Hipertensão

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Pesquisa FAPESP - Edição 69

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26 Pesquisadores da Unifesp

e do lncor encontram proteína que aparece

apenas em quem já tem pressão alta ou

exibe predisposição

CARTAS •••••••••••••••••••••••••••• 4 EDITORIAL •••••••• •••••••••• •••• • •• 5 MEMÓRIA • ••••••••• • ••••••••••••••• 6 OPINIÃO ••••• •••••••••••• ••••••••• •• 8

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA •••••••••••••••••••• 10 ESTRATÉGIAS .......................... 1 O

ÉTICA E CONFLITO DE INTERESSE ....... 18 DÉFICIT NO COMÉRCIO DE TECNOLOGIA ...............•....... 20 PROBESERÁINCORPORADO À CAPES ... ...................•..•.... 22 TERROR TEM REFLEXOS NA PESQUISA .................•....... 23

CIÊNCIA ........................... 24 LABORATÓRIO .... . .. . ... .. ........ ... 24 NASCEM CAMUNDONGOS QUE FACILITAM PESQUISAS GENÉTICAS ...... 32 QUANDO$ OS NEURÓNIOS FALHAM .... 35 BENEFÍCIOS IMEDIATOS DA QUEDA DA POLUIÇÃO .........• . ...... 36 CERRADO PRESERVADO E EXPLORADO ......................... 40 AS TRANSFORMAÇÔES DO PRÓTON .... 49

TECNOLOGIA •••••••••••••••••••••• 50 LINHA DE PRODUÇÃO ................. 50 SUBSTÁNCIAS EXTRAÍDAS DA SOJA E DA PRÓPOLIS .......•....... 55 NOVO MÉTODO PARA IDENTIFICAR BACTÉRIAS ............... 58 MODELO AVANÇADO PARA PREVISÔES METEOROLÓGICAS ......... 60 EMPRESA DESENVOLVE APARELHO QUE MEDE POLUIÇÃO ....... 64

HUMANIDADES •••••••••••••••••••• 68 COMO ESCRAVAS LIBERTAS ASCENDERAM ECONOMICAMENTE ..... 68 LINGUAGEM DOS SURDOS É SISTEMATIZADA EM DICIONÁRIO ...... 71 FUNDAÇÃO SEADE TRAÇA PERFIL DOS CRIMINOSOS DE SAO PAULO ....... 77 LIVROS •••••••••••••••••••••••••••• 80 LANÇAMENTOS •••••••••••••••••••• 81 ARTE FINAL •••••••••••••••••••••••• 82

Capa: Hélio de Almeida

14 Far-Manguinhos, do Rio de Janeiro, quer repassar tecnologia de produção de anti-retrovirais para Angola

44 Astrônomo do IAG analisa probabilidade de existirem outras civilizações na Via Láctea

52 Siderúrgicas ganham instrumentos de precisão e nova geração de concretos refratários para melhorar a eficiência e a competitividade

74 Um especialista alemão em Grande Sertão: Veredas desvenda os labirintos de Guimarães Rosa

PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 2001 • 3

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Entre capins e bambus

Como um dos colaboradores do primeiro volume da Flora Fane­rogâmica de São Paulo, gostei de ver sua divulgação na revista Pes­quisa FAPESP 67. Todavia, não pos­so concordar com a afirmação de que, para os botânicos, uma espé­cie não coletada em seu hábitat há 50 anos extinguiu-se. Esta informa­ção não corresponde à realidade, tanto em termos científicos, quan­to em sua capacidade de refletir opinião unânime dos botânicos. Trata-se de uma grande simplifica­ção, baseada em definições arbitrá­rias de instituições que realizam le­vantamentos e monitoramento da biodiversidade e estabelecem prazos, a partir dos quais organismos são caracterizados, para fins utilitários, como, por exemplo, "ameaçados de extinção". Conclusões relativas à extinção de qualquer organismo são inócuas, se partem de resulta­dos do somatório de coletas alea­tórias. Quanto às Poaceae, o Estado de São Paulo é escassamente cober­to por coletas, que mostram sua maior densidade nos arredores da capital e de Campinas. Espécies do Oeste do Estado estão mal represen­tadas nos herbários e sua ocorrên­cia é artificialmente menos densa, em comparação às áreas limítrofes do Paraná e de Mato Grosso do Sul, onde a coleta mais sistemáti­ca de gramíneas nas três últimas décadas mostra inúmeros exem­plos. Em tais condições, um gran­de intervalo entre datas de coleta de exsicatas apenas atesta o gran­de intervalo entre coletas. Nunca a extinção de qualquer organismo. A louvável publicação do volume das Poaceae merece comemora­ção, mas não deve ser encarada co­mo o passo final.

JOSÉ F. M. VALLS

Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

Brasília, DF

4 · OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Análise clínica

Em Pesquisa FAPESP de agosto de 2001, infere-se que a pesquisa "Desenvolvimento de sistemas qui­miluminiscentes disparados por en­zimas", certamente trará benefícios para o diagnóstico clínico-labora­torial. Não duvidamos e acredita­mos mesmo. Entretanto, imaginar que tais técnicas possam resultar em exames laboratoriais mais baratos e eficientes, vai uma certa distân­cia. Acredito, e muito, na evolução rápida da tecnologia em geral e, na analítica, mais ainda. Mas posso ga­rantir aos dois ilustres pesquisado­res que no dia a dia do diagnóstico laboratorial, hormônios e correia­tos têm, ainda, no radioimunoen­saio (RIE), preços mais acessíveis que as técnicas chamadas quimilu­miniscentes e outras similares.

Revista

JOSÉ C ARLOS BARBtRI O

São Paulo, SP

Foi com enorme tristeza que li a reportagem publicada no suple­mento especial Políticas Públiças, em Pesquisa FAPESP 68, a reporta­gem Por um leite saudável. Infeliz­mente, não vi citada a fundamen­tal parceria do Instituto Biológico, por meio dos pesquisadores do Cen­tro de Sanidade Animal, os quais realizam todas as análises para mo­nitoramento de brucelose e tuber­culose, duas zoonoses de impacto social da mais elevada importân­cia, incluindo-se a aplicação no diag­nósticos de técnicas moleculares de PCR. Aliás, essas técnicas foram implantadas em nosso laboratório, exatamente com o financiamento da FAPESP.

M ARGARETH ÉLIDE GENOVEZ

ELIANA SCARD ELLI PI NHEIRO

LILIA GRASSO

ELIANA Roxo São Paulo, SP

Revista

Desde que cheguei na revista Forbes, a leitura de Pesquisa FA­PESPtornou-se obrigatória. É uma publicação muito bem escrita, que fica longe da armadilha do texto acadêmico.

MANOEL FERNANDES

Editor de Tecnologia/Ciência São Paulo, SP

Em visita à Mostra de Ciência e Tecnologia (Cientex), em abril de 2001, em Campinas, tive opor­tunidade de conhecer a revista da FAPESP. Praticamente a li por completo e os parabenizo pelo seu conteúdo.

PAULO FORMAG IO

Engenheiro Agrônomo

Sou professora de uma univer­sidade argentina e, ao ver pela pri­meira vez a revista Pesquisa FAPESP, achei que a publicação será muito interessante e útil para os temas que trabalho na classe. Parabéns pela publicação.

!<ARINA CECILI A FERRANDO

Universidad Tecnológica Nacional Avellaneda, Argentina

Como aluna de pós-graduação da Unicamp (Faculdade de Enge­nharia Química), gostaria de pa­rabenizá-los pela revista Pesquisa FAPESP, que sempre traz excelen­tes reportagens e informações.

Correção

ELAI NE C ABRAL

Campinas, SP

O valor correto do auxílio à pu­blicação concedido pela FAPESP para o livro Galileu Galilei, Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo, de Pablo Rubén Mari­conda, foi de R$ 10.000,00 e não de R$ 20.300,00, como consta em Pes­quisa FAPESP 66.

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Pesquisa PESQUISA FAPESP

É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA

DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULD EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE·PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOSVOGT

FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER

JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

NILSON OIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO

RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN

CONSELHO T~CNICO-ADM INISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTliATIVO

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTiFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL

PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

NELDSON MARCOLIN

EDITOR DE ART! HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI [CIÉNCIA) CLAUDIA IZIQUE [POLITICA C&D

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)

EDITOR·ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO

REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVETIA

ARTE JOSÉ ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÃO)

LUCIANA FACCHINI (DIAGRAMAÇÃO) TÂNIA MARIA DOS SANTOS

(DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA)

FOTóGRAFOS EDUARDO CESAR MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORES ANA MARIA FlORI

CLAUDIA BARCELLOS JOSÉ TADEU ARANTES

LUCAS ECHIMENCO LUIZ FERNANDO VITRAL

MARIA APARECIDA MEDEIROS RENATA SARAIVA

ROBINSON BORGES SILVIA MENDES

WAGNER DE OLIVEIRA YURI VASCONCELOS

PRÉ-IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN E GRÁFICA AQUARELA

IMPRESSÃO PADILLA INDÚSTRIAS GRÁFICAS S.A.

TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, N' 1500, CEP 05468-901

ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (0 - 111 3838-4000 - FAX: (O - 11 I 3838-41 81

SITE DA REVISTA PESQUISA FAPESP: http://www.revistapesquisa.fapesp.br

[email protected]

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP t PROIBIDA A REPRODUÇAO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇAO

lf3APESP SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIA

E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

EDITORIAL

Cerco à hipertensão

Já está se tornando uma tradição: pesquisadores brasileiros fizeram mais uma descoberta importante

sobre hipertensão. Equipe da Univer­sidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto do Coração (Incor) achou uma proteína que aparece ape­nas em quem já tem pressão alta ou exibe predisposição para desenvolvê­la. A hipertensão é importante objeto de estudo em todo o mundo pela ameaça silenciosa que representa. Quando se conseguem novas informa­ções que possam efetivamente levar a um diagnóstico precoce, o mundo científico comemora. É um passo a mais para combater uma doença que, quando se manifesta, normalmente já provocou estragos na saúde do pa­ciente. Estimativa da Organização Mundial de Saúde aponta para mais de 600 milhões de hipertensos no mundo - só no Brasil, 20% da popu­lação adulta tem o problema.

Os pesquisadores criaram um kit para medir a presença da proteína na urina humana, que poderá se tornar um teste preditivo de hipertensão. Eles também pediram a patente só­bre o uso do marcador e do teste no Brasil e farão o mesmo nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. A boa notícia segue a linha de pesquisas im­portantes já feitas sobre o assunto. Na década de 60 identificou-se na Facul­dade de Medicina de Ribeirão Preto a molécula BPF (fator de potenciação da bradicinina), que deu origem a um remédio muito utilizado contra a doen­ça. Este ano, o Centro de Toxicologia Aplicada do Butantan patenteou o princípio ativo de outra molécula, o Evasin, que também deverá originar um fármaco anti-hipertensivo. E, agora, aparece o trabalho da equipe da Unifesp e do Incor, objeto de capa desta edição (página 26). Sinal de que a competência instalada no sistema de pesquisa do Estado de São Paulo

raramente deixa de dar frutos quan­do dispõe de meios adequados.

O mesmo vale para outros cen­tros de pesquisas brasileiros reconhe­cidamente competentes. O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Far-Man­guinhos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por exemplo, está prepara­do para ajudar países da África de língua portuguesa que têm convênios de cooperação com o Brasil. Far-Man­guinhos deverá transferir tecnologia de fabricação de anti-retrovirais para Angola, país com alto índice de con­taminados pelo HIV; causador da Aids. A história com o belo trabalho da Fio­cruz começa na página 14.

Na seção de Tecnologia, há um exemplo de parceria entre universi­dade e empresa com resultados para lá de bons. A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Alcoa Alumí­nio criaram o reômetro para concre­tos, um instrumento que se destina a aferir o grau de qualidade e as reações entre matérias-primas usadas na for­mulação de concretos refratários. O estudo é um sucesso: gerou dez dis­sertações de mestrado, sete teses de doutorado, um livro e o registro de três patentes. A Alcoa lançou um soft­ware específico que custa R$ 800,00, cuja renda reverterá toda para a UFS­Car (página 52). Pesquisa FAPESPtem se esmerado em mostrar esse tipo de trabalho como indicativo das nume­rosas possibilidades de aproximação entre a academia e o setor produtivo. Já está provado que essa aproxima­ção, se bem articulada, só traz benefí­cios para as duas partes.

Em Humanidades, pesquisadores do Instituto de Psicologia da USP leva­ram a termo um dicionário brasileiro com a língua dos sinais, para deficien­tes auditivos (página 71), o primeiro do país. Por fim, esta edição vem com o suplemento Inovação Tecnólogica, que atualiza dados de 1999.

PESQUISA FAPESP · OUTUBRODElOOI • 5

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MEMÓRIA

O pioneiro da aeronáutica Há 120 anos, Júlio César Ribeiro de Souza descobria como dirigir balões

I

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Q uando o paraense Júlio César Ribeiro de Souza ( 1843-1887) tornou-se

obcecado por pássaros, na segunda metade do século 19, as pessoas mais bem informadas de Belém não estranharam. O balonismo estava na moda na Europa e havia uma corrida para descobrir como tornar os balões dirigíveis. Souza mergulhou na questão a partir da observação das aves: se achasse o ponto de equilíbrio que permite aos pássaros voar e planar no ar com pouco esforço, encontraria uma solução mecânica que poderia ser aplicada também aos balões. O brasileiro acabou por produzir um estudo original que seria importante para a história da aviação. Souza publicou suas conclusões em 1 o de agosto de 1880 no jornal A Província do Pará e, no ano seguinte, apresentou o estudo Memória sobre a Navegação Aérea no já extinto Instituto Politécnico Brasileiro, do Rio de Janeiro.

6 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Sucesso e fracasso O Victoria comprovou as teses de Souza. O Santa Maria não subiu por falta de dinheiro e problemas com o gás hidrogênio

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Reconhecimento - Santos Dumont foi mais fe liz que Souza e ganhou o Prêmio Deustsch

ao contornar a Torre Eiffel, há cem anos

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! A descoberta consiste no ~ seguinte: o homem também :: poderia voar desde que

construísse um pássaro mecânico invertido (de cabeça para baixo), com leme e asas móveis. A designação técnica desse corpo mecânico dada na época é balão fusiforme dissimétrico aerodinâmico -fusiforme porque tem a forma de um fuso e dissimétrico em razão de ter a proa (frente) maior que a popa (traseira). Os balões construídos na época tinham quase todos três formas: gota d'água invertida, cilindro cônico e fusiforme simétrico. Foram experimentados diversos meios na tentativa de lhes dar movimento e direção. Porém, eles subiam apenas verticalmente, sem rumo. Com a invenção do motor a vapor, máquinas com hélices também foram instaladas nos balões, sem sucesso. A descoberta do brasileiro mudou tudo. O balão com a proa mais bojuda que a popa movimenta-se para a frente mesmo contra o vento. O parecer da Comissão da Seção de Ciências Físicas do Instituto Politécnico Brasileiro explicava o fenômeno: "Na ação contínua de vencer a resistência oposta pelo ar nos planos laterais (asas e leme), ligeiramente inclinadas para a frente, o balão produzirá por si só, em tempo calmo ou com aragem branda, um movimento horizontal". Subsidiado pelo governo do Pará, o brasileiro

foi para Paris construir o balão experimental para testar sua teoria; em 1881. Já prevendo problemas, Souza patenteou a invenção em dez países e expôs suas idéias na Sociedade Francesa de Navegação Aérea. Por fim, no mesmo ano, o balão ficou pronto nas oficinas de Hilaire Lachambre, com 10 metros de comprimento, 2 metros de diâmetro na proa, asas e leme horizontais. Souza batiza-o deLe Victoria em homenagem à sua mulher, Victoria Filomena do Vale, e nos dias 8 e 12 de novembro, o invento é testado com sucesso diante de toda a imprensa francesa. De volta ao Brasil, o inventor tenta conseguir dinheiro para construir um dirigível de grande porte, já encomendado em Paris, que se chamou Santa Maria de Belém, mas

não repete a experiência em razão de problemas financeiros e técnicos. Em agosto de 1884, Souza fica sabendo que os franceses Charles Renard e Arthur Constantin Krebs construíram o dirigível La France baseado nos princípios do Victoria. Renard e Krebs haviam assistido à conferência de Souza em Paris e acompanharam a construção do balão brasileiro nas Oficinas Lachambre. "O invento estava patenteado na França, o que constituiu roubo industrial", afirma o historiador Fernando Medina do Amaral, já morto, no livro Júlio

César, o Verdadeiro Arquiteto da Aeronáutica, em que faz um reconstituição documental da trajetória do brasileiro. Em vão, Souza ainda lutou para ser reconhecido como criador da dirigibilidade dos balões. De volta a Belém, o inventor morre em 1887. Franceses e alemães seguiram aperfeiçoando novos dirigíveis. Até que, há cem anos, o brasileiro Alberto Santos Dumont contornou a Torre Eiffel, em Paris, no dirigível no 6. Com o feito, Dumont conquistou o Prêmio Deutsch, criado para quem fizesse em 30 minutos o percurso de ida e volta e, cinco anos depois, voou em um veículo mais pesado que o ar. Uma prova de que, apesar do esquecimento, as descobertas de Souza não se perderam.

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 7

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OPINIÃO

MARCELO LEIT E

Imprensa e inovação O jornalismo científico tem uma contribuição a dar no desenvolvimento

tecnológico, mas seu papel não se restringe a difundir e educar

Não é tarefa trivial responder à ques-tão sobre qual se-

corra da falta de reporta­gens sobre ciência nos jor­nais e revistas brasileiros.

ria o papel ou a contribui­ção do jornalismo científico no desenvolvimento cien­tífico e tecnológico doBra­sil. Certamente ele tem um papel a desempenhar, mas é duvidoso que se restrinja a difundir e educar, como em geral se tende a pensar. Talvez seja de valia tentar rastrear essa contribuição possível a partir de sua re-

"A imprensa nunca se rebaixará

Segundo os pesquisadores Ildeu de Castro Moreira, Luisa Massarani e Isabel Magalhães, da Universi­dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de junho de 2000 a maio de 2001 os seis principais diários do país publicaram 751 tex­tos sobre genética (média de um texto em cada jor-

à função de simples

reprodutor de informações,

lação com um problema real e presente, como o da dificuldade crônica da pes-quisa brasileira em efeti-var-se como inovação tecnológica. Teria a im­prensa não-especializada uma contribuição a dar na superação desse fosso?

Segundo dados do Livro Verde do Ministé­rio da Ciência e Tecnologia (MCT), o Brasil ocupa o 17° lugar no mundo em número de trabalhos científicos aceitos por publicações indexadas, com 12.333 artigos no ano 2000. Isso representa um acréscimo de mais de 400% em relação a 1981, contra uma média de cres­cimento mundial da ordem de 90%. No que diz respeito a patentes, porém, o desempenho brasileiro é acanhado, sobretudo se compara­do com a Coréia do Sul: apenas 113 patentes registradas no Escritório de Patentes e Marcas dos EUA em 2000, contra 3.472 do país asiáti­co. Não existe uma correia de transmissão en­tre o mundo da pesquisa, basicamente estatal, e o mundo empresarial.

Constituiria rematada ingenuidade, no en­tanto, pretender que essa incomunicação de-

8 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

nal a cada três dias). Alguém poderia argu­

mentar que ao menos par­te desse distanciamento entre institutos de pesqui-

sa e empresas seja produto da relativamente pequena participação de pesquisas brasileiras na pauta das reportagens (da ordem de 41 o/o, segundo os pesquisadores da UFRJ). Com efeito, essa é uma crítica freqüente que pesqui­sadores dirigem ao jornalismo científico brasi­leiro. Tão ingênuo quanto ignorá-la, no entanto, seria acreditar que as deficiências apontadas tenham a capacidade de oferecer alguma expli­cação causal para a falta de articulação entre os setores de produção de bens materiais e de produção de conhecimento. Essa deve terra­zões orgânicas mais profundas na própria es­fera da economia e das instituições, que cabe­ria a outros especialistas identificar.

Não se iludam cientistas e empresários com a imprensa. Ela não é uma instituição educacional, nem tem por missão única e ex­clusiva a disseminação de informações, no sentido bruto dessa palavra. Um de seus mais importantes pontos de partida é a noção de

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que não existe informação neutra ou objetiva. Ao contrário, a imprensa merecedora desse nome supõe que a informação é inextricável dos interesses a ela associados - mesmo no mundo da ciência- e que faz parte de sua mis­são incluir ou considerar esses matizes ou vie­ses na própria tarefa de informar. Tal impe­rativo, muito bem aceito e valorizado no jornalismo político e econômico, costuma ser mal compreendido quando jornalistas de ciência tentam ser fiéis a ele.

O pressuposto, ao se falar em educação, costuma ser o de que há fatos objetivos e in­questionáveis produzi-dos pela ciência isenta e de que, uma vez que o pú-blico tenha acesso a eles, o consenso racional se es-

já no exterior iniciativas de sucesso que podem oferecer um ponto de partida, como os serviços EurekAlert, Science Online e Press Nature, todos com áreas de acesso restrito para jornalistas cre­denciados. Esse credenciamento é necessário para que informações possam ser antecipadas aos profissionais sob embargo, ou seja, com o compromisso de publicação da reportagem apenas após determinada data, o que compa­tibiliza um trabalho jornalístico mais apura­do com a prioridade da publicação científica.

Um serviço desse gênero seria de pouca va-lia, no entanto, se funcionasse como uma es­

pécie de quadro de avisos, em que todos pudessem pendurar o que bem en­tendessem; em pouco tem­po, nenhum jornalista

tabelecerá. Nada mais dis­tante da realidade. As ques­tões científicas, na arena pública, são e continuarão a ser questões políticas. A complexidade científi­ca compõe somente seu pano de fundo, e é a partir dela - e não determinada por ela - que a sociedade tem de tomar decisões ne­gociadas.

"É importante criar um serviço de notícias ágil

mais se daria ao trabalho de consultá-lo. É funda­mental que o serviço dis­ponha de um filtro de ca­ráter editorial, ou seja, que só dê guarida a comunica­ções que cumpram requi­sitos mínimos de qualida­de científica e de relevância jornalística.

e confiável para os jornalistas

especializados, As instituições de fo­

mento à pesquisa têm provavelmente o melhor acervo centralizado de in­formações sobre estudos em fase de conclusão e de S

e o papel de facilita­dor for entendido como o de um inter-

mediário, de preferência incapaz de compreen­der, contextualizar e problematizar as próprias técnicas e os conhecimentos, tudo se resume a um mal-entendido e a falsas expectativas. A imprensa nunca se rebaixará à função de sim­ples reprodutor de informações. Mas ela pade­ce, sim, de uma crônica falta de informação e de atenção sobre pesquisas nacionais, e nesse sentido - ao menos por omissão - contribui para essa falta de comunicação.

Para aterrar esse outro fosso, entre as insti­tuições de pesquisa e os órgãos de imprensa, é preciso criar um serviço de informações ágil e confiável para jornalistas. Hoje, eles são assedia­dos diariamente por toneladas de press releases de escassa ou nenhuma relevância. É imperati­vo começar a pensar num serviço nacional e centralizado de informações sobre pesquisas para jornalistas especializados em ciência. Com os recursos hoje oferecidos pela Internet, ele não teria custos proibitivas de implantação, e há

qualidade. Por isso, deveriam assumir a res­ponsabilidade de intermediar esse fluxo de in­formações entre institutos de pesquisa e a im­prensa, com o que esta se encarregará, então, muito melhor, da tarefa de disseminar essas in­formações para o público, empresários e inves­tidores aí incluídos, da maneira como se deve: com precisão, contextualização e crítica. Esse é o melhor serviço que ela pode prestar ao país.

MARCELO LEITE é editor de Ciência da Folha de S.Paulo e autor dos livros Os Alimentos Transgêni­cos (2000) e A Floresta Amazônica (2001 ), ambos da série Folha Explica (Publifolha)

(*) Adaptado de participação na mesa-redonda Uma população informada: Divulgação científica, na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, de setembro de 2001

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 9

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS . '

Os ganhadores do Nobel2001

Como ocorre há cem anos, em outubro foram divulga­das as personalidades que se destacaram nas seis categorias existentes do Prêmio Nobel. A Real Academia de Ciências da Suécia este ano homena­geou a Organização das Na­ções Unidas (ONU) e seu se­cretário-geral, Kofi Annan, na categoria Paz. Nada mal para um prêmio criado pelo inventor da dinamite.

• Física - Os norte-americanos Eric Cornell e Carl Wieman, da Universidade do Colorado, e o alemão Wolfgang Ketterle, do Instituto de Tecnologia de Mas­sachusetts, nos Estados Unidos, ganharan1 o prêmio ao provar a existência do condensado de Bose-Einstein, um novo estado de matéria, espécie de gás com características especiais. Quan­do se aprender a trabalhar cor­retamente com esse material, ele terá aplicações práticas como, por exemplo, em componentes eletrônicos.

• Química - O japonês Ryoji Noyori, da Universidade de Nagoya, e os norte-americanos William Knowles, aposentado, e Barry Shapless, do Scripps Research Instituto de La Jolla, nos Estados Unidos, foram a pre­miação mais "prática" este ano na área científica. Eles resolve­ram o problema das moléculas quirais, que provocam reações biológicas inesperadas quando usadas em medicamentos. Ago­ra, é possível fabricar drogas sem efeitos negativos na saúde- esses estudos já são usados no com­bate ao mal de Parkinson.

1 O • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Anann: homenagem à paz

Na i paul: est ilista

• Medicina - A descoberta de como funciona o processo de divisão celular deu o prêmio aos ingleses Timothy Hunt e Paul Nurse, do Imperial Can­cer Research Fund, e ao norte­americano Leland Hartwell, do Fred Hutchinson Cancer Cen­ter, dos Estados Unidos. O tra­balho permitirá novos trata­mentos e diagnósticos de cân­cer, mas ainda deverá levar tem­po até se conseguir uma droga eficaz contra a doença.

• Economia - Os norte-ameri­canos George Akerlof, da Uni­versidade da Califórnia, Michael Spence, da Universidade Stan­ford, e Joseph Stiglitz, da Uni­versidade de Colúmbia, todas

Hartwell : divisão ce lular

Noyori: descoberta "prát ica"

nos Estados Unidos, mostra­ram por que os governos não podem abdicar de fiscalizar o mercado e aplicar punições, quando for o caso. O estudo deu origem a uma "teoria geral do mercado':

• Literatura- Autor de 25 obras em quase todos os gêneros literários, o escritor VS. Nai­paul- descendente de indianos nascido em Trinidad, no Cari­be, e radicado na Inglaterra -estreou nas letras em 1957.

Seus principais livros são Uma Casa para o Sr. Biswas, O Enig­ma da Chegada, Além da Fé e Uma Curva no Rio. Naipaul é considerado um estilista bri­lliante e um arguto observador.

• Paz - Kofi Annan, de Gana, atual secretário-geral da ONU, foi o escolliido pela academia sueca- uma forma de a acade­mia mostrar seu apreço pela paz nos cem anos do prêmio. Annan tem atuação destaca­da em conflitos pelo mundo, como no Timor Leste, Kosovo e Líbano, além de agir nas campanhas humanitárias.

lgNobel

Alguns dias antes do anúncio do Nobel, sai a lista do IgNobel, uma premiação muito bem­humorada patrocinada pela Universidade Harvard para as pesquisas "que não devem ser reproduzidas': Invariavelmen­te, o resultado é muito engra­çado e serve como contrapon­to à solenidade das homena­gens da Real Academia Sueca. Este ano não foi diferente: o IgNobel de Medicina foi para Peter Barss, da Universidade McGill, no Canadá, por con­cluir, com a ajuda de cálculos precisos feitos por um parente astrônomo, que cocos em que­da podem causar "contusões neurais severas': Em Biologia (as categorias do IgNobel são menos tradicionais que as do Nobel), ganhou Buck Weimer, de Pueblo, no Colorado, Esta­dos Unidos, por criar uma cue­ca com filtro que e]jmina o odor de flatulências. Em Tecno­logia, o advogado John Keogh, da Austrália, requisitou a pa­tente de um "aparellio circular de facilitação do transporte" -nada mais, nada menos que a roda. Sua solicitação recebeu a patente n° 2001100012. •

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O uso de armas químicas e biológicas não começou depois dos atentados con­tra os Estados Unidos. O bioterrorismo tem uma ori­gem remota, recheada de mortes. Conheça algumas dessas histórias.

Século 6 a.C. - Assírios jogaram centeio com fun­gos nos poços inimigos.

184 a.C. - Na batalha naval contra o rei Eumenes de Per­gamon, as forças de Hanni­bal atiraram potes com ser­pentes venenosas no convés inimigo.

1346- Durante o cerco de Kaffa, a armada tártara jo-

• Mais 15 milhões de professores

Estudo da Organização das Nações Unidas para a Edu­cação, a Ciência e a Cultura (Unesco) revelou que o mun­do precisa de mais 15 milhões

Uma longa história de horrores

Pizzaro: varíola como arma

ga seus mortos infectados sobre os muros da cidade.

Século 15 - Na conquista da América do Sul, o espa­nhol Francisco Pizzaro deu aos nativos roupas com o ví­

rus da varíola.

1767 - Na colonização da América do Norte, o gene-

de professores nos próximos dez anos, informou John Da­niel, subdiretor-geral do or­ganismo ao jornal El Pais. Embora os 59 milhões de pro­fessores existentes no mundo representem o maior grupo de profissionais qualificados

ral inglês Jeffrey Amherst en­viou cobertores infectados para os índios que resistiam à invasão. Tribos inteiras fo­ram dizimadas.

1797- Napoleão Bonapar­te tentou forçar a rendição de Mantua (Itália) conta­minando a população com a febre-do-pântano.

Amherst: germes contra índios

do planeta, em muitos países a profissão tem baixos salá­rios, condições ruins de tra­balho e pouco prestígio, o que dificulta o recrutamento, segundo um comunicado con­junto do Fund9 das Nações Unidas para a Infância (Uni-

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para [email protected]

food IIIUI brimc't'

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Napoleão: jogo sujo na Itália

1936 - O Japão fabrica e testa armas biológicas na Mandchúria. Dezenas de milhares de pessoas mor­rem em conseqüência da cólera e do antraz.

1995 - Ataque com gás sarin no metrô de Tóquio provoca 12 mortos e deixa dezenas de feridos. •

cef) e a Organização Interna­cional do Trabalho (O IT). A es­cassez de docentes é especial­mente grave no sul da Ásia e na África, mas há regiões ri­cas, como os Estados Unidos, que também têm déficit de profissionais. •

-.uen.org/utahlinkllp_res/nutri375.html

Um guia instrutivo para professores e alunos que relaciona ciência

-.abjc.org.br

Bom espaço de divulgação e discussão dos jornalistas especializados em ciência e tecnologia

-.exploratorium.edu/sports/index.html

Interessante site que explica didaticamente aspectos científicos

e alimentação de jovens e adultos. dos vários esportes.

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 11

Page 11: Hipertensão

Educação combate desertificação

Processo avançado de desertificação no interior de Pernambuco: ação coletiva

A atuação de 12 professo-res da Universidade Fede-ral do Piauí, que se uni-ram em 1994 para formar o Instituto Desert, uma organização não-governa-mental (ONG), está con-seguindo bons resultados contra a desertificação no interior de Pernambuco e, de quebra, melhorando a vida dos moradores do ser-tão. O objetivo é conscien-

• Perspectivas de novas parcerias

Satisfeito com os resultados da parceria estabelecida com a rede de Genomas Agronô­micos e Ambientais (AEG), responsável pelo seqüencia­mento do código genético da variedade da bactéria Xylella fastidiosa, que destrói as par­reiras da Califórnia, o Depar­tamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) pen­sa em estender a coopera­ção para outras iniciativas.

12 · OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

tizar as famílias para con-viver com a natureza sem degradá-la. De 2000 até meados deste ano, o lnsti-tuto Desert trabalhou com 210 famílias no interior de Pernambuco. "Treinamos os moradores das com uni-dade em atividades não-extrativistas", diz o presi-dente da ONG, Valdemar Rodrigues. O instituto faz cisternas de lO mil litros

"Os pesquisadores brasileiros fizeram até mais do pedi­mos", diz Edwin Civerolo, do USDA, que esteve em São Paulo visitando os laborató­rios da rede AEG, um projeto do programa Genoma-FA­PESP. Além de mapear o ge­noma da Xylella da uva, os cientistas da rede AEG estão terminando o trabalho de anotação e montagem do có­digo genético de outras duas linhagens da bactéria, a da amendoeira e a da espirra­deira (planta ornamental),

para armazenar a água da chuva e fossas assépticas. Também cria incubadoras de atividades que possam ser feitas por eles. "Traba-lhamos todo o processo." No final de outubro, o ins-tituto, com o apoio do go-vemo de Pernambuco e da Universidade Federal Rural de Pernambuco, começou a segunda etapa do trabalho, com outras 300 famílias. •

que haviam sido quase inte­gralmente seqüenciadas nos Estados Unidos. •

• Renovação do conselho da FAPESP

A eleição para renovação de um integrante do Conselho Superior da FAPESP será rea­lizada entre os dias 26 e 30 de novembro, até as 17 horas, via Internet. As instituições de ensino superior e pesquisa do Estado de São Paulo, oficiais ou particulares, que estão

credenciadas, têm até o dia 12 de novembro para inscrever candidatos utilizando os for­mulários disponíveis no site da Fundação (www.fapesp.br) e deverão encaminhar os no­mes de seus representantes­eleitores. A FAPESP avisará as instituições até 14 de novem­bro a relação dos candidatos inscritos, com os respectivos currículos resumidos. •

• Pesquisadora ganha Prêmio Cláudia

Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Ge­noma Humano e pesquisa­dora do Instituto de Biociên­cias da Universidade de São Paulo (USP), ganhou o Prê­mio Cláudia 2001, com ou­tras quatro mulheres. A pre­miação é anual, realizada por meio de uma rede de forma­dores de opinião, entidades governamentais e não-gover­namentais, fundações e uni­versidades, que indicam mu­lheres destacadas nas mais diversas áreas. Foi escolhida como Mulher do Ano a ala­goana Edneusa Pereira Ri­cardo, prefeita de São José da Tapera, a cidade mais pobre do país em 1991. Depois do

Mayana: reconhecimento

Page 12: Hipertensão

CBERS 2 montado no lnpe: programa deUS$ 300 millhões

assassinato do marido, em 1995, Edneusa foi eleita no ano seguinte e baixou drasti­camente a mortalidade infan­til, o analfabetismo e melho­rou o abastecimento de água. Em 2000, ela foi reeleita com 72% dos votos. As outras vencedoras foram Fernanda Giannasi (luta pelo banimen­to do amianto), Rosangela Barnabé (dá aulas de dança para deficientes físicos) e Vera Lazzaroto (atua na área de educação profissionalizante de adolescentes em situação de risco). Mayana, além das pesquisas genéticas, trabalha na interpretação de processos de distrofia muscular. •

• CBERS 2 embarca para a China

Terminaram os trabalhos no Brasil com o satélite CBERS 2, desenvolvido em parceria com a China. A montagem, integração e testes acabaram em outubro e agora ele será lançado no próximo ano em solo chinês. O programa CBERS (Satélite Sino-Brasi­leiro de Recursos Terrestres) inclui o desenvolvimento, construção e lançamento de dois satélites: o número 1, em órbita já há dois anos, e o 2, pronto para embarcar. O orçamento do programa é de US$ 300 milhões, 30% sob responsabilidade brasileira. •

• CNPq sob nova administração

O neurocirurgião da Univer­sidade Federal de São Paulo (Unifesp) Esper Cavalheiro assumiu a presidência do Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tec­nológico (CNPq), em 19 de outubro. Ele entrou no lugar de Evando Mirra, que assumiu a direção do recém-criado Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. O centro pres­tará assessoria técnica ao go­verno federal no acompa­nhamento e gestão de recursos de pesquisa e desenvolvimen­to. Lúcia Melo e Marisa Cas­sin, vindas do Ministério da Ciência e Tecnologia, já tra­balham com Mirra no centro. A princípio, nada muda no CNPq, embora o objetivo na­tural com o provável aumen­to de recursos em razão da criação dos diversos fundos setoriais seja o de crescer o número de bolsas, além de se abrir mais linhas para o finan­ciamento de projetos de pes­quisa. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) também tem novo diretor, Luiz Carlos Moura Miranda, pesquisador que trabalhou em diversos institutos e universi­dades no Brasil e no exterior. Ultimamente lecionava da Universidade Estadual de Maringá. •

• Embrapa lança Rede Genoma Bovino

A Empresa Brasileira de Pes­quisas Agropecuárias (Embra­pa) vai trabalhar pelo melho­ramento do gado leiteiro e de corte agora com as ferramen­tas da genômica. A Embrapa Gado de Leite lançou, em outubro, a Rede Nacional de Genoma Bovino, que irá unir outras unidades da empresa que já trabalham com pes­quisas genéticas, universida­des e instituições nacionais e estrangeiras. "Atuando de modo coordenado, evitamos a repetição de um mesmo

trabalho e compartilhamos as pesquisas realizadas", diz Mário Luiz Martinez, chefe adjunto de Pesquisa e Desen­volvimento da Embrapa Ga­do de Leite, cuja sede fica em Juiz de Fora (MG). Todos os anos o Brasil gasta cerca de R$ 800 milhões com produ­tos para combater parasitas que atacam o gado e perde R$ 2,6 milhões por deixar de produzir carne e leite. O La­boratório de Genética Mole­cular, também inaugurado em outubro, será fundamen­tal para a formação de um banco de DNA dos animais dos diversos programas. •

São Carlos terá novo campus da USP

A Universidade de São Paulo (USP) decidiu am­pliar o espaço do campus de São Carlos e vai ini­ciar a instalação do Cam­pus II em 2002. Hoje o Campus I está instalado em 321 mil metros qua­drados no centro da ci­dade. A nova área tem 730 mil metros quadra­dos e está a 4 quilôme­tros do centro. Com a aprovação do curso de Engenharia Aeronáutica e a recomendação do crescimento do número

de vagas pelo Conselho dos Reitores das Univer­sidades paulistas, a reito­ria da USP decidiu inves­tir em instalações mais amplas, que permitissem a expansão de outros cursos. A área, doada por uma empresa para a pre­feitura de São Carlos, será repassada para a USP. O investimento ini­cial, que deverá ser apro­vado em 2002, é de R$ 3,5 milhões para come­çar a montar a infra-es­trutura do Campus II. •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 13

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Page 14: Hipertensão

fóruns, como a Conferência Mundial sobre Aids, em Nova York, ou a Con­ferência Pan-americana de Saúde, que está disposto a transferir tecnologia de medicamentos para combater a doença, já que não pode doar recur­sos. Nossa política é de solidariedade internacional", completa.

O objetivo do acordo com Angola, ou com qualquer outro país africano, é qualificar os futuros parceiros para desenvolver e padronizar fórmulas de medicamentos sem proteção de patentes. "Isso não é o mesmo que fazer cópias~ ressalva Eloan. "Estamos falando de desenvolvi­mento de produtos:'

Política de medicamentos - Far­Manguinhos é uma referência nos mercados brasileiro e inter­nacional de medicamentos. O instituto já desenvolveu oito dos 12 anti-retrovirais produzidos por seis laboratórios oficiais e distribuídos pelo Ministério da Saúde. Esses medicamentos não estão protegidos por patente, já que foram registrados no país antes de 1997, quando entrou

vigor a Lei Brasileira de Pa­Oito desses antivirais já aprovados nos testes de

que avaliam o ii!Í'roítd·I"Õín de qualidade em rela­

mentos do governo com o programa seriam quase o dobro.

Os gastos com antivirais importa­dos, protegidos por patente, no entan­to, chegam a 59%. O governo tem bus­cado acordo com grandes laboratórios para a redução de preços. Em setem­bro, depois de vencer na Organização Mundial do Comércio (OMC) uma contenda com o governo norte-ame­ricano que questionava o artigo 68 da Lei de Patentes brasileira, sobre o licen-

tirnos cinco anos e as internações hospitalares em razão de doenças oportunistas, como tuberculose ou citomegalovírus, foram reduzidas em 80%. "O Estado tem de ter poder de monitorar preços e lucro e definir uma política clara para o tratamento de doenças que a indústria farmacêutica considera não lucrativas': justifica a diretora de Far-Manguinhos.

Essa mesma política vale também para o tratamento de doenças ligadas

medicamento de marca, Far-Manguinhos, da Fiocruz, é referência no mercado brasileiro de medicamentos

~:BC;nciO que seis deles têm o regis­de genérico. No Brasil, o desenvolvimento de

anti-retrovirais em Far-Manguinhos e sua produção em seis laboratórios pú­blicos respaldam o programa de dis­

~;:::~·:tr:tD\luato de medicamentos para Aids Ministério da Saúde. O Nevira­

por exemplo, que custava US$ por comprimido de 200 mg, o preço reduzido em 58%. No da Didanosina (ddl), a redução

de 72%. Atualmente, esses medi-JUll4eDt<>sjá representam 41 o/o dos R$

.milhões que o governo gasta na de anti-retrovirais com dis­gratuita. Se todos os medi­do coquetel de combate à

IS;<lOCJS;Sein importados, os investi-

ciamento compulsório de patentes em caso de abuso de poder econômi­co, e de ameaçar quebrar a patente do Nelfinavir, o laboratório Roche, de­tentor da marca, concordou em re­duzir o preço do fármaco em 40%. O Nelfinavir, aliás, já tinha sido desen­volvido por Far-Manguinhos. Com o acordo, o preço do comprimido pro­duzido pela Roche cairá de US$ 1,07 para US$ 0,64. Foi o segundo acordo fechado com laboratórios neste ano.

Em março, a Merck Sharp & Dohme reduziu os preços do Efavi­renz e do Indivinar, respectivamente em 59% e 64,8%. Os resultados fa­lam por si: a taxa de mortalidade por Aids no país caiu pela metade nos úl-

à pobreza, falta de saneamento básico, como a malária e a doença de Cha­gas, que estão entre as diversas linhas de pesquisa desenvolvidas pelo insti­tuto. Os projetos estão estruturados de acordo com níveis de prioridade. As pesquisas com doenças qualificadas como negligenciadas, a exemplo da tuberculose e leishmaniose, estão en­tre as prioridades, assim como as in­vestigações com fitoterápicos e com medicamentos batizados de excep­cionais, como antipsoriático, antipsicó­ticos, ou contra hepatite e epilepsia . A estratégia é manter o foco das pes­quisas naquilo que a sociedade e a população mais precisam. Estão em fase de pesquisa 18 produtos fitoderi-

PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 2001 • 1 S

Page 15: Hipertensão

vados. Outros quatro estão em fase de cultivo. Far-Manguinhos realiza, no momento, testes químicos e farma­cológicos com cinco produtos e for­mula outros dois.

Os projetas são conduzidos por 134 pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, seis pós-doutora­dos, 26 doutorados e 30 com mestra­do. As pesquisas são acompanhadas por um Núcleo de Planejamento e Gestão de Projetas, responsável pela avaliação do trabalho e que funciona como uma espécie de conselho do desenvolvimento do conhecimento. O núcleo avalia a relação custo/bene­fício de cada projeto, corta aqueles com mau desempenho, faz a interfa­ce com o mercado e julga a eficiência da equipe. "O setor privado só adqui­re confiança quando o desenvolvi­mento em escala na bancada for pa­dronizado. E isso é feito pelo Núcleo de Gestão. Na planta piloto realiza­mos escala de laboratório e de pro­dutos até 1 quilo. Em parceria com o setor privado, é possível saltar de 1 quilo para 30 quilos."

Otimização de gastos - A parceria com os setores público e privado tem sido a estratégia de Far-Manguinhos para a produção de fármacos e de­senvolvimento de formulações far­macêuticas. O instituto mantém acor­do de sigilo para copiar moléculas de produtos com custo acima de US$ 100, que são pouco ofertados ou não são atendidos pelo mercado. A síntese desses produtos é transferida para o setor privado, que assume a respon­sabilidade de sua fabricação. Muitos desses produtos já estão no mercado. Todas essas moléculas não estão pro­tegidas por patentes, o que libera o país do pagamento de royalties e per­mite o monitoramento de preços.

Em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o ins­tituto está pesquisando, há três anos, novos antivirais. Já foram registradas patentes de 60 moléculas que estão prontas para testes farmacológicos. Já foram feitos testes de toxicologia e far­macologia subaguda e constatou-se

16 · OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Mercado Farmacêutico Mundial

América Latina (US$ 22.4 bi lhões)

África, Ásia e Austrália (US$ 26,4 bilhões)

Europa (US$ 26,6 bilhões)

América do Norte (US$ 135,6 bi lhões)

que as moléculas têm potencial ativo para novos medicamentos. Far-Man­guinhos, agora, busca parceria com la­boratórios privados para o desenvol­vimento do fármaco, já que se trata de uma atividade de risco. A expecta­tiva, diz Eloan, é chegar a pelo menos dois fármacos. "Estamos preferindo confiar o desenvolvimento a labora-

Fonte: Ministério da Saúde/Fiocruz

tórios que tiverem farmoquímica no Brasil. Nossos parceiros terão licença para fabricar. Mas, como a patente é pública, o Estado manterá controle sobre o preço de mercado."

Novas moléculas - Far-Manguinhos também integra a rede mundial de la­boratórios, liderados pelos Médicos

Parceria para genéricos

O laboratório indiano Ranbaxy estuda joint venture com um labo­ratório nacional para a implanta­ção de uma fábrica de medica­mentos genéricos no país. A gigante Teza, de Israel, já iniciou negociação para produção de ge­néricos em parceria com a Biosin­tética. "Também há entendimen­tos com empresas canadenses, por meio da Associação Nacional de Fabricantes de Remédios, com o mesmo objetivo", adianta José Mar­cos Viana, assessor internacional do Ministério da Saúde.

A intenção do governo federal é expandir a produção nacional de genéricos, que, atualmente, repre­sentam entre So/o e 6% do mercado de medicamentos no Brasil. "Os produtos similares tendem a desa-

parecer. Ficarão no mercado os ge­néricos e os remédios de marca", ele diz.

Alguns laboratórios multinacio­nais garantem que, em breve, co­meçarão a produzir genéricos dos seus produtos liberados da prote­ção de patente. Mas a estratégia do governo é buscar parceria com gran­des produtores internacionais co­mo Índia - o maior país produtor privado de genéricos do mundo -, Israel ou Canadá.

O primeiro passo foi disponibi­lizar, para as empresas estrangeiras interessadas na produção de genéri­cos no país, uma linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimen­to Econômico e Social (BNDES).

O segundo foi aprovar no Con­gresso Nacional, em fevereiro deste

Page 16: Hipertensão

Sem Fronteiras, entidade francesa que conta com financiamento da Global Alliance - formada por Bill Gates, presidente da Microsoft, e Fundação Rockfeller, entre outros -, para pes­quisar novas moléculas para o trata­mento de leishmania, malária e doen­ça de Chagas ou negligenciadas pelos grandes laboratórios. Entre 1975 e 1997, das 1.233 novas drogas desen­volvidas, apenas 1 o/o era destinado ao tratamento dessas doenças que, no entanto, matam 13 milhões de pes­soas por ano, nos países em desenvol­vimento, de acordo com informações do Médicos Sem Fronteiras. Essas mo­léculas serão desenvolvidas em par­ceria pelos setores público e privado e os Estados terão poder de controle sobre preços, já que o objetivo é eli­minar essas doenças.

Mercado de farmoquímicos - O Brasil participa com 3,37% do mercado mundial de medicamentos, num total deUS$ 10,31 milhões. É o quinto em todo o mundo e o primeiro na Améri­ca Latina. No que se refere à produção

ano, a conversão de medida provi­sória alterando o inciso 7 do artigo 43 da Lei de Patentes, com o obje­tivo de facilitar a produção de me­dicamentos genéricos no país. A mudança na legislação deixa claro que os genéricos de determinada marca só podem ser comercializa­dos depois de 20 anos, quando se encerra o período de proteção da patente. Mas não há qualquer im­pedimento para que, até essa data, empresas desenvolvam pesquisa sobre o princípio ativo desses me­dicamentos. "A redação anterior deixava margem a interpretações restritivas que impediam não só a produção, como também a pesqui­sa", diz Viana.

Essa questão já foi objeto de um debate intenso entre a União Euro­péia e o Canadá que permitia a pesquisa, produção e estocagem de medicamentos genéricos antes do

de medicamentos, na avaliação da dire­tora de Far-Manguinhos, o mercado brasileiro é competitivo: 89,3% dos me­dicamentos são produzidos no país. Mas quando se fala na produção de fármacos, a situação é inversa: 82% dos farmoquímicos são importados. "Te­mos poucas empresas com competên­cia tecnológica e com padrão interna­cional para a realização de todas as etapas do processo de pesquisa. Ape­nas seis ou sete empresas estão ope­rando no país. Nesse aspecto, o Brasil é altamente dependente': ela diz. O Brasil, ela avalia, não possui uma po­lítica de incentivo ao desenvolvimento tecnológico e à produção local de prin­cípios ativos. Ao contrário: o que se observa é um decréscimo no nível das importações de fármacos, em decor­rência de um aumento da importação de medicamentos, e uma tendência de redução de alíquotas na importação de produtos finais, enquanto as de far­moquímicos se mantêm inalteradas.

A falta de incentivos ajuda a expli­car a seqüência de buracos presentes nas diversas etapas do desenvolvirnen-

fim da proteção da patente. O de­bate foi mediado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo parecer resultou numa altera­ção no acordo internacional, per­mitindo apenas a pesquisa, antes dos 20 anos.

Essa medida ficou conhecida no mercado como Bolar Provision, numa referência a uma outra con­tenda nos Estados Unidos, antes do acordo Trips, envolvendo uma em­presa produtora de genérico, a Bo­lar, e um grande laboratório. "A so­lução foi levada à Suprema Corte, que autorizou a pesquisa antes da quebra da patente': conta Viana. Além do Brasil, apenas Israel, Es­tados Unidos, Hungria e Canadá contam com essa proteção. A Bolar Provision, além dos recursos do BNDES, foi critério fundamental para atrair para o país empresas como a Teza ou a Ranbaxy.

to de um novo medicamento. O pri­meiro ocorre entre as fases de pesqui­sas básicas e pré-clínicas: os resultados da pesquisa são publicados, mas a fa­se pré-clínica, não é iniciada. E, quan­do isso ocorre, as drogas validadas não entram na fase clínica em função de escolhas estratégicas da empresa, criando um segundo buraco no de­senvolvimento de medicamentos. E, finalmente, quando as pesquisas clí­nicas avançam, as drogas novas ou existentes não chegam aos pacientes por falta de interesse comercial.

Na avaliação da diretora de Far­Manguinhos, só a parceria entre os se­tores público e privado poderá conso­lidar a política de fármacos no país. "É preciso proteger a indústria nacio­nal competitiva, com políticas de in­centivo e tributária para fortalecer o produto interno. A competitividade baixa os preços."

Cita o exemplo da Índia, um dos maiores produtores mundiais de ge­nérico, que desenvolveu seu mercado com um programa nacional de incen­tivos fiscais e de exportação de medi­camentos. O modelo indiano para o Desenvolvimento da Indústria Far­moquímica foi estruturado em cima de uma série de ações estratégicas de curto prazo de forma a alavancar ne­gócios, sobretudo no setor privado. O governo criou uma fundação para a promoção do desenvolvimento de me­dicamentos; reestruturou e moderni­zou os centros de P&D; implementou fundos de investimentos para as ati­vidades de P&D de novos medicamen­tos; alterou a Lei de Patentes, além de adotar políticas de incentivos fiscais de apoio à importação. A médio pra­zo, investiu-se no fortalecimento da infra-estrutura para o programa de Descoberta de Novas Moléculas e no desenvolvimento de recursos huma­nos para a investigação de novos me­dicamentos. Os resultados já são co­nhecidos: a Índia é, atualmente, um dos maiores produtores de medica­mentos genéricos em todo o mundo. Eloan acredita que o fortalecimento do setor farmoquímico no Brasil pas­sa por caminho semelhante. •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 17

Page 17: Hipertensão

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ÉTICA

Uma questão delicada Publicações científicas buscam meios de lidar com conflito de interesses

Oproblema do conflito de inte­resses na pesquisa científica,

principalmente na área biomédica, começa a mobilizar publicações cien­tíficas de prestígio. Trata-se, sem dú­vida, de uma questão complexa já que, atualmente, grande parte dessas in­vestigações conta com financiamento de empresas e de agências de fomen­to e é realizada por cientistas por elas contratados ou apoiados. A possibi­lidade de que interesses financeiros possam se sobrepor aos interesses éti­cos levou algumas revistas de prestí­gio a adotar critérios mais rígidos na eleição de artigos para publicação. A Nature adotou, desde 1 ~ de outubro, uma série de medidas com o objetivo de tornar público eventuais situações de conflito. Antes dela, editores de 11 das mais importantes publicações em todo o mundo, já tinham anunciado decisão semelhante. A FAPESP, desde março está utilizando o princípio da plena informação para contornar potenciais problemas éticos.

Regras da Nature - Os pesquisadores interessados em divulgar seus pa­pers na Nature deverão declarar por escrito as fontes de financiamento e qualquer conflito de interesse que possam ter com a divulgação da pes­quisa. Um resumo dessa declaração será publicado como parte do paper e sua versão integral ficará à disposi­ção dos interessados no si te da revis­ta. Se o pesquisador preferir, poderá manter essa informação sob sigilo, mas os leitores serão informados

18 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

dessa opção. Para a Nature, financia­mento, emprego e interesses finan­ceiros pessoais em relação aos resul­tados da pesquisa são interesses competitivos.

A Nature ressalva que a nova po­lítica não está baseada no pressupos­to de que os interesses comerciais de pesquisadores provavelmente condu­zirão a uma falta de integridade na pesquisa. "Baseia-se, antes, no reco­nhecimento de problemas potenciais': justificou o editor Philip Campbell, em editorial publicado na edição no 412, de 23 de agosto de 2001.

Os "problemas potenciais" a que ele se refere são as evidências "suges­tivas" na literatura de que práticas editoriais em pes-quisa biomédica têm sido influenciadas por in­teresses comerciais de seus autores, uma preocupação geral entre os pesqui­sadores de um possível solapamento da integridade da pesquisa científica pelo aumento dos laços comerciais e seus efeitos decorrentes e o fato de muitas instituições estarem adotando essa exigência em publicações. "On­de acharmos que a confiança foi sig­nificativamente comprometida pelos atos de um autor, trataremos de cor­rigir o problema com sanções e comu­nicados a leitores empregadores': ad­verte o editor.

Charles Jennings, editor executivo das edições mensais especializadas da revista, tem afirmado que, nos Esta­dos Unidos, há uma grande preocu­pação em relação à comercialização das pesquisas e não são raros os casos em que cientistas chegam a lucrar milhões de dólares por conta de pa­tentes ou contratos com empresas. As medidas de precaução adotadas pela revista pressupõem que os autores estarão declarando a verdade e, no

caso de omissão, serão julgados pela comunidade.

Editorial comum - No dia 10 de setem­bro, os editores de 11 das mais im­portantes publicações divulgaram um editorial conjunto com uma série de decisões adotadas para enfrentar essa questão. Estabeleceram, entre outras medidas, que os autores de ar­tigo, bem como os revisores, devem tornar pública qualquer relação que possa ser considerada conflito de in­teresse. Os pesquisadores têm que as­sinar uma declaração na qual afir­mam terem tido acesso a todos os dados do estudo e se responsabilizam pela integridade desses dados e apu­ração cuidadosa . Assinam o editorial

os responsáveis

pelo New England ]ournal of Medicine, British Medical ]ournal, The Lancet, Annals of Inter­nal Medicine e fournal of American Medical Association.

Na época, Jeffrey M. Drazen, edi­tor-chefe do New England ]ournal of Medicine, disse à Reuters Health que a idéia por trás do editorial foi asse­gurar a participação dos pesquisado­res na definição e análise dos testes clínicos. Ele contou que há indícios de que algumas empresas tentaram suprimir da publicação resultados des­favoráveis ou tentaram interpretar esses dados de forma positiva, limi­tando a participação dos pesquisa­dores acadêmicos. Considerando o fato de que as empresas financiam a maioria das pesquisas clínicas, a nova política editorial, ele prevê, aju­dará na identificação das verdadeiras fontes de dados, fornecendo ao pú­blico uma idéia melhor sobre como

Page 18: Hipertensão

as informações deveriam ser incor­poradas na sua rotina.

quisadores, mas toda a sociedade deve ser informada sobre todas as circunstâncias de realização de um projeto que possa acarretar a existên­cia de potenciais conflitos de interes­se", argumentam José Fernando Pe­rez, diretor científico da FAPESP, e Luiz Henrique dos Santos, assessor científico, em artigo publicado na Pesquisa FAPESP de março de 2001. Eles reconhecem que o modo mais simples de afastar o risco de uma si­tuação de potencial conflito de inte­resses é impedir que ele surja. Mas essa pode ser uma solu-ção "demasiadamente simples", ponderam. E exemplificam: o teste

clínico de um medicamento pode não ser viável sem o apoio de uma empre­sa, o que poderá resultar na privação do acesso da população a um instru­mento terapêutico. Além disso, con­tinuam, "parece razoável que uma boa parte dos custos do processo de elaboração de um produto comercial seja assumida pela empresa que lu­crará com sua comercialização e não, por exemplo, por órgãos ou agências alimentadas por recursos públicos". Por essa razão, justificam, "não nos resta senão lidar com potenciais con­flitos de interesses por meio de estra­tégias mais complicadas, que muitas vezes só podem ser completamente definidas caso a caso': •

Conflito e ética - Mas há quem consi­dere que essas medidas não surtirão efeito. Arnold Relman, professor emérito de medicina da Universi­dade Harvard, que já foi editor do The New England ]ournal of Medici­ne, de 1977 a 1991, publicou um ar­tigo em New Scientist, de 22 de se­tembro de 2001, criticando os termos do editorial conjunto. "Os editores sustentam que a melhor maneira de lidar com conflito de interesses é tor­ná-lo claro. Presumivelmente, a im­plicação é que nós podemos convi­ver com isso, desde que todo mundo saiba o que está acontecendo", escre­veu. O editorial comum, ele comenta,

parte do princípio de que a --~::;;;;;:~~::--:~:;~~~~r~~~r""===:;;:~o:::~~-~:...: .. :""MR;:._.::~:,_ simples revelação pode solucionar o problema. "Não pode': garante. Ele acredita que "tem­pos virão" em que os editores serão obrigados a dizer: "Nós não vamos admitir esse conflito de interesse e não vamos publicar pesquisa onde

esse tipo de conflito exista". Ele tam­bém discorda da utilização do termo potencial para qualificar ditos confli­tos. "Se você aceita um incentivo co­mercial que o leva a esconder coisas em favor de seu benfeitor, este é o conflito", esclarece. O potencial con­flito existe enquanto o leitor não pu­der provar que o pesquisador estava influenciado. Reconhece que uma declaração de ética é melhor que ne­nhuma declaração de ética. E con­clui: "Mas eles optaram pelo cami­nho mais suave".

Estratégias "complicadas"- A FAPESP adotou, em março deste ano, uma sé­rie de medidas para enfrentar poten­ciais situações de conflitos. Elas se pautam pelos princípios da plena in­formação e plena verificabilidade. "Não apenas a comunidade dos pes-

Page 19: Hipertensão

- 1.000

100

10

1990

Transações internacionais de tecnologia

Exportações e importações de tecnolog ia no Brasil (1990/ 2000) US$ milhões

IMPORTAÇÕES

EXPORTAÇÕES

1995

1991 1992 1993 1994

20 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PESQUISA

O fiel da balança

2.519

1996 1997 1998 1999

Pesquisa da FGV-RJ analisa exportações e importações de serviço~ de tecnologia

2.296 2.66 7

2000

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, dei­xa evidente que o país paga literal­mente caro pelo baixo investimento das empresas em tecnologia. O estudo

avaliou os negócios de exportação e importação de serviços tecnológicos (fornecimento de tecnologia, marcas e patentes, implantação de serviços, fran­quias, etc.), entre 1990 e 2000, período em que se in­tensificou a troca entre as empresas brasileiras e as de outros países. O objetivo foi identificar o volume de recursos envolvidos, o tipo de tecnologia transacio­nada, os setores mais dinâmicos e o porte das empre­sas parceiras. Os resultados foram preocupantes. No período estudado, o comércio tecnológico do Brasil com outros países movimentou US$ 14,5 bilhões, ou algo em torno de 0,005% do Produto Interno Bruto (PIB), um volume de negócios relativamente peque­no para um país que precisa inovar para competir no

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mercado internacional. No mesmo pe­ríodo, os Estados Unidos movimenta­ram 4% do seu PIB, ou US$ 320 bi­lhões com a exportação e importação de tecnologia.

O Brasil exportou US$ 2,8 bilhões em tecnologia e importou US$ 11,7 bilhões. E o déficit na balança comer­cial foi deUS$ 8,9 bilhões. "Em nenhum dos setores encontramos resultados positivos", diz Virene Roxo Matesco, da FGV-RJ, coordenadora da pesqui­sa e diretora da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet­SP). Esses resultados, ela avalia, suge­rem que a incorporação de tecnolo­gias importadas, apesar de agregar valor ao produto interno, ainda não teve impacto nas exportações brasi­leiras de serviços de tecnologia, como seria de se desejar.

Balança comercial- Com base nos nú­meros fornecidos pelo Banco Central (BC), a pesquisa constatou que,no âmbito do comércio de tecnologia, as exportações brasileiras da indústria de transformação lideraram as vendas externas por setor e representaram 57,23% dos negócios brasileiros com outros países. O setor de serviços participou com 35,75% do total das exportações, seguido pelo de comér­cio, com 6,18%, e por outros setores, com 0,84%. Os maiores investimen­tos foram na compra de serviços téc­nicos especializados, que representa­ram 87,13% das importações. Os demais- serviços técnicos especiali­zados de montagem de equipamen­tos, de projetas, desenho e modelos de engenharia e de implantação ou instalação de projetas- não ultrapas­saram a casa dos 5%.

As transferências de tecnologia li­deraram as importações, somando 38,15% das compras externas brasi­leiras. Em seguida, vieram os serviços técnicos especializados, com 24,4 7%, e o fornecimento de serviços de assis­tência tecnológica, com 17,57%. Em quarto lugar, estão os gastos com pa­tentes -licença de exploração e ces­são -de marcas e patentes-, registro,

depósito ou manutenção. Os núme­ros são expressivos: somaram US$ 1,3 bilhão, ou quase 11,5% do total das importações. E, na quinta posição, estão os serviços técnicos especializa­dos de montagem de equipamentos, que representaram 3,8% do valor to­tal das importações.

As importações de tecnologia, Vi­rene reconhece, são benéficas para o país, já que sinalizam o investimento das empresas na modernização do par­que instalado e na inovação de suas atividades. "Demonstram a crença no futuro" observa. O problema, no caso brasileiro, está no ritmo de cres­cimento das exportações de tecnolo­gia ao longo do período estudado. "O desempenho dos negócios deixa claro que as importações de bens de capi­tal e de tecnologia não têm consegui­do agregar valor aos bens e serviços aqui produzidos de forma a permitir o superávit de alguns setores de ativi­dades", ressalva.

Déficit tecnológico - Todos os setores analisados registraram déficit na ba­lança comercial de serviços de tecno­logia. No setor agropecuário, as ex­portações concentraram-se nas áreas agrícola e pecuária e movimentaram um total de US$ 46,9 milhões, mas o déficit acumulado no período foi de US$ 8,1 milhões.

O mesmo desequilíbrio foi obser­vado em todos os setores da indústria. A indústria extrativa mineral apresen­tou um significativo saldo negativo de US$ 156,6 milhões. Até no setor de pe­tróleo, que, historicamente, registra um alto investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), observou­se um déficit tecnológico acumulado da ordem deUS$ 58,5 milhões. Esse de­sempenho repetiu-se também na in­dústria de transformação, que movi­mentou US$ 7,5 bilhões em compra e venda de tecnologia, com déficit tecno­lógico deUS$ 1,6 bilhão. O setor que mais registrou vendas com tecnologia, sem, no entanto, sair do vermelho, foi o que reúne as indústrias ligadas ao segmento automobilístico e o de bens de capital. No setor de comércio,

o déficit foi de US$ 458,9 milhões, e no de serviços, de US$ 3,9 bilhões.

As grandes empresas foram respon­sáveis por 40% das exportações. A par­ticipação das pequenas foi de 13,4% das receitas. As importações foram mais bem distribuídas entre as empre­sas de diversos portes. Virene chama a atenção para o fato de as megaempre­sas terem participado com somente 3% das despesas totais, o que, na sua opinião, demonstra o pouco interesse em investir na inovação.

Vantagem competitiva - Virene, mais uma vez, reconhece que o tamanho do mercado interno brasileiro - que consome cerca de 90% da produção nacional de tecnologia - poderia, para alguns, justificar esse desequilí­brio na balança do comércio tecno­lógico do Brasil ao longo do período. ''As multinacionais, por exemplo, têm o seu foco no mercado consumidor nacional." Sublinha, no entanto, que esse desempenho tem o que ela cha­ma de viés estrutural complicado. "Perdemos o bonde na virada dos anos 60 e 70, quando a vantagem compe­titiva do país não estava na produção interna, mas na tecnologia intensiva", analisa. Na última década, o país negligenciou vários fatores que, hoje, contribuem para que as novas tecno­logias incorporadas à produção se dispersem e não agreguem valor ao produto, com reflexos positivos nas exportações. Um dos fatores de dis­persão, ela aponta, é a ausência da "educação para a tecnologia." ''Apos­tamos na erradicação do analfabe­tismo, na formação de mão-de-obra abundante e barata, sem investir numa preparação específica de sua força de trabalho': avaliou. Também contribui para essa diluição dos in­vestimentos o fato de as empresas ope­rarem "estranguladas" por impostos altos, elevando o que se convencio­nou chamar de Custo Brasil. Aponta, ainda, a falta de uma política indus­trial que leve em conta as necessida­des dos setores. "O Estado não conse­gue perceber o que cada segmento necessita." •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 21

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BIBLIOTECA ELETRÔNICA

Mudanças em curso Capes incorpora ProBE e FAPESP estuda alterações no programa

OPrograma Biblioteca Eletrôni­ca (ProBE), patrocinado pela

FAPESP, será incorporado ao Portal Periódicos, implementado pela Coor­denação de Aperfeiçoamento de Pes­soal de Nível Superior (Capes) e que passará a atuar em âmbito nacional, em março do próximo ano. A partir dessa data, todas as cinco universi­dades públicas e as instituições de ensino e pesquisa do Estado de São Paulo que mantêm cursos de pós­graduação e que integram o consór­cio ProBE passarão a ter acesso aos mais de 2.000 títulos editados pela Elsevier Science, Web of Science, Academic Press e High Wire Press, atualmente disponíveis pelo progra­ma, por meio do Portal da Capes.

A FAPESP e as outras 36 institui­ções paulistas que ingressaram no

22 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

programa em agosto do ano passado buscam uma solução que permita a essas entidades - que não se enqua­dram nos critérios de atendimento da Capes - continuar tendo acesso aos 840 títulos da Elsevier e à base de dados da Web of Science, depois de março de 2002. "Os institutos con­sorciados pretendem renovar o con­sórcio para manter os títulos e até mesmo ampliá-los, e a FAPESP estu­da a sua forma de participação", ex­plica Rosali Fávero Krzyzanowski, coordenadora do ProBE.

Novas regras- A mudança na forma de gestão do programa já estava pre­vista desde a sua implantação, em 1999. O ProBe, inicialmente, foi orga­nizado na forma de um consórcio que reunia a FAPESP, as cinco universida­des públicas de São Paulo - Univer­sidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas, Universida­de Estadual Paulista, Universidade Federal de São Paulo e Universidade Federal de São Carlos -, o Centro Latino-Americano e do Caribe de

Informações em Ciências da Saúde (Bireme/OPS/OMS) e outros 14 ins­titutos de pesquisa. No ano passado, mais 36 instituições ingressaram no programa como, por exemplo, os institutos Biológico, Agronômico de Campinas, de Pesquisa Energéticas e Nucleares, entre outros. A FAPESP, de acordo com o modelo original, ofereceria a infra-estrutura de hard­ware - por meio da Rede ANSP (Academic Network at São Paulo)- e de software da biblioteca eletrônica e financiaria a aquisição dos títulos eletrônicos, por um período de três anos. Ao final desse período, as ins­tituições consorciadas deveriam as­sumir os custos anuais do progra­ma. "A gestão poderia ser do próprio consórcio, com a contribuição das partes", afirma Rosali.

O ProBE, na avaliação de Rosali, tem cumprido plenamente seu obje­tivo de oferecer acesso, de forma ágil e atualizada, a textos completos de revistas científicas internacionais às comunidades científicas, acadêmicas e administrativas de São Paulo. "O ProBe criou uma nova cultura de acesso a informações científicas, eli­minou a duplicidade de assinaturas e ampliou o universo de usuários': diz. O número de downloads de textos chega a 100 mil mensais. "Só no Bise­vier são 70 mil", ela contabiliza.

A expectativa, agora, é manter es­sas informações disponíveis para o conjunto dos consorciados. As nego­ciações estão em curso. Uma das pos­sibilidades que está sendo negociada, de acordo com Rosali, é a autorização da Capes para que as instituições que não mantêm cursos de pós-gradua­ção continuem acessando, por meio do Portal, os títulos da Elsevier e da Web of Science, com apoio da FA­PESP. "Outra alternativa é a FAPESP manter os títulos já adquiridos das duas editoras, de forma a que se tor­nassem um espelho das coleções acessadas on line no Portal Periódi­cos", acrescenta a coordenadora do ProBE. Nesse caso, o acesso seria ge­renciado pelo Programa Biblioteca Eletrônica. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

EXTERIOR

Reflexos do 11 de setembro Segurança redobrada nos EUA por causa do terror afeta pesquisa no Brasil

O aumento da preocupação com a segurança em razão dos ata­

ques terroristas aos Estados Unidos no dia 11 de setembro tem provoca­do reflexos na pesquisa realizada no

dades de expansão. "O terror conse­guiu tornar a nossa burocracia com­petitiva", ironiza o pesquisador.

O aspecto ruim da questão é que agora, em geral, verifica-se uma maior dificuldade no desembaraço de im­portações de material para pesquisa, que estão sujeitas a um seguro adi­cional obrigatório de 0, 15%, e, quan­do se utilizam dos serviços de com­panhias aéreas norte-americanas, só podem embarcar em vôos de carga.

são de embarques conjuntos nos Es­tados Unidos, o que aumenta o custo do frete", conta.

O professor Vanderlei Canhos, coordenador internacional do Progra­ma Biota FAPESP, afirma que os pro­cedimentos de segurança na remessa de material biológico patogênico já são muito rigorosos desde a Guerra do Golfo, no início da década de 90. Ex-presidente da Federação Mundial para a Coleção de Culturas, ele diz que desde aquela época as normas para a concessão de autorização para a importação de patógenos torna­ram-se mais rígidas e os preços das amostras subiram muito, em razão da obrigatoriedade do uso de emba­

lagens mais seguras. "Uma amostra que alguns anos atrás custaria, digamos, US$ 30, hoje pode custar até US$ 500", diz. Uma maior cautela na avaliação dos documentos das insti­tuições envolvidas nas im­portações também alargou o prazo para a obtenção de material, que saltou de cer­ca de duas semanas para até três meses.

Brasil - para o bem e para o mal. A Unidade Analíti­ca Cartesius, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, registrou um expressivo crescimento da demanda por análise de bioequiva­lência, que pode utilizar amostras in vivo, por parte de países do Oriente Mé­dio. A Cartesius recebe men­salmente entre 8 mil e 10 mil amostras para testes de diversos estados brasileiros e de países como Chile e Tailândia. "Entre setem­bro e outubro, recebemos mais de 20 mil amostras da Jordânia", conta Gilber-

Manipulação de material biológico na Cartesius: demanda maior

Um caso mostra, con­tudo, que o pânico que se instaurou nos Estados Uni­dos frente à ameaça de ata­ques com armas biológicas pode pôr em risco mesmo remessas perfeitamente de

to De Nucci, coordenador da unida­de analítica.

Ele atribui esse súbito incremento a prováveis dificuldades que a Jordâ­nia, assim como outros países mu­çulmanos, está enfrentando para en­viar material para Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, onde se con­centra a maior parte dos laboratórios especializados em análise de bioe­quivalência de primeira linha. "O que está havendo é um redireciona­mento da demanda", avalia. De Nuc­ci acredita que os novos clientes da Unidade Cartesius tenham encontra­do referências à instituição na Inter­net e vê no movimento oportuni-

"Isso significa que as encomendas não chegam ao Aeroporto de Guaru­lhos, onde estão as nossas licenças, e todos os desembarques ocorrem em Viracopos, que é pequeno e pode vir a ter problemas de infra-estrutura", comenta Rosely Figueiredo Prado, gerente adjunta de importação da FAPESP. Ela é responsável pela im­portação de material para os projetas que a Fundação apóia, sempre obser­vando as normas dos órgãos compe­tentes quanto a direito de uso. Essas restrições não se aplicam a produtos importados despachados por com­panhias aéreas de outras nacionali­dades. "Outra novidade é a suspen-

acordo com as regras internacionais. No início de outubro, uma amostra de 23 anticorpos para receptores de peptídeos que a pesquisadora Priniee Senanaeycke, da Eye Clinic Founda­tion, tentou enviar ao Brasil pela Fe­deral Express, teve de ser submetida à vistoria do Exército no embarque e sofreu um atraso de duas semanas para chegar à Universidade Federal de São Paulo, para a qual foi doada. A amostra é fundamental para que Priniee difunda conhecimentos rela­tivos a novas técnicas no tratamen­to de distúrbios oftalmológicos du­rante sua permanência de um mês na universidade. •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 23

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O aquecimento do beija-flor À noite, depois de um dia de vôo incessante, o beija­flor passa por uma brutal queda de temperatura cor­poral: de 40°C para próxi­mo da temperatura ambien­te - às vezes, até 15°C. O drama é o dia seguinte: ao acordar, precisa atingir a temperatura que lhe per­mita alçar vôo e recomeçar a busca por alimento. Pes­quisadores do Instituto de Biociências da Universida­de de São Paulo (IB/USP) descobriram que a proteí­na HmUCP permite à ave se reaquecer e atinjir a tem­peratura mais confortável num período de 30 a 40 minutos, antes de levantar vôo. A partir daí, as asas começam a bater em média 700 vezes por minuto, e o

• Como achar petróleo na Sibéria Ocidental

A ocorrência de lagos de águas claras entre rios e lagos de águas escuras localizados no norte da Sibéria Ociden­tal, na Rússia, intriga os cien­tistas há algum tempo. A vi­são do espaço mostra mil lagos azuis entre cerca de 100 mil lagos escuros nessa exten­sa região da Rússia, segundo a InformNauka, agência de notícias científicas. Entre os azuis, 58% estão localizados sobre depósitos de gás e pe-

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CIÊNCIA

coração, 1.400 vezes. A pes­quisa, publicada na Physio­logical Genomics, baseou-se na espécie sul-americana beija-flor- rabo-de-tesoura (Eupetomena macroura), que pesa em média 8,7 gra­mas, mede de 15 a 17 cen-

tróleo, 20% sobre reservas não perfuradas e 22% ficam numa região ainda não sufi­cientemente estudada. Agora, pesquisadores da Sociedade Geográfica Russa acreditam que podem usar essas evidên­cias como indicador para procurar novos depósitos de petróleo, gás e enxofre. Ivan Kuzin, da sociedade, investi­gou com sua equipe a razão de a cor dos lagos ser tão dife­rente. Sabe-se que material or­gânico abundante torna a água escura. Já os lagos azuis têm grande quantidade de

Beija-flor: proteína é a chave do enigma do reaquecimento

tímetros da ponta do bico ao final da cauda e vive em ambientes variados doBra­sil, do Peru e da Bolívia. Cláudia Regina Vianna, que fez doutorado sobre o assun­to, sob a orientação de José Eduardo Pereira Wilken Bi­cudo, isolou e seqüenciou a proteína desacopladora do músculo esquelético dobei­ja-flor, com a colaboração de pesquisador-es da Uni­versidade Harvard, dos Es­tados Unidos. Rico em mi-

enxofre, acima de 10 miligra­mas por litro, em relação à pouquíssima quantidade pre­sente nos lagos escuros. Tal característica leva a um com­plexo processo bioquímico, que acaba por remover o ma­terial orgânico da água e a torna transparente. •

• Gene a serviço das artes plásticas

A ciência não é fonte habitual de inspiração para pintores e artistas plásticos. Mas, esti­mulados pela publicação no

tocôndrias, esse músculo ocupa um terço do volume corporal. "É uma espécie de fornalha, que faz o animal voar", diz Bicudo. Num dos testes, a proteína foi colo­cada na levedura (fungo unicelular) Saccharomyces cerevisae, usada na fabrica-ção de pão e cerveja, e de fato mostrou-se apta a des-viar os processos respira­tórios para a produção de calor. Cláudia e Bicudo sus­peitam que a proteína tem uma função dupla: além de permitir a geração de calor, pode controlar o fluxo de energia e a manutenção do nível da massa corpórea, como se supôs que faz no camundongo, no qual tam­bém foi encontrada. "Se au­mentar o peso, o beija-flor não consegue voar, não se alimenta e morre", conclui Cláudia. •

1111Cl0 do ano da primeira versão de toda a seqüência do genoma humano, sete artistas da Eurora, Ásia e América do Norte produziram obras de arte sobre esse tema para uma exposição intitulada Working Drafts (algo como Rascunhos de Trabalho), em cartaz na TwoTen Gallery, de Londres. Usando as mais diversas for­mas de expressão (fotografia, escultura, cerâmica e, obvia­mente, pintura), os criadores conceberam quadros e insta­lações que exploram conceitos como DNA, genes e nucleotí-

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Built to Order, de Chis Habib: exposição de obras de arte tendo a ciência como inspiração

deos, as bases nitrogenadas que formam o código genéti­co e são comumente represen­tadas pelas letras A, C, G e T. Na tela, Built to Order, da americana Chis Habib (foto acima), o observador vê três pares de cromossomas verme­lhos (e outros tantos não co­loridos, apenas com seu con­torno delineado) sobre um fundo formado pelas letras do código genético. A exposição fica em cartaz até 11 de janei­ro e a entrada é gratuita. Quem gosta do casamento de ciência e arte, mas não puder visitar a galeria a tempo de ver

as obras de Working Drafts não precisa ficar chateado. Cria­da em 1994 pelo Wellcome Trust, um fundo que financia a pesquisa científica, a TwoTen é especializada em organizar amostras cujo tema central é biologia e cultura. Sempre há algo nessa linha exposto em suas dependências. •

• Pandas sofrem com pressão alta

A luta contra a extinção de espécies é estressante e os pandas gigantes demonstram claramente toda essa tensão.

Alguns estão sofrendo com pressão alta, de acordo com a revista Nature ( 11 de outu­bro). Chen Yucun, diretor do centro que pesquisa os ani­mais, na província de Fujian, China, diz que a pressão alta provavelmente é responsável por vários dos problemas que atormentam os pandas. Re­centemente, o centro tratou um panda de 21 anos com o problema e conseguiu baixar sua pressão para os níveis considerados normais. O me­dicamento foi o mesmo usa­do em seres h11manos. Em dose dupla, claro. •

• lnseto suspeito de infecção hospitalar

Uma coceirinha aqui, outra ali. Por fim, o desconforto cresceu e as mães que compareciam ao banco de leite de um hospital público do Rio de Janeiro (o nome é mantido em sigilo) re­solveram se queixar. Entre as frestas das cadeiras, foram en­contrados insetos de três a quatro milímetros, que os pes­quisadores da Fundação Os­waldo Cruz (Fiocruz) identifi­caram como piolhos-de-cama ( Cimex hemipterus) . Aí a si­tuação se agravou: os Cimex são apontados como uma

das diversas cau- ~ .---------. sas de infecção ~

hospitalar. Em la- ~ boratório, segun-

~ do Maria Caro- ~

lina Carreira, da ~ Fiocruz, já se ve- "' rificou que são vetores dos agen­tes transmissores de leishmaniose, doença de Cha­gas e hepatite B. Os Cimex vivem

Cimex: perigo nas camas dos hospitais

também em casas, preferin­do os ambientes úmidos. Proliferam-se, por exemplo, entre colchões. •

Bomba de água com rastreador solar no sertão Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) aliaram-se ao Sol para tornar mais eficiente o bombeamento de água no sertão nordestino. Em todo o mundo há cerca de 50 mil sistemas de bombeamento fotovoltaico, isto é, bombas que retiram água do subsolo. Ocorre que esses sistemas são feitos com módulos fixos, o que os impede de acompanhar toda a trajetória do Sol. Trabalho coordenado pelo professor Naum Fraiden­raich, que contou com a douto-

randa Olga Vilela, entre outros, resultou em um painel solar móvel, que segue o movimento do astro da aurora ao crepúscu­lo. "Foi a forma que encontra­mos de aumentar a quantidade de energia solar coletada pelo painel", explica Fraidenraich. O trabalho é pioneiro no mundo. Ao captar a energia do Sol du­rante mais tempo, o aparelho bombeia pelo menos 40% a mais de água. "O sistema é ideal para o sertão, onde escasseiam outras fontes de energia." • Fraidenraich e Olga com o modelo de painel

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 2S

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CAPA

MEDICINA

Equipe de pesquisadores da Unifesp e do lncor encontra enzima que se comporta como marcador biológico da hipertensão: a proteína aparece apenas em quem já tem pressão alta ou exibe predisposição a um dia ter

Alarme molecular M ARCOS PI VETTA

m esforço silen­cioso de quase 20 anos pode levar a um avanço sem precedentes na história da luta contra a hiper­

tensão, a chamada pressão alta. Tra­balhando de maneira quase tão dis­creta quanto o modo sorrateiro com que esse mal se instala no organismo, a bióloga molecular Dulce Casarini, do grupo de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), iden­tificou uma nova forma da enzima conversara de angiotensina I (ECA) que funciona como marcador bioló­gico da doença em ratos e - aí vem a melhor parte da história - parece de­sempenhar o mesmo papel em seres humanos. Trata-se da ECA de peso molecular de 90 kDA ( quilodáltons, unidade de massa atômica), forma al­ternativa da enzima descoberta pela própria Dulce em 1982.

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Seus estudos revelam que animais hipertensos ou mesmo sadios, mas com predisposição a desenvolver pressão al­ta, sempre carregam esse composto na urina. Já animais sadios, sem tendência a desenvolver pressão alta, não apresen­tam essa forma da enzima. Se a relação entre a ECA de 90 kDa e a hipertensão também for verdadeira para nossa espé­cie, Dulce terá descoberto o primeiro marcador relacionado ao aparecimento da hipertensão. "Com a supervisão de Frida Plavnik e de Odair Marson, da Nefrologia, analisamos a urina de cerca de 1.500 pessoas hipertensas e de 550 indivíduos com pressão normal e to­das as evidências científicas levam a crer que essa forma da enzima é mesmo um marcador da hipertensão humana': afir­ma a pesquisadora da Unifesp. A con­clusão é sempre a mesma: quem tem o marcador e ainda não é hi-pertenso, poderá um dia ser hipertenso. A menos que mude de estilo de vida

Peito sob hipertensão: coração trabalha arduamente

pa ra fazer o sangue circular

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CAPA

- deixe de fumar, passe a fazer exercícios, dimi­nua o consumo de álco­ol, perca peso e reduza o sal na dieta-, a elevação de sua pressão arterial é apenas uma questão de tempo.

As evidências de que a ECA de 90 kDa pode ser um marcador eficien­te de hipertensão são fruto do cru­zamento de dados de uma série de estudos com ratos e seres humanos. Confrontando as informações for­necidas pela análise da urina de ani­mais e de pessoas com pressão nor­mal e hipertensas, Dulce e o médico José Eduardo Krieger, diretor do La­boratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (In­cor/USP) e seu principal colabora­dor nas pesquisas, perceberam o pa­pel-chave dessa forma da enzima. Três situações apareceram. Os indi­víduos sabidamente hipertensos sempre apresentavam dois tipos de ECA, a de peso molecular de 90 kDa e outra de 65 kDa. O quadro fome-

cido pelos indivíduos sem pressão alta era mais complexo: alguns exi­biam somente duas formas da enzi­ma, as de 65 e 190 kDa, e outros ti­nham três variedades da ECA ( 65, 90 e 190 kDa).

I soladamente, esses resultados não eram conclusivos, mas já apontavam uma boa pista a ser seguida. O acompanhamento sistemático dos dois grupos de

pessoas sem pressão alta - aqueles com três e dois tipos de enzima- aju­dou a fechar o raciocínio. Quem era sadio e não carregava a ECA de 90 kDa não se tornou hipertenso. Quem era saudável mas sua urina continha essa variedade da enzima tornou-se, depois de algum tempo, hipertenso. "Em alguns casos, essas pessoas co-

meçaram a apresentar pressão alta depois de três anos", diz Dulce. Obvi­amente, a partir do momento em que ficaram hipertensos, esses indivíduos passaram a apresentar na urina ape­nas as duas formas típicas de ECA ve­rificadas nesse tipo de doente, as de 65 e 90 kDa. Resumo de todo esse trabalho: a ECA de 90 kDa compor­ta-se como um marcador da hiper­tensão para a população em geral. O teste desenvolvido por Dulce é capaz de indicar a presença de cada uma das três formas estudadas da ECA na urina humana.

Enzimas bloqueadas - Em parceria com as equipes de Krieger, de Adria­na Carmona e de Eduardo Cilli, do Departamento de Biofísica da Uni­fesp, Dulce desenvolveu um kit para

Doze por oito para leigos Quase todo mundo já ouviu o

médico dizer que 12 por 8 é uma boa pressão. O que isso quer dizer? Antes de entender o significado dos dois números, é preciso compreen­der o próprio conceito de pressão arterial. Quando bate, o coração bombeia sangue pelas artérias, le­vando assim nutrientes para os te­cidos. A força que o fluxo de sangue

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exerce sobre as paredes das artérias é chamada de pressão arterial. Todo mundo, obviamente, tem pressão arterial, e o ideal é que ela seja na maior parte do tempo dessa ordem, de 12 por 8.

Mas e os dois números? O esfig­momanômetro, o popular aparelho para medir pressão, registra a força máxima e a mínima com que o san-

gue pressiona as artérias. O primei­ro número, de valor mais elevado, também chamado de pressão sistó­lica, é o pico de pressão sanguínea obtido no interior dos vasos duran­te a contração do coração. A pres­são diastólica- ou mínima- é ova­lor da pressão sanguínea final obtida com o relaxamento do cora­ção. A unidade usada universal-

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medir a presença da proteína na uri­na humana. Na prática, se ficar com­provado que a ECA de 90 KDa é um marcador biológico da pressão alta, o kit ganhará status de teste preditivo de hipertensão. Inédito no mundo, o exame poderá auxiliar os médicos na árdua tarefa de identificar os pa­cientes potencialmente hipertensos. A hipertensão atinge cerca de 10% da população do planeta, elevando os riscos de problemas cardiovasculares e rena1s.

Os pesquisadores paulistas já pe­diram a patente sobre o uso do mar­cador e do teste no Brasil, que pode detectar a existência da enzima com o auxilio de várias técnicas laboratoriais, como cromatografia ou espectrome­tria de massa. A partir do momento em que o registro de propriedade

mente para medir a pressão arte­rial é milímetros de mercúrio. Na linguagem coloquial, costuma-se omitir a unidade e dizer simples­mente "doze por oito".

Quando as artérias se encon­tram estreitadas, o coração tem de bombear com mais força para que o sangue percorra os vasos e chegue aos tecidos. Isso faz com que a pres­são arterial se torne permanente­mente mais alta, sobrecarregando o músculo cardíaco. Se atinge fre-

lhe for concedido em solo nacional, o que deve ocorrer em breve, a equi­pe tem seus direitos intelectuais pre­servados por um ano no exterior. "Vamos aproveitar esse período de moratória para entrar com os pedi­dos de patente nos Estados Unidos, Europa e Japão", diz Krieger. Com essa proteção temporária pratica­mente em mãos, os pesquisadores, que mantinham a descoberta em si­gilo, decidiram tornar público seu trabalho com o marcador de hiper­tensão. "Vamos enviar para várias revistas científicas seis artigos que já estamos escrevendo", conta Dulce.

Para um mal com as peculiarida­des da hipertensão, a criação de um teste capaz de apontar as pessoas que irão desenvolver essa doença é uma ótima notícia. Com fama justi-

qüentemente os valores de 14 (du­rante a sístole), 9 (diástole) ou am­bos, a pressão é classificada de alta.

Pressão alta não tem cura, mas pode ser controlada com remédios e um estilo de vida mais saudável: deixar de fumar, fazer exercícios, perder peso, reduzir o consumo de sal e de álcool. Com exceção de al­gumas formas de pressão alta origi­nadas por problemas específicos, como distúrbios nos rins ou em glândulas endócrinas, nove de cada

ficada de ser uma assas­sina silenciosa, a alta pressão arterial não dá nenhuma dica de que se instalou no organis­mo. Durante um bom tempo, a pessoa não sen­te nada. Quando final-

mente nota alguma alteração e pro­cura um médico que lhe mede a pressão, vem o diagnóstico de hiper­tensão. O problema é que esse vere­dicto sempre é tardio. Nesse ponto, a pressão alta já promoveu danos nos sistema cardiovascular e, muitas ve­zes, também no rim. Segundo a Or­ganização Mundial da Saúde, há cer­ca de 600 milhões de hipertensos no mundo. No Brasil, 20% dos adultos e metade das pessoas com mais de 50 anos têm pressão alta. A popula­ção negra também é mais afetada do que as demais. Um terço das mortes do planeta se deve a problemas car­díacos, agravados pela hipertensão.

Sabe-se há décadas que a enzima conversara de angiotensina I de­sempenha um papel crucial no de­sencadeamento da hipertensão. A

dez casos da doença não têm causa conhecida. Sabe-se apenas que há um componente hereditário. Filhos de pais hipertensos apresentam maior risco de desenvolver a doença. Os negros também são vítimas prefe­renciais da hipertensão. Na medi­cina, predomina a visão de que a doença é um problema com origens complexas. A pressão alta não de­corre da ação de um único gene ou mecanismo, mas de um conjunto de fatores ainda obscuros.

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ECA atua no chamado sistema renina-angio­tensina, importante pa­ra o equilíbrio da função cardiovascular. Produ­zida pelo rim, a renina é uma enzima proteo­lítica, capaz de quebrar grandes proteínas em compostos menores. Sua principal função é atuar sobre o angiotensinogênio, um subs­trato, uma proteína maior, que dá origem a um hormônio inativo, a angiotensina I. Como a enzima ECA entra nessa história? Quando o san­gue passa pelos pulmões, a ECA transforma a inofensiva angiotensina I na perigosa angiotensina II, talvez a maior vilã da hipertensão. Essa se­gunda forma de angiotensina au­menta a constrição das artérias e esti­mula a liberação de hormônios que elevam a pressão sanguínea. A maior parte das drogas anti-hipertensivas, como o captopril e o enalapril, inibe a ECA. São remédios que impedem a ação dessa enzima, que, enfim, evi­tam a conversão da angiontensina I em angiotensina II.

Resultados intrigantes - Por causa de sua participação decisiva no mecanis­mo que eleva a pressão arterial, a ECA é objeto de muitos estudos. Várias formas de ECA, com diferentes pesos moleculares, já foram encontradas na urina humana. A mais comum de to­das é a de 190 kDa. Dulce descobriu duas novas formas, a de 90 kDa, o can­didato a marcador de hipertensão, e a de 65 kDa. "Não sei como ninguém observou isso antes': reconhece a bi­óloga molecular. "É tão simples de medir." Na primeira vez em que de­tectou a presença de ECA de 90 kDa

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na urina humana, há quase 20 anos, Dulce pensou que a medição era fru­to de um artefato de técnica, jargão utilizado pelo pessoal de laboratório para designar a observação de um fenômeno ilusório causado por al­guma imprecisão do método empre­gado ou, às vezes, do aparelho usa­do no experimento. Achava, em bom português, que a detecção dessa for­ma da enzima era decorrência de al­gum erro de procedimento. O tempo passou, a bióloga molecular iniciou outras pesquisas, mas nunca se es­queceu da intrigante experiência.

Nos anos 90, durante um de seus dois pós­doutorados realizados na França, a pesquisa­dora da Unifesp teve a

oportunidade de discutir a questão com Pierre Corvol e François Alhenc­Gelas, duas autoridades mundiais em hipertensão e descobridores dos dois centros ativos da ECA. Fizeram no­vas análises com urina humana e o resultado foi o mesmo: a brasileira efetivamente havia encontrado uma nova forma da ECA, não descrita pela literatura científica. Ainda não se sabia para que poderia servir a descoberta, mas Corvol a incentivou . . a prossegmr nas pesqmsas com a en-zima. E, numa espécie de acordo de cavalheiros, assegurou que ninguém de sua equipe iria iniciar qualquer es-

tudo sobre a ECA de 90 kDa. A pro­messa foi mantida.

De volta ao Brasil, em 1994, Dul­ce continuou suas pesquisas e esta­beleceu uma parceria com Krieger, no Incor, que já estudava as bases genéticas da hipertensão. À medida que ganhava corpo a hipótese de a ECA de 90 kDa ser um marcador da hipertensão, a dupla passou a adotar uma postura bastante crítica em re­lação à possível descoberta. "Come­çamos a pensar em experimentos que pudessem mostrar que estáva­mos errados", diz Krieger. Essa pos­tura de "advogado do diabo" tinha como objetivo buscar respostas para algumas indagações que incomoda­vam os pesquisadores. Se parecia ser tão simples identificar essa forma da enzima na urina humana, por que ninguém a tinha encontrado até então? Seria apenas coincidência a enzima em sua forma de 90 kDa "perseguir" os hipertensos ou candi­datos a sofrer de pressão alta?

Para ver se conseguiam encon­trar algum furo na teoria do marca­dor de hipertensão, Dulce e Krieger executaram vários estudos, sobretu­do com roedores. Viram, por exem­plo, que ratos sadios, mas com pre­disposição a ser hipertensos - que carregavam, portanto, a ECA de 90 kDa -, continuam apresentando essa forma da enzima mesmo quan­do recebem tratamento para não de-

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senvolver pressão alta. Independen­temente de apresentar ou não a doen­ça, os animais mantêm o marcador biológico, como era esperado.

Em outro trabalho, os pesquisado­res literalmente apertaram com presi­lhas as artérias de animais com pressão arterial normal que não apresentavam predisposição a se tornar hipertensos (sem a enzima candidata a marcador biológico). O intuito, bem-sucedido, era criar hipertensão em ratos que, de forma natural, não iriam sofrer de pressão alta. Os ratos realmente fica­ram hipertensos, mas, nem por isso, passaram a carregar a enzima. Enfim, tudo correu dentro do esperado, para alegria dos pesquisadores. "Felizmen­te, não conseguimos nos desmentir, pois tudo parecia muito bom para ser verdade", comenta Krieger.

Testes em Vitória - O que ainda falta fazer para comprovar que a ECA de 90 kDa é um marcador da hiperten­são humana? Em linhas gerais, os pesquisadores precisam produzir es­tudos de mais longo prazo para mos­trar a prevalência dessa forma de en­zima em várias gerações de uma mesma família, composta de indiví­duos hipertensos e sem pressão alta. Com esse intuito, novas pesquisas se­rão conduzidas no Hospital do Rim e Hipertensão, da Uni­fesp, e no Incor. De ime­diato, Dulce e Krieger dispõem, para análise da eficiência do marcador, de 1.600 amostras de urina da população de Vitória. O material faz parte de um estudo co­ordenado por José Ge­raldo Mill, da Universi­dade Federal do Espírito Santo (Ufes), que, em conjunto com a Secretaria de Saúde de Vitória, mapeou os principais fa­tores de risco cardiovascular entre os habitantes da capital capixaba.

Um ponto ainda obscuro é a ori­gem da ECA de 90 kDa. Por enquan­to, os pesquisadores desconhecem o mecanismo biológico que leva à sua

formação. Não sabem se a enzima deriva de uma proteína maior, talvez de ECAs com pesos moleculares mais elevados que seriam quebradas por alguma enzima, ou se decorre de alguma alteração genética. Nessa segunda hipótese, uma mutação no gene responsável pela codificação da enzima poderia levar à síntese da ECA de 90 kDa.

E stá praticamente descar­tada a hipótese de essa va­riante da enzima ser fru­to de um "evento renal". Ou seja, ser originada

pelo processo de filtração feito pelo rim. O fato de Dulce já ter identifi­cado, em ratos, a ECA de 90 kDa em vários tipos de tecidos - pulmão, adrenal, pâncreas, coração e aorta -ajuda a excluir essa hipótese. Afinal, se está presente em várias partes do corpo, essa forma de enzima não pode ser fruto da filtração renal. Durante o trabalho de elucidação das origens do misterioso composto, Krieger es­pera não só provar que a enzima é um bom marcador da hipertensão humana, mas, quem sabe, mostrar também que ela pode estar direta­mente relacionada à gênese da pres­são alta. "De qualquer forma, vamos ficar mais do que satisfeitos se con-

Dulce: 20 anos de traba lho, teste pronto, patente encaminhada e seis artigos escritos

Caracterização Molecular da Enzima

Conversara de Angiotensina I

MODALIDADE

Linha regular de auxílio a pesquisa

COORDENADORA

DULCE (ASARINI- Unifesp

INVESTIMENTO

R$ 193.214,88

seguirmos mostrar que a enzima é, de fato, um marcador", diz Krieger.

A identificação do possível mar­cador de hipertensão reforça a tradi­ção da ciência brasileira de produzir boas notícias no setor. Na década de 60, o pesquisador Sergio Henrique Ferrei­ra, da Faculdade de Medicina de Ri­beirão Preto, da USP, descobriu a molécula BPF (fator de potenciação da bradicinina), que deu origem ao captopril, um dos remédios mais uti­lizados no mundo para o controle da pressão alta. Infelizmente, naquela épo­ca, não havia preocupação em requerer patentes e os lucros advindos do fei­to acabaram indo para a conta de um laboratório estrangeiro, que produ­ziu o medicamento. No início deste ano, mais uma contribuição: o Cen­tro de Toxicologia Aplicada do Bu­tantan, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financia­dos pela FAPESP, patenteou o princí­pio ativo de outra molécula, o Evasin, que poderá ser usada para produzir um fármaco anti-hipertensivo.

Agora, num claro sinal dos novos tempos, em que é prioritário defen­der os interesses da pesquisa nacio­nal, foi a vez de o grupo da Unifesp e do Incor dar a sua contribuição para o combate à hipertensão. "Não patenteamos o marcador e o kitpen­sando em ganhar dinheiro com isso", afirma Dulce. "Queremos evitar é que alguém lucre com nosso traba­lho e que, no futuro, tenhamos de pagar royalties para usar produtos derivados de nosso esforço."

Em setembro, quando esteve em Paris e contou os últimos resultados de suas pesquisas com o marcador ao amigo Pierre Corvol, a quem costuma levar a massa de brasileiríssimos pães de queijo, a pesquisadora da Unifesp ouviu o seguinte comentário: "É uma pena, para nós (que não descobrimos isso antes)". A reação bem-humorada do atual presidente do conselho cien­tífico do Inserm (Instituto Nacional da Saúde e Pesquisa Médica) dá bem a dimensão do impacto do trabalho dos pesquisadores nacionais na luta contra a hipertensão. •

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U ma sala de pouco mais de 11 metros quadrados numa no­va ala da Faculdade de Medicina Veteri­

nana e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), cuja porta está sempre fechada a estranhos, abriga uma pequena façanha da engenha­ria genética. Nesse acanhado com­partimento, onde dois condiciona­dores de ar e um exaustor garantem a temperatura controlada entre 22 e 25 graus Celsius e as lâmpadas simu­lam a luz natural em 14 das 24 horas do dia, funciona um biotério com cobaias especiais.

Dentro de gaiolas de plástico dis­postas nas prateleiras que ocupam as duas maiores paredes do ambiente, vive a primeira leva de camundon­gos geneticamente modificados no país. Os animais, mais de 30 exem­plares- o primeiro nasceu em julho, mas o número pode variar de sema­na a semana, em razão de novos cru­zamentos e eventuais baixas -, carre­gam alterações num gene, o Fbn1, responsável pela síntese da fibrilina 1, proteína fundamental para a for­mação do tecido conjuntivo.

Uma parcela dos roedores rece­beu uma versão inativada do Fbn1, que simplesmente não produz fibri­lina. Outra recebeu uma cópia do Fbn1 que dá origem a uma forma degenerada dessa proteína. Em seres humanos, essa segunda mutação ge­nética leva à síndrome de Marfan, doença hereditária rara que causa crescimento excessivo dos membros, deslocamento da retina e problemas cardiovasculares, limitando a expec­tativa de vida a 40 anos. As duas li­nhagens de camundongos transgê­nicos foram obtidas por meio da manipulação das células-tronco de embriões, a metodologia mais avan­çada hoje em dia disponível para essa finalidade.

Camundongo geneticamente modificado: independência na produção de cobaias

Os roedores transgênicos made in Brazil representam, portanto, a inde­pendência nacional num campo im­portante: a produção de cobaias sob medida para o estudo de problemas de saúde de origem genética. "Com o domínio dessa técnica, vamos pro­duzir nossos próprios modelos ani­mais para o estudo de uma série de doenças que afetam o homem", diz Lygia da Veiga Pereira, coordenadora do Laboratório de Genética Molecu­lar do Instituto de Biociências da USP, que conduziu a manipulação nas cé­lulas-tronco dos roedores. "Será mais prático e ainda vamos economizar dinheiro."

O biotério com as cobaias fica na Medicina Veterinária porque não havia espaço físico no laboratório de Lygia para abrigá-lo. Além disso, pesquisadores da Veterinária, coor­denados por José Antonio Visintin, estavam interessados em colaborar com o experimento do IB, montan­do um biotério para os camundon­gos, e dispostos a aprender a técnica para empregá-la na geração de ani­mais transgênicos de grande porte. "Queremos alterar geneticamente suínos e bovinos", comenta Visintin.

Encomendas - O sucesso na produ­ção de camundongos geneticamente modificados levou a pesquisadora· a receber as primeiras encomendas de cobaias sob medida, feitas pelo Instituto do Coração de São Paulo (Incor) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro. Atualmente, os brasileiros que pre­cisam de cabais transgênicas têm de importar esse tipo de animal. O custo desses roedores modificados po­de ser baixo, se pertencerem a linha­gens já desenvolvidas lá fora. E mui­to elevado, na casa dos milhares de dólares, quando se trata de um ani­mal com uma alteração genética ainda não realizada em nenhum la­boratório do mundo.

A obtenção de animais genetica­mente modificados depende do ple­no domínio das técnicas de manipu­lação e cultura das células-tronco de

embriões, uma das áreas de pesquisa que mais despertam debates hoje em dia, porque essas células podem ser usadas para fins como a clonagem de espécies. Lidar com esse tipo de célu­la suscita polêmicas das mais variadas, sobretudo se forem de embriões hu­manos. Por quê? Porque os embriões dos quais se extraem as células-tron­co acabam morrendo após a retirada desse material. Por não trabalhar com células-tronco de embriões hu­manos, Lygia não enfrenta esse dile­ma ético.

Na prática, seu primeiro desafio para produzir camundongos trans­gênicos foi conseguir boas células­troncos de embriões de roedores, ou, na linguagem dos biólogos molecu­lares, células-tronco altamente pluri ou totipotentes. O que são exatamente essas células e para que servem? São as células primordiais, indiferencia­das, que darão origem a todas as cé­lulas de um organismo com funções es­pecíficas: células nervosas, sanguíneas, musculares, germinativas, cardíacas e as demais (ver quadro).

Portanto, a introdução de uma modificação genética no DNA (ácido desoxirribonucléico, portador do có­digo genético e presente em todas as células) de células-tronco de embriões, como a executada pela bióloga mole­cular do IB nos camundongos, tem grandes chances de ser incorporada por todos os tipos de células que vão formar um organismo, gerando as­sim um ser transgênico.

A exemplo dos embriões, os se­res adultos também têm células­tronco. O problema é que, até agora, só há evidências concretas de pluri­potência no material retirado de em­briões- e não no de animais em ida­de avançada. Por isso, quem se dedica a produzir cobaias transgênicas se vê obrigado a arranjar e cultivar em la­boratório células-troncos de embriões de roedores, onde vai ser injetado o DNA alterado.

Foi exatamente isso o que Lygia fez. Do blastocisto (um tipo de cél u­la que antecede a formação do ovo­zigoto) de camundongos de pelagem

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O passo-a-passo de um camundongo transgênico

Os pesquisadores retiram o botão embrionário (no detalhe) do blastocisto, tipo de célula pré-embrionária, de um camundongo.

agouti, a bióloga molecular retirou o chamado botão embrionário, a par­tir do qual estabeleceu in vitro linha­gens de células-tronco embrionárias. Em seguida, substituiu no DNA des­sas células-tronco uma das cópias normais do gene Fbnl por uma das duas versões do gene modificado, o Fbnl incapaz de produzir fibrilina ou o Fbnl programado para codi­ficar uma forma degradada dessa proteína.

Os quiméricos- Essas células-tronco modificadas foram, então, cultivadas e agregadas em laboratório a morulas - células que representam o estágio inicial do desenvolvimento embriô­nico, retiradas de óvulos fertilizados

O botão origina as células-tronco embrinárias, que são cultivadas e recebem o gene modificado.

As células-tronco se juntam a mórulas (à esquerda) de outro camundongo. O conjunto de células forma o embrião, que é implantado em uma "mãe de aluguel".

- de roedores normais, de pelagem branca. Esse novo conjunto de célu­las formou um embrião, que, por sua vez, foi transplantado para uma "mãe de aluguel': um camundongo de

O PROJETO

Desenvolvimen to de um Modelo Animal para a Síndrome de Marfan através da Manipulação do Genoma do Camundongo

MODALIDADE

Programa Jovem Pesquisador

COORDENADORA

LYGIA DA VEIGA PEREIRA - IB/ USP

INVESTIMENTO

R$ 70.382,31 e US$ 100.645,00

Nascem filhotes que expressam o gene modificado em diferentes intensidades: os brancos não o manifestam, os marrons-claro o expressam de forma moderada e os marrons-escuro, intensamente. Os machos marrons-escuro cruzam com fêmeas brancas, e seus filhotes constituem a primeira linhagem de cobaias transgênicas.

sexo feminino - e de pelagem bran­ca. A ela cabe a tarefa de gerar uma ninhada de animais quiméricos.

Por que quiméricos? Esses ani­mais são formados por dois tipos de células geneticamente distintas, uma vinda do embrião original e outra das células-tronco alteradas geneti­camente. "O nível de quimerismo po­de ser estimado a partir da colora­ção da pele, variando de O a 100%", diz o russo Alexandre Kerkis, profes­sor visitante do IB, que auxiliou Lygia no desenvolvimento dos camundon­gos transgênicos. Como a tonalida­de agouti é dominante em relação à branca - e o gene alterado foi inse­rido em células-tronco de animais agouti -, as quimeras mais escuras

O futuro das células-tronco dem gerar todos os tecidos de um ser, além do próprio ser), pluripo­tentes (originam a maior parte dos tecidos) e multipotentes (transfor­mam-se em alguns tipos de células). A retirada das células inviabiliza o embrião, fato que alimenta a polê­mica das pesquisas com células­tronco embrionárias. "Essa questão está mal-posta': opina Marco Anto­nio Zago, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. "Esses embriões foram descartados e nunca 1nam gerar um ser."

As células animais capazes de se dividir indefinidamente em meio de cultura e originar outras, que de­sempenham tarefas específicas -formam o tecido nervoso, muscular ou cardíaco, por exemplo-, são cha­madas de células-tronco. Há duas grandes categorias: as derivadas do embrião e as de adultos.

As células-tronco embrionárias são mais pesquisadas que as adultas

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por serem mais versáteis. Normal­mente, provêm do tecido fetal de uma gravidez interrompida ou, com maior freqüência, de óvulos fecun­dados in vitro não utilizados porca­sais com problemas de infertilidade. Os óvulos ficam armazenadas em clí­nicas e hospitais.

De acordo com seu estágio de evolução, esses óvulos podem ofere­cer células-tronco totipotentes (po-

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apresentam maior quantidade de cé­lulas derivadas das células-tronco mo­dificadas. Ou seja, nelas a alteração genética se incorporou plenamente ao DNA. Já nas quimeras mais claras, obviamente, o grau de expressão da alteração genética é menor.

Nova linhagem -É por essa razão que, na hora de promover os cruzamentos finais que vão resultar na criação de uma linhagem estável de roedores transgênicos, os pesquisadores usam fundamentalmente as quimeras de pelagem agouti.

"O processo de gerar uma nova linhagem de camundongos transgê­nicos demora cerca de um ano", co­menta Lygia, que aprendeu a técnica de manipulação de células-tronco embrionárias no início da década de 90, durante doutorado no Hospital Monte Sinai de Nova York. É um processo demorado e, além das difi­culdades com células-tronco e mani­pulação genética, sempre há o risco de se perder uma ninhada de ca­mundongos transgênicos. Em se­tembro do ano passado, por exem­plo, um leve descuido na assepsia do biotério fez uma colônia de camun­dongos que estava sendo manipula­da para um experimento pegar sarna e ser descartada. Um pequeno aci­dente de percurso que atrasou o cro­nograma dos pesquisadores do IB e da Veterinária, mas não os tirou da rota traçada. •

Em adultos, as células-tronco provêm da médula óssea, do cordão umbilical e, em menor quantidade, da própria corrente sanguínea. O problema é que ainda faltam evi­dências indiscutíveis de pluripo­tência nas células-tronco obtidas de seres desenvolvidos. "Houve al­guns avanços nessa área nos últimos anos, mas o assunto ainda é contro­verso", diz Zago, que pesquisa o sangue do cordão umbilical como fonte de células para doenças co­mo leucemias.

CIÊNCIA

NEUROLOGIA

Falha na produção Estudo detecta variação cromossômica bem acima do esperado em neurônios

N um sistema nervoso normal, os neurônios devem possuir um

genoma idêntico. Seu cariótipo deve ser composto pelo mesmo número de cromossomas. É o que diz a teoria. Na prática, a realidade pode ser mais complexa, como mostra o resultado de um estudo feito por pesquisadores da Escola de Medicina da Universi­dade da Califórnia, em San Diego, Estados Unidos, com participação do brasileiro Stevens Kastrup Rehen, da Universidade Federal do Rio de Ja­neiro, que faz pós-doutorado na ins­tituição norte-americana. O trabalho revela que um terço dos neuroblastos, células precursoras dos neurônios, de embriões de camundongos apresen­tam uma quantidade

de glóbulo branco do sangue, a taxa de aneuploidia é de 3%.

As medições foram feitas durante a mitose dos neuroblastos, processo de divisão de seu núcleo, que se par­te e gera duas células-filhas. Quando a mitose é perfeita, as células-filhas têm o mesmo número de cromosso­mas da célula-mãe. Pelos dados da pesquisa, esse processo apresenta muitas imperfeições no caso dos neuroblastos. Felizmente, o destino da maioria desses neuroblastos com cromossomas a mais ou a menos é morrer à medida que o organismo cresce. Tanto que os níveis de aneu­ploidia em neurônios, os sucessores dos neuroblastos, de camundongos adultos é significativamente menor, da ordem de 10%. Menor, mas não desprezível. Rehen acredita que a maior prevalência de aneuploidia em neurônios adultos pode ser um indi­cativo de maior predisposição a doen­ças neurodegenerativas. •

variável de cromosso­mas. Em vez dos espe­rados 40 cromossomas, 33% dos mais de 200 neuroblastos analisados continham cromosso­mas a ma1s ou a menos do que o padrão. "Esse nível de aneuploidia (variação no número de cromossomas) é dez vez maior do que o pa­drão aceito na citogené­tica convencional", diz Rehen, que está publi­cando o trabalho na re­vista Proceedings of the National Academy of Sciences, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Nos linfócitos, um tipo

Os anormais: há três cromossomas 2 (vermelho) e apenas um 15 (azul claro) e 17 (esverdeado). O cariótipo normal de neuroblasto de rato tem 20 pares de cromossomas

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SAÚDE PÚBLICA

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Limites à frota poluente

Criado em 1986, o Pro­conve estabeleceu limites de emissões a serem respeitados a partir de 1988 por todo veí­culo novo produzido no país ou importado. Inspirado em similares de países desenvol­vidos como Estados Unidos e Japão, o programa estabele­ceu estágios diferenciados de redução de emissões para veículos leves (a gasolina e álcool) e pesados (a diesel), bem como para ônibus ur­banos.

Os veículos leves tiveram de passar, por exemplo, da emissão máxima de 24 g/km (gramas por quilômetro ro­dado) de monóxido de car­bono (CO) em 1989 para 12 g/km em 1992 e 2 g/km em 1997. Também foram fixa­dos limites para a emissão de monóxido de carbono em baixa velocidade e para as emissões de hidrocarbonetos ou combustível não queima­do (HC) e óxidos de nitrogê­nio (NOx). Os carros a álcool tiveram ainda fixados limites para a emissão de aldeídos.

A redução dos níveis de poluentes foi gradativamen­te obtida por meio de medidas tecnológicas como a genera­lização do uso do catalisador e da injeção eletrônica, a me­lhoria dos combustíveis e lu­brificantes e do rendimento dos próprios motores. Com as medidas do Proconve, a emissão de poluentes nos veículos automotores novos de todo o país chegou a 90% no final da década de 90 em relação à situação anterior ao programa.

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98% do monóxido de carbono, cer­ca de 60% do material particulado e algo em torno de 50% a 90% dos outros poluentes", revela Gouveia.

A qualidade do ar paulistano já foi pior. Na década de 80, o nível mé­dio de material particulado girava em torno de 75 mg!m3 (microgramas por metro cúbico), bem acima dos 50 mg/m3 tidos como limite aceitá­vel pela OMS. Com a introdução dos veículos a álcool, menos poluidores, e a adição do álcool anidro à gasoli­na como antidetonante, no lugar do tóxico chumbo tetraetila, a média anual de material particulado caiu -oscila entre 50 e 60 mg/m3 -,apesar do aumento da frota. Para a melhora contribuiu a resolução federal de 1986 que criou o Programa de Con­trole da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), impondo li­mites cada vez menores de emissão de poluentes para veículos novos (ver quadro) . Hoje, segundo a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambi­ental ( Cetesb ), os automóveis poluem 90% menos que nos anos 80.

Ainda assim, São Paulo é uma das metrópoles mais poluídas: pesquisa do Imperial College de Londres lhe dá o quinto lugar numa lista encabe­çada pelo Cairo (Egito), seguido por Xangai (China), Cidade do México e Karachi (Paquistão). Em melhor si-. tuação estão Nova York, no 11 o lugar, e Londres, no 12°, provavelmente graças à boa infra-estrutura de trans­porte coletivo - sobretudo metrô.

Rodízio inútil- Sob pena de multa, de 1996 a 1998 o paulistano foi proibi­do pelo governo estadual de usar o carro um dia por semana durante o inverno, conforme o algarismo final da placa. Enquanto o atual rodízio municipal busca reduzir congestio­namentos, o estadual pretendia di­minuir a poluição. "Mesmo reti­rando das ruas a cada dia 20% da frota de veículos leves, a medida não surtiu o efeito esperado", diz Gou­veia. Ele comparou os índices de po­luição de agosto nos três anos de ro­dízio com o dos três anos anteriores.

A poluição de fato baixou cerca de 17%, mas não necessariamente devi­do ao rodízio. Segundo esse estudo, a redução resultou, em boa parte, de uma conjunção de fatores ambien­tais - temperatura, umidade do ar, chuvas e ventos que contribuíram para a dispersão dos poluentes.

Para Gouveia, o rodízio fracassou por ter deixado de fora os maiores poluidores, cerca de 400 mil veículos a diesel que despejam 12,4 mil tonela­das de material particulado por ano na região metropolitana. A experiên­cia também não deu muito certo na Cidade do México e em Santiago do Chile. "Quanto mais tempo dura o rodízio, menos efeito ele tem", diz. Mas não se descarta a restrição em casos de crise aguda, como ocorre em Paris e outras cidades européias. "Ainda assim, como medida isolada, traz poucos benefícios."

Crianças e idosos - Gouveia concluiu um projeto em que avalia os efeitos nas faixas etárias mais afetadas- cri­anças e idosos - e os resultados do rodízio estadual, comparando a evo­lução dos índices dos principais po­luentes com as internações hospitala­res de crianças até 5 anos e idosos acima de 64 anos entre 1996 e 1998. O cruzamento das medições das 12 es­tações de monitoramento do ar da Cetesb com os registros das interna­ções hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS) mostrou, por exemp­lo, que os maiores índices de interna­ções e de poluição coincidiram com o inverno. Baixas temperaturas já fa­vorecem o aumento de quadros agu­dos e óbitos por doenças respiratóri­as, o que a poluição só agrava.

Houve aumento de internações de idosos por doenças circulatórias rela­cionado a altos níveis de monóxido de carbono, que diminui a oxigena­ção do sangue e pode ser mortal em ambiente fechado. Em crianças e ido­sos, as internações por doenças respi­ratórias foram associadas a monóxi­do de carbono, partículas inaláveis e dióxido de enxofre. "Em geral, nos dias mais poluídos, o número de in-

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ternações por doenças respiratórias cresce cerca de 10% e a mortalidade geral aumenta entre 4% e 6%". Entre os picos de poluição e internação, pode haver uma defasagem de até três dias, "talvez o tempo necessário para a poluição exercer seu efeito deletério':

Outra conclusão: os idosos são mais afetados. Exceto as partículas inaláveis, os poluentes tiveram efeitos duas vezes maiores em idosos para internações por doenças respiratóri­as do que em crianças. Como essas doenças estão entre as que mais matam no país- se as cardiovascula­res são as que mais matam idosos, as respiratórias vêm em terceiro lugar para eles e em primeiro para as crian­ças -, os dados podem ajudar na for­mulação de políticas de saúde.

Risco de retrocesso- Pode-se aprovei­tar boas experiências do exterior. "Mas medidas isoladas não vão surtir o efeito necessário", alerta Gouveia. "São Paulo precisa de um plano de medidas integradas, capazes de ata­car o problema em várias frentes. Além de reduzir as emissões dos veí­culos, é preciso implementar a inspe­ção anual de toda a frota e investir no transporte coletivo."

O perigo é o crescimento da frota de veículos. Nos últimos 20 anos, a de São Paulo cresceu 215%, cerca de 12 vezes mais que o aumento da popu­lação, de 18%. Em média, há 170 mil veículos novos por ano. E, estima-se, os níveis de material particulado au­mentam 20 mg/m3 para cada 100 mil veículos novos- e o efeito da redução

O PROJETO

Santiago: montanhas formam barreira

Londres: exemplo de uma grande

melhoria na qualidade do ar

das emissões pelos veí­culos novos acaba se diluindo. Gouveia valo­riza a busca de alterna­tivas tecnológicas para a substituição dos com­bustíveis fósseis, como as células de combus­tível. "São soluções de longo prazo", diz. "Até lá, não podemos ficar de braços cruzados enquanto tanta gente adoece e morre." •

Poluição do Ar, o Rodízio de Veículos e Efeitos na Morbidade dos Idosos no Município de SP

MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADOR

NELSON DA CRUZ GOUVEIA- Facu ldade de Medicina da USP

INVESTIMENTO

R$ 8.850,00

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 39

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Pesquisadores comprova­ram que a exploração ra­cional de determinadas espécies pode viabilizar o desenvolvimento susten­

tável dos remanescentes do Cerrado paulista, de tal modo que os proprie­tários de terras, ao preservar os 20% de área exigidos por lei, ainda possam ter lucro com a parte intocada. O argumento para a preservação des­se ambiente surgiu no projeto te­mático que estudou os mecanismos das reservas naturais de carboi­dratos (açúcares), coordenado pelo biólogo Marcos Silveira Buc­keridge, do Instituto de Bo-tânica da Secretaria do Meio Ambiente.

No encontro de pesqui­sadores do programa Biota­FAPESP, realizado em de­zembro no Parque Estadual Intervales, do Vale do Ribei­ra, Buckeridge expôs os re­sultados de seus estudos bio­químicos e fisiológicos, que abrangeram 62 espécies na­tivas do Cerrado e da Mata Atlântica, mais seis espécies exóticas. Demonstrou várias aplicações de carboidratos abundantes em vegetais des­ses ambientes, desde um es­pessante de alimentos e um substituto de produto im­portado usado em exames re-nais até um composto que confere maior resistência mecânica ao papel.

Goma brasileira - Entre os vegetais cuja importância cresce com o pro­jeto está o falso-barbatimão (Dimor­phandra mollis), uma das legumino­sas de maior ocorrência no Cerrado de São Paulo e do Centro-Oeste, en­contrada ainda na Caatinga nordesti­na. Conhecida também como favei­ra, farinha ou canafístula, tem de 8 a

Falso-barbatimão: grande potencial para a produção de uma goma industrial atualmente importada

14 metros de altura e de sua casca e das vagens se extrai a rutina, com­posto em forma de pó amarelo-es­verdeado, sem sabor. A rutina é nor­malmente utilizada na curtição do couro, mas acredita-se que em hu­manos aumente a força dos vasos ca­pilares e a absorção de vitamina C.

Buckeridge mostrou que as se­mentes de falso-barbatimão - atual­mente descartadas- são ricas em po­lissacarídeos (longas cadeias de açúcares) quimicamente idênticos à goma-guar. Essa goma é usada in­dustrialmente como espessante de

Sementes de falso-barbatimão: • alta concentração de polissacarídeo

iogurtes e sorvetes, cápsulas de medi­camentos, lubrificante de brocas para prospecção de petróleo e até invólu­cro de bananas de dinamite. Quase toda importada - cada quilograma custa deUS$ 18 a US$ 28 -,é geral­mente extraída de sementes de espé­cies exóticas (não-nativas do Brasil) como Cyamopsis tetragonolobus, le­guminosa arbustiva da Índia e do Pa­quistão. A goma-guar, cujas proprie­dades são conhecidas desde a década de 1930, também reduz a absorção de gorduras e facilita a absorção in­testinal de carboidratos.

Das espécies estudadas, o falso­barbatimão é a que mais contém o

polissacarídeo galactomanano, que corresponde a cerca de metade do peso seco da semente e pode substi­tuir a goma-guar. "O rendimento em galactomanano das sementes de Dimorphandra mollis está entre os maiores já encontrados na nature­za", diz o pesquisador.

Trabalhando com dois grupos de sementes, um da Caatinga de Par­naíba (Piauí) e outro do Cerrado paulista (Mogi-Guaçu), o grupo es­tudou a germinação e desenvolveu um método de extração a seco dos polissacarídeos que se acumulam

nas paredes celulares da se­mente. Por moagem e pe­neiramento, obteve-se um pó com 83,2% de galacto­manano, grau de pureza si­milar ao dos produtos co­merciais. Testes com coelhos indicaram que se trata de um composto atóxico que pode, efetivamente, ser usa­do como alimento. Há indí­cios de interesse por essas sementes na Europa e no Ja­pão.

O falso-barba timão adap­ta-se bem a terrenos secos e pobres ou áreas degradadas. Falta verificar as condições ideais de produção no campo e a quantidade que pode ser retirada no Cerrado sem im­pacto ambiental. Para Bucke­ridge, a exploração racional

da goma brasileira pode estimular a preservação do ecossistema, o que, comercialmente, cria um diferencial ambientalista favorável.

Função renal - Outra planta do Cer­rado, a Vernonia herbacea, fornece um polissacarídeo do grupo dos fru­tanos que tem comportamento idên­tico ao da inulina. Essa substância in­dustrializada serve para medir a chamada filtração glomerular, que revela o estado da função renal de pa­cientes. Estudos que pesquisadores do Instituto de Botânica fizeram com camundongos em 1996, em co­laboração com a Universidade de São

PESQUISA FAPESP · OUTUBRODE2001 • 41

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Jatobá-do-cerrado: sementes ricas em

carboidratos

Paulo, haviam demonstrado que a Vernonia é uma alter­nativa viável à inulina para usos clínicos e acadêmicos.

A equipe de Buckeridge está complementando esses estudos. "Temos experimen­tos em campo e em labora­tório, com a finalidade de compreen­der o papel de nutrientes específicos no crescimento e no desenvolvimen­to da planta", diz ele. "Depois de en­tender esses pontos, pode-se pensar em como otimizar a produtividade."

Quanto ao aproveitamento da planta, há indícios animadores. "A produtividade da Vernonia é alta, comparável à de espécies já melho­radas de plantas cultivadas na Eu­ropa para a fabricação de inulina",

afirma a bióloga Maria Angela Ma­chado de Carvalho.

Os pesquisadores compararam o desenvolvimento e os teores de fruta­nos em plantas que cresceram sob ní­veis diferentes de adubação nitroge­nada. A conclusão é que o nitrogênio pode beneficiar o acúmulo de inuli­na: plantas adubadas exibiam aos 12 meses teores bastante próximos aos de outras, com dois anos de idade, cultivadas em condições semelhantes.

Já os xiloglucanos, presentes em todos os vegetais, têm uso potencial na indústria do papel, para aumen­tar sua resistência mecânica: testes fei­tos pela indústria de celulose Aracruz a pedido de Buckeridge mostraram um aumento de 40% na resistência ao rasgo. Os xiloglucanos são car­boidratos altamente concentrados na semente. Um exemplo é a semen­te do jatobá-do-cerrado (Hymenaea stigonocarpa), que no jargão da in-

Três grupos de açúcares essenciais

A equipe de Buckeridge estudou três grupos de carboidratos, ampla classe de compostos que inclui os polissacarídeos e representa cerca de 90% da estrutura da parede celu­lar vegetal: frutanos, galactomana­nos e xiloglucanos. Os dois últimos são carboidratos de parede celular, que se concentram nas sementes e, entre outras funções, controlam a velocidade de absorção de água.

Frutanos também participam da absorção de água, mas são especial­mente relevantes para o desenvolvi­mento de espécies com reprodução vegetativa, como as da família das

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compostas. Nesse tipo de reprodu­ção, a planta elimina a parte aérea durante um período de dormência que, no Cerrado, corresponde à época de seca. A parte subterrânea -na qual justamente se concentram os frutanos- sobrevive e dela brota­rão novos órgãos aéreos.

"Como os frutanos não são meta­balizados pelo organismo humano, podem ser usados sem risco pelas indústrias alimentícia e farmacêuti­ca", diz Maria Ângela, que estudou o metabolismo desses polissacarídeos em espécies nativas do Cerrado. Um dos tipos de frutanos, os de cadeia

curta, com poucas moléculas de frutose acopladas, tem sabor doce. Identificados pela sigla FOS (de fru­to-oligossacarídeos), entram na composição de produtos para dia­béticos e para regimes de emagreci­mento, ou são usados como aditivos em alimentos. Outro tipo, de cadeia longa, com mais moléculas de fru­tose acopladas, não é doce: as molé­culas se encaixam de tal forma que não sobra nenhuma frutose avulsa para garantir sabor. Seu uso poten­cial é na indústria farmacêutica.

Segundo Buckeridge, os galacto­mananos -já usados pelos egípcios

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formática seria zipada (compacta­da), tal a quantidade de carboidra­tos que contém: cerca de 40% do peso seco.

Em laboratório - Se a exploração de uma planta implicar devastação, pode-se adotar o caminho da pro­dução em laboratório para obter as substâncias desejadas. Por exemplo, a Viguiera disco lar- herbácea da fa ­mília das compostas, como a camo­mila e a margarida- também é uma alternativa à produção de inulina, mas se desenvolve lentamente: a parte aérea (caule e folhas) cresce entre a primavera e o final do outo­no e depois entra em dormência.

Então, um objetivo do grupo é chegar à biossíntese de frutanos pela cultura de tecidos vegetais. Para isso, além dos momentos de maior pro­dução de frutanos, também se ob­serva a distribuição dos açúcares na planta. "A dist ribuição das reservas entre as diferentes partes do órgão subterrâneo é bastante complexa, mas o acúmulo ocorre essencial­mente nas raízes tuberosas", comen­ta Buckeridge.

na mumificação- têm um poten­cial de uso bem mais amplo, como agora se demonstra com a perspec­tiva de substituição da goma-guar importada, já que ambos têm ames­ma estrutura química.

O conhecimento das estruturas de reserva de carboidratos também remete a ajustes na dieta do dia-a­dia. Atualmente, devido ao intenso

O PROJETO

Conservação e Utilização Sustentável da Biodiversidade Vegetal do Cerrado e Mata Atlântica: os Carboidratos de Reserva e seu Papel no Estabelecimento e Manutenção das Plantas em seu Ambiente Natura l

MODALIDADE

Projeto temático

COORDENADOR

MARCOS SILVEIRA 8UCKERIDGE- Inst it uto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente

INVESTIMENTO

R$ 309.845 e US$ 378.726

Estratégia de inverno- O armazena­mento de açúcares em sementes ou estruturas subterrâneas é uma estra­tégia bem -sucedida de adaptação, que garante a sobrevivência no in­verno seco do Cerrado. A produção é acionada sob condições ambien­tais adversas ou estressantes, como a escassez de água, numa indicação de que essas substâncias podem estar ligadas ao controle hídrico celular.

Um dos experimentos comparou os carboidratos solúveis de uma gra-

consumo de produtos industrializa­dos, a alimentação tornou-se escas­sa em fibras, compostas basicamen­te de carboidratos, mas desprezadas por conterem poucas calorias -embora se reitere sua importância para o bom funcionamento do sis­tema gastrointestinal e a prevenção de doenças. Diante disso, a equipe de Buckeridge tem publicado arti-

mínea nativa e abundante no Cerra­do, a Echinolaena inflexa, e de uma espécie invasora, a Melinis minuti­flora. Concluiu-se que essas espécies adotam est ratégias diferentes para sobreviver e ocupar ambientes sujei­tos à restrição de água. Nas duas, os níveis de açúcares aumentaram no inverno (período seco), mas a nativa continha dez vezes mais um grupo de compostos, os açúcares álcoois, que ajudam a planta a viver com pouca água.

São evidências de que, mais que resultados, o trabalho most ra novos caminhos, na medida em que os pesqu isadores conh ecem os mo­mentos de maior ou menor produ­ção de polissacarídeos encontrados nas folhas, no caule, nas sementes ou nas raízes. "As reservas de car­boidratos dos vegetais do Cerrado podem ser m anejadas de fo rma sus­tentável, com aplicações nas indús­t rias fa rmacêutica e alimentícia e na área tecnológica", afirma Buckerid­ge, coordenador do projeto temáti­co a ser concluído em março de 2003. Desde 1998, o trabalho resul­tou na publicação de 27 artigos cien­tíficos e em 19 teses de mestrado e doutorado, apresentadas ou em an­damento. •

Açúcares: galactomano do fa lso-barbatimão (à esquerda) e xiloglucano do jatobá-do-cerrado

gos considerando a possibilidade de se modificar a composição de fibras em plantas muito consumidas ou de introduzir certas fibras em ali­mentos de uso consagrado. Ele exemplifica: "Por que não, por exemplo, um feijão com mais fi­bras? Seus tecidos já têm os genes necessários, que precisariam apenas ser ativados ou desbloqueados".

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CIÊNCIA

FÍSICA

O próton em transformação diz Matsas. O próton pode então transformar-se em nêutron, desta vez pela captura de um elétron, num processo que emite um neutrino, tipo de partícula aparentemente sem

Estudo mostra como uma partícula acelerada pode originar outras

Se permanecesse parado, livre de qualquer força elétrica ou mag­

nética e a zero grau absoluto ( -273° Celsius), o próton, uma das partícu­las do núcleo atômico, se manteria estável. E assim poderia ficar para sempre, de acordo com os atuais mo­delos teóricos. O cenário é mais ani­mado quando o próton é submetido, por exemplo, a um campo elétrico: torna-se acelerado e pode se desinte­grar. A explicação disso, do ponto de vista do próton- como se um obser­vador estivesse sentado sobre ele -, faz parte de um estudo que ganhou destaque na edição de 8 de outubro da Physical Review Letters, assinado por George Matsas, do Instituto de Física Teórica da Universidade Esta­dual Paulista (IFT-Unesp ), e de seu doutorando Daniel Vanzella, hoje no Centro de Gravitação e Cosmo­logia da Universidade de Wiscon­sin, Estados Unidos.

Ao explicar a desintegração ou decaimento do próton, o estudo de Matsas e Vanzella confirma matemati­camente o chamado efeito Fulling­Davies-Unruh, apresentado como hipótese em 1976: um observador inerciai parado no laboratório não ve­ria nada se estivesse no vácuo a zero absoluto, enquanto um observador acelerado veria partículas elementa­res em movimento, como se estivesse num forno de microondas com mi­lhões de prótons, nêutrons, elétrons e outras partículas batendo nele.

Os pesquisadores basearam-se nesse efeito para explicar a desinte­gração do próton do ponto de vista de um observador acelerado sentado so-

massa. Outra possibilidade é absorver um antineutrino e originar um nêutron e um pósitron, partícula com as mesmas características do elétron, mas de carga elétrica contrária.

O acelerador do Fermi: fragmentação de átomos

Matsas e Vanzella calcu­laram o tempo de desinte­gração do próton também para observadores parados no laboratório que apenas vêem o próton em movi­mento. Por fim, viram que o tempo de desintegração coincidia com os resultados obtidos para observadores em movimento sobre o próton. "Se o efeito não e­xistisse, não haveria como explicar a desintegração do próton acelerado do ponto de vista de um observador sentado sobre ele", diz Mat­sas. A transformação em

bre ele. Nessas condições, assistiria ao surgimento de partículas que simples­mente não existem para observado­res inerciais - mais um dos mistérios da mecânica quântica.

À temperatura baixa, o próton absorve um életron e um antineutri­no e forma um nêutron. "Ã medida que a aceleração aumenta, o próton sente uma temperatura ambiente mais alta e outros processos de desin­tegração se tornam mais prováveis",

O PROJETO

Espinores em Teoria de Campos em Espaços Curvos

MODALIDADE

Bolsa de Pós-Graduação

COORDENADOR

GEORGE EMANUEL AVRAAM MATSAS -

Instituto de Física Teórica/Unesp

INVESTIMENTO

R$ 81.283,69

nêutron e outras partículas imensa­mente menores é rapidíssima - de­mora um décimo de segundo. Mas só pode ocorrer se o próton estiver sub­metido a uma aceleração gigantesca, equivalente ao número 5 seguido de 34 zeros em centímetros por segundo ao quadrado, algo só concebível em pulsares, objetos cósmicos altamente energéticos.

"Somente em condições astrofí­sicas haveria uma chance de obser­var a desintegração do próton", diz o pesquisador da Unesp. Na Terra, ainda não é possível atingir essa ace­leração, nem mesmo nos maiores aceleradores do mundo, como o do Laboratório Fermi, nos EUA, ou o franco-suíço Large Hadron Collider (LHC), em construção. Por enquan­to, o próton continua uma partícula estável. "Na Terra", diz Matsas, "o tempo que o próton precisaria para se desintegrar seria muito maior que a própria idade do universo". •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 49

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TECNOLOGIA

Novo teste garante a qualidade do cafezinho Um método inédito para detectar impurezas ou frau­des no pó de café foi desen­volvido e patenteado pela Empresa Brasileira de Pes­quisa Agropecuária (Embra­pa). Com ele, é possível ve­rificar, por meio de uma câmara fotográfica digital, uma lupa e a análise das imagens de um software es­pecífico, o espectro eletro­magnético refletido pelos diversos materiais orgânicos que compõem o pó de café. Assim, é possível captar os diferentes comprimentos de onda eletromagnética emiti­dos por cascas ou pedaços de caule da planta, ou por Novo teste é mais ágil e mais preciso do que o método tradicional feito manualmente material misturado ao café intencionalmente, como mi­lho, cevada, açúcar mascava, soja e outros. O novo teste atende a uma sugestão da Associação Brasileira da In­dústria do Café (Abic), que procurava um método mais ágil e preciso para substituir

• Cresce o número de incubadoras

Quarenta e duas novas incu­badoras de empresas devem se estabelecer até o final de 2002 no Brasil. Elas serão instaladas com financiamento do Servi­ço Brasileiro de Apoio às Mi­cro e Pequenas Empresas (Se­brae), que acolheu os projetas por meio de um edital. Espa­lhadas por todo o país, a sub­divisão por região ficou as­sim: l O para a região Norte, 12, Nordeste, quatro, Centro­Oeste, 13, Sudeste, e três, Sul. Estados como Roraima, Ser-

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o tradicional: lento e feito de forma manual. A entidade fornece um selo de pureza anual aos fabricantes que apresentem até 1 o/o de im­purezas. "Com o novo sis­tema, conseguimos um ín­dice de acerto de 99,73%",

gipe e Tocantins terão suas primeiras incubadoras. Cada uma vai receber R$ 20 mil para montar o plano de negócio inicial, quando são definidas as estratégias e a contratação de pessoal da incubadora. Das 42, 20 possuem vínculo form al com universidades ou insti­tutos de pesquisas. No mesmo edital, também constam be­nefícios para mais 57 incuba­doras, já estabelecidas ou em fase de instalação. No total, o Sebrae vai desembolsar, duran­te um ano, R$ 5,464 milhões nesse programa de apoio às incubadoras. As 42 novas in-

conta Eduardo Assef, pes­quisador da Embrapa Cer­rados que coordenou o tra­balho junto com Embrapa Café e Embrapa Agroindús­tria de Alimentos. A cons­trução do softwar;e se baseou no Processamento de Ima-

cubadoras vão se somar às 159 já existentes no país. Esse setor obteve um crescimento de 17,7% no número de incu­badoras, entre agosto de 2000 e agosto deste ano, segundo a Associação Nacional de Enti­dades Promotoras de Em­preendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec) . Esses estabelecimentos abrigam mil empresas e empregam 7 mil pessoas. Do total de incuba­doras, 54% são exclusivas de empresas com base tecnoló­gica e 70% possuem vínculo com universidades ou insti­tutos de pesquisa. •

gens e Geoprocessamento (Spring) do Instituto Na­cional de Pesquisas Espa­ciais (Inpe), sistema usado no monitoramento ambiental por satélite que foi adaptado para a análise de impurezas e fraudes no café. •

• Faperj na rota das pequenas empresas

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) divulgou a lista dos primeiros 19 proje­tas aprovados no âmbito do programa Tecnologia na Pe­quena Empresa (TPE). Foram beneficiados projetas que apresentaram propostas de inovações em produtos e pro­cessos. Serão destinados R$ 2 milhões para esse programa que segue o mesmo caminho de sucesso do Programa de Inovação Tecnológica em Pe-

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quenas Empresas (PIPE) da FAPESP. O TPE também é di­vidido em duas fases. Na pri­meira- a empresa recebe in­vestimentos de até R$ 50 mil -o pesquisador realiza estu­dos sobre a viabilidade do pro­duto, e na segunda fase, com recursos de até R$ 200 mil, a dedicação é para o desenvol­vimento de um protótipo. •

• Novas embalagens biodegradáveis

A procura por embalagens recicláveis e biodegradáveis uniu duas gigantes da in­dústria química. A DuPont e a Earth Shell vão colocar no mercado, até o final do ano, um novo tipo de embalagem plástica "ecologicamente cor­reta", fabricada a partir de materiais biodegradáveis. Des­tinado à indústria de alimen­tos, o material será produzido a partir de um composto for­mado por materiais inorgâ­nicos - como pedra calcária - orgânicos - amido -, além do filme de poliéster biode­gradável Biomax, processado pela DuPont. Segundo os fa­bricantes, a nova embalagem será usada para fabricação de invólucros de sanduíches, copos, pratos e outros reci­pientes descartáveis. •

• Vermiculita para purificar efluentes

Vem de Ouro Preto, Minas Gerais, um novo benefício para a solução de efluentes in­dustriais. Depois de anos de pesquisas, o professor Jader Martins, do Departamento de Engenharia de Minas da Uni­versidade Federal de Ouro Preto (UFOP), inventou um produto, a vermiculita hidra­fóbica, capaz de separar sub­stâncias oleosas das águas de efluentes industriais, colocan­do-as dentro dos parâmetros

exigidos pela legislação am­biental. A vermiculita é um mineral barato e muito utili­zado como isolante térmico e acústico na construção ci­vil. O pesquisador da UFOP tratou-o quimicamente, tor­nado-o hidrofóbico, ou seja, sem afinidade com a água. O novo produto, com alto índi­ce de porosidade, é capaz de reter óleos quando em conta­to com águas contaminadas. Hoje, esse processo de puri­ficação é feito com filtros de decantação. Para viabilizar o produto, Martins abriu uma empresa, a Hydro Clean, e busca um parceiro para a fa­bricação do produto em es­cala comercial. •

• Aparelho útil na radioterapia

Um equipamento criado pe­la empresa Bioluz Equipa­mentos e Serviços, de Cam­pinas, promete trazer avanços no tratamento de pacientes com câncer submetidos a ses­sões de radioterapia. Bati­zado de Isocort 100, o aparelho impede que tecidos e órgãos próxi­mos ao local tratado re­cebam emissões desne­cessárias de radiação. O Isocort é, na verdade, um sofisticado cortador de isopor. De posse de uma radiografia da região on­de o câncer se encontra ins­talado, o médico pode "dese-

nhar" no Isocort a região a ser tratada com a radiotera­pia. O aparelho recorta uma placa de isopor na forma que servirá como molde para a criação de uma capa de blin­dagem, feita de uma liga me­tálica. Essa blindagem im­pedirá que a dispersão dos

lsocort 1 00: molde

protege a pele

o

isótopos atinja órgãos e teci­dos saudáveis em volta do tumor. O equipamento levou quatro meses para ser desen­volvido e custa R$ 20 mil, va­lor inferior aos importados. Dois aparelhos já estão em funcionamento: um num hospital de Chapecó, em San­ta Catarina, e outro na Clínica Radium, em Campinas. •

• Gesso mais resistente no Rio Grande do Sul

A Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), lo­calizada na cidade de São Leopoldo, pólo calçadista do Rio Grande do Sul, criou, em parceria com empresas da re­gião, um material para uso na construção civil a partir do contraforte, componente usado na parte do calcanhar do sapato e um dos princi­pais resíduos da indústria de calçados. O novo produto é um composto formado por gesso e partículas de contra­forte. Ele poderá ser usado na fabricação de divisórias, forros e até paredes. A pes­quisa, inserida no Programa de Tecnologia para Habita­ção (Habitare) da Financia­dora de Estudos e Projetas (Finep ), foi executada pela equipe do professor Cláudio de Souza Kazmierczak, do curso de engenharia civil da Unisinos. Segundo o pesqui­sador, as placas de gesso re­forçadas com contraforte têm elevada resistência a im-

'i pactos. Além disso, o aprovei­~ tamento do resíduo trará um

grande benefício ambiental, porque naquela região são descartadas 80 toneladas de sobras de contraforte por mês. Duas empresas já se in­teressaram em fabricar o no­vo material e prometem ini­ciar a comercialização a partir do primeiro semestre do pró-ximo ano. •

PESQUISA FAPESP • OUTUBRODE2001 51

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Uma parceria da Uni­versidade Federal de São Carlos (UFSCar) com a AJcoa Alumí­nio resultou na cria-

ção de um instrumento inédito: o reômetro para concretos. O equipa­mento destina-se a aferir o grau de qualidade e as reações entre matérias­primas usadas na formulação de con­cretos refratários, aplicados em reves­timentos de fornos e equipamentos de produção de ferro e aço. Esses con­cretos são formulados com baixo teor de cimento e alto teor de alumina, sub­produto da indústria do alumínio que é muito resistente a altas temperaturas.

52 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

O reômetro foi desenvolvido num projeto temático sobre concre­tos refratários avançados financiado pela FAPESP e coordenado por Vic­tor Carlos Pandolfelli, do Departa­mento de Engenharia de Materiais (Dema) da UFSCar.

O projeto abriu uma linha de es­tudos que já produziu dez disserta­ções de mestrado e sete teses de dou­torado, além de um livro que passou a ser fonte de consultas em cursos sobre materiais. E também possibili­tou o registro de três patentes. Uma é do próprio reômetro, outra do soft­ware Particule Size Designer, que defi­ne e analisa os materiais particulados

utilizados nos concretos. Lançado a 23 de outubro pela Alcoa, o software custa R$ 800,00 e sua renda reverterá toda para a UFScar. Ele também con­tribuiu para o objeto da terceira pa­tente: uma geração de concretos re­fratários com baixos teores de água na preparação e maior resistência mecânica a alta temperatura.

O reômetro e outros equipamen­tos e processos desenvolvidos surgem num momento oportuno. Em 2000, a produção mundial de aço foi de 847 milhões de toneladas. A deman­da atual da siderurgia é por concretos refratários cada vez mais resistentes e duráveis. Portanto, o diferencial com-

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petitivo deverá ser o desempenho e o valor agregado do material, e não ape­nas a produtividade. Uma previsão é consenso: as siderúrgicas menos efi­cientes fecharão as portas, o que já começa a ocorrer nos EUA.

O desafio da indústria do aço é baixar custos e elevar rendimentos. Para isso, são decisivos os refratários, bem como as tecnologias que surgi­ram nos últimos anos para elevar a eficiência. "Os refratários utilizados hoje", diz Pandolfelli, "são uma sofis­ticada classe de materiais, cuja con­cepção e projeto de microestrutura vão muito além da clássica combina­ção de matérias-primas para se obter

um melhor componente". As indús­trias estão certas ao trocar os velhos fornos de tijolos refratários por reves­timentos de concreto refratário: "Com os tijolos gasta-se mais tempo e mão-de-obra, porque são assenta­dos um a um. O concreto refratário utiliza maquinário rápido, não ne­cessita de diferentes formatos de tijo­los para compor o forno e não deixa juntas, por onde pode se iniciar um processo de corrosão!'

Prevê-se que, até 2007, 100% dos alto-fornos e outras instalações das siderúrgicas brasileiras utilizem con­cretos refratários. Hoje, eles corres­pondem a 60% do material refratário

Siderurgia: processo vem sendo aprimorado com o uso de novas tecnologias e concretos refratários

empregado no setor, que movimenta US$ 350 milhões por ano.

A qualidade do refratário se reve­la na sua resistência às temperaturas da transformação do minério em fer­ro e aço, que chegam a 1.600° C. Há três décadas, o consumo de refratá­rios pela siderurgia brasileira era de 30 quilogramas (kg) por tonelada de aço produzida. Hoje, essa relação é de 9 kg, perto da considerada excelente, que é 7 kg. Quanto mais eficiente e sob controle o processo siderúrgico, menos ele consome refratários.

Com isso, a siderurgia brasileira se tornou bem competitiva. Mas, para manter esse padrão, e até aprimorá­lo, reduziu-se o espaço para estudos e experimentações: é preciso dominar e aplicar logo formas de conheci­mento cada vez mais específicas.

É nesse contexto, segundo Pan­dolfelli, que o reômetro deve fazer a diferença. Ele é parte fundamental na produção de concretos refratários bombeáveis, produzidos em mistu­radores no próprio local da obra ele­vados em mangueiras sob pressão para o revestimento do alto-forno.

Novos tempos - O reômetro mede o torque (esforço de torção) necessário para se misturar o concreto sob dife­rentes condições, simulando o bom­beamento industrial. Também indica o pH (índice de acidez) e a tempera­tura, conforme as reações acontecem. Assim, o instrumento permite simu­lar as solicitações a que os concretos serão submetidos, desde o momento em que seus componentes são mistu­rados até o de sua aplicação.

O engenheiro Carlos Pagliosa, ho­je funcionário da Magnesita, maior fabricante brasileira de refratários, foi um dos primeiros a trabalhar com Pandolfelli, como aluno de pós-gra­duação, no desenvolvimento de con­cretos bombeáveis. Para ele, os novos tempos impõem o uso de produtos

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 53

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metro. Enquanto o mercado brasileiro de concretos refra­tários apostava firme em máquinas e tecnologias im­portadas, a Saffran encon­trou um caminho próprio junto com a UFSCar.

multifuncionais e adequa­dos a um processo de ins­talação mais rápida, como é o sistema de bombea­mento. "Foi necessário tratar os concretos refratá­rios como produtos de alta tecnologia. Nesse contex­to, os novos produtos não puderam mais ser gerados por concepções empíricas e partiu-se para o modela­menta computacional e o desenvolvimento de equi­pamentos específicos': afir­ma Pagliosa.

Refratários: corpos de prova feitos no laboratório da UFSCar

Marcelo Guerra, enge­nheiro de pesquisa da em­presa, explica: "Nosso novo concreto é bombeado com mais eficiência, permitindo que o produto aplicado te­nha melhor qualidade e de­sempenho. Como não pre­

A parceria da UFSCar com a AI­coa - que detém 25% da produção de alumínio no país- nasceu há dez anos, período em que a empresa in­vestiu US$ 650 mil em vários proje­tos conjuntos. "Com o reômetro, a empresa espera diferenciar-se por ter dado ao mercado um instrumento de avaliação da qualidade de suas pró­prias matérias-primas", diz o químico Jorge Gallo, que chefia a pesquisa na empresa e faz a ligação com a UFS­Car, desenvolvendo seu doutorado dentro do projeto temático.

Menos esforço - Os recursos investi­dos pela Alcoa na UFSCar apóiam necessidades que o financiamento da FAPESP não pode atender, como a ampliação de espaços físicos da uni­versidade. Assim, com recursos da empresa, foi construída uma unidade de 900 metros quadrados onde ficam os equipamentos e trabalha o grupo envolvido nesse projeto.

Um exemplo dos benefícios da Alcoa na parceria aconteceu no pri­meiro semestre, quando reformou um dos seus fornos de calcinação (queima) de alumina."Foi uma ope­ração rotineira, que ocorre uma vez a cada dois anos. Mas desta vez foi di­ferente", explica Jorge Gallo. "Forma­mos um grupo com integrantes da empresa, do Dema-UFSCar e do for­necedor do refratário, a Magnesita. E juntos, sob a orientação do professor Pandolfelli, pudemos direcionar os serviços de modo muito mais funda-

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mentado. Estimamos que isso nos permitirá aumentar o intervalo de tempo entre paradas de equipamen­tos para manutenção, o que, se con­firmado, representará uma redução considerável nos custos:'

O projeto também contribuiu para que a Cerâmica Saffran, de Betim (MG), fosse pioneira no uso de tecnologia nacional para desen­volver concretos refratários bombeá­veis, inclusive para reparar equipa­mentos siderúrgicos. Com a equipe da UFScar, a empresa conseguiu me­lhorar o desempenho dos canais em que o metal fundido escoa para os altos-fornos. O uso do reômetro le­vou ao desenvolvimento do concreto refratário usado nesses canais.

A empresa também economizóu tempo de desenvolvimento e gastos com testes industriais, que são caros porque envolvem uma quantidade mínima de até 2 toneladas de mate­rial . Assim, a experiência da Saffran, fundada em 1954, foi importante para comprovar a eficiência do reô-

O PROJETO

Estudo Sistêmico para o Desenvolvimento de Concretos Refratários Avançados

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADOR

VICTOR CARLOS PANDOLFELLI- UFSCar

INVESTIMENTO

RS 525.877.47 e US$ 456.438,54

cisamos aplicar nenhuma vibração -necessária pelo antigo sistema de bombeamento, para o concreto fluir com mais facilidade-, reduzimos em dois terços o tempo de operação. Um forno de 200 toneladas, por exemplo, consumia 72 horas de aplicação com vibração. Para o mesmo volume, fa­zemos agora toda a operação em 20 horas':

Concepção caseira - Pagliosa, cuja tese de doutorado enfoca os concre­tos bombeáveis, acrescenta: "O de­senvolvimento da tecnologia de con­cretos bombeáveis da Saffran se realizou dentro da própria empresa, com o apoio da equipe do projeto te­mático da FAPESP. Não foi algo de­senvolvido dentro da empresa que migrou para a universidade. A con­cepção do produto foi feita conjunta­mente pela empresa e a UFSCar, sen­do que os testes de avaliação do produto pelo reômetro e as discus­sões técnicas foram fundamentais para o sucesso do desenvolvimento".

Entre outros resultados do pro­jeto temático, Pandolfelli destaca mais cinco equipamentos que foram construídos ao longo destes últimos quatro anos - alguns deles em tes­te, para possíveis pedidos de paten­te. A equipe envolvida recebeu nove prêmios e publicou 71 artigos em re­vistas especializadas daqui e do exte­rior. "São resultados que exemplifi­cam bem a geração de ciência e suas aplicações", completa o coordenador Pandolfelli. •

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TECNOLOGIA

ENGENHARIA DE ALIMENTOS

Saudável e natural

Uma das atividades da isoflavona ext ra ída da soja é a reposição do estrógeno, o hormônio feminino, du ra nte a menopausa

Estudos na Unicamp abrem caminho para a produção de isoflavonas extraídas da soja e de novos usos da própolis

O Brasil já possui tecno­logia para a produção da isotlavona aglico­na, uma substância encontrada na soja

( Glycine max) que apresenta impor­tantes atividades biológicas. Ela atua como anticancerígeno (mama e prós­tata) e antioxidante ao neutralizar a ação dos radicais livres, moléculas de­rivadas do oxigênio que são responsá-

veis pelo envelhecimento das células do corpo humano. A isotlavona tam­bém ajuda na redução dos níveis de colesterol prejudiciais à saúde cardio­vascular e a tua no combate aos fungos que provocam doenças como as mi­coses e a candidíase. Além disso, ela já é utilizada como auxiliar na reposição hormonal no lugar do estrógeno, o hor­mônio feminino que diminui muito durante o período da menopausa.

A nova técnica de obtenção da iso­tlavona foi desenvolvida pelo professor Yong Kun Park, do Laboratório de Bio­química de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Extraída de grãos e de pro­dutos derivados da soja, as isotlavonas agliconas podem ser oferecidas ao mer-

cado consumidor como um suplemen­to alimentar em forma de cápsulas ou como um ingrediente para ser adicionado a bolos, chocolates e bis­coitos, tornando-os mais saudáveis.

Transformação digestiva - O trabalho do professor Park e sua equipe resul­tou em um pedido de patente do pro­cesso de extração e conversão das iso­tlavonas glicosiladas de soja às suas formas agliconas. Esse processo de transformação das isotlavonas ocor­re normalmente no aparelho digesti­vo, quando enzimas digestivas pro­duzidas pela microflora intestinal transformam as isotlavonas glicosila­das em agliconas, que são então ab­sorvidas pelo organismo. ''A idéia é produzir comercialmente a isotlavo-

PESQUISA FAPESP · OUTUBRODE2001 • 55

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na aglicona para ser oferecida direta­mente em forma de cápsulas ou para a produção de alimentos, permitindo assim uma melhor absorção e apro­veitamento do composto pelo orga­nismo': e"xplica Park.

Segundo o pesquisador, o Brasil tem condições ideais para produzir alimen­tos derivados de soja. O país é o segun­do maior exportador dessa leguminosa, responsável por 16,9% da produção mun­dial. A área plantada para a safra 2000/2001 chegou aos 13,7 milhões de hectares, com uma produção estima­da de 37 milhões de tonela­das, gerando uma receita com grãos, óleo e farelo de soja em torno de US$ 4,8 bilhões. "Se alguém tinha que desenvolver essa tec­nologia, éramos nós."

Dose diária - Park pesquisa isoflavonas de soja desde 1998. "Há pouco mais de três anos, 20 grandes em-presas americanas produ-zem derivados de soja para a alimen­tação, baseadas em recomendações da Food and Drugs Administration (FDA) que sugere o consumo de 25 gramas (g) por dia de proteína de soja, em razão da sua comprovada atividade de redução e controle de colesterol e da pressão sanguínea:' Em cada 100 g de amostra seca de soja existem 40 g de proteínas, 30 g de glicídios, 20 g de lipídios, 226 mg de cálcio, 546 mg de fósforo e 8,8 mg de ferro. Entre os componentes quí­micos da soja estão os compostos po­lifenólicos, como as isoflavonas.

Vários trabalhos publicados em revistas internacionais relatam os be­nefícios para a saúde humana propi­ciados pelo uso dessas substâncias. Entre eles estão o de Lori Coward, da Universidade do Alabama, Estados Unidos, sobre atividades antitumo­rais da isoflavona de soja em dietas asiáticas e americanas e o de Patrícia Murphy, da Universidade do Estado de Iowa, também nos Estados Uni-

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dos, sobre teores de substâncias se­melhantes ao estrógeno em produtos de soja processada. Além dessas pro­priedades, as ações antioxidante e an­tifúngica também foram comprova­das pelo professor Park. Os principais resultados do trabalho de Park com a soja foram apresentados, em junho de 2001, em Nova Orleans, nos Esta-

Park: depois do Neosugar, o estudo das propriedades biológicas da própolis

dos Unidos, no 2001 IFT, encontro anual promovido pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos (IFT), e no 1 o Simpósio Brasileiro sobre os Bene­fícios da Soja na Saúde Humana, pro­movido pela Embrapa-Soja em Lon­drina, no Paraná, em maio deste ano.

As isoflavonas agliconas são en­contradas em produtos de soja tradi­cionalmente fermentados, muito con-

OS PROJETOS

Produção de lsoflavonas agliconas com Alta Atividade Biológica a partir da Soja e Isolamento e Identificação de Compostos com Alta Ati vida de Biológica de Própolis de Apis mellifera

MODALIDADE

Linha reg ular de auxílio à pesquisa

COORDENADOR

YoNG KuN PARK- Unicam p

INVESTIMENTOS

R$ 27.125,00 (soja) e R$ 44.444,05 e US$ 48.980,36 (própolis)

sumidos no Japão e em outros países asiáticos. Segundo Park, estudos reali­zados naquele país confirmaram que os orientais possuem grande quanti­dade de isoflavona aglicona no plas­ma do sangue, fator que pode ser o responsável pelo baixo índice de cân­cer de próstata, mama, colo do úte­ro e de problemas relacionados à

menopausa na população oriental. Em outros povos, onde o consumo de pro­dutos fermentados de so­ja é menor, os índices de doenças são maiores. "For­necer isoflavona aglicona para a produção de ali­mentos poderia beneficiar um número maior de pes­soas", afirma Park.

Processo industrial - Para a produção industrial de isoflavonas tornam-se ne­cessárias algumas etapas preliminares, tais como mo­agem dos grãos e desen-gorduramento. A farinha desengordurada é subme­

tida a um processo de extração de iso­flavonas com solventes num processo de destilação. Desse conteúdo de iso­flavonas, as glicosiladas são conver­tidas em agliconas pela ação de uma enzima, a beta-glicosidase, durante um processo fermentativo. Para a produção da beta-glicosidase, Park utiliza o fungo Aspergillus oryzae, muito utilizado no Japão em proces­sos biotecnológicos. A soja utilizada nos experimentos é fornecida pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). São cinco cultivares: IAC 15-1, IAC 15-2, IAC 20, IAC 22 e IAC Foscarin 31-1.

Embora ainda não tenha nenhum contrato para transferir sua tecnolo­gia, Park já tem informações sobre o interesse de indústrias alimentícias estrangeiras, que atuam no Brasil, em usar isoflavonas agliconas na produ­ção de alimentos ou suplementos.

Outros estudos do professor Park referem-se à análise de substâncias presentes na própolis, uma substância

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Amostras de própolis das abelhas Apis Mellifera resu ltaram em duas patentes

resinosa coletada por abelhas da es­pécie Apis mellifera de diversas partes das plantas, como brotos, botões flo­rais e líquidos que transpiram das fo­lhas e do caule.

Doce começo - O interesse de Park pelo estudo da própolis começou em 1991. O forte contato com os apicul­tores para o isolamento de açúcares não-convencionais de mel de abe­lhas, capazes de transformar a saca­rose da cana-de-açúcar em um ado­çante com baixa caloria - cujos estudos renderam a patente do Neo­sugar junto com a Usina da Barra, em Barra Bonita (SP) -despertou o interesse pelo estudo também da composição química e propriedades biológicas relacionadas à própolis. Como mostram vários estudos do professor Park e ampla literatura so­bre o assunto, muitos compostos químicos das própolis já foram iden­tificados e a maioria deles pertence a

três grupos principais: flavonóides, ácidos fenólicos e ésteres fenólicos. Suas concentrações variam depen­dendo da flora da região de coleta e da variabilidade genética da abelha. "A própolis brasileira é largamente exportada para o Japão e Europa e rende aos apicultores nacionais algÓ em torno de US$ 2 milhões a US$ 3 milhões anuais. Sua qualidade é considerada a melhor do mundo exatamente devido à biodiversidade brasileira", diz Park.

Do início de 1993 até 1998, ele e sua equipe pesquisaram SOO amos­tras de própolis nacionais, obtidas nas regiões Sul, Sudeste, Centro­Oeste e Nordeste do país, agrupan­do-as em 12 grupos básicos, cada um com uma finalidade específica. Segundo explicações de Park, dos 12 grupos definidos, quatro mostraram atividades anticancerígenas, três mostraram atividades anticáries e, em dois, atividades anti-HIV. Esse trabalho já rendeu, além das inú­meras publicações internacionais, duas patentes. Uma delas, no início

deste ano, sobre uso de flavonóides de própolis para prevenção e trata­mento de cáries dentárias. Ela foi re­gistrada pela FEA, em conjunto com a Faculdade de Odontologia de Pira­cicaba (FOP), também da Unicamp, e a Universidade de Rochester, Esta­dos Unidos, onde trabalha um dos ex-orientados de Park.

Própolis da Amazônia- Outra, de uso da própolis com função anti-HIV (eliminação do vírus), foi feita em conjunto com a Universidade da Ca­rolina do Norte, também dos Estados Unidos, e deverá ser confirmada até novembro de 2001. "A idéia agora", diz ele, "é, a partir do ano que vem, ampliar essas pesquisas para a re­gião amazônica". Park e sua equipe vão procurar compostos químicos em novos tipos de própolis, caracte­rizando suas atividades biológicas. "Acreditamos, com isso, aumentar o valor comercial desse produto e co­nhecer novos princípios ativos que possam ter uso na indústria farma­cêutica e alimentícia." •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 57

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TECNOLOGIA

ENERGIA NUCLEAR

Detector de bactérias Em duas horas laboratório identifica microrganismos patogênicos no Rio

Cercada por jovens cientistas no laboratório onde pesquisa físi­

ca nuclear aplicada, a professora Ver­gínia Reis Crispim mostra uma pla­quinha de plástico como um troféu: por meses essa placa impregnada de bactérias circulou no Rio de Janeiro entre seu laboratório, na Coordena­ção dos Programas de Pós-Gradua­ção (Coppe) da Universidade Fede­ral (UFRJ), e o reator do Instituto de Energia Nuclear (IEN), uma área de segurança nacional só usada para pes­quisas. Os pesquisadores tinham au­torização para o seguinte teste: pôr a placa no reator e bombardeá-la com um feixe de nêutrons para obter ima­gens das bactérias. Objetivo: criar um método rápido de identificar micror­ganismos causadores de doenças.

A placa manuseada por Vergínia, que coordena as pesquisas, traz im­pressos os traços de uma bactéria. Para os pesquisadores, é uma prova de que alcançaram o objetivo. Além de visua­lizar e identificar bactérias por um método inédito, a equipe do Labora­tório de Neutrongrafia em Tempo Real da Coppe descobriu que poderia fa­zer isso em poucas horas- enquanto, pelo método convencional, leva-se em média três dias para identificar uma bactéria.

Tratamento imediato - Rapidez no diagnóstico é essencial ao tratamento de infecções por bactérias, principal­mente no atendimento de emergên­cia a pacientes imunologicamente debilitados. "Nosso método permite mapear fisicamente a bactéria. Pelo

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formato, podemos dizer a qual grupo ela pertence e possibilitar tratamento quase imediato com o antibiótico ade­quado': explica Vergínia. O uso do antibiótico correto afasta ainda o pe­rigo de aparecimento de mutações na bactéria que fortaleçam sua resistên­cia a medicamentos, um dos grandes problemas atuais da saúde pública.

O método foi testado em três classes de bactéria - bacilo, coccus e espirilo. Entre elas estão as causado­ras de diarréia (Escherichia coZi), infec­ções respiratórias ( Staphylococcus e Streptococcus), leptospirose (Leptos­pira), sífilis ( Treponema) e tuberculo­se (Mycobacterium tuberculosis) . Para esta última, o diagnóstico convencio­nal pode demorar 15 dias.

Na técnica desenvolvida na Cop­pe, amostras de sangue, urina e fezes contaminadas são postas numa com­posição com boro e esse elemento químico envolve as bactérias numa

espeCie de manto. Depois, elas são postas no reator e bombardeadas com feixes de nêutrons, que passam a rea­gir com os átomos de boro, provo­cando uma reação nuclear com emis­são de partículas alfa. Essas partículas provocam fissuras no CR-39, o de­tector plástico onde a amostra foi co­letada, imprimindo nele marcas que revelam o formato das bactérias- é a chamada imagem neutrongráfica ou radiografia com nêutrons.

Depois da revelação química da placa de CR-39, basta observar essa imagem por um microscópio óptico para identificar o tipo da bactéria pre­sente. "Os testes mais recentes indica­ram que todas as etapas podem ser fei­tas em menos de duas horas usando-se um microscópio óptico convencional:'

Software e irradiador - Agora os pes­quisadores desenvolvem um progra­ma de computador para identificar

Imagens neutrongráficas de bacilos: Staphylococcus epidermidis, no alto à esquerda, e Escherichia coli, nas demais imagens

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as bactérias a partir das imagens neu­trongráficas. "Esse software deverá ser capaz de reconhecer o formato das bactérias sem a interferência huma­na': diz a física Joana D'arc Ramos Lopes, que prepara tese de doutorado sobre a nova técnica de identificação, que está em vias de patenteamento.

A equipe também pretende desen­volver um irradiador compacto para laboratórios de análises clínicas. Por enquanto, os ensaios são feitos num reator de grandes dimensões, pró­prio para pesquisas: o Argonauta, do IEN. "Estamos estimando um custo de R$ 15 mil para o sistema compac­to, um valor bem competitivo com os equipamentos tradicionais de análi­ses clínicas", diz Vergínia.

O método tem outras aplicações. Em testes, já se pôde identificar bac­térias na água. Com isso, a técnica po­deria servir para exames de potabili­dade, que identifiquem bactérias em amostras retiradas de poços, caixas d'água, rios e lagos. Os pesquisadores já reconheceram espírilos e estrepto­cocos em imagens neutrongráficas de amostras de água, por exemplo.

Vírus e explosivos- Capazes de causar mais de cem tipos de doença, os vírus também estão na mira da equipe da Coppe. Pela radiografia com nêutrons, o engenheiro Reinaldo Wacha detec­tou o vírus intluenza A, causador da gripe. Mas os vírus são mais difíceis de identificar. "Eles são bem menores que as bactérias e sofrem muitas mu­tações", explica a pesquisadora.

Numa outra linha, fruto da pes­quisa do físico Ademir Xavier da Silva, o objetivo é aplicar a neutron­grafia em detecção de drogas e explo­sivos. Nos testes, ele detectou amos­tras de explosivos e de cocaína em diferentes formas e graus de pureza, acondicionadas em tubos de alumí­nio e submetidas à ocultação por chumbo, fumo, alumínio, plásticos, couro, ferro e tecido. "Os resultados obtidos na detecção de drogas e ex­plosivos ocultos por diversos tipos de materiais têm sido bastantes ani­madores", diz Vergínia.

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TECNOLOGIA

METEOROLOGIA

Previsões detalhadas lnpe desenvolve modelo avançado para prever o tempo com alta resolução

Um novo e avançado mo­delo de previsão do tem­po recebe os últimos re­toques no Centro de

Previsão de Tempo e Estudos Cli­máticos (CPTEC), do Instituto Na­cional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Com ele, o Brasil se insere no gru­po de países mais desenvolvidos em previsão do tempo, acompanhado dos Estados Unidos, do Canadá, da Austrália e de nove países europeus.

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O salto de qualidade que permitirá uma previsão mais detalhada em es­cala regional foi proporcionado pelo modelo Eta (nome de uma letra do alfabeto grego), desenvolvido na Universidade de Belgrado, Iugoslávia, e aprimorado nos Estados Unidos. No Brasil, as adaptações do sistema fo­ram coordenadas pelo físico Prakki Satyamurty, chefe do Laboratório de Meteorologia e Oceanografia do CPTEC e presidente da Sociedade Brasileira de Meteorologia. A insta­lação do Eta é um avanço em termos de confiabilidade e, sobretudo, de resolução, com previsões mais deta­lhadas para toda a América do Sul.

O CPTEC já abastece todo o país com previsões de prazo curto (72 ho-

ras), médio (sete a dez dias) e longo (até um trimestre). E também em particular uma carteira de 30 clientes que inclui Petrobras, Eletrobrás, Ele­tropaulo, Operador Nacional de Sis­temas Elétricos, Cargill, Nova Dutra, Folha de S. Paulo, TV Record, TV Vanguarda e Band-Vale. "Direta ou indiretamente, toda a previsão de tempo feita no Brasil passa pelo CPTEC", diz Satyamurty. "Nossa ho­mepage- www.cptec.inpe.br- atuali­za a cada 12 horas mais de 600 pági­nas de previsões meteorológicas e contabiliza 25 mil acessos por mês."

Além da previsão do tempo, a equipe monitora queimadas e risco de queimadas - especialmente no grande arco do desmatamento, que

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Mapas abrangentes: à esquerda, distribuição das áreas de alta e baixa pressão à O hora de Greenwich do dia 5 de junho e, acima, a nebulosidade vista pelo satélite no mesmo instante

inclui Rondônia, Mato Grosso, leste do Pará, Tocantins e Maranhão. Mas o principal foco de atenção do grupo é o desenvolvimento do modelo Eta.

Seis parâmetros- O objetivo dos mo­delos matemáticos usados em meteo­rologia é calcular a evolução de seis parâmetros: temperatura, pressão, umidade relativa do ar e vento - este com três componentes, um para ca­da eixo cartesiano do espaço. Conhe­cidos os valores desses parâmetros num determinado instante, é possí­vel prever, por meio de extrapolações matemáticas, os valores futuros.

Para o cálculo do chamado mo­delo global, dividiu-se a superfície do planeta em quadrículas (quadra-

dos) com 100 quilômetros (km) de lado- o que significa um nível de re­solução de 100 km x 100 km. Ou se­ja, localidades que tenham até essa distância entre si recebem a mesma previsão. Assim, o máximo que se consegue em previsão de tempo é estimar valores médios para áreas relativamente extensas.

Já com o modelo regional Eta será possível obter, para toda a Amé­rica do Sul e oceanos adjacentes, uma resolução de 40 km x 40 km- o que, na prática, equivale a uma am­pliação de mais de seis vezes, ou seja, a um mapa meteorológico seis vezes mais detalhado que os atuais.

Profissionais envolvidos no pro­jeto foram treinados nos Estados

Unidos, onde se produziu a primei­ra versão do Eta, que entrou em funcionamento em 1997, ainda precariamente. Desde então, a equi­pe empenhou-se em melhorar o modelo regional, adaptando cada vez mais seus parâmetros à realidade brasileira. "Com isso, chegamos à versão atual, cuja principal novida­de é a incorporação dos efeitos me­teorológicos produzidos pela vege­tação, que não faziam parte do modelo original", informa a meteo­rologista Chou Sin Chan, chefe da divisão de operações do CPTEC. O novo Eta ganhou também uma des­crição mais detalhada da topografia e uma avaliação mais sofisticada do mecanismo de formação de chuva.

PESQUISA FAPESP · OUTUBRODE2001 • 61

Page 61: Hipertensão

O modelo cobre uma área que vai de 55 graus de latitude sul ( extre­mo sul do continente) até 15 graus de latitu­de norte (mar das An­tilhas) e de 30 graus de longitude oeste (Oceano Atlântico, pouco além de Fernando de Noro­nha) até 90 graus de longitude oeste (Oceano Pacífico, altura das Ilhas Galá pagos). Estende­se, portanto, bem além das fronteiras do país, o que ajuda a detectar e incorporar interfe­rências de fatores ex­ternos, como a tempe­ratura dos oceanos.

Fluxo atmosférico 1,5 km acima do mar: manchas brancas são a chuva prevista 72 horas antes

Cálculos e fluidos - Nes-sa escala continental, o modelo per­mite previsões de hora em hora para prazos de 12, 24, 36, 48, 60 e 72 horas. "Este último intervalo de tempo", ressalta Satyamurty, "é o limite máxi­mo, porque, em meteorologia, o pre­ço que se paga pelo maior detalha­menta é a diminuição do prazo de previsão. Previsões de longo prazo são necessariamente genéricas - algo como dizer que, no mês de setembro, a região do Vale do Paraíba terá um clima mais seco do que o normal. Não é possível quantificar esse 'seco', apenas qualificá-lo com palavras como 'pouco', 'muito' ou 'mais ou menos'. Quando se quer mais do que isso - e é isso que o modelo regional quer-, deve-se sacrificar o prazo':

Há duas décadas, a previsão do tempo ainda tinha muito de interpre­tação e dependia criticamente da ha­bilidade do meteorologista em inter­pretar os dados disponíveis. Já a meteorologia moderna baseia-se es­sencialmente num estudo da dinâmi­ca dos fluidos, que combina o conhe­cimento das leis físicas com técnicas de cálculo numérico e de computa­ção. No Brasil, ela começou de fato em janeiro de 1995, com a chegada ao CPTEC do supercomputador

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NEC SX-3, capaz de processar diaria­mente o modelo global numa resolu­ção de 200 km x 200 km.

O computador atual, um SX-4, aumentou a resolução para 100 km x 100 km e o novo modelo regional permitirá alcançar a marca de 40 km x 40 km. "Já estão sendo feitos testes com quadrículas de 20 km x 20 km. E a expectativa, para daqui a dois anos, é chegar a uma resolução de 15 km x 15 km", estima Satyamurty. "Más, para isso, é imprescindível construir uma rede de observação meteoroló­gica mais densa e, principalmente, aumentar a capacidade de processa­mento de dados."

O país já conta com cerca de 400 estações meteorológicas, automáti­cas ou controladas por técnicos. Elas são mantidas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), que dispõe ainda de 22 estações lançadoras de balões meteorológicos: são cerca de 15 lançamentos por dia, a um custo de cerca de US$ 300 cada. Às estações do Inmet somam-se 200 estações au­tomáticas do Inpe e da Agência Na­cional de Energia Elétrica. Os dados colhidos em todas essas sondagens acabam chegando via satélite ao mesmo destino: o supercomputador

SX-4 do laboratório do CPTEC em Cachoeira Paulista.

Capaz de realizar 16 bilhões de operações aritméticas por segundo no momento de pico, essa máquina deUS$ 5 milhões já está perto do li­mite de utilização: roda duas vezes por dia o modelo global, duas vezes o modelo regional e ainda é usada no aperfeiçoamento de modelos. Pa­ra chegar à resolução de 15 km x 15 km- e o maior detalhamento hori­zontal também implica maior deta­lhamento vertical-, é necessário um equipamento ainda mais potente.

A máquina da vez é o SX-6, que al­cança, no pico, uma performance de 800 bilhões de operações por segun­do. Junto com todos os seus acessórios, esse supercomputador vale cerca de US$ 20 milhões. Sua compra foi au­torizada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, mas falta ser efetivada. Se tudo ocorrer conforme as previsões mais otimistas, o SX-6 deverá entrar em operação em fevereiro de 2002.

O caos do tempo - É espantoso que um computador de 16 gigaflops (16 bilhões de operações por segundo) es­teja se tornado insuficiente para as de­mandas do CPTEC. Ocorre que os

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processos atmosféricos fazem parte da categoria de fenômenos caóticos- ou seja, nem totalmente previsíveis, como os fenômenos periódicos, nem total­mente imprevisíveis, como os aleató­rios. Situados entre um extremo e ou­tro, sua evolução pode ser estimada, mas só para um intervalo restrito de tempo. A partir daí, a alta sensibilida­de de um sistema caótico a pequenas perturbações inviabiliza qualquer previsão (ver O Controle do Caos em Pesquisa FAPESP 65) . Em outras pa­lavras, os processos atmosféricos po­dem ser traduzidos em equações, o que não ocorre com os fenômenos aleatórios, mas não em equações li­neares, só possíveis para os fenôme­nos periódicos. As equações da meteo­rologia são altamente não-lineares.

Tudo se resume a um exercício de extrapolação matemática: conheci­dos os valores dos parâmetros no ins­tante atual, determinam-se os valores futuros . O problema é que, para ex­trapolar uma única variável, são ne­cessários cerca de mil cálculos. E, de­vido à não-linearidade das equações, ou seja, à caoticidade dos fenômenos, essas extrapolações só podem ser fei­tas para prazos muito pequenos.

No modelo regional, usam-se in­tervalos de tempo de 2 minutos. Isso significa que, para uma previsão de apenas 1 hora, é preciso fazer 30 x 1.000 cálculos. Para um dia, a quanti­dade de cálculos sobe para 24 x 30 x 1.000. Para o limite máximo de três dias, serão 3 x 24 x 30 x 1.000. Isso para uma única variável. Como são seis as variáveis, a conta tem que crescer um pouco mais: 6 x 3 x 24 x 30 x 1.000. E ainda estamos longe do número fi­nal, já que essa cifra diz respeito a uma só unidade atmosférica de pesquisa.

E quantas unidades são? O mode­lo regional divide o território sul­americano e mares adjacentes em 40.000 quadrículas de 40 x 40 km. E cada quadrícula é a base de uma co­luna atmosférica, que deve ser subdi­vida em camadas de 250 metros de altura - o que dá cerca de 50 níveis na vertical. Multiplicando-se o nú­mero de quadrículas pelo número de

níveis, chega-se a 40.000 x 50 para­lelepípedos ou unidades atmosféri­cas. Trata-se então de multiplicar o número de unidades pela quantida­de de operações necessárias em cada unidade, o que dá 40.000 x 50 x 6 x 3 x 24 x 30 x 1.000. Fazendo as contas, che­ga-se a 25.920.000.000.000, ou seja, quase 26 trilhões de cálculos.

E esses cálculos não podem ser feitos no prazo de um ano, um mês, sequer um dia. Para a previsão ter al­guma utilidade prática, é preciso que esteja pronta em no máximo 1 hora. Daí a necessidade de uma máquina capaz de bilhões de operações por se­gundo. "Nenhuma outra ciência de­pende tanto da computação de alto desempenho como a meteorologia", resume Satyamurty.

Equipe integrada -Além da máquina, o centro precisa dispor de pessoal al­tamente qualificado para operá-la. Um código de previsão de tempo ge­ralmente tem 200 mil linhas de ins­truções. Para dominar um conjunto de conhecimentos dessa ordem, é preciso integrar um grupo de espe­cialistas, cuja importância fica mais evidente quando levamos em conta que os modelos meteorológicos estão em permanente evolução - não só em resoluções sempre mais altas, como em representações cada ve·z mais completas dos processos físicos.

A passagem do modelo global para o regional foi uma revolução na meteorologia brasileira. "Pude­mos estimar melhor a influência do

O PROJETO

Processos Físicos em Modelos Regionais e Melhoria na Qualidade das Previsões de Tempo na América do Sul

MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADOR

PRAKKI 5ATYAMURTY- CPTEC-Inpe

INVESTIMENTO

R$ 65.876,21 e US$ 163.344,79

relevo, da vegetação e dos recursos hídricos", diz Chou Sin Chan. Ela exemplifica: "Aquilo que, numa vi­são de 100 por 100, parecia ser uma floresta contínua revelou áreas de pastagem, rios, lagos, etc".

E continua: "Em baixa resolução, podemos falar em chuva entre Ca­choeira Paulista e o Rio de Janeiro. Quando aumentamos a resolução, percebemos que a chuva, na verdade, se estende apenas até Resende e não atinge o Rio. Em baixa, somos capa­zes de prever que uma frente fria en­trará no país amanhã. Em alta, che­gamos a um intervalo mais próximo do horário real".

"No enfoque global não existe, por exemplo, o Vale do Paraíba", destaca Chou. O modelo 100 por 100 só considera uma média entre as in­fluências do Vale, da Serra da Manti­queira e da Serra do Mar. Perde-se, portanto, a informação de um fenô­meno típico da região, que é a "circu­lação de vale", responsável pela for­mação de nevoeiros. "Esse processo é contemplado pelo Eta, que permite prever também fenômenos como a geada, muito difíceis, senão impossí­veis de determinar a partir do mo­delo global. O mesmo vale para a in­fluência das montanhas no bloqueio da entrada da brisa marítima."

Especialistas avançados - "A maior re­solução é mais uma questão de enge­nharia, relacionada com o desenvol­vimento de máquinas", diz Chou. "Outra coisa é a representação de processos físicos que possuem esca­la bem menor e, por isso, escapam ao modelo global." São fenômenos como as turbulências e a troca de energia entre solo, biosfera e atmos­fera. "Então, temos um grupo espe­cializado em convecção - transmis­são de calor na atmosfera-, outro em superfície e vegetação e um terceiro em orografia para o estudo das mon­tanhas. Ao lado da aquisição de má­quinas mais potentes, nosso desafio é melhorar o conhecimento dos processos físicos - e isso depende de pesquisa e formação de pessoal." •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 63

Page 63: Hipertensão

Empresa do PIPE desenvolve sistema fotoacústico que analisa o ar atmosférico

I nédito no Brasil e com raros representantes similares no mundo, um sistema para medir concentrações de ga­ses poluentes na atmosfera

por meio de laser de dióxido de car­bono ( C02) está em fase final de de­senvolvimento nos laboratórios da empresa Unilaser, de Campinas. Cha­mado de espectrômetro fotoacústi­co, ele foi projetado pelo físico Edjar Martins Telles. O equipamento é ca­paz de detectar baixas concentrações de diversos poluentes monitorados pelos órgãos de controle ambiental, como ozônio, dióxido de enxofre, amônia e dióxido de carbono.

64 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

A Unilaser atua nas áreas de ma­nutenção, recuperação e venda de equipamentos de laser. A empresa foi criada, em 1986, pelo físico ltr­temio Scalabrin, professor do Insti­tuto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Ela está instalada no Núcleo de Apoio ao Desenvolvimen­to de Empresas de Base Tecnológica (Nade), da Companhia de Desen­volvimento do Pólo de Alta Tecno­logia de Campinas (Ciatec), uma in­cubadora de empresas mantida pela prefeitura. O projeto do espectrô­metro consumiu três anos em pes­quisas e teve o financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. ''Agora estamos na última fase, empenhados em melhorar o sistema e a automação das tarefas para simplificar a integração entre o usuário e o equipamento", explica

Telles, mestre e doutor pelo Instituto de Física da Unicamp com pós-dou­toramento no National Institute of Standards and Technology (Nist) em Boulder, no Estado do Colorado, nos Estados Unidos.

Colisão de moléculas - O princípio de funcionamento do sistema é o efeito fotoacústico, uma técnica que permi­te converter luz em som. Para enten­der isso é preciso começar pelo tipo de laser escolhido como fonte de ex­citação óptica sobre as moléculas dos gases. A escolha foi pelo laser de dió­xido de carbono ( C02) que possui 90 linhas de emissão dentro do espectro da faixa eletromagnética do infraver­melho, com comprimento de onda próximo a 10 micrometros (milési­ma parte do milímetro). Esse tipo de laser permite detectar vários gases de interesse, pois eles apresentam fre­qüência de absorção de energia coin-

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cidente com as linhas da faixa do in­fravermelho.

O coração do sistema é a cela fo­toacústica, um recipiente fechado onde circula um fluxo de ar atmos­férico ou uma outra mistura gasosa a ser analisada. O feixe do laser é ali­nhado no interior da cela através de uma pequena janela. "Quando o la­ser é sintonizado na mesma freqüên­cia da molécula dos gases, elas absor­vem a energia do laser': explica Telles. Antes de atingir o interior da cela, o feixe passa por um modulador, que interrompe e libera a radiação num ritmo constante, produzindo um efeito semelhante a um pisca-pisca. Quando o feixe é liberado, as molé­culas absorvem energia do laser e atingem o nível de excitação. No mo­mento em que a radiação é interrom­pida, elas retornam ao nível normal, perdendo o excesso de energia para as moléculas vizinhas por meio de

Ao lado, o equipamento instalado na Uni laser. Acima, o feixe de laser passa pelo modulador e atinge a mistura gasosa. Os microfones captam o ruído provocado pelas colisões das moléculas do ar depois que elas absorvem a energia do laser

colisões, transformando, assim, a energia absorvida em energia de mo­vimento, gerando calor.

A variação de temperatura é acompanhada de variações de pres­são que geram ondas acústicas no in­terior da cela detectadas por um mi­crofone. O sinal elétrico gerado no microfone é proporcional à concen­tração das moléculas que absorve­ram a energia da freqüência específi­ca do laser. Esse sinal é filtrado, pa{'a eliminar ruídos indesejáveis, e ampli­ficado para ser analisado num com­putador, onde o espectro fotoacústico da molécula é registrado e interpre­tado por um software também desen­volvido no projeto.

"Cada molécula apresenta um es­pectro fotoacústico único, como se fosse uma impressão digital", afirma Telles. O equipamento pode detectar um ou vários gases simultaneamen­te. "Basta sintonizar o laser na linha de emissão da faixa do infravermelho com a molécula que se pretende ana­lisar", explica o pesquisador. O espec­trômetro permite detectar concen­trações pequenas, da ordem de partes por bilhão (ppb ), que é a faixa de concentração da maioria dos gases poluentes. Além daqueles gases mo-

nitorados pelos órgãos de controle ambiental, o espectrômetro detecta etileno, etanol, metanol, óxido nitro­so, benzeno e ácido fórmico.

O descobridor do efeito fotoacús­tico foi o físico norte-americano de origem inglesa Alexander Graham Bell (1847-1922), o inventor do telefone. A descoberta aconteceu em 1880, mas durante quase um século a possibili­dade de converter luz em som foi en­carada como uma mera curiosidade. Somente na década de 1930, o efeito começou a despertar interesse cientí­fico, quando se percebeu que poderia ser usado para análise de gases. Assim nascia a espectroscopia fotoacústica, uma técnica que ganhou ainda mais impulso a partir da década de 70, com o desenvolvimento de lasers e o progresso no campo da eletrônica.

Alternativa nacional - Existem poucos espectroscópicos fotoacústicos do tipo construído pela Unilaser em todo o mundo, basicamente restritos a ins­tituições acadêmicas. "Ele só é pro­duzido na Universidade de Nijmegen, na Holanda, que eventualmente aten­de a pedidos de encomenda para equi­pamentos que detectam apenas o eti­leno", conta Telles. O preço gira em

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 65

Page 65: Hipertensão

Telles: mercado nas áreas de monitoramento do ar, indústria e amadurecimento de frutas

torno de US$ 110 mil. Mas o custo do modelo nacional é estimado em R$ 130 mil, incluindo a fonte de alta tensão para alimentar o laser de co2 também desenvolvida no projeto, que o importado não fornece. Cerca de 90% das peças utilizadas na mon­tagem do sistema e nos dispositivos de diagnósticos foram produzidas no Brasil, fator que reduz o custo do equipamento.

Cláudio Alonso, gerente do De­partamento de Qualidade Ambiental da Companhia de Tecnologia de Sa­neamento Ambiental (Cetesb), vê com otimismo a iniciativa da Unila­ser. "O país precisa começar a formar mercado com tecnologia nacional", afirma. Atualmente, as centrais de mo­nitoramento da qualidade do ar são montadas com vários equipamentos, um para cada tipo de poluente. To­dos são importados dos Estados Uni­dos e custam entre US$ 10 mil e US$ 30 mil. "O Brasil inteiro está impor­tando esses equipamentos", afirma.

Embora o espectrômetro não seja capaz de medir todos os poluentes monitorados pela Cetesb, segundo Alonso, o equipamento poderia ser uma alternativa complementar ao sistema já implantado, desde queres­peitadas as normas técnicas interna­cionais de controle ambiental. De-

66 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

manda existe. "Mesmo no Estado de São Paulo, que conta com uma boa co­bertura em termos de controle do ar, ainda há regiões importantes que não possuem estações de monitoramento ou que precisam de algum reforço", diz Alonso. Alguns exemplos são Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, Ribeirão Preto, Jundiaí, São José dos Campos e Santos. "Mas certamente a demanda fora do Esta­do é ainda maior", afirma.

Além das estações de monitora­mento do ar fixas ou móveis, o espec­trômetro também pode ser uma op­ção para as empresas que precisam controlar suas emissões de gases po­luentes, como as indústrias petroquí­micas. "No caso das empresas paulis-

O PROJETO

Desenvolvimento de um Sistema para Medir Concentrações de Poluentes na Atmosfera com Lasers no Infravermelho (C02) por Espectroscopia Fotoacústica

MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR EDJAR MARTINS TELLES- Unilaser

INVESTIMENTO R$ 115.381,31 e U5$ 52.137,80

tas com alto potencial de emissão, o automonitora­mento é uma exigência da Cetesb", diz Alonso.

Frutas e pele - Outros clien­tes potenciais são as insti­tuições de pesquisa na área ambiental, agropecuária e médica. "Muitas pesquisas relacionadas ao amadureci­mento de frutos dependem de análises das concentra­ções de etileno, um gás que acelera o amadurecimento de frutos;' afirma Telles. Pesquisas pioneiras no Bra­sil nessa área são realizadas pelo professor Helion Var­gas, na Universidade Esta-dual do Norte Fluminesce

(UENF), que utiliza um espectrôme­tro fotoacústico importado da Ho­landa. Esses estudos permitem deter­minar métodos mais adequados para que o fruto chegue ao seu destino em boas condições de comercialização. Na área médica, o equipamento pode ser utilizado em estudos que monito­ram o etileno exalado pela pele, sob condições fisiológicas específicas, como excesso de calor, traumas, radia­ção e exercícios em excesso, tornan­do-se um método com rápido tempo de resposta para monitorar processos de estresse.

A perspectiva é que dentro de um ano o equipamento esteja pronto para ser comercializado. "É o tempo necessário para concluirmos a fase de engenharia do produto", afirma o pesquisador. Para obter os R$ 250 mil necessários para essa fase e colo­car o produto no mercado, a Unilaser busca parcerias com empresas inte­ressadas em investir no projeto. A empresa também pretende obter re­cursos disponibilizando o equipa­mento para locação. Certamente, a Unilaser possui um mercado amplo pela frente, na monitoração de po­luentes na atmosfera de grande parte das cidades, uma prática que já se tornou imprescindível em todo o planeta. •

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Bolsas de pós-doutoramento da FAPESP. O sistema brasileiro de pesquisa se expande.

A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento , ampliando o prazo de duração das bolsas e possibilitando estágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercãmbio com centros de pesquisa de outros países produtivo para a ciência brasileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesquisa financiados pela Fundação. São centenas de projetas, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos jovens doutores integrados a grupos de excelência . Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 3838 4000.

Projetos Temáticos (150 projetos de pesquisa) Grandes equipes formadas por pesquisadores de diferentes instituições em busca de resultados científicos, tecnológicos e socioeconômicos de grande impacto.

Programa Genoma (60 laboratórios) Projetas com o objetivo de pesquisar genomas, identificar e analisar genes com impacto sobre o conhecimento genômico, a saúde humana e a produção agropecuária.

GOVERNO DO ISTADO DI

SÃO PAULO

Secreta ria da

Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

Programa CEPID (10 centros de pesquisa) Centros para desenvolver pesquisas inovadoras na fronteira do conhecimento, transferir seus resultados para os setores público e privado e contribuir para a criação de novas tecnologias e empresas.

Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos) Programa que fomenta a formação de novos grupos de pesquisa em centros emergentes do Estado de São Paulo.

Programa Biota (25 projetos) Projetas que visam ao levantamento e novos conhecimentos sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo e outras regiões do país.

Rua Pio XI , 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP

Tel. : (11) 3838 4000- www.fapesp .br

Page 67: Hipertensão

HUMANIDADES

HISTÓRIA

As 11Chicas da silva" desconhecidas Pesquisa revela que, como a escrava que virou filme, muitas libertas conseguiram ascender economicamente no Brasil colonial

I magme um testamento em que constam, entre outros, os seguintes itens: um cordão de ouro; um enfeite de Menino Jesus de ouro, pesando cinco

oitavas (antiga unidade de medida de peso, equivalente a 3,586 gramas); umas argolinhas de ouro pesando quatro oitavas; uns brincos de pe­quenas pérolas; uns botões de ouro; umas argolinhas pequenas de ouro; uma bola de âmbar; uma volta de co­rais engranzada em ouro, um coral grande com uma figa pendurada, tudo de ouro, quatro colheres de pra­ta, pesando oito oitavas cada uma; quatro garfos de prata e uma faca com cabo de prata; dois pares de bo­tões de anágua abertos no buril.

Esses objetos foram arrolados com outras propriedades, como ter­ras, escravos e móveis, no testamento de Bárbara Gomes de Abreu e Lima, ex-escrava que viveu em Minas Ge­rais na primeira metade do século 18. Após ter sido alforriada, ela estabele­ceu uma rede ampla de comércio nas capitanias do Rio de Janeiro, da Bahia e de Minas, formando fortuna e travando relações comerciais com homens das mais altas rodas das eli­tes do Brasil Colonial, como milita­res, clérigos e importantes fazendeiros.

Soa ficção, mas a história é apenas uma entre centenas encontradas pelo professor Eduardo França Paiva, do

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Departamento de História da Uni­versidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em documentos históricos de arquivos públicos de Belo Hori­zonte, São João Del Rey e Sabará, em Minas Gerais. Em 1999, após 11 anos de pesquisa (incluindo os anos dedicados ao mestrado), Paiva de­fendeu, com apoio da FAPESP, a tese de doutorado Por Meu Trabalho, Ser­viço e Indústria: Histórias de Africanos, Crioulos e Mestiços na Colônia -Minas Gerais, 1716-1789. O estudo, feito sob orientação da professora de História do Brasil Colonial Mary Del Priore, da Universidade de São Paúlo (USP), acaba de ser lançado em livro, pela editora da UFMG, com o título Escravidão e Universo Cultural na Co­lônia - Minas Gerais, 1716-1789. Os principais documentos analisados foram testamentos, inclusive os dei­xados por negros e negras libertos.

Caminho da liberdade- "Essa pesquisa foi decorrência do trabalho que eu desenvolvi no mestrado, na UFMG", explica Paiva. "Naquela oportunida­de, analisei as diferenças de estatutos entre os escravos e os libertos. Eu queria entender a transição da escra­vidão à liberdade." A preocupação com gênero surgiu quando percebeu que a maior parte da população li­berta em Minas era composta por mulheres. "Nas Minas Gerais do sé-

culo 18, uma região urbanizada, cen­tro econômico da colônia, se não de todo o império português, para cada dois ou três escravos homens existia uma mulher': diz ele. "Entre a popu­lação liberta, essa relação se invertia, ou seja, para cada liberto, havia duas mulheres libertas", explica. "Esse é um dado fabuloso." Outra motivação para seu trabalho foi justamente o testamento de Bárbara, que o levou a questionar o sentido de uma lista de objetos tão incomuns. "Essa dúvida me fez ir atrás de outras informações, reflexões e mais leituras. Daí veio mi­nha tese de doutorado", diz.

O historiador procurou fazer uma reflexão sobre o papel dessas mulheres na vida social, cultural e privada naquele período histórico. Em primeiro lugar, foi preciso com­preender as razões que levaram tan­tas ex -escravas ao sucesso econômico. "Há uma série de motivos conjuga­dos", explica o pesquisador. "Em pri­meiro lugar, elas tinham estratégias herdadas de suas regiões de origem na África. Por exemplo: o pequeno comércio é uma tradição feminina em várias regiões africanas, que foi re­criada na América portuguesa", diz ele. "São as famosas 'negras de tabu­leiro', que trabalham nas ruas."

Em geral, as atividades dessas mulheres começavam atreladas a seus proprietários. "Elas eram cha-

Page 68: Hipertensão

macias 'escravas de ganho'. Saíam para vender produtos no início da se­mana e voltavam no fim, quando di­vidiam os lucros com seus senhores", explica Paiva. Isso fazia com que elas acumulassem renda suficiente para comprar a alforria- na maior parte das vezes, por meio de um sistema de crédito, que se chamava "coartação': "É preciso lembrar que esse é um fe­nômeno típico de centros urbanos como os de Minas Gerais no século 18': diz o autor. Mas, ele ressalva, ao contrário do que a historiografia tra­dicional e os métodos de ensino de história sempre propagaram, não foi um fenômeno único e exclusivo da mi­neração. "Desde o século 16 os escra­vos tiveram outras atividades além das da lavoura."

Emancipadas - O fato é que o poder econômico dessas mulheres libertas foi tal que se pode dizer que boa par­te da emancipação da população ne­gra daquele período, em Minas, se deve a elas. "Em termos numéricos, nós temos que 60% da população li­berta, a qual chegava a algo em torno de 110 mil pessoas, era composta de mulheres. E, entre os outros 40%, muitos eram seus filhos, cuja liberda­de foi comprada pelas mães."

Se algumas dessas mulheres che­garam a possuir terras, escravos e móveis, por que tamanha im­portância para objetos como figas de ouro, anéis, garfos e facas, como os descritos no testamento de Bárbara Go­mes de Abreu e Lima? "De­diquei um dos capítulos da tese a esses objetos, que são, na verdade, amule­tos e berloques", explica o autor. "Eles formam uma penca de balan­gandãs (existente na África e muito co­mum no Brasil, onde se penduravam diver­sos pequenos objetos) fragmentada, muito pro­vavelmente por receio à reação dos visitadores do

Santo Ofício. E a capitania de Minas era muito visada", explica o historia­dor. O nome "penca" não foi encon­trado em nenhum dos testamentos analisados por Paiva, mas o ajudou, por meio de uma analogia, a explicar o fenômeno.

"Bárbara deixou esses objetos empenhados em mãos de homens po­derosos. E depois, no testamento, or­denava a seus testamenteiros que a penca fosse reconstituída", explica. Também os testamenteiros eram ho­mens importan-tes, como se nota pelos

Escultura de escrava: não

mais objetos dos homens

nomes citados no testamento de Bár­bara: Capitão-Mar José Ferreira Bra­são, Lourenço José de Queiroz Coim­bra, Vigário da Vara da Comarca do Rio das Velhas, Dom José de Carlos Souto Maior, Manoel Marques Car­doso, José Rodrigues de Souza.

Identidade - Paiva não pôde identifi­car, no caso de Bárbara, quem teria herdado a penca. Em outros casos, os objetos eram deixados para outras negras, ou deviam ser enviados a uma igreja. Mas ele acredita que esse de-

sejo de recomposição seja uma forma encontrada pelas ex-es­

cravas de recuperar a identida-de cultural. "Estamos diante

de um caso que me faz re­fletir sobre laços de solida­

riedade, laços culturais, he-ranças e tradições culturais.

Na verdade, essa mulher é uma espécie de mantenedora

da herança cultural afro-brasi­leira. E para uma comunidade

que tem os seus códigos, que não estão abertos a qualquer pessoa': diz ele. "Os berloques e amuletos de pro­teção celebram as conquistas dessas

mulheres e têm significado muito diferente do

de meros ador-" nos.

Page 69: Hipertensão

O historiador conta também o caso de uma escrava angolana que chegou a São João Del Rey e, após comprar sua alforria, tornou-se rai­nha da irmandade do Rosário. "Em seu testamento, ela exigiu que fosse enterrada na Igreja Matriz': narra. "Para nós, isso parece não ter qual­quer significado, mas na sociedade colonial era muito importante", diz o pesquisador. Uma outra mestiça, fu­gida de São Paulo porque tivera dois filhos fora do casamento, chegou a Minas Gerais e enriqueceu, trocando seu nome original por Francisca Po­derosa. Também ela deixou muitos bens em seu testamento ao morrer.

Solidariedade - A tese de Paiva aponta para uma mudança de paradigma no entendimento da escravidão brasi­leira. Ao mostrar a emancipação con­quistada pelas mulheres de Minas Ge­rais, o historiador rompe com a idéia tradicional do que ele chama de "ima­ginário do tronco': "Essas mulheres não estavam tão passivas a seus senho­res. Podiam ter laços de solidariedade com outros escravos, com libertos e brancos. Podiam desenvolver víncu­los sexuais, afetivos ou de amizade", diz ele. "Na verdade, trata-se de uma sociedade colonial, que adotou o escra­vismo durante quase 400 anos. E, nes­sa longevidade, essa sociedade foi se reconstruindo." Em outras palavras,

70 · OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

foram os negros que conquistaram a liberdade no decorrer desses quatro séculos e não os brancos que a conce­deram com uma lei pontual em 1888.

O PROJETO

Por Meu Trabalho, Serviço e Indústria: Histórias de Africanos, Crioulos e Mestiços na Colônia -Minas Gerais, 1776-1789

MODALIDADE

Bolsa de doutorado

COORDENADORA

MARY DEL PRIORE- FFLCH/ USP

INVESTIMENTO

R$ 71 .288,00

Escravas na visão de Debret: tradição de formar no país famílias matrifocais, ou seja, concentradas em torno da mãe

Paiva também afirma que não é só o fato de estar em maio­ria que ressalta a importância das mulheres entre os libertos de Mi­nas. "Era muito mais comum que as mulheres mantivessem suas tradições culturais do que os ho­mens'; afirma ele. "Isso porque, embora não houvesse uma li­nhagem matrilinear no Brasil, houve a formação de famílias ma­trifocais, ou seja, concentradas em torno das mães, principalmen­

te nas comunidades negras", diz ele. Para o pesquisador, isso contribuiu muito para o papel desempenhado por essas mulheres, que eram importan­tes transmissoras orais de costumes, de crenças e de representações culturais. "Elas estavam muito ligadas à oralida­de e assim, por exemplo, conseguiam manter a tradição das coartações que se davam por meio de uma lei costu­meira e não escrita." Em seu livro, Paiva analisa as relações familiares entre escravos e libertos e, também, entre brancos e negros. •

Negras vendedoras: pesquisa diz que várias conseguiram comprar a liberdade

Page 70: Hipertensão

HUMANIDADES

LIVROS

O bê-á-bá das mãos Pela primeira vez no Brasil, a linguagem dos surdos é sistematizada em dicionário

N ovas perspectivas de comuni­cação e integração foram aber­

tas para os deficientes auditivos com a documentação e sistematização precisa da Língua de Sinais Brasilei­ra (Libras), em um trabalho que le­vou seis anos para ser concluído por uma equipe de 14 pesquisadores do Laboratório de Neuropsicolingüísti­ca Cognitiva Experimental, do Insti­tuto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), coordena­dos pelo Prof. Dr. Fernando César Capovilla.

Os 2 milhões de surdos do país, que tem um total de 6,8 milhões de deficientes auditivos, bem como os profissionais de dife­rentes áreas que traba­lham com eles, têm nos dois volumes do Dicio­nário Enciclopédico Ilus­trado Trilíngüe da Lín­gua de Sinais Brasileira, recentemente lançados pela Editora da Uni­versidade de São Paulo (Edusp) com apoio da FAPESP, um instru­mento de ensino e aprendizado da libras e da escrita visual direta de sinais sign-writing até então inédito no Brasil. Desde o início do projeto a FAPESP fi­nanciou pesquisadores do projeto com bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e

writing é um sistema desenvolvido na década de 70 nos Estados Unidos, com o qual os surdos escrevem cartas ou livros e que é usado em todos os países do mundo.

Segundo Capovilla, o fato de o projeto do dicionário ter envolvido o setor público, por meio de verbas da FAPESP e do envolvimento de uma universidade, o terceiro setor, pela Fun­dação Vitae, e o setor privado, por meio da Brasil Telecom, mostra o quanto foi necessária a união e a co­operação de ouvintes e surdos para a concretização desse importante ins­trumento pedagógico para a comu­nidade de deficientes auditivos.

"O nível de leitura média dos 2 milhões de surdos do país é o de uma criança de nove anos, que cursa a ter­ceira série do ensino fundamental. Grande parte desse problema reside no fato de que eles não dispunham de nenhum material didático para

serem alfabetizados, não havia uni­formização no uso de sinais, que eram muitas vezes diferentes, dependendo de quem os ensinasse. Com o dicio­nário, esse problema foi resolvido': ressalta o coordenador do projeto.

Apresentado pelo médico neuro­logista Oliver Sacks, um dos mais re­conhecidos estudiosos de ciências cog­nitivas do mundo, o dicionário é uma obra de peso em todos os sentidos: os dois tomos têm 9.500 verbetes, 1.620 páginas e pesam 6,5 kg. Sacks, autor do livro Vendo Vozes: Uma fornada pelo Mundo dos Surdos, destaca em seu texto a importância da criação de uma linguagem própria pelos surdos e a efetiva contribuição dada pelo di­cionário para a constituição da libras -que tem, como todas as demais lín­guas de sinais do mundo, gramática e léxico próprios.

A metodologia empregada no trabalho foi bastante laboriosa e en­volveu um sem-fim de idas e vindas do grupo de pesquisadores à Fede­ração Nacional de Educação e Inte­gração dos Surdos (Peneis). O esfor­ço de colaboração entre ouvintes e voluntários informantes, surdos que fornecem os sinais de sua língua, foi

pós-doutorado. O sign- Um grupo para formar a pa lavra amigo: falta de conhecimento reduz possibi lidade de diálogo

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2001 • 71

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constante. "Em cada uma das reuni­ões os pesquisadores ouvintes leva­vam um conjunto de sinais aos sur­dos. Esses sinais eram debatidos entre os surdos até que se chegasse à forma mais exata para cada um de­les. Nós então voltávamos ao labo­ratório para transformar o sinal em ilustrações, em definições semânti­cas, em classificações gramaticais, em sign-writing. E então encontráva­mos com eles de novo para que nos dessem opiniões e, quando necessá­rio, fazíamos as alterações indica­das", conta Capovilla.

Emoções - O dicionário sistematiza pela primeira vez, com riqueza e profusão de detalhes como movi­mentos das palmas das mãos, posi­ções dos ombros e movimentos, os sinais pelos quais os surdos se co­mumcam e conseguem expressar a imensa gama de emoções e pensa­mentos humanos. "Nosso dicionário tem esse mérito: de ter feito pela pri­meira vez a documentação pictográ­fica da língua de sinais brasileira, que representamos por meio de ilustra­ções da aparência física dos sinais, com a descrição completa, em por­tuguês, da forma da mão, da orienta­ção da palma, do movimento, da ex­pressão facial envolvida. E também da escrita dos sinais usando esse sis­tema, a ortografia chamada sign-wri­ting. Escrevi um capítulo em colabo­ração com a inventora desse sistema na década de 70, que ficou muito sa­tisfeita em ver que pela primeira vez o sign-writing estava sendo usado para documentar uma língua total­mente virgem, a libras", destaca o professor.

O sistema de escrita é como o al­fabeto fonético internacional. Possi­bilita ao leitor pronunciar ou sinali-

72 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

zar a palavra, mesmo que não saiba o que significa. Como os ouvintes conseguem recriar o som com o uso do alfabético fonético, o surdo recria o sinal com o sign-writing. Mas as no­vidades apresentadas pelo dicioná­rio não param por aí. Como indica o próprio título, os dois volumes se preocupam também com a língua mais falada internacionalmente nos dias de hoje: o inglês.

No corpo principal do dicionário, existem os verbetes em inglês e em português, seguidos de ilustrações na parte superior e textos na inferior. Por sua vez, as ilustrações mostram o significado do sinal, a composição quirêmica dele, isto é, a forma como é representado, e a escrita visual dire­ta do sinal em sign-writing. Os textos que acompanham as ilustrações vêm em português e em inglês, fornecen­do ainda informações como defini­ção lexical, classificação gramatical e exemplos.

Exportação - Há também um thesau­rus inglês-português, que lista os 9.500 verbetes nos dois idiomas. O leitor consulta a palavra em uma ou outra língua e depois pode procurar o sinal correspondente no corpo central do dicionário. Com esse re­curso, os surdos que sabem inglês e não conhecem a libras podem se co­municar com os surdos brasileiros, bem como esses podem ler em in­glês até mesmo a partir dos sinais. "Essa parte ajudou muito no suces­so internacional do dicionário, que foi exportado para vários países do mundo desde essa primeira edição, de 5 mil exemplares, que já foi prati­camente vendida", diz Capovilla.

Claro que introduzir os usuários e profissionais ligados à área num material tão rico requer cuidadosa

apresentação, que é feita nos três primeiros capítulos do dicionário. A introdução à estrutura da obra mos­tra como obter informações em deta­lhes sobre a composição quirêmica dos sinais, o significado deles, o uso pragmático dos sinais na comunica­ção e como fazer a escrita visual dire­ta. A soletração digital de letras e nú­meros em libras e como ler e escrever os sinais são tópicos também analisa­dos e explicados.

CD-ROM - O dicionário contém um índice semântico, que lista categorias principais e temáticas de todos os si­nais. Essa parte da obra permite en­sinar e aprender língua de sinais por campo semântico. "Suponhamos que eu queira dar aula por temas: econo­mia e finanças, artes e cultura, pro­fissões e trabalho. No dicionário, tenho todos os sinais que dizem res­peito a profissões e profissionais, tu­do indexado, procedimentos traba­lhistas, como as atividades são, o que os profissionais fazem. Do mes­mo modo com outros temas, o que inquestionavelmente facilita o pro­cesso pedagógico", declara o profes­sor e psicólogo.

Os capítulos seguintes, sobre edu­cação e tecnologia em surdez, discutem as diferentes abordagens pedagógicas do problema da ausência de audição - oralismo, comunicação total e bilin­güismo- questionando as bases sobre que se assentam e mostrando prós e contras de cada um deles. O implante coclear, uma das técnicas emprega­das para transformar surdos em ou­vintes e falantes, derivada do oralis­mo, e os sistemas computadorizados de sinais, que derivam do bilingüis­mo, são igualmente analisados.

Propondo-se a fugir das regras "audiocêntricas", o dicionário em

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Crianças aprendem a usar os sinais na Escola de Educação Básica Anne Sullivan de São Caetano do Sul

aprende a ler e escre­ver em português, faz a ponte entre as duas línguas. O sign writing, sistema de leitura es­crita visual direta, par­te de sinais e por isso mesmo desenvolve a cognição da criança, fazendo com que ela aprenda a ler e a escre­ver melhor", explica Capovilla. Para ele, a idéia de que a criança surda deva falar é equi­vocada, porque um nú­mero muito pequeno de surdos que passa­ram pelo oralismo con­segue articular de mo­do inteligível. Destes, um número ainda me­nor articula normal­mente as palavras, já que

breve ganhará uma versão em CD­Rom que propiciará aos surdos bus­carem a informação que precisam por meio de outros sistemas que não sejam em ordem alfabética, funda­mentalmente utilizada pelos ouvin­tes e por dicionários, em papel, de línguas de sinais no mundo todo. De acordo com Capovilla, ao estudar o surdo, compreende-se como se pro­cessa a arquitetura cognitiva, como a cognição se estrutura na ausência da informação auditiva. Ele defende veementemente que as crianças sur­das devem ler e escrever alfabetica­mente depois de ter aprendido si­nais. "Primeiro ela aprende sinais porque senão é privada de lingua­gem. Se a criança surda não for imer­sa em sinais, isso afetará a organização do cérebro, as coisas ficam muito con­cretas. Quando vamos para a língua de sinais notamos uma abstração ex-

traordinária, o surdo é capaz de abs­trair, existe poesia e teatro': destaca o coordenador do projeto.

Ele afirma que as crianças surdas beneficiam-se muito com o lançamen­to do dicionário, porque, se elas vêem o sinal e não sabem o que significa, simplesmente olham a ilustração. O dicionário começa a ensinar a criança com sinais a partir de um ano e meio de idade, alfabetizando-a primeira­mente em libras, para só depois ensi­nar-lhe a língua escrita.

"Sign-writing" - ''Aprender a língua de sinais desde a mais tenra idade, com todo mundo sinalizando na es­cola (que sempre deve ser especial, só para surdos), faz com que a criança, na hora de ser alfabetizada o seja em português, mas sempre tendo a lín­gua dos sinais como linguagem nati­va. A criança pensa em sinais e aí ela

se sentem constrangidos. Eles ficam sujeitos à leitura labial no mundo dos ouvintes. Mas apenas 20% dos sons são visíveis e passíveis de se­rem interpretados pelo surdo.

"Esse dicionário, documentando pela primeira vez a língua de sinais, resgata a cidadania dos surdos, per­mite a educação de suas crianças, a alfabetização direta em sinais, a partir de menos de dois anos de idade, em português e inglês. E a brasilidade é o melhor retorno que a universidade pode dar para a cultura nacional, pa­ra a sociedade, para compartilhar­mos um Brasil diferente", ressalta Ca­povilla. Ele continua: "A FAPESP tem uma abertura muito grande para projetas sociais. Se publicamos em português e resolvemos o problema dos surdos no Brasil isso é importan­tíssimo, pois temos carências enor­mes", completa o pesquisador. •

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HUMANIDADES

ENTREVISTA: WILLI BOLLE

P rofundamente envolvido no desenvolvimento do texto de seu projeto, que vai trazer uma visão origi­nal de Grande Sertão: Vere­

das, de Guimarães Rosa, relacionada com os retratos do Brasil, o professor Willi Bolle conta para a revista Pesqui­sa FAPESP passagens de sua vida e de seus estudos, que o levaram a se embrenhar nos labirintos da obra do es­critor mineiro. Bolle é alemão e apaixo­nou-se por Rosa ainda na terra natal. Veio para o Brasil aos 22 anos e con­seguiu um encontro com o escritor logo que chegou. Hoje, radicado no Brasil, ele é professor de literatura alemã na Faculdade de Filosofia, Le­tras e Ciências Humanas da Universi­dade de São Paulo (USP) .

• Como foi seu primeiro cantata com Guimarães Rosa? - Foi em 1966, no semestre de ve­rão. Eu era estudante da Freie Uni­versitat Berlin. O professor Antonio Augusto Soares Amora, da USP, esta­va lá como professor convidado e nos deu um curso de introdução a Grande Sertão: Veredas.

• Como o senhor passou a entender Grande Sertão: Veredas sob a ótica do jagunço letrado? - Ah! Isso foi muito mais tarde. O primeiro contato, na verdade, foi for­rar as paredes do meu quarto com as

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Retrato da alma do Brasil

LUI Z F ERNANDO VITRAL

páginas do livro, porque essa obra me fascinava, me desorientava. Eu queria entender esse labirinto só. A partir de 1990, retomei o Grande Ser­tão, com método e determinação. Aí fui-me inteirar sobre o conceito do jagunço letrado, lançado no debate por Walnice Gaivão, em As Formas do Falso. Esse é um conceito-chave. O narrador de Grande Sertão é um ja­gunço letrado. Ele liga os dois lados, a experiência da política e da violência e a experiência da cultura do sertão.

• Como se dá a transmissão do conhe­cimento de Zé Bebelo para Riobaldo? - Aí há uma troca de papéis. O jo­vem Riobaldo, que foge da casa do padrinho, na verdade seu pai, Selori­co Mendes, encontra mestre Lucas que lhe oferece um emprego de pro­fessor. Riobaldo não sabe quem é a pessoa que precisa de um professor. Aparentemente, um fazendeiro. Mas esse aluno é Zé Bebelo, candidato a deputado, tendo como plataforma política acabar com a jagunçagem no norte de Minas. Depois os papéis se invertem. É Zé Bebelo quem inicia Rio baldo, na jagunçagem, na política e na arte de lutar com palavras. O primeiro jagunço letrado, na verda­de, é Zé Bebelo. Ele domina a arte das armas e a arte das palavras, que é uma tradição antiga. No Dom Quixo­te, Cervantes discute a questão das armas e das letras, que remonta até a

Antiguidade. Também Júlio César é um guerreiro letrado. É nessa tradi­ção que sse situa Riobaldo.

• Há interpretações sobre o nome de Riobaldo. Qual é a sua? - O protagonista do romance tem a palavra "rio" no nome. Há uma pas­sagem bonita em que ele diz "Eu pen­so como um rio anda': Minha inter­pretação do nome se baseia numa palavra em alemão - "ausbaldowern", que tem "baldo" no meio, vem do he­braico. Significa investigar, pesquisar, descobrir com arte. Para mim, Rio­baldo é o pesquisador do curso da história e o Rio São Francisco é, em­blematicamente, o rio da história brasileira. É, também, o pesquisador dos discursos, que representam forças na história e na política brasileiras.

• Como se dá o paralelismo entre Os Sertões e Grande Sertão: Veredas? - Para construir esse paralelismo viajei ao sertão, a Canudos e ao norte de Minas Gerais, além de aprofundar na leitura das duas obras, inclusive nas notas de Rosa em seu exemplar d' Os Sertões. Em termos de método, me orientei pela hermenêutica ale­mã, que considera essencial para o entendimento de uma obra levar em conta as obras anteriores, com as quais essa obra dialoga. Essa diretriz encontra-se também em textos de Antônio Cândido, para quem a lite-

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Guimarães Rosa: em Grande Sertão: Veredas, o escritor propôs todo um projeto de reeducação do Brasil, o que mostra sua atualidade

ratura brasileira chegou ao seu grau de independência no momento em que uma obra anterior engendra uma posterior. Sua Formação da Literatura Brasileira termina com essa demons­tração. Vai até Machado de Assis, que constrói sua obra na base da obra de José de Alencar. Roberto Schwarz re­tomou e aprofundou essa idéia de Antônio Cândido. Nessa linha, eu ve­nho trabalhando com a relação entre Grande Sertão e Os Sertões.

• E Diadorim? O fato de a tradução francesa ter optado por Diadorim para o título do romance desvirtua o enten­dimento da obra? -Essa pergunta surgiu muito cedo na minha vida. Em 1966, o professor Amora me propôs fazer minha tese sobre Diadorim. Foi uma exigência

da qual não dei conta. Demorei mais de 30 anos para escrever sobre essa figura. Trata-se de um artigo, que de­diquei ao professor Amora, e vai ser publicado na revista USP. É uma ver­são aperfeiçoada de um capítulo des­se meu ensaio grandesertão.br. Antes, eu queria salientar que a tradução francesa de Grande Sertão: Veredas para Diadorim é uma certa liberdade do tradutor que, no limite, se justifi­ca. Isso direciona a compreensão do romance e, até na interpretação que eu estou propondo, tem seu cabi­mento. Não existe grande literatura sem a presença do amor. O amor está em cada página de Grande Sertão: Ve­redas. Assim se justifica a edição fran­cesa dedicada à emblemática figura do amor. Diadorim concentra o co­nhecimento do povo sertanejo, do qual é um fruto muito especial. Dia­dorim inicia Riobaldo no conheci­mento do sertão. Podemos conside­rar Diadorim a musa de Rosa e o amor de Riobaldo, que cria essa sen-

sibilidade extraordinária para regis­trar, com arte e ciência, o retrato do povo do sertão. É isso que eu estou estudando através de Diadorim. Quero mostrar que o personagem se localiza em pontos estratégicos onde também se localiza o povo do sertão.

• Nesse sentido, e ainda na tónica de paralelismo, Rosa é mais coerente e profundo que Euclides da Cunha? - Muito mais. Em dois aspectos: Euclides transmite uma visão do ser­tanejo baseada no pathos, na heroi­cidade do sertanejo, sobretudo o ser­tanejo homem-guerreiro. Rosa cria esse conhecimento por meio da pai­xão, que é muito mais amplo e abar­ca homens, mulheres e crianças. A população como um todo. Outra dife­rença fundamental: em Os Sertões, na parte da Luta, eu contei 17 citações de fala de sertanejo; em Grande Sertão: Veredas são 1.300. Enquanto Euclides escreveu sobre o sertão de uma for­ma autoria], uma antropologia de

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autor, a antropologia e a etnogra­fia de Guimarães Rosa se baseiam em ouvir o sertanejo falar e deixar o sertanejo falar. Em Rosa, a maté­ria-prima é a fala do sertanejo. Isso diferencia os dois escritores de maneira radical.

• Como o senhor ''fotografa" o re­trato do Brasil delineado em Gran­de Sertão: Veredas? - Esse conceito foi cunhado no livro de Paulo Prado, de 1928, Re­trato do Brasil. Mas há anteceden­tes. O primeiro grande retrato do Brasil, pensando no século 20, é Os Sertões, a obra máxima de Euclides da Cunha, com passa­gens fundamentais sobre a forma­ção - como diz Euclides - das sub-raças sertanejas, que ele con­sidera como cerne da nacionalida-

,

de brasileira. A partir dos anos 30, surge uma leva impressionante de retratos do Brasil, que são clássicos para entender a nossa realidade. Obra básica é Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, que dialoga com essas duas obras; os dois grandes li­vros de Sérgio Buarque: nos anos 30, Raízes do Brasi~ e nos anos 50, Visão do Paraíso, e, no meio desse percurso, Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior; Formação Eco­nômica do Brasi~ de Celso Furtado; Formação da Literatura Brasileira, de Antônio Cândido. Essas obras dos anos 40 e 50 são o contexto em que nasce Grande Sertão: Veredas.

Willi Bolle: preso no labiri nto de Rosa

• De que maneira surge em Grande Sertão: Veredas a crítica a Os Sertões? -A obra de Euclides da Cunha vale a pena ser criticada porque é uma grande obra. Sem Os Sertões prova­velmente não existiria Grande Sertão. Ambos autores constroem seus res­pectivos retratos do Brasil com uma dimensão de universalidade, como forma de se superar o passado colo­nial. Um dos grandes méritos de Eu­clides é ter descoberto o sertanejo como figura histórica e política. É um avanço sobre os naturalistas an­teriores e o romantismo, que consi-

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deravam o sertanejo como elemento de paisagem, com traços pitorescos e folclóricos. É sobre essa base que Guimarães Rosa constrói sua obra e seu retrato do Brasil, mas com outro enfoque e refinamento. Em uma fra­se eu diria que Grande Sertão: Veredas é uma refinada forma ficcional da história das estruturas. No romance temos uma encenação de todas as formas e tipos de discursos que são forças atuantes no cenário brasileiro. Temos o discurso dos latifundiários, que não mandaram apenas naquele tempo. Continuam mandando. Rosa mostra o discurso de um candidato a deputado: Zé Bebelo. E temos as falas das pessoas do povo. Riobaldo se movimenta entre esses diversos mundos de discursos. São esses

O PROJETO

O retrato do Brasil em Guimarães Rosa

MODALIDADE

Bolsa de pesquisa no exterior

ORIENTADOR

WILLI BOLLE - FFLCH/USP

INVESTIMENTO

US$ 16.800

cruzamentos de linguagens que alimentam a visão crítica de Rosa.

• Quem transmite hoje as lições do ''professor" Riobaldo? - Ele tem formado professores em escolas pelo Brasil afora, como o grupo dos Miguelins, os conta­dores de história de Cordisburgo (cidade natal de Rosa, em Minas). Esse é um projeto de grande visão, porque, paralelamente à proposta de reinvenção do português no Brasil, há o projeto de realfabeti­zar o Brasil com a obra de Guima­rães Rosa. Há uma vertente tam­bém que se liga às novas vias de informação, por isso eu chamei meu ensaio de grandesertão.br ou A Invenção do Brasil. Em Grande Sertão: Veredas, o autor colocou um programa de reeducação do Brasil. O grande sertão é a fala grandiloqüente dos eternos donos

do poder e as veredas são o lugar da fala de gente humilde. O grande feito de Rosa é, em vez de escrever sobre o sertanejo, fazer o sertanejo falar e incorporar a sua fala à construção da língua. Se esse potencial da obra for ativado em grande escala, como já está ocorrendo, este país se emanci­pa. Porque vai falar, pela primeira vez, a linguagem não-colonial.

• Como isso é possível? - Riobaldo diz que o sertão é dentro da gente. É uma paisagem mental. É o pensamento sobre o Brasil. O ser­tão é aquela região selvagem onde se formam as nossas idéias. Onde nasce a linguagem. A experiência mais ra­dical que Rosa fez nesse sentido está no conto Meu Tio O Iauaretê, onde se assiste ao nascimento da linguagem a partir do seu estado selvagem. Selva­gem, no sentido de que ali acontece a criação. O pensamento que se está se buscando. É isso que Guimarães Rosa mostra. Essas regiões arcaicas do pensamento e da linguagem po­dem ser pesquisadas por meio das mais avançadas tecnologias. Com a informática, a inteligência artificial e os espaços virtuais. •

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HUMANIDADES

Morte em São Paulo: pesquisa revelou reforço dos mecanismos de exclusão e discriminação no perfil dos punidos

SOCIOLOGIA

As várias faces do crime Pesquisa do Seade mostra perfil dos envolvidos com violência em São Paulo

Acriminalidade urbana é um dos fenômenos que mais afli­

gem as metrópoles no mundo con­temporâneo. No Brasil, o tema ga­nha contornos ainda maiores em virtude do crescente índice de vio­lência dos últimos anos. Mas, apesar de se saber da existência do crime, pouco se sabe sobre seus agentes. A pesquisa Construindo um Modelo de Análise Integrada das Informações, cuja primeira fase acaba de ser con­cluída pela Fundação Sistema Esta­dual de Análise de Dados (Seade),

com apoio da FAPESP, revela dadós que proporcionam maior compreen­são do fenômeno no Estado de São Paulo. Para Luiz Henrique Proença Soares, coordenador-geral do estu­do, os resultados indicam que há um reforço dos mecanismos de exclusão e discriminação no perfil dos crimi­nosos punidos. "Há uma participa­ção desproporcional dos segmentos mais fragilizados da sociedade", ana­lisa. Uma das constatações mais sur­preendentes se refere à cor da pele. Isso porque, apesar de a população branca ser maioria nos inquéritos abertos no Estado, os negros são, proporcionalmente, mais presos. "Isso não significa que os negros se­jam maioria nas prisões, mas que existe um diferencial que envolve a cor da pele", diz.

Para o coordenador, há duas aná­lises para o fenômeno. A primeira é que o maior nível de escolaridade e melhor renda dos brancos podem garantir a eles mais acesso a mecanis­mos de defesa. "O sistema de precon­ceitos é feito de camadas superpostas que se reforçam", observa Soares. O segundo ponto é que o próprio siste­ma judiciário pode ser discriminató­rio. Isso porque uma parte do pro­cesso de crimes violentos é objeto de júri popular, o que pode reproduzir preconceitos da própria sociedade. "Essa questão pode aparecer no Tri­bunal de Júri, envolvendo também tomadores de decisão, como o juiz. A Justiça é uma instituição dos homens e pode falhar", ressalta. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geogra­fia e Estatística (IBGE), São Paulo é

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Violência masculina

Crimes violentos não-letais predominam entre homens (inquéritos)- em %

1990 1997

• HOMENS • MULHERES Fonte: TJ, SAP, SSP, Prodesp e Seade

Crime na periferia: a maioria das pessoas submetidas a inquéritos e ...

formado por 72% de brancos, 4% de pretos e 21 o/o de pardos. Outra cons­tatação é que, embora os brancos se­jam a maioria entre os processados, a participação dos negros aumentou entre 1990 e 1997. A maior diferença foi observada entre os crimes violen­tos sem morte. Os negros, que res­pondiam por 31,2% dos processos em 1990, sete anos mais tarde eram res­ponsáveis por 37,9%. Já os brancos contribuíam com 66,9%, em 1990, e 59,6%, em 1997. "A classificação da cor de pele tem de ser vista com cuida­do. Na perspectiva do censo, há discus­sões sobre a coleta dos dados. E se no IBGE, que é uma instituição preocu­pada com a qualidade da informação estatística, há esse problema, imagine na Delegacia de Polícia, cuja tradição no uso de dados é recente", diz.

O ponto de partida para a pes­quisa foi a investigação de dados do Sistema de Justiça Criminal Paulista (Secretaria de Segurança, Poder Ju­diciário e Secretaria de Administra­ção Penitenciária), que foram pon­derados com os resultados obtidos

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com variáveis populacionais do IBGE e do próprio Seade. "Temos, assim, o fluxo dos indivíduos den­tro do sistema de Justiça criminal de ponta a ponta", observa Soares. "Isso significa não restringir o enfoque ape­nas no âmbito da polícia, mas am­pliá-lo para instituições co-resporisá­veis pelo controle social. O crescimento da criminalidade, observado a partir das estatísticas, pode estar refletindo uma série de outros aspectos."

Fatores sociais- A exploração dos da­dos adotou quatro categorias como base: gênero, escolaridade, estado civil e cor da pele. Essas informações fo­ram processadas para dois períodos: 1990 e 1997. Para Soares, a estimati­va e o impacto do crime na socieda­de não podem ser calculados apenas a partir da utilização de estatísticas policiais. "De nada adianta pensar ações meramente repressivas ou fin­cadas no trabalho das polícias. Segu­rança Pública e Justiça devem ser to­madas como resultado de múltiplos fatores sociais e, ao mesmo tempo,

como resultado da ação do Estado", observa. Esse estudo permite justa­mente analisar alguns comportamen­tos criminais. Nos últimos anos, por exemplo, houve aumento no número de pessoas processadas com, pelo me­nos, formação secundária. Para Soa­res, existem algumas possibilidades de resposta, que relacionam esse fenô­meno com o aumento geral da esco­larização da população e outras que ligam o crescimento de criminosos com ensino médio ao maior envolvi­mento da classe média com o mundo do crime. A resposta, entretanto, exi­giria uma pesquisa qualitativa.

O estudo indica ainda que o per­fil das pessoas submetidas a inquéri­tos e processos no Estado de São Pau­lo é majoritariamente masculino. Dos crimes sem mortes, os homens são res­ponsáveis por 91,4% dos inquéritos policiais em 1990 e 95,5% em 1997. Identificou-se, portanto, a diminuição da participação da mulher nesses cri­mes e a estabilização da participação nos crimes com morte entre 1990 e 1997. A participação feminina nos

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Condição perigosa

Maioria envolvida em crimes violentos não-letais é de solteiros (inquéritos)- em%

1990/97 1990/97 1990/97 1990/97 1990/97 1990/97

Casado Desquitado Divorciado Solteiro Viúvo Não informado

Fonte:TJ, SAP, SSP, Prodesp e Seade

... processos no Estado de São Paulo é homem

crimes violentos letais foi de 4,8% em 1990 e 4,4% sete anos mais tarde. Na visão de Renato Sérgio de Lima, coor­denador técnico do projeto, essa alte­ração se deve ao aumento do padrão de crime violento, mais associado ao universo masculino. "Em virtude desse processo, do ponto de vista sociológi­co, além dos crimes violentos estarem ganhando destaque, estudos apontam que a polícia tem uma percepção maior dos crimes cometidos por homens do que aqueles cometidos pelas mulheres, retroalimentando o movimento de al­guns crimes e causando impactos nas demais esferas do Sistema de Justiça Criminal': observa.

Os dados sobre o estado civil dos indivíduos indiciados e processados mostram também o aumento no nú­mero de solteiros. Segundo o coorde­nador técnico, é preciso considerar que o preenchimento dos dados não distingue as pessoas que não pos­suem vínculos conjugais formais das legalmente solteiras, classificando-as todas como solteiras. Entre os inqué­ritos de crimes não-letais, os soltei-

ros representavam 50,8% em 1990 e 70,3% em 1997. No caso dos crimes letais, em 1990 os solteiros proces­sados contribuíam com 50,6%, contra 68,2% em 1997. "O aumento pode ser relativizado pela mudança de com­portamento da população em relação ao casamento oficial nos últimos ano~'; comenta Lima.

Soares destaca, porém, que essa pesquisa não permite afirmar que o criminoso do Estado de São Paulo tem o perfil apresentado, mas que esse é,

O PROJETO

Consolidação de um Sistema Estadual de Análise e Produção de Dados e Constituição de um Modelo de Tratamento de Informações que Subsidie Políticas Públicas em Justiça e Segurança

MODALIDADE

Pesquisa em Políticas Públicas

COORDENADOR

LUIZ HENRIQUE PROENÇA SOARES- Seade

INVESTIMENTO

R$ 29.600,00

ao que tudo indica, o perfil absorvido pelo Estado. Isso porque alguns dados apontam para a possibilidade de poder discriminatório no sistema de justiça. "Pode ser que somente essas pessoas sejam absorvidas e, no limite, puni­das", afirma o coordenador. "Isso é possível, mas ainda não dispomos de informações para chegar a esse fato."

Segunda etapa - Realizado em parce­ria com a Coordenadoria de Análise e Planejamento, da Secretaria de Se­gurança do Estado, e com o apoio do Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o projeto deve ter uma segunda etapa. "É um trabalho pre­liminar, pois temos de avaliar a quali­dade da informação", observa o coor­denador-geral. A partir desse segundo momento, Luiz Henrique Soares e Renato Sérgio Lima consideram ser possível conhecer com profundida­de o fenômeno do crime e melhorar a percepção que população, agentes e acadêmicos possuem em relação ao perfil do criminoso. •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRODElOOI 79

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LIVROS

Uma figura quase esquecida da música Obra traz à luz catálogo completo e esboço biográfico da pianista Eunice Katunda

WALT ER GARC IA

Talvez não seja demais insistir: todo artista brasileiro, cedo ou

tarde, é chamado a decifrar o enigma de uma cultura que tem dupla fidelidade. As respostas produzidas nessa encruzilhada da ex­periência local com o pres­tígio do modelo europeu ou norte-americano pau-tam a trajetória de nossas artes. Uma questão, tam­bém enfrentada em outras nações periféricas, só aparentemente resolvida pelos meios de comunica­ção global: na realidade, o caráter conflituoso do dilema é atual e se mostra, por exemplo, na febre provocada por uma pop star em Paris, de onde um repórter do maior jornal do Brasil escreve para a capa de seu caderno cultural, o qual publica ainda uma entrevista ... traduzida de um jornal francês.

Não é sem razão, portanto, que esse jogo de forças anime a leitura de Eunice Katunda, musicis­ta brasileira (Annablume/FAPESP), obra do musi­cólogo Carlos Kater que reúne, conforme o autor esclarece, parte de sua pesquisa sobre a pianista e compositora. Trata-se de um trabalho pioneiro, que procura "trazer à luz a figura hoje quase es­quecida desta que foi uma das mais significativas propulsoras da música brasileira contemporânea", segundo a apresentação de Maria de Lourdes Se­keff, da Universidade Estadual Paulista (Unesp ).

O livro contém o catálogo completo das pro­duções de Eunice, a partitura de sua cantata Ne­grinho do pastoreio, uma seleção de documentos e de textos seus, além de Um esboço biográfico. Esse último título não é somente apropriado ao capí­tulo, mas sintetiza todo o conjunto: ao leitor, é oferecido um painel sem profundidade analítica que vale, contudo, pelas informações de história da música e pelas várias idéias suscitadas.

Dessas, vale destacar: a combinação de comu­nismo e nacionalismo, tentada não somente por Eunice como por vários artistas e intelectuais

80 • OUTUBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Eunice Katunda, Musicista Brasileira

Carlos Kater coordenador

Annablume/ FAPESP 174 páginas R$ 17,00

brasileiros na primeira me­tade do século 20; a desco­berta da Bahia pela musi­cista, preparada por uma viagem anterior à Itália; correspondências sobre alie­nação, individualismo, in­comunicação, formalismo e decadência artística (sobre esse ponto, conforme Carlos Kater aconselha, também é oportuna a leitura de seu li­vro Música Viva e H. ]. Ko-

ellreutter, movimentos em direção à modernidade, lançado este ano por Musa Editora e Atravez).

Um outro ponto decorre ainda da própria opção de se esboçar um perfil da musicista. O que pode ser visto como sinal de fraqueza, aqui pode ser avaliado como expressão ajustada à ma­téria da nossa música erudita, cujo desenvolvi­mento vem sendo antes delineado que demarca­do. Em outras palavras, a falta de uma tradição, capaz de situar tanto a permanência quanto a ruptura, explicaria por que a biografia da perso­nagem é apénas esboçada.

Isso se torna mais claro nas passagens que alu­dem às relações entre música erudita e popular. De um lado, Kater aponta, como razão para o gosto de Eunice pelo popular, a existência de uma gafieira na vizinhança de sua casa paterna; já no artigo Ri­quezas da tradição, é ela quem salienta a impor­tância de sua professora Branca Bilhar, sobrinha do seresteiro e boêmio Sátiro Bilhar. De outro lado, Kater menciona a influência de Mário de An­drade, via Camargo Guarnieri; Eunice, por sua vez, acaba por defender conceitualmente a "música de nosso povo, para quem a arte musical é uma neces­sidade e não um gozo de sibaritas': em seu manifes­to contra o atonalismo e a dodecafonia. Fica a car­go do leitor juntar as peças e tirar suas conclusões.

WALTER GARCIA é professor da PUC-SP, músico e autor

de Bim Bom: a contradição sem conflitos de João Gilberto (Paz e Terra).

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LANÇAMENTOS

O Monge no Jardim R o eco Robin Marantz Henig 256 páginas I R$ 34,00

Por muito tempo os cientistas lamentaram o injusto esquecimento a que ficou relegado o monge da Morávia que cultivava ervilhas no jardim de um mosteiro e ensinou o mundo a pensar sobre o delicado mecanismo da hereditariedade.

Mas, apesar da compreensão moderna da sua importância fundamental, há poucas biografias de Gregor Mendel. Em pleno furor pelas descobertas do genoma, impressiona conhecer a vida plácida do monge, de seu trabalho distante do mundo, mas que desbravou caminhos para as descobertas do homem de hoje. Um livro delicioso de se ler.

A Afinação do Mundo Editora Unesp R. Murray Schafer 381 páginas I R$ 33,00

Escrito por um misto de pesquisador e compositor canadense, o livro disseca os sons que nos cercam. Num mundo sobrecarregado de barulhos e sons dos mais diversos, perdemos a capacidade de dar atenção a muitos

deles. Acreditando que o homem deseja se harmonizar com o universo sonoro ao seu redor, o autor faz uma análise das paisagens sonoras da história, critica esse panorama e dá sugestões de um projeto acústico no caos.

Ser Médico no Brasil O Presente no Passado Fiocruz 230 páginas/ R$ 22,00

Que a profissão no país é das mais difíceis, não é lá grande novidade, mas o estudo, com sucesso, cerca o problema em todos os seus aspectos, indicando, nesse movimento, soluções para o

futuro. O autor analisa como se dão os conflitos entre os médicos e de que forma isso enfraquece o profissional diante do mercado. Além dessa disputa, os médicos ainda têm de enfrentar a "concorrência" desleal de farmacêuticos, curandeiros, enfermeiras-visitadoras e outros que não são ligados ao métier, mas interferem na relação entre médicos e pacientes. Há também a rivalidade inusitada com curandeiros e a relação conflituosa entre os profissionais da saúde e o Estado.

REVISTAS

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Itinerários 2000- número 15

A publicação é editada pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara e pela Universidade Estadual Paulista (Unesp ). Neste número, a revista traz o dossiê sobre a Questão do Sujeito. Entre os vários artigos:

::-=-~;~:==-... =:-~';';';': O Funcionário Fascinado, de Gustavo Bernardo Krause;

O Sujeito em Situação-Limite: o Cogito Torquatiano, de Paulo César Andrade da Silva; Diálogo de Máscaras em Cardoso Pires, de Maria Lúcia Outeiro Fernandes; O Sujeito Interpretador da Realidade: uma Leitura de um texto de René Magritte, de Simone Zied Pinheiro; A Multiplicidade do Sujeito, de Andrea Correa Paraíso; Identidades de Fronteiras, de Maria Nazareth Soares.

REVISTA LATINOAMEIICANA DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL

Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental 2001-número 3-volume 4

Editada pelo Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC-SP, a revista traz nesta sua edição de setembro os seguintes artigos: A Pintura, os Desenhos, são Imagens que

Pedem para ser Escritas, de Joyce Gonçalves e Mario Eduardo Costa Pereira; Um Corpo que Pede Sentido: um Estudo Psicanalítico sobre Mulheres na Menopausa, de Ana Maria Furtado; O Julgamento de Augusto Pinochet, de Alfredo Naffah Neto; O Desafio do Psicanalista na Instituição Psiquiátrica, de Durval Mazzei Nogueira Filho; e O Tratamento de Anorexia, de Anna Victoi.

Pulsional 2001 -número 150 Revista de Psicanálise

A publicação mensal da Livraria Pulsional, especializada em obras de referência de psicologia e psicanálise (editada por Manoel Tosta Berlinck e Maria Cristina Rios Magalhães), traz em sua nova edição os seguintes artigos: A Relação entre

Força e Sentido na Prática de Ludwig Binswanger, de Erico Bruno Viana Campos; A Participação da Enfermagem e do Alunato nos Grupos com Pacientes Psicóticos: um Encontro Fundamental, de Ana Irene Canongia, Fernanda do Carmo Reis, Juraci Brito da Silva e Rosa Maria Santos Gonzaga; Um Método para a Apreensão dos Conteúdos Emocionais da Criança, de Fátima Monteiro.

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