras nas direções transversal, longitudinal e oblíqua da parte

ventral do abdômen, para que as adrenais sejam completamente avaliadas. Em

sua maioria (75 a 85%), as adrenais normais do cão e 50 a 60% das adrenais

normais do gato podem ser visualizadas. A adrenal esquerda pode ser visualizada

Page 51: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

mais facilmente que a adrenal direita, devido ao intestino subjacente, e a diversos

outros fatores (FELDMAN et al., 1997).

Na HAC, a ultra-sonografia se presta a três funções principais.

Primeiramente, esta técnica é parte da base de dados de rotina utilizada na

avaliação do abdômen, em busca de anormalidades inesperadas (exemplo.,

cálculos urinários, massa, cistos). Em segundo lugar, casos seja identificado

tumor adrenal, o ultra-som é excelente teste de triagem para as metástases

hepáticas ou em outro órgãos, invasão tumoral da veia cava ou outras estruturas,

e compressão dos tecidos adjacentes por um tumor. Em terceiro lugar, o estudo é

utilizado na avaliação das dimensões e forma das adrenais; se são visualizadas

adrenais de dimensões bilateralmente normais ou aumentadas num cão ou gato

que já foi diagnosticado, devido a outras indicações, como sendo portador de

síndrome de Cushing, este achado será considerado como forte evidência em

favor de hiperplasia da adrenal causada por afecção dependente da pituitária

(FELDMAN et al., 1997).

9.15. Tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM)

Pode-se utilizar TC e imagem de RM para avaliar tamanho e simetria

das glândulas adrenais e determinar o macroadenoma hipofisário. A

intensificação com emprego de um meio contraste iodado ou galalínio

administrado por aplicação intravenosa contínua durante a técnica de formação

de imagem ajuda na identificação de macroadenoma hipofisário e das glândulas

adrenais durante o exame de TC e RM, respectivamente (NELSON & COUTO,

1994).

Page 52: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

9.16. Pressão sanguínea

Os cães hiperadrenais podem, também, apresentar elevadas

pressões sanguíneas sistólicas (120-280 mmHg; normal < 170 mmHg) e

diastólicas (110-280 mmHg; normal < 100 mmHg) (MULLER et al., 1985), o que

pode predispor ao tromboembolismo, glomeruloesclerose, hipertrofia ventricular

esquerda, insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e descolamento de retina

(SCOTT et al., 1996).

9.17. Eletromiografia

Nos cães com miopatia cushingóides, os estudos eletromiográficos

revelam bizarras descargas de alta freqüência, associada a achados

histopatológicos no músculo esquelético (atrofia, degeneração e necrose) e

nervos periféricos (desmielinização segmentar) (MULLER et al., 1985).

9.18. Histopatologia

A biópsia cutânea nos casos de HAC canino pode revelar muitas

alterações diagnósticas consistentes com endocrinopatia (hiperqueratose

ortoqueratótica, atrofia folicular, predominância de folículos pilosos telogênicos e

atrofia das glândulas sebáceas). Achados histopatológicos altamente sugestivos

de HAC incluem a mineralização distrófica (fibrilas colágenas, zona da

membrana basal da epiderme e folículos pilosos), derme adelgaçada e ausência

de músculos eretores de pêlo. Achados histopatológicos consistentes com

piodermite secundária e granuloma de corpo estranho (associados com

mineralização distrófica ) poderão também ser observadas (MULLER et al., 1985).

Page 53: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

9.19. Testes endócrinos

A viga-mestra destes procedimentos diagnósticos é a determinação

das concentrações de cortisol plasmático, sérico, ou urinário, com base nos

radioimunotestes (RIAs) existentes no comércio. Estes testes são confiáveis,

baratos, facilmente realizados, e em geral utilizados (FELDMAN et al., 1997).

Os testes de função adrenal são basicamente de dois tipos: os que são

simples determinações de níveis basais de glicocorticóides na urina ou sangue, e

aqueles testes de resposta dinâmica, indutivos dos níveis de glicocorticóides na

urina ou sangue (MILLER et al., 1985).

Para a determinação do cortisol sanguíneo deve-se colher o sangue

em tubo contendo heparina como anticoagulante. O sangue heparinizado deve

ser centrifugado e o plasma deve ser separado e congelado. Deve ser enviado ao

laboratório, para cada amostra de sangue, no mínimo 1 ml de plasma. A

concentração de cortisol, em plasma congelado, permanece estável por longos

períodos (meses e talvez anos). O cortisol é muito estável no plasma, e hemólise

ou armazenamento em temperaturas quentes por curtos períodos de tempo não

interferem com o resultado dos testes (FELDMAN et al., 1997).

9.19.1. Corticosteróide urinário

a) Coleta em 24 horas

Tradicionalmente, uma alíquota da urina de amostra coletada ao longo de

24 horas proporciona avaliação integrada da quantidade de hormônio produzida

com o passar do tempo. Este tem sido o “padrão áureo” utilizado no diagnostico

do HAC do ser humano há décadas, e continua a ser método mais confiável para

Page 54: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

a confirmação do diagnóstico. A despeito das vantagens reconhecidas como

inerentes a este meio diagnóstico, a natureza incômoda da coleta de urina para

este teste faz com que apenas raramente ele seja utilizado em cães e gatos.

Quando utilizado, o teste é confiável (FELDMAN et al., 1997).

b) Relação cortisol:creatinina urinária

A mensuração da relação cortisol: creatinina urinária de amostras

colhidas casualmente (coletada pelo proprietário no ambiente normal do animal) é

um teste relativamente sensível, contudo o teste não é específico, pois muitos

cães com doenças não adrenais também apresentam um resultado anormal,

como no caso de animais com diabetes melitus, diabetes insípidus. piometra,

hipercalcemia e insuficiência hepática (FELDMAN et al., 1997).

Cães saudáveis devem apresentar a relação cortisol: creatinina

urinária abaixo de 10 x 10-6, enquanto cães com HAC ou outras doenças que

causam poliúria e polidipsia devem apresentar a relação maior que 10 x 10-6 .

Para diferenciar o HAC de outras doenças que podem causar aumento desta

relação devem ser realizados outros testes de triagem (KOLEVSKA et al., 2000).

9.19.2. Concentração do cortisol basal plasmático

A determinação de cortisol basal plasmático não tem valor

diagnóstico, cerca de 50% dos cães com HAC espontâneo apresentam níveis

dentro da faixa de normalidade (MULLER et al., 1985). A média das

concentrações basais de cães com HAC estão significativamente acima da média

de cães normais, mas os resultados ainda se encontram dentro da faixa de

Page 55: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

normalidade. Este fato é explicado pelo fato da libertação dos hormônios ocorre

durante todo o dia, originando picos na concentração plasmática de cortisol.

Essas flutuações explicam a ampla variação nos valores normais de cortisol

plasmático basal (0,5 a 6,0 µg/dL) (FELDMAN et al., 1997).

9.19.3. Teste de estimulação com ACTH

a ) HAC espontâneo

Cães e gatos com HAC dependente da pituitária apresentam

hiperplasia da adrenal secundária à estimulação cronicamente excessiva pela

ACTH. Estas adrenais hiperplásicas têm a capacidade de sintetizar quantidades

excessivas de cortisol. Cães com tumores adrenocorticais funcionais (adenomas

e carcinomas) possuem capacidade similarmente anormais de síntese do cortisol.

Estes animais com HAC dependente da pituitária ou da adrenocortical têm o

potencial para resposta exagerada ao ACTH (FELDMAN et al., 1997).

O teste pode começar a qualquer hora do dia com amostra de

plasma (sangue heparinizado) obtida antes e uma ou duas horas após o injeção

de ACTH, na dependência de qual ACTH foi utilizado. Resultados confiáveis são

obtidos com estimulação com ACTH natural gelatinoso (Cortigel-40®) na dose de

2,2 Ul/kg (1 frasco-ampola) por via intramuscular (IM) e a coleta de sangue deve

ser feita antes e duas horas após a injeção de ACTH. Alternativamente pode-se

utilizar o ACTH sintético (Cortrosina® 0,25mg ou Cortrosina Deport® 0,5mg) na

dose de 0,25 mg/cão por via IV ou IM (Cortrosina®) ou IM (Cortrosina Depot®),

devendo ser feito a coleta de sangue antes e 1 (Cortrosina®) ou 2 (Cortrosina

Depot®) horas após a aplicação do ACTH sintético. Em gatos deve-se utilizar a

Page 56: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

dose de 0,125 mg (1/2 frasco-ampola) IM, contudo este pode causar emese em

alguns gatos. Em gatos, a coleta pode ser realizada entre 30 a 60 minutos após a

injeção (FELDMAN et al.,1997). Além desse protocolo, estudos comprovaram que

há uma estimulação adequada da adrenal após 1 hora da administração de 5

µg/Kg de Cortrosina®, tanto em cães normais como em cães com HAC. Esta dose

torna-se vantajosa, visto que o uso de quantidade menores da medicação permite

que o conteúdo do frasco possa ser dividido e congelado em seringas para uso

futuro (FRANK et al., 2000).

Valores normais da concentração basal de cortisol encontram-se na

faixa de 0,5 a 0,6 µg/dL, e os valores após estimulação variam de 6 a 17 µg/dL.

Valores de pós-estimulação entre 17 e 22 µg/dL são usualmente considerados no

limite superior, e valores de 22 µg/gL ou maiores são consistentes com HAC. A

resposta ao teste com ACTH não é 100% sensível nem 100% específico, pois

cães com doenças não-adrenais podem apresentar valores anormais. É

importante enfatizar que relações ou porcentagens, comparando o valor basal

com valores pós-estimulação, não são informativos, e somente valores absolutos

devem ser comparados (FELDMAN et al., 1997).

O teste de resposta ao ACTH usualmente confirma um diagnóstico

de HAC, mas não distingue confiavelmente a hiperplasia adrenocortical da

neoplasia adrenocortical (MULLER et al., 1985). Resultados semelhantes são

obtidos em cães com tumores funcionais de adrenal, onde 55 a 60% apresentam

resultados elevados na estimulação por ACTH. Uma porcentagem significativa (30

a 40%) dos cães hiperadrenais apresentam resultados normais no teste de

estimulação com ACTH. A produção e secreção do ACTH endógeno é suprimida

Page 57: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

pela excessiva liberação de cortisol por tumores adrenais funcionais, sendo

detectadas baixas ou indetectáveis concentrações de ACTH nesses cães. A

supressão do ACTH endógeno causa atrofia de tecido adrenocortical normal,

contudo, devido a sua função autônoma, células neoplásicas apresentam

receptores para o ACTH. Concentrações de cortisol basal e/ou pós-estimulação

com ACTH podem variar num mesmo animal quando o teste é realizado em

tempos diferentes (FELDMAN et al., 1997).

b) HAC iatrogênico

Uma das vantagens na utilização do teste de estimulação com

ACTH é a habilidade em identificar HAC iatrogênico. Um cão com sinais clínicos e

com testes laboratoriais de rotina sugestivos de HAC, com concentração de

cortisol basal baixa ou normal, e pouca ou nenhuma resposta ao ACTH exógeno

é compatível com HAC iatrogênico. Nenhum outro teste diferencia o HAC

espontâneo do iatrogênico (FELDMAN et al., 1997). A concentração de cortisol

plasmático após estimulação com ACTH < 5 µg/gL é compatável com HAC

iatrogênico (NELSON & COUTO, 1994).

Na figura 6, o gráfico da concentração de cortisol plasmático após teste

de estimulação com ACTH diferencia o HAC espontâneo e iatrogênico do animal

normal.

Page 58: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Figura 6 – Média da concentração plasmática de cortisol determinada 1 hora

após a administração de ACTH sintético em cães controle, cães com HAC

espontâneo e cães com HAC iatrogênico ( extraído de NELSON & COUTO,

1994).

c) Terapia com Mitotane (o,p’-DDD)

Geralmente, o,p’-DDD e cetoconazol são utilizados no tratamento

do HAC. Em qual quer dos casos, há apenas um meio para monitoração

satisfatória da terapia: a estimulação do ACTH. Este é o único teste que pode

avaliar a reserva adrenocortical, proporcionando ainda informação confiável

concernente à adequação do tratamento (FELDMAN et al., 1997).

d) Doenças crônicas não endócrina

Como já descrito anteriormente, não são todos os cães que

apresentam resultados do teste anormal que possuem HAC (NELSON & COUTO,

Page 59: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

1994). Resultados falso-positivo podem ser encontrados em cães com doenças

não-adrenais, como Diabetes Melitos, doença hepática ou doença renal. No

estudo feito por KAPLAN (1995), os resultados falso-positivos foram encontrados

nos testes de supressão com baixa dose de dexametasona e na relação

cortisol:creatinina urinária em maior proporção quando comparados com teste de

estimulação com ACTH.

e) Medicação anti-convulsivante

O diagnóstico de cães com sinais da síndrome de Cushing que

estão recebendo medicação anticonvulsivantes pode ser passível de confusão.

Esta medicação (primidona, fenitoína, fenobarbítal) pode causar polidipsia,

poliúria, polifagia, letargia, aumento dos valores séricos das enzimas hepáticas, e

concentração anormal do cortisol plasmático. O clínico deve cercar-se de

precauções, ao estabelecer o diagnóstico em cães que estejam tomando estes

medicamentos (FELDMAN et al., 1997).

9.19.4 Teste de supressão com dexametasona

O teste da supressão com dexametasona é utilizado para a

confirmação do diagnóstico de HAC espontâneo, e na distinção entre a

hiperplasia adrenocortical e a neoplasia adrenocortical (HAD) (MULLER et al.,

1985). Utiliza-se dexametasona, um glicocorticóide sintético, por não interferir em

radioimunoensaios que medem o cortisol sanguíneo, não fazendo reação cruzada

com testes de cortisol (NELSON & COUTO, 1994).

Page 60: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

a) Teste de supressão com baixa dose de dexametasona

Obtém-se pela manhã uma amostra de sangue para a determinação

do cortisol plasmático basal e então administra-se dexametasona na dose de 0,01

mg/Kg IV. Podem ser utilizadas dois tipos de dexametasona, a fosfato sódica ou

polietilenoglicol (Azium® ). Coletam-se amostras de sangue após 4 e 8 horas da

administração de dexametasona para a determinação da concentração

plasmática de cortisol (FELDMAN et al., 1997).

Em cães e gatos normais, a concentração plasmática de cortisol

decresce dentro de 2 a 3 horas após a administração de dexametasona e persiste

por até 8 horas, por inibir a secreção de ACTH hipofisário. Cães normais

apresentam concentração de cortisol plasmático menor que 1,4 µg/dL 4 e 8 horas

após a administração de dexametasona (FELDMAN et al., 1997).

Tumores adrenocorticais funcionais secretam excesso de cortisol e

independem do controle o ACTH, já causando uma supressão na liberação de

ACTH pela hipófise. Dessa forma, a administração de dexametasona em um cão

com tumor adrenocortical não afetará a concentração plasmática de cortisol nas

horas subseqüentes à administração, que deve ser igual ou maior que 1,4 µg/dL

(FELDMAN et al., 1997).

A secreção de ACTH por tumores hipofisários causa uma

hiperplasia adrenocortical devido à estimulação crônica e excessiva do córtex

adrenal. Uma hipófise anormal não responde ao feedback negativo do cortisol. A

administração de baixa dose de dexametasona neste caso causa um grau

variável de supressão do cortisol plasmático num período após administração,

Page 61: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

não sendo mais suprimido após 8 horas da aplicação da dexametasona. Em cães

com HDP ocorre uma supressão variável do cortisol após 4 horas, apresentando

valores menores que 1,4 µg/dL, mas após 8 horas a concentração de cortisol

plasmático encontra-se tipicamente maior que 1,4 µg/dL. Resultados entre 1,0 e

1,4 µg/dL não garantem o diagnóstico de HAC e o clínico deve se basear em

outras informações para o correto diagnóstico (FELDMAN et al., 1997).

Assim como no teste de estimulação com ACTH, este teste pode ser

enganoso. Aproximadamente 22 e 33% dos casos falham na demonstração da

supressão de cortisol após 4 e 8 horas, respectivamente (FELDMAN et al., 1997).

Este teste tem sido usado como o teste diagnóstico inicial para confirmar HAC

espontâneo e como um teste de “segunda opinião” quando são obtidos resultados

inesperados com o teste de estimulação com ACTH. Não é o teste de escolha

para identificar HAC iatrogênico nem é utilizado para avaliar resposta à terapia

com Mitotane ou cetoconazol (NELSON & COUTO, 1994).

Os resultados desse teste podem ser afetados por drogas

anticonvulsivantes concomitantes, estresse (por exemplo banho, enfermidade) e

glicocorticóides exógenos (FELDMAN et al., 1997).

Page 62: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Figura 7- Efeitos da administração de dexametasona em cão normal, com HDP e

HAD (extraído de NELSON & COUTO, 1994).

9.19.5. Teste combinado de supressão com dexametasona e estimulação

com ACTH

O teste de seleção inicial para o HAC, mas não diferencia

seguramente HDP de HAD. De maneira teórica, o cão com HAC não deve ter

Page 63: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

supressão de cortisol plasmático após a administração de dexametasona e deve

apresentar resposta exagerada à administração de ACTH. Alguns cães com HAC,

entretanto, diminuem o cortisol plasmático após administração de dexametasona

ou têm resposta normal à estimulação com ACTH. Por causa disso, as

concentrações plasmáticas de cortisol pós-dexametasona e pós-ACTH devem ser

interpretadas independentemente uma da outra. Quando avaliado desta maneira,

o teste é semelhante ao teste de estimulação com ACTH na precisão de

identificação do HAC. Quando um “ramo” do teste sugere HAC mas o outro está

normal, deve-se realizar um outro teste de exclusão para verificar o diagnóstico

(NELSON & COUTO, 1994). Portanto, a associação dos testes de supressão com

dose baixa de dexametasona e de estimulação com ACTH não produzem

resultados confiáveis e não são recomendados (FELDMAN et al., 1997).

9.19.6. Comparação dos testes de estimulação por ACTH e supressão por

dexametasona

LIEW et al (1997) compararam os testes de triagem para HAC e

concluíram que o teste de estimulação com ACTH é mais útil do que o teste de

supressão com dose baixa de dexametasona para o diagnóstico de HAC na

maioria das situações, pois o teste de estimulação possui um maior valor preditivo

positivo quando a prevalência da doença na população é levada em

consideração. Além disso, o teste de estimulação tem uma maior especificidade,

resultando em poucos resultados falso-positivos. Os valores de sensibilidade são

similares nos dois testes, resultando no mesmo número de resultados falso-

negativos, independente do teste utilizado.

Page 64: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

9.19.7. Teste de discriminação: diferenciação entre o hiperadrenocorticismo

dependente da pituitária (HDP) e o hiperadrenocorticismo do tumor

adrenocortical (HAD)

a) Teste de supressão com baixa dose de dexametasona

Amostras de sangue após 4 horas podem ser utilizadas para o teste

de discriminação, e amostras obtidas após 8 horas podem ser utilizadas tanto

para teste de triagem como de discriminação. Este teste pode ser usado para

identificar cães com HDP baseado nos seguintes critérios: quando a concentração

de cortisol plasmática for menor que 1,4 µg/dL após 4 horas ou quando for menor

que 50% do valor basal após 4 ou 8 horas. A ausência de supressão é

considerado como um resultado não-específico, pois 40% dos cães com HDP e

100% dos cães com tumores adrenocortical não se encontram dentro desses

critérios (FELDMAN et al. 1997).

a) Teste de supressão com alta dose de dexametasona

Independente da dose, a dexametasona pode não suprimir o cortisol

plasmático quando a origem do cortisol é um tumor adrenocortical. O HDP, ao

contrário, resulta de uma excessiva e crônica secreção de ACTH pelo tumor e

pode potencialmente ser suprimido pela dexametasona. A administração de

maiores doses de dexametasona pode eventualmente suprimir a secreção de

ACTH pela hipófise em muitos cães com HDP. O protocolo recomendado para o

teste de supressão com alta dose de dexametasona envolve a coleta de amostra

de sangue heparinizado antes e 4 horas após a administração de 0,1 mg/Kg de

dexametasona por via intravenosa (IV). Considera-se supressão quando a

Page 65: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

concentração plasmática de cortisol for menor que 50% da concentração basal 4

ou 8 horas após a administração ou menor que 1,4 µg/dL 4 ou 8 horas após

(FELDMAN et al., 1997).

Este teste não causa supressão do cortisol em cães com tumor

adrenocortical, enquanto que 75% dos cães com HDP apresentam supressão.

Não se sabe porque alguns cães com HDP são extremamente resistentes à

supressão com dexametasona (FELDMAN et al., 1997).

a) Concentração de ACTH endógeno

A mensuração da concentração do ACTH endógeno tem sido útil e

confiável para distinguir HDP e HAD. Tumores de adrenais funcionais e HAC

iatrogênico devem suprimir a secreção de ACTH através do mecanismo normal

de feedback negativo, enquanto que o HDP resulta numa excessiva secreção de

ACTH, levando à hipertrofia adrenocortical bilateral. O uso conjunto da

concentração endógena de ACTH com o ultra-som de adrenal podem

seguramente diferenciar entre o HDP e HAD, porém nenhum desses testes

possuem valor diagnóstico quando utilizados isoladamente (GOULD et al., 2001).

A liberação de ACTH é feita em picos, e a concentração plasmática varia

de minuto a minuto. Para diminuir os efeitos do estresse ou hora do dia, o sangue

para dosagem de ACTH deve ser obtido entre 8 e 9 horas da manhã, e o cão ter

sido hospitalizado durante a noite. A colheita do sangue deve ser feita

rapidamente, pois o ACTH é pouco estável em sangue fresco. As amostras

devem ser centrifugadas e o plasma deve ser congelado a – 20ºC logo após a

colheita. O contato com vidro deve ser evitado devido à aderência do ACTH a

Page 66: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

este material. A concentração basal de ACTH em cães sadios tem média de 45

pg/mL, mas pode variar de 10 a 110 pg/mL (FELDMAN et al., 199&).

Concentrações endógenas de ACTH menores que 10 pg/mL em

cães com HAC espontâneo é bastante sugestivo de tumor adrenocortical

funcional. Aproximadamente 60% dos cães com tumor adrenocortical apresentam

uma concentração de ACTH indetectável, e 40% têm valores de ACTH maior ou

igual a 45 pg/mL é consistente com HDP, resultado obtido em 85 a 90% desses

cães. Testes apropriados de triagem devem ser utilizados previamente para

confirmar o diagnóstico de HAC (FELDMAN et al., 1997).

a) Teste de estimulação com CRH

O CRH hipotalâmico é comercialmente disponível e exerce efeito na

concentração de ACTH e cortisol em cães com HAC. Uma única dose IV (1

µg/Kg) de CRH aumenta a concentração de ACTH e cortisol em cães normais.

Cães com HDP têm uma resposta exagerada com relação à concentração de

cortisol, enquanto que não há aumento significativo na concentração de cortisol

em cães com tumor adrenocortical (FELDMAN et al., 1997).

Page 67: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

10. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial baseia-se nos sinais clínicos e achados

laboratoriais. Devem ser considerados o hipotireoidismo, hipertireoidismo,

hipercalcemia, dermatoses responsivas a hormônios sexuais e de

crescimento, acromegalia, diabetes mellitus, diabetes insípidus, hepatopatias,

doenças renais, e outras causas de poliúria e polidipsia (TILLEY et al., 2000).

Page 68: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

11. TRATAMENTO

O conhecimento da causa do HAC é ideal para se estabelecer o

tratamento, mas não é vital, mesmo porque a causa não é identificada em alguns

casos. As opções médicas e cirúrgicas e a expectativa devem ser discutidas com

o proprietário. Os proprietários esperam que o seu animal retorne ao estado

endócrino normal, mas deve-se explicar que isso nem sempre é possível, pois

alguns cães podem apresentar excesso ou deficiência hormonal após o

tratamento (FRELDMAN et al., 1997).

Quando o veterinário não identifica a causa do HAC, uma alternativa

é supor que o cão apresenta HDP, com hiperplasia adrenal bilateral que responde

à terapia com Mitotane. De acordo com a resposta a medicação sugere-se qual

seria a causa do HAC, visto que o HDP é facilmente controlado, enquanto que o

HAD é relativamente resistente ao Metotane (FELDMAN et al., 1997).

11.1. Tratamento cirúrgico

a) HAD

Uma vez diagnosticado o HAC e a presença de um tumor de

adrenal, deve-se localizar o tumor e procurar por possíveis metástases. O ultra-

som (US) é a melhor ferramenta para a localização do tumor e para identificação

de metástases abdominais. A cirurgia abdominal não deve ser considerada sem a

Page 69: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

realização de ulta-sonografia abdominal e RX torácico. Tumores pequenos são

frequentemente benignos e mais facilmente removíveis do que tumores grandes,

com tamanho igual ao maior do que um rim normal (FELDMAN et al., 1997).

A secreção autônoma de cortisol pelo tumor adrenocortical causa

uma diminuição da secreção de ACTH da hipófise, resultando em uma

significante atrofia da zona reticular e faciculada da adrenal não afetada. A

supressão do ACTH endógeno pelo tumor também pode causar atrofia na zona

glomerulosa, que sintetiza aldosterona, podendo ser esperado um

hipoadrenocorticismo agudo após a cirurgia de remoção do tumor. Assim que o

tumor é identificado e retirado, realiza-se infusão de dexametasona IV na dose de

0,1 mg/kg por um período de 6 horas. Esta dose deve ser repetida duas a quatro

vezes ao dia por via subcutânea. Após o período de recuperação da cirurgia, 48 a

72 horas após, deve-se ser substituída a administração parenteral de

dexametasona por prednisolona 0,5 mg/kg por via oral (PO) duas vezes ao dia

(BID), durante dois dias, com redução gradual da dose durante 2 a 3 meses

(FELDMAN et al., 1997).

A concentração de sódio e potássio deve ser monitorada após a

cirurgia, sendo que concentrações menores que 138 mEq/L de sódio ou

concentração de potássio maiores que 5,5 mEq/L podem indicar a necessidade

de terapia com mineralocorticóide (FELDMAN et al., 1997).

Devido ao grande número de complicações, (má cicatrização,

imunossupressão e tromboembolismo), o prognóstico da cirurgia é reservado.

Apesar disso, 80% de cães submetidos à cirurgia têm sobrevivido, com período

de recuperação de aproximadamente 1 mês (FELDMAN et al., 1997).

Page 70: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

A cirurgia de tumores adrenais não são recomendáveis quando há

uma massa muito grande, quando há evidências de metástases ou quando o

proprietário é relutante à cirurgia (FELDMAN et al., 1997).

b) HDP

A hipofisectomia é descrita nos cães, mas é um procedimento raro

na medicina veterinária devido a suas altas taxas de complicações e pela

facilidade de tratamentos alternativos, como a adrenalectomia bilateral nos casos

de hiperplasia adrenocortical bilateral induzida por tumor hipofisário ou pela

destruição da adrenal por drogas (MEIJ, 2000).

11.2. Tratamento médico

11.2.1. Terapia com Mitotane

O Mitotane ou o.p.’DDD (Lisodren®) é a melhor forma de tratamento

para o HAC espontâneo. É uma potente droga adrenocorticolítica com efeito

citotóxico no córtex adrenal, causando necrose seletiva na zona fasciculata e

reticular da adrenal (PETERSON et al., 2000). Devido ao fato da zona

glomerulosa ser relativamente resistente aos efeitos citotóxicos do medicamento,

a secreção de aldosterona é normalmente preservada (BEHREND et al., 1998).

O único outro efeito causado pela droga é uma moderada degeneração hepática

com atrofia centrolobular e congestão (FELDMAN et al., 1997).

Um protocolo específico e monitorização da terapia com Mitotane

são recomendados. O tratamento é realizado em duas fases, a terapia de indução

e manutenção (BEHREND et al., 1998).

Page 71: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

11.2.1.1 Terapia de indução

a) HDP

Cães com hiperplasia adrenal são mais sensíveis aos efeitos

destrutivos do Mitotane do que cães sem doença adrenal. Os cães

frequentemente respondem à terapia após 5 a 9 dias e normalmente tornam-se

hipoadrenais se a medicação não for interrompida após o primeiro sinal de

resposta. Qualquer cão diagnosticado como sendo HDP e que requeira mais de

21 dias consecutivos de tratamento com Mitotane deve ser cuidadosamente

reavaliado. As possíveis explicações para a resistência à medicação pode ser

devido ao fato de que a medicação pode não estar sendo efetuada corretamente,

a droga não está sendo absorvida pelo trato gastrointestinal, o cão tem HAD ou o

diagnóstico está incorreto (FELDMAN et al., 1997).

Existem muitos fatores que devem ser reconhecidos pelos

proprietários antes do inicio da terapia, incluindo o comportamento do cão,

atividade, ingestão de água e apetite. Uma pequena porcentagem de cães

respondem à droga em menos de 5 dias ou entre 9 e 21 dias. Cerca de 85% dos

cães respondem dentro de 5 a 9 dias. Deve-se instruir o proprietário a fornecer

um terço da alimentação diária do animal duas vezes ao dia. Esses cães são

frequentemente muito famintos, e a redução de sua cota diária de alimentação

promove aumento do apetite. Desse forma, o proprietário irá notar mais facilmente

qualquer redução no apetite. O objetivo da terapia é interromper a administração

de Mitotane antes que o cão se torne anoréxico. A administração do Mitotane

duas vezes ao dia durante as refeições aumenta sua absorção (FELDMAN et al.,

1997).

Page 72: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

A terapia de indução começa com a administração do Mitotane na

dose de 50 mg/kg dividida em duas vezes ao dia (25 mg/kg/BID). A administração

deve ser interrompida quando o cão demonstrar qualquer redução no apetite, o

consumo de água for menor que 60 mL/kg por dia, houver emese, diarréia ou

apatia, significando o final da terapia de indução (FELDMAN et al., 1997).

Além do contato diário por telefone, o veterinário deve consultar o

animal 8 a 9 dias após o início da terapia. Nesse momento deve ser realizado a

anamnese, exame físico e teste de estimulação com ACTH. Deve-se interromper

a terapia até que se avalie o resultado do teste de estimulação com ACTH (FELD-

MAN et al., 1997).

O objetivo da terapia é promover uma melhora clínica e o resultado

do teste de estimulação deve ser compatível com hipoadrenocorticismo. Uma boa

resposta no teste é indicada por uma concentração plasmática de cortisol pré e

pós ACTH menor que 5 µg/dL. Se o cão apresentar uma resposta do teste de

estimulação normal ou exagerada após 8 a 9 dias de terapia, a medicação diária

deve ser mantida por mais 3 a 7 dias. A resposta ao teste de estimulação deve

ser checada a cada 7 a 10 dias até a concentração plasmática de cortisol pós-

ACTH atingir valores menores que 5 µg/dL. Geralmente não são necessários

vários testes de estimulação, pois 85% dos cães respondem durante a fase inicial

de 5 a 9 dias de medicação (FELDMAN et al., 1997).

Segundo PETERSON (2000), a suplementação com glicocorticóide

durante a fase de indução irá reduzir a prevalência dos efeitos adversos

relacionados com a rápida diminuições do cortisol plasmático no início do

tratamento. Contudo, o uso dos glicocorticóides durante esta fase pode causar

Page 73: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

uma maior dificuldade em determinar quando parar com dose diária de indução

com Mitotane.

Casos desenvolva-se sinais de apatia, fraqueza, vômito, diarréia ou

anorexia, a terapia com glicocorticóides é recomendada. A terapia com

glicocorticóides pode ser instituída tanto na fase de indução quanto na fase de

manutenção da terapia com MItotane, e também em situações de estresse, como

doença, trauma ou cirurgias eletivas. A prednisolona pode ser administrada na

dose de 0,5 a 1 mg/Kg por 2 dias. Após uma adequada resposta, os esteróides

devem ser diminuídos gradativamente por 10 a 14 dias (FELDMAN et al., 1997).

A atividade citolítica do Mitotane teoricamente não atinge a zona

glomerulosa da adrenal, e, portanto, não atua na secreção de mineralocorticóides.

Entretanto, cães que desenvolverem distúrbios eletrolíticos (aumento de potássio

e diminuição de sódio) apresentam deficiência de mineralocorticóides. Esses cães

requerem terapia tanto com glicocorticóides como mineralocorticóides. A

deficiência de glicocorticóide geralmente é transitória. O hipoadrenocorticismo por

deficiência de glicocorticóides e mineralocorticóides em cães tratados com

Mitotane pode ser permanente (FELDMAN et al., 1997).

As falhas na resposta ao tratamento são raras mas podem ocorrer

nas seguintes situações: cão com tumor adrenocortical resistente aos efeitos

citotóxicos do Mitotane; medicação com perda da potência, sendo necessária a

substituição por um novo frasco; medicação não realizada junto com a

alimentação, causando redução na absorção; diagnóstico incorreto ou casos de

HAC iatrogênico; animal com resistência ao Mitotane, respondendo à terapia

somente após 14 dias ou mais ou necessitando de 100 a 150 mg/Kg/dia de

Page 74: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Mitotane; rápida metabolização da droga, como ocorre na administração conjunta

com fenobarbital - que estimula a metabolização hepática - ou o proprietário não

fornece a medicação corretamente (BEHREND et al., 1998).

b) HAD

O tratamento ideal para cães que apresentam tumores

adrenocorticais funcionais é a remoção cirúrgica do tumor. Contudo, alguns cães

apresentam tumores inoperáveis ou metástases, estão inabilitados em sofrer

procedimentos cirúrgicos ou possuem proprietários relutantes à cirurgia. A droga

adrenocorticolítica (Mitotane), pode ser utilizada nesses casos. O protocolo é

semelhante ao utilizado nos cães com HDP, usando a mesma dose inicial de 50

mg/kg/dia, dividido em duas vezes ao dia. Se, após 7 a 10 dias de tratamento, o

teste de resposta ao ACTH não revelar uma concentração de cortisol ideal (< 5

µg/dL), a dose inicial deve ser mantida por mais 7 a 10 dias. Se num segundo

teste o valor ainda não ainda não estiver ideal, faz-se a medicação por mais 7 a

10 dias com a mesma dose ou pouco maior. Aproximadamente 60% dos cães

com HAD apresentam uma boa resposta ao tratamento (FELDMAN et al., 1997).

11.2.1.2. Terapia de manutenção

A terapia de manutenção deve ser iniciada ao término da terapia de

indução, que é identificada pelos sinais clínicos e pelo teste de estimulação com

ACTH. Em cães com HDP, o Mitotane não afeta a hipófise anormal, portanto

persiste a secreção excessiva de ACTH. Falhas na terapia causam um novo

Page 75: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

crescimento das adrenais com retorno dos sinais clínicos de HAC (FELDMAN et

al., 1997).

Cães que respondem à terapia de indução com Mitotane em até 9

dias, ou que apresentam a com concentração plasmática de cortisol pós

estimulação com ACTH entre 1 e 4 µg/dL, devem ser tratados com a terapia de

manutenção com Mitotane na dose de 25 mg/kg a cada 7 dias. Aqueles cães que

respondem a terapia após 10 dias ou que apresentam concentração plasmática

de cortisol pós estimulação com ACTH maior que 4 µg/dL devem receber 50

mg/kg a cada 7 dias. Sempre que possível, as dosagens devem ser divididas em

4 a 7 dias da semana. Quando a concentração plasmática de cortisol após

estimulação com ACTH estiver menor que 1 µg/dL, se o cão exibir sinais de

apatia e anorexia, a terapia com Mitotane deve ser interrompida transitoriamente

e a dose reduzida (FELDMAN et al., 1997).

O teste de estimulação com ACTH deve ser realizado 1 a 3 meses

após o inicio da terapia de manutenção. Se o resultado da concentração

plasmática de cortisol ultrapassar de 4 a 5 µg/dL, a dosagem de Mitotane deve

ser aumentada, e se estiver além de 22 µg/dL, a terapia com Mitotane deve ser

diária, assim como na fase de indução (FELDMAN et al., 1997).

11.2.1.3. Reações adversas

Reações adversas resultam da sensibilidade à droga ou de sua

administração excessiva com subseqüente desenvolvimento de deficiência de

glicocorticóides e, se grave, de mineralocoticoides. A reação mais comum do

Mitotane é a irritação gástrica e vômitos logo após a administração. Se o distúrbio

Page 76: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

gástrico for causado por sensibilidade à droga e não pela terapia estar completa,

dividir a dose posteriormente e ou aumentar o intervalo de tempo entre

administrações para ajudar a diminuir os vômitos. Em alguns cães pode ser

necessário interromper a medicação por alguns dias (NELSON & COUTO, 1994).

11.2.2. Terapia com Cetoconazol

O cetoconazol (Nizoral®) é uma droga antimicótica de largo

espectro, com baixa incidência de toxicidade, que causa inibição reversível da

esteroidogênese adrenal e efeitos negligenciáveis sobre a produção de

mineralocorticóides (NELSON & COUTO, 1994). A administração de baixas doses

dessa droga leva a uma redução significativa da concentração sérica de

andrógenos, e em altas doses a secreção de cortisol é suprimida (FELDMAN et

al., 1997).

O cetoconazol é administrado na dose de 5 mg/Kg/BID por 7 dias.

Caso não se note alteração do apetite ou icterícia, a dose pode ser aumentada

para 10 mg/Kg/BID. Após 14 dias de tratamento deve ser realizado o teste de

estimulação com ACTH. Se o resultado não tiver satisfatório, pode-se aumentar a

dose para 15 mg/Kg/BID. A dose requerida deve ser baseada na opinião do

proprietário, exame físico, exames complementares, e monitoração pelo teste de

estimulação com ACTH. O resultado de teste tem como objetivo promover uma

concentração de cortisol plasmático pré e pós a administração de ACTH menor

que 5 µg/Kg. A remissão dos sinais clínicos geralmente requer doses de 30

mg/Kg por dia (FELDMAN et al., 1997).

Page 77: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

Dados laboratoriais demonstram que 80% dos cães tratados com

cetoconazol apresentam uma rápida redução na concentração de cortisol. Os

efeitos colaterais, apesar de raramente ocorrerem, incluem vômito, anorexia,

diarréia e aumento transitório das enzimas hepáticas (PETERSON, 2000).

A maior desvantagem do uso desta droga é por apresentar alto

custo, falha na resposta em alguns cães e necessidade de ser administrada duas

vezes ao dia indefinitivamente. O uso do cetoconazol torna-se vantajoso devido

aos mínimos efeitos de toxicidade e por não afetar a produção de

mineralocorticóides. É freqüentemente usado para estabilizar pacientes antes da

cirurgia e pode ser utilizado no lugar do Mitotane nos casos de tumor de adrenal

malignos, grandes ou invasivos (FELDMAN et al., 1997).

11.2.3. Outras drogas

FELDMAN et al (1997) também cita outras drogas que podem ser

utilizadas no tratamento do HAC, como a ciproheptadina, bromociptina,

metirapone e aminoglutetimida, L-deprenil e RU486 – mifepristone.

Duas outras drogas devem ser levadas em consideração e podem

tornar-se mais populares futuramente no tratamento do HAC. O Selegiline (L-

Deprenil® ) tem sido autorizado para o tratamento do HDP nos USA. Tem efeito

seletivo e inibidor irreversível sobre a Monamina B oxidase, a qual serve para

normalizar a concentração de dopamina hipotalâmico-hipofisária. Em alguns

casos de HDP, a depleção de dopamina pode influenciar no desenvolvimento do

HAC. Experimentos iniciais com esta droga não têm dado bons resultados e tem-

se mostrado eficiente em um pequeno número de casos (MOONEY, 2000).

Page 78: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

O Trilostane (Modrenal®) tem um efeito inibitório na síntese de

glicocorticóides pela glândula adrenal. Apesar da necessidade de terapia diária, o

baixo risco de reações adversas torna esta droga uma alternativa em relação ao

Mitotane. Seu uso recente em um pequeno número de cães tem-se mostrado

promissor (MOONEY, 2000).

Page 79: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

12. COMPLICAÇÕES MÉDICAS ASSOCIADAS COM O HAC

Muitos cães com HAC estão estáveis e não severamente doentes

no início do quadro clínico. Contudo, vários problemas podem ocorrer secundário

ao excesso prolongado de esteróides (FELDMAN et al., 1997).

12.1. Hipertensão

Muitos fatores têm implicados no desenvolvimento da hipertensão,

incluindo o excesso da secreção de renina, ativação do sistema renina-

angiotensina, aumento da sensibilidade vascular a catecolaminas e agonistas

adrenérgicos, redução de vasodilatadores e aumento da secreção de

mineralcorticóides. Mais de 50% dos cães com HAC apresentam hipertensão, que

é resolvida com o adequado tratamento do HAC (FELDMAN et al., 1997).

A hipertensão é importante por induzir cegueira decorrente de

hemorragia intraocular e/ou descolamento de retina; por causar uma exacerbação

da hipertrofia ventricular esquerda e insuficiência cardíaca congestiva; e por

causar glomerulopatias com conseqüente perda de proteínas pelos rins

(FELDMAN et al., 1997).

12.2. Pielonefrite e cálculo urinário

A infecção do trato urinário é comum em cães com HAC, podendo

esta ascender para os rins. A infecção severa e crônica do trato urinário pode

Page 80: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

aumentar o potencial para desenvolver pielonefrite e insuficiência renal em cães

com HAC. Os sinais clínicos da pielonefrite incluem polaquiúria, disúria, e

hematúria. Deve ser lembrado que os efeitos antiinflamatórios dos glicocorticóides

além de predispor a estes problemas, mascaram os sinais clínicos. Deve-se

suspeitar de pielonefrite quando houver uma infecção do trato urinário refratária

ao tratamento. A escolha do antibiótico deve ser baseada nos resultados da

urocultura obtida por cistocentese. A pielonefrite é difícil de ser diagnosticada sem

exame contrastado ou biópsia (FELDMAN et al., 1997).

Aproximadamente 5% dos cães com HAC apresentam cálculos de

oxalato de cálcio ou fosfato de cálcio. Os glicocorticóides aumentam a excreção

de cálcio, o que predispõe à formação destes cálculos. Além disso, o aumento da

incidência de infecção também contribui para a formação de cálculos. A disúria é

o achado clínico mais comum decorrente da urolitíase e inflamação, mas este

sinal é mascarado pelos efeitos antiinflamatórios causados pelo excesso de

cortisol (FELDMAN et al., 1997).

12.3. Glomerulopatias

A incidência de proteinúria, definida como a relação

proteína:creatinina urinária maior do que 1,0 em cães com HAC é de 75% (a

média da relação proteína:creatinina é 2,3). A proteinúria nesses cães raramente

causa uma severa hipoalbuminemia ou lipoproteinemia e, portanto, não tem sido

ralatado o desenvolvimento de edema, ascite ou efusão pleural (FELDMAN et al.,

1997).

Page 81: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

12.4. Insuficiência cardíaca congestiva (ICC)

Uma das seqüelas do excesso de glicocorticóides é hipertensão

secundária à hipovolemia, a qual pode aumentar o trabalho do miocárdio e

ocasionar uma hipertrofia do mesmo. A insuficiência cardíaca congestiva pode

ocorrer à medida que a hipertensão e a retenção de líquido tornam-se severas.

Cães com HAC e ICC concomitantes não respondem bem à terapia. Devido ao

fato de que muitos cães apresentam poliúria e polidipsia, os diuréticos devem ser

utilizados com cautela. Com o apropriado controle do HAC, os cães afetados

tendem a ser normotensos, levando ao controle das complicações

cardiovasculares, sem necessidade de terapia específica para a ICC (FELDMAN

et al., 1997).

12.5. Pancreatite

Cães com HAC são predispostos a desenvolver pancreatite, devido

à hiperlipidemia, hipercolesterolemia e infecção. Apesar disso, a pancreatite não é

uma alteração comum vista nos cães com HAC. Apesar do apetite voraz e

histórico de ingestão de lixo, a maioria desses cães não apresentam gastrite

(FELDMAN et al., 1997).

12.6. Diabetes Melitus (DM)

Aproximadamente 5 a 10% dos cães com HAC apresentam DM

concomitante. É fácil perceber quando um cão hiperadrenal estabilizado

desenvolve DM devido a uma resistência à insulina provocada pelo aumento de

Page 82: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

glicocorticóides na circulação, pois há repentino aumento da sede, excreção de

urina, e presença de glicose na urina (FELDMAN et al., 1997).

O principal sinal usado pelo clínico é a presença de resistência à

insulina. A resistência, contudo, é um fenômeno subjetivo que apresenta inúmeros

diagnósticos diferenciais. Os sinais e sintomas encontrados no HAC e DM são

muito parecidos, devendo-se observar cuidadosamente os sinais clínicos. A urina

do cão diabético é normalmente mais concentrada do que o cão que apresenta

HAC associado com DM, mas ambos têm predisposição a apresentar infecção

urinária (FELDMAN et al., 1997).

Quando pacientes apresentam HAC e DM, estas doenças podem

ser de difícil distinção devido aos sinais clínicos e achados laboratoriais

semelhantes. Em alguns casos, a presença de ambas as doenças pode ser

suspeitada pelos sinais clínicos; em outros casos, a suspeita se dá quando há

uma resistência à insulina durante o tratamento da DM. Quando estas doenças

ocorrem concomitantemente, recomenda-se tratar primeiro a DM e diagnosticar

HAC depois. Isso se deve ao fato de que a suspeita do HAC pode ser eliminada

após o controle da DM, não sendo necessário a realização dos testes de

diagnósticos, ou porque o aumento da secreção de glicocorticóides por estresse

ou doença ( por exemplo, uma DM não controlada) pode causar resultados falso-

positivos nos testes diagnósticos de HAC. Portanto, esses testes não são

confiáveis em pacientes com uma DM não controlada adequadamente (HESS et

al., 1998).

Os testes de função da adrenal para o diagnóstico de HAC em

pacientes com DM são recomendados quando há suspeita de resistência à

Page 83: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

insulina e quando os sinais clínicos de HAC persistem após uma apropriada

insulinoterapia. Os testes mais usados no diagnóstico de HAC em pacientes com

DM são os testes de supressão com baixa dose de dexametasona e o teste de

estimulação com ACTH. Esses testes podem produzir resultados falsos-positivos

em cães com tratamento inadequado de insulina e severa hipo - ou hiperglicemia,

o que pode causar uma excessiva secreção de glicocorticóides. Os testes não

devem ser realizados em cães que se encontram em quadro de cetoacidose

diabética (HESS et al., 1998).

Em cães com HAC e DM concomitantes, a terapia com Mitotane

deve ser feita com cautela. O tratamento do HAC pode diminuir a concentração

endógena de glicocorticóides, diminuindo a necessidade de insulina exógena para

o controle da DM, e doses que inicialmente produziam uma hiperglicemia podem

rapidamente produzir uma hipoglicemia. Durante a fase de indução com Mitotane,

a dose total de insulina deve ser diminuída em 5 a 35%, dependendo do tamanho

do cão e da dose de insulina que estava sendo preconizada. Os proprietários

devem ser instruídos em verificar a glicosúria e cetonúria constantemente durante

a fase de indução com Mitotane. Se for detectada glicosúria negativa o

proprietário deve parar a terapia com Mitotane imediatamente e deve administrar

a metade da dose de insulina. Devido a dificuldade dos proprietários em

diferenciar a hipoglicemia da crise hipoadrenocortical causada pelo Mitotane, a

prednisolona e o mel são recomendados para o tratamento de ambas as crises

(HESS et al., 1998).

Page 84: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

12.7. Tromboembolismo pulmonar

O tromboembolismo pulmonar é uma complicação em potencial do

HAC. Alterações como estase venosa, injúria do epitélio vascular e alterações da

coagulação são conhecidas como indutoras de desordens tromboembólicas. No

HAC o tromboembolismo pode ser atribuído à perda glomerular de proteína

resultando em diminuição da antitrombina III e/ou aumento da concentração dos

fatores de coagulação V, VIII, IX e X, fibrinogênio e plasminogênio.

Predisposições adicionais estão relacionadas com obesidade, hipertensão,

aumento do hematócrito (resultando em estase vascular) e sepse (FELDMAN et

al., 1997).

Esses cães geralmente apresentam angústia respiratória, ortopnéia

e, menos comumente, pulso jugular. A respiração ofegante pode ocorrer

secundária à hipóxia e/ou dor pleural (FELDMAN et al., 1997).

A radiografia pode não revelar anormalidades, ou sugerir

hipoperfusão, padrão alveolar e efusão pleural. Pode existir um aumento no

diâmetro das artérias pulmonares, falta de perfusão dos vasos pulmonares

obstruídos, e sobreperfusão dos vasos pulmonares não obstruídos. À gasometria,

o sangue arterial demonstra um decréscimo na PaO2 (FELDMAN et al., 1997).

O diagnóstico do tromboembolismo pulmonar pode ser realizado

com base nos sinais clínicos, exame físico, radiografias, mensuração da pressão

arterial e gasometria arterial, contudo os resultados destes exames são normais

na maioria dos casos. Trombose pode ser confirmada por angiografia do pulmão.

A ausência de defeitos de perfusão praticamente exclui o diagnóstico de

tromboembolismo pulmonar (FELDMAN et al., 1997).

Page 85: Hiperadrenocorticismo Canino - Maria Fernanda Villela Sgarbi

O tratamento consiste em terapia de suporte, oxigenoterapia e

anticoagulantes (Heparina – 100 a 200 UI/Kg IV seguido pela mesma dose SC a

cada 6 horas – e/ou Cumarínico - Warfarin® 0,2 mg/Kg PO). O antagonismo do

sistema de coagulação previne o crescimento de trombos já existentes e a

formação de novos trombos, que podem comprometer a função respiratória e

cardiovascular (FELDMAN et al., 1997).

O prognóstico é de reservado a mau. A recuperação, se ocorre,

geralmente requer no mínimo 7 a 10 dias depois que os cães forem retirados da

terapia de suporte com oxigenoterapia (FELDMAN et al., 1997).

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13. PROGNÓSTICO

A remoção cirúrgica de um adenoma ou adenocarcinoma

adrenocortical, que não exiba metástases, tem excelente prognóstico. O

adenocarcinoma adrenocortical matastático, tem mau prognóstico, com a maioria

dos animais sucumbindo à doença dentro de 1 ano após o diagnóstico. Embora a

sintomatologia clínica possa ser controlada com cetoconazol e Mitotane, a morte

resulta dos efeitos debilitantes do tumor ou de falência do sistema orgânico após

destruição por patologia metastática (NELSON & COUTO, 1994).

O prognóstico para cães com HDP depende em parte da idade e do

estado geral de saúde do cão, bem como do desempenho do proprietário em

relação à terapia. O tempo médio de vida após o diagnostico de HDP é de 2 anos.

Cães mais jovens podem viver por muito mais tempo (6 a 8 anos) de que o

período médio de sobrevida. Muitos cães morrem ou são sacrificados em

conseqüência de outros distúrbios geriátricos (NELSON & COUTO, 1994).

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14. CONCLUSÃO

Apesar do HAC ser uma afecção que apresenta grande quantidade

de sintomas, principalmente com evolução lenta, seu diagnóstico será realizado

com ajuda do histórico apresentado pelo proprietário, pelos sintomas clínicos e

pelo exame físico. Os exames complementares são sugestivos e ajudarão a

diferenciá-los de diversas outras afecções. Com isso, a soma de todos esses

fatores são de extrema importância para o diagnóstico e conseqüente tratamento

adequado do HAC canino.

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