história da civilização brasileira

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HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃOBRASILEIRA

Mesa Di re to ra Biênio 2001/2002

Se na dor Ra mez TebetPre si den te

Se na dor Edi son Lobão1º Vice-Pre si den te

Se na dor Antonio Car los Valadares2º Vi ce-Presidente

Se na dor Car los Wil son1º Se cre tá rio

Senador Antero Paes de Barros2º Secretário

Se na dor Ro nal do Cu nha Lima3º Se cre tá rio

Se na dor Mo za ril do Cavalcanti4º Se cre tá rio

Su plen tes de Se cre tá rio

Se na dor Alber to Sil va Se na do ra Mar lu ce Pin to

Se na do ra Ma ria do Car mo Alves Se na dor Nilo Te i xe i ra Cam pos

Conselho Ed i to rial

Se na dor Lú cio Alcân ta raPre si den te

Jo a quim Cam pe lo Mar quesVi ce-Presidente

Con se lhe i rosCar los Hen ri que Car dim Carl yle Cou ti nho Ma dru ga

Raimundo Pontes Cunha Neto

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Coleção Biblioteca Básica Brasileira

HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO

BRASILEIRA

Pe dro Calmon

Brasília – 2002

BIBLIOTECA BÁSICA BRASILEIRAO Con se lho Edi to ri al do Se na do Fe de ral, cri a do pela Mesa Di re to ra em 31 de ja ne i ro de1997, bus ca rá edi tar, sem pre, obras de va lor his tó ri co e cul tu ral e de im por tân cia re le van te paraa com pre en são da his tó ria po lí ti ca, eco nô mi ca e so ci al do Bra sil e re fle xão so bre os des ti nos d o país.COLEÇÃO BIBLIOTECA BÁSICA BRASILEIRA

A Querela do Estatismo, de Antônio PaimMinha Formação (2 ª edição), de Joaquim NabucoA Política Ex te rior do Império (3 v.), de J. Pandiá CalógerasCapítulos de História Co lo nial, de J. Ca pis tra no de AbreuInstituições Políticas Brasileiras , de Oliveira VianaDeodoro: Subsídios para a História, de Ernesto SenaPresidencialismo ou Parlamentarismo?, de Afonso Arinos de Melo Franco e Raul PilaRui – o Estadista da República, de João MangabeiraEleição e Representação, de Gilberto AmadoDi ci o ná rio Bi o bi bli o grá fi co de Au to res Bra si le i ros, or ga ni za do pelo Cen tro de Do cu men ta ção do Pen sa men to Bra si le i roObservações sobre a Franqueza da Indústria, do Visconde de CairuA renúncia de Jânio, de Carlos Castello BrancoJoaquim Nabuco: Revolucionário Conservador, de Vamireh ChaconOito Anos de Parlamento, de Afonso Celso Pensamento e Ação de Rui Barbosa, seleção de textos pela Fundação Casa de Rui BarbosaHistória das Idéias Políticas no Brasil, de Nel son SaldanhaA Evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro , de Manuel Rodrigues FerreiraRodrigues Alves: Apogeu e Declínio do Presidencialismo (2 v.), de Afonso Ari nos de Melo FrancoO Estado Nacional , de Fran cisco Cam posO Bra sil So ci al e Ou tros Estu dos So ci o ló gi cos, de Síl vio Ro me roAní sio em Mo vi men to, or ga ni za do por João Au gus to de Lima Ro chaFes tas e Tra di ções Po pu la res do Bra sil, de Melo Mo ra is Fi lhoA Abo li ção do Co mér cio Bra si le i ro de Escra vos, de Les lie Bet hellQu an do Mu dam as Ca pi ta is, de José Osval do de Me i ra Penna

Projeto Gráfico: Achil les Mi lan Neto

Senado Fed eral, 2002Congresso NacionalPraça dos Três Poderes s/nº – CEP 70168-970 – Brasília – [email protected] http://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm

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Cal mon, Pe dro.

His tó ria da ci vi li za ção bra si le i ra / Pe dro Cal mon. --Bra sí lia : Se na do Fe de ral, Con se lho Edi to ri al, 2002.

p. 332 – (Co le ção bi bli o te ca bá si ca bra si le i ra)

1. His tó ria so ci al, Bra sil. 2. His tó ria eco nô mi ca,Bra sil. 3. His tó ria po lí ti ca, Bra sil. I. Tí tu lo. II. Sé rie. CDD 981

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Su má rio

EXPLICAÇÃO DA 1ª EDIÇÃOpág. 11

DUAS PALAVRAS SOBRE A 3ª EDIÇÃOpág. 13

APRESENTAÇÃO

Pe dro Cal mon e a His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra por Arno Weh ling

pág. 15

I – O des co bri men to e a pos se do Bra silpág. 25

II – A ex pe riên cia fe u dalpág. 31

III – A co lo ni za ção – As suas de ter mi nan tes e os seus ru mos – O ho mem

pág. 41

IV – A uni da de vir tu al – Fi si o no mia ge o grá fi ca do paíspág. 51

V – As re giões de con den sa ção e de dis per são – Nor te e Sulpág. 57

VI – A ter ra dis pu ta da – Os ho lan de ses – Re a ção na ti vis tapág. 63

VII – O con tor no do país – A ex pan são ser ta nis ta – Enfim uma pá triapág. 79

VIII – Pros pe ri da de eco nô mi ca – O re i no do açú carpág. 93

IX – Inter na men to da co lo ni za ção – O re i no dos me ta ispág. 99

X – O co mér cio no sé cu lo XVIII – Cres cen te ri que za pág. 111

XI – O tra ba lho no sé cu lo XVIII – Um co lo no tí pi co: o je su í tapág. 119

XII – A so ci e da de – A casa co lo ni al – Espí ri to da ci vi li za ção por tu gue sapág. 127

XIII – Le tras e ar tes na co lô niapág. 133

XIV – A Admi nis tra ção – Jus ti ça – O cle ropág. 143

XV – As agi ta ções na ti vis taspág. 153

XVI – O ter ri tó rio com ple ta do – Fron te i ras do Nor te – Fron te i ras do Sul

pág. 163

XVII – Re vo lu ção eco nô mi ca – Pró dro mos da In de pen dên cia – Fim da era co lo nial

pág. 169

XVIII – Fun da ção do Impé rio do Bra sil: D. Pe dro Ipág. 183

XIX – A pro je ção in ter na ci o nal – o Impé rio e os seus vi zi nhos – Fa ta li da de his tó ri ca – A guer ra de 1827

pág. 191

XX – A po lí ti ca bra si le i ra do 1º Re i na do e da Re gên cia – Evo lu ção de mo crá ti ca

pág. 203

XXI – O ad ven to de D. Pe dro IIpág. 213

XXII – O pro gres so ma te ri al – O do mí nio da má qui na – O Impé rio e as re a li za ções in dus tri a is – Nova agri cul tu ra

pág. 219

XXIII – His tó ria po lí ti ca do 2º Re i na dopág. 237

XXIV – A abo li ção da es cra va tu rapág. 255

XXV – O epí lo go da Mo nar quiapág. 263

XXVI – A pro cla ma ção da Re pú bli ca – O 3º Re i na do – Sil ve i ra Mar tins – A cons pi ra ção e De o do ro – Ade são dos po lí ti cos – Vés pe ras

do gol pe – 15 de No vem bro – Fim do Impé riopág. 277

XXVII – A con so li da ção da Re pú bli capág. 289

XXVIII – Ação cons tru ti vapág. 301

ÍNDICE ONOMÁSTICOpág. 311

ÍNDICE TOPONÍMICOpág. 323

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Expli ca ção da 1ª Edi ção

Este li vro não é um com pên dio, nem é um tra ta do. É uma nova sín te se da his tó ria do Bra sil: his tó ria so ci al, eco nô mi ca, ad mi nis tra ti va e po lí ti ca. A His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra.

Des ti na-se aos es tu dan tes dos cur sos su pe ri o res. Para os pro -fes so res são as re mis sões bi bli o grá fi cas.

Dar-se-ia por fe liz o au tor se lo gras se in te res sá-los num exa me mais de ti do e útil dos fa tos do nos so pas sa do – fora da cro no lo gia e daono más ti ca, dos sin cro nis mos e das tá bu as dos ve lhos “epí to mes”, den trode um es pí ri to ci en tí fi co que, nas es co las, já di ri ge os co nhe ci men tosmo der nos. Man da va, en tre tan to, Rous se au: “Ne ra i son nez ja ma issé che ment avec la je u nes se.” Obe di en te ao pre ce i to, este li vro se fez: – é para a mo ci da de.

A dis tri bu i ção da ma té ria e a sua ex pla na ção so frem duasin fluên ci as: a do pro gra ma do Co lé gio Pe dro II e a do cur so de “ex ten -são uni ver si tá ria”, re gi do pelo au tor no Mu seu His tó ri co Na ci o nal,em 1932.

PEDRO CALMON

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Duas pa la vras so bre a 3ª Edi ção

Em pou co tem po duas edi ções des te li vro se es go ta ram.Apre sen tan do a ter ce i ra* atu a li za da com a con ve ni en te re vi são bi bli o grá fi ca,de ve mos sa li en tar os es plên di dos re sul ta dos di dá ti cos que a nos sa ori en ta ção, na ma ne i ra de ex pli car e com pre en der a his tó ria bra si le i ra, tem ob ti do nas clas ses de ins tru ção se cun dá ria do país. Fe liz men te já não per sis ti mos na la men tá vel ro ti na em que vi via este en si no, es tra nho às con quis tas e no vi -da des da ciên cia so ci al, des pren di do de suas re a li da des, fiel aos mé to dos ar ca i cos, in fes ta do de ve lhas crô ni cas, de fria no men cla tu ra, de mi nu ci o sasda tas e pi to res cos por me no res, cuja tra ma es con dia – amo fi nan do as jo vensin te li gên ci as – o con jun to am pla men te hu ma no da evo lu ção na ci o nal.Urgia re mo ver es ses obs tá cu los não só à boa apren di za gem da nos sahis tó ria, como à po pu la ri za ção dela. Ne nhum povo tem a cons ciên cia doseu des ti no e a cer te za do seu va lor, se ig no ra o seu pas sa do, ou, o que émais fu nes to ain da, se não o en ten de. As gran des na ções sou be ramcons tru ir, com a sua ci vi li za ção ma te ri al, ad mi rá ve is len das his tó ri cas, ∗ Tra du zi do para o es pa nhol por Ju lio E. Pay ro, com pró lo go de Ri car do Le ve ne, é o vo lu me 1º da “Bi bli o te ca de Au to res Bra si le i ros”, or ga ni za da pela “Co mi si on Re vi so ra de Tex tos de His to ria y Ge o gra fia Ame ri ca na”, da Re pú bli ca Argen ti na (Bu e nos Ai res, 1937).

que lhes dão às no bres tra di ções po e sia, alma e sen ti do. O Bra sil, gra çasàs con di ções sur pre en den tes de sua for ma ção, ao vero ro man ce de suas ori gens, ao imen so es for ço cons tru ti vo de mu i tas ge ra ções e à dis per si va as pe re za doseu meio fí si co, pôde dis pen sar, nas es pe cu la ções do nos so ci vis mo, aque laslen das. Bas ta-lhe o sin ce ro re tros pec to de sua len ta ela bo ra ção, essa so ci o -lo gia dos tem pos idos, o vas to e tão vá rio pa i nel do seu cres ci men to afli toe he rói co. É a pin tu ra que abre vi a da e tos ca men te des do bra mos nes tevo lu me en de re ça do aos que es tu dam nos gi ná si os e li ce us.

A ace i ta ção da obra ge ne ro sa men te nos re com pen sa o em pe nhopa trió ti co que lhe de di ca mos.

Rio, mar ço de 1937.PEDRO CALMON

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Apre sen ta ção

PEDRO CALMON E A HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

A His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra, de Pe droCal mon, foi obra de su ces so, para os pa drões edi to ri a is bra si le i ros,du ran te cer ca de 30 anos. A pri me i ra edi ção foi pu bli ca da em 1933,quan do seu au tor era um jo vem in te lec tu al ba i a no de há pou co ins ta la dono Rio de Ja ne i ro. Em 1963 o li vro, sem pre re e di ta do pela pres ti gi o saCo le ção Bra si li a na, da Com pa nhia Edi to ra Na ci o nal, atin gia a 6ª edi ção,à qual se acres cen ta ram uma edi ção ar gen ti na e uma ita li a na.

Daí em di an te, pro fun da men te mo di fi ca da a his to ri o gra fiabra si le i ra, a obra foi ca in do no ol vi do, até tor nar-se ra ri da de bi bli o grá fi ca.O pró prio Cal mon a ve ria como um tra ba lho de ju ven tu de, me nos aca ba do que a His tó ria So ci al do Bra sil, a His tó ria da Casa da Tor re oua His tó ria do Bra sil.

Ela pos sui, no en tan to, con si de ra da sua épo ca, re le van tescontribui ções, mais tar de de sen vol vi das em es tu dos mo no grá fi cos por outrosau to res ou sim ples men te in cor po ra dos às no vas sín te ses que sur gi ram.

O AUTOR E SUAS OBRASPe dro Cal mon Mo niz de Bit ten court vi nha de lon ga tra di ção

aris to crá ti ca ba i a na, pela as cen dên cia pa ter na e mi ne i ra, pela ma ter na.

Nas ceu em Amar go sa, na Ba hia, a “doce Amar go sa”, como di zia num de seus jeux de mots e de sen vol veu os es tu dos se cun dá ri os em Sal va dor, for man do-se em Di re i to, já no Rio de Ja ne i ro. Em 1926 ob te ve e dou to -ra do, com a tese “O Di re i to de Pro pri e da de”.

Sua vida foi, per ma nen te men te, in ten sa. Na ad mi nis tra çãopú bli ca ini ci ou-se como se cre tá rio de seu tio Mi guel Cal mon, en tãoMi nis tro da Agri cul tu ra do go ver no de Artur Ber nar des. Foi tam bémDi re tor da Fa cul da de de Di re i to da Uni ver si da de do Bra sil, de 1938 a1948 e Re i tor en tre 1948 e 1966. Ensa i ou al gu ma ati vi da de po lí ti ca,sen do de pu ta do es ta du al e fe de ral pela Ba hia. Exer ceu ain da, no Go ver no Du tra, o Mi nis té rio da Edu ca ção e Sa ú de. De 1968 a 1985, ocu pou apre si dên cia do Insti tu to His tó ri co e Ge o grá fi co Bra si le i ro, onde in gres sa raem 1931. Re gis tre-se que foi de sua au to ria, quan do de pu ta do es ta du al,a pri me i ra lei de pro te ção ao pa tri mô nio his tó ri co e ar tís ti co, ini ci an doum mo vi men to que le va ria, nos anos 1930, à de fi ni ção de uma po lí ti cana ci o nal para a ques tão.

No en si no, foi pro fes sor ca te drá ti co de Di re i to Cons ti tu ci o nalna Uni ver si da de do Bra sil e na Pon ti fí cia Uni ver si da de Ca tó li ca e, jáReitor da que la Uni ver si da de, pres tou con cur so para a cá te dra de His tóriado Bra sil do Co lé gio Pe dro II, em 1955, ob ten do o pri me i ro lu gar.

Às suas fa ce tas de ad mi nis tra dor e de pro fes sor deve ser acres -cen ta da a ati vi da de como pes qui sa dor, ca na li za da para as cen te nas dear ti gos e as de ze nas de li vros que ela bo rou, sem pre so bre His tó ria doBra sil.

Ade ma is des ta atu a ção pro fis si o nal, não se ria pos sí vel de i xarde men ci o nar a vo ca ção ora tó ria de Pe dro Cal mon. Per ten ceu, tal vez, àúl ti ma ge ra ção de gran des ora do res que exis ti ram no Bra sil, como seuscon tem po râ ne os San ti a go Dan tas e Car los La cer da, em bo ra es tes sedis tin guis sem na ora tó ria par la men tar e po lí ti ca. Mes mo hoje, qua sevin te anos pas sa dos de sua mor te, é pos sí vel cons ta tar, no Bra sil e noex te ri or, o pres tí gio de Cal mon nes te cam po.

Qu an to à sua obra, ele pró prio a clas si fi cou em “li te ra tu rahis tó ri ca”, como as bi o gra fi as de D. João VI, D. Pe dro I e D. Pe dro II,“di re i to” (in clu in do-se aí uma “His tó ria das Idéi as Po lí ti cas” e o beloes tu do so bre “o es ta do e o di re i to nos Lu sía das”, tema mais tar de de sen -vol vi do pelo his to ri a dor por tu guês do di re i to, Mar tins de Albu quer que) e

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“his tó ria”. Nes te gru po, con si de ra va sua obra ini ci al “A Con quis ta.His tó ria das Ban de i ras Ba i a nas” e esta His tó ria da Ci vi li za çãoBra si le i ra a quar ta.

Em ma té ria de con cep ção his to ri o grá fi ca, em es tu do so bre seupen sa men to his tó ri co nós o fi li a mos à ma triz his to ris ta, ou his to ri cis taro mân ti co-eru di ta, da his to ri o gra fia bra si le i ra, que teve em Var nha gensua prin ci pal ex pres são. Isso, sem em bar go de suas apro xi ma ções à obrade Ca pis tra no de Abreu e às con cep ções mo der nis tas das qua is foi con tem -po râ neo, o que, en tre tan to, não al te rou sua fi de li da de prin ci pal.

Pe las con cep ções do co nhe ci men to e do pro ces so his tó ri co, par ti -cu lar men te pelo pa pel que atri bu ía ao es ta do na or ga ni za ção e en ca mi -nha men to da vida so ci al, Cal mon de ri va va seu pen sa men to his tó ri co domo de lo ge ral hob be si a no-he ge li a no de es ta do, o que o fa zia lo gi ca men teapro xi mar-se de um Ran ke, de um Me i nec ke e, no caso bra si le i ro, deVar nha gen. Na Intro du ção à His tó ria do Bra sil edi ta da por JoséOlím pio tra duz bem este es pí ri to, de res to vi sí vel na ma i or par te de seuses cri tos his tó ri cos.

A HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

A His tória da Ci vi li za ção Bra si le i ra ori gi nou-se das aulasda das, em 1932, na dis ci pli na His tó ria do Bra sil, do Cur so de Mu se o -lo gia, en tão vin cu la do ao Mu seu His tó ri co Na ci o nal.

So freu tam bém a in fluên cia do pro gra ma do Co lé gio Pe dro II,como de cla ra na “Expli ca ção” à pri me i ra edi ção.

A His tó ria foi pu bli ca da em 1933 no vol. 14 na en tão jápres ti gi o sa Co le ção Bra si li a na e em mar ço de 1937 o au tor pre fa ci a va ater ce i ra edi ção, o que, para as con di ções de épo ca e lu gar, era in di ca ti vode gran de su ces so. A ex pli ca ção para o fato cer ta men te está na sua ado çãoem di ver sas es co las de en si no mé dio, en tão cha ma das se cun dá ri as, em bo rao au tor des ti nas se a obra, tam bém, aos es tu dan tes de ní vel su pe ri or.

O tex to de Cal mon re al men te ino va va e atra ía os le i to res. Em pri me i ro lu gar, pela con cep ção de uma “his tó ria da ci vi li za ção” que en glo ba va te mas dís pa res como a or ga ni za ção po lí ti ca e ad mi nis tra ti va, a eco no mia, a vida so ci al, as “le tras e ar tes”, além do pró prio pro ces so de for ma çãoter ri to ri al e as vi cis si tu des de sua evo lu ção como es ta do na ci o nal. Para os

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 17

in te res sa dos em his tó ria, para o pú bli co cul to e para os es tu dan tes – ostrês gru pos de le i to res aos qua is se di ri giu – era cer ta men te uma abor da gemino va do ra da his tó ria, que cor res pon dia à re a li za da por João Ri be i romais de trin ta anos an tes, em 1900, ao lan çar seu com pên dio com apro pos ta da Kul tur ges chich te ale mã.

Pe dro Cal mon re a li zou seu exer cí cio de sín te se his tó ri ca afas -tan do-se de li be ra da men te da eru di ção ex ces si va en tão do mi nan te, pra ti ca dape los epí go nos de Var nha gen, sem en tre tan to vol tar-lhes as cos tas e mu i tome nos rom per com a ma triz var nha ge ni a na .

Incor po rou a eru di ção às gran des li nhas tra ça das na His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra, uti li zan do-a sem pre a tí tu lo exem pli fi ca ti vo.Iden ti fi ca va-se, as sim, ao Ze it ge ist da dé ca da de 1930, que va lo ri za va as pers pec ti vas das ciên ci as so ci a is e que pro du ziu, em pou cos anos, as obras se mi na is de Gil ber to Fre i re, Casa Gran de e Sen za la (1933), CaioPra do Jr., Evo lu ção Po lí ti ca do Bra sil (1933), Sér gio Bu ar que deHo lan da, Ra í zes do Bra sil (1936) e Ro ber to Si mon sen, His tó riaEco nô mi ca do Bra sil (1936), no que já se cha mou a “re des co ber tado Bra sil”.

Com es tas qua tro obras, de cer ta for ma pre nun ci a das pe loses tu dos de Oli ve i ra Vi a na na dé ca da an te ri or, o Bra sil to mou con ta tocom po si ções me to do ló gi cas que daí por di an te mar ca ri am a sua in ter pre -ta ção: a an tro po lo gia cul tu ral de Brás do Ama ral, o mar xis mo, o we be -ri a nis mo e o pen sa men to som bar ti a no. Pe dro Cal mon não se isen tou des tecli ma e a ele pro cu rou cor res pon der, pri me i ro com esta His tó ria e logocom os três vo lu mes da His tó ria So ci al do Bra sil, de que a obra ago ra re e di ta da foi uma es pé cie de pri me i ro es bo ço nos as pec tos só cio-an tro po ló -gi cos.

Em se gun do lu gar, o tex to atra ía os le i to res, por que era es cri to de ma ne i ra de li be ra da men te leve, em bo ra com ri gor e pre ci são de lin gua gem,não se isen tan do o au tor, num ou nou tro pon to, de in clu ir uma ex cla ma çãoen fá ti ca, uma re ti cên cia irô ni ca ou a me tá fo ra ele gan te. Com pa ra do aoque ain da pre do mi na va em ma té ria de sín te se his tó ri ca dis po ní vel aosle i to res da dé ca da de 1930, a pro pos ta de Cal mon “fora da cro no lo gia eda ono más ti ca, dos sin cro nis mos e das tá bu as dos ve lhos epí to mes”, na sua ex pres são, re ve la va-se uma tour nant tam bém em ter mos de téc ni caex po si ti va.

18 Pe dro Calmon

Essa pre o cu pa ção, se gun do dis se ele pró prio, não se de via ape nasà ade são a uma nova for ma de or ga ni zar e ex por seu ob je to. Inte res sa -va-o tam bém a “po pu la ri za ção” da his tó ria na ci o nal como, di ría moshoje, uma es tra té gia da me mó ria so ci al: “Ne nhum povo tem a cons ciên cia de seu des ti no e a cer te za de seu va lor, se ig no ra o seu pas sa do, ou o que é mais fu nes to ain da, se não o en ten de.”

A re per cus são da obra na dé ca da de 1930 foi sig ni fi ca ti va,com três edi ções até 1937. Foi, ain da, pu bli ca da em es pa nhol, naArgen ti na, em 1937 com pre fá cio de Ri car do Le ve ne, cons ti tu in do-se no volu me pri me i ro da “Bi bli o te ca de Au to res Bra si le i ros”. A ini ci a ti vain se riu-se no pla no mais am plo, de di vul ga ção de au to res e te mas bra si le i rosna Argen ti na e de au to res e te mas ar gen ti nos no Bra sil, den tro de umapo lí ti ca de apro xi ma ção en tre os dois pa í ses.

AS FONTES DO AUTOR

A His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra foi re vis ta e atu a li -za da pelo au tor em edi ções sub se qüen tes e man te ve-se em dia com a bi bli o -grafia especi a li za da. Assim, apa re cem na bi bli o gra fia des de clás si cos (já àépoca) da his to rio gra fia bra si le i ra ou so bre o Bra sil, como Var nha gen,Han del mann, Ca pis tra no de Abreu, Sílvio Ro me ro, Mar ti us, NinaRo dri gues, Te o do ro Sam pa io, Brás do Ama ral, Eu cli des da Cu nha,Ca ló ge ras e João Lú cio de Aze ve do, até au to res con tem po râ ne os quecome çavam sua pro du ção e que tam bém tor nar-se-iam tex tos de re fe rência,em se gui da, se já não eram: Alfre do Ellis Jr., Afon so Ta u nay, Oli ve i raVi a na, Alcân ta ra Ma cha do, Artur Ra mos, J. F. de Alme i da Pra do,Gil ber to Freire, Ro dol fo Gar cia, Alfred Mé tra ux, Fer re i ra Reis ouSe ra fim Le i te.

Para a in fluên cia dos fa to res ge o grá fi cos so bre a his tó ria,apa re ci am re fe rên ci as a Rat zel e a um au tor até en tão des co nhe ci do noBra sil, Lu ci en Feb vre; para a re la ção en tre mo no cul tu ra e es cra vi dão,Karl Marx; so bre o mis si o na ris mo, Cha te a u bri and e Ca pi tant; so bre aex pan são eu ro péia, par ti cu lar men te ibé ri ca, além dos his to ri a do respor tu gue ses, La u noy e van der Lin dem.

As fon tes da His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra, porsua vez, cons ti tu em o que exis tia de dis po ní vel so bre o as sun to à épo cade sua re da ção, acres ci da de re fe rên ci as nas edi ções pos te ri o res.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 19

Assim, apa re ci am os ma nus cri tos, edi ta dos in di vi du al men te ou nasco le ções dos Ana is da Bi bli o te ca Na ci o nal, dos Do cu men tos His tó ri cos da Bi bli o te ca Na ci o nal (en tão re cen te men te lan ça dos), dos Inven tá ri os e Tes ta men tos de São Pa u lo e da Re vis ta do Insti tu to His tó ri co eGe o grá fi co Bra si le i ro. Além des tes, apa re ci am os cro nis tas bra si le i ros,por tu gue ses e de ou tras na ci o na li da des, bem como os vi a jan tes an te ri o res e pos te ri o res a 1808.

Des ta for ma, Cal mon fez uso, en tre ou tros, de Gân da vo,Ga bri el So a res de Souza, Frei Vi cen te do Sal va dor, os au to res dasCar tas Je su í ti cas, Vi e i ra, Pe dro Ta ques e Nuno Mar ques Pe re i ra,jun to aos es tran ge i ros Ves puc ci, Acos ta, Thé vet, Léry, Sta den e LaBar bin na is.

Não de i xou au sen tes os clás si cos, cu jas re fe rên ci as re ve lam seu pen dor li té rio: Gar cia de Re sen de, Ca mões, Mo rus, Sha kes pe a re,Mon ta ig ne, Cha te a u bri and, Rous se au.

É in te res san te ob ser var que este li vro de Pe dro Cal mon foi apri me i ra obra de sín te se a va lo ri zar o pa pel in for ma ti vo dos tes ta men toscomo fon te de his tó ria so ci al, re ve lan do-se aí o jo vem au tor atu a li za do emre la ção à obra há pou co pu bli ca da, Vida e Mor te do Ban de i ran te, deAlcân ta ra Ma cha do, por sua vez o pri me i ro au tor a ex plo rar de modo sis te -má ti co os in ven tá ri os e tes ta men tos pa u lis tas da épo ca co lo ni al. As con clu sões des te iam de en con tro à in ter pre ta ção de Oli ve i ra Vi a na, en tão um tex tocaro ao au tor, a pro pó si to da opu lên cia da aris to cra cia pa u lis ta.

Ou tro as pec to que me re ce ser su bli nha do em re la ção às le i tu ras que em ba sa ram o au tor foi a pre o cu pa ção, en tão pou co pre sen te em nos sa his to ri o gra fia, de va lo ri zar os tra ba lhos so bre a Amé ri ca his pâ ni ca quedis ses sem res pe i to aos con ta tos en tre as duas co lo ni za ções. Des ta cou, as sim,a pre sen ça de por tu gue ses em Lima e Bu e nos Ai res, no pe río do co lo ni al,bem como al gu mas das ver sões pla ti nas so bre os con fli tos do sé cu lo XIXcom o Bra sil.

ALGUNS INSTRUMENTOS E ALGUMAS CONCLUSÕES DO AUTOR

Cal mon en ten dia o co nce i to de “his tó ria da ci vi li za ção” comouma sín te se das his tó ri as se to ri a is, so ci al, eco nô mi ca, ad mi nis tra ti va epo lí ti ca.

20 Pe dro Calmon

O pla no da obra re fle te esta pers pec ti va, mas tam bém a pre o -cu pa ção de não va lo ri zar os as pec tos po lí ti co-ad mi nis tra ti vos e so bre tu doo seu en fo que pu ra men te fac tu al. Assim, não há um equi lí brio arit mé ti co en tre es ses di ver sos as pec tos, mas uma cer ta eqüi da de que pri vi le gia o so ci al(aqui in clu í das as re fe rên ci as cul tu ra is) e o eco nô mi co, sem afe tar ahar mo nia do con jun to. É sin to má ti co do pa pel atri bu í do pelo au tor aosas pec tos so ci a is numa his tó ria da ci vi li za ção o ca pí tu lo 12, de di ca do à“So ci e da de – A casa co lo ni al – Espí ri to da ci vi li za ção por tu gue sa”,onde tra ta da com bi na ção de ele men tos lu sos e tu pis na casa co lo ni al,da ar qui te tu ra ci vil e mi li tar, da in dús tria do més ti ca de al go dão e dares tri ta ur ba ni za ção. Tra ta-se de um preâm bu lo do pri me i ro vo lu me daHis tó ria So ci al do Bra sil, li vro que pu bli ca ria no ano se guin te à His -tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra, em 1934.

Cro no lo gi ca men te, a obra, na edi ção de 1958, atri bu ía 175 pá gi -nas à Co lô nia, 124 ao Impé rio e 23 à Re pú bli ca. Em ca pí tu los, 17 tra tam da Co lô nia, 9 ao Impé rio e dois à Re pú bli ca. De li be ra da men te, li mi tou oau tor o es tu do da Re pú bli ca, po li ti ca men te, até sua con so li da ção em 1898,es ten den do as re fe rên ci as à vida ma te ri al até a dé ca da de 1920. Fa zia-o fielà sua con cep ção de que pe río dos re cen tes – es cre via na dé ca da de 1930 –não da vam ao his to ri a dor uma dis tân cia mí ni ma para a isen ção.

Ao pre fa ci ar a ter ce i ra edi ção, Pe dro Cal mon jus ti fi ca va o viés in ter pre ta ti vo de sua obra como uma “so ci o lo gia dos tem pos idos”, com o que re for ça va a pre o cu pa ção de não li mi tar-se à ex po si ção cro no ló gi ca,mas al çar-se à com pre en são his tó ri ca. Fa zia-o, ain da, sem o re fe ren ci alteó ri co com o qual jus ti fi cou suas po si ções na in tro du ção à His tó riado Bra sil de vin te anos de po is.

Vá ri os são os exem plos des ta ex pli ca ção so ci o ló gi ca apli ca da à his tó ria, ao lon go da obra: a idéia de uma vida nova para o co lo no por tu guês e da sub se qüen te rup tu ra com o uni ver so an te ri or; a ab sor ção de cos tu mesin dí ge nas pe los co lo nos des de a pri me i ra ge ra ção; a con cep ção do je su í tacomo um “co lo no tí pi co”, mas dis tin to dos de ma is; as ocu pa ções des ti na das ao pri me i ro, se gun do e ter ce i ro fi lhos; a hi pó te se de que os con ven tos fos sem os pri me i ros nú cle os na ti vis tas, por se rem os fra des nas ci dos no Bra sil ele tra dos; a idéia de que, no pri me i ro sé cu lo da co lô nia, for ma ra-se novaso ci e da de mes cla da, na qual, em lu gar de eu ro pe i zar-se o in dí ge na,in di a ni zou-se o por tu guês; a in ter pre ta ção so ci al das re vol tas co lo ni a is e

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 21

da re vo lu ção per nam bu ca na de 1817; a pi o ne i ra aná li se so ci o ló gi ca dope río do re gen ci al, a re fe rên cia à Ca ba na gem como uma re vol ta de“po bres con tra ri cos” e à Cons ti tu in te de 1823 como um con fli to en tre“a gle ba e o co mér cio”. Nes te li vro apa re cem tam bém al gu mas ti po lo gi asem pre ga das pelo au tor, em re la ção ao se nhor de en ge nho, ao pa u lis ta(pe que no pro pri e tá rio, com qua li da des mar ci a is, la vou ra es cas sa) e aomis si o ná rio.

À eco no mia o au tor em pres tou tam bém um novo sig ni fi ca do,hoje em pa li de ci do ante nos so co nhe ci men to a par tir da obra de Si mon sene da his to ri o gra fia eco nô mi ca pos te ri or, mas pi o ne i ro em 1933. Con si derouem subcapí tu los os pro du tos agrí co las, os me ta is, o trá fi co e as com pa nhiasde co mér cio, de mons tran do aten ção para com os rit mos con jun tura is dosé cu lo XVIII. Da mes ma for ma va lo ri zou as re la ções dos por tu gue sescom a pra ta pe ru a na, tema que so men te se ria tra ta do de for ma mo no grá -fi ca por Ali ce Ca na bra va em 1940. Ela bo rou, tam bém, uma se gu rasíntese so bre a evo lu ção da po lí ti ca eco nô mi ca en tre o mer can ti lis mocolber tis ta e o li be ra lis mo.

Apli cou tam bém al gu mas ca te go ri as da psi co lo gia so ci al, paraana li sar as ca rac te rís ti cas in dí ge nas em re la ção a há bi tos, in du men tá ria eali men ta ção, as so ci an do-se à do ser ta ne jo con tem po râ neo. Da mes ma for maco men tou a in te rin fluên cia das len das de ori gem afri ca na e as tra zi das pe losco lo nos por tu gue ses, de ins pi ra ção me di e val. Se no pri me i ro caso mos tra va-sein flu en ci a do pela po lê mi ca em tor no do Jeca Tatu, de Mon te i ro Lo ba to, nose gun do tra ta va de re la ções que fo ram es tu da das logo de po is por Gil ber toFre i re, em Casa Gran de e Sen za la e Sér gio Bu ar que de Ho lan da, emRa í zes do Bra sil e Ca mi nhos e Fron te i ras.

Ao contrá rio da ma i o ria de seus con tem po râ ne os, po rém, atri buiuim por tân cia deci si va à ge o gra fia. Co me çou, mes mo, por uma pre mis sadeter mi nis ta, afir man do que as ins ti tu i ções eram con se qüên cia do solo,como en si na ram Bo drim e Mon tes qui eu, o que ex pli ca ria a ri que za doaçú car como da aris to cra cia ca na vi e i ra.

O pro ces so co lo ni za dor se ria, as sim, in de le vel men te mar ca dopela ge o gra fia: o uso in ten si vo e pre co ce das pou cas re en trân ci as exis ten tes no li to ral; as cor ren tes de ven tos fa ci li tan do os con ta tos ma rí ti mos en treBa hia e Per nam bu co, Ba hia e Espí ri to San to e Rio de Ja ne i ro – SãoVi cen te – San ta Ca ta ri na, es ta be le cen do por mar vín cu los co lo ni a is

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quan do ain da não exis ti am ca mi nhos por ter ra; as di fe ren ças de com por -tamento en tre o ho mem do pla nal to e da ba i xa da, as pec to, aliás, re tomado de Síl vio Ro me ro, que o es tu da ra no Bra sil So ci al; e a im por tân cia dorio São Fran cis co como po la ri za dor de po vo a men to, mes mo na épo capré-colo ni al. De tudo isso con clu ía Cal mon pela cons ti tu i ção de umasoci e da de de tipo ato mís ti co, in di vi du a lis ta e pou co coo pe ra ti va, eco an do a tese en tão do mi nan te de Oli ve i ra Vi a na so bre o as sun to.

Sob o ân gu lo das ins ti tu i ções, Cal mon afir mou al guns pon tosde vis ta que con ti nu am sig ni fi ca ti vos, a des pe i to dos qua se 70 anos quenos se pa ram: o di re i to por tu guês teve de adap tar-se, so bre tu do na par tepro ces su al, no pri me i ro sé cu lo da co lo ni za ção e con vi veu com os cos tu meslo ca is por lon go tem po, tese que Ro dol fo Gar cia tam bém es po sou; nes taépo ca, a obra por tu gue sa foi emi nen te men te mi li tar, o que va leu-lhe odo mí nio da co lô nia; o “se nhor de en ge nho” já cons ti tu ía uma no bre zare co nhe ci da no iní cio do sé cu lo XVII (ba se a va-se para afir má-lo, nosDiá lo gos das Gran de zas); ocor ria com fre qüên cia até o sé cu loXVIII a ab sor ção das fun ções ré gi as pe los mu ni cí pi os e a pre e mi nên ciadas mi lí ci as, fato este só re ver ti do com a in tro du ção do exér ci to re gu larem 1764, en dos san do am bas as te ses de Mar ti us; no Impé rio, fo ram im -por tan tes a cri a ção do Con se lho de Mi nis tros, em 1847, atri bu in do novo per fil ao Exe cu ti vo e a cri se do Ga bi ne te Za ca ri as, em 1868, ori gem re -mo ta na Re pú bli ca. Nes tes dois úl ti mos as pec tos acom pa nha va, res pec ti -va men te, a Ta va res de Lira, em seu es tu do so bre as ins ti tu i ções im pe ri a is e a Oli ve i ra Vi a na, em O oca so do Impé rio.

Ou tro tra ço pe cu li ar à His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i rafoi o uso dos pro ce di men tos com pa ra ti vos, como tam bém fa ria em se gui da Sér gio Bu ar que de Ho lan da con tra pon do o “se me a dor” ao “la dri lha dor”.Ain da uma vez pre do mi nou em Cal mon a in fluên cia ge o grá fi ca e não aso ci o ló gi ca; como no au tor de Ra í zes do Bra sil, com pa rou a ex pan -são su lis ta, ba se a da na es cra vi za ção dos ín di os e na bus ca do ouro, ànor des ti na mar ca da pelo gado, e uti li zou o mes mo pro ce di men to ao es tu dar a for ma ção das fron te i ras se ten tri o nal e me ri di o nal.

∗ ∗ ∗A His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra tem, por tan to, muitos

mé ri tos. Pela sín te se a que se pro põe, só an te ci pa da, nou tra pers pec ti va,

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 23

por João Ri be i ro. Pela atu a li za ção face à épo ca, re co lhen do as in qui etaçõesmo der nis tas com uma nova in ter pre ta ção do Bra sil, mas sem afas tar-seda fi li a ção his to ris ta à ma triz de Mar ti us – Var nha gen, como o fa ri amseus con tem po râ ne os, a co me çar por Gil ber to Fre i re, que ti nha pelo au tor da His tó ria Ge ral do Bra sil uma opi nião pou co li son je i ra. Pelo usopi o ne i ro de con ce i tos e abor da gem e pela afir ma ção de hi pó te ses maistarde apro fun da das por ou tros pes qui sa do res, como o en fo que dasrevoltas co lo ni a is, das re vo lu ções, do pro ces so de in de pen dên cia e do pe ríodoregenci al como pal cos de con fron tos en tre seg men tos so ci a is. E, fi nal mente,pela le ve za de es ti lo, que aten deu à pre o cu pa ção co mu ni ca ti va do au tor,afir ma da des de a pri me i ra edi ção.

A obra é bom exem plo de como ini ci a va-se a re per cus sãoso bre a his to ri o gra fia stric to sen su ain da pre sa às con cep ções es ta dis tas do his to ris mo, das no vas te o ri as so ci o ló gi cas, po li to ló gi cas e eco nô mi casque ha vi am dado uma per so na li da de de fi ni ti va às ciên ci as so ci a is.

ARNO WEHLING

24 Pe dro Calmon

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IO Des co bri men to e a Pos se do Bra sil

A ter ra do Bra sil já era co nhe ci da dos eu ro pe us an tesda ar ma da de Pe dro Álva res que a des co briu para Por tu gal. Mas ne nhu maou tra data an te ce de, na cro no lo gia do nos so país, a de 1500. Pe droÁlva res Ca bral des ti na va-se às Índi as, com a ma i or ex pe di ção que ain dapar ti ra de Lis boa em bus ca do ori en te, e ao “sa mo rim” pro cu ra va, paratra tar com ele a con quis ta e o co mér cio das es pe ci a ri as.

O ca pi tão-mor da es qua dra por tu gue sa de via sa ber da exis tên cia de ilhas oci den ta is no seu ro te i ro, apa ren te men te o mes mo de Vas co daGama, cu jos pi lo tos de Me lin de le va va con si go, e a quem su ce dia. Masnão con si de ra va a hi pó te se de ex plo rar ou tros ter ri tó ri os do lado daAmérica. Em 22 de abril de 1500, oi ta vá rio da Pás coa, viu com surpresade se nhar-se no ho ri zon te o per fil de uma mon ta nha.

Esta va-se na épo ca dos des co bri men tos ma rí ti mos. De ano a ano, as ca ra ve las de Por tu gal, ex pe di das ou tro ra pelo in fan te D. Hen -rique para o alto mar mis te ri o so, con du zi das de po is ao pé ri plo afri cano,aos cru ze i ros de Ma de i ra e Aço res, alar ga vam o do mí nio co lo ni al dapá tria.

A ge o gra fia fa bu lo sa da an ti gui da de de i xa ra de in te res sar osna ve gan tes, que ti nham acha do no equa dor um cli ma hos pi ta le i ro, ondeVir gí lio, como Pla tão, acu sa ra sol e ca lor im pró pri os à vida hu mana.1 Naescola de Sa gres não se liam mais os la ti nos, se não os ára bes, e os cos -mó gra fos por tu gue ses ti nham or ga ni za do os ma pas mais exa tos do seutem po. Co nhe ci am tudo o que se acres cen ta ra, no mun do, às obras deStra bão e Pto lo meu, e acom pa nha vam, num es tu do di re to, as idéi as dosge no ve ses, dos ve ne zi a nos e dos ca ta lões acer ca dos “pa í ses da es pe ciaria”.

Qu a se a sú bi tas, como que se trans for ma ra o re i no numa vas taem pre sa mer can til. Era uma cru za da de novo gê ne ro, em bo ra de fun doidên ti co, se a gran de cu ri o si da de do ig no to nas cia da von ta de de pos -suí-lo para a fé, es ten den do a re li gião de Cris to aos po vos pa gãos. Porisso Pe dro Álva res in que riu da ter ra, pro cu rou uma abri ga da na cos ta,dis tri bu iu aos ín di os pe que nos pre sen tes, e de po is de dez dias de de mo -ra con ti nu ou vi a gem.

É sur pre en den te a na tu ra li da de com que o es cri vão da fro ta,Pero Vaz de Ca mi nha, par ti ci pou ao rei o des co bri men to: não tem umapa la vra se quer de es pan to, a res plan de cer o re go zi jo pela ines pe ra dafortu na. “E as sim se gui mos por este mar de lon go até ter ça-feirad’oitavas de pás coa, que fo ram XXI dias d’Abril, que to pa mos al gunssinais de ter ra...” Tam bém não le va va a ar ma da pe dra de pa drão, com quecos tu ma vam os por tu gue ses as si na lar as suas des co ber tas: fez-se uma cruztos ca “com as ar mas e di vi sa de Vos sa Alte za que lhe pri me i ro pre garam...”

O es cri vão re su mia as im pres sões ini ci a is do Bra sil. A ter raera de tal modo gra ci o sa que da ria tudo, “mas o me lhor fru to que nelase pode fa zer me pa re ce que será sal var esta gen te, e esta deve ser aprin ci pal se men te que Vos sa Alte za em ela deve lan çar...”2

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1 Dis se uma pa ne gi ris ta, “que che ga ram os por tu gue ses, com a es pa da, onde nãoche gou San to Agos ti nho com a pena”. (Co m pên dio Nar ra ti vo do Pe re gri no daAmé ri ca, edi ção de 1731, p. 206). Ver P. JOSEPHO ACOSTA, De Na tu ra novior bis, p. 29 e segs., Sa la man ca, 1588.

2 De po is de 1892, quan do BALDAQUE DA SILVA mos trou tec ni ca men te a in -ve ros si mi lhan ça do aca so, os his to ri a do res por tu gue ses sus ten tam que o des co bri -men to do Bra sil foi “um fato per fe i ta men te vo lun tá rio da par te de CABRAL, econ for me as ins tru ções se cre tas” d’el-rei (FIDELINO DE FIGUEIREDO,Estu dos de His tó ria Ame ri ca na, p. 29, São Pa u lo).

Ca bral abran geu com a vis ta vin te lé guas de li to ral, que creuser de uma ilha, a que cha mou de “Vera Cruz”. O Bra sil-português de1500 re du ziu-se a uma ilha hi po té ti ca: trin ta anos bas ta ram para que umcon ti nen te in te i ro bro tas se da que la aven tu ra. De ve ras, o rei D. Ma no elnão deu à nova ter ra a im por tân cia que me re ce ra; con ten tou-se decomu ni car o seu acha men to às na ções e man dar-lhe uma fro ta de ex plo -ra ção, logo no ano se guin te, mais para ver que lu crar, com um in tu i tocar to grá fi co que vi sa va, so bre tu do, às fu tu ras na ve ga ções da Índia.

VES PUC CIJá em 1501 sur ge, nas cos tas do Bra sil, um pi lo to, mis to de

as trô no mo e aven tu re i ro, Amé ri co Ves puc ci, flo ren ti no, que vi e ra à Amé ri cacom Alon so de Oje da, um ano an tes de Ca bral: o seu es pí ri to ex pan -de-se por este li to ral am plo, chão ao nor te, di fí cil e mon tu o so ao sul.Ves puc ci per ten cia à raça dos Mar cos-Polo: os vi a jan tes-di vul ga do res,há be is no ve lis tas, que ali men ta vam com os seus re la tos, algo fa bu lo so, afome de ci vi li za ções exó ti cas que de vo ra va a Eu ro pa de após-cru za das. Li gou o nome ao con ti nen te novo, ba ti zou, com André Gon çal ves, che feda que la fro ta de três na vi os, os aci den tes da cos ta do Bra sil, des de ocabo de “S. Ro que” até “S. Vi cen te”, de acor do com o ca len dá rio cris tão.3

De modo que, a 28 de agos to de 1501, viam o cabo de “San to Agos ti nho”, a 4 de ou tu bro a foz do rio “de S. Fran cis co”, a 1º de no vem bro a baía“de To dos os San tos”, a 1º de ja ne i ro de 1502 o fal so “rio de Ja ne i ro”, a 6a an gra “dos Reis”, S. Se bas tião no dia 20 e S. Vi cen te a 22.

Den tro des sa ono más ti ca ha via de en qua drar-se a pri me i raco lo ni za ção, de um Bra sil ho mo gê neo, o das ten ta ti vas de pe ne tra ção,que de po is se des do brou, pelo “sa ar tão” den tro, pela ou ri lha do maraci ma e aba i xo, até li mi tes de Espa nha.

A expedi ção de Ves puc ci, em 1501, re ti fi cou no tí cia do es crivãoCa mi nha: não ha via “ilha de Vera Cruz”, mas “ter ra de San ta Cruz”, que era tudo Amé ri ca. E mar cou-lhe o con tor no, que pas sa a ser dos ma pas, a par tir de 1502, quan do Can ti no fez o seu: em dois anos a ge o gra fia sere no va ra.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 27

3 Por to Se gu ro, His tó ria Ge ral do Bra sil, 3ª ed., I, 114 (no tas de CAPISTRANO DE ABREU).

BRA SIL E ORI EN TEMas a Ves puc ci não ani ma ra o oti mis mo de Pero Vaz de

Cami nha: o país pa re ceu-lhe des pro vi do de me ta is e sem ou tra ri que zaalém da ca na fís tu la e da ma de i ra de tin gir, o pau “bra sil”, que a Eu ro pacos tu ma va im por tar da Ásia.

Qu an do a Índia ti nha os se gre dos e os te sou ros de uma ci vi li -za ção remota à mer cê do pri me i ro al mi ran te oci den tal, aque la ter ra verde e po bre, po vo a da de um gen tio que de vo ra va o seu se me lhan te, comoacon te ceu a dois ma ru jos no cabo de S. Ro que, não ha via de atra ir osna u tas-mercadores. E não atra iu.4 A ex pe di ção de 1503, na qual vol touVes puc ci, já co man dan do uma nau, foi um es for ço iso la do, a fim deapu rar-se o pri me i ro lu cro da lon gín qua co lô nia. Dois na vi os, dos seiscom que Gon ça lo Co e lho sa í ra de Lis boa, abar ro ta ram-se de pau de tintaem Cabo Frio,5 onde de i xa ram uma fe i to ria com vin te e qua tro homens,6 e le va ram a Por tu gal um co nhe ci men to po si ti vo do Bra sil in te ri or, atéqua ren ta lé guas den tro das flo res tas e mon ta nhas, quan tas en trou oflorenti no ar den do em cu ri o si da de. Aspe re za, sel va ge ria, pa i sa gem – nadamais viu Ves puc ci, que su priu com os de ta lhes de uma fa u na fan tás ti ca,que ima gi nou, a es cas sez de no tí ci as se du to ras.

Era um mun do bár ba ro; nada ti nha de co mum com as ter rasda es pe ci a ria.

Esta de cep ção pas sa a re fle tir-se na po lí ti ca co lo ni al do re i no:o Bra sil era uma pro mes sa, a Índia a re a li da de.

Por isso cor re ram ao ori en te os gran des de Por tu gal, comoou tro ra cor ri am à Áfri ca. E o ori en te lhes bas tou.

Se não fos se a con cor rên cia es tran ge i ra, o Bra sil res sur gi ria,para a co lo ni za ção, de po is da ru í na da Índia: a sua his tó ria so fre ria umatra so de sé cu lo e meio.

28 Pe dro Calmon

4 Vd. o co men tá rio de MONTAIGNE, Essa is, III, VI, so bre o aban do no em quefi ca ram os “ca ni ba is”, por não te rem os “es pa nhóis” (por tu gue ses) en con tra dono país de les os me ta is pre ci o sos.

5 Vd. car ta de VESPUCCI, No tí ci as para a His tó ria e Ge o gra fia das Na ções Ultra ma ri nas,p. 153, Lis boa, 1812.

6 É cu ri o so no tar que Tho mas Mo rus es cre veu a sua cé le bre Ilha da Uto pia, 1517,fan ta si an do o re la to de um dos 24 com pa nhe i ros de Ves puc ci...

A dis pu ta dos po vos na ve ga do res fez com que Por tu gal lhedes se as so bras do seu im pé rio tran so ceâ ni co: o Bra sil, ini ci al men te, foiobra da emu la ção in ter na ci o nal. Entre per dê-lo e res guar dá-lo, ado tou aCor te de Lis boa o al vi tre de trans for má-lo numa co lô nia de co mér cio.7

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 29

7 Vd. FRANCISCO D’ANDRADA, Chro ni ca do muy to alto e muy to po de ro so rey des tesRe i nos de Por tu gal Dom João o III, IV, 130, Co im bra, 1796. Re fle ti am esse des pre zo pelo Bra sil os cro nis tas das “Dé ca das”. CAMÕES não re ser vou es pa ço nos Lu sía -das para o Bra sil...

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IIA Expe riên cia Fe u dal

Acon te ceu que os ju de us fo ram obri ga dos a emi grar, aço i ta dos por uma per se gui ção fe roz (1506). O seu ins tin to mer can tiladi vi nha ra as ri que zas na tu ra is do Novo Mun do. Te ri am aqui tran qüi li -da de e se gu ran ça. O San to Ofí cio não os in qui e ta ria.8 Para o ori en tefo ram os guer re i ros: para o Bra sil, os pa cí fi cos cris tãos-no vos. Fer nãode No ro nha, em 1503, con tra tan do o co mér cio do pau-bra sil,9 pre co ni -zou essa co lo ni za ção he bra i ca: era ju deu, como tan tos po vo a do res dePer nam bu co e da Ba hia no I sé cu lo. À mo bi li da de, à fa ci li da de de adap ta çãoe à hu mil da de de vida, jun ta vam aque les imi gran tes a vir tu de da pa ciên cia.Qu an do só se pen sa va em mi nas de ouro e no es cam bo das dro gasori en ta is, eles agri cul ta ram a ter ra, ad mi ran do a se me lhan ça da sua flo racom a de S. Tomé, de ram à con quis ta do Bra sil um as pec to pu ra men teagrí co la, e lhe de ter mi na ram o des ti no.

Entre o Cabo Frio e o de S. Ro que, as pri me i ras na ve ga çõesde li mi ta ram a zona da ma de i ra, a cujo trá fi co se en tre ga ram, de 1503 a

8 So bre a isen ção do S. O. que ti nham os cris tãos-no vos, vd. SIMONEMMARQUES, Bra sí lia Pon ti fí cia, I, 286, Lis boa, 1749.

9 O ho mem que vi nha ao Bra sil, a fa zer ma de i ra de tin ta, era “bra si le i ro”. Como o por tu guês, que pas sa va ao Peru, era “pe ru le i ro” (Diá lo go das Gran de zas, edi ção daAcad. Bras., p. 37).

1531,10 qua se li vremen te, umas e ou tras aca ma ra da das dos gen ti os,expedi ções por tu gue sas e fran ce sas. Foi a épo ca da ex tra ção, que pre cedeuà do cul ti vo, à do co mér cio, que an te ce deu à da la vou ra, por isto ca pi tu -la da na his tó ria ge ral das na ve ga ções. Os ín di os dis tin gui am por tu gue ses e fran ce ses pela bar ba: os lo i ros eram fran ce ses, como se vê da re la çãoda viagem de Gon ça lo Co e lho (“...e ti nham qua se to dos a bar baruiva...”).11 Hans Sta den con fir ma: “Dis se ram-me que se ti nha bar baver me lha como os fran ce ses, tam bém ti nham vis to prtu gue ses comigual bar ba, mas eles ti nham ge ral men te bar bas pre tas.”12 Os na vi ospar ti am de Hon fle ur (como o “Espo ir”, 1503), Di ep pe (nau “Bre toa”,1511, João Ango), S. Malô, San Lu car (So lis, 1514), Co ru nha (D. Ro drigode Acu ña, 1525), Lis boa ou Por to, in dis tin ta men te, ar ri ban do ao Bra silcomo a “ter ra de to dos”, que já in te res sa va aos por tos da Bre ta nhaquan do a di plo ma cia por tu gue sa achou con ve ni en te in ter vir. Em 1520Scho ener di vi dia a Amé ri ca aus tral em duas par tes: “Bra sí lia sine papagal li”e “Bra sí lia in fe ri or”.13

O PAÍSO país era ale gre, os ares sãos, os ín di os do má ve is, pois con se -

gui ram vi ver com eles al guns de gre da dos, como o “ba cha rel de Ca na -néia” (1502-1530), um es pa nhol que foi en con tra do, en tre po ti gua res,de be i ços fu ra dos, o Ca ra mu ru na Ba hia, João Ra ma lho no sul, de po isMar tim So a res Mo re no no Ce a rá. Os por tu gue ses aí des fru ta vam sa ú de: o pi lo to de Fer não de Ma ga lhães, por tu guês, an tes de gui ar-lhe a ar ma da à vol ta do mun do, mo ra ra no Bra sil qua tro anos: um seu fi lho, tido deuma ín dia, o acom pa nhou na gran de vi a gem. Ves puc ci jul ga ra-o como a um pa ra í so: “Ter ra mui sa lu tí fe ra...”, acres cen ta ria Gânda vo.14

Urgia, pois, de fen der o Bra sil, ga ran tin do a pos se por tu gue sa:em 1516 foi man da do, com dois na vi os, Cris tó vão Jac ques, para po li ci ara cos ta e de i xar em al gum sur gi dou ro fe i to ria, à moda das de Áfri ca.

32 Pe dro Calmon

10 Vd. J. F. de ALMEIDA PRADO, no seu eru di to en sa io Pri me i ros Po vo a do res do Bra sil, p. 43 e segs., S. Pa u lo, 1935.

11 PORTO SEGURO, His tó ria do Bra sil, 3ª ed., I, 100.12 Vi a gem ao Bra sil , ed. da Acad. Bras., p. 87, Rio, 1930.13 SIEG. GUNTHER, La Epo ca de los des co bri mi en tos, p. 39, Bar ce lo na, 1916.14 Tra ta do da Ter ra do Bra sil, ed. da Acad. Bras., 1923.

Fun dou-a em Per nam bu co. Essa fe i to ria flo res ceu; o ca pi tão Pero Ca pi co ex pe ri men tou a plan ta ção de ca nas-de-açú car e che gou a ex por tar al gum,em 1521 – o pri me i ro açú car fe i to na Amé ri ca; po rém de ca iu, en tre1521 e 1530, tal vez por fal ta de gen te, sen do afi nal des tru í da por umga leão fran cês.

Cou be a Mar tim Afon so de Sou za, em 1530, ca çar os cor sá ri os fran ce ses, re a vi var os ves tí gi os do do mí nio de Por tu gal e le van tar ou traspo vo a ções, prin ci pal men te no rio da Pra ta, já pro cu ra do pe los na ve gan tes es pa nhóis.

A ex pe di ção, con fi a da a um fi dal go po de ro so, de via tra çar nage o gra fia ame ri ca na o mapa po lí ti co. De mar ca ria a co lô nia, dis tri bu i riapela cos ta os po vo a do res, da ria às fe i to ri as um sis te ma ad mi nis tra ti vo eex pul sa ria os tra fi can tes, es tran ge i ros. Duas naus, um ga leão e duas ca ra -ve las bas ta ram para o em pre en di men to, que ain da os na vi os por tu gue sesti nham so bre os es tran ge i ros a van ta gem da pe sa da ar ti lha ria, que osou tros na ve gan tes não lo gra vam mon tar nos seus bar cos – e fora umadas ra zões do su ces so náu ti co-mi li tar de Vas co da Gama e dos ou trosal mi ran tes da Índia.15

Em Per nam bu co, to mou Mar tim Afon so três na vi os franceses;mandou dali para o nor te, na di re ção do Ma ra nhão, a plan tar pa drões de posse, Di o go Le i te, com duas ca ra ve las (des co briu este a cos ta leste-oeste até a baía de Gu ru pi); e se guiu para o sul, no rumo fran co do rio da Pra ta,fim da sua vi a gem, por que era con si de ra do o li mi te me ri di o nal doBrasil. Na Ba hia en con trou o vi a nês Di o go Álva res, pe los tu pi nam báscha ma do de “ca ra mu ru”, que era como o che fe do lu gar, ca sa do comuma fi lha do mo ru bi xa ba (Ca ta ri na Pa ra guaçu) e com lar ga des cen dên ciama me lu ca. Re fe re a tra di ção que esse por tu guês, náu fra go de 1509, forade po is à Fran ça num na vio de co mér cio e lá ba ti za ra a mu lher, dan dotam bém ao re pre sen tan te de D. João III, rei de Por tu gal, com ple tosin for mes da ter ra do Bra sil.

MAR TIM AFON SOSa be mos, to da via, que a ins tân ci as do dou tor Di o go Gou vêa,

di re tor de um co lé gio céle bre de Pa ris, D. Ma no el e D. João III não aban -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 33

15 GARCIA DE REZENDE, Crô ni ca de D. João II , cap. 181.

do na ram o Bra sil, en vi an do em seu so cor ro as es qua dras de 1516 e de1530: res ta va in da gar a ori gem de tão cer to co nhe ci men to da Amé ri ca quete ria o dou tor, des ta ca do, como um em ba i xa dor co mer ci al, na cor te fran ce sa.

A Ba hia, pois, es ta va ocu pa da.Mar tim Afon so sur giu no Rio de Ja ne i ro, onde le van tou casa

for te e fez ex plo rar o país, du ran te dois me ses, por qua tro ho mens; equa tro me ses de po is foi fun de ar em Ca na néia. Expe diu dali uma for çade 80 ho mens, em com pa nhia de um “lín gua” que achou na ter ra,Francis co de Cha ves, a di zer que po dia en tre gar 400 es cra vos car re ga dos de ouro e pra ta. Essa gen te não vol tou; pa re ce que a tru ci da ram oscarijós dos cam pos de Cu ri ti ba.

Des ceu mais Mar tim Afon so, sem pre à vis ta da cos ta: a suaca pi tânea en ca lhou na al tu ra do Chuí, hou ve de de sis tir da su bi da do rioda Pra ta, mis são em que in ves tiu Pero Lo pes, seu ir mão, au tor do “Diá rio da Vi a gem” – e vol tou a S. Vi cen te. De pa rou aí João Ra ma lho, tão iden -ti fi ca do com os go i a na zes como Ca ra mu ru com os tu pi nam bás, e lan çouos fun da men tos de uma ver da de i ra co lô nia, a pri me i ra que se cons tru iuà boa ma ne i ra por tu gue sa.

Uma vila não che ga va; le van tou ou tra na fron te i ra à mar gemda ilha de S. Vi cen te.

Era a por ta do Bra sil.A ci vi li za ção fran que ou-a, para ga nhar o in te ri or, pla nal to

aci ma, des do bran do-se so bre os cam pos que se es ten di am, aber tos, atéas pa ra gens es pa nho las, o Pa ra guai ou o Peru: no nor te, igual pa pelde sem pe nha ram as fe i to ri as da Ba hia e de Per nam bu co.

Em sen ti do di ver gen te alar ga ram o me ri di a no por tu guês: oli mi te de Tor de si lhas foi bur la do ain da em 1530. Expe ri men ta va-se ane ces si da de de dar à pos ses são uma fron te i ra na tu ral con si de rá vel.

Por isso Mar tim Afon so – como Cris tóvão Ja cques – cos te a ra o Bra sil até o Pra ta; por isso as na ve ga ções para o nor te pro cu ra rampro gres si va men te o Ama zo nas, “mar dul ce” de Pinzón, que os cas te lha nosdo Peru des ce ram pri me i ro.

A de fi ni ção do país an te ce deu ao seu apro ve i ta men to; àsex pe di ções de con tor no se se gui ram as de fi xa ção. Em 1530 Mar timAfon so fa zia car to gra fia; em 1534 cri ou o Esta do. Mer cê da sua vi a gem,

34 Pe dro Calmon

por mu i to tem po se cha mou “do Bra sil” a mar gem es quer da do rio daPra ta. Uma car ta d’el-rei da Espa nha, de 1594, fa la va em “po blar un pu e -blo en esas pro vín ci as a la ban da d’el Bra sil”…16

CA PI TA NI ASA di vi são em ca pi ta ni as era uma lem bran ça fe u dal ajus ta da ao

sen ti men to do tem po. Os fi dal gos po bres do re i no dis pu ta vam al gu mase nho ri a gem para o seu pa tri mô nio des fe i to, e só em ul tra mar el-rei lhes da ria, por que se po vo as sem as co lô ni as. Na Índia as mes mas con ces sõespren di am os guer re i ros, que lá iam en ri que cer e bri gar. Nem el-rei gosta va da sua fa zen da, nem re cor ria a me di das vi o len tas para co lo ni zar o Bra sil: dis tri bu ía-o em fe u dos de 100 e 50 lé guas de li to ral.

A pri me i ra do a ção foi em 14 de mar ço de 1534.Dos ca pi tães es co lhi dos, mi li ta ram al guns na Índia e eram bra vos

sol da dos: Du ar te Co e lho (Per nam bu co), Fran cis co Pe re i ra Cou ti nho (Ba hia),Ai res da Cu nha (o nor te), Vas co Fer nan des Cou ti nho (Espí ri to San to);Mar tim Afon so e seu ir mão Pero Lo pes fi ca ram com S. Vi cen te e San toAma ro; Por to Se gu ro cou be ao rico vi a nês Pero do Cam po Tou ri nho;Ilhéus ao es cri vão da fa zen da da Cor te Jor ge de Fi gue i re do Cor re ia; a cos tales te-oes te a Fer nan do Álva res de Andra de, te sou re i ro-mor do Re i no, a Joãode Bar ros, o his to ri a dor e àque le Ai res da Cu nha e Antô nio de Bar ros Car -do so; e Pa ra í ba do Sul a Pero de Góes, com pa nhe i ro de Mar tim Afon so.

O AÇÚ CARApe nas duas ca pi ta ni as vin ga ram.A não ser em S. Vi cen te e Per nam bu co, fra cas sa ram to das as

em pre sas, de gran des ca be da is, – iní cio do de sen vol vi men to mun di al doco mér cio – que se apli ca ram a ex plo rá-las: ou por que os por tu gue ses sósa bi am tra ba lhar para si, não para ca pi ta lis tas, que, à moda de Ho lan da,es pe ra vam em Lis boa o seu pro ven to, ou por que não se an te ci pa ra aostra ba lhos um re co nhe ci men to da ter ra e sua efe ti va ocu pa ção. Assim em Ilhéus, Lu cas Gi ral des, que com prou a ca pi ta nia ao seu do na tá rio, fezedi fi car oito en ge nhos, e tan to foi rou ba do pelo fe i tor (que de po is se es -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 35

16 LUIS ENRIQUE AZAROLA GIL, La Epo pe ya de Ma nu el Lobo, p. 31, Bu e nos Ai res, 1931.

ta be le ceu no re côn ca vo com en ge nho pró prio) como pe los ai mo rés, que tudo per deu. Entre tan to, pró xi mos da que le flo res ce ram ou tros en ge -nhos, de co lo nos. Em Por to Se gu ro o Du que de Ave i ro, que ad qui riu aca pi ta nia a seu dono, igual men te man dou cons tru ir vá ri os en ge nhos,que pe re ce ram. Vas co Fer nan des Cou ti nho, do na tá rio do Espí ri to San to e ho mem opu len to, in ver teu a ri que za gran je a da na Índia em en ge nhospo de ro sos, e de tal for ma lhe o ata cou o gen tio, que mor reu sem len çolpara a mor ta lha. Des gra ça ma i or ocor reu ao ca pi tão da Ba hia, que gas -tou numa boa fro ta a sua for tu na, co me çou dois en ge nhos, teve-os de -mo li dos pe los tu pi nam bás e aca bou tru ci da do por eles, após um na u frá -gio, na ilha de Ita pa ri ca.

Per nam bu co e S. Vi cen te pros pe ra ram, por que à in te li gên ciados seus po vo a do res se ali ou o in te res se dos ne go ci an tes.

A ca na-de-açúcar, trans plan ta da “das ilhas da Ma de i ra e doCabo Ver de”, dera tão bem ali que não re cla ma va rega, nem ter ra alta,nem adu bo, como nos sí ti os de ori gem.17 Pas sa ram a ser duas gran deses tân ci as de açú car; e de tal for ma a la vou ra pro gre diu, que em pou cosanos os po bres co lo nos que vi e ram com Du ar te Co e lho, eram ho mensabas ta dos, per du lá ri os e mag ní fi cos, dis si pan do com os seus cô mo dosuma ren da pin gue, que de ano a ano se re no va va com as sa fras cres cen -tes. É de 1546 o iní cio das ex por ta ções de Per nam bu co. Cri a ra-se umari que za-padrão, e, con se qüen te men te, uma aris to cra cia co lo ni al.18

O lu cro do açú car foi es pan to so, por que à sim pli ci da de dain dús tria, com o tos co en ge nho de água ou o de “tra pi che” mo vi do porbois, se jun ta va co pi o sa mão-de-obra, pri me i ra men te de ín di os ca ti va dos,de po is de ne gros de Gu i né.

Em S. Vi cen te, Brás Cu bas, pro cu ra dor de Mar tim Afon so,in tro du ziu o “mon jo lo”, que vira na Chi na. Não ha via má qui na maissin ge la que esse “pi lão d’água”, que pi sa va o mi lho: tor nou-se o apa re -lho usu al do ro ce i ro.

36 Pe dro Calmon

17 GABRIEL SOARES, Tra ta do Des cri ti vo, p. 154 (Edi ção Var nha gen).18 Con fir ma ção da Lei de Mon tes qui eu – e de al gum modo de Bo rin – quan to às

ins ti tu i ções, de cor ren tes do as pec to do solo.

O en ge nho de açú car foi a fá bri ca aris to crá ti ca. Cir cu lou porisso um adá gio: “Quem qui ser o Bra sil do Bra sil, tra ga o Bra sil para oBra sil” – isto é, o ca pi tal, re pre sen ta do pe los es cra vos.19

Os pró pri os go ver na do res-gerais, con ti nu an do a tra di ção dosdo natári os, ne go ci a ram fran ca men te em açú car, des de Mem de Sá, atéDiogo Luiz de Oli ve i ra, a quem D. Luiz de Cés pe des acu sou de abar ro taros na vi os com a sua ex clu si va mer ca do ria. Ne go ci a ram os mi li ta res, como os ca pi tães do for te de Re ci fe, que ti ve ram ta ver nas até 1602, man da dasfechar pelo Gover na dor Di o go Bo te lho; 20 ne go ci a ram os de sem bar ga dores, os fi dal gos des ter ra dos, como D. Fran cis co Ma no el de Melo, os je su í tas, e as or dens re li gi o sas, os fun ci o ná ri os do Esta do, to dos.

Flo res ce Por tu gal. A sua mo e da tor na-se a mais co nhe ci da daEu ro pa.21

OS ENGENHOSMar tim Afon so, em 1532, as so ci a ra-se a um ho lan dês, Eras -

mo Schetz, para mon tar o seu en ge nho, o “dos Eras mos”, o mais fa mo -so do Bra sil por aque le tem po. Pa re ce que o mes mo Schetz lhe deu ospla nos; tam bém era o in ter me diá rio para os mer ca dos fla men gos. Enri -que ceu de tal modo a fir ma que ele fun dou em Ho lan da, para ven der oaçú car de S. Vi cen te, que os Schetz se eno bre ce ram e, pelo cor rer do sé -cu lo, se tor na ram em fa mí lia du cal (de Usel).22 Moía-se cana em Per -nam bu co, em 1538, po rém de cer to pelo sis te ma da ilha da Ma de i ra,23

onde a pro du ção do açú car or ça ra em cen to e vin te mil ar ro bas no fimdo re i na do de D. Ma no el.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 37

19 Cf. me mo ri al ho lan dês, 1641, Re vis ta do Inst. Arche ol. Per namb., V, p. 168.20 Re vis ta do Insti tu to Hist., v. 73, vol. 5º, par te I, 139.21 Sha kes pe a re, in Othe lo, faz Des dê mo na ex cla mar: “Be li e ve me I had rat ter fave lost

my pur se Full of cru za do es.” (Act 3. sc. IV.)22 FERNANDO DONNET, No tes... à l’histoire des émi gra ti ons des Anver so is, etc. in

Pu bli ca ções do Arqui vo Na ci o nal, XIV, 30-1. O en ge nho de S. Jor ge dos Eras mosfoi man da do ven der pe los ne tos de Eras mo Schetz em 1593: pe di am por ele de12 a 14 mil du ca dos.

23 Du ar te Co e lho de cla rou, em 1549, ter man da do bus car ho mens prá ti cos “a Por tu gale a Ga li za e às Ca ná ri as às mi nhas cus tas e al guns que vêm a fa zer os en ge -nhos...”,(CAPISTRANO DE ABREU, nota a Por to Se gu ro, I, 230-1). D.João III man da ra pas sar ao Bra sil vá ri os la vra do res de ca nas das ilhas.

Na vila de Ma chi co (don de pas sa ram à Ba hia, em 1549, al gunsfi dal gos-agri cul to res, que na que le mes mo ano co me ça ram aqui o plan tio das ca nas,24 à pren sa ma nu al, an te ri or a 1542, su ce de ra o en ge nhod’água, e para aten der aos pe que nos la vra do res ha via o “la gar do prín ci -pe”, co mum a eles me di an te cer to im pos to (um ter ço do gê ne ro pro du -zi do), como no Bra sil se pra ti cou com os “en ge nhos re a is”, de que nosdão no tí cia Ga bri el So a res e Frei Gas par de Ma dre de Deus.25

O me ca nis mo pri mi ti vo só foi mo di fi ca do no go ver no deD. Di o go de Me ne zes (1608-1612) quan do um clé ri go es pa nhol do Peru trou xe um tipo de mo en da cons tan te de três ci lin dros ver ti ca is, “que por meio de en tro sas se fa zi am gi rar com ro ta ção do ci lin dro do meio”.

Um con jun to de cir cuns tân ci as pro pí ci as pro te geu a nas cen tein dús tria.

O açú car fora ace i to por toda a Eu ro pa como um con di men -to in dis pen sá vel. Ain da em 1577 o Rei D. Se bas tião en can ta va a Cor tede Espa nha com do ces e ou tras gu lo se i mas de açú car, co i sa rara emCas te la se gun do o cro nis ta.26 O pre ço, tão de pri mi do em 1497 que forael-rei for ça do a re du zir as ex por ta ções de Ma de i ra, su bi ra ao do bro outri plo nos mer ca dos de Flan dres (prin ci pal en tre pos to – e daí um ve lhoin te res se ho lân des pelo Bra sil), de Ve ne za e Ingla ter ra. As pe dras do Ma -la bar e o ouro de So fa la es go ta vam-se; mas os ju de us, que ven di am açú -car, en ri que ci am, a ter mos de es ten der-se a cul tu ra da sa ca ri na pe losAço res e Ca ná ri as, fe bril men te fo men ta da, a ocu par gran des or ga ni za ções fi nan ce i ras que te ci am, en tre vá ri as pra ças eu ro péi as, a rede do cré di to.

Du ar te Co e lho con tou em Per nam bu co com o au xí lio da que les ca pi ta lis tas-co mis sá ri os; sub-ro ga vam-se nas res pon sa bi li da des dogo ver no para in ten si fi car, cri ar uma eco no mia, que lhes de vol veu comalto juro os cru za dos do em prés ti mo. Não hou ve me lhor ne gó cio na

38 Pe dro Calmon

24 Car tas do Bra sil, p. 89, ed. da Acad., Rio, 1931.25 Mem. para a hist. da ca pi ta nia de S. Vi cen te, ed. Ta u nay, p. 171. Tam bém os “Diá lo gos

das Gran de zas do Bra sil”: os mais ri cos têm en ge nhos com tí tu los de se nho resde les, nome que lhes con ce de Sua Ma jes ta de em suas car tas e pro vi sões, e osde ma is têm par ti das de ca nas...” (Edi ção da Acad. Bras., p. 33). Já em 1549 Du ar teCo e lho di zia que os mais po de ro sos fa zi am en ge nhos, ou tros os ca na vi a is...(CAPISTRANO, nota a Por to Se gu ro, I, 230).

26 Frei BERNARDO DE BRITO, Crô ni ca de el-rei D. Se bas tião, p. 166, Lis boa, 1837.

épo ca – e os im pul sos des sa co bi ça re sol veu D. João III a dar ao Bra silum go ver no re gu lar. Em 1549, de po is de ter com pra do aos her de i ros de Fran cis co Pe re i ra Cou ti nho a ca pi ta nia da Ba hia, man dou Tomé deSou za fun dar a ca pi tal da co lô nia.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 39

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

IIIA Colonização – As suas De ter mi nan tes

e os seus Rumos – O Homem

Até 1549 o Bra sil era pou co mais que as duas fe i to ri as açu ca re i ras, S. Vi cen te e Per nam bu co, cons trin gi das am bas pelo gen tio, euma sé rie de pe que nos es ta be le ci men tos iso la dos no li to ral, vi ven dodas suas tran sa ções com os sel va gens, ora ami gos e bran dos, ora ad ver -sá ri os im pla cá ve is, e da ex tra ção da ma de i ra, prin ci pal ou úni ca ri que za,de Ita ma ra cá para cima.27

Não se sa bia onde aca ba va aque la cos ta, nem o que ha viano in te ri or. No Nor te, os ín di os, no Sul, a ser ra do Mar, im pe di amain da uma pe ne tra ção; for ça era con quis tar du pla men te a ter ra, fe cha dae de fen di da, à po pu la ção in dí ge na que va ga va à som bra das mon ta nhase das flo res tas. A cri a ção de um go ver no ge ral, tra zen do, com a “ci da de”o je su í ta – a ca te que se re li gi o sa a par de um mé to do de ocu pa ção –re sol via a um tem po o pro ble ma da pos se – e da paz, en tre fo ras te i -ros e ca bo clos. A co lo ni za ção tor nou-se pron ta men te as so ci a ti va eex pan si va.

27 CAPISTRANO, Nota a Por to Se gu ro, 1, 228.

BA HIAO gê nio co lo ni al por tu guês nada mais belo ima gi nou do que a

ca pi tal do Bra sil qui nhen tis ta, le van ta da, en tre 29 de mar ço e 6 de agos tode 1549, com toda a sua apa re lha gem mu ni ci pal, numa co li na so bran ce i ra à baía de To dos os San tos.

Os seis je su í tas que acom pa nha ram o go ver na dor re pre sen -ta vam a or dem ecle siás ti ca.

Tomé de Sou za, com os seus tre zen tos e vin te ho mensd’armas (que to dos logo de po is se tor na ram agri cul to res), era o Esta domi li tar. Qu a tro cen tos degr eda dos (afi nal as si mi la dos pela so ci e da de in ci -pi en te) for ma vam o povo. Uma ve re an ça ex tra or di ná ria, ele i ta se gun doas pra xes dos con se lhos de Por tu gal, trans por ta ra para o Bra sil a en ti da de co mu nal. Ti nha Sal va dor – nome que D. João III deu à “ci da de” – milal mas, e já os ca se bres de ta i pa, se gun do o seu des ti no, eram “paço dogo ver no”, “ca sas do con se lho”, “al fân de ga”, “ca de ia”.28

Em qua tro me ses fi xa ra-se aque la gen te num sí tio de fen sá velpor qua tro fa ces,29 mu ra ra-o, ar ru a ra-o, abri ga ra ali uma ad mi nis tra ção,er gue ra a sua “Sé de pa lha” (a igre ja da Aju da), ar ti lha ra a mu ra lha, porsi nal tão pro vi só ria que em vin te anos de sa pa re ceu, e ins ta la ra umaca pi tal, com o seu fun ci o na lis mo, a sua jus ti ça, os seus ar ma zéns. Deco me ço, tra ba lha ram to dos, na pro mis cu i da de mais com ple ta, não sefur tan do o go ver na dor, ao lado dos pa dres, a aju dar os ar tí fi ces, comose uma vida nova aca bas se aqui pri vi lé gi os e di fe ren ças de Por tu gal.

“Um pu nha do de fa ri nha e um ca ran gue jo nun ca nos podefa ltar no Bra sil”, ha via de di zer o Pa dre Vi e i ra.

Essa idéia de vida nova é a im pres são ini ci al do co lo no aoem bar car para a sua lon ga tra ves sia. O oce a no era mais que uma dis tân cia;era uma ci são. Des de as pri me i ras ex pe di ções, o eu ro peu que imi groufez na Amé ri ca uma vida em tudo di ver sa da que ti ve ra até en tão. Deacor do com o meio, o cli ma, a gen te que en con trou na Amé ri ca. “Ultraequi noc ti a lem non pec ca ri”. – Ele trans for mou-se.

42 Pe dro Calmon

28 Em 1563 o co lé gio da Com pa nhia co me çou a ser cons tru í do em for ma de fi ni ti va.A Aju da es ta va pron ta, de pe dra e cal, dez anos de po is. As obras do Paço do Go -ver na dor fi ca ram con clu í das em 1623 (Do cu men tos His tó ri cos, XX, 48).

29 FRANCISCO D’ANDRADA, Crô ni ca de D. João III, I v., 132.

RA ÇASO ho mem...O ho mem era o por tu guês – o ma ri nhe i ro das ar ma das, o

co lo no, cam po nês lo i ro do nor te de Por tu gal, ne go ci an te mo re no,ju deu ou mou ro, ho mem d’armas de Lis boa... (pro du to de mu i tasra ças his tó ri cas, po rém ge ral men te bran quiói de, ner vo so, in qui e to,“homo Me di ter ra ne us”) –. Era o ín dio –. E era o ne gro.

O ÍNDIOO ín dio fa la va, na ma i or ex ten são da cos ta, uma lín gua co mum:

o tupi. Mas as suas pro ce dên ci as eram vá ri as, seus ti pos an tro po ló gi cosdi ver sos, como dis tin ta a sua cor (ha via “aba jus” e “aba ú nas”, cla ros ees cu ros), pe cu li a res os seus cos tu mes, o idi o ma in con fun dí vel. O tupili to râ neo foi o ini mi go vir tu al do ta pu ia ser ta ne jo, que ele ven ce ra nasre giões ri be i ri nhas, re pe lin do-o para o in te ri or. O ta pu ia era o gen tio das lín guas tra va das, o que não per ten cia à co mu ni da de tupi e vi via maisbar ba ra men te do que o ín dio da cos ta, pos to em en ten di men to com osbran cos, e por es tes in flu en ci a do des de as pri me i ras vi a gens.

Os gru pos in dí ge nas prin ci pa is se ri am (se gun do Mar ti us):I. Tu pis e gua ra nis – os guer re i ros; II. Gés ou Crans – os

ca be ças; III. Guck ou Coco – os tios; IV. Crens ou Gu e rens – os ve lhos; V. Pa re cis ou Po ra gis – os de cima; VI. Go i ta cás – os cor re do res damata; VII. Aru ak ou Aro a quiz – a gen te da fa ri nha; VIII. Len go as ouGu a i curus – os ca va le i ros; IX. Índi os em tran si ção para a cul tu ra e alín gua por tu gue sa.30

Von den Ste i nen re fun diu aque la clas si fi ca ção, iden ti fi can do,além de tu pis e gés (ou tu pis e ta pu i as, que são os gru pos pro pri a men tehis tó ri cos), os ca ra í bas, ou nu-aru aks, os go i ta cás, os pa nos, os mi ra nhas e os gua i curus.

Esten dem-se os ca ra í bas (vin dos das Anti lhas) pela ba ciaama zô ni ca ten do al can ça do, no sé cu lo XVII, a mar gem nor te do rio deS. Fran cis co: ca ra í ba era a tri bo dos “pi men te i ras”, do sul do Pi a uí. Os

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 43

30 Vd. a si nop se de RODOLFO GARCIA, Etno gra fia, Dicc. do Inst. Hist., I, 251; e a sú mu la do as sun to por ANGYONE COSTA, Intro du ção à Arque o lo gia Bra si le i ra,cap. III, S. Pa u lo, 1934.

nu-aruaks, mo di fi ca dos pe las ci vi li za ções ame ri ca nas do gol fo do Méxicoou do Peru, de ram o ho mem de Pa co val, o mais pe ri to ole i ro den tre todosos in dí ge nas, cuja ce râ mi ca ma ra jo a ra (na em bo ca du ra do Ama zo nas,onde po di am ter en ca lha do res tos da cul tu ra in cá si ca es co a dos rio abaixo),é sem igual na ar que o lo gia bra si le i ra. Pa nos e Mi ra nhas são po vosdisper sos pe las flo res tas de Mato Gros so e de vá ri os aflu en tes doAmazo nas. Aos pri me i ros per ten cem os ca-xinauás. Por fim os gua i -curus, os ín di os ca va leiros do pam pa, er ran tes en tre os cam pos do RioGran de do Sul e os pan ta na is do Pa ra guai, for ma vam uma ex ce ção,própria ao seu meio pas to ril e ao con ta to de ou tras tri bos san gui ná ri as,como os pa i a guás, na bar bá rie con ti nen tal.31

O tupi era o mais as si mi lá vel e in te li gen te. Pes ca va, na ve ga vanas suas ca no as mo nó xi las ou en tran ça das de pa lha, era igual men te agri -cul tor, cul ti van do em ro ças tem po rá ri as a man di o ca, o mi lho, a ba ta ta, o fumo, e as mu lhe res co zi am o bar ro, em que mol da vam um tos co va si -lha me, me lhor do que a “cuia” dos ta pu i as, e te ci am fi bras mo les para as re des (toda a sua co mo di da de) e os or na men tos.32 Cons tru íam ca sas deco i va ras, co ber tas de pin do ba, – em ge ral vas tas ca ba nas que com por ta -vam até trin ta fa mí li as, e as suas al de i as ti nham ao re dor pa li ça das, queas de fen di am. Não co nhe ci am a pro pri e da de par ti cu lar, nem ou tra eco -no mia co le ti va além da con ser va ção da caça ou da pes ca mo que a da, parao in dis tin to con su mo da tri bo. O que era de um era de to dos.33

O ta pu ia, en tre tan to, de sa fe i to à agri cul tu ra, er ran do pe losma tos, des co nhe cen do a rede, po rém dis pon do de ar mas mais per fe i tasque os tupi-gua ra nis – nem cons tru ía aque las al de i as nem se mos tra vaaces sí vel ao co mér cio dos ci vi li za dos.34 Fos se por que eles se ali a ram aos

44 Pe dro Calmon

31 Vd. A. METRAUX. La ci vi li sa ti on ma té ri el le des tri bus túpi-gua ra ni, Pa ris, 1926; e La ci vi li sa ti on ma té ri el le et la vie so ci a le et re li ge u se des in di ens de le Bré sil me ri di o nal , Rev. doInst. de Etno lo gia. Tu cu man, 1930, tom. I.

32 His to i re vé ri ta ble d’un vo ya ge cu ri e ux fait par ULRICH SCHMIDEL de Stra u bing, dansl’Amérique ou le nou ve au mon de, Nu rem berg (1599), p. 244. Vd. a sín te se deANTONIO SERRANO, His to ria de la Na ci on Argen ti na, I, 532, Bu e nos Ai res,1936.

33 PADRE MANOEL DA NÓBREGA, Car tas do Bra sil, edi ção da Aca de mia, I,p. 91; HANS STADEN, Vi a gem ao Bra sil, cap. XX; GABRIEL SOARES, Tra ta doDes cri ti vo, edi ção Var nha gen, p. 318.

34 GONÇALVES DIAS, O Bra sil e a Oce a nia, págs. 63 e 74, ed. Gar ni er.

tu pis, seus ini mi gos re mo tos, fos se pelo seu in su pe rá vel pen dor guer re i ro, o ta pu ia con ti nu ou a ser, pelo tem po adi an te, o “hos til”, o “ad ver sá rio”,o “sel va gem”, a quem se ha via de ex ter mi nar, não de apa zi guar.

As mais fe ro zes guer ras fe i tas pe los co lo nos aos in dí ge nasvi sa ram os gés – do Nor des te (Ce a rá, Rio Gran do do Nor te, Pa ra í ba, rio de S. Fran cis co e Pi a uí), do Espí ri to San to e Por to Se gu ro (ai mo rés) eCam pos de Go i ta ca ses, da ba cia do Pa ra ná (gua i curus, co li ga dos compa i a gua ses nos rios Pa ra guai e Gu a po ré).

A arma pre di le ta do tupi era o ta ca pe ou es pa da-maça, queThe vet e Léry des cre ve ram, fa bri ca da de uma dura ma de i ra e com o pu -nho em bru lha do em te ci do de pa lha (“ata ra bé bé”). Mas o ta pu ia de pre fe -rência usava a aza gua ia, ou dar do de ar re mes so, e como de fe sa a “ro -de la”. Distin guia-se ain da pelo uso de bo do ques nos lá bi os e ore lhas,inap ti dão para pes ca ou a na ve ga ção, na qual só em pre ga va a bal sa, e ohá bi to da dor mi da na flo res ta, jun to de uma fo gue i ra, sem a cho ça nema rede dos tu pis. Daí – di zi am os cro nis tas – se rem in ven cí ve is os ta pu i as, nômades, que não ofe re ci am aos co lo nos uma re sis tên cia fixa, nem ti nhampovoa ções onde pu des sem ser ata ca dos, como os gen ti os da cos ta.35

O NE GRODa Áfri ca vi e ra o ne gro para os tra ba lhos da la vou ra, em que

se mos tra ra su pe ri or ao ín dio. A eco no mia da co lô nia, os in te res ses doco mér cio e da Coroa, a pró pria re li gião (pois os je su í tas, de fen den doin tran si gen te men te a li ber da de dos in dí ge nas, acon se lha va a subs ti tu i ção de les, na roça, pe los ne gros da Gu i né) ori en ta ram para o Bra sil umami gra ção ne gra que, por três sé cu los, san grou os vas tos re ser va tó ri oshu ma nos d’África. Fo ram pri me i ra men te os ho mens da Gu i né (até1811), de po is os do Con go, já a par tir de 1548 os de Ango la,36 tra zi dosaque les à baía de Ca bin da, pelo rio Za i re, por “so bas”, ávi dos do tro co,e pre da do res por tu gue ses; em se gui da o trá fi co lan çou os bra ços a todaa pro vín cia de Ango la, e en vol veu o sul do con ti nen te, até Mo çam bi que,

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 45

35 GARCIA, Dic ci on. do Inst. Hist., I, 262.36 Doc. in VISCONDE DE PAIVA-MANSO, His tó ria do Con go, p. 84 – Lis boa,

1877. Do Co mér cio por tu guês, para Mina do Oro já fa la va Ves puc ci, 1508, Car -tas de Índia, p. 91, Ma dri, 1878.

tor nan do o ne gó cio de es cra vos o mais lu cra ti vo e am plo da ter ra. Ospró pri os ré gu los ven di am os ca ti vos, fe i tos por di ver sos mo dos, fos sempri si o ne i ros de guer ra ou con de na dos à es cra vi dão pe las suas dí vi das oupe que nos de li tos. Os ne go ci an tes só ti nham o tra ba lho de re co lhê-losaos por tos, onde em vas tos tra pi ches se acu mu la vam os pre tos, pos tosem fer ros, à es pe ra de na vio que os trans por tas se.

O seu pre ço era sem pre ín fi mo, em re la ção ao que ob ti nhamna Ba hia ou em Re ci fe. De co me ço, a mo e da cor ren te foi o bú zio do sulda Ba hia, mu i to apre ci a do pe los afri ca nos.37 De po is, com o de sen vol vi -men to das plan ta ções de ta ba co na Ba hia, pas sa ram a ser os ro los defumo o di nhe i ro em voga.

Três rolos de tabaco ordinário valiam um negro. Este mesmoescravo era vendido no Brasil por 150$ e 200$. Era “haussa”, “gêge” ou“nagô”, do norte, ou bantu do sul da África. O primeiro, belo tipo detrabalhador, distinguia-se pela sua religião muçulmana, em conseqüência deanterior comércio com os árabes: era um negro altivo, econômico, asseado,guerreiro; as suas tribos foram as mais belicosas da região do Níger. Os“gêges” eram fetichistas, como os demais africanos, e falavam uma línguageral, o “iorubá”, mais conhecida no Brasil pela designação de “nagô”,nome de um dos grupos de pretos da Costa dos Escravos, importados emgrande quantidade no decorrer dos séculos XVII e XVIII.38 Os “gêges”seriam preferidos para os serviços domésticos, alcançavam altos preçoscomo escravos dóceis, e formaram a mais densa população negróide dasnossas cidades, enquanto os pretos de piores qualidades (bantus), como os“congos”, eram mandados para minas e para os campos, onde o seucrescimento vegetativo foi por isso muito inferior ao dos “minas”.

A di ver si da de das lín guas (cujo es tu do a tão pou co in te res -sou)39e das ra ças, en tre os pre tos im por ta dos, sal vou o Bra sil de umacon quis ta afri ca na, que por ve zes o ame a çou, ape sar das de sa ven ças

46 Pe dro Calmon

37 FREI VICENTE DO SALVADOR, His tó ria do Bra sil, 3ª ed., p. 99.38 MARTIUS, Atra vés da Ba hia, trad. de Pi ra já da Sil va, 2ª ed., p. 96; NINA

RODRIGUES, As Ra ças hu ma nas, Ba hia, 1894, L’Animisme fé ti chis te des ne gres deBa hia, Ba hia, 1900; MANOEL QUIRINO, A Raça Afri ca na e os seus cos tu mes na Ba hia, Ann. do 5 º Con gres so Bras. de Ge ogr., vol. I; ARTUR RAMOS, Os Ho ri zon tes Mí ti -cos do Ne gro na Ba hia, Ba hia, 1932, e O Ne gro Bra si le i ro, p. 29, Rio, 1934.

39 Cf. me mo ri al do ar ce bis po da Ba hia, Re vis ta do Inst. Hist., vol. 65, I, 341.

ir re me diá ve is e re pug nân ci as que se pa ra vam aqui os es cra vos das vá ri aspro ce dên ci as, que ti nham ou tros cul tos e fa la vam ou tros di a le tos. Assim em Mi nas Ge ra is: uma gran de re be lião de es cra vos só fra cas sou por quean go las e mi nas que ri am reis di fe ren tes – di zia a car ta-ré gia de 18 deju nho de 1725.40 Na Ba hia to dos os le van tes de ne gros ti ve ram ames ma ca u sa de pron to ma lo gro.

INFLUÊN CIA INDÍ GE NADo ín dio ado tou logo o co lo no nu me ro sos há bi tos, aban do nan -

do os da Eu ro pa. Cons tru iu como ele a cho ça com a fi bra da em bi ra ou do tim bó. Assim Está cio de Sá, de sem bar can do no Rio de Ja ne i ro, em 1565,fez os “tu ju pa res, que são umas ten das ou chou pa nas de pa lha, para mo ra -rem...”.41 For ti fi cou-se como o ín dio, nas cer cas de pau-a-pi que. Ves tiu umfor ro de al go dão, em lu gar de cou ra ça, e que cons ti tu iu a de fe sa pre di le tados “ban de i ran tes”.42 Subs ti tu iu o tri go pela man di o ca. Apren deu a mo que ar a car ne, para con ser vá-la. Não quis ou tra cama além da rede, que era paraos tu pis o úni co tras te. A rede (“ban güê”) é tam bém a sua mor ta lha. A rede (“ser pen ti na”) é tam bém o seu ve í cu lo. No tra ba lho do cam po imi tou oín dio, der ru ban do e que i man do para a plan ta ção,43 e co bi çan do sem preter ras no vas, numa ocu pa ção pro gres si va do solo. Con quis ta do o Cabo, por exem plo, o do na tá rio de Per nam bu co “re par tiu as ter ras (dos ín di os ex pul -sos) por pes so as que as co me ça ram logo a la vrar, as qua is, como acha ramtan to man ti men to plan ta do, não fa zi am mais que comê-lo e plan tá-lo dames ma rama e nas mes mas co vas”.44 Os ser ta ne jos ain da ago ra an damcomo os ín di os, isto é, uns atrás dos ou tros, “por um car re i ro como for mi -gas”.45 Fu mam o mes mo pito. O seu ali men to para a jor na da é a mes ma“fa ri nha de guer ra”. A ca noa, com que pas sam os rios, é igual à ca noatu pi ca, de uso uni ver sal no Bra sil. O fe i ti ce i ro exer ce a mes ma in fluên cia ea te ra pêu ti ca ser ta ne ja é toda in dí ge na (a suc ção das fe ri das para ex pe lir omal, o em pre go de inú me ras er vas, as me zi nhas).

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 47

40 Anna es do Archi vo Na ci o nal, XV, 76.41 FREI VICENTE DO SALVADOR, Hist. do Bras., 3ª ed., p. 181.42 FREI VICENTE, ibid., págs. 57-59.43 GABRIEL SOARES, op. cit., p. 360.44 FREI VICENTE, ibid., p. 201.45 FREI VICENTE, ibid., p. 66.

Do ín dio, tem o ser ta ne jo a na tu ral im pre vi dên cia, a re sig na ção,a in ca pa ci da de de pou pan ça. A sua in dús tria ca se i ra (ba la i os, es te i ras,te ci dos de al go dão que as mu lhe res fiam, a ce râ mi ca de bar ro) é in dí ge na. Con ser va do ín dio a ati tu de ha bi tu al de des can so, de có co ras, a ma ne i rade tra ze rem as mães os fi lhos às cos tas, o je i to de des bra va rem o mato e des co brir-lhe as ve re das. Co mem na cuia, guar dam as re ser vas no jirau,de fu mam os le gu mes, como os tu pis o fa zi am no sé cu lo I; e a mododes tes, não be bem quan do fa zem as re fe i ções.

O co lo no con tem po râ neo de Tomé de Sou za, adap tou-se,imi tan do o gen tio.

Por isso a his tó ria so ci al da Amé ri ca nada tem de co mumcom a da Eu ro pa: res pi ra o am bi en te, tran su da esse ar úmi do das nos sasba ci as hi dro grá fi cas...

A ESCRA VI DÃOO ín dio, para ser útil, de via ser en si na do; os je su í tas es tu da -

ram-lhe a lín gua e o atra í ram ao con ví vio dos bran cos. Asso ci a ram-no àvida co lo ni al, in cu tin do-lhe a fé cris tã o tor na ram as si mi lá vel, fi ze ramdo sel va gem um ins tru men to de tra ba lho.

Mas não bas ta va o ín dio.A prin ci pal ri que za era a cana-de-açú car, cujo gra nje io não se

afa zia do ín dio, re fra tá rio à vida se den tá ria; foi ne ces sá rio ir bus car à Áfri cao ne gro. Inte res sa va ao Bra sil, como bra ço, e à Áfri ca, como co mér cio.

Sem a la vou ra do Bra sil as con quis tas por tu gue sas de cos tad’África pe re ce ri am na que les tem pos de in de ci são co lo ni al, sem pre ascor ren tes mi gra tó ri as à pro cu ra de for tu na fá cil.

De 1575 a 1591, a ex po rta ção de es cra vos de Ango la su bi ra a25.053, pro te gi do o trá fi co para o Bra sil por uma di mi nu i ção de di re i tos, 100%, em re la ção à Índia.46

No co me ço do sé cu lo XVIII, só a Ba hia im por ta va 25 milpor ano.47

48 Pe dro Calmon

46 VISCONDE DE PAIVA-MANSO, His tó ria do Con go, págs. 84 a 140.47 L. G. DE LA BARBINNAIS, Nou ve au vo ya ge ou tour de mon de, III, 180, Pa ris, 1728.

Entre 1550 (iní cio do trá fi co ne gre i ro) e 1850 en tra ram noBra sil de 6 a 8 mi lhões.48

À me di da que pros pe rou a in dús tria açu ca re i ra, o ne gó cio dees cra vos flo res ceu: e até que am bos es ses in te res ses, pelo seu vul to, ca -rac te ri za ram a eco no mia ul tra ma ri na.49

Ora, o ne gro, des pe ja do aos mi lha res numa ter ra pa re ci da com a sua Áfri ca, de pa i sa gens e cli mas se me lhan tes, não per deu as qua li da des pu -ra men te ra ci a is, acres ci das do seu ca be dal mí ti co; o ne gro in tro du ziu noBra sil (re gião agrí co la: zona de ex pan são do afri ca no) “novo Gu i né”, nafra se do es cri tor dos Diá lo gos das Gran de zas, o con tin gen te de len das e cren -ças, que, en ri que ci do das in dí ge nas, tem pe rou a sim pli ci da de, a cre du li da dee a ti mi dez do povo ibé ri co, em be bi do de me di e va lis mo.

Na pri me i ra ge ra ção, o co lo no era um im pres si o ná vel, he si tan teen tre as for mas so ci a is pri mi ti vas que sur pre en de ra na Amé ri ca e as suas tra di ções cul tas; en tão o fi dal go d’armas ser via os ofí ci os de jus ti ça e oca va le i ro se afa zen da va como o ple beu de san gue mou ris co. Na se gun da e de ma is ge ra ções ab sor veu, com cres cen te aban do no do ata vis moeu ro peu, os cos tu mes bár ba ros que o cer ca ram e em pol ga ram. A re vo -ga ção das Orde na ções do Re i no, na par te re la ti va aos pro ces sos, co in ci -diu com as pri me i ras apli ca ções do di re i to pá trio. Pero de Góes, co man -dan te da fro ta guar da-cos tas, lem bra ra em 1551: para a co lo ni za ção des tater ra ir avan te, era ne ces sá rio em mu i tos ca sos de i xar de se guir as Orde -na ções, que ti nham sido fe i tas “não ha ven do res pe i to aos mo ra do res doBra sil”.50 Em S. Vi cen te, os cos tu mes al te ra ram as leis por tu gue sas des de1543, quan do se de ci diu por ve re a ção, que uma só tes te mu nha bas ta riapara qua li fi car o de li to de de tra ção...51

Assim, por uma tro ca de in fluên ci as, sen sí vel des de 1549, oin dí ge na, o ne gro e o bran co, co a bi tan do na ter ra am pla e mis te ri o sa,po rém de les, cri a ram um in di ví duo mé dio e uma so ci e da de mé dia, que,por se rem lo ca is, já eram “bra si le i ros”.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 49

48 ROBERT O SIMONSEN, His tó ria Eco nô mi ca do Bra sil, I, 205, São Pa u lo, 1937, cal -cu la em 3.300.000 a im por ta ção to tal de es cra vos.

49 PEDRO CALMON, Espí ri to da So ci e da de Co lo ni al, págs. 165 e segs.50 PORTO SEGURO, His tó ria do Bra sil, 3ª ed., I., 311.51 FREI GASPAR, His tó ria da Ca pi ta nia de S. Vi cen te, p. 173.

Os je su í tas con cor rem in te lec tu al men te para esse “abra si le i ra -men to” do co lo no, fa zen do-se in di a nis tas – me ti dos com os ca bo clospara con ver tê-los, ado tan do-lhes os lin gua ja res, por fim usan do os seusuten sí li os, adap tan do-os à sua rude pe re gri na ção. Em vez de eu ro pe i zar-seo sel va gem, foi o bran co que se in di a ni zou,52 a su prir a in su fi ciên cia dosseus re cur sos com os da ter ra. O je su í ta pos su ía, so bre to dos os ou trosho mens, a vo ca ção de con gra ça men to, que tão bem de sem pe nhou naChi na: no Bra sil, a sua obra é de uma pro fun da in tu i ção hu ma na. Expli capar te da evo lu ção na ci o nal; pelo me nos este Bra sil ma me lu co, mes ti ço,har mo ni o so na apa ren te con fu são ét ni ca,53 afi nal equi li bra do e – comove re mos – qua se ho mo gê neo.

50 Pe dro Calmon

52 Há sem pre nas ali an ças de ín di os e por tu gue ses no Bra sil uma fi gu ra fe mi ni na,que os apro xi ma, pu ri fi can do em amor o sa cri fí cio da sua raça. É a Pa ra gua çu na Ba hia, a Arco-Ver de em Per nam bu co e a Ti bi ri çá em S. Pa u lo. Uma Mar ga ri daaman sou os ai mo rés, se gun do Frei Vi cen te do Sal va dor; ca san do com umaín dia, mãe de Ro bé rio, Bel chi or Dias se con gra çou com os ta pu i as do Nor des te; osjan du ís fi ze ram pa zes por in ter mé dio de uma ra pa ri ga que João Pais Flo rião ti ra r ada taba; Ma no el Pi res Ma ci el pa ci fi cou o alto S. Fran cis co por meio de Ca ta ri na,a fi lha do che fe ca i a pó, com quem ca sou...

53 GILBERTO FREIRE, Casa Gran de & Sen za la, p. 88, Rio, 1934. “Hí bri da des deo iní cio, a so ci e da de bra si le i ra é de to das da Amé ri ca a que se cons ti tu iu maishar mo ni o sa men te quan to às re la ções de raça...”

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IVA Uni da de Vir tu al – Fi si o no mia

Ge o grá fi ca do País

A ca te que se dos ín di os, acom pa nhan do a caça aosín di os pe los es cra vi za do res, a luta pela pos se da ter ra, a cor ri da àsmi nas, des lo ca ram para o sul, para o nor te e para o cen tro as for çasco lo ni za do ras que ain da não se ti nham imo bi li za do nos ca na vi a is.

As di fi cul da des de as sis tên cia en tre os bran cos e in dí ge nas, os con fli tos po lí ti cos (go ver no de Du ar te da Cos ta, 1554), a pri me i ra ligade sel va gens e fran ce ses (go ver no de Mem de Sá, 1560) con tra a do mi -nação por tu gue sa, não pu de ram des vi ar dos seus ru mos aque la ci vi lizaçãoque se in fil tra va e alar ga va. Sen ti ra-se, logo após a cri a ção do go ver -no-geral, que as de ter mi nan tes ge o gra fi as im pe li am os ru des e ávi doscolonos ao des co bri men to de um im pé rio – imen sa área em que Portu gal,re no van do-se, ex pan di ria a sua raça.

A ver da de i ra união na ci o nal no Bra sil, psi co ló gi ca, tra zi am-na emmen te os ho mens do sé cu lo I; de ve ras, este país, que con tém tan tos pa í ses,foi “um só” na vi são de con jun to, to ta li zan te, do por tu guês que o acha ra.

“... Tem esta ter ra mil lé guas de cos ta, toda po vo a da de gen teque anda nua”...54– em 1549 es cre ve ra um je su í ta.

54 Car tas do Bra sil , ed. da Acad. Bras., I, 97.

Ne nhu ma das atu a is na ções da Amé ri ca foi as sim ho mo gê nea nos seus co me ços: e con ti nu ou ho mo gê nea na sua evo lu ção. “Bra sil”cha mou-se toda a ter ra; um só go ver na dor-ge ral (que a efê me ra di vi sãoem dois go ver nos, 1573, foi uma bre ve ten ta ti va de des mem bra men to) o ad mi nis trou, ze lan do so bre tu do a con ser va ção e de fe sa do país; um sóidi o ma o uni fi cou, fe i to do por tu guês in flu en ci a do pelo tupi, idi o mama me lu co tam bém:55 a mes ma pre do mi nân cia do fa tor fí si co se lhere ve lou, de um a ou tro ex tre mo.

Os je su í tas fo ram um agen te ati vís si mo des sa ho mo ge ne i za ção, mas às leis da ge o gra fia hu ma na cabe a ma i or res pon sa bi li da de do “ma ci -ço” bra si le i ro.

Os mis si o ná ri os ori en ta ram a pe ne tra ção; eram-lhe os olhosvi gi lan tes, a lín gua pa ci fi ca do ra.

A “uni da de” do Bra sil, po rém, já fora adi vi nha da pelo ín dio.Um con to tu pi nam bá di zia que o Bra sil era o pom bo, cujo

co ra ção fi ca va na Ba hia.56

A dis tri bu i ção das ra ças in dí ge nas pa re ce tam bém an te ci -par-se à ge o gra fia po lí ti ca, pela co in ci dên cia en tre o blo co tupi-gua ra ni e o ter ri tó rio da Amé ri ca por tu gue sa.57

A co lo ni za ção lusa subs ti tu iu, em todo o seu vas to ha bi tat,aque la gran de raça, que em par te as si mi la mos ou eli mi na mos.

52 Pe dro Calmon

55 Vd. TEODORO SAMPAIO, Re vis ta de Fi lo lo gia e His tó ria, fasc. IV, 465-72. Apa ten te de no me a ção de Di o go Co e lho de Albu quer que para ca pi tão-mor doCe a rá no ta va: “... e ter mu i ta ex pe riên cia... e prá ti ca dos ín di os, e sa ber-lhes a lín gua...” (1465, Rev. do Insti tu to do Ce a rá, XXVI, 43). “Em al gu mas ca pi ta ni as, como em São Pa u lo, Rio Gran de do Sul, Ama zo nas e Pará, onde a ca te que semais in flu iu, o tupi pre va le ceu por mais tem po ain da. Nas duas pri me i ras fa -la va-se en tre os ho mens do cam po a lín gua ge ral até o fim do sé cu lo XVII.”(TH. SAMPAIO, O Tupi na Ge o gra fia Na ci o nal, Rev. do Inst. da Ba hia nº 54, p. 51).

56 FREI VICENTE DO SALVADOR, His tó ria do Bra sil, pp. 102-3.57 É o que se ve ri fi ca do mapa de A. MÉTRAUX, La ci vi li sa ti on ma té ri el le des tri bus

tupi-gua ra ni, p. 9, Pa ris, 1923. A li nha oci den tal da ex pan são tupi-gua ra ni pas san -do pelo es tuá rio do rio da Pra ta, su bia o Pa ra guai, e pelo Gu a po ré–Ma de i ra, atin giao Ama zo nas, di lu in do-se na ba cia imen sa. So bre a uni da de, dá di va da na tu re za,SÍLVIO ROMERO, Ensa io de So ci o lo gia e Li te ra tu ra, p. 111, Rio, 1900.

Res ta ria, para de vi da men te es ti mar mos a in fluên cia da fi si o -grafia bra si le i ra, con si de rar que qual quer co lo no, em lu gar do “por tuguês”,ob ser va da a igual da de de si tu a ções, fa ria o que ele fez. Sim, o relevo da ter -ra, o seu sis te ma flu vi al, as con di ções da ca bo ta gem, o meio en fim,esboça ram a his tó ria do Bra sil; su ma ri a ram o ca pí tu lo que o ho memescre veu. De al gum modo, po de-se ler a evo lu ção do Bra sil no seumapa, na sua dis tri bu i ção de po pu la ções, o de vas sa men to da ter ra, apro cu ra das fron te i ras, o sen ti do da po lí ti ca ex te ri or e ge o grá fi ca, que ana tu re za as sim nos deu.

Resu ma mos a li ção do mapa e ve ja mos como o ho mem mo di -fi cou a fa ta li da de das leis na tu ra is.

O CE NÁ RIOO Bra sil (“fi gu ra de uma har pa”, já dis se ra Frei Vi cen te)58

tem uma ex ten sa cos ta de 9.200 qui lo me tros,59 ex tre ma men te po bre deaci den tes que a be ne fi ci as sem. “Fal tam me di ter râ ne os, pe nín su las, gol -fos, ilhas con si de rá ve is...”60 As re in trân ci as, que per mi ti am à na ve ga çãoum re pou so, ves tí bu los do con ti nen te, eram o es tuá rio ama zô ni co, e,pas san do as la gu nas en tre o Pará e o Ma ra nhão, S. Luís, a foz do Par na í ba,o Apo di, o Po ten gi, o Pa ra í ba, o Ca pi ba ri be, o S. Fran cis co, Açu da Tor re, a Ba hia, Ilhéus, Por to Se gu ro, Vi tó ria, Cabo Frio, Rio de Ja ne i ro, Angrados Reis, San tos, Ca na néia, Pa ra na guá, S. Fran cis co do Sul... Logo seas si na la ram por po vo a ções, obras de de fe sa ou es ta be le ci men tos deco mér cio,61 vi va zes, em bo ra iso la dos, mer cê da di fí cil, mu i tas ve zes im -pos sí vel in ter co mu ni ca ção, pois o re gi me dos ven tos di vi dia a ca bo ta -gem em qua tro se ções. Iso la men to, en tre tan to, que obs ta va a ida, e tam -bém tor na va im pro vá vel a vol ta, e as sim fi xa va e na ci o na li za va. Daí ore tar da men to da con quis ta da cos ta Les te–Oes te, sen do no I sé cu lo o

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 53

58 His tó ria do Bra sil, p. 19.59 Cor res pon de a um alon ga men to de 57% so bre a li nha po li go nal en vol ven te que

é de 5.864 qui lô me tros. ALFREDO LISBOA, Di ci o ná rio do Insti tu to His tó ri co , I,40.

60 CAPISTRANO DE ABREU, Ca pí tu los de His tó ria Co lo ni al, 1ª ed., p. 1.61 “As mi gra ções, dis se A. C. HADDON, se guem a li nha de me nor re sis tên cia e se

es co am pe las zo nas ou ca na is aber tos en tre as bar re i ras.” (BRUNHES &VALLAUX, La Géo grap hie de l’histoire, p. 245).

cabo Cal ca nhar um novo cabo Não, e a na ve ga ção en tre o Ma ra nhão eCe a rá, “uma das mais di fi cul to sas e tra ba lho sas” de todo o mar (Antô -nio Vi e i ra), só pos sí vel no in ver no.62

As cor ren tes e ven tos fa vo re ci am as co mu ni ca ções en tre Per -nam bu co e a Ba hia, nor ma is an tes da aber tu ra do ca mi nho do S. Fran -cis co (1590), e fa ci li ta vam o comér cio en tre a Ba hia e as ca pi ta ni as doSul, de modo tal que ra ra men te se fez por ter ra a vi a gem para Ilhéus,Por to Se gu ro e Espí ri to San to, nú cle os de abas te ci men to, pe las fa ri nhas e ma de i ras, das fro tas d’el-rei.

Entre o Rio de Ja ne i ro e S. Vi cen te a na ve ga ção era cons tan tee sem pe ri gos, pela va ri e da de de abri gos que havia no li to ral e re gu la ri -da de dos ven tos, o mes mo su ce den do até a ilha de San ta Ca ta ri na, quede i xou de ser es pa nho la em vir tu de des sa pro xi mi da de ma rí ti ma de San -tos, que não to ler ara a exis tên cia do es ta be le ci men to cas te lha no don deCa be za de Vaca, em 1547, pa rti ra para o Pa ra guai.

De ou tro lado, a cor di lhe i ra do mar, obs tá cu lo pri me i ra men te, foi de po is pro te ção da Amé ri ca por tu gue sa, como for ta le za na tu ral quede sen vol ve a sua mu ra lha de San ta Ca ta ri na ao Espí ri to San to, de i xan doen tre os con tra for tes e o oce a no uma fím bria fér til, onde ma ris ca ramco lo nos e es tran ge i ros, sem ver da de i ro do mí nio so bre o país.

Gra ças à cor di lhe i ra – que, ne gan do pro fun di da de, davaex ten são à con quis ta – os cor sá ri os que as sal ta ram San tos, comoCa ven dish, não atin gi ram S. Pa u lo, e não hou ve fro ta de ini mi gos, des dePiet Heyn (mes mo a que de vas tou em 1640 o re côn ca vo ba i a no), quefi zes se ren der Vi tó ria do Espí ri to San to, pos ta no côn ca vo das suasabrup tas mon ta nhas.

A es cas sez da que la fa i xa ma rí ti ma con de na ria à vida me dío cre de en tre pos tos as po vo a ções que aí cres ce ram: Des ter ro, Pa ra na guá,San tos, Angra dos Reis, até o sé cu lo XIX Vi tó ria. Mas de sem pe nhou oseu pa pel his tó ri co de am pli ar a pos se ao lon go do li to ral, e de fen dê-lo;

54 Pe dro Calmon

62 Vd. CAPISTRANO DE ABREU, Os Ca mi nhos an ti gos e po vo a men to do Bra sil, p. 107, Rio, 1930. O Pa dre Se ra fim Le i te des co briu ou tra car ta de Vi e i ra, do rio das Ama zo nas, 21 de mar ço de 1661, em que re ve la: de oito em bar ca ções do Ma ra -nhão, só uma che ga ra a Per nam bu co... (Jor nal do Com mer cio, 24 de ou tu bro de1937).

por isso, quan do a ex plo ra ção in ten si va do Bra sil lhe gra nje ou a gran deri que za dos sé cu los II e III, a ter ra toda era lu si ta na.

O ser tão veio mais tar de: a fa cha da pre ce deu à casa, como amu ra lha pre ce dia, nos cas tros, à ci da de.

Só no Pi a uí a ci vi li za ção ru mou do in te ri or para o li to ral: éum far to ads tri to à ba cia do S. Fran cis co.

A ser ra do Mar tor nou tam bém in de pen den tes os mo vi mentos de ex pan são, de San tos para Pa ra na guá e La gu na, e daí à col ônia doSacra men to, e de S. Pa u lo a Itu para as Mis sões e o rio Pa ra guai.

O ho mem do pla nal to não sa bia o que o ho mem da ba i xa daten ta va. Erguia-se en tre eles o vas to di vi sor de águas da cor di lhe i ra. Porisso, al gum tem po, quan do se ins ta lou a “ca pi ta nia de S. Pa u lo e mi nasdo Ouro”, San tos e a orla ma rí ti ma, até a ex tre ma do Bra sil, pu de ramser de sa ne xa dos da que la e da dos à do Rio de Ja ne i ro – erro ad mi nis -tra tivo, que logo se des fez.63

A enor mi da de do ter ri tó rio e sua fi si o no mia ge o grá fi ca, de ter mi -nan tes do iso la men to dos gru pos, en gen drou a nos sa so ci e da de de tipoato mís ti co (Oli ve i ra Vi a na), que não co nhe ceu a for ma co o pe ra ti va se nãoaci den tal men te, e se con ser vou, des de a era do açú car até à do café, es tru -tu ral men te in di vi du a lis ta. Não so men te a au sên cia de so li da ri e da de, tam -bém a des co or de na ção do po vo a men to tor nou im pre ci so e he si tan te, es -pon tâ neo e si nu o so o mo vi men to de con quis ta e apro ve i ta men to da ter ra.

O Bra sil de sen vol veu-se ca rac te ri za do pela in de pen dên cia doho mem em face de ação re gu la do ra do Esta do, ape nas li mi ta da no século III, em ra zão das ex plo ra ções mi ne i ras, mas vi to ri o sa nos re fo lhos e naam pli tu de do país.

Co me ça va pelo fa tor por tu guês, misto de clan des ti nos re li gi o -sos (ju de us) e so ci a is (de gre da dos), que se adap ta ram ime di a ta men te aomeio novo e cri a ram aqui uma in di vi du a li da de di fe ren te: a re bel dia fa vo -ne a da pela li ber da de. Ma ma lu cos, no ta dos já em 1549 por Hans Sta -den,64 ín di os cor rom pi dos pe los tra fi can tes, mu la tos e pre tos forros oufugi dos, for ma ram o gros so da po pu la ção, in di fe ren te aos pre ce i tos

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 55

63 AFONSO TAUNAY, ar ti go no Jor nal do Com mer cio, 3 de Ja ne i ro de 1932.64 Vi a gem ao Bra sil , ed. da Acad., p.55.

polí ti cos, se du zi da pela vida li vre, pre fe rin do a sua eman ci pa ção, docam po, às co i bi ções da ci da de, esta hi e rar qui za da e po li ci a da – como em Per nam bu co, na Ba hia, em S. Pa u lo. A his tó ria do Bra sil te ria de re fle tiresse de se qui lí brio de ori gem, en tre tan to con cor dan te com a sua uni da de es pi ri tu al.

56 Pe dro Calmon

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

VAs Re giões de Con den sa ção e de Dis per são – Nor te e Sul

A cul tu ra de cana, em Per nam bu co, es ten dia na tu ral -men te o po vo a men to ao lon go da cos ta, para a Pa ra í ba e para Ala go as.Na Ba hia, a ati vi da de açu ca re i ra foi mais res tri ta. No tou Gânda vo:“Tem (a Ba hia) de zo i to en ge nhos... tam bém se tira ne les mu i to as su cre,ain da que os mo ra do res se lan çam mais ao al go dão que a ca nas d’assucrespor que se dá me lhor na ter ra.”65 Gra ças ao al go dão, o po vo a men to ali seli ber tou do re côn ca vo e pro cu rou o ser tão.

OS PAS TO RESO gado, de po is de 1560, es pa lhou-se pe las sa va nas do Nor des -

te com uma ra pi dez, uma vi ta li da de ad mi rá ve is. A pri me i ra ca ra ve la car re -gada de va cas das ilhas do Cabo Ver de che ga ra à Ba hia em 1550. Ou trasse se gui ram, de modo a for mar cada fa zen de i ro um nú cleo pas to ril, quepros pe rou à be i ra da ci da de, au xi li an do-lhe as la vou ras. Mas o pro gres so dos re ba nhos foi im pre vis to. Ha via em bre ve tan to gado jun to das ro ças

65 Tra ta do da Ter ra do Bra sil, p. 29.

que era for ço so lar gá-lo pe los cam pos ar gi lo sos e po bres,66 a ca a tin ga ,que se de sen ro lam, uni for mes, en tre Fe i ra Ve lha e o Ita pi cu ru, e para oCen tro e Nor des te, en tre rios e ser ras do sis te ma do Espi nha ço.

Um dos cri a do res, Gar cia d’Ávila, com pa nhe i ro de Tomé deSou za, fez cur ral em Ita pa gi pe, de po is em Ita poã, afi nal em Ta tu a pa ra,onde se acas te le ou numa tor re.

Em 1587 os cur ra is de Gar cia d’Ávila su bi am a dez67 (Ga bri elSo a res) e o pa dre Fer não Car dim (1583) dis se que a sua ca pe la de Ta tu a -pa ra era “a mais for mo sa que há no Bra sil”.68

O RIO DE S. FRAN CIS COEm 1573 Gar cia d’Ávila che gou a Ser gi pe, onde lan çou os

fun da men tos de uma co lo ni za ção. Qu an do Crist óvão de Bar ros con -quis tou aos ca e tés aque la ter ra (1590), as pon tas de gado, tan gi das doSul, pas sa vam o Ita pi cu ru. De 1590 a 1600, as cam pi nas en tre o rio Real e o S. Fran cis co se po vo a ram de tão nu me ro so con cur so de pas to res,que – acres cen ta Frei Vi cen te do Sal va dor (1627) – “dali se pro vém debois os en ge nhos da Ba hia e Per nam bu co e os açou gues de car ne”.69

O S. Fran cis co foi um po la ri za dor. Ne nhum ou tro rio do Brasil teve uma fun ção his tó ri ca tão cons tante. A sua im por tân cia, comoconden sa dor de po vos, per ten ce à ar que o lo gia da Amé ri ca; Ga bri el Soaresnos dá no tí cia da lo ca li za ção, na que le vale fér til, ci mi tar ra de ter ras agrí co lascor tan do o de so la do ser tão, de to das as ra ças in dí ge nas do Bra sil, ex ce -tu a dos ape nas gua ra nis e aru a ques: as sim gés, ca ri ris, ca ra í bas, tu pis.Cada uma des sas fa mí li as, ri va li zan do com a vi zi nha, con quis ta ra emtem pos pré-colombianos o seu di re i to de be ber e pes car no rio pro vi -den ci al, espécie de tor ren te mi la gro sa que fi ca va para além da ca a tin ga ina -bitável, es tra da mó vel, en ri que cen do com as che i as pe rió di cas, como oNilo, um solo sa li tro so e fe cun do.

58 Pe dro Calmon

66 CAPISTRANO DE ABREU, Intro du ção aos Diá lo gos das Gran de zas, ed. daAcad., págs. 13-5; Diá lo go das Gran de zas, p. 43. O al va rá de 1701 pro i bia que setrou xes se o gado a dez lé guas da be i ra-mar, in BRÁS DO AMARAL, Ano ta ções a Acci o li, II, 360.

67 Tra ta do Des cri ti vo, p. 48.68 Tra ta do da ter ra e gen te do Bra sil, ed. Rod. Gar cia, p. 312, Rio, 1925.69 His tó ria do Bra sil, p. 336.

De Per nam bu co e da Ba hia, os cri a do res se gui ram len ta, masse gu ra men te, o rumo do S. Fran cis co. De po is acom pa nha ram-lhe asmar gens. Embar ca dos, os pi o ne i ros che ga ram à bar ra do Rio Gran de,su bi ram até Ca ri nha nha, re mon ta ram às ter ras cen tra is, que fo ram maistar de as Mi nas Ge ra is.

Nem para al can çar o S. Fran cis co os do Nor des te pre ci sa vamar mar as suas “ban de i ras”: o pró prio des lo ca men to dos re ba nhos e ane ces si da de de pas tos, que tor na ram as fa zen das imen sas,70 alar ga ram o âm bi to do gado até o vale ma ra vi lho so.

De ve ras, o S. Fran cis co atra iu os re ba nhos de Per nam bu co,cu jos en ge nhos pas sa ram a dis por ape nas dos bois ne ces sá ri os ao manejodo “tra pi ches”, tan to que de lá se abas te ci am das bo i a das inu me rá ve is,ao tem po dos ho lan de ses.

Na Bahia, pe los va les do Ja cu í pe, do Po ju ca, do Ita pi cu ru e do Real, os re ba nhos ru ma ram na di re ção Les te–Oeste, en quan to o rio Pa -ra guaçu se trans for ma va em ou tra es tra da do po vo a men to.

Ca cho e i ra, no Pa ra gua çu, é obra ser ta nis ta, como Ta tu a pa ra:os Ador nos, ne tos do Ca ra mu ru, fi ze ram ali o seu quar tel de in ver no.

Esses ban de i ran tes re cha ça ram os ta pu i as, in tro du zi ram gadopelo vale aci ma, e des vi an do-se das ma tas do Oro bó, onde mor re raGabri el So a res (1592), pe ne tra ram a ba cia do rio de Con tas.

A Casa da Tor re (de Gar cia d’Ávi la), re to mou, em 1627, ostra ba lhos do seu fun da dor, e achou a co mu ni ca ção com o S. Fran cis co,por Ja co bi na. Re co lhe ra a ex pe riên cia de Bel chi or Dias Mo réa, que su bi raou acom pa nha ra o S. Fran cis co, en tre a bar ra do rio Sa li tre e o Pa ra me rim, de lá tra zen do his tó ri as de mi nas de pra ta, que jus ti fi ca ram, por cen to ecin qüen ta anos, ex pe di ções, pes qui sas, ca ças de ín di os.

O gado rom peu com os ser ta nis tas.As “es tra das de bo i a das” fo ram os ca mi nhos de fi ni ti vos. Por

eles tran si tou o exér ci to por tu guês, nas guer ras com o fla men go in va sor de Per nam bu co, e por eles ro lou o po vo a men to se me an do al de i as e vi las

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 59

70 HANDELMANN, His tó ria do Bra sil, ed. do Inst. Hist., p. 333: “O cri a dor degado não pode su por tar vi zi nhan ça pró xi ma, por que para pas ta gem ele pre ci sade vas tas ex ten sões de ter re nos”. “...Il faut se sé pa rer pour vi vre.” (VIDAL DE LABLACHE, Prin ci pes de Géo grap hie Hu ma i ne, p. 36, Pa ris, 1922).

por todo o Nor des te. Os va les (como, no Sul, os do Pa ra í ba e do Ti e tê)são sem pre os es co a dou ros pre fe ri dos, por que aí há ali men to, som bra efres cu ra: o mapa dos ca mi nhos do Nor des te é, de um modo ge ral, a suahi dro gra fia.

As ter ras de mais de mo ra da con quis ta fo ram as de en tre-rios,se cas e sáfa ras, onde o ho mem é um hós pe de mal ace i to.

O Pa ra guaçu le vou às cha pa das, o rio das Con tas ao ser tão de Ca e ti té, o Jacu í pe ao ser tão do Mor ro do Cha péu, o Ita pi cu ru à ser ra deIti ú ba, o Vaza-bar ris a Jere mo a bo, o S. Fran cis co ao Bra sil cen tral. Ain -da a con quis ta do Pi a uí se ser viu de um vale: o Gur guéia. Pelo Je qui ti -nho nha, os pri me i ros ban de i ran tes atin gi ram Mi nas Ge ra is.

So men te as flo res tas do sul (in ça das de ai mo rés sal te a do res) e os ca tin ga is à mar gem dos ca mi nhos do gado, des pre za dos por me lho res pas -ta gens, e que ape nas no sé cu lo XIX se po vo a ram – obs ta ram ao des bra va -men to do atu al ter ri tó rio da Ba hia, re ve la do e ocu pa do pe los va que i ros.

Em 1600, a li nha ex tre ma da co lo ni za ção pas sa va por Pe ne do, Ser gi pe, Na tu ba, Ca cho e i ra, e con ti nu a va pela cos ta aba i xo, para en trarno va men te no ser tão em Angra dos Reis ou Pa ra ti, Ta u ba té, S. Pa u lo.

Cin qüen ta anos de po is a mes ma li nha, co me çan do na bocado rio Ama zo nas, cos te an do o Ma ra nhão, o Ce a rá e o Rio Gran de doNor te, par tia do por to de Tou ros, ter ra aden tro, a Olin da, daí a Sen toSé, e Ja co bi na, Mor ro do Cha péu, Ma ra cás, Rio de Con tas, li to ral dosIlhéus, Por to Se gu ro, Espí ri to San to, o vale do Pa ra í ba, as mis sõesjesuíti cas de po is dos “cam pos ge ra is”.

O gado re pre sen tou um pa pel in con tras tá vel nes sa gran deexpan são.

A CONQUISTA DA PARAÍBAA con quis ta da Pa ra í ba do Nor te (1585), fe i ta por ele men tos

de Per nam bu co e da Ba hia, foi uma du pla con quis ta eco nô mi ca, tan topara a ex tra ção de pau-bra sil, que os po ti gua res ven di am aos fran ce ses, e era o me lhor do país,71 como para o cul ti vo da cana-de-açú car.

A ne ces si da de de de fen der-se a cos ta dos cor sá ri os e, com aaju da dos ta ba ja ras, re pe lir os ín di os ali a dos dos es tran ge i ros, le vou a

60 Pe dro Calmon

71 CARDIM, Tra ta do, p. 188; tam bém STADEN, Vi a gem, p. 37.

gen te de Per nam bu co a cons tru ir o for te dos Reis Ma gos (1598), for ta -le za mais se ten tri o nal, que ser viu de eixo à pe ne tra ção dos are i a is deles te-oes te e à su ces si va ocu pa ção do Ce a rá, Ma ra nhão e Pará.

Mas os es pa ços en tre o li to ral are no so, onde ha via ape nas âm -bar, e os rios da ba cia de S. Fran cis co, fo ram de vas sa dos pelo gado sa í dodos cur ra is ba i a nos para o Ja gua ri be, Gur guéia, o Ita pi cu ru, o Par na í ba, oMe a rim, num im pul so de ocu pa ção que, du ran te cem anos (1674 – 1774), cri a va a vida pas to ril no Nor des te, e a es ta bi li za va.

O SULNo Nor te foi as sim.No Sul as co i sas se pas sa ram di ver sa men te. Nem o gado de -

ter mi nou o rush ban de i ran te, a que se de vem os ser tões de San ta Ca ta ri na, Rio Gran de do Sul, Mi nas, Go iás e Mato Gros so, nem os ín di os se mes -cla ram, até à fu são, com pa u lis tas ou em bo a bas.

No Sul, a mina de ouro e o es cra vo in dí ge na fi ze ram as ban -de i ras; a co lo ni za ção, des ti tu í da do in te res se agrí co la, foi ex tra ti va; nãose re tem pe rou de ve ras da se re ni da de pas to ril se não quan do se es va ne -ceu a mi ra gem au rí fe ra, por vol ta de 1750, e o co mér cio ha bi tu al foi ode mu a res, do pam pa para So ro ca ba.

Su ce deu aqui o mes mo que na Amé ri ca es pa nho la – de po isque à mi ne ra ção do Peru se se guiu a cri a ção nos pam pas, e a Cuz co su ce -deu Bu e nos Ai res.72

Daí tam bém a ca rac te ri za ção his tó ri ca e ét ni ca das duas re -giões que uma car ta-ré gia de 1659 man dou se pa rar, numa ten ta ti va dedes mem bra men to ad mi nis tra ti vo.73

O ver da de i ro “con quis ta dor” era o do Sul, sal te an do as re du -ções je su í ti cas: “E para aque la guer ra os me lho res sol da dos do mun do”, na fra se do Pa dre Antô nio Vi e i ra.74

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 61

72 So bre a ori gem e a his tó ria do “ga ú cho”, EMÍLIO S. CONI, art. de Bo le tin de lajun ta de His to ria y Nu mis ma ti ca Ame ri ca na, IX, 87 (936). O ca va lo foi de sem bar ca dono rio da Pra ta, em 1536.

73 Do cu men tos His tó ri cos, XX, 97.74 Car tas, I, 40.

O pa u lis ta, me ti do na sua cou ra ça de al go dão, já em pre ga dape los cas te lha nos na con quis ta da Nova Gra na da, em 1536 – era so bre -tu do aven tu re i ro, e essa qua li da de mar ci al75 lhe ex pli ca a pe que napro pri e da de, a pe que na in dús tria, a cri a ção de gado, a rala la vou ra, dopla nal to, onde não ha via fa zen das ma i o res de uma lé gua.76 A gran depro pri e da de veio-lhe com a fi xa ção: só a agri cul tu ra in ten si va (o café) ou a gran de cri a ção, de po is do aban do no das mi nas, a de ter mi na ram.

No Norte era o con trá rio: cada en ge nho de açú car de i ta varaí zes de vila, po pu lo so, opu len to.

Tam bém, com a pe que na pro pri e da de, os mo ra do res do pla -nal to se che ga vam uns aos ou tros, de fen den do-se. Mas, ge ral men te, asvi a gens de aven tu ra (Mis sões, Mi nas, Go iás, Mato Gros so, S. Pe dro doRio Gran de do Sul) des lo ca ram tão gros sas ca ma das de co lo nos doplanalto que, por ve zes, na que les sí ti os só pa ra vam as mu lhe res e os velhos: dis to re sul tou a de ca dên cia de S. Pa u lo no sé cu lo XVIII.

BAN DE I RASO mapa his tó ri co do Bra sil re tra ta essa par ti cu la ri da de: com -

pa re mos a car ta qui nhen tis ta da cos ta, cin di da pelo me ri di a no de Tor de -si lhas, com a car ta do país, em 1640, que nes se for mi dá vel avan ço parao Oeste e para o Sul (“... por os mo ra do res não po de rem vi ver sem osertão...”) es ta rá re su mi da a ar ran ca da pa u lis ta.

Gra ças à pe ne tra ção dos ca ça do res de gua ra nis (“ser ta nis tas”,cha ma vam-lhes os mis si o ná ri os) per deu a Espa nha San ta Ca ta ri na, asmis sões je su í ti cas do Uru guai, que che ga ram a li mi tar-se pelo Pa ra na pa -ne ma, o Mato Gros so pela li nha do Gu a po ré; e foi em vir tu de des saocu pa ção que, em 1750, Ale xan dre de Gus mão es ta be le ceu o cri té rio do uti pos si de tis para os tra ta dos de li mi tes na Amé ri ca.

62 Pe dro Calmon

75 Con cor da com a ob ser va ção de RATZEL – e LUCIEN FABRE, La Ter re etl’Evolution Hu ma i ne, p. 102, Pa ris, 1922; JEAN BRUNHES, La Géo grap hie Hu ma i ne,p. 328, Pa ris, 1922; ELLEN CHURCHILL, Sem ple Influ en ces of Ge o grap hie Envi ron -ment, p. 493, New York, 1911; Ver so bre tu do A. TAUNAY, S. Pa u lo nos Pri me i ros Anos, Tours, 1920. – O con fli to en tre o in di vi du a lis mo pas to ril e o gre ga ris mour ba no en gen drou, na Amé ri ca do Sul, o ca u di lhis mo: ALBERDI,SARMIENTO e INGENIEROS pro cu ram de mons trá-lo.

76 Vd. ALFREDO ELLIS, Raça de Gi gan tes, p. 201, S. Pa u lo, 1926.

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VIA Ter ra Dis pu ta da – Os Ho lan de ses

– Re a ção Na ti vis ta

As lu tas, com os gen ti os, os fran ce ses, os cor sá ri os,os ho lan de ses e os cas te lha nos, ti ve ram na pos se da ter ra o pa pel ex cep -ci o nal de ne u tra li za do res da ge o gra fia dis so ci a ti va.

O go ver no de Por tu gal, em vir tu de da que las guer ras, queabran gem os três pri me i ros sé cu los, fi xou na cos ta as fe i to ri as, for ti fi cou os por tos, mar can do os con tor nos da co lô nia, en vi ou-lhe ar ma das deso cor ro e exér ci tos res ta u ra do res, de vol veu-lhe boa par te das ren dasha u ri das do Bra sil, e por não per der a este, afi nal a sua pos ses são maisim por tan te, co lo ni zou-o in ten si va men te.

Não fora essa po lí ti ca co lo ni al, e os fran ce ses não sa i ri am doRio de Ja ne i ro, os es pa nhóis de San ta Ca ta ri na, os ho lan de ses da Ba hia e Per nam bu co, fi can do para Por tu gal o Ma ra nhão ou o Pará, mais de fen -di dos dos po vos nór di cos pelo seu cli ma equa to ri al; as sim, o mapa daAmé ri ca do Sul se ria como o da Áfri ca hoje, com a sua Ango la re cor ta daen tre den sas pro vín ci as es tran ge i ras.

A obra por tu gue sa no Bra sil foi emi nen te men te mi li tar noprime i ro sé cu lo, e isto lhe va leu o im pé rio ame ri ca no.77

77 Lord He bert of Che bury con ven ceu Hen ri que VIII da ne ces si da de de aban do nara Eu ro pa Con ti nen tal, para ex plo rar as Índi as... Co me çou as sim a ex pan são co lo ni al in gle sa.

Os seus mé to dos eram uni for mes e in fle xí ve is: ali ar-se aumas, con tra ou tras tri bos in dí ge nas, e ja ma is tran si gir com o es tran geiro,man ten do con tra ele a ex clu si vi da de da con quis ta.78

A ocu pa ção do ter ri tó rio ope rou-se as sim e da mes ma for maa sua de fe sa.79

As ri va li da des ime mo ri a is en tre os sel va gens fa ci li ta ram alo ca li za ção e a con ser va ção do ho mem bran co. Ca ra mu ru go ver nou ostu pi nam bás na Ba hia, por que os aju dou a com ba ter a na ção con trá ria.Mem de Sá re pul sou os fran ce ses do Rio de Ja ne i ro ali a do aos te mi ni -mós e go i a na ses, con tra os ta mo i os. Com tu pi nam bás re cha ça ram ospor tu gue ses os ca e tés e os tu pi ni quins. Com os ta ba ja ras – in sis te oPa dre Si mão de Vas con ce los – eles pu de ram po vo ar Per nam bu co. Apos se da Pa ra í ba só se tor nou efe ti va quan do aque les ta ba ja ras aban do -na ram os po ti gua res (ami gos dos fran ce ses), pas san do a lu tar ao ladodos por tu gue ses. Di o go Bo te lho man dou seis ca ra ve las che i as de po ti -gua res con tra os ai mo rés.80

Os gua ra nis do nor te fo ram pe los gua i cu rus re cha ça dos paraa re gião do Tape (me a dos do sé cu lo XVII). Os ca ri ris e os ta pu i as doAçu so fre ram o cer co dos ín di os de Per nam bu co e da Pa ra í ba, que for -ma vam o ter ço de Ca ma rão. A Casa da Tor re ti nha no S. Fran cis co o seuter ço de tu pis, con tra os ta pu i os do Pi a uí...

As ten ta ti vas de ocu pa ção fran ce sa (1555 e 1613) atra í ram aco lo ni za ção para o Rio de Ja ne i ro e o Ma ra nhão; ha ve ri am de afir mar afron te i ra ama zô ni ca. Onde es ti ve ra o ini mi go era for ço so cons tru ir umfor te, que o evi tas se de fu tu ro: daí a ci da de do Rio, e a ca pi ta nia doMa ra nhão. À cons tru ção da pri me i ra se se guiu a pos se do li to ral de

64 Pe dro Calmon

78 Ver, so bre o mo no pó lio da ter ra, ALBERDI, Las Ba ses, págs.31-2, ed. Bu e nosAi res, 1915. Note-se que a ali an ça com a Ingla ter ra, que data de 1654, não abriuaos na vi os in gle ses os por tos da co lô nia. Em 1659, por exem plo, foi con ce di da li cen ça es pe ci al para qua tro naus in gle sas irem à Ba hia, Do cu men tos His tó ri cos ,p. 62, e com a con di ção de le va rem a car ga a Lis boa.

79 A im por tân cia da con tri bu i ção in dí ge na para a con quis ta do Bra sil tor nou-se, naAca de mia Bra sí li ca dos Re nas ci dos (ALBERTO LAMEGO, A Acad. Bras. dos Re nasc., p. 90, Pa ris, 1923) – 1759 – e daí em di an te – uma tese pre di le ta doro man tis mo his tó ri co: en tre tan to essa li te ra tu ra não lhe di mi nui a ve ra ci da de.

80 Re vis ta do Inst. Hist., vol. 73, par te I, 70-1.

Cabo Frio; à fun da ção da se gun da, o de sen vol vi men to para o equa dordas des co ber tas, a ci da de de Be lém do Pará (1616) e a con quis ta doAma zo nas, que, em es for ço de pe ne tra ção e ou sa dia mi li tar, equi va le àan te ri or, do rio Pa ra ná–Pa ra guai.

Gra ças ao es tran ge i ro, o go ver no ge ral (que des de Di o go Bo -te lho pre fe ri ra Per nam bu co à Ba hia, como o mais pró xi mo cen tro deco man do) se de i xou ar re ba tar da se du ção da que las águas imen sas, mis -tu ran do os in te res ses mi li tar e eco nô mi co, e es pe ran ça do de dar, de Les -te para Oes te, com os es pa nhóis do Peru. Já o re gi men to que trou xe raTomé de Sou za de ter mi na va a ex plo ra ção do in te ri or, sem pre para oser tão, sem pre...

Um as pec to aná lo go teve a su bi da do Pa ra ná, pe los pa u lis tas.Alcan ça do o rio-mar, na ve gá vel, que abria no ser tão a es tra da de se ja da,ba ti za ra-se a fron te i ra: tam bém como su ce de ra nos tem pos pré-co lo ni a is,en tre tu pis-gua ra nis e char ru as...

Em re la ção ao vi zi nho cas te lha no – é isto es sen ci al – be ne fi -ci a va-se o por tu guês do seu pen dor náu ti co, que lhe dava, para as na -ve ga ções flu vi a is e cos te i ras, a ap ti dão que o es pa nhol mos tra va paraas ca va la ri as da sa va na. Era mau ma ri nhe i ro o es pa nhol: o ga ú cho her -dou-lhe, e ao ta pu io, essa in ca pa ci da de – pró pria dos po vos pas to res,para as li das do mar.

Já Orel la na, em 1544, re co nhe ce ra aque la su pe ri o ri da deportu gue sa, pe din do a Car los V ma ri nhe i ros de Por tu gal, para com elesdes cer o Ama zo nas.81

Por isso ti ve ram os lu sos a ini ci a ti va e o gozo da do mi na çãodas gran des ar té ri as do con tin ten te, que lhes fo ram aban do na das pe losad ver sá ri os fron te i ri ços, en tre ti dos na sua caça de mi nas.

DOMINAÇÃO ESPANHOLA

Em 1578 o rei D. Se bas tião, com todo o exér ci to por tu guês,pe re ceu nos are i a is de Alca cer-Quibir, numa de sas tra da ex pe di ção contraos mou ros, que pode ser qua li fi ca da de “úl ti ma cru za da”.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 65

81 Cit. do Pe. J. B. HAFFEMEYER, in Rev. do Inst. do Ce a rá, nº 26, p. 54 not.

Sem her de i ros for ça dos, de i xou o tro no à mer cê do rei deEspa nha, Fe li pe II, neto, por sua mãe, de D. Ma no el, o “Ven tu ro so”.O po de ro so mo nar ca ven ceu pelo su bor no, em To mar, e pe las ar -mas, em Alcân ta ra, o pre ten den te por tu guês, D. Antô nio, pri or doCra to, que ob ti ve ra o apo io de Fran ça, se gun do se dis se, em tro cado Bra sil.82

Cin giu as sim a Co roa lu si ta na.Por ses sen ta anos (1580–1640) Por tu gal e Espa nha es ti ve ram

uni dos, na pes soa de um so be ra no co mum: Fe li pe II (1580–1598), Fe li peIII (1598–1618), Fe li pe IV (1618–1640).

Ao Bra sil, lon ge de ser fu nes ta, foi ma te ri al men te van tajosaa des ven tu ra da mãe-pátria: os cas te lha nos pas sa ram de ini mi gos aali ados, e os pa u lis tas en tra ram-lhes as ter ras, des de que as fron te i ras –aque le me ri di a no de Tor de si lhas! – se ti nham apa ga do83 com a indepen -dên cia por tu gue sa.

A par tir de 1587, o co mér cio en tre S. Vi cen te, S. Pa u lo e o rio da Pra ta se en ta bo la ra, mais ati vo mes mo que o co mér cio da me tró po le.

Bu e nos Ai res tor nou-se um gran de mer ca do de es cra vos, quele va vam os por tu gue ses, e for ne cia cou ros, e car nes sal ga das – como,em 1610, ob ser va ra Pyrard de La val.84

Em 1642 – em ple na guer ra en tre Por tu gal, que re cu pe ra ra ain de pen dên cia, e Espa nha, que lha con tes ta va, or de nou o go ver no deLis boa que con ti nu as se o co mér cio pa cí fi co li gan do Bu e nos Ai res àBa hia. Re co men dou tam bém, “para se abs ter de todo ato de hos ti li da decon tra os cas te lha nos do rio da Pra ta”, como, em 1656, re pe tiu ogo ver na dor-ge ral do Bra sil.85

Em com pen sa ção, hou ve o Bra sil de ser pre sa, por trêsdecênios, da co bi ça ho lan de sa.

66 Pe dro Calmon

82 CAMILO CASTELO BRANCO, His tó ria e Sen ti men ta lis mo , p. 185, Por to, 1897.A ra i nha Ca ta ri na de Me di ci che ga ra a no me ar um vice-rei para o Bra sil, ver CH. DE LA RONCIÈRE, art. in Jor nal do Com mer cio, Rio, 15 de ju lho de 1934.

83 O rei de Espa nha man ti ve ra sem pre a pro i bi ção de en tra rem os por tu gue ses nassuas Índi as, D. FRANCISCO MANOEL, Ecco Poly ti co, p. 10, Lis boa, 1645.

84 Vo ya ge, etc., p. 562; ver, Car tas de Vi e i ra, I, 39, ed. de 1885.85 Do cu men tos His tó ri cos, XIX, 59.

GUERRAS HOLANDESASAs guer ras ho lan de sas ti ve ram a vir tu de de ar ga mas sar num

tipo, até en tão des co nhe ci do, os ele men tos dís pa res da co lo ni za ção.Etni ca men te e ge o gra fi ca men te, aque le dra ma for mi dá vel –

uma pos ses são re mo ta e qua se des po vo a da a bra ços com um in va sorcul to, for te e or ga ni za do – re to cou o Bra sil na sua fi si o no mia de fi ni -ti va.

Quando, em 1624, uma ar ma da fla men ga se apos sou da Bahia,era o Bra sil uma vaga ex pe riên cia do gê nio co lo ni al do tem po: de sa gre -gado, im pre ci so, ma me lu co, com as fe i to ri as da cos ta se pa ra das pordis tân ci as enor mes, a po pu la ção dis se mi na da pe los en ge nhos de açú car.Pois em 1654, quan do Re ci fe, úl ti ma po si ção ho lan de sa, se ren deu aoexér ci to luso-brasí li co, ha via ali um povo.

Den tro de tão cur to tem po o pro ces so de ela bo ra ção so ci alachou a fór mu la “bra si le i ra”: ali a dos, para a re pul sa do in tru so, ín dio,bran co e ne gro, aco mo da dos no seu amor à ter ra ado ti va ou do ber ço,como se o de ver de de fen dê-la já fos se “pa tri o tis mo”. Hen ri que Diasale ga va já não po der vi ver lon ge de sua pá tria (Per nam bu co), fa lan do dein te res ses do Bra sil, que pela pri me i ra vez se de li ne a vam. Mais ge o grá fi caque et ni ca men te, as lu tas ho lan de sas re ve la ram o Bra sil, que foi pal mi -lha do des de o Espí ri to San to até o Ma ra nhão, de vas sa do ao lon go doli to ral, re vol vi do en tre S. Pa u lo e o Ma ra nhão. Pou cos dos ca mi nhosas sim ras ga dos na mata vi e ram a fe char-se ao po vo a men to. Re ti ra do oes tran ge i ro, fi ca va o sul co da sua ini ci a ti va: a in dús tria e o co mér cioco lo ni a is trans for ma-se por isso. Prin ci pal men te o la vra dor “ma zom bo” ad qui riu um es pí ri to de re gi o na lis mo, que não per deu até à eman ci pa ção da co lô nia. Em Per nam bu co, a se di ção ge ral con tra os ho lan de ses, con -quis ta do res da ter ra, foi pro e za dele.

O EPI SÓ DIO FLA MEN GOA Amé ri ca trans for mou a eco no mia eu ro péia. As na ções de

tra di ção ma rí ti ma, como a Ho lan da, su ces so ra da Liga Han seá ti ca, ousem essa tra di ção, como a Ingla ter ra, cuja ma ri nha sur giu com a ne ces si -da de ex pan si va do seu co mér cio – lan ça ram-se à “ca va la ria do oce a no”,rumo dos en tre pos tos de es pe ci a ri as, na es te i ra das ca ra ve las de Por tugal edos ga leões de Espa nha, que os des co bri ram. Onde o ibé ri co he si ta va

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 67

ou fra cas sa va, es ta be le cia-se, vi to ri o so, o sa xão ou o ba ta vo. As suasarma das cres ci am, com o en ri que ci men to da sua bur gue sia e a novaorien ta ção – para o luxo, as em pre sas co lo ni a is, o ca pi ta lis mo – da suaaris to cra cia mi li tar.

Portugal per deu a su pre ma cia do mar em 1530 ou 1540,quando a Espa nha se cons ti tu í ra a ma i or po tên cia do mun do; esta, porsua vez, viu-a so ço brar com a “Inven cí vel Arma da”, nas cos tas in gle sas.Depois, era a pró pria in de pen dên cia que per dia Por tu gal, com o ReiD. Sebas tião – e os ma res se co bri ram de cor sá ri os dos pa í ses ini mi gos de Cas te la.

Lis boa, fora, até en tão, o gran de por to eu ro peu das es pe ci a rias; fe cha do em 1585, ti nham os fla men gos e os in gle ses de ir pro cu rá-lasnas ter ras de ori gem.86

Foi a po lí ti ca da Ra i nha Eli sa beth – que cri ou a gran de Ingla -ter ra, pre ce den do de cem anos Col bert – gra ças à qual a ve lha Bri tâ nia,fe u dal e só bria, achou a sua vo ca ção ci vi li za do ra.

A Ho lan da pre ce deu a Ingla ter ra nes sa de sa gre ga ção do impé rio lu so-espanhol, e até o fim do sé cu lo XVII, mais rica, mais adi an ta da,mais em pre en de do ra, con ti nu ou – com o au xí lio e o ca pi tal do ju deupe nin su lar – a obra de Sa gres e do Rei D. Ma no el. Expor ta va três ve zesmais do que as ilhas bri tâ ni cas; ca pi ta li za va, como ou tro ra Ve ne za, e tantoque, em 1676, numa só pro vín cia fla men ga, ha via 65 mil ci da dãos queti nham di nhe i ro co lo ca do no es tran ge i ro. O ban co de de pó si tos, doEsta do, a ins ti tu i ção das “le tras de cré di to”, o sem-número de ban queiros,in te res sa dos em to dos os ne gó ci os, a con cen tra ção, em Amster dam dosca pi ta is ju da i cos – per mi ti am aos Esta dos Ge ra is a ex plo ra ção, sob afor ma de gran des com pa nhi as mer can tis, com es qua dra e exér ci tos pró -pri os, das ter ras d’além-mar pos su í das pe los po vos ad ver sá ri os. Ja ma isse jun ta ra, num cer to ter ri tó rio e en tre cer ta clas se, tan to di nhe i ro – obti doprinci pal men te das co lô ni as ibé ri cas que pa ga vam, com os seus produtostro pi cais, a ma nu fa tu ra es tran ge i ra. Evi den te men te, a par tir da que lemomen to, en tra ra o mun do numa fase im pre vis ta: ina u gu rou-a – modelo

68 Pe dro Calmon

86 RABELO DA SILVA, His tó ria de Por tu gal, IV, 618, Lis boa, 1862; G. T.SURFACE, The Story of Su gar, p. 23, New York, 1910; OCTAVE NOEL, Hist.du Com mer ce du Mon de, II, 152, Pa ris, 1894.

da explo ra ção ra ci o nal das con quis tas – a “Com pa nhia das Índi asOciden ta is”.87

Por tu gal, pas san do à Co roa de Espa nha em 1580, fe chou ospor tos à Ho lan da. Mas a na ve ga ção de ho lan de ses para o Bra sil – por queeles co bra vam o mais ba ra to fre te fo ram os co mis sá ri os pre fe ri dos – se fezaté 1603, como diz Frei Vi cen te do Sal va dor, sob a capa de ne go ci an tesde Lis boa, Por to e Vi a na.88 Na que le ano, ven do o rei o pre ju í zo que ad vi -nha aos na vi os por tu gue ses, me nos ar ma dos, por tan to me nos pro cu ra dos,man dou que no Bra sil fos sem tra ta dos por ini mi gos. Logo em 1604, o cor -sá rio Pa u lo van Ce u len ata cou a Ba hia, don de foi re pe li do. Era a vi o lên cia,su ce den do à in fil tra ção. Por de trás dos ma ri nhe i ros fla men gos, es ta va o ju -deu por tu guês de Amster dam e Haia. A este in te res sa va so bre tu do a re cu -pe ra ção, para os seus ne gó ci os, do Bra sil, que mu i tos den tre eles co nhe ci -am, de uma re si dên cia lon ga em Per nam bu co ou na Ba hia, onde Pyrard deLa val viu, em 1610, “si grand nom bre de cris ti a nos nu e vos”.89

Em 1618, por exem plo, ao San to Ofí cio, pela se gun da vez em vi si ta ao Bra sil (fora a pri me i ra em 1591), se di zia que 3 ou 4 mil bí bli asem lin gua gem sa íam de Flan dres, para cá – si nal de que ha via na co lô nia ou tros tan tos ju da i zan tes.90

A “Com pa nhia das Índi as Oci den ta is” (a exem plo da Com pa -nhia das Índi as Ori en ta is, fun da da em 1602), au to ri za da pelo go ver noho lan dês, em 3 de ju nho de 1621, a fa zer, com um pri vi lé gio de 24 anos, a ex plo ra ção co mer ci al das co lô ni as que fun das se – re u niu logo am plosre cur sos ju da i cos (7 mi lhões de flo rins) e se tor nou uma so ci e da de de

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 69

87 A pri me i ra com pa nhia de co mér cio co lo ni al foi por tu gue sa: man dou oInfan te D. Hen ri que criá-la em La gos, na Áfri ca, em 1444. (A. L. de Alme i daNe gre i ros, Co lo ni es Por tu ga i ses – Les Orga nis mes Po li ti ques Indi ge nes, p. 62, Pa ris,1910.)

88 His tó ria do Bra sil, 2ª ed., p. 404. So bre as qua li da des no vas da ma ri nha ho lan de sa, vd. PIERRE CONNAUD, La co lo ni sa ti on hol lan da i se á Java, p. 218, Pa ris, 1905.Entre 1595 e 1601 de i xa ram a Ho lan da, para o Ori en te, 65 na vi os; no mes mo pe río do, e para o mes mo des ti no, 33 na vi os por tu gue ses... DAVID LOPES, AExpan são da lín gua por tu gue sa no Ori en te, p. 12, Bar ce los, 1936.

89 Vo ya ge, etc., p. 539.90 De nun ci a ções do San to Ofí cio, Ba hia, ms. inéd., p. 86. Os cris tãos no vos por tu gue ses

do Peru tam bém tra ma vam com Ho lan da, RICARDO PALMA, Tra di ci o nesPe ru a nas, III, 55, Ma drid.

gran des ne go ci an tes des sa re li gião, por tu gue ses – ju de us prin ci pal men te, dos qua is dis se Vi e i ra, pos to “não se jam as pes so as ime di a tas das Bol sas,en tram nas mes mas Com pa nhi as com gran des so mas de di nhe i ro, quediverti das de Por tu gal não só lhe fa zem gran de fal ta, mas tam bém grandeguer ra”.91

O seu erro foi ter di ri gi do as ex pe di ções para a Ba hia (1624) e Per nam bu co (1631), que eram os cen tros vi ta is da Amé ri ca por tu gue sa,por isso di fi cil men te as si mi lá ve is.

Tão ab sur da, aliás, pa re cia na Ba hia uma ten ta ti va de con quistada ci da de, que o Bis po D. Mar cos Te i xe i ra dis su a di ra os mo ra do res deum apres to mi li tar, que os rou bas se às suas la vou ras; numa no i te e numdia (9-10 de maio) a fro ta fla men ga, le van do a bor do uns ho lan de sesprá ti cos da ter ra, como Fran cis co Duchs, de i tou na pon ta do Pa drãouma for ça de mil ho mens, des tro çou a guar ni ção do for te da Bar ra etomou a pra ça sem ou tro in ci den te – apro ve i tan do-se da no i te a po pu -lação para fu gir com al vo ro ço e pa vor.

Por um ano os in va so res es ti ve ram na Ba hia, en cur ra la dos en -tre os seus mu ros, sem cam po para la vra rem os ali men tos, aper ta dospelo cer co dos mo ra do res em ar mas, de sa lo ja dos afi nal com a aju da degrossa ar ma da lu so-espanhola, sob o co man do de D. Fra di que de Toledo, a maior que até en tão vi e ra ao Bra sil. Ren de ram-se – e nos seus pró priosna vi os re ti ra ram-se para a Ho lan da.

CON QUIS TA DE PER NAM BU COVol ta ram so bre Per nam bu co – es ti mu la dos pelo sa que que

Piet Heyn, em 1627, pu se ra ao re côn ca vo da Ba hia: lu cro que de al gummodo re pa rou o pre ju í zo an te ri or da Com pa nhia das Índi as Oci den ta is.O mes mo al mi ran te deu-lhe nada me nos de 9 mi lhões de du ca dos em1628, quan do cap tu rou, na baía de Ma tan za, a “fro ta da pra ta”, que ia do Peru. Esse di nhe i ro de ci diu a Ho lan da à sua gran de aven tu ra doBrasil (1631–1654). Naar t’suikerland .

Ma ti as de Albu quer que, ca pi tão de Per nam bu co, acha va-seem Ma dri, quan do sou be do apa re lha men to da ex pe di ção. Ime di a ta mentepar tiu para o Bra sil, re u niu os ho mens vá li dos de Per nam bu co e or ga nizou

70 Pe dro Calmon

91 Doc. in J. LÚCIO D’AZEVEDO, His tó ria de Antô nio Vi e i ra, I, 80, Lis boa, 1918.

a de fe sa da ter ra com um zelo tal que lha to mou o ini mi go, mas ao cabo de cin co anos de uma luta re nhi da.

A GU ER RA DE PER NAM BU COA ex pe di ção ho lan de sa com pu nha-se de 61 na vi os e 7.300

ho mens. De sem bar can do em Pau Ama re lo, lan ça ram-se os in va so resso bre Re ci fe, con quis ta do a 2 de mar ço de 1630. Ma ti as de Albu quer que e os de fen so res da ter ra for ti fi ca ram-se en tre os rios Be be ri be e Ca pi ba -ri be, no “Arra i al de Bom Je sus”, onde se man ti ve ram.

Cu i dou nos en tre men tes a Cor te de Ma dri de en vi ar for tear ma da (sob o co man do de D. Antônio de Oquen do), que res ta u -ras se as pra ças per di das. A fro ta es pa nho la en con trou, na al tu ra dos Abro lhos, a es qua dra fla men ga de Adrião Pa ter, e a um com ba te dere sul ta dos in de ci sos se re du ziu a sua ação.

Sem van ta gens ma i o res pros se guiu a guer ra, à vol ta do“Arra i al”, re pe li das as ten ta ti vas ho lan de sas de ocu pa ção da Pa ra í ba (1631) e do cabo de San to Agos ti nho (1632), até que, ob ten do aami za de de um ser ta nis ta mu la to, Do min gos Ca la bar, lo gra ram to mar eque i mar a vila de Iga ra çu, e es ten der afi nal a ocu pa ção à ilha de Ita -ma ra cá, ao Rio Gran de, à Pa ra í ba e ao Cabo... (1634).

O “Arra i al” caiu em 1635, de po is de um cer co de três me -ses, que lhe pôs o Co ro nel Arcis zensky (6 de ju nho).

Só en tão os su ces sos da Com pa nhia das Índi as Oci den ta is re -com pen sa ram os sa cri fí ci os de uma luta tão con ti nu a da e ás pe ra: en -quan to, por mar, o Almi ran te Lich thardt am pli a va a pos se ho lan de sa àBar ra Gran de e a Por to Cal vo, em Ala go as, von Schkop pe fa zia ca pi tu -lar o for te de Na za ré e de li be ra va Albu quer que re ti rar para o sul, acom -pa nha do de quan tos mo a do res pre fe ris sem ris cos e pe nas da jor na da àbru ta li da de do ven ce dor – ho mem de ou tra na ção e ou tra fé.

A 19 de ju lho, em mar cha para as Ala go as, Albu quer quere to mou Por to Cal vo, apri si o nou e en for cou a Ca la bar.

De bal de re for ços es pa nhóis pro cu ra ram re a ni mar a re sis -tên cia, que bra da; o ge ne ral, que veio de Cas te la, D. Luiz de Ro jas yBor ja, mor reu na de sas tra da ba ta lha de Mata Re don da (18 de ja ne i rode 1636) e, ao que cons tou, de uma bala por tu gue sa.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 71

Assu miu o co man do do exér ci to na ti vis ta o Conde de Ba -nho lo, ofi ci al na po li ta no, que, des de 1631, mi li ta va em Per nam bu -co. Não sou be con ser var-se em Por to Cal vo. Entre tan to a Ho lan dare me tia para Re ci fe, a go ver nar o novo do mí nio, um prín ci pe de san gue,Ma urí cio de Nas sau. So bre a sua ele va da hi e rar quia, ti nha os mé ri tosde ho mem de Esta do; mais ad mi nis tra dor do que guer re i ro, o seusen so po lí ti co ope rou no Bra sil ne er lan dês os prodí gios de um go ver noto le ran te, lú ci do e em pre en de dor, ca paz de re con ci li ar, nas re giõesocu pa das, ca tó li cos e cal vi nis tas, e de or ga ni zar a co lô nia, con so li dar-lheo co mér cio, en ri que cê-la, a des pe i to da cru en ta cam pa nha.

Ba nho lo con ti nu ou a re ti rar, para Ser gi pe, para a Tor re deGar cia D’Ávila e daí para a Ba hia. Von Schkop pe, pas san do o rio deS. Fran cis co, que pa re cia a fron te i ra na tu ral do “Bra sil ho lan dês”, le vantouàs mar gens do rio Real um for tim.

Jul gan do des guar ne ci da a Ba hia, ar ris cou Nas sau um gol peau daz, qual o as sal to à ca pi tal da “Amé ri ca por tu gue sa”, em abril de 1638.Ba nho lo acu diu a tem po. De bal de os fla men gos, que de sem bar ca ram emnú me ro de 6 mil, ten ta ram re du zir a de fe sa da trin che i ra de San to Antônio.Ven ci dos, e com pe sa das per das, vol ta ram para Per nam bu co – quan do seen tre gou Nas sau à exe cu ção de um lar go pro gra ma de obras pú bli cas ere for mas po lí ti co-eco nô mi cas, que lhe con su mi ram o fe cun do oc tê nio.

A luta ar ras tou-se sem vi vos co lo ri dos na fron te i ra do S.Fran cis co, até que à Ba hia che gou, a 17 de fe ve re i ro de 1641, a no tí ciade es tar acla ma do Rei de Por tu gal D. João IV. Já, des de no vem bro de1640, o Mar quês de Mon tal vão, Vi ce-Rei do Bra sil, e o Prín ci pe de Nassau, ti nham en tra do em cor di al en ten di men to, por que não se moles tas sempor tu gue ses e ho lan de ses, de sis tin do de uma guer ra in gra ta e inú til, afim de re a ve rem, com sua tré gua ili mi ta da, a tran qüi li da de de que ne ces -si ta vam para o tra ba lho dos cam pos.

A ale gria que re i nou em Re ci fe, ao sa ber Nas sau da ele va ção aotro no de rei por tu guês, as si na lou o iní cio de uma era de co lo ni za ção es tá vel e pa cí fi ca, que de fato va lia pelo com ple to êxi to da Com pa nhia das Índi asOci den ta is. Fi ze ra-se o seu gran de Esta do na Amé ri ca do Sul; re co nhe ci dode Por tu gal, pou co de po is, esse rico Esta do pro me tia à Ho lan da vas tos,in cal cu lá ve is re cur sos. Então não hou ve so nho co lo ni al me lhor lo gra do,nem em pre sa tran sa tlân ti ca de pers pec ti vas mais fa vo rá ve is.

72 Pe dro Calmon

O ÊXI TO DO INVA SORO erro es sen ci al do in va sor não fora a in tro du ção de ju de us –

so ma vam 5 mil – na vida ad mi nis tra ti va de Per nam bu co, nem a in to le -rân cia ou a opres são po lí ti ca, se não o es bu lho dos en ge nhos, que ren deu co i sa de 500 mil flo rins, con tra os por tu gue ses que se lhe opu se ram,segui do da in va são do Ma ra nhão.

As fa mí li as dos es po li a dos – nu me ro sas e prin ci pa is – nãoper do a ram a in jú ria; san gra vam-lhes os tor men tos da re ti ra da de 1635;afi nal an si a vam pela vol ta aos la res, pela res ti tu i ção às suas igre jas docul to tra di ci o nal, pela vin gan ça dos pa ren tes imo la dos no de cur so dedez anos de es ca ra mu ças.

A Com pa nhia das Índi as Oci den ta is re a li zou os seus ob je ti vos com sur pre en den te fe li ci da de até 1645.

Du ran te tre ze anos (1626–1639) os seus lu cros nun ca fo ramin fe ri o res a 25%. Lan ça ra a Ho lan da aos ma res oi to cen tas ve las, quecru za ram os oce a nos, en quan to se en ri que cia com 545 na vi os, quan tos na que le pe río do apre en de ra a por tu gue ses e es pa nhóis; só o va lor das pre sas mon ta ra a 90 mi lhões de flo rins, ao pas so que nos seus ar ma -men tos gas ta ra a Com pa nhia ape nas 45 mi lhões. As suas fi nan çasmos tra vam-se prós pe ras e cres cen tes, mes mo nos tem pos em que aame a ça das ar ma das ca tó li cas afli gi ra os mer ca do res de Re ci fe.

A prin ci pal re ce i ta era o di re i to so bre o açú car ex por ta do,fi xa do em 30%: pois, em 1639, o Bra sil ho lan dês man da ra para Amster -dam 33 mil ca i xas.

Pro du ção enor me foi aque la, se as três ca pi ta ni as do nor teexpor ta ram, em 1618, se gun do o au tor dos Diá lo gos das Gran de zas, pou co mais de 14 mil ca i xas, levando a fro ta de 1610, uma das ma i o res quenave ga ram pro du tos co lo ni a is, 21 mil. Até 1645 – ano da in sur re i çãoper nam bu ca na – as ex por ta ções e im por ta ções fla men gas au men ta rampro ges si va men te, aco ro ço a das pela paz de 1641 com os vi zi nhos por tu -gue ses. Diz Frei Ma no el Cal la do que do brões de ouro e pra ta cor ri amem to das as mãos, em Re ci fe.92 A acla ma ção de D. João IV re pre sen ta ra a sú bi tas a conso li da ção do do mí nio ho lan dês na Amé ri ca do Sul e a

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 73

92 O Va lo ro so Lu ci de no, p. 53, Lis boa, 1668.

defi ni ti va ocupa ção da fa i xa agrí co la es ten di da en tre os rios Po ten gi eS. Fran cis co. A di plo ma cia por tu gue sa não cu i dou de re i vin di cá-la, an tes se es for çou por que Ho lan da se con ten tas se com isto, ao pas so que todas as for ças de Por tu gal se des ti na vam a im pe dir a in va são cas te lha na.

Antônio Vi e i ra acon se lhou o Rei D. João a ace i tar a paz comHo lan da so bre a base da en tre ga de Per nam bu co, “que a paz com osho lan de ses era to tal men te ne ces sá ria e a guer ra ma ni fes ta men te im pos -sí vel”,93 pa gan do-se ade ma is uma in de ni za ção à Com pa nhia. Con si de -rou a re be lião dos per nam bu ca nos um mi la gre, que os em ba i xa do res dePor tu gal não pu de ram pre ver em 1641–42; e mes mo em 1647 – em plena guerra de sen ca de a da em Per nam bu co, man da ria ain da D. João IV ofe receraos Esta dos Ge ra is a res ti tu i ção da que la con quis ta, con tan to que con se -guis sem a paz en tre Por tu gal e Espa nha.94

De nada va le ra o ofe re ci men to ré gio: os bra si le i ros es ta vamem ar mas, e já não se ria pos sí vel ar ran car-lhas.

RE CU PE RA ÇÃO DA TER RAO “mi la gre” acon te ceu!Vi go ra vam as tré guas de dez anos, pac tu a das em Haia, em 12

de ju nho de 1641, há bil re cur so al can ça do pe los por tu gue ses para po de -rem mais co mo da men te re sis tir à Espa nha, na sua guer ra que se ar ras -tou de 1641 até 1668.

Se guiu-se à to ma da do Ma ra nhão – que alar mou a Cor te deLis boa e o res to do Bra sil – uma po lí ti ca ve xa tó ria em re la ção aos en ge -nhos de açú car da que la ca pi ta nia con quis ta da, que obri ga va o es tran ge i roa ter em cada po vo a ção al guns sol da dos de guar da. Con lu i a ram-se ospro pri e tá ri os ma ra nhen ses, em 30 de de zem bro de 1642, sur pre en de ram os ho lan de ses, des per ce bi dos da cons pi ra ção, ma ta ram a ma i o ria de les,em par ce i ra dos com os ín di os, pu se ram cer co a S. Luís. Um au xí lio doPará tor nou di fí cil a si tu a ção do ini mi go, mas uma for ça, que a tem polhe che gou, re pe liu os in sur re tos, que vol ta ram ao ata que me ses de po is,for çan do, em 28 de fe ve re i ro de 1644, a de so cu pa ção da ca pi ta nia.

74 Pe dro Calmon

93 VIEIRA, Car tas, II, 233.94 GARCIA, docs. in nota a Por to Se gu ro, III, 980.

Tão gran de tri un fo, na vi gên cia do tra ta do de tré guas, e es tan doain da a in de pen dên cia de Por tu gal in se gu ra na pe nín su la, sa cu diu do seu tor por a po pu la ção bra si le i ra.

O Go ver na dor da Ba hia, Antô nio Te les da Sil va, em de so be -diên cia às or dens do re i no, que lhe man da vam evi tas se hos ti li da des, cons -ti tu iu-se um co or de na dor da con ju ra ção, que se es ten deu a Pa ra í ba e aPer nam bu co, con tra os bel gas. Nas sau fora-se para a Eu ro pa, des gos to so(22 de maio de 1644). Era tem po de re pro du zir-se no Nor des te o dra mado Ma ra nhão. Por toda par te a aris to cra cia da ter ra, al vo ro ta da pe las no tí -ci as li son je i ras que che ga vam da guer ra de Por tu gal, sen tia-se re no va da, eapta para a luta con tra o in tru so. O go ver na dor se ria o pon to de apo io,André Vi dal de Ne gre i ros a in te li gên cia, João Fer nan des Vi e i ra a au dá cia,des se mo vi men to de li ber ta ção, que ti nha a igre ja a ins pi rá-lo e a gle bapor fi na li da de. De zes se is se nho res de en ge nho, além de Vi e i ra e Antô nioCa val can ti, as si na ram o com pro mis so de se le van ta rem com as ar mas, em 15 de maio de 1645. De nun ci a da a re vol ta, es tou rou ela an te ci pa da men te,em 13 de ju nho – e en gros sou-se, dia a dia, com as guer ri lhas da Ba hia, amo ci da de do ser tão, os se nho res de en ge nho e os ecle siás ti cos, que in fli -gi ram aos fla men gos os re ve ses su ces si vos de Mon te das Ta bo cas, Se ri -nha en, Casa For te, Pon tal, Pe ne do... A in sur re i ção ge ne ra li zou-se. Re ti ra -ram-se os ho lan de ses para Re ci fe. Os re bel des ape lam para o go ver no dePor tu gal. Ti nham-se re vol ta do sem ele, até con tra ele, e pro tes ta vam:“Com toda a sub mis são, pros tra dos aos pés de V. M., tor na mos a pe dirso cor ro e re mé dio com tal bre vi da de que nos não obri gue a de ses pe ra ção, pelo que toca ao cul to di vi no, a bus car em ou tro prín ci pe ca tó li co o quede V. M. es pe ram.”95 O rei aten deu-os tar de, pre mi do me nos por esseape lo e pe los so cor ros que de Ho lan da se gui am para os si ti a dos, do quepe las vi tó ri as des tes. Uma fro ta fla men ga apos sou-se da ilha de Ita pa ri ca(1647). Só se re ti ra ram daí os in va so res à no tí cia de uma ar ma da por tu -gue sa – sete me ses de po is. O mes tre de cam po Fran cis co Bar re to, man da -do pelo rei a go ver nar o Bra sil, as su miu o co man do dos per nam bu ca nos.Aos dois tri un fos que al can çou nos mon tes Gu a ra ra pes su ce deu o cer code Re ci fe e a ca pi tu la ção fi nal dos ho lan de ses (26 de ja ne i ro de 1654),con clu í da – após te naz re sis tên cia, com um es pí ri to co mer ci al im pre vis to.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 75

95 PORTO SEGURO, His tó ria Ge ral do Bra sil, 3ª ed. in te gral, III, 43.

Tan to que o ge ne ral-em-che fe dos ven ci dos, o va lo ro so Se gis mun do vonSchkop pe, per deu em Ho lan da be ne fí ci os e tra ta men tos...

COM PA NHI AS DE CO MÉR CIOLi ção amar ga, a Com pa nhia das Índi as Oci den ta is, que os

Esta dos Ge ra is ali men ta ram para a sua gló ria, su ge riu a Por tu gal a cri a ção da “Com pa nhia Ge ral do Co mér cio para o Bra sil”, acon se lha da peloPa dre Vi e i ra, com par te de ca pi tal ju deu (o al va rá de 6 de fe ve re i ro de1649 isen ta ra de con fis co os cris tãos no vos pe ni ten ci a dos pelo San to Ofí -cio que con cor res sem para ela); e uma sua fro ta ope rou o blo que io deRe ci fe, apres san do-lhe a ren di ção,96 en quan to ou tras le va ram a Lis boa “o que bas tou para sus ten tar a guer ra de Cas tel la, con ser var o re i no...”.97

O Mar quês de Pom bal imi ta ria mais tar de a Ho lan da, ten tan docor ri gir a de ca dên cia na ci o nal com so ci e da des por ações, que mo no po li -zas sem o co mér cio. Nis to se ria o sé cu lo XVIII tri bu tá rio do an te ri or.

De ve ras, a “Com pa nhia do Co mér cio” foi um in ci den te,numa sé rie de me di das pro te to ras da co lô nia, que des de en tão subs ti tu iu a Índia em cál cu los e ze los do go ver no: man da ram-lhe, para go ver ná-la,fi dal gos das ma i o res ca sas, como eram ou tro ra os vice-reis da Índia; aaris to cra cia dos en ge nhos en so ber be ceu-se de pri vi lé gi os; a de sí dia dosdo na tá ri os em re la ção às suas ca pi ta ni as, que não sou be ram de fen der(Per nam bu co, Ma ra nhão, Ita ma ra cá...) mar cou uma fase de ab sor ção,pela Co roa, des ses di re i tos já ob so le tos.

O Nor des te fi ca ra de vas sa do. O re flu xo das po pu la ções parao in te ri or ras ga ra à co lo ni za ção ou tros ho ri zon tes.

Cir cuns tân cia no tá vel, o la vra dor por tu guês não fora ex pe li do,mas sub me ti do ao es tran ge i ro, me lhor mer ca dor e na ve gan te do queplan ta dor de ca nas: quan do o es tran ge i ro se foi, o la vra dor con ti nu ou o

76 Pe dro Calmon

96 RODOLFO GARCIA, nota a Por to Se gu ro, Hist. Ger., III, 95. Fora pro pos ta por ANTÔNIO V IEIRA em 1641, Car tas, II, 226. O Con de de Oli va res, em 1623,ten ta ra, sem re sul ta do, fun dar uma com pa nhia por tu gue sa de co mér cio para re sis tir à ho lan de sa, CH. DE LANNOY ET HERMAN VAN DER LINDEN, His to i -re co lo ni a le des pe u ples eu ro péens, Por tu gal et Espag ne, p. 147, Bru xel les, 1907. So bre com pa -nhi as por tu gue sas de co mér cio: S. S. DE ALMEIDA NEGREIROS, Les or ga -nis mes po li ti ques Indi ge nes, p. 63, Pa ris, 1911.

97 Car ta ao Con de de Eri ce i ra, Car tas, II, 226.

seu tra ba lho. Dos ho lan de ses, dis se Vi e i ra, “nun ca ti ve ram in dús tria para tra tar ne gros nem la vou ras ou en ge nhos de açú car e sem os la vra do respor tu gue ses ne nhu ma uti li da de po di am ti rar da que la ter ra...”

A in dús tria, aper fe i ço a da prin ci pal men te na sua par te hi dráu -li ca, avanta jou-se, gra ças à or dem e aos mé to dos do ne go ci an te ho landês, o mes mo que, ex pul so do Bra sil, em 1654, foi es ta be le cer em Su ri name,Bar ba dos, Cu ra çau, a cul tu ra açu ca re i ra.98

Ho lan da pro pa ga ra os pro du tos tro pi ca is, le van do-os aocentro e ao nor te da Eu ro pa; tor nara as es pe ci a ri as gê ne ros de prime i ra ne cessi da de.

Por tudo isso, quan do ces sou a do mi na ção fla men ga emPer nam bu co, um pe río do de pros pe ri da de se lhe se guiu para todo oBra sil, que tão de pres sa se re a ni mou e re com pôs, que em bre ve as suas ci da des e vi las ad mi ra vam ao fo ras te i ro pela ri que za e im por tân cia dascons tru ções.

A NOVA CO LO NI ZA ÇÃOÀ sua guer ra de in de pen dên cia, que foi a sua guer ra de

conser vação, agra va da em 1648, quan do a Espa nha fez a paz com aHo lan da, sa cri fi cou Portu gal o im pé rio asiá ti co e afri ca no de D. Ma no ele D. João III.99

Os ho lan de ses per de ram o Bra sil, mas ga nha ram Má laga(1641). Bor néu, Co lom bo, o res to da Ásia por tu gue sa com ex ce ção deDiu, Ca le cut, Co chim, Ca na nor, Cu lan, Cha ul e Da bul... Na Áfri ca sócon segui ram os por tu gue ses re ter Mo çam bi que, So fa la. Me lin de na cos taori en tal, e na oci den tal o Con go, Ango la, Ben gue la e Luan da. Em 1653o fla men go es ta be le cia-se no Cabo da Boa Espe ran ça.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 77

98 J. LUCIO D’AZEVEDO, His tó ria dos cris tãos-no vos por tu gue ses, p. 435, Lis boa,1922. Tam bém ARGEU GUIMARÃES, Os Ju de us Por tu gue ses e Bra si le i ros na Amé -ri ca Espa nho la, p. 309 (ex tra í do do Jor nal de la Soc. des Ame ri ca nis tes , 1926). Os ho -lan de ses le va ram para as Anti lhas o “sis te ma do Bra sil”, de se dar ao es cra vo um dia por se ma na para a sua pró pria la vou ra; sis te ma de edu ca ção pelo tra ba lho ede re la ti va au to no mia eco nô mi ca do ne gro.

99 Vd. MORSE STEPHENS, Ru lers of India, p. 202, Oxford, 1897: atri bui a per dado ori en te à união com Espa nha e ao es go ta men to do país em vir tu de dos sa cri -fí ci os da con quis ta.

Era todo um ci clo his tó ri co – o do ori en te – que se en cer ra va; su ce dia-lhe o ra ci o na lis mo eco nô mi co dos po vos do nor te, com a co lo -ni za ção ho lan de sa ri go ro sa men te mer can til e ca pi ta lis ta, para a qual sóse mos tra vam afe i tas as na ções in dus tri a is, como as Pro vín ci as Uni das ea Ingla ter ra.

A con ser va ção do Bra sil, vi tó ria da gen te bra si le i ra, seu“mi la gre”, se gun do Antônio Vi e i ra, im por ta va, por igual, a pro je ção dogê nio co lo ni al por tu guês fora da que le ci clo he rói co; po rém já não era oPor tu gal das des co ber tas e das con quis tas que se re via no Bra sil res ta u ra dode 1654.

A fase mi li tar en co bri ra na Amé ri ca a for ma ção ét ni ca e eco -nô mi ca de um novo Esta do, e de fato pu de ra ele dis pen sar o au xí lio dame tró po le, mes mo quan do a bra ços com tão po de ro so ini mi go como oho lan dês. Nem o Bra sil se li mi ta ra, com os pró pri os re cur sos, a ex pul sar o ba ta vo; fora Sal va dor Cor rêa de Sá, com uma ex pe di ção que ar mouno Rio de Ja ne i ro, me di an te do na ti vos dos co mer ci an tes e pro pri e tá ri oslo ca is,100 res ta u rar Ango la, de lá de sa lo jan do uma guar ni ção ho lan de sa(1648); e nu me ro sos bra si le i ros fi gu ra ram no exér ci to de D. João IV,du ran te toda a guer ra de Espa nha.

Num dos tran ses da que la luta, em 1654, che gou a Ra i nha-mãe Luíza de Guzmán a man dar ao Bra sil Fran cis co de Bri to Fre i re, “não só a go ver nar Per nam bu co, mas para pre ve nir a seus fi lhos uma re ti ra da se gu rano caso em que al gum su ces so ad ver so, que en tão mu i to se te mia,ne ces si tas se des te úl ti mo re mé dio” (re ve lou Vi e i ra).101

Já se ria a co lô nia re fú gio e sal va guar da da me tró po le.Um sé cu lo e meio de po is abri ga ria a Cor te por tu gue sa, var ri -

da de Lis boa por ou tra guer ra.

78 Pe dro Calmon

100 PORTO SEGURO, His tó ria Ge ral, III, 66.101 VIEIRA, Car tas, II, 323. Crom well pre pa ra va-se para con quis tar o Bra sil, quan do

lhe so bre ve io a mor te (HOUSTON STEWART CHAMBERLAIN, La Ge ne sesdu XIX me Siè cle, p. 1171, Pa ris, 1913).

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

VIIO Con tor no do País – A Expan são

Ser ta nis ta – Enfim uma Pá tria

À fase da de fe sa da ter ra se se guiu a da sua am pli a ção. Sem um fim po lí ti co, por que a ex pan são ti nha ime di a to ob je ti vo eco nô -mi co; sem um pla no dado, se o ban de i ran te era um nô ma de dos ser tões.

Um sé cu lo le va ra o co lo no he si tan te à por ta do de ser to, semâni mo de en trar.

Gân da vo es tra nha ra: “Não há pela ter ra aden tro po vo a ções depor tu gue ses por ca u sa dos ín di os que não no con sen tem e tam bém peloso cor ro e tra tos do Re i no lhes é ne ces sá rio es ta rem jun to ao mar...”102. Em 1618, o au tor do Diá lo go das Gran de zas, di zia que os mo ra do res se con ten ta -vam de “nas fral das do mar se ocu pa rem so men te em fa zer açú ca res”.103 E Frei Vi cen te do Sal va dor nove anos de po is, cen su ra va: “Da lar gu ra que ater ra do Bra sil tem para o ser tão não tra to, por que até ago ra não hou vequem a an das se pela ne gli gên cia dos por tu gue ses que, sen do gran descon quis ta do res de ter ras, não se apro ve i tam de las, mas con ten tam-se deas an dar ar ra nhan do ao lon go do mar como ca ran gue jos”.104

102 Tra ta do da Ter ra , p. 26.103 Diá lo go das Gran de zas, ed. da Acad., p. 28.104 His tó ria do Bra sil, p. 19.

Cem anos mais tar de tudo foi di fe ren te. E a po lí ti ca su ce deu à aven tu ra. Assim a di plo ma cia con sa grou a obra anô ni ma dos pi o ne i ros,e o Bra sil al can çou os li mi tes atu a is.

Hou ve três gran des nú cle os de ex pan são: o de S. Pa u lo, queabran geu o sul do país e o oes te; o da Ba hia, que en con trou, de um lado, a ir ra di a ção pa u lis ta, do ou tro as ten ta ti vas, si mul tâ ne as, de po vo a men to do nor te; e o do Pará, en tre o Ma ra nhão e o Ama zo nas.

A ar ti cu la ção dos três cen tros de des co bri men to e in va são doin te ri or pro por ci o nou à co lo ni za ção esse as pec to ab sor ven te – os his pa -no-ame ri ca nos cha ma ri am im pe ri a lis ta – que uma úni ca di re ção ci vil-mi -li tar ja ma is ex pli ca ria.

A fal ta de co ne xão da que les mo vi men tos e a sua ín do le di ver sa vem daí.

Por que o pa u lis ta, nos cam pos ge ra is, e o pa ra en se, peloAma zo nas aci ma, os dois bra si le i ros, pro du tos das mes mas in fluên ci asme so ló gi cas, se an te ci pa ram ao es tran ge i ro e le va ram o seu idi o ma, asua raça, a sua re li gião, às ex tre mas da co lô nia. Tão ver da de i ra foi essacir cuns tân cia – iden ti da de de raça em me i os di fe ren tes cri an do umaci vi li za ção ho mo gê nea, que ape nas se ma ti za va do fe nô me no ge o grá fi copre pon de ran te – que a to po ní mia por tu gue sa não va ri a va, por todo oBra sil, des de o Alto Ama zo nas à sa va na ga ú cha. O co lo no por tu guêsba ti zou uni for me men te a ter ra, deu-lhe aos aci den tes as mes masde sig na ções, por toda par te es pa lhou as suas tradições na ci o na is. Emto dos os Esta dos do Bra sil há uma lo ca li da de “Boa Vis ta” (já o re pa ra ra Sa int-Hi la i re no Pa ra ná), uma “Vol ta Gran de”, uma “Roça Nova”, uma“Vár zea Ale gre”, uma “Ta pe ra”, um “Cur ra li nho”... O to pô ni mo queocor re no Ma ra nhão e no Pi a uí, per du ra em San ta Ca ta ri na e no RioGran de do Sul, an tes e de po is da Car ta-Ré gia de 14 de se tem bro de1758, que man da va ba nir das no vas po vo a ções os no mes in dí ge nas. 105

O ho mem – eis o que im por ta 106 – era o mes mo. A fa mí lia, a lín gua, acren ça, de po is as ins ti tu i ções lo ca is, con ti nu a ram as mes mas.

80 Pe dro Calmon

105 TRISTÃO ARARIPE, Bo le tim da Soc. de Ge ogr., do Rio de Ja ne i ro, I, 132 (1885).106 O pri me i ro ele men to da ge o gra fia hu ma na é o ho mem. BRUNHES &

VALLAUX, La Géo grap hie de l’Histoire, p. 66.

O de sen vol vi men to do Bra sil, ao con trá rio do que se ob ser -va em ou tros po vos, re cla mou sem pre uma mo vi men ta ção de to das assuas cé lu las: ci da des pa ra das fo ram ci da des mor tas. Ape nas a era dasmi nas (1691–1750) deu a essa agi ta ção per ma nen te ori en ta ções im pre -vis tas. Este ve em ris co de pe re cer a cul tu ra da cana. So fre ram fome,em Mi nas Ge ra is, os ávi dos ga rim pe i ros. Vas tos ter ri tó ri os po vo a -ram-se de re pen te, como por mi la gre. E a ci vi li za ção, que se gui ra a li -nha do li to ral, re flu ía para o cen tro do con ti nen te, cri an do as opu len tasvi las mi ne i ras, Go iás e Mato Gros so. Sem o de lí rio das mi nas d’ouro, o po vo a men to se te ria de fi ni ti va men te con sa gra do à in dús tria pas to ril –for man do no Sul uma se gun da Argen ti na – e à agri cul tu ra no Nor te.

Os je su í tas de bal de pro cu ra ram des vi ar os pa u lis tas do seu mis -ter de ca ça do res de ín di os – des de João Ra ma lho. De iní cio, a po vo a çãode San to André foi o va lha cou to de fa cí no ras – como a viu Ulri coSchmi del – e os pa dres, can sa dos de con ver tê-los, con se gui ram, de Memde Sá, a ex tin ção da vila, pas san do para S. Pa u lo os mo ra do res (1560).107

Não lhes va leu a ab sor ção. João Ra ma lho exi lou-se, afi nal,para as mar gens do rio Pa ra í ba, e os pa u lis tas, os ma me lu cos fa lan do alín gua tupi, “uns ho mens como sel va gens”,108 sa í ram pe los ma tos ecam pos a apre sar gen ti os. Des te 1553 por tu gue ses de San ta Ca ta ri naiam ar re ba tar es cra vos ín di os, prin ci pal men te mu lhe res ín di as, na pró -pria re gião do Pa ra guai.109 De uma fe i ta, nas Mis sões, ar re ba nha ram 3mil. Era em 1612, e ape nas co me ça vam os seus ata ques às tri bos gua -ra nis. A ex pe di ção de 1629 foi cons ti tu í da por 900 pa u lis tas e 2 mil in -dí ge nas. Na vila de S. Pa u lo fi ca ram ape nas 25 ho mens vá li dos!110

O pa u lis ta era um guer re i ro, mas com fa cul da des de fi xa çãoper fe i ta men te pa tri ar ca is. Em ge ral a sua ida de aven tu re i ra cor res pon diaaos anos da ro bus tez; afa zen da va-se na ve lhi ce, como um co lo no só brio e

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 81

107 AFONSO TAUNAY, Na Era das Ban de i ras, p. 15, S. Pa u lo, 1922: Car tas do Bra sil ,ed. da Aca de mia, I, 218.

108 Car tas do Bra sil, II, 104.109 ENRIQUE DE GANDIA, Las Mi si o nes Je su i ti cas y los Ban de i ran tes Pa u lis tas, p. 17,

Bu e nos Ai res, 1936.110 GANDIA, op. cit., p. 31. Tam bém: A. TAUNAY, S. Pa u lo nos pri me i ros anos, p. 26.

“Os ve re a do res de 1572...es ta vam de ca mi nho para o mato e de i xa vam osseus car gos...”

pro du ti vo. Va mos por isso en con trar clans pa u lis tas do sé cu lo XVII noscam pos de Cu ri ti ba,111 no rio das Ve lhas, no vale do S. Fran cis co, noPi a uí–-Ma ra nhão, na Pa ra í ba. Arra i a is com o nome de “Pa u lis ta” per -ma ne ce ram, na ma i o ria das ca pi ta ni as, por ves tí gio do ban de i ran te. Ape nasnas suas cor re ri as, des tru í ram, sem re cons tru ir, as al de i as je su í ti cas, doPa ra na pa ne ma para o sul, e por lá não lhes fi cou tra ço da pas sa gemalém das ru í nas, es sas mes mas iden ti fi ca das cem anos de po is. Em ge rala sua pa dro e i ra era Nos sa Se nho ra da Con ce i ção; pois, com esta in vo ca -ção, ha via no Bra sil há meio sé cu lo 213 lo ca li da des. Fato no tá vel, aque laex pan são foi tão vas ta que, no pe río do das guer ras de 1762–-1777,ex pe di ções su ces si vas pro cu ra ram des co brir-lhes os ras tros no ca mi nhode Gu a í ra, nas mar gens do Pa ra na pa ne ma (mi nas de Api aí) e nos cam pos do Rio Gran de do Sul. Como ma ri nhe i ros atur di dos na so li dão do mar,os sol da dos por tu gue ses e bra sí li cos ori en ta ram-se pela tra di ção das per -di das “tra ves si as”, que não de i xa ram ro te i ro nem mar cos. São, pri me i ra -men te, es ta ções de jor na da – quan do ul tra pas sa vam a raia das ter ras efe -ti va men te po vo a das (Mogi, Jun di aí, Ta u ba té, So ro ca ba, Itu). A pró priavila de S. Pa u lo es va zi a va-se por ve zes: em 1623, por exem plo, es ta va“des pe ja da pe los mo ra do res se rem idos ao ser tão”.112

De S. Pa u lo ao Pa ra guai, o Go ver na dor D. Luiz de Cés pe des e Xé ria, em 1628, per cor reu um ca mi nho – o de Ulri co Schi mi del(1554) – que foi, por aque le tem po, ha bi tu al aos pi o ne i ros pi ra ti nin ga nos– ali men ta dos com a se men te da ara u cá ria.113

Em 1648 su ge ria Antô nio Vi e i ra: “Tam bém se pode in ten tara con quis ta do rio da Pra ta, de que an ti ga men te re ce bía mos tão con si de -rá ve is pro ve i tos pelo co mér cio, e se po dem con se guir ain da ma i o res, seaju da dos dos de S. Pa u lo mar char mos (como é mu i to fá cil) pela ter raaden tro, e con quis tar mos al gu mas ci da des sem de fe sa, e as mi nas de que elas e Espa nha se en ri que cem, cuja pra ta por aque le ca mi nho se podetra zer com mu i to me no res des pe sas.”114

82 Pe dro Calmon

111 “... A ma i or par te ou qua se dos do nos das di tas fa zen das (cam pos ge ra is) sãomo ra do res das vi las de San tos, Pa ra na guá, Itu e da ci da de de S. Pa u lo...” (Li -vro do Tom bo, da pa ró quia de Cu ri ti ba, 1747).

112 ALCÂNTARA MACHADO, Vida e mor te do Ban de i ran te, p. 249, S. Pa u lo, 1929.113 TAUNAY, Na Era das Ban de i ras, p. 89.114 Car tas, I, 39.

Os rios de fá cil na ve ga ção tor na ram dis pen sá vel o ca va lo,pos sí ve is as gran des ex pe di ções. Des de 1555, quan do o fi lho do Go ver na dor Du ar te da Cos ta, com seis ca va le i ros, der ro tou os tu pi nam bás re vol ta -dos na Ba hia, até a con quis ta do Pi a uí, onde sur ge mon ta da me ta de daex pe di ção, o ca va lo é no Nor te o com ple men to do ban de i ran te. Pois o pa u lis ta, cri a dor de eqüi nos no pla nal to, hou ve de des pre zá-lo paratrans por, nas suas ca no as, das mon ções, os vas tos ca u da is.115 O an da ri lho al ter na va com o ca no e i ro, e por pla ní ci es e águas se mo via com umaagi li da de as som bro sa; com ba tia a pé. O pa u lis ta vol ta a ser ca va le i rona sua ex pan são pas to ril rumo do Sul, por So ro ca ba e Ita ra ré, pe los“cam pos ge ra is”, até o Rio Gran de – e na ar ran ca da para Go iás (via Pa -ra ca tu) e Mato Gros so (eixo de Sant’Ana de Par na í ba).116

A po bre za pa u lis ta, a rus ti ci da de, a so bri e da de, a in di fe ren çades sa gen te pelo con for to, tão mal al fa i a das ti nham as ca sas e des pro vi das as ca nas tras – for ma vam um con tras te im pres si o nan te com o seu gê nioaven tu re i ro. Os tes ta men tos dos ban de i ran tes re ve lam a sua re la ti vain di gên cia, ape sar das pi lha gens fa mo sas: mes mo em ín di os, a for tu nade les não ia além de cem e du zen tas “pe ças”, como se não de ves sempos su ir mais nu me ro so sé qui to. Usa vam a “ar ma ção”, que é um adi an ta -men to em ar mas, mer ca do ria e es cra vos, para que, tra zi da a pre sa, par ti -ci pas se no lu cro, seu me e i ro, o “ar ma dor” ou ca pi ta lis ta. Fora des saco o pe ra ção, re pro du zi da em to das as re giões do con ti nen te, sem pre que a co lo ni za ção teve de com ba ter o in dí ge na, os gru pos se di vi di ram emfa mí li as e um in di vi du a lis mo pri mi ti vo tor nou o po vo a men to des co ne xo e ins tá vel. Hou ve uma in ces san te cor ri da às ter ras vir gens com o des lo -ca men to das cor ren tes po vo a do ras para o in te ri or (as es te pes são zo nasde mo vi men ta ção por ex ce lên cia, con fir ma Rat zel), a fim de apro pri ar-secada fa mí lia pas to ral da sua fa zen da. No Nor te, as dis tân ci as eram sem -pre de duas lé guas en tre as ha bi ta ções. Por isso, no iní cio do sé cu lo XIX,com uma po pu la ção igual à por tu gue sa do Re i no (4 mi lhões de ha bi tan tes)es ta va o Bra sil con quis ta do des de o Ama zo nas ao rio Uru guai, e a raça do -mi na do ra flo res cia en tre o Gu a po ré e o Atlân ti co, em pos se ple na do nos so país. – “Los de si er tos con vi dan a la in de pen den cia...”, re su mi ra Bol ívar.117

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 83

115 Vd. PEDRO TAQUES, No bi o li ar quia, ed. Ta u nay, I, 191.116 Vd. a nar ra ti va do P. MANOEL DA FONSECA, Vida do Pa dre Bel chi or de Pon tes,

caps. XVII e XVIII, ed. da Comp. Melh. de S. Pa u lo.117 SÍLVIO JÚLIO, Cé re bro e co ra ção de Bo li var , p. 22, Rio, 1931. Tam bém

GROUSSAC e JOSÉ INGENIEROS, La Re vo lu ci on, I, 21, Bu e nos Ai res, 1918.

RU MOS DO SER TÃOPar tia o ban de i ran te de S. Pa u lo e fran que a va, por Ita ra ré, os

cam pos do Pa ra ná, “aon de se come o pão sem o se me ar”, como dis seum au tor.118 Che gou à co lô nia do Sa cra men to no fim do sé cu lo XVII.De po is, acom pa nhan do o Pa ra na pa ne ma, saía no rio Pa ra ná, e se guiapara as mi nas do oci den te.

Por mar, os vi cen ti nos apos sa ram-se de S. Fran cis co, que os cas -te lha nos aban do na ram, e o ca pi tão-mor de Pa ra na guá Ga bri el de Lara alieri giu vila, em 1649.119 Pas sa va a ser a po vo a ção mais aus tral do Bra sil,antes de La gu na, do for te de Ja cuí no rio Par do. De Pa ra na guá, o mes moLara subira ao pla nal to, à cata de ouro (1648), que di zem la vrou no cha ma -do ar ra i al de Cima120 e fun dou a vila de Cu ri ti ba, em 1654 – con se qüên ciado es ta be le ci men to de Ma te us Mar tins Leme nos cam pos de Pi nha is.121

Pou co de po is, o pa u lis ta Fran cis co Dias Ve lho com sua fa mí lia e 500 es cra -vos fun dou Des ter ro (1675) – e, com a aju da do go ver no real, Do min gosde Bri to Pe i xo to, acom pa nha do de fi lhos e agre ga dos, La gu na (1682).

Os je su í tas fo ram atra í dos a Pa ra na guá em 1690; até 1720ti nham ir ra di a do a sua in fluên cia por toda a co mar ca.

Então os pa u li stas es ta be le ce ram, ao sul, um con ta to per ma nen -te com os ín di os “mi nu a nos”, em cu jas ter ras des cam pa das pe ne tra ram.

Era o mo vi men to à be i ra do mar, es co a do aos pés da cor di lheira.Mas os ca mi nhos do ser tão, ab so lu ta men te in de pen den tes dos da cos ta,des do bra vam-se com a mes ma se gu ran ça, pas san do o rio Ne gro, cor tan dopor “cima da ser ra do Rio Gran de de S. Pe dro do Sul por onde até hojeestão vin do anu al men te as in di zí ve is tro pas que têm dado tan ta uti li da de àreal fa zen da” (se gun do um do cu men to de 1797, até o pam pa – a “es tra dados con ven tos”, que o go ver na dor de S. Pa u lo, Antônio Cal de i ra Pi men tel,

84 Pe dro Calmon

118 FREI AGOSTINHO DE SANTA MARIA, San tuá rio Ma ri a no , X, 178, Lis boa,1723.

119 Vd. LUCAS BOITEUX, Peq. Hist. de San ta Ca ta ri na, p. 57, Flo ri a nó po lis, 1920.120 Car ta de Lou ren ço Ri be i ro de Andra de, 1797, in R. MARTINS, Cu ri ti ba de

Ou tro ra, p. 210, Cu ri ti ba, 1922.121 ROMÁRIO MARTINS, op. cit., p. 83. “Ha bi tam aque las vas tís si mas cam pi nas

mu i tas fa mí li as... abas ta das dos bens da for tu na pro ce di dos de gran des ma na dasde ga dos ca se i ros e sil ves tres, que co brem os cam pos...” P. MANOEL DAFONSECA, op. cit., p. 99.

man dou abrir em 1727. Fran cis co de Sousa Fa ria li gou La gu na ao rioNegro, após dois anos de pe no sos trab alhos: es ta va ras ga do o san gra dou ropara a cres cen te con den sa ção pas to ril das re giões gua ra nis.

GA DOS DO PAM PAPro vie ra aque le gado de pri mi ti vos currais... (1611–17) man ti dos

pelos es pa nhóis na mar gem es quer da do Pra ta,122 cuja ex pan são se fezlivre men te, na re gião ga ú cha, des de que ti ve ram os co lo nos de re co lher-se a ar ra i a is, em ra zão dos ata ques dos índi os char ruas e mi nu a nos, e mes modos pa u lis tas, de po is de 1640, con for me a tra di ção re co lhi da, em 1694, pelo go ver na dor da Co lô nia do sa cra men to, D. Fran cis co Na per de Len cas tre.

Nas “No tí ci as uti lís si mas à Co roa de Por tu gal e suas con quis -tas”, da ta das de 31 de ou tu bro de 1695, se di zia inu me rá vel o gado bra -vio exis ten te nos des cam pa dos de Va ca ria (nome que se ori gi na va des tefato). O mes mo go ver na dor da Nova Co lô nia, em 1694, co mu ni can doao do Rio de Ja ne i ro ser im pos sí vel a ex tin ção dos re ba nhos, avi sa vaes tar pre pa ran do 6 mil cou ros. Com dez ca va los pren de ra, de uma fe i ta, 700 re ses.123 Num re que ri men to, de 7 de ju nho de 1695, Ma no el Jor -dão da Sil va já se ofe re cia para po vo ar o Rio Gran de, me di an te uma aju da de 6 mil cru za dos e ín di os pa u lis tas: e em 1699 ob ti nha Antô nio Mo re i rada Cruz li cen ça para ca çar o gado que hou ves se en tre La gu na e o pos tode Cas ti lhos.124 Se me lhan te au to ri za ção im pli ca va em abrir-se ao“cor so” o pam pa, sem mais fron te i ra que o con ti ves se; pois foi aque le pre a dor de ga dos cas te lha nos o ver da de i ro po vo a dor do Rio Gran de doSul. Por que en trou pe las ter ras des pe ja das de es pa nhóis, en cur ra lou osbois que pôde tan ger, for ti fi cou-se num acam pa men to, a “es tân cia”, que se tor na ria em se gui da o seu for tim e a sua mo ra dia, e de nô ma de,es pé cie de gua i cu ru-cen ta u ro, afe i to às li des e emo ções da sua aven tu rapas to ril, se tor nou cri a dor tam bém. Esta be le ceu-se. Fi xou-se. Po rémcomo se fi xa vam os va que i ros, di vi di dos en tre a es tân cia e a co chi lha, rei ese nhor na sua vas ta pro pri e da de, ba li zan do-a com o olhar de cima do

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 85

122 Vd. B. CAVIGLIA HIJO, La di fu si on del bo vi no en nu es tro Uru guay, p. 58, Mon te vi déu, 1935.

123 Ana is da Bibl. Nac., docs. do Rio de Ja ne i ro, 1988.124 Ana is da Bibl. Nac., docs. do Rio de Ja ne i ro, 1981 e 2227.

seu ca va lo, pron to para de fen dê-la com uma in tre pi dez in com pa rá vel,sem pre pas tor, na sua vida ca va lhe i res ca, vi o len ta e sa dia... Foi o ho mem plas ma do pelo meio. O guas ca. O ga ú cho.

A CO LÔ NIA DO SA CRA MEN TONão ti nha sido de pe que na im por tân cia para a gra du al invasão

do pam pa a co lô nia mi li tar do Sa cra men to (ou “Nova Co lô nia”), ins ta lada à mar gem es quer da do rio da Pra ta, em 1679. Mar ca o iní cio de um dra -ma po lí ti co, que foi tra gé dia mu i tas ve zes, e san grou por sé cu lo e meio:a ques tão da “fron te i ra na tu ral”.

Qu i se ra o go ver no por tu guês re pa rar o erro de não se terapro ve i ta do da de sí dia es pa nho la, para ocu par uma das ban das da que lees tuá rio. Ha via nes sa po lí ti ca, co in ci den te com a ex pan são pa u lis ta, aidéia de dar ao Bra sil, no Sul, um li mi te aná lo go ao do Nor te – es ten den -do os do mí ni os lu si ta nos “ao pon to que a na tu re za lhes deu”, como ha -ve ria de re co men dar, em 1797, D. Ro dri go de Sou za Cou ti nho.125

D. Ma no el Lobo, fun da dor da Nova Co lô nia, vi e ra tam bémpor go ver na dor do Rio de Ja ne i ro – tão alta era a mis são. Ma lo grou-a apron ti dão com que os es pa nhóis ata ca ram os por tu gue ses ali for ti fi ca -dos; pri si o ne i ro, foi D. Ma no el Lobo mor rer em Bu e nos Ai res.

Mas não fal tou à Co lô nia, de po is de de vol vi da em 1683, umaas sis tên cia des ve la da de Lis boa e da Ba hia, se gui da de re cru ta men tos,re mes sas de na vi os e ou tros so cor ros – uma obs ti na ção mi li tar e po lí ti ca,que se pro lon gou, in ter mi ten te, até o sé cu lo XIX.126

Às lu tas fron te i ri ças de ve mos a ocu pa ção dos cam pos do RioGran de, pe ne tra dos des de 1614127– e a ab sor ção das an ti gas “mis sões

86 Pe dro Calmon

125 CALÓGERAS, Po lí ti ca Exte ri or do Impé rio, I, 271, Rio, 1927.126 FERNANDO CAPURRO, La Co lo nia del Sa cra men te, p. 19, Mon te vi déu, 1928. A

to po gra fia da Co lô nia não lhe per mi tia a de fe sa pro lon ga da. De bal de pro pu se ra oOu vi dor-Ge ral Tomé de Alme i da e Oli ve i ra a ocu pa ção de Mal do na do. L. E.AZAROLA GIL, Los ori ge nes de Mon te vi deo, p. 53, B. Ai res, 1933. Pro fe ti ca men te,Cu nha Bro cha do, em ba i xa dor de D. João V, es cre ve ra de Ma dri, em 1725:“Não te mos mais re mé dio que lar gar a Co lô nia que não vale nada e não temuti li da de e ser ven tia mais que dar-nos des gos tos e tar de ou cedo hão detomá-la.” (Ca e ta no Be i rão, Car tas da Ra i nha D. Ma ri a na Vi tó ria para a sua fa mí lia deEspa nha, I, LXXXVIII, Lis boa.

127 TAUNAY, Na Era das Ban de i ras, p. 91.

je su í ti cas”, por ter ras que os pa dres ti nham co lo ni za do des de o prin cí piodo sé cu lo XVII.

O po vo a men to das co chi lhas rio-gran den ses obe de ceu àsmes mas in jun ções da con quis ta de San ta Ca ta ri na. Po rém, ali como noNor des te, o ho mem ape nas co me çou a obra – do mi nan do, em 1737,com a for ti fi ca ção do Rio Gran de, le van ta da pelo Bri ga de i ro José da Sil va Paes, a la goa dos Pa tos, cujo san gra dou ro, “o Rio Gran de de S. Pe dro”dos je su í tas, dera nome à ter ra. O gado a con clu iu.

A Câ ma ra de La gu na pe di ra ao rei a re mes sa de ca sa is deaço ri a nos para a co lo ni za ção da nova ter ra: vi e ram cen to e ses sen ta,nú cleo efe ti vo do po vo a men to do Rio Gran de. Em 1731 Cris tó vãoPe re i ra de Abreu ini ci ou um co mér cio ati vís si mo, le van do em trêsme ses do Rio Gran de a Cu ri ti ba 800 ca be ças de gado. Pas sa da a ilu -são das mi nas de ouro, não hou ve me lhor ne gó cio no in te ri or doBra sil do que o de mu a res para a gran de fe i ra de So ro ca ba, que for -ne cia a Mi nas e Ba hia, em bre ve a todo o Nor te. Sa int-Hi la i re de pa -rou, em 1820, em ple no flo res ci men to aque le trá fi co, ava li a do, numano, em 18 mil bes tas.

O “UTI POSSIDETIS”

Acon te ceu que o Tra ta do de Ma dri, de 1750, ne go ci a do,por par te de Por tu gal, por Ale xan dre de Gus mão, ce dia à Espa nha aco lô nia do Sa cra men to, con tra os sete “po vos” je su í ti cos do nor te do Ibi cuí e ori en te do Uru guai – ata ca dos pe los pa u lis tas em 1638 e re o -cu pa dos pe los cas te lha nos em 1687, de po is do pri me i ro de sas tre da“Nova Co lô nia”.

Não con vi nha aos mis si o ná ri os a en tre ga das suas po vo a ções,onde, num re gí men de or dem ab so lu ta, sis te ma ti za vam a vida dos gua ra nis, por eles trans for ma dos numa dis ci pli na da “ci da de” de traba lha do res.Aqui lo era me nos de Espa nha que da Com pa nhia de Je sus; era sua pro -vín cia su je i ta ao Ge ral, como acen tu a va o mapa, fe i to em 1732, por João Be tru chi.128 Assim, re sis ti ram os pa dres às or dens do seu go ver no, e até às do seu Ge ral; re cu sa ram-se a lar gar o ter ri tó rio; e ar ros ta ram uma

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 87

128 Car tas Apo lo gé ti cas, 1777, ms. na Bibl. Nac., car ta 11ª.

guer ra com os por tu gue ses e es pa nhóis, ali a dos, que du rou dois anos(1754–1756). Se me lhan te pro ce di men to ir ri tou ao ex tre mo a Cor te deLis boa e ser viu de pre tex to, en tre ou tros que não fal ta ram a Pom bal,para o de cre to da ex pul são dos je su í tas (1759).

Este ato não re sol veu o pro ble ma da fron te i ra me ri di o nal.Anu la do, em 1761, o Tra ta do de Ma dri, a luta re a cen deu-se

ime di a ta men te, for çan do já ago ra as tro pas de Bu e nos Ai res à ca pi tu la -ção da Co lô nia do Sa cra men to, em ple na pros pe ri da de gra ças ao con tra -ban do en tre ti do com a pra ça de Bu e nos Ai res,129 ao tem po em que re -to ma vam am bas as mar gens do Rio Gran de do Sul.

O epi só dio foi de ci si vo para os des ti nos do Bra sil.De fi ni ra-se o con fli to e ga nha ra o país uma idéia do pe ri go

ex ter no, de que se des per ce be ra des de as duas in va sões fran ce sas.Espa nha sur pre en de ra-se em tem po da sua ce gue i ra, abrin do

mão das cam pi nas ao nor te do rio Uru guai; e re cu pe ra va-as. Já essaguer ra de vi zi nhos co me ça va a in te res sar à Eu ro pa. Era mi nis tro emLis boa o Mar quês de Pom bal. O pul so que aba te ra os je su í tas le van -tou-se con tra o es tran ge i ro.

A ca pi tal do Bra sil foi trans fe ri da da Ba hia para o Rio de Ja ne i ro(1763), para que mais pró xi ma es ti ves se do te a tro da cam pa nha. Umapo de ro sa for ta le za foi cons tru í da em Pa ra na guá, en tre 1767 e 1770. Em1767 os bra si le i ros apo de ra ram-se de novo da mar gem nor te do rioGran de – e re pe li am a in va são de Mato Gros so pelo po en te, ten ta da portro pas con ju ga das de San ta Cruz, Peru e Bu e nos Ai res – úl ti mos ata ques ao vale do Gu a po ré. Par tin do do Ti e tê, o Ca pi tão-Mor João Mar tins Ra mosfoi fun dar Igua te mi, “a cha ve da ser ra Ma ra ca ju, que fi xa va o nos so ter ri tó -rio da Va ca ria e abria-nos por ta de en tra da para Assun ção do Pa ra guai”.130

Caiu em po der dos es pa nhóis em 1777.

88 Pe dro Calmon

129 O des ca mi nho de va lo res num to tal de 4 mi lhões, era de 3.600.000 – em 1762!RICARDO LEVENE, Inves ti ga ci o nes acer ca de la His to ria Eco no mi ca del Vir re i na to del Pla ta, II, 9, La Pla ta, 1928. Vd. re cla ma ção de Fe li pe V, em 1740: ENRIQUEBARBA, Hu ma ni da des, XXV, 279, Bu e nos Ai res, 1936.

130 Ana is da Bibl. Nac., IX, doc. 6495. So bre es ses acon te ci men tos como ori gemre mo ta das hos ti li da des pa ra gua i as, Ana is do Ita ma raty, II, CXXXV, Rio, 1938.

Explo ra ções con co mi tan tes, ir ra di an do da que la ex tre ma, des -co bri ram as ve re das do Ti ba gi e do rio do Pe i xe (1768–69), pro cu ran doco mu ni car o Pa ra guai ao Igua çu, o que al can çou Antô nio da Sil ve i ra em1769–70.

Somen te em 1787, o go ver na dor, Te nen te-Coronel José PereiraPin to, con se gui ria abrir um ca mi nho en tre San ta Ca ta ri na, Lajes e S.Pa u lo. Nos en tre men tes, o ca pi tão ge ne ral de Mato Gros so, Luiz deAlbuquer que, do mi na da a na ve ga ção do rio Pa ra guai, as se gu ra va ascomu ni ca ções pe los rios Cu i a bá e Ja u ru, ou tros ca mi nhos que do Rio eS. Pa u lo iam ter à Vila Bela.131

Não pu de ram en tre tan to evi tar os re ve ses de 1777 quan douma for midá vel es qua dra cas te lha na ren deu San ta Ca ta ri na e a Co lô niado Sa cra men to – re pa ra dos pelo tra ta do de San to Ilde fon so (1º de outu bro de 1777), que con fir mou a pos se por tu gue sa do Rio Gran de,132 empre ju í zo ain da da “Co lô nia”, e mais das “Sete Mis sões”.

Pas sa va o ar ro io Chuí a se pa rar ter ras es pa nho las e por tu -gue sas; em 1801, com a con quis ta das “mis sões” do rio Uru guai, oBra sil fi ca va de li mi ta do ao Sul. Ao Oes te e ao Nor te, afir ma ções ir re -du tí ve is do es pí ri to por tu guês, os for tes e al de a men tos cons tru í dosno ser tão por aque le tem po – Igua te mi, Co im bra, Mi ran da, Prín ci peda Be i ra, Ta ba tin ga – mar ca ram o con tor no do país. A sua con fi gu ra -ção atu al!

Duas vi a gens ou sa das in te gra ram o Ama zo nas e o Gu a po réno pa tri mô nio ter ri to ri al do Bra sil: a de Pe dro Te i xe i ra, em 1639, deBelém até Qu i to, e a do Sar gen to-Mor Ma no el Fé lix de Lima, cem anosde po is. Mas foi um pa u lis ta, Antô nio Pe dro so de Alva ren ga, que, em1613, su bin do o Ara gua ia, pri me i ro ex plo rou o con ti nen te en tre o Ti e têe a ba cia Ama zô ni ca.133

Em três di re ções a co lo ni za ção avan çou, no sé cu lo XVIII,para o cen tro do con ti nen te.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 89

131 V. CORREA FILHO, in Jor nal do Com mer cio, 30 de ou tu bro de 1932.132 Entre os tra ta dos de 1750 e 1777, lu crou o Bra sil toda a re gião do sul do rio

Ne gro, até o rio Pa ra guai, don de a fron te i ra su bi ra ao Gu a po ré–Ma de i ra–Ama -zo nas.

133 P. SERAFIM LEITE, A pe ne tra ção ge o grá fi ca da ter ra pe los por tu gue ses, Lis boa, 1935.

Do Ama zo nas, pelo rio Ma de i ra (Fran cis co de Melo Pa lhe ta,1722–23); do Pa ra ná, pelo Gu a po ré, em pro cu ra da co mu ni ca ção en treas ba ci as pla ti na e ama zô ni ca; e por Mi nas Ge ra is e Go iás, no rush dasmi nas, a que se deve o rá pi do des co bri men to da que les ter ri tó ri os.

O fe nô me no mi ne i ro des lo ca a ci vi li za ção do li to ral para oin te ri or, trans por ta para as mon ta nhas do ser tão de Ta u ba té uma po pu la çãoad ven tí cia in te li gen te e em pre en de do ra; e faz um novo Bra sil na era dese te cen tos: o Bra sil au rí fe ro das Mi nas Ge ra is.

O CAMINHO DO PERUA co mu ni ca ção por ter ra com o Peru cons ti tu iu, em al gum

tem po, de ci di do ob je ti vo dos ban de i ran tes pa u lis tas. Ha vi am de serclan des ti nas aque las vi a gens, te mi das dos es pa nhóis, e que en tre tan toen ri que ci am, no sé cu lo XVII, cer tas ca sas fi dal gas de S. Pa u lo, como ade Antô nio Cas ta nho da Sil va, se gun do Pe dro Ta ques. Diz o no bi li a ris ta:“Ten do Antô nio Cas ta nho pas sa do ao Peru, como en tão o fa zi am osan ti gos pa u lis tas, pe ne tran do o ser tão do Pa ra guai, sem de pen dên cia debus ca rem o pas so da cor di lhe i ra por Men don ça (Men do za) e por inu me -rá ve is na ções de gen ti os bár ba ros che ga vam ao Peru, don de tra zi am apra ta, de que foi mu i to abun dan te a ci da de de S. Pa u lo, e nela hou veca sas com copa im por tan te no peso, mais de 40 ar ro bas. Nas mi nas deTa tá ci, pro vín cia dos Chi chas, no re i no do Peru, fa le ceu com tes ta men to Antô nio Cas ta nho da Sil va a 9 de fe ve re i ro de 1622...”134 Exa ta men te omes mo ca mi nho uti li za vam os je su í tas das Mis sões, no fim do sé cu loXVII.135 Aque la abun dân cia de pra ta ria no pla nal to,136ape sar da po -bre za ban de i ran te em to das as ou tras uti li da des, tor nar-se-ia ca rac te rís ti cados so la res pa u lis tas, como os do Ca pi tão André Fer nan des, de Sal va dor Jor ge Ve lho ou Bar to lo meu Bu e no Ca cun da.137 Po rém des de 1550 asidas e vin das ao Peru ti nham cri a do, no Bra sil, uma de sig na ção es pe ci al

90 Pe dro Calmon

134 No bi li ar quia Pa u lis ta na, ed. TAUNAY, I, 245.135 Car ta do go ver na dor do Rio de Ja ne i ro de 26 de maio de 1694, Ana is da Bibl.

Nac., doc. 1930. Con fir ma do cu men to de 1617, in Ana is do Mu seu Pa u lis ta , I,163, S. Pa u lo, 1922.

136 Vd. PEDRO TAQUES, No bi li ar quia, I, 69, e TAUNAY, Hist. Ge ral das Ban de i rasPa u lis tas, IV, 62.

137 ALCÂNTARA MACHADO, Vida e Mor te do Ban de i ran te, p. 65.

para esse vi a jan te, o “pe ru le i ro”, que, con for me o au tor dos Diá lo gos dasGran de zas, fa zia o per cur so pelo Ama zo nas.138 As “De nun ci a ções do San to Ofí cio”, de 1591–94, re ve lam a trans mi gra ção para o Peru de vá ri osho mens no bres de Ba hia e Per nam bu co... “es tan tes na ci da de do Cuz co no Peru...”, v. g. den. do Cô ne go Bar to lo meu de Vas con ce los, 20 de agos to de1591.139 Na “Mo nar quia Indi a na” se lê que, já em 1571, a Inqui si çãoex ter mi na ra no Mé xi co mu i ta ju di a ria, “em es pe ci al de gen te por tu gue -sa...”140 Des de 1581, ju da i zan tes por tu gue ses apa re cem nos “au tos defé” de Lima. Ri car do Pal ma nos “Ana is da Inqui si ção em Lima”, no me ianu me ro sos ne go ci an tes pro tu gue ses que, re gu lar men te, eram pre sa dostri bu na is ecle siás ti cos, por todo sé cu lo XVII; al guns (ha via 2 mil de lesem 1639, mais de seis mil em 1646) pos su íam lar gos bens, e até mi nas depra ta,141como Ma no el Ba tis ta Pi res, dono da “Casa de Pi la tos”, que i ma do a des pe i to do seu meio mi lhão de pi as tras (1639). Expli ca-se a afluên ciade por tu gue ses àque las pa ra gens, pela si tu a ção cri a da com a união dosre i nos, en tre 1580 e 1640: mas a se pa ra ção de les não ex tin guiu o co mér -cio en tre as ter ras da pra ta e o in te ri or do Bra sil. Hou ve de ser au to ri za do, por al va rá de 14 de abril de 1646.

Se ria ves tí gio dis to – lem bra Frei Agos ti nho de San ta Ma ria –o cul to de Nos sa Se nho ra de Co pa ca ba na, pre di le to do Peru, na ci da dedo Rio de Ja ne i ro.142

Mes mo em Bu e nos Ai res, nos sé cu los XVII e XVIII, ospor tu gue ses for ma vam uma es pé cie de eli te de ho mens de ne gó cio eco lo nos ati vos e em pre en de do res. Em 1622, para 1.200 ha bi tan tes, abri ga va a nas cen te ci da de 370 lu si ta nos.143 A Co lô nia do Sa cra men to, en tre

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 91

138 Diá lo gos das Gran de zas, ed. da Acad., p. 37. Con vém por tan to dis tin guir a pe ne tra -ção do Peru pelo Ama zo nas – ci clo nor des ti no – e por Men do za – ci clo su lis taou pa u lis ta no, pos te ri or àque le, e a que tam bém alu dem os Diá lo gos das Gran -de zas, p. 144. Di o go Bo te lho, jus ti fi can do ser vi ços, em 1602, dis se “man dou que se não to mas se di nhe i ro a mer ca dor nem a pe ru le i ro e ho mens que vi nham daÍndia e do Peru” (Re vis ta do Insti tu to His tó ri co, vol. 73, par te I, p. 47).

139 De nun ci a ções da Ba hia, págs. 252, 277, 281, ed. CAPISTRANO.140 ARGEU GUIMARÃES, Os Ju de us Bra si le i ros e Por tu gue ses na Amé ri ca Espa nho la

(Jour nal de la Soc. des Ame ri ca nis tes, XVIII, 302).141 RICARDO PALMA, Tra di ci o nes Pe ru a nas, III, 55.142 San tuá rio Ma ri a no, X, 15.143 R. DE LAFUENTE MACHAIN, Los Por tu gue ses en Bu e nos Ai res, p. 86, Bu e nos

Ai res, 1934.

1716 e 1762, cen tra li zou o con tra ban do do rio da Pra ta e de sen vol veu as re la ções co mer ci a is, en tre por tu gue ses e es pa nhóis, até que a vi o len tare a ção do go ver no de Ma dri (1763–1777) as im pos si bi li tou.144

92 Pe dro Calmon

144 ENRIQUE BARBA, Hu ma ni da des, XXV, 277.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

VIII Pros pe ri da de Eco nô mi ca – O Re i no do Açú car

A es cas sez de po pu la ção, de um lado, do ou tro asexi gên ci as dos mer ca dos com pra do res, im pu se ram cedo ao Bra sil amo no cul tu ra. Do mi nou o açú car.

A era da ma de i ra não vai além de 1580, quan do a ex plo ra çãodo pau de tin ta de ca iu de im por tân cia, mo no po li za da pela Coroa. Oar ren da men to des se mo no pó lio, à ra zão de 13:600$ (1583), e 21 con tosem 1602, ar ru i na va o ar ren da tá rio, al can ça do em 61:776$, em 1606.145

Novo sis te ma, o es tan co, ado ta do em 1617, pro du zi ra para a Coroa uma anu i da de de 24 con tos. Cer to, os lu cros do pau-bra sil man ti nham-sees ta ci o ná ri os, en quan to o açú car ren de ra, na que le tem po, co i sa de 120con tos, na co lô nia, e mais em Por tu gal, cu jos di re i tos de en tra da so bre o pro du to fo ram ar ren da dos, em 1602 e 1603, por 186 con tos e 500 mil réis.

O de sen vol vi men to da in dús tria açu ca re i ra tor na ra-se im pe -tu o so en tre 1570 e 1624. Se ria o úni co meio de vida na Ba hia, dis se um vi a jan te, em 1610.146 Esti mu la va-a o co mér cio eu ro peu; a Co roa pro te gia-a; aco ro ço a va-a o exem plo dos que, na ter ra, la vran do ca nas e mo en do-as, ti -nham pas sa do de ar gue i ros a ca va le i ros. A Co roa con ce dia ao açú car dez

145 J. LÚCIO D’AZEVEDO, Épo cas de Por tu gal Eco nô mi co, p. 261.146 PYRARD DE LAVAL, Vo ya ge, p. 580, Pa ris, 1615.

anos de isen ção de tri bu tos e a me ta de des tes nos se guin tes, se o pró prio pro du tor o em bar ca va; e cri ou uma hon ra ria, até en tão des co nhe ci da, ava ler por um tí tu lo, o de “se nhor de en ge nho”. “... Os que são mais ri -cos, têm en ge nhos com tí tu lo de se nho res de les, no mes que lhes con ce -de Sua Ma jes ta de em suas car tas e pro vi sões...” – no ta ra, em 1618 o es -cri tor dos Diá lo gos das Gran de zas do Bra sil.147 De po is, com as cri ses de pre -ço que so bre vi e ram, a Co roa so cor reu os en ge nhos com uma le gis la çãoes pe ci al, que im pe diu a exe cu ção por dí vi das dos tais “se nho res” e en -gen drou, com a ina li e na bi li da de dos mor ga di os e en ca pe la dos, a su -ces são em mu i tas ge ra ções das ve lhas pro pri e da des, fon te igual men te de abas tan ça e no bre za.

Apon tou Gan da vo para a Ba hia 18 en ge nhos (1576).148 OPadre Fer não Car dim contou 36, em 1583,149 pro du zin do, se gun doGabri el So a res, 120 mil ar ro bas.150 Em sete anos do bra va o nú me rodaque las ofi ci nas, que, cada uma, es tre tan to, re cla ma va, para a sua fá brica, des pe sa de 10 mil cru za dos, no cál cu lo do au tor dos Diá lo gos.151 O preçodo açú car an da va tão alto, que per mi tia aos mo ra do res de Per nam bu co e da Ba hia gran des lu xos (ho mens ha via, em 1587, com 2 e 3 mil cru zadosem jói as), des fru tan do mais de cem de les “mil cru za dos até 5 mil derenda ...”152 “Gas tam de sua bol sa mais de 3 mil cru zados”, afir mou ocro nis ta de 1618. Uma cen te na de en ge nhos pos su ía Per nam bu co em1627,153 e 121 qua tro anos de po is.154 Cen to e qua ren ta naus po di amsair do Bra sil abar ro tadas, se gun do um con tem po râ neo,155 que ava li ou em 500 mil arrobas a pro du ção das três ca pi ta ni as do Norte, equi va len te a166 enge nhos, se uns pe los ou tros ren di am 3 mil ar ro bas. Bar le a us(1647) es ti mou em um mi lhão a sa fra anu al de Per nam bu co, Ita ma ra cá,Pa ra í ba e Rio Grande (Bra sil ho lan dês).

94 Pe dro Calmon

147 Edi ção da Aca de mia Bra si le i ra, p. 33.148 Tra ta do da Ter ra , p. 29.149 Trat. da Ter ra e Gen te do Bra sil (ed. de R. Gar cia), p. 289.150 Tra ta do Des cri ti vo, p. 150.151 Ed. cit., p. 137.152 GABRIEL SOARES, Trat., cit., p. 126.153 FREI VICENTE, Hist. do Bras., p. 115.154 GARCIA, Nota aos Diá lo gos, cit., p. 163.155 Diá lo gos, cit., p. 129.

A aris to cra cia per nam bu ca na dis tin guia-se, em toda a mo nar -quia por tu gue sa, pelo fa us to da sua vida, jun ta à pro di ga li da de e es plen dordas suas ca sas.

Tor na ra-se o por to de Re ci fe o ma i or em po ri um do açú car emtodo o mun do.

A ar ro ba po dia ser ven di da em Per nam bu co por 650 réis – epos si vel men te pelo do bro no re i no.156

A fro ta de 1610 le vou 735 mil va len do 1.500 con tos.157 Eram 21 mil ca i xas de 35 ar ro bas.

A des pe i to das gra ves per tur ba ções que ao tra ba lho co lo ni alca u sa ra a guer ra ho lan de sa, a ex por ta ção su bi ra a 40 mil ca i xas em 1645. A Ba hia, em 1660 – já num pe río do de paz – ti nha 70 en ge nhos.158 Pois fi ca ra re du zi da a três, no re côn ca vo, em 1640, quan do a fro ta ho lan de sade Li chardt o de vas ta ra. Ao tem po de Anto nil fa bri ca va 14.500 ca i xas ePer nam bu co 12.300, em bo ra a Ba hia ti ves se en tão (1709) 146 en ge nhos, e aque la ca pi ta nia 246.159

O sé cu lo XVII en cer rou-se prós pe ro para to das as ati vi da desco lo ni a is. Po rém ne nhu ma pu de ra acom pa nhar, no sur to rá pi do, a la -vou ra do ta ba co, de cla ra da li vre em 1642, quan do dela se apro pri ou ope que no agri cul tor (la vou ra in di vi du al).

O TABACOCon cen tra va-se na Ba hia essa agri cul tu ra fá cil, que cres ceu

com o in cre men to das re la ções co mer ci a is com a cos ta da Áfri ca, até setor nar em al gum tem po a ma i or par ce la da re ce i ta pú bli ca.

O es tan co do ta ba co ren de ra 32 mil cru za dos em 1642, em1659, 64.700, e, em 1710, já 2.200,000. “Mais que o do bro dos ren di -men tos dos quin tos do ouro, ava li a dos em 345 con tos.”160 Bas ta con si -de rar que, ain da em 1694, os dí zi mos re ndi am ape nas 150 mil cru za dos.161

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 95

156 Diá lo gos, cit., p. 145.157 J. LÚCIO D’AZEVEDO, Épo cas, p. 271.158 Rev. do Inst. Hist. Bras., III, 372. Vd. in te res san tes ob ser va ções de GILBERTO

FREYRE, Casa Gran de & Sen za la, págs. 298 e segs.159 ANTONIL, Cul tu ra e opu lên cia do Bra sil, p. 170.160 Car ta de Sa bu go sa, 1728, AMARAL, No tas a Acci o li, II, 337.161 Car ta Ré gia de 19 de no vem bro de 1695, Li vro da Câ ma ra, ms. da Bi bli. Nac., inéd.

O pro ces so do fa bri co de ta ba co era em 1709 ain da des co nhe ci do naIngla ter ra.162

O BRA SIL E A ME TRÓ PO LEA guer ra da in de pen dên cia de Por tu gual não lo gra ra de sor ga -

ni zar a pro du ção na co lô nia.Benefi ci a va-se o Bra sil das per ple xi da des e in su ces sos de

D. João IV, obri ga do a ten tar, na Eu ro pa, uma po lí ti ca de apro xi ma çãocom to das as na ções, con trá ria à po lí ti ca de iso la men to que, des de 1580, Espa nha lhe cri a ra.

O ini mi go era for mi dá vel em 1641; ma i or se ria em 1648quando, em vir tu de da paz de West pha lia, Espa nha e Ho lan da secongra ça ram; se ria in ven cí vel dez anos de po is, quan do, pelo Tra ta dodos Pi re ne us, Fran ça e Espa nha se re con ci li ram.

Hou ve Por tu gual de to le rar o con do mí nio do Bra sil comHolan da, re co nhe cen do as con quis tas fe i tas até o tratado de 12 dejunho. Fez-se tri bu tá rio da Fran ça, pelo ódio que ti nha a Cas te la. Po rém à Ingla ter ra deu mais, se, pelo tra ta do de 1642, se obri ga ra a con su mir as ma nu fa tu ras in gle sas, a pre fe rir os na vi os in gle ses de fre te, a não gra varas mer ca do ri as in gle sas em mais de 25% – de modo que a in dús trianaci o nal, ru di men tar, ce dia o ter re no à es tran ge i ra, e per deu o re i no avo ca ção fa bril, ra zão de sua de ca dên cia no sé cu lo XVIII, e da in ca pa ci -da de em que se achou para apro ve i tar o ouro bra si le i ro.

Mas tan to a Ho lan da quan to a Ingla ter ra pas sa ram a fa vo re cer o de sen vol vi men to eco nô mi co do Bra sil: a Ho lan da, pela boa vi zi nha nça e pela po lí ti ca de fomen to co lo ni al de Nas sau; a Ingla ter ra, pela ex ces si vapro cu ra de pro du tos tro pi ca is, tro ca dos em Lis boa pe las suas lãs.

Ho lan da tor nou-se de novo ini mi ga, de po is da fe lo nia co me -ti da no Ma ra nhão. A Ingla ter ra não aban do nou, ja ma is, o cli en te deines go tá ve is re cur sos: ao tra ta do de 1642 de via se guir-se o de 1703;ga ran tiu a paz com Espa nha, em 1668; le va ra já, de dote da prin ce sapor tu gue sa Ca ta ri na, que se ca sou com Car los II, Tân ger e Bom ba im;fi ca ra na ba lan ça in ter na ci o nal como a ali a da ne ces sá ria...

96 Pe dro Calmon

162 EDUARDO BRAZÃO, O Con de de Ta rou ca em Lon dres, p. 73, Lis boa, 1936.

Em 1703, as con di ções de Por tu gual eram ain da mais pro pí ci as à in va são dos in dus tri a is in gle ses. Luís XIV dis pu ta va o tro no vago daEspa nha para seu neto, o que foi Fe li pe V; e a Áus tria apo i a da à Ingla -ter ra e à Ho lan da, se lhe opu nha. Por tu gual ade riu a essa co a li zão; po -rém o en vi a do bri tâ ni co, Sir John Met hu en, ob te ve, pelo tra ta do de 27de de zem bro de 1703, a sua in te i ra su je i ção eco nô mi ca, abrin do-o àex por ta ção dos la ni fí ci os, em tro ca de uma pa u ta fa vo rá vel à en tra dados vi nhos por tu gue ses.163

De fato, a me tró po le se re du ziu, no gran de ne gó cio in glês que era o for ne ci men to das ma nu fa tu ras às co lô ni as de Por tu gal, a uma fun -ção de en tre pos to que pou co ou nada re te ve das so mas co los sa is que via tran si tar; em po bre cia-se, en quan to se opu len ta vam os te ce lões bri tâ ni -cos, e em bre ve sen ti ria que os mi lhões das suas mi nas lhe fo ram inú te is, en quan to o Bra sil as se gu ra va na Eu ro pa a de fi ni ti va fre gue sia para seuspro du tos agrí co las. Por isso o Tra ta do de Met hu en, ar ru i na do o re i no,im por tou a pros pe ri da de da pos ses são; tan to mais que os te ci dos in gle -ses iam ser fe i tos, afi nal, com o al go dão bra si le i ro. Gra ças aos pri vi lé gios alcança dos pela Ingla ter ra, o sis te ma pro i bi ci o nis ta, dos mo no pó lioses tre i tos, em que in sis tia a po lí ti ca co lo ni al por tu gue sa, não pro du ziu naAmé ri ca to dos os seus efe i tos.

Já em 1608 pro pu se ra Luís Men des de Vas con ce los, no li vroDo Sí tio de Lis boa, a subs ti tu i ção da que le re gi me por um ou tro, deco mér cio fran co, re cla ma do pela de ca dên cia do re i no e cres cen te po derdos ho lan de ses.

Nem o es pa nhol, em 1608, nem o por tu guês, de po is de1640, abo li ram o mo no pó lio; mas pra ti ca men te a Ingla ter ra, em 1642,o des tru íra.164

E as sim – pre so Por tu gual aos in te res ses da in dús tria de lãs – pôde o Bra sil re cu pe rar uma par te da ri que za que ex por ta va, com ocons tan te au men to do po der aqui si ti vo do mer ca do bri tâ ni co; aí tevesem pre com pra do res fir mes e ati vos, cu jos na vi os se abas te ci am emLis boa.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 97

163 Vd. CH. DE LANNOY et HERMAN VAN DER LINDEN, His to i red’Expansion Co lo ni a le des pe u ples eu ro péens, Por tu gual et Espag ne, p.145.

164 CALÓGERAS, Po lí ti ca Exte ri or do Impé rio, I, 183.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

IXInter na men to da Co lo ni za ção

– O Re i no dos Me ta is

As ati vi da des eco nô mi cas so fre ram no Bra sil umasú bi ta al te ra ção, a par tir de 1695, quan do se ini ci ou a era au rí fe ra,165

de po is que Antô nio Ro dri gues Arzão e Ma no el Gar cia Ve lho, pa u lis tas,apa re ce ram no Espí ri to San to e no Rio de Ja ne i ro com as pri me i rasoi ta vas des co ber tas no cór re go de Ouro Pre to.166

O es ta be le ci men to de uma casa de fun di ção em Ta u ba té foi o co me ço de uma nova ci vi li za ção.

A agri cul tu ra de cai, como La Bar bin na is ob ser vou por aque letem po,167 e, a des pe i to de en fra que ci men to cres cen te da pro du ção, ospre ços do açú car se avil tam no es tran ge i ro, até a gran de cri se de 1737. Já

165 Sal va dor Cor rêa de Sá, no me a do em 17 de se tem bro de 1658 go ver na dor dasca pi ta ni as do Sul, para des co brir as mi nas, deu iní cio à nova fase da his tó ria doBra sil (Pa ten te, Do cu men tos His tó ri cos, XX, 94).

166 Ge o gra fia his tó ri ca de Mi nas Ge ra is (Atri bu í da a Cla ú dio Ma no el da Cos ta), in Pub.do Arch. Nac., IX, 14.

167 Nou ve au vo ya ge au tor du mon de , L. G. DE LA BARBINNAIS, III, 191-2, Pa ris,1728.

em 1706 se que i xa va o Go ver na dor D. Ro dri go da Cos ta do aban do nodas la vou ras...168

As mi nas re su mem a ri que za – fa cil men te ama nha da – e sãoo ob je ti vo co mum, de pa u lis tas e em bo a das, li to râ ne os e ser ta ne jos,ho mens de to das as pro ce dên ci as e to das as cas tas. De res to, a vo ca ção mi ne i ra do co lo no da ta va do des co bri men to e era pe cu li ar à Amé ri ca,onde o eu ro peu vi nha ga nhar for tu na. Acre di ta rá sem pre em ja zi dasines go tá ve is, que lhe de sa fi a vam a au dá cia. “... Que é cer to ser em si ater ra mui rica e ha ver nela mu i tos me ta is...”169 Fora-lhe fa mi li ar o mis -ti cis mo do te sou ro es con di do.170 Tra zia-o nas suas len das e cá se lhe ra -di cou à his tó ria – tra di ção das “mi nas de pra ta”, a “la goa dou ra da”, a“Ma nôa del Do ra do”, pro cu ra da por Pi zar ro e Orel la na, a mon ta nhadas es me ral das dos je su í tas do Espí ri to San to, por úl ti mo as “ci da desaban do na das”, folk-lore que her da mos e con ser va mos. Ben fa ze ja cre du -li da de – em pur rou a co lo ni za ção para o sul e oci den te, já fa zen do queos vi cen ti nos alar gas sem, até o Pa ra í ba e o Pa ra na pa ne ma, as pes qui -sas, já le van do a Pa ra na guá e ao pla nal to cu ri ti ba no o po vo a men to –ao en cal ço das pin tas de ouro de Afon so Sar di nha ou de Ga bri el deLara.

Os ser ta ne jos da Ba hia, com Bel chi or Dias, de ram às no tí ci asde mi nas fo ros de ver da de.

O go ver no de D. Fran cis co de Souza fora de in ten si vas ex plo -ra ções mi ne i ras, com a aju da de ho mens prá ti cos, que la vra ram ouro em S. Pa u lo.

100 Pe dro Calmon

168 Car ta de 19 de ju nho de 1706, Ann. Bibl. Nac .169 GANDAVO, Trat., ed. da Aca de mia, p. 25. De ve ras, di ver gi am os pa ne ge ris tas

da ter ra, uns, como o au tor dos Diá lo gos das Gran de zas, cer tos de que “ouro, pra ta e pe dras pre ci o sas são so men te para os cas te lha nos...” (Edi ção da Aca de mia, p.28). É in te res san te ve ri fi car que, na re pre sen ta ção dos pa u lis tas ao rei, de 1641,con tra os je su í tas, se li mi tam aque les a lem brar as “no tí ci as” de mi nas, cuja ave -ri gua ção de sa fi a va ini ci a ti vas.

170 Sem pre se deu cré di to no Bra sil a acha dos de ouro, an tes dos des co ber tos deOuro Pre to e Ca e té, em 1694–5. Os cro nis tas pro cla ma vam Brás Cu bas o pri me i rodes co bri dor de mi nas (1560) que efe ti va men te se la vra ram no úl ti mo quar tel dosé cu lo I, e pelo II sé cu lo (go ver nos de D. Fran cis co de Sou sa), des de o ser tão de S. Pa u lo a Ja ra guá. Do tes ta men to de Afon so Sar di nha cons ta vam 70 mil cru za -dos de ouro em pó.

A Espe ran ça e o ma lo gro do me tal bra si le i ro es ten de ram-seaté o fim do sé cu lo XVII: en tão ouro e di a man tes, des co ber tos nosertão de Ta u ba té (Mi nas Ge ra is), ina u gu ra ram uma nova vida co lo ni al.O mo men to era pro pí cio ao des lo ca men to das po pu la ções.

Os cam pos do Nor te e os do Sul con ti nu a vam a atra ir umaimi gra ção por tu gue sa con du zi da pela idéia de lu cro fá cil. Diz Anto nil:“Cada ano vem nas fro tas quan ti da des de por tu gue ses, e de es tran ge i ros para pas sa rem às mi nas.”171 O alto cus to do es cra vo, que agri cul ta va ore côn ca vo, tor na ra a la vou ra so li dá ria, pri va ti va de uma clas se rica e res -tri ta: a ati vi da de do novo co lo no se ria na tu ral men te pas to ril,172 se are ve la ção das mi nas não lhe abris se su bi ta men te pers pec ti vas de for tu na.O em bo a ba, por isso, ven ceu o pa u lis ta, quan do as duas cor ren tes – dosna ti vos e dos imi gran tes – se en con tra ram na re gião do rio das Mor tes.O em bo a ba era o re cém-che ga do, ávi do de pros pe ri da de,173 sem ou troca pi tal além da co ra gem; en quan to o pa u lis ta, fi lho do país, pri me i roocu pan te da que les ser tões, se jul ga va dono da ter ra. As mi nas per ten -ci am-lhe, se as des co bri ra an tes dos fo ras te i ros; mas es tes as to ma rampor vi o lên cia ou as tú cia, por que, so bre o “bra si le i ro”, ti ve ram a su pe ri o ri -da de da co o pe ra ção. Uni ram-se em exér ci to, sub me te ram-se a che feshá be is, me to di za ram o po vo a men to, au xi li a ram-se com a sua arte,subs ti tu in do al mo cra fes a ba te i as dos pa u lis tas pe los des mon tes das mi naspor for ça hidráu li ca.174 O em bo a ba, de ma is dis so, do mi nan do os me lho res ca mi nhos, ne go ci a va, mas ca te an do e en ri que cia, en quan to o “ma zom bo”(na tu ral do Bra sil) con si de ra va o co mér cio um mis ter in fe ri or, e o

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 101

171 Cul tu ra e Opu lên cia do Bra sil, ed. TAUNAY, p. 215. A exi gên cia do pas sa por tepara os emi gran tes por tu gue ses data ape nas de 1709.

172 HANDELMANN, His tó ria do Bra sil, p. 334.173 O povo por tu guês, note-se, era, e ain da é, em nú me ros re la ti vos, um dos mais

pro pen sos à emi gra ção en tre os eu ro pe us: essa per cen ta gem de des lo ca men tofoi cal cu la da em 4,22 emi gran tes por 1.000 ha bi tan tes (G. CANESTRINI eAMADEU SILVA E ALBUQUERQUE, Ma nu al de Antro po lo gia, p. 200, Lis boa,1903).

174 JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS, Me mó ri as do Dis tri to Di a man ti no. A de sig -na ção irô ni ca de em bo a ba (do tupi, mbo a ba, pin to cal çu do) re fe ria-se às bo tas cal ça -das pe los fo ras te i ros. Os pa u lis tas an da vam or di na ri a men te des cal ços. Era umcos tu me in dí ge na. E an ti go. O mais rico pa u lis ta do sé cu lo XVI, Afon so Sar di nha, di zia não ter “huas bo tas para hir á Ca ma ra”. TAUNAY, S. Pa u lo nos pri me i ros anos,p. 26.

despre za va.175 Essa inap ti dão mer can til do “bra si le i ro”, ori gi na da dospri vi lé gi os ine ren tes à agri cul tu ra e dos ve lhos pre con ce i tos eu ro pe us,dis tin guiu o fi lho do país. Um bis po de Tu cu man, se gun do Frei Vi cen tedo Sal va dor, ad mi ra ra-se aqui de te rem em casa tudo, e nada à ven da176...

O DI TA DOR DAS MI NASO po ten ta do Ma no el Nu nes Vi a na as su miu a che fia dos

fo ras te i ros. A sua his tó ria é um sím bo lo do dra ma mi ne i ro. Ple beu daci da de de Vi a na, ne go ci an te ou “mas ca te” nas es tra das do ser tão, ob ti ve rada vi ú va de Antônio da Sil va Pi men tel, se nho ra das imen sas ter ras deseu pai, o mes tre de cam po Antônio Gu e des de Bri to, pro cu ra ção paralhe ad mi nis trar os do mí ni os do Alto S. Fran cis co.177 Esse pa pel dava aNu nes Vi a na uma qua li da de po lí ti ca. Trans for ma va-o em re gen te do ser tão; pas sa va a se nhor fe u dal. Po dia ar mar gen te, a pre tex to da guer ra aosta pu i as do rio Ver de, ex pe dir “en tra das”, co brar fo ros de ar ren da men to, pro te ger os mo ra do res, go ver ná-los.

A na ve ga ção do S. Fran cis co, que en tão se ini ci ou, en tre o riodas Ve lhas e Ju a ze i ro (1698), ex pli ca a con cen tra ção rá pi da, no nor te deMi nas, dos aven tu re i ros sa í dos da Ba hia.

Por aque le lado, a pe ne tra ção das “Ca ta guás” se fi li a va ao des co -bri men to do Pi a uí (1674), à fun da ção das po vo a ções da Bar ra e Rio Pre to(1698) e às ban de i ras que a Casa da Tor re man dou até Ca ri nha nha, de com -ba te aos ín di os acroás, que emi gra ram para os Go i a ses.

De fato, já em 1672 o Go ver na dor-Ge ral Afon so Fur ta dolem bra ra a Fer não Dias a no tí cia, “que do pé das ser ras do Sa ba ra buçuhá um rio na ve gá vel que se vai me ter no do S. Fran cis co, e que por ele aba -i xo se po de rá con du zir mais bre ve men te a pra ta até jun to a es tas ser rasque fi cam no dis tri to da Ba hia, cha ma das Ja cu a bi na...”178

Tão fá cil se afi gu ra va a co mu ni ca ção, pelo S. Fran cis co, en treos ter ri tó ri os mi ne i ros e o Nor des te, que os co mer ci an tes da Ba hia e

102 Pe dro Calmon

175 DIOGO DE VASCONCELOS, Hist. Anti ga de Mi nas Ge ra is, p. 10, Belo Ho ri zon te, 1904.

176 His tó ria do Bra sil, págs. 16-7.177 DIOGO DE VASCONCELOS, Hist. Anti ga de Mi nas Ge ra is, Belo Ho ri zon te, 1918.178 Do cu men tos His tó ri cos, VI, 222.

mes mo do Rio de Ja ne i ro a pre fe ri ram, a par tir de 1700.179 Pu de ramas sim evi tar as as pér ri mas es tra das de San tos–S. Pa u lo–Ta u ba té, Pa ra -ti–Ser ra da Bo ca i na–Gu a ra tin gue tá e Igua çu–Cam pos–Pa ra í ba. O vul to e a opu lên cia do trá fi co de i xa ram na mar gem di re i ta do S. Fran cis co um mo -nu men to de pi e da de: o cul to de Bom Je sus da Lapa, na gru ta des te nome.

O gran de rio for ne cia tam bém o sal. Em um tem po iambus cá-lo de Go iás, Pa ra ca tu, Ge ra is, Mi nas No vas, Ja co bi na.180 For ne cia-sedele todo o Bra sil cen tral, que as sim se exi miu do mo no pó lio que en ca re cia o pro du to eu ro peu. Mar tius, um sé cu lo de po is, ain da en con trou o sal, asubs ti tu ir a mo e da cor ren te, no vale do S. Fran cis co, ex tra í do en tre as lo a -li da des de Uru bu e Ju a ze i ro, num to tal, por ano, de 35 mil sur rões.181

OUROO ouro do Ca e té atra iu em pou cos anos vá ri os mi lha res de

ho mens.“Das ci da des, vi las, re côn ca vos e ser tões do Bra sil são bran cos,

par dos e pre tos, e mu i tos ín di os de que os pa u lis tas se ser vem. A mis tu ra éde toda a con di ção de pes so as: ho mens e mu lhe res; mo ços e ve lhos; po bres e ricos; no bres e ple be us; se cu la res, clé ri gos e re li gi o sos de di ver sosins ti tutos, mu i tos dos qua is não têm no Bra sil con ven to nem casa.”182

Só da pra ça do Rio ti nham fu gi do para as Mi nas cer ca dequatro mil de ser to res.183

Tran si ta vam as ri que zas – ouro em pó que ia para a Ba hia,man ti men tos e fa zen das, fumo e aguar den te,184 que iam para as Mi nas – pelo S. Fran cis co, trans for ma do em es co a dou ro de “novo Peru”.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 103

179 Vd. P. TURÍBIO VILLANOVA SEGURA, Bom Je sus da Lapa, p. 100, S. Pa u lo,1937.

180 JOSÉ CÉSAR DE MENESES, Idéia da po pu la ção da ca pi ta nia de Per nam bu co , inAnn. Bibl. Nac., XL, 62.

181 Atra vés da Ba hia, 2ª ed., trad. de PIRAJÁ DA SILVA, p. 232. O pra to do sal cus ta vaem 1819 20 a 40 réis. Pois o pre ço do sal na Ba hia, em 1711, su bi ra a 720 réis,oca si o nan do cé le bre mo tim. Entre o pro du to im por ta do e o do rio S. Fran cis co adi fe ren ça de pre ços era es pan to sa.

182 ANTONIL, op. cit ., p. 215.183 FEU DE CARVALHO, Ana is do Mu seu Pa u lis ta, IV, 690, S. Pa u lo, 1931.184 DIOGO DE VASCONCELOS, Hist. Anti ga , p. 219.

O Coro nel Ja nuá rio Car do so, fi lho do ban de i ran te Ma ti asCardo so, exer ceu a pri me i ra po lí cia que se fez no alto S. Fran cis co apósa afluên cia de mi ne ra do res, aven tu re i ros e cri mi no sos. Afu gen tou os caiapós(ubi ra jaras), que obs ta vam o tra fé go flu vi al na al tu ra de Ca ri nha nha,lançando tam bém para Go iás os re ma nes cen tes da tri bo,185 fun douS. Ro mão, um seu te nen te (Ma no el Pi res Ma ci el) edi fi cou Ampa ro, tornouse gu ra a co mu ni ca ção com o Norte.

Por aque le tem po Antô nio Gon çal ves Fi gue i ra abri ra a es tra dade Mon tes Cla ros ao rio das Ve lhas,186 cri an do, sem o pen sar, o ca mi nhodos con traban dis tas de ouro, por onde tam bém des ce ram às Mi nas osgados do cen tro da Ba hia, com pra dos em Ja co bi na por 3 e 4 oi ta vas deouro cada boi, que va lia nos açou gues de Ouro Pre to 80 e 90 mil réis.

EMBOABASPor aque las duas es tra das (a flu vi al e a ter res tre) os em bo a bas

con quis ta ram a re gião dos me ta is.O pa u lis ta dis pu tou-lha. Um con fli to, o con tra to dos açou gues

ob ti do pelo ca pi tão-mor do dis tri to Fran cis co do Ama ral Gur guel deparce ria com o re li gi o so Frei Fran cis co de Me ne zes, e que aos pa u lis taspa re ceu in to le rá vel – pre tex tou a guer ra. Uma luta lo cal, fe roz e semremé dio, que con so li dou a pos se dos em bo a bas, de sen vol veu nas ter ras demi ne ra ção o es pí ri to de re bel dia, e obri gou a numero sas tran sa ções ogover no por tu guês. Co i sa rara, um go ver na dor, que re pre sen ta va o rei, foi ex pul so de um ter ri tó rio da sua ju ris di ção, e a in so lên cia dos sú di tos fi cou im pu ne: D. Fer nan do Mar tins Mas ca re nhas, ten tan do pa ci fi car as Mi nas,en con trou su bi ta men te à sua fren te um exér ci to ir re gu lar, que pro cla ma ra di ta dor a Nu nes Vi a na, e re tro ce deu para o Rio de Ja ne i ro. Su ce deu-lheno gover no o ca u te lo so Antô nio de Albu quer que, na tu ral do Bra sil econhe ce dor de sua gen te, que ace i tou as es cu sas dos em bo a bas, fez NunesViana re co lher-se às suas fa zen das do S. Fran cis co e in dul tou os cri mi nosos,como lhe per mi tia a cle men te Car ta-Régia de 22 de agos to de 1709.

104 Pe dro Calmon

185 Alde a dos em Go iás no fim do sé cu lo XVIII, pas sa ram-se de po is a Mato Gros so,onde são hoje os ca i a pós ter rí ve is ini mi gos dos bo ro ros. D. ANTÔNIOMALAN, Re vis ta da So ci e da de de Ge o gra fia, XXV, 108.

186 DIOGO DE VASCONCELOS, Hist. Mé dia, p. 41.

Re sol ve ra el-rei cri ar a “ca pi ta nia ge ral de São Pa u lo e Mi nas”, com sede na vila de S. Pa u lo, em 1700.187 Foi o co me ço da pa ci fi ca ção.Entre tan to, um ano de po is vol ta ram em gros sa tro pa os pa u lis tas, acom -pa nha dos de ín di os, dis pos tos à vin gan ça, con tan do ex pe lir das Mi nasos foras te i ros. Estes for ti fi ca ram-se na Pon ta do Mor ro, no rio das Mortes, e re sis ti ram a um fu ri o so ata que, de po is a um as sé dio, que de re pen te sein ter rom peu, por que, de sa vin dos en tre si, e à no tí cia de uma for ça quepar ti ra do Rio em au xí lio dos em bo a bas, os pa u lis tas pre fe ri ram vol tar àssuas vi las (S. Pa u lo foi ele va da à ci da de a 8 de abril de 1712) do pla nal to. E a qui e ta ção se fez.

As cor ren tes mi gra tó ri as di vi dem-se pe las ver ten tes da Man ti -que i ra.

Vão os pa u lis tas, se guin do Do min gos Ro dri gues do Pra do e o seu so gro, Bar to lo meu Bu e no da Sil va, des co briu Go iás e Mato Gros so. Em 1718 – iní cio da mi ne ra ção de tais ser tões – Antô nio Pi res de Cam posdes co bre o rio Cu i a bá, onde, em 1722, se ex tra em qua tro cen tas ar ro basde ouro. Gra ças à guer ra dos em bo a bas, o Bra sil mi ne i ro não se cons trin gia nas ser ras das Mi nas Ge ra is: ex pan dia-se fa cil men te, qua se si len ci o sa -men te, até às ca be ce i ras do Xin gu. Mar ti us, cem anos mais tar de, en con -trou na pro vín cia de Mi nas o ves tí gio vivo des se pas sa do, no or gu lhoque mos tra vam os ha bi tan tes da sua pura ori gem eu ro péia. Os em bo a baslá es ta vam! Os pa u lis tas, es tes re vi vi am nas ba ci as do Pa ra ná e do Uru -guai a sua aven tu ra pas to ril.

CA PI TA NIA DE MI NASVa leu às Mi nas o con fli to, para se rem de sa ne xa das de S. Pa u lo

e eri gi das em ca pi ta nia, em 1720. O seu pri me i ro go ver na dor foi o mes mobran do Antô nio de Albu quer que. À fase dis per si va e mi li tar, de ocu pa çãotu mul tuá ria, su ce de a co lo ni al, de fi xa ção dos mi ne i ros nos seus ar ra i a is,com uma ad mi nis tra ção lo cal (as su pe rin ten dên ci as, em vez das guar -das-mórias das mi nas, cri a das em 1701), as mu ni ci pa li da des, Ri be i rão doCarmo, Vila Rica, Sa ba rá, a re gu la ri za ção dos di re i tos so bre os “des co bertos” ou “da tas”, com o res pec ti vo “ma ni fes to”. Con si de ra va-se “des co ber to” amina achada à dis tân cia de meia lé gua da ou tra: e por isso a po pu la çãoadven tí cia, lon ge de con den sar-se, es pa lhou-se, fa zen do que num de cê nio

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 105

187 Docs. in AFONSO TAUNAY, Ana is do Mu seu Pa u lis ta, V. 142.

(1709–1719) as Ge ra is fos sem a ca pi ta nia mais mo vi men ta da e co mer ci alde todo o Bra sil. Daí por da van te foi a mais po pu lo sa. Vila Rica che gou ater 100 mil ha bi tan tes (hoje se rão 8 mil...).188

Ne gros, in dis pen sá ve is para o tra ba lho de mi ne ra ção, prin ci -pal men te “con gos”, en tra ram aos mi lha res, do Rio de Ja ne i ro, Espí ri toSan to e Ba hia, de po is de 1703, quan do o go ver na dor do Rio re pre sen ta -ra con tra a in con ve niên cia de fi xar-se em 200 o nú me ro de pre tos quepo di am ir para as mi nas.189 O flu xo imi gra tó rio cres cia pro por ci o nal -men te à ri que za que se ia de sen tra nhan do. Tudo o que o ouro com pra va ful gu rou na que las mon ta nhas, e as sim se for mou uma so ci e da de pró di -ga, cru el em re la ção aos es cra vos, fa us to sa e eman ci pa da. Pou ca oune nhu ma agri cul tu ra ali se fa zia, por que o ouro – de po is os di a man tes – em pre ga va to dos os bra ços ser vis. Ha via for tu nas co los sa is fe i tas aoaca so. Re ti ra ra-se Nu nes Vi a na com 50 ar ro bas de ouro. Trin ta ar ro basas Câ ma ras con ven ci o na ram pa gar de 1715 em di an te, ao in vés dosquin tos (20% para a Co roa). As vi las en che ram-se de ca sas no bres, tem -plos ri quís si mos, or na men tos de me tró po le. Irman da des, como as dospre tos de Vila Rica, cons ti tu íam o seu pa tri mô nio do ouro em pó quepol vi lha va a ca be ça das ne gras e que elas de i xa vam numa ba cia, à por tada igre ja. Fes tas de um luxo asiá ti co, como a da ina u gu ra ção da ma trizde Vila Rica, da ri am a idéia de um mun do fan tás ti co – como, no mes mo pe río do, gra ças àque le me tal do Bra sil, foi a Cor te de D. João V.

DIAMANTESO di a man te tor nou ain da mais pro di gi o sa a me ta mor fo se.Em 1729 en con tra ram-se no Ser ro do Frio as pri me i ras pe dras.

Logo um mo vi men to imi gra tó rio, aná lo go ao do co me ço do sé cu loquan do se acha ra ouro, le vou gen te de to das as pro ce dên ci as, cer ca de40 mil, aos no vos la vra di os, en quan to se jul ga va na Eu ro pa que asver da de i ras ri que zas do Peru es ta vam nas Mi nas Ge ra is. A que da dopre ço do qui la te, de 8$ para 2$, sig ni fi ca va o alar me do co mér cio in ter -na ci o nal, que em cin co anos re ce be ra, ines pe ra dos, 300 mil qui la tes de

106 Pe dro Calmon

188 CALÓGERAS, For ma ção His tó ri ca do Bra sil, p. 72. Em Mi nas ha via 27.909 es cra vosem 1716, e dois anos de po is 35.094. Em oito vi las o nú me ro de lo jas, em 1719,era de 923. DIOGO DE VASCONCELOS, Hist. Anti ga, p. 323.

189 Car ta de 11 de maio de 1703, An. Bibl. Nac., doc. nº 2.688.

di a man tes do Bra sil. A Cor te de Lis boa pro põe-se gas tar em in crí ve is os ten ta ções a imen sa ren da que usu frui des de 1700.

D. João V imi ta Luiz XIV. Só o con ven to de Ma fra lhe cus ta190 mi lhões de cru za dos e os seus pre sen tes à San ta Sé – que lhes re tri -bui com o tí tu lo de “Ma jes ta de Fi de lís si ma” – 188 mi lhões. Pro gres si va -men te avo lu ma-se a des pe sa de Por tu gal; cres ce-lhe, com a re ce i ta, odé fi cit. Em 1732, des co brem-se di a man tes na Ba hia, cuja ex plo ra ção épro i bi da, para não agra var a cri se da mer ca do ria, des va lo ri za da. Ogo ver no to mou a si a ad mi nis tra ção dos di a man tes a par tir de 1º de ja ne i ro de 1772. Extrai-se ouro em Go iás, des de 1719, e em Mato Gros so, des de 1725. Em Ja co bi na e Rio das Con tas, na Ba hia, ins ta la ram-se por aque letem po ca sas de fun di ção, para tri bu tar o ouro, ali la vra do a par tir de1703. Em S. Pa u lo e no Ce a rá pros se guem o des co bri men to, a ex plo ra ção de mi nas au rí fe ras.190 Os quin tos das Mi nas Ge ra is ren de ram, no de cê -nio de 1725–35, 1.068 ar ro bas, e no pe río do de 1736–51, em que vi go -rou a ca pi ta ção, 2.006. Em cem anos Mi nas for ne ceu 3 mi lhões de qui la -tes de di a man tes. Pois em 1777 já de via Por tu gal mais de 3 mi lhõesde es ter li nos... Do me a do do sé cu lo por di an te – foi a de ca dên cia das la vras. A ad mi nis tra ção tor nou-se one ro sa para o Esta do; o con tra ban doapres sou-lhe o fra cas so.191 Entre tan to, ao des va ne ci men to das mi nascor res pon dia o re flo res ci men to da agri cul tu ra, a ex pan são da pe cuá ria, a de fi ni ti va ca rac te ri za ção eco nô mi ca do Bra sil.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 107

190 CALÓGERAS cal cu la a pro du ção au rí fe ra do Bra sil, até a Inde pen dên cia, em47.500 ar ro bas. J. LÚCIO D’AZEVEDO es ti ma em 100 mi lhões es ter li nos ato ta li da de do ouro ex por ta do para a me tró po le no es pa ço de um sé cu lo; e em 9mi lhões a ex por ta ção de di a man tes, que pro du ziu para a Co roa 5.040 con tos (Épo casde Por tu gal Eco nô mi co, págs. 377, pas sim). CALÓGERAS não con si de ra exa ge ra do ocôm pu to, glo bal de 15.500 ar ro bas de ouro (até 1801), “per to de 5 mi lhões decon tos de réis em mo e da cor ren te bra si le i ra de nos sos dias.”( For ma ção His tó ri ca doBra sil, p. 75.) “Cu ri o so de no tar-se é o fato de que o Trans va al de hoje, nos trêsúl ti mos anos, de 1925 a 1927, pro du zin do li bras 120 mi lhões de ouro me tá li co,for ne ceu tan to ouro quan to o Bra sil co lo ni al em mais de um sé cu lo...” (PIRESDO RIO, Tra ços da Evo lu ção Eco nô mi ca do Bra sil, Cor re io Pa u lis ta no, 14 de abril de1929.)

191 Vd. JOSÉ DE REZENDE COSTA, Me mó ria his tó ri ca so bre os di a man tes, seu des co -bri men to, etc., Rio, 1836. A ad mi nis tra ção dos di a man tes só foi abo li da por de cre -to de 25 de ou tu bro de 1832.

Em ra zão do fe nô me no mi ne i ro – to da via – a co lo ni za çãotrans pu se ra o Espi nha ço, ven ce ra as ser ras das Ca ta guás, atra ves sa ra apla ní cie go i a na, en tra ra pelo Mato Gros so, re a li zan do, em 1700–1730, oque se fa ria na Amé ri ca do Nor te em 1840–1850. Não fora todo aque leouro, e a ci vi li za ção no Bra sil, pas to ral nas sa va nas e agrí co la na cos ta,de i xa ria ao sécu lo XIX a ta re fa de dis pu tar ao ca i a pó, ao bo roro e aoparin tin tim a re gião cen tral, onde pom pe i am hoje ci da des opu len tas eaté ru í nas ve ne rá ve is, como Vila Bela.

A MO E DATor na-se tam bém pos sí vel a cri a ção de ca sas de mo e da e a

fa bri ca ção do nu me rá rio co lo ni al.A cri se co mer ci al do fim do sé cu lo XVII foi so bre tu do uma

cri se de ins tru men tos de tro ca. De ba ti am-se os mer ca do res e os la vra -do res nas an gús ti as da fal ta de di nhe i ro, que todo emi gra va, le va do pe las fro tas que lhes vi nham abar ro ta das de mer ca do ri as. Não bas ta ra a pro vi são de 23 de ja ne i ro de 1665, de ter mi nan do que se não ar re ma tas sem pordí vi das gê ne ros da ter ra an tes da che ga da das fro tas. Ca in do o pre ço doaçú car e sen do a mo e da me tá li ca de mais fá cil cir cu la ção, pre fe ri ram-naos ne go ci an tes de Por tu gal, e a le va vam. Ope ra vam anu al men te, em Per -nam bu co e na Ba hia, a far ta co lhe i ta do nu me rá rio exis ten te. Re sul ta va dis to o em po bre ci men to ge ral, e no ta ra-o Vi e i ra em 1689: “Acon se lhamos mais pru den tes que se vis ta al go dão, se coma man di o ca, e que nagran de fal ta que há de ar mas se tor ne aos ar cos e fle chas...” Agra va ra-sede tal sor te a si tu a ção que o mes mo Vi e i ra re co men da va, em car ta de 21 de ju lho de 1692: “O re mé dio que se tem por úni co e se re pre sen ta epede ins tan tis si ma men te a S. M. é o da mo e da pro vin ci al com tal va lorex trín se co, que nin guém te nha uti li da de em ati rar des te Esta do e, se ame ter, seja com au men to dele.”192 Este al vi tre pre va le ceu; man dou el-rei,pela lei de 23 de mar ço de 1694, fun dar Casa de Mo e da na Ba hia, quela vras se a mo e da pro vin ci al, ex clu si va do Bra sil, ao tem po em que le van -ta va aqui de 10% o va lor da mo e da co mum, de modo a ser mais fra ca apri me i ra, e por isso in sus cep tí vel de ex por ta ção.

108 Pe dro Calmon

192 Car tas, edi ção de 1885, I, 350.

A lei de 23 de mar ço pro i bia, sob gra ves pe nas, a re mes sa parafora do Bra sil des sa mo e da pro vin ci al, e a lei de 19 de de zem bro de 1695ve dou a cir cu la ção na co lô nia da mo e da por tu gue sa, que en tre tan to se pas sou a fa bri car no Rio de Ja ne i ro (1703) e na Ba hia (1715), para cor rer no re i no.

O Go ver na dor D. João de Len cas tro fez logo cons tru ir a ofi ci na mo ne tá ria, com au xí lio de mo ra do res ri cos, que avan ça ram o di nhe i ro paraas obras, e a par tir de 1695, até 1698, quan do foi fe cha da, ba teu mo e danum to tal de 1.357:835$400. Em 1698 – em ra zão das mi nas das Ca ta guás,que mais pró xi mas fi ca vam do Rio de Ja ne i ro – para esta ci da de a trans fe riu el-rei (Car ta-Régia de 12 de ja ne i ro). Pas sou para Per nam bu co em 1700(Reso lu ção-Ré gia de 20 de ja ne i ro), vol tou ao Rio em 1702 (Car ta-Régia de31 de ja ne i ro) e foi re a ber ta na Ba hia em 1715, onde fun ci o nou até 1831.

No pe río do de 1703–1833 fo ram cu nha das mo e das de ouro no va lor de 216.275:989$928, e mo e das de pra ta no de 16.460:866$319.193

A abun dân cia de ouro, de po is de 1694, e a da pra ta, tam bémem gran de quan ti da de tra zi da pe los “pe ru le i ros”, não de i xou no Bra silse não uma por ção mí ni ma de nu me rá rio.

A ca rên cia de di nhe i ro con ti nou a ser afli ti va na co lô nia e atése fa zia sen tir nos pró pri os dis tri tos mi ne i ros, pois a ma i or par te dome tal era trans for ma da em mo e das for tes, des ti na das à me tró po le, don deemi gra ram para os pa í ses in dus tri a is que ven di am a Por tu gal os seuspro du tos. As “ca sas de fun di ção” cri a das no Bra sil de vi am re ce ber oouro bru to, trans for man do-o em bar ras, ca rim ba das pela au to ri da de,como ates ta do de que fi ca vam pa gos os quin tos d’el-rei (Car ta-Régia de19 de mar ço de 1720). As oi ta vas de ouro cor re ram até en tão li vre men te,como úni ca mo e da, nas Mi nas Ge ra is, onde não de via cir cu lar a mo e daco mum (L. de 12 de dez. de 1750). Com as “ca sas de fun di ção” o ouroem pó não mais po dia exer cer a sua fun ção de prin ci pal agen te de tro ca: fo ram elas le van ta das em Ta u ba té (1698–1704), Rio de Ja ne i ro (1703),Pa ra na guá (an te ri or àque la data), S. Pa u lo (fun da da em 1601,194 fe cha da

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 109

193 AZEVEDO COUTINHO, Aprec. dos ju í zos emi ti dos so bre a mo e da do Bra sil, Rio,1876.

194 Em 1601 man da ra D. Fran cis co de Sou za fun dir em S. Pa u lo o ouro que se des co -bris se. Em 1653 já ha via ali Casa real dos quin tos, cf. car ta do pro ve dor da fa zen da, docs. do Arqui vo Ultra ma ri no, nº 1.838.

em 1700, re a ber ta em 1701, fe cha da ain da uma vez, re ins ta la da em1751, abo li da em 1761 e res ta be le ci da em 1765), San tos (1703), Pa ra ti(do mes mo ano), Vila Rica (1720–24 e 1734), Sa ba rá, Ser ro do Frio eRio das Mor tes, Ti ju co (cri a da em 1751), Cu i a bá e Vila Boa de Go iás(tam bém de 1751), Pa ra ca tu (1745?), Ja co bi na (1723–55, 1757–95), Araçu aí (1728), Rio de Con tas... Algu mas se trans for ma ram em ca sas de mo e da: as -sim a de Vila Rica (que ini ci ou a cu nha gem para o Re i no em 1º de fe -ve re i ro de 1725) e a do Rio de Ja ne i ro (1703 e 1748).195

Re sultava da gran de fa bri ca ção de mo e da para Por tu gal,impe di da de cor rer na co lô nia, a in su fi ciên cia do nu me rá rio pro vin ci al, e foi daí que se de ci diu re for çá-lo com a di vi si o ná ria de co bre, que jáD. João IV au to ri za ra a cor rer no Rio de Ja ne i ro,196 cu nha da em Lis boapara Mi nas (1722) e ge ne ra li za da a par tir de 1750 (Pro vi são de 30 demarço). So men te no sé cu lo XIX (Alva rá de 13 de maio de 1803), começou a emitir-se um “bi lhe te”, que fa zia as ve zes de Le tra de Câm bio, ini ci ando a era pa pe lis ta, e foi du pli ca do o va lor do co bre (Lei de 10 de abril de1809), en quan to eram in cor po ra dos ao meio cir cu lan te os pe sos es pa -nhóis de prata, de po is de mar ca dos nas ca sas de fun di ção com o valorde 960 réis, ou fos se mais 160 réis do seu cus to, ra zão da ex ces si va im -por ta ção de les.197

110 Pe dro Calmon

195 Vd. SATURNINO DE PÁDUA, Mo e das Bra si le i ras, p. 72, Rio, 1928.196 Con sul tas do Con se lho Ultra ma ri no, para o Rio, ms. na Bibl. Nac., iné di ta. Aque la

au to ri za ção o pro cu ra dor do Rio fora pe dir ao re i no em 1658, e a re i te ra ra, em1678, a Câ ma ra, ob ten do des pa cho fa vo rá vel de Con se lho, 14 de no vem bro domes mo ano.

197 Vd. HORACE SAY, His to i re des re la ti ons com mer ci a les en tre la Fran ce et le Bré sil,Pa ris, 1839.

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X O Co mér cio no Sé cu lo XVIII

– Cres cen te Ri que za

Por tu gal pro cu rou go ver nar o Bra sil no sé cu lo XVIII em aten çãoàs suas mi nas de ouro e di a man tes. Como es tas na tu ral men te atra ís sem aco bi ça es tran ge i ra, fe chou ain da mais a co lô nia, por um sis te ma de pro i -bi ções de toda sor te.

Co in ci dia essa le gis la ção, des ti na da a afas tar o es tran ge i ro,com as idéi as uni ver sal men te ace i tas para o co mér cio co lo ni al: mo nopóli os e estan cos. Dera o exem plo a Fran ça, com o “pac to co lo ni al”, deColbert, isto é, o sis te ma de ter cada me tró po le o mo no pó lio do co mércioda respec ti va co lô nia.198 Tan to des cu ra ra do Bra sil nos dois pri me i rossécu los, como dele cu i dou do sé cu lo III. Empo bre cia sem pre Por tu gal,com o de pa u pe ra men to da sua in dús tria, re sul tan te dos tra ta dos com aIngla ter ra, e o en fra que ci men to da agri cul tu ra, de po is que a emi gra çãopara a Amé ri ca – em con se qüên cia dos des co ber tos de Mi nas Ge ra is –to ma ra es pan to so vul to.

Ten tou o go ver no, en tão, ti rar do Bra sil o ma i or pro ve i to pos -sí vel; o seu flo res ci men to foi in ces san te, em bo ra de si gual men te dis tri bu í do, e a sua opu lên cia, no me a do da que le sé cu lo, con tras ta va com a me di o -

198 O al va rá de 8 de fe ve re i ro de 1711 de ter mi na ra que só fos sem re ce bi dos no Bra silna vi os es tran ge i ros que sa ís sem, em fro ta, do Tejo, e o de 18 de abril de 1739 só per mi tia, em Lis boa, o des pa cho de mer ca do ri as en tra das em na vi os por tu gue ses.(Da mião Pe res, His tó ria de Por tu gal , IV, 410).

cri da de eco nô mi ca do tem po de Vi e i ra. Assim, sen do Lis boa des tru í daem par te pelo ter re mo to de 1º de no vem bro de 1755, para a sua re e di fi -ca ção po dia con cor rer o Bra sil com um do na ti vo vo lun tá rio de 3 mi -lhões de cru za dos, fi can do a Ba hia com a quo ta de 875 mil, e as suas vi -las com a de 325 mil cru za dos.

O co mér cio bra si le i ro atra ves sou a cri se mais gra ve do sé cu loXVIII en tre 1739 e 1756, pe río do em que os lu cros das mi nas di mi nu í -ram ano por ano, for çan do mi lha res de co lo nos a to mar no vos ru mosno in te ri or do país. O açú car con ti nu a va a des va lo ri zar-se. O al go dãova lia mu i to pou co. As pra ças do li to ral, per di do o in te res se do co mér cio com a Eu ro pa, ven di am prin ci pal men te para os ser tões. Os mer ca do respor tu gue ses tra zi am em ex ces so as suas fa zen das e eram obri ga dos ane go ci ar os sal dos com os es pa nhóis de Bu e nos Ai res, que os com pra vamcom as pa ta cas de pra ta: pois 3 mi lhões des tas le vou a fro ta de 1742.199

O trá fi co ne gre i ro de i xou de au men tar. Entre tan to as vi las das Mi nas ede S. Pa u lo pros pe ra vam, em ra zão do rá pi do cres ci men to da po pu la ção, da aber tu ra de co mu ni ca ções, dos tra ba lhos agrí co las ne ces sá ri os àma nu ten ção dos gran des po vo a dos, que se ti nham for ma do, al guns, emlu ga res es téreis e pe dre go sos, so bre os fi lões au rí fe ros.

O AÇÚ CAR NO SÉ CU LO XVIIIO pro du to mais pre ju di ca do – en tre 1739 e 1770200 – foi o

açú car. Os pre ços já não com pen sa vam a cus to sa in dús tria. A Ba hia,com 150 en ge nhos pro du zia 15 mil ca i xas. Cada pro pri e tá rio só po diaga nhar por sa fra – uns pe los ou tros – 2:166$666. Daí as dí vi das que osone ra ram, a fa lên cia de al guns, o de sâ ni mo de ou tros, sus ten ta dos em -bo ra pela ina li e na bi li da de dos en ge nhos, e a es pe ran ça de me lhor tem -po. Este so bre ve io, em 1770, e logo a pro du ção avul tou. Cal cu la o au tor da Des cri ção Eco nô mi ca da Ba hia (Ana is da Bi bli o te ca Na ci o nal, XXVII)que, em 27 anos, fora a pro du ção de 173 mil ca i xas, que de ram 7.727con tos; e nos 12 anos se guin tes, de 144 mil ca i xas ren den do 8.850 con -tos. As Leis de Pom bal so cor re ram opor tu na men te o co mér cio do Bra -sil. Assim o al va rá de 6 de de zem bro de 1765, que pro i biu a pas sa gem à

112 Pe dro Calmon

199 Os Por tu gue ses em Áfri ca, Ásia, Amé ri ca, etc., VII, 207, Lis boa, 1850.200 Des cri ção Eco nô mi ca do Bra sil, An. Bibl. Nac., XXVII, 189.

co lô nia dos “mas ca tes”, que aqui con cor ri am com os ne go ci an tes ma -tri cu la dos. Para me lho rar a ex por ta ção, foi cri a da em 1759 uma Mesa deInspe ção para o açú car e o fumo. O al va rá de 29 de abril de 1766 re du ziuos fre tes ma rí ti mos de 300 e 400 réis para 250 a ar ro ba. As fro tas, cri a daspelo al va rá de 29 de abril de 1650, fo ram ex tin tas pe los de 10-27 dese tem bro de 1765, po den do na ve gar li vre men te os na vi os mer can tes, doque re sul tou, em pou co tem po, o au men to des tes, de 20 para 50, na li nhaBa hia–Lis boa. E a guer ra en tre a Ingla ter ra e as suas co lô ni as da Amé ri cado Nor te – 1776 a 1782 – re a ni mou ge ral men te a eco no mia bra si le i ra.

Tran ca dos os por tos nor te-ame ri ca nos, a Ingla ter ra vol tou-separa o Bra sil que lhe po dia for ne cer a ma té ria-pri ma in dis pen sá vel.Du ran te cin qüen ta anos – como lem brara Pom bal aos in gle ses em cé le brecar ta, ti nham eles ti ra do a Por tu gual mais de 1.500 mi lhões, “soma enor me, de que a his tó ria não for ne ce exem plo”. Saíra qua se todo aque le ouro doBra sil; com pra ra os te ci dos bri tâ ni cos... Ago ra, a Ingla ter ra re tri bu ía. O pre -ço do açú car che gou ao do bro da co ta ção de 1775, al can çan do a ar ro ba,que não pas sa ra de 1$200, 2$000 e 2$500.201 Os en ge nhos mo bi li zam to -dos os re cur sos in dus tri a is e o co mér cio põe em jogo to dos os meios decré di to e trans por te. O al go dão re ve la eco no mi ca men te o Nor des te.

O ALGO DÃO

O al go dão era in dí ge na – como o fumo – e sem pre o cul ti -va ra o co lo no, des de a era das ca pi ta ni as-mo res. Po rém a de pen dên ciaque fi ca ra da in dús tria, de res tri tas ne ces si da des, da Ho lan da e da Fran ça,des de que os te ci dos da Índia bas ta vam à Ingla ter ra, dis pos ta a não per -mi tir con cor rên cia à sua lã – não de i xa ra ex pan dir-se aque la cul tu racomo as ou tras de que vi via o Bra sil. No Ma ra nhão ser via de mo e da e aex por ta ção foi pro i bi da até 1765. A Ingla ter ra de sen vol via en tre tan to,numa pro gres são es pan to sa, as suas in dús tri as, que em pre ga vam um mi lhãode ope rá ri os. Ampli an do o im pé rio co lo ni al, na mes ma pro por ção lhecres ce ra o po ten ci al eco nô mi co. As po pu la ções ope rá ri as con cen tra vam-se nas ci da des, no vas má qui nas sim pli fi ca vam a pro du ção e o su ces si vo

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 113

201 Na base de 1$200 a ar ro ba, um pro du tor de mil pães de açú car (3 mil ar ro bas)au fe ria, em cada sa fra, o mes qui nho lu cro de 200$ (Ma no el Fer re i ra da Câ ma ra,Ensa i os de des cri ção fí si ca e eco nô mi ca da co mar ca de Ilhéus, r. 24, Lis boa, 1789).

en ca re ci men to des ta re cla ma va cons tan tes aper fe i ço a men tos da que las. A da tar de 1737 deu-se de fiar com al go dão e li nho. Man ches ter tor nou-seuma me tró po le de te ce lões. A sua im por ta ção de al go dão foi de 976.359 li bras em 1744 e de 3.870.392 em 1764. À má qui na de Wi att (1730) su -ce dem as de Pery (1761) e He ar gra ves (1764), que cen tu pli ca vam o tra -ba lho de um ope rá rio. Era a in dús tria mo der na! Ano por ano, ma qui nis -mos mais com ple xos ele va vam o ren di men to, di mi nu íam a in ter ven çãohu ma na na te ce la gem.202 A pro cu ra au men ta va, os pre ços sus ten ta -vam-se e ha via ne ces si da de de fe char a Ingla ter ra aos te ci dos in di a nosos seus por tos. Em 1787 um im pos to adu a ne i ro, de 75% e 50% ad va lo -rem , ma tou a in dús tria co lo ni al in di a na, que ocu pa va dois ter ços damão-de-obra in dí ge na, em pro ve i to da me tro po li ta na: foi o pe río do dagran de im por ta ção al go do e i ra que, a sú bi tas, va lo ri za va as re giões donor te do Bra sil, pre ci sa men te as mais des pro te gi das da co lo ni za ção nosé cu lo pre ce den te. A guer ra da Inde pen dên cia dos Esta dos Uni dos, pri -van do de al go dão nor te-ame ri ca no as fá bri cas in gle sas, en co ra jou, como alto pre ço con se qüen te, o des do bra men to das nos sas plan ta ções(fe nô me no agrí co la que ha via de re pe tir-se em 1862–65, por oca sião da“guer ra de Se ces são”). Em 1786 o Bra sil con cor ria, para um to tal de19.900.000 de li bras de al go dão im por ta do pela Ingla ter ra, com dois mi lhões. Em 1796, nove dé ci mos das ex por ta ções por tu gue sas para o Re i no Uni doeram de pro ce dên cia bra si le i ra. “Em 1792 o câm bio es ta va a 72 ½ di -nhe i ros por 1$000, em lu gar de 65, taxa nor mal em todo o sé cu lo XVIII,sen do o par de 67 ½.” A Ba hia, por exem plo, que ex por ta ra efe i tos nova lor de 2.195 con tos em 1797, dois anos de po is os ele va va a 4.792, soma enor me, se em 1808 toda a cir cu la ção mo ne tá ria do Bra sil não pas sa va de10 mil con tos.203 Em 1803 o nú me ro de na vi os em pre ga dos no co mér ciopara Lis boa era de 50, e 40 os do Rio da Pra ta.204

114 Pe dro Calmon

202 Cf. GINA LOMBROSO, La Ran çon du ma chi nis me, págs. 188 e segs., Pa ris, 1931.So bre o sur to do al go dão, ARRUDA CÂMARA es cre veu para O Pa tri o ta, Rio,1814, mi nu ci o so re tros pec to.

203 So bre a po bre za das es ta tís ti cas do tem po, ver AFONSO TAUNAY, Na Ba hiade D. João VI, p. 66, Ba hia, 1928.

204 TAUNAY, p. cit., p. 68.

Os te ci dos in gle ses, po rém, só con quis ta ram o Bra sil de po isdo tra ta do de 1810, ex tor qui do ao prín ci pe re gen te D. João que, com aCor te, se pas sa ra à co lô nia. As fá bri cas por tu gue sas – prin ci pal men te deRato e Tor res No vas – man ti ve ram-se, até a in va são fran ce sa, gra ças aomono pó lio das ex por ta ções para o Bra sil, abran da do em aten ção à Ingla terra, to da via tão ri go ro so ain da no co me ço do sé cu lo, que re co men da ra o Mi nis -tro D. Ro dri go, em 1802, ao ca pi tão-general da Ba hia, não con sen tis se selhe apre sen tas sem pes so as ves ti das com “te ci do de lã, seda ou al go dão quenão sejam ma nu fa tu ras do re i no...”.205 Ao che gar à Ba hia o prín ci peregen te, em 1808, o ne go ci an te Si que i ra No bre, que lhe re que reu au to ri -za ção para ir a Lon dres en ga jar ope rá ri os e mon tar uma fá bri ca de fiação, a pri me i ra da ter ra – in vo ca va o in to le ran te pri vi lé gio que go za vam aque -les es ta be le ci men tos por tu gue ses, aos qua is re me ti am os im por ta do resos de bu chos dos de se nhos, para que pro du zis sem o pano de se ja do.206

O FUMOO ta ba co, la vou ra do po bre, me dran do em ter ra fra ca, con ti nu a ra

a for ne cer ao or ça men to por tu guês a sua re ce i ta prin ci pal. Mo no pó lio doEsta do, pro du zi ra, em 1642, 32 mil cru za dos, 64.700 em 1659, e já1.400.000 em 1716. Arren da do em 1722 por 1.800.000 cru za dos, ar re ma -ta do por 1.700.000 em 1729, su bia a mes ma ren da a 2.020.000 em 1750, e a 2.210.000 em 1765. Em 1802 ele va va-se a 1.160 con tos anu a is.207

O TRÁ FI COOu tras al ter na ti vas so fre ra o co mér cio de es cra vos, que,

jun ta men te com al gum ouro, nos for ne cia a Áfri ca.Esta va lon ge de pro pi ci ar o trá fi co os mes mos lu cros do sé -

cu lo XVII; as di fi cul da des fis ca is e a in fluên cia de ne go ci an tes es tran ge i -ros às mes mas zo nas afri ca nas o restringi ram na se gun da me ta de do sé cu loXVIII. A pro du ção de fu mos na Ba hia era de 40 mil ro los anu a is, dosqua is 25 mil iam para Lis boa e 10 mil para a cos ta da Mina, pa re ce que a par tir de 1710, quan do re cla mou a Câ ma ra con tra o ato do Su pe rin ten -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 115

205 An. da Bibl. Nac. , IX, doc. 6364206 Doc., mas., na Bibl. Nac.207 J. LÚCIO D’AZEVEDO, Épo cas de Por tu gal Eco nô mi co, págs. 296-7.

den te do Ta ba co, que ten ta ra pro i bir a ex por ta ção dele para a Áfri ca.208

Em tro ca, vi nham os ne gros em cer ca de vin te na vi os, que fa zi am or di -na ri a men te aque le tra to. Po rém não se po dia ne go ci ar para lá – de ter -mi na ra a pro vi são de 18 de ou tu bro de 1773, cum pri da até 1804 209 –sem es ca lar em S. Tomé e Prín ci pe, “com gran des des pe sas, em pa tes eris cos...”. O es cra vo saía mu i to caro ao agri cul tor. Por al gu mas quin qui lha -ri as ou bú zi os, três ro los de ta ba co ou um bar ri le te de ca cha ça o com pra vana Áfri ca o ne gre i ro: mas boa par te da car ga lhe mor ria no mar, ten do depa gar a por ção sal va dos pre ju í zos, in te res se e lu cro da vi a gem. Só el-rei co -bra va por es cra vo 3$500, além da dí zi ma do fumo ex por ta do. “Uma boasu ma ca de 10 mil cru za dos e uma cor ve ta de 20 dá oca sião de achar di nhe i -ro a 18 por cen to...”, ex pli ca va, em 1781, José da Sil va Lis boa.210 Che ga -vam a me ter nos po rões se is cen tos pre tos. Em 1720, trans por ta vam os bri -gues, 200, 300, 400 e mais.211 Pela ex ces si va mor ta li da de dos es cra vos, em -pi lha dos nos in fec tos po rões, eram cha ma dos aque les na vi os de “tum be i -ros”. Per di am al guns 70% da sua car re ga ção, de vas ta da pelo es cor bu to,pelo “ban za” (do en ça da tris te za), pe las pes tes afri ca nas.

COM PA NHI AS DE CO MÉR CIONão foi fe liz Pom bal com o sis te ma ho lan dês e bri tâ ni co das

com pa nhi as de co mér cio, que con si de ra va ca pa zes de res ta u rar a an ti gapros pe ri da de.

Li mi ta das a um fim mer can til, fir ma das no prin cí pio do pri vi lé gio,que cer ce a va a li ber da de par ti cu lar, elas se ma lo gra ram; as sim a doGrão-Pará (1755), as sim a de Per nam bu co e Pa ra í ba (1759), as sim a dosVi nhos. A do Pará in cum bia-se de to dos os for ne ci men tos, di tan do o pre -ço às uti li da des, cuja com pra e ven da nin guém lhe dis pu ta va. Em 1759dava di vi den dos de 19 ½% so bre cin co anos. De 15 a 16 na vi os, o trá fi co

116 Pe dro Calmon

208 De ci são de 18 de ju nho de 1710. A car ta ré gia de 9 de se tem bro de 1743 man da va que fos se para o re i no o me lhor ta ba co.

209 LOPES DE LIMA, Jor nal de Eu ro pa, 1º de ju lho de 1928. A al fân de ga da Ba hiapa ga va as duas ilhas, de con sig na ção anu al, 9 con tos; e da Ba hia lhes le vou asmu das de ca cau, em 1822, José Fer re i ra Go mes, cf. SANCHES DE BAENA,Os gran des de Por tu gal.

210 Car ta a Van del li, Ann. Bibl. Nac., XXXII, 504.211 Rev. do Inst. Hist. Bras., vol. 65, p. 338.

para Ma ra nhão e Pará caiu a qua tro e cin co.212 A de Per nam bu co, ape sardo em prés ti mo de 240 con tos que lhe fez o go ver no em 1761, aca bou,em 1779, com pre ju í zos to ta is. Qu an do, em 1778, ces sou a pri me i ra, osne go ci an tes de Lis boa man da ram re zar Te Deum, de agra de ci men to aDeus pelo alí vio de seus ma les... 213

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 117

212 J. LÚCIO D’AZEVEDO, Épo cas, p. 543.213 J. LÚCIO D’AZEVEDO, O Mar quês de Pom bal e a sua Épo ca , p. 329, Rio, 2ª edi ção.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XIO Tra ba lho no Sé cu lo XVIII – Um Co lo no Tí pi co: o Je su í ta

A ini ci a ti va par ti cu lar ou a real fa zen da re a li za vam naco lô nia o que as min gua das ren das mu ni ci pa is não po di am fa zer: a pe nú -ria em que vi vi am as Câ ma ras as des vi a vam na tu ral men te dos tra ba lhospú bli cos, que os ca pi tães-ge ne ra is ou os go ver na do res em pre en di am como di nhe i ro do Esta do, e lhes res trin gia a ati vi da de à po lí cia ad mi nis tra ti va.Assim, fora Gas par de Souza quem fi ze ra cal çar a es tra da de Ja bo a tão, em Per nam bu co, e, a exem plo des ta, al gu mas ruas da vila.214

No Bra sil, nos dois pri me i ros sé cu los, não se exe cu ta ram obras pú bli cas de vul to, em ra zão da in di gên cia mu ni ci pal, en quan to os go ver -nos tra ta vam ape nas das cons tru ções mi li ta res. Nem pon tes, nem aque du -tos, nem edi fí ci os no tá ve is (com ex ce ção dos da Ba hia e Per nam bu co) secons tru í ram nos dois pri me i ros sé cu los. Ain da em 1655 o Con de deAtou guia, go ver na dor-ge ral, acha va que a Ba hia, com as suas for ti fi ca ções li ge i ras, não era ca paz de ar vo rar es tan dar tes d’el-rei, se não flâ mu las... 215

E o Pa dre Vi e i ra, pre gan do em 1690 o ser mão a S. Gon ça lo, no re côn ca vo

214 FREI VICENTE DO SALVADOR, Hist. do Bras., p. 465.215 Doc. ms. na Bi bli o te ca Na ci o nal, Co di ce Atou guia, car ta de 25 de ju nho de 1655,

f. 24, iné di to.

ba i a no, acen tu a va não ha ver ne nhu ma pon te no país, o que atri bu ía à“inér cia na tu ral do cli ma...”.216

O sé cu lo XVIII trou xe-nos gran de nú me ro dos me lho ra men -tos, ur ba nos e ru ra is, en tão in tro du zi dos em Por tu gal, e pela Espa nhadis tri bu í dos aos do mí ni os da Amé ri ca.

Antes das Câ ma ras, po rém, a Com pa nhia de Je sus con ce beu a po lí ti ca de tais re a li za ções; per ten cem-lhe as pri me i ras es tra das cal ça das, as pri me i ras pon tes, os cais, mu ni dos de guin das tes, as má qui nas para aele va ção de vo lu mes nas bar re i ras, a or ga ni za ção das for ças eco nô mi cas, com a há bil com bi na ção da la vou ra, da in dús tria agrí co la e do co mér cioma rí ti mo e ter res tre...

Re pre sen tam os je su í tas, no sé cu lo XVII e pelo pri me i roquar tel do XVIII, o que a ini ci a ti va pri va da ti nha de mais lú ci do e en ge -nho so nas co lô ni as tro pi ca is; fo ram, de ve ras, os pri me i ros co lo nos quese aju da ram da ciên cia e ex plo ra ram tec ni ca men te as ri que zas do solo; ede ram aos de ma is mo ra do res os ti pos para o seu tra ba lho ra ci o nal – que no sé cu lo XVIII qua se em nada se pa re cia já com o tra ba lho pri mi ti vo e in dí ge na, do XVI. Os je su í tas eram, nos di ver sos cli mas, pro du to res decou ros e pe les (Pi a uí), de ca cau (Pará), de açú car (Ma ra nhão e Ba hia, Re -ci fe e Rio de Ja ne i ro), de al go dão (Gu i a rá, etc.), de erva-mate (Pa ra na guá e Mis sões); e ti nham en ge nhos-mo de los, um sis te ma de co o pe ra çãocom os ho mens do cam po, a sua dis tri bu i ção mo vi men ta da pelo en ten -di men to en tre os co lé gi os de todo o mun do, e con du zi da pelo gê niomer can til, que os ilus trou no sé cu lo XVII. Eram pre fe ri dos pe los mo ra -do res, e mes mo pelo go ver no,217 para de po si tá ri os dos seus ha ve res, eas ur cas e ca ra ve las da Com pa nhia de Je sus na ve ga vam as mer ca do ri aspro du zi das em to dos os seus es ta be le ci men tos, des de os rios das Ama -zo nas até as “re du ções” me ri di o na is. Aí, sem pre ju í zo dos seus fins re li -gi o sos, ou para me lhor os cum prir en tre as po pu la ções sel va gens, ima gi -na ram (1605–1610) a or ga ni za ção so ci al, que lhes ins pi ra ra a his tó riaclás si ca – das mis sões uru gua i as. Fo ram, nos sé cu los XVII e XVIII, asfor mas co lo ni a is mais dis cu ti das e ad mi ra das do mun do ci vi li za do, que

120 Pe dro Calmon

216 Ser mões, XI; e Ser mões Pa trió ti cos (nota de P. Cal mon, p. 160).217 P. JOSÉ CAIEIRO S. J., Je su í tas do Bra sil e da Índia , edi ção da Aca de mia Bra si le i ra,

pref. do P. Ca bral, p. 77, Ba hia, 1936.

ja ma is se re a li za ra, e em ta ma nhas pro por ções, uma ex pe riên cia decon ver são e edu ca ção das mul ti dões. Enten di am os pa dres que paraman ter em or dem um povo ar ran ca do ape nas ao no ma dis mo pri mi ti vo,for ça se ria trans for mar-lhe os acam pa men tos em co lô ni as agrí co las,dar-lhe uma dis ci pli na re li gi o sa e mi li tar, tan to de con ven to quan to deca ser na, su a vi zar a vida vir tu o sa (de ho rá ri os in fle xí ve is e há bi tos im po -lu tos) com as fes tas e mú si cas de fun do li túr gi co, de modo a as se me -lhar-se a gen te al de a da, nas suas ca ba nas agru pa das à roda da igre ja, auma re pú bli ca ide al... o “cris ti a nis mo fe li ce”, de Mu ra to ri. Foi o Esta dote o crá ti co;218 para flo res cer, teve a seu ser vi ço o gê nio in ven ti vo doje su í ta. “Casi nin gu na arte ay de las ne ces sa ri as... que los her ma nos no se pan ha cer”, dis se ra Anchi e ta.219

O mis si o ná rio cons tru iu os edi fí ci os, sis te ma ti zou as cul tu ras, jáem 1694 con se guia ex por tar o ta ba co, a erva e o açú car, pro du zi do em 22al de i as; cri ou as pe que nas in dús tri as, fi an do as fi bras in dí ge nas, como fi ze ra Anchi e ta; aper fe i ço ou os ins tru men tos agrá ri os, so ci a li zou as co lhe i tas,ex tre man do o tra ba lho do lu cro in di vi du al, ar re gi men tou os la vra do res –pe ran te a ame a ça das ban de i ras, em 1639 – em exér ci to de cos tu mes es -par ta nos.220 Este dis per sou-se, de sa pa re ceu ao fim de sé cu lo e meio de“re pú bli ca cris tã”,221 des ba ra ta do por por tu gue ses e es pa nhóis, co li ga doscon tra as “mis sões”; po rém ao pa tri mô nio da ci vi li za ção ame ri ca na sein cor po ra ram as con quis tas de sen so eco nô mi co e po lí ti co dos je su í tas.

A ECO NO MIA DOS PA DRESNo Bra sil, a ação de les se exer ceu em to dos os cam pos da

eco no mia tro pi cal. Co me ça ram por in tro du zir as plantas exó ti cas, quecom ple tas sem e cor ri gis sem a flo ra na ti va: os co lé gi os, de S. Pa u lo, do

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 121

218 As “re du ções” je su í ti cas não for ma ram um Esta do no sen ti do po lí ti co: re co nhe ci am a so be ra nia do Rei. (P. Pa blo Her nan dez, Orga ni za ción So ci al de las doc tri nas gua ra ni esde la Com pa ñia de Je sus, I, 133, Bar ce lo na, 1913.)

219 P. GONZAGA CABRAL, Je su í tas no Bra sil, p. 210, S. Pa u lo.220 Doc. nos Ana is da Bibl. Nac., so bre o Rio de Ja ne i ro, doc. 1888. Em 1759, as al de i as

je su í ti cas, logo de po is eri gi das em vi las, eram 21. P. José Ca i e i ro, op. cit., p. 55.221 CHATEAUBRIAND, O Gê nio do Cris ti a nis mo, II, 197, trad. de Ca mil lo; L.

CAPITANT ET H. LORIN, Le Tra va il en Amé ri que, p. 422, Pa ris, 1914; P.MADUREIRA, Os Je su í tas (Rev. do Inst. Hist. Tomo es pe ci al, V, 124).

Rio, da Bahia, de Per nam bu co, fo ram gran des vi ve i ros de to das as árvoresde fru to e ar bus tos pre ci o sos da Eu ro pa e do Ori en te. Nó bre ga,222

Anchi e ta,223 Car dim, des cre ve ram os pri me i ros tra ba lhos de acli ma çãoda que las es pé cies, que se ri am a ma i or ri que za da ter ra, tais acana-de-açúcar, as la ran je i ras, ou tras “ár vo res de Espa nha”...224. Ohomem ar ru ma va a sua pa i sa gem. O país era fér til, mas lhe fal ta vam ases pe ci a ri as, mer cê das qua is se des co bri ra a Índia e as na ções cru za vamos ma res. Sem as es pe ci a ri as (o açú car com pre en di do) o Bra sil se ria uma ter ra me lan có li ca – como lhe cha mou Fer não Car dim – sem a qual nãopu de ra vi ver a me tró po le, afir ma va em 1640 o Pa dre Vi e i ra,225 quepro du zia os man ti men tos bár ba ros dos ín di os, o pau de tin gir e, nacos ta les te–oeste, o âm bar... – des pro vi da das gran des cul tu ras que lhefi ze ram a fi si o no mia eco nô mi co-histórica.226 O je su í ta re sol veu o problema

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222 Car tas do Bra sil, ed. da Acad., p. 98.223 Vd. P. CABRAL, Je su í tas no Bra sil, p. 198.224 PERO DE MAGALHÃES GANDAVO, His tó ria da Pro vín cia de San ta Cruz, f.

98, edi ção do Anuá rio do Bra sil; GABRIEL SOARES, Tra ta do Des cri ti vo, p. 154;FERNÃO CARDIM, Tra ta dos, ed. Gar cia, p. 106; FREI VICENTE DOSALVADOR, Hist. do Bras., 3ª ed., p. 34.

225 Ser mões, XIV, 17 (“Pelo bom su ces so das ar mas por tu gue sas”).226 Plan tas exó ti cas, po rém que me lhor de ram no Bra sil do que nas ter ras de ori gem,

como Ca mões dis se do pomo “que do gol fo Pér si co veio” – fo ram o café, tra zi doda Gu i a na Fran ce sa para o Pará em 1727, pelo ser ta nis ta Fran cis co de Melo Pa lhe ta; o ca cau que do Mé xi co e ba cia do Ore no co pas sou ao Pará, don de em 1746 sa í rammu das para a Ba hia; as la ran je i ras, trans plan ta das pe los je su í tas des de os pri me i rosanos; os co que i ros, do Oce a no Pa cí fi co, des ti na dos a es pa lhar-se por todo o li to ral,de po is de 1560, ou 70; as ja que i ras, in tro du zi das na Ba hia em 1688 (Doc. ms. naBibl. Nac., inéd. co di ce Doc. hist. f. 443); as amo re i ras, vin das em 1755 para a Ba hia(Con sul tas do Con se lho Ultra ma ri no, ms. do Insti tu to His tó ri co, f. 132)... A ár vo re dopão, que na Ba hia e em Per nam bu co tão bem se acli ma tou, veio no prin cí pio do sé -cu lo XIX. Ori gi ná ria das ilhas da So ci e da de, vis ta por Cook, man da da le var pelaIngla ter ra, em 1787, para as Anti lhas, o que se fez em 1791, de lá se es pa lhou pelaAmé ri ca do Sul. As man gue i ras, o cra vo da Índia, o jam be i ro, as ba na ne i ras, comex ce ção da abo rí gi ne “pa co va”, ilus tram a nos sa tese (vd. A. de Can dol le, L’originedes plan tas cul ti vés, p. 372, Pa ris, 1896). Já dis se ra o po e ta: “As fru tas qua se to dasno me a das são no Bra sil de Eu ro pa tras la da das...” (BOTELHO DEOLIVEIRA, A Ilha da Maré, p. 183, edi ção da Aca de mia). Não ha dú vi da: os por tu gue ses “con tri bu í ram para mo di fi car pro fun da men te aface bi o ló gi ca do glo bo...” (AMÉRICO PIRES DE LIMA, A His tó ria Na tu ral e o Ultra mar, p. 3, Por to, 1936).

inicial, im por tan do, adap tan do, cul ti van do; Por tu gal deu ao Bra sil, no sé -cu lo I, o ori en te e na Áfri ca no II, o que ti nham de me lhor nas suas hor -tas e bos ques. O je su í ta con ti nu ou a tra zer mu das de plantas. A der ro ca da do im pé rio por tu guês na Índia fa vo re ceu-lhe os pla nos; pro je touAntônio Vi e i ra trans for mar o Bra sil em ou tro Ce i lão, com a ca ne la, ocra vo, a pi men ta, por que nada se per des se, com a per da do ori en te.“Con sis tia a uti li da de des te meio em que, ten do no Bra sil as di tas dro -gas, e sen do a con du ção de las tan to mais bre ve e mais fá cil, as po día mos dar mu i to mais ba ra tas que os ho lan de ses, com que os fi cá va mosdestru in do na Índia.”227

Da mes ma for ma por que trou xe ram das ser ras de Ma ra cajuou de Anhan bai as mu das de er va-mate para as Mis sões228 e re ve la ram a qui na (“pós dos je su í tas”) e nu me ro sas ou tras plan tas me di ci na is daAmé ri ca, os je su í tas con ti nu a ram a ori en tar a ati vi dade agrí co la doscolonos, man ten do as fa zen das mais prós pe ras, os en ge nhos mais per -feitos,229 os es ta be le ci men tos mais adi an ta dos de toda esta ter ra. Ne les,fos se no Nor des te, em Cam pos, no Rio, no S. Fran cis co,230 ou em Cu ri -ti ba de po is de 1708, “ti nham em tudo uma or dem e uma ati vi da deimpos sí vel de so bre pu jar-se...” – dis se Sa int-Hilaire, que pôde con tras tar com a de ca dên cia, pos te ri or à ex pul são da Com pa nhia, o ad mi rá velprogres so de suas pro pri e da des.231

Se ria o pa dre um con cor ren te do co lo no? Não o foi; mas so freu as con se qüên ci as da sua au daz ini ci a ti va como se ti ve ra o co lo no porini mi go. O je su í ta não en ge nha ra a sua or ga ni za ção eco nô mi ca paracom ba ter ou res trin gir o tra ba lho co lo ni al; não ven dia no país os seusefe i tos, e se os ne go ci a va para fora não o sen ti am os co mer ci an tes, que onão en con tra vam no seu ca mi nho. Os mis si o ná ri os in qui e ta vam e

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 123

227 Car tas, II, 227.228 ROMÁRIO MARTINS, Ilex-Mate, págs. 22-3, Cu ri ti ba, 1926.229 Vd. Des cri ção da fa zen da que o Co lé gio de San to Antão tem no Bra sil, Ana is do

Mu seu Pa u lis ta , IV, 778.230 W. M. ROBERTS, No tes on The S. Fran cis co Ri ver, p. 6, Lon don, 1880.231 SAINT-HILAIRE, Vi a gem no in te ri or do Bra sil em 1820, trad. e no tas de DAVID

CARNEIRO, p. 183, Cu ri ti ba, 1931; ROCHA POMBO, His tó ria do Pa ra ná, p.45, S. Pa u lo, 1930. Foi a mes ma a im pres são co lhi da em Cam pos por CH.RIBEYROLLES, Bra sil Pi to res co, III, 9, Rio, 1859.

in dis pu nham os co lo nos pela sua po lí ti ca em re la ção aos ín di os, es cra vosdes tes. Foi o gran de mo ti vo; sem a ques tão dos ca ti vos o dra ma da ca te -que se não ofe re ce ria os as pec tos trá gi cos que teve na re gião das Mis sões e no ex tre mo nor te.

A QU ES TÃO DOS ÍNDI OSVi e ra a Com pa nhia en si nar-lhes a fé, em 1549; ufa na va-se de

ter con tri bu í do, an tes mes mo de cons ti tu í da em or dem re li gi o sa, paraque o pon tí fi ce ro ma no re co nhe ces se aos ín di os a per so na li da de hu ma na; não fora a con ver são de les, o seu pa pel no Bra sil po de ria ser cum pri dopor tan tas ou tras re li giões, me nos com ba ti vas e in dô mi tas. Os je su í tas,para não men ti rem à sua ori gem, ja ma is tran si gi ram com a in jus ta es cra -vi za ção dos in dí ge nas. E os co lo nos, em sa tis fa ção dos há bi tos e ne ces -si da des da ter ra, nun ca lhes to le ra ram a in ter ven ção na sua eco no miapri va da. Que o es cra vo era o tra ba lho, o pão, o Bra sil. Ha bil men te, oje su í ta des vi a ra do ín dio para o ne gro as pre fe rên ci as dos la vra do res doli to ral. Ani ma ram, en co ra ja ram, fa ci li ta ram a im por ta ção de es cra vosafri ca nos, com o que se li vra ram os bra sis, en tre tan to des tru í dos ou re pe -li do ao cabo de nu me ro sas guer ras, que os pa dres com a sua bran du ra, e os mes mos go ver na do res tão ami gos des tes, como Mem de Sá, nãopu de ram evi tar. A in tro du ção de es cra vos pre tos em le vas su ces si vasafas tou a ame a ça da es cra vi dão ver me lha das zo nas agrí co las e ri cas dacos ta; en ten de ram os pa dres de en trar com os seus pro pó si tos hu ma ni -tá ri os por S. Pa u lo e pelo Ma ra nhão. Ti nham ob ti do do Rei D. Se bas tião a Lei de 20 de mar ço de 1570, de cla ran do for ros to dos os ín di os, “sal voaque les que fo rem to ma dos em guer ra jus ta”. Po rém a Co roa não foitão des ve la da como os je su í tas na de fe sa dos gen ti os. Para me lhor apli -ca ção da Lei de 1570, ca pi tu la ra-se um acor do na Ba hia – a 6 de ja ne i rode 1574 – pelo qual a “guer ra jus ta” era en ten di da como a que fa zi am os ca pi tães pe los seus re gi men tos ou, fora des se, nos ca sos em que pre ce diavo tos das Câ ma ras.

Uma Lei de 30 de ju lho de 1609 de cla rou os ín di os in te i ra -men te li vres e co mi nou gra ves pe nas para os que os ca ti vas sem; a ins -tân ci as dos co lo nos, en tre tan to, ou tra Lei, de 10 de se tem bro de 1611,au to ri za va o ca ti ve i ro em con se qüên cia de guer ras jus ti fi ca das ou pormo ti vos jus tos, e por um pra zo má xi mo de dez anos, po den do ser os

124 Pe dro Calmon

índios al de a dos sob a di re ção de “co lo nos de vida exem plar” (não maisje su í tas), in di ca dos pela au to ri da de ci vil.

Os pa dres do e ram-se do re gres so, que os no vos dis po si ti vosle ga is re pre sen ta vam à épo ca da in fre ne es cra vi dão dos ca bo clos; no Sul fi ze ram as “mis sões”; e em Por tu gal e no Bra sil, lem bran do sen ti da menteo re i na do pro pí cio de D. Se bas tião, con cor re ram para que se for mas se a men ta li da de pa trió ti ca e “se bas ti a nis ta”, de que re sul tou a in de pen dênciapor tu gue sa em 1640. Os pa dres es pa nhóis das “mis sões” ob ti ve ram doPapa Urba no VIII a pu bli ca ção, no Bra sil, da bula de Pa u lo III, a fa vordos ín di os do Peru, que ful mi na va com a ex co mu nhão os ca ti va do resdestes. Foi o pa dre Diaz Taño, um dos mis si o ná ri os gua i re nhos que saí ramdas re du ções para pe dir ao rei e ao papa o cas ti go dos ser ta nis tas de S. Paulo,que as as sal ta vam – que apa re ceu no Rio de Ja ne i ro com o bre ve pon ti fício.

Re vol tou-se o povo, não con se guiu o Go ver na dor Sal va dor Cor -rêa detê-lo, o pa dre Taño so freu as ame a ças e in jú ri as da mul ti dão que ocer ca va no Co lé gio, e pôde ape nas a ha bi li da de das au to ri da des ama i nar otem po ral me di an te um acor do, que sus pen des se a exe cu ção do bre ve (22 de ju nho de 1640). A Câ ma ra de S. Pa u lo vo tou, no mes mo ano, a ex pul sãodos je su í tas. Eles vol ta ram em 1653; e para o Ma ra nhão foi Antônio Vi e i ra, que de D. João IV, seu ami go, al can çou a en tre ga à Com pa nhia de to dos osas sun tos ati nen tes à li ber da de e ad mi nis tra ção dos ín di os. Tam bém osma ra nhen ses não con cor da ram com se me lhan te po der atri bu í do aosmis si o ná ri os, e lhe dis pu ta ram, com ar mas na mão. Não pas sa ri am semes cra vos ín di os, fos se qual fos se o nome que lhes des sem; de bal de ospa dres ape la ram para a ca te que se dos co lo nos, os re cur sos es pi ri tu a is ema te ri a is de que po di am dis por, a sua po lí ti ca, tão in flu en te nas Cor tes.

O con fli to, com as al ter na ti vas de me di das vi o len tas e de ci -sões sus pen si vas, fa vo rá vel aos je su í tas do re i na do de D. João IV, con trá rioa eles no de Afon so VI, no va men te à sua fe i ção no de D. Pe dro II, ocon fli to con ti nu ou, até o mi nis té rio de Pom bal, a quem cou be vi brar oúl ti mo gol pe no ca ti ve i ro dos in dí ge nas, com a Lei de 1755.

Fo ram afi nal os je su í tas ex pul sos do Bra sil e de Por tu gal(alv. de 3 de se tem bro de 1759), ví ti mas do ódio que lhes ti nha o mi nistro;e qua tro anos mais tar de, pelo Papa Cle men te XIV, ex tin ta a Com pa nhia de Je sus.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 125

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XIIA So ci e da de – A Casa Co lo ni al – Espí ri to da Ci vi li za ção Por tu gue sa

Na ci da de – a casa, re sul tan te da acli ma ção do co lo no,tam bém se trans for ma, nem mais por tu gue sa, nem in dí ge na, se não fe i ta de ele men tos com bi na dos, do ca sal luso-mou ro e da oca ra tupi. Ca rac te -ri za-se pela va ran da, ex ten são do al pen dre eu ro peu, que pro te gia do sole abria aos ven tos a ha bi ta ção. Esta, de co me ço di vi di da em duas outrês pe ças, cor ta das pelo cor re dor, sem pa vi men ta ção e sem for ro, ele -va-se em so bra do, ga nha so ca vões e sen za las pela ne ces si da de que temde abri gar, em pla no in fe ri or, os es cra vos da fa mí lia.

Os cos tu mes, de um lado, do ou tro o cli ma, com ple tam, nofim do sé cu lo XVI, a fi si o no mia da casa co lo ni al – que não apre sen ta uma arte ex te ri or, além da sua só bria es tru tu ra, nem um tra ço es té ti copró prio.

So men te com a in ter ven ção de ar tis tas por tu gue ses e a im -por ta ção de gra ni tos, que não ha via na Ba hia,232 o de sen vol vi men todo co mér cio e do luxo, cri an do os há bi tos re quin ta dos, do sé cu lo se guin -te, ren di lhou em por ta is o or na men to clás si co (Re nas cen ça), cor reu

232 LA BARBINNAIS, Nou ve au vo ya ge, etc., III, 181.

fri sos e cor ni ja men tos ao lar go das fa cha das e en ri que ceu o in te ri or com al gum mo bi liá rio, des co nhe ci do no sé cu lo an te ri or. Não se im por ta -vam mó ve is – la vra dos na ter ra por ar tis tas em for ma ção – nem o con -for to exi giu, en tre 1550–1600, mais do que uma vas ta, co pi o sa co le ção de uten sí li os de pra ta, al fa ia que, por todo o pe río do co lo ni al, ex pri miu abun dân cia e no bre za. Re du zia-se o mo bi liá rio à rede, dos ín di os, a umamesa, a al guns es ca be los e um bo fe te. Nem ta pe tes (além das es te i rasde fi bras in dí ge nas), nem qua dros, nem cris ta is, nem li vros (afo ra osde vo ci o ná ri os e, no sé cu lo XVII, Di a na de Mon te mor ou Os Lu sía -das...)233 nem ou tra ce râ mi ca que nao fos se a dos ín di os, com os seusva gos de se nhos.

Fun da da em 1619, a Câ ma ra do Ma ra nhão pe dia a el-rei umli vro das Orde na ções – co i sa tão rara que não ha via em S. Pa u lo até1587234 – uma ban de i ra, vin te va ras ver me lhas, dois car ta pá ci os para aes cri ta, al gum pa pel, uma cam pa i nha e um tin te i ro.235 Tan to bas ta vapara al fa i ar-se uma Câ ma ra.

A fal ta de luz com ple ta va aquele qua dro de hu mil da de.Até 1602, quan do se ini ci ou a pes ca da ba le ia, alu mi a vam-se

os mo ra do res da Ba hia com aze i te doce, ou de pal me i ras da ter ra, doqual eram mu i to gu lo sos os ne gros bo ça is, tan to que se lhe jun ta va aze i teamar go e re pul si vo, para evi tar que o be bes sem nos can dee i ros.236

A cera para as ve las era cara, e as re si nas para as to chas, des -co nhe ci das. O aze i te de ba le ia, po rém, for ne ci do pela ma i or quan ti da dede ce tá ce os que ain da se pes ca ra – dis se em 1610 o vi a jan te Pyrard deLa val – tor nou aces sí vel a to dos os la res a ilu mi na ção. Ma ta vam-se trin ta ou qua ren ta de les ao tem po de Frei Vi cen te do Sal va dor, pro du zin docada um vin te pi pas de aze i te.

Em S. Pa u lo, en tre tan to, pelo fim do sé cu lo XVI, era pro i bi do o trân si to pe las ruas du ran te a no i te, e cas ti ga do quem ou sas se sair coma sua lan ter na, pois po dia pôr fogo aos ca se bres de sapê.

128 Pe dro Calmon

233 Cf. tes ta men tos da Ba hia, por nós es tu da dos nos Li vros do Tom bo da Mi se ri cór diaba i a na, ms. inéd.

234 TAUNAY, S. Pa u lo nos Pri me i ros Anos, p. 93, Tours, 1920.235 CAPISTRANO, Pro le gô me nos a Frei Vi cen te, 3ª ed., p. 457.236 FREI VICENTE, Hist. do Bra sil, 3ª ed., p. 396.

A in dús tria do més ti ca era a fi a ção do al go dão nas ro cas, a te -ce la gem e dos do ces de con ser va, que en tre ti nham à roda da se nho ra ases cra vas ha bi li do sas. Des sas ar tes as fa mí li as ti ra vam um ga nho cer to,man dan do ven der às ruas os seus pro du tos, como se usou ge ral men teno Bra sil, prin ci pal men te no Nor te, por três sé cu los. Mu lhe res ha via que di ri gi am, em casa, um pe que no ba ta lhão de fi an de i ras, como aque la de -vo ta ve lha, re fe ri da por Ja bo a tão no Orbe Se rá fi co, que to ma ra a si for ne -cer de pa nos to das as igre jas da ca pi ta nia.

Ma i or po bre za re ve la va a in du men tá ria.Den tro de casa as ra pa ri gas ves ti am um sim ples ca mi são. Pos -

su íam, para as ce ri mô ni as, um úni co ves ti do, que era um pa tri mô nio.Até o sé cu lo XVIII, as da mas ba i a nas não ti nham mais de dois

ou três ves ti dos, de ta fe tá ou cha ma lo te, que cons ta vam de ver bas tes ta -men tá ri as e pas sa vam de mães a fi lhas, com as ba i xe las e as jói as.237

Os ho mens (que um vi a jan te di vi dia em três clas ses, se nho resde en ge nhos, ne go ci an tes e ma rí ti mos),238 tra ja vam-se com ri que za emOlin da – “mais de cem ho mens têm de mil até 5 mil cru za dos de ren da”,ad ver tia Ga bri el So a res239 – onde o Pa dre Car dim viu, em 1583, “le i tosde da mas co car me zim, fran ja dos de ouro, e ri cas col chas da Índia...”,240

tra tan do-se os se nho res de en ge nho como gran des fi dal gos.Per sis tiu o cos tu me de nun ca sa í rem a pé ho mens e mu lhe res

de con di ção, cujo ve í cu lo ha bi tu al era a “ser pen ti na”, car regada porescra vos, so men te subs ti tu í da pela ca de i ra de ar ru ar ou pelo car ro no sé cu lo XVIII. Foi na épo ca do açú car re pu ta do – e ape nas na re gião doaçú car, que um cer to es plen dor cer cou a aris to cra cia cam po ne sa. Ostesta men tos da Ba hia mos tram uma po bre za ex tre ma de te ci dos fi nos,menor que a de S. Pa u lo, onde a vida cam pes tre res trin gia as pos si bi li dadesde fa us to, po rém in fi ni ta men te ma i or que a de Lis boa e Por to, che i os de te las de Flan dres e Itá lia, de lãs in gle sas e se das de Fran ça. Con ta FreiVi cen te que D. Pe dro Ma no el, ir mão do Con de de Ata la ia, cujo na vio os ho lan de ses afun da ram em Fer nan do de No ro nha, re ce beu do ca pi tão do

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 129

237 PEDRO CALMON, in Rev. do Inst. Ge ogr. e Hist. da Ba hia, nº 53, p. 426.238 LA BARBINNAIS, op. cit. , III, p. 186.239 Trat. Descr., p. 35.240 Trat. da Ter ra, p. 320.

Rio Gran de do Nor te uma rou pa, e re cu sou as que em Per nam bu co lhequi se ram dar, por que bas ta va aque la para vol tar a Por tu gal.241

Tam bém não se com pa ram às igre jas bar ro cas dos sé cu losXVII e XVIII, que ad mi ra vam aos vi a jan tes do tem po,242 as igre jastoscas do sé cu lo XVI.

A Aju da, da Ba hia, es ti ve ra co ber ta de pa lha até o go ver no de Mem de Sá. Em 1572, le van ta da de novo em can ta ria, imi ta va as igre jasro mâ ni cas do Mi nho, ain da sem o fron tão de li nhas cur vas, do gos toje su í ti co-fran cês, co mum às fa cha das do sé cu lo XVII. No in te ri or, aca pe la-mor, de uma Re nas cen ça trans for ma da, ou tra du zi da, pela bas tar -dia da com po si ção, era de um se ve ro efe i to, sem a gra ça das co lu nas tor -ci das, o tro no en fes to a do, a ta lha, que de po is tão pro fu sa men te opu len -tou os tem plos bra si le i ros. As duas gran des cons tru ções re li gi o sas dogo ver no de Mem de Sá, a Sé e a igre ja da Com pa nhia, não pu de ramcon clu ir-se, na for ma de fi ni ti va, se não em 1635 e 1675, res pec ti va men te. Da pri me i ra dis se Pyrard de La val: “Y une três bel le, égli se cat he dra le ou Assée ou y a do yens et cha no i nes...”.243

Não hou ve uma ar qui te tu ra mi li tar pró pria do Bra sil.As for ta le zas da Cos ta, cons tru í das pri me i ra men te por en ge -

nhe i ros por tu gue ses e es pa nhóis,244 o mais ilus tre de les Fran cis co deFri as (1614–1624), de po is por en ge nhe i ros de di ver sas na ci o na li da des,como Mi guel de Les col les (1650), João Mas sé (1715–1722), Ja cquesFunck (1770) – obe de ci am a um tipo uni for me, de pra ças for tes de ris co cas te lha no, que a ar ti lha ria sim pli fi ca ra, tor nan do ex cu sa das as tor res e

130 Pe dro Calmon

241 Hist. do Bras ., 3 ª ed., p. 385.242 Cf. COMMODORE BYRON, A vo ya ge round the World, Lon don, 1767, p. 21.243 PYRARD DE LAVAL, Vo ya ge, p. 539.244 Ale gan do a ru í na da Sé, o pro ve dor-mor da fa zen da da Ba hia di zia não ha ver ali

ne nhum en ge nhe i ro, em 1761 (Ofí cio de 1º de ou tu bro de 1761, Ana is da Bibl.Nac.). O en ge nhe i ro da ca pi ta nia, por si nal o me lhor da co lô nia (Ana is da Bibl.Nac., XXXI, 110), era o Te nen te-Co ro nel Ma no el Car do so Sal da nha, en tãoin cum bi do de mon tar uma fá bri ca de sa li tre em Mon tes Altos. Foi com o Ca pi -tão-Enge nhe i ro José Antô nio Cal das, len te da aula de for ti fi ca ções, fun da da naBa hia em 1691, e que o go ver na dor Con de de Azam bu ja acha ra “qua se de ser ta”e “hoje tem mu i tos pa u lis tas e com ope ro si da de”... (Ofí cio de 26 de mar ço de1767, Ana is da Bibl. Nac. XXXI, 161).

os al tos mu ros que os por tu gue ses edi fi ca ram na Índia (Diu, Cha i le, etc. e em Mar ro cos, ain da no sé cu lo XVI (Kchla, etc.).

Das tor res, eri gi das em obe diên cia ao re gi men to de Tomé deSou za, só uma atra ves sou de pé o sé cu lo XVII, a de Gar cia d’Ávila.

As ca i ça ras in dí ge nas, al gu mas du plas e guar ne ci das de gua ri -tas, como a do “Mel Re don do”, na Bo i pe ba,245 fo ram a de fe sa pri mi ti va de S. Vi cen te, de S. Pa u lo, de Igua raçu, do Rio de Ja ne i ro, de Vila Ve lha,do Ce a rá (“for te de ta i pa”).

O “so bra do” apa re ce no sé cu lo XVII. Um ban de i ran te ba i a no,em 1655, fa lou de “mo ra do res com ar mas e ca sas for tes de so bra do depe dra e cal, e uma igre ja, no que tem fe i to mu i to gran des des pe sas”.246

Os “mu ros”, cor ri dos à vol ta da ci da de por Tomé de Sou za,eram ain da as pa li ça das dos tu pi nam bás (ta i pas de pi lão, diz o cro nis ta),com bi na das com os ba lu ar tes ou tor reões, que, de al ve na ria, os sus ten ta -vam. Por isso de sa pa re ce ram os “mu ros” tão com ple ta men te que, re cons -tru í dos por D. Fran cis co de Sou za, já não exis ti am al guns em 1612,quan do Bal ta zar de Ara gão, à no tí cia de cor sá ri os fran ce ses, tra tou defa zer de “cer cas de pau-a-pi que”, e de pe dra e cal o muro e por tal daban da do Car mo.247

Acrescen tou–lhe va las de tor rão, em 1623, o Go ver na dorDiogo de Mendonça Fur ta do,248 po rém, em 1638, o de su so e a fer ru -gem impe di am os ba i a nos de fe char a por ta do Car mo...

“Tai pas ru des e gros se i ras” eram os mu ros de S. Pa u lo, oumelhor, as “cer cas da vila”, na lin gua gem da sua Câ ma ra. Sa be mos, pe lasde ci sões da edi li da de pa u lis ta na, que não pas sa vam de “ta i pas de pi lão”,com por tas de ma de i ra que fo ram, cer ta vez, rou ba das por um vi zi nho249...

Aliás, o fe nô me no da ur ba ni za ção – ou fos se a pre do mi nânciada ci da de so bre o “en ge nho” ou a “fa zen da” – vi ria ape nas com a fixação

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 131

245 FREI VICENTE, Hist. do Bras., 3ª ed., p. 389.246 Doc. in Do cu men tos His tó ri cos, XVIII, 351 (1930).247 FREI VICENTE, op. cit., p. 482. O per fil da pri mi ti va ci da de não ha via de ser

mu i to di ver so do das pra ças da Índia, que ilus tram as Len das de GASPARCORREA (Edi ção de Lis boa, 1863).

248 FREI VICENTE, op. cit., p. 503.249 TAUNAY, S. Pa u lo nos Pri me i ros Anos, p. 8.

de uma bur gue sia mer can til, o cres ci men to da po pu la ção, o au men to do comér cio, e com a sua ri que za, a ani ma ção da vida so ci al nos en tre postos,que eram Re ci fe, a Ba hia, o Rio de Ja ne i ro.

Olin da, em 1583, fora vila de se te cen tos ha bi tan tes. Em 1587a ci da de da Ba hia po dia ser de fen di da por 2 mil bran cos, 4 mil ne grosde Gu i né e 6 mil ín di os – no cál cu lo de Ga bri el So a res. Em 1584 – con -forme a “Bre ve re la ção das co i sas re la ti vas aos Co lé gi os, etc.” – ospadres con fes sa ram na ca pi tal 500 e no re côn ca vo 5.402 fiéis; nos engenhosfi ze ram 459 ca sa men tos.

Em 1594 a po lí cia da vila de S. Pa u lo era fe i ta por seis homens, su fi ci en tes para aco ber tá-la de todo de sas sos se go.

Aque la es cas sa po pu la ção per mi ti ra à Ba hia, as sim quan do aata cou o cor sá rio in glês em 1594 e a ame a çou o ho lan dês em 1604,entrin che i rar-se toda nos ma tos su bur ba nos, aban do na ndo o povo àssuas ca sas... Em 1638, po rém, ape lan do o go ver na dor para seus ha bi tantes,que le vas sem água para os sol da dos que a de fen di am, con tra o Prín ci pede Nas sau, numa hora che ga ram às trin che i ras mil po tes.250

132 Pe dro Calmon

250 Doc. cit. pelo P. SERAFIM LEITE, Pá gi nas de His tó ria do Bra sil, p. 236, S. Pa u lo,1937.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XIIILe tras e Artes na Co lô nia

Deveras a literatura é a forma de uma nacionalidade, se aretrata; mas é sobretudo o seu espírito, se lhe traduz o “inconsciente”.Três séculos não nos deram uma literatura própria. Durante o períodocolonial tivemos, nossa, uma poética, menos de três ou quatro poetasque do povo, em cujo espontâneo lirismo ela se perpetuou. Por isso aexpressão literária, puramente popular e representativa do Brasil colonial,foi Gregório de Matos, o primeiro trovador da “modinha”, consagradaem Portugal no século XVIII.

A nossa prosa, como a sintaxe, não divergiu dos modelosmetropolitanos, copiados servilmente, e graças a essa diferença, entre alíngua que se escrevia, culta, e a que se falava, corrompida ou dialetada,baldadamente procuramos na escassa bibliografia brasileira daqueletempo os traços de um espírito regional. Somente o século XIX marcaria a separação intelectual de reino e colônia, conseqüência da sua separaçãopolítica.251

251 Não têm sen ti do, ou são ape nas uma su ti le za de mé to do, as “fa ses” da nos sa his tó -ria li te rá ria mar ca das nos com pên di os: I. Épo ca de for ma ção – até Gre gó rio de Ma -tos. II. Épo ca de trans for ma ção. Dos mi ne i ros aos pro tor ro mân ti cos... (ARTURMOTTA, Hist. da Li te rat. Bras., I, 254). AFRÂNIO PEIXOTO de i xou cla ra e semra zão de tais pe río dos, No ções de Hist. da Li te rat. Bra si le i ra, p. 22, Rio, 1931. O mé to do pro pos to por Afrâ nio cor res pon de, se gu ra men te, à ver da de dos fa tos: Li te ra tu raco lo ni al; imi ta ção da me tró po le – clas si cis mo; imi ta ção da me tró po le – cul tis mo;imi ta ção da me tró po le – ar ca dis mo; li te ra tu ra re vo lu ci o ná ria, etc.

PRI ME I RAS LE TRASA ins tru ção era je su í ti ca. Só os je su í tas fun da ram co lé gio (“co -

lé gi os” e “re si dên ci as” cha ma vam-se as suas ca sas), só eles ti nham “clas -ses”, don de se rem “clás si cos” os au to res aí es tu da dos, só eles mi nis tra vam o en si no ele men tar, de acor do com o Ra tio Estu di o rum, que mo di fi ca ra omé to do da Uni ver si da de de Pa ris – en si no in te gral, con cên tri co, pro gres -si vo, aris to té li co, igual men te de hu ma ni da des, mo ral e gi nás ti ca.

Em 1681 os ho mens da go ver na ção da Ba hia che ga ram a pe -dir a el-rei a equi pa ra ção do co lé gio lo cal com a uni ver si da de de Évo ra,como lhes pa re cia jus to...252

Por isso em Mi nas, onde não se es ta be le ce ram je su í tas, em1770 não ha via se quer uma es co la.

Pro fes so res in com pa rá ve is – bem o sa li en tou Ma ca u lay;253 auni for mi da de da sua pe da go gia não po dia en tre tan to de sen vol ver idéi ases tra nhas à dis ci pli na mo ral e à or dem es ta be le ci da. Fora do Bra sil elespro pa ga ram as ma ra vi lhas do nos so mun do e, por amor à ca te que se, oelo gio do ín dio, ca u sa ino cen te de uma re vo lu ção fi lo só fi ca, qual a dosé cu lo XVIII. No Bra sil, aju da ram a flo res cer uma li te ra tu ra pa i sa gís ti cae gon gó ri ca que cul tu a va a ter ra, fa zen do-lhe o bem de re pu tar o cli matro pi cal que os po vos da Eu ro pa con si de ra vam, va ga men te, a zona hór -ri da dos calo res e fe ras mi tológi cas. A mes ma ne ces si da de de de fe sa docli ma bra si le i ro liga, atra vés do tem po, Usse linx, prin ci pal fa u tor daCom pa nhia das Índi as Oci den ta is, e o bis po do Rio de Ja ne i ro que, em1749, es ti mu la va o “co mér cio de Por tu gal e suas co lô ni as...”

ESCO LA BA I A NAPre do mi na nas le tras luso-bra si le i ras – re a ção que se apas si vou

em li ris mo – o di ti ram bo, ou a exal ta ção do país, des cri ti va e exa ge ra da,co mum a to dos os au to res, des de Frei Vi cen te do Sal va dor, pri me i robra si le i ro que es cre veu li vro (1627), a Si mão de Vas con ce los, des deAnto nil a Nuno Mar ques (O Pe re gri no da Amé ri ca, 1727) e Ro cha Pita,des de Ga bri el So a res a Antô nio Vi e i ra, com pre en den do toda a epis -to lo gra fia je su í tica, a da tar de 1549. Ne nhum can to mais ro mân ti co

134 Pe dro Calmon

252 Do cu men tos His tó ri cos, ms. na Bibl. Nac. iné di to.253 EGAS MONIZ, Pro ble mas de Edu ca ção Na ci o nal e de Instru ção Pú bli ca , p. 164, Ba hia, 1928.

das be le zas pá tri as mo du lou essa li te ra tu ra do que o Diá lo go das Gran de -zas do Bra sil (1618), pre ce di do da Gran de za das Ca pi ta ni as do Bra sil, deDo min gos d’Abreu Bri to (1592) e su ce di do, em ver so, pelo po e ma daIlha da Maré, de Ma no el Bo te lho de Oli ve i ra, o pri me i ro po e ta bra si le i roque pu bli cou as suas es tro fes (1705).

As tin tas da na tu re za ofus ca vam a fi gu ra hu ma na e só ha vialu gar para o em be ve ci men to. Qu an do os au to res bra sí li cos se lem bra ramdo ho mem, foi para ide a li zá-lo, no in di a nis mo pré-ro mân ti co, fan ta si an do o for te e li vre ín dio que os fi ló so fos re a bi li ta ram – e os co lo nos ex ter -mi na ram.

GRE GÓ RIO DE MA TOSO pri me i ro po e ta do Bra sil que deu à sua lira vo zes na ti vistas,

com ba ten do, sa ti ri zan do maus go ver nos, e in ci tan do o povo a des de -nhar dos opres so res, foi Gre gó rio de Ma tos, cu jas po e si as são re fle xos,às ve zes tra du ções de Qu e ve do e Gon go ra.

“Que os bra si le i ros são bes tas, E es ta rão a tra ba lharToda a vida por man te remMa ga nos de Por tu gal.”254

Nes sa qua dra se con cen tram to das as ir ri ta ções do na ti vis mo,que as sim se afir ma va.

É no tar–se que os mol des poé ti cos cri a dos en tre 1681 e 1696por Gre gó rio de Ma tos fi ca ram no Bra sil, ape sar de nun ca lhe te rempu bli ca do os ver sos... ou por isso mes mo.255 O A. B. C., o Ade us, oTes ta men to, a qua dra dos des can tes à vi o la, mo dis mos poé ti cos em cu jasemo ções se cal de ia o fol clo re na ci o nal, po pu la ri za do em Por tu gal, porTo maz Pin to Bran dão, dis cí pu lo e ami go de Gre gó rio, já exis tem na

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 135

254 Obras de GREGÓRIO DE MATOS, edi ção da Acad. Bras., IV, 140. Co le çãoAfrâ nio Pe i xo to.

255 V. JOSÉ VERÍSSIMO, Hist. da Li te rat. Bras., p. 96, Rio, 1916.O mote e a glo sa em dé ci mas con ti nu a ram, no ser tão, idên ti cos aos do po e tase is cen tis ta. A im pres si o nan te ana lo gia es ten de-se à can ti le na.Re al men te, o sar cas ta de Ma ri ni co las está para as nos sas le tras como para aspor tu gue sas Gil Vi cen te: am bos trans mi ti ram, na fiel lin gua gem vilã, um sen ti -men to po pu lar. (Cd. OSCAR DE PRATT, Gil Vi cen te, p. 28, Lis boa, 1931.)

obra tu mul tuá ria do pre cur sor, tor na do ele mes mo len dá rio, por tan tore pe ti do e imi ta do em to das as re giões pe ne tra das da in fluên cia ba i a na(os va les do S. Fran cis co, do Par na í ba, do Ja gua ri pe, do Apo di...) Para La Bar bin na is, a mo di nha da Ba hia lem bra va mú si ca chi ne sa e “gi gues” daBa i xa Bre ta nha.256 Cal das Bar bo sa aje i tou-a à me tró po le, no fim dosé cu lo XVIII.

VI E I RAO Pa dre Antô nio Vi e i ra, des de 1634, quan do sur giu pre gan do,

cri ou uma for ma po lí ti ca, nos ser mões e nas car tas, para a de fe sa daco lô nia, ad vo gan do-lhe os in te res ses ma te ri a is e es pi ri tu a is com umalin gua gem ou sa da.257 “Mu i to deu Per nam bu co; mu i to deu e dá hoje aBa hia, e nada se lo gra; por que o que se tira do Bra sil, o Bra sil o dá,leva-o Por tu gal”. Escre ven do, acon se lhan do, oran do, esse je su í ta ge ni al,258

que aos oito anos vi e ra para o Bra sil, foi um pro te tor obs ti na do dele:com Vi e i ra, po rém, flo res ceu o pen sa men to por tu guês, não um pen sa -men to “bra si le i ro”.

As duas Aca de mi as que se fi ze ram na Ba hia, de “Esque ci dos” (1724) e “Re nas ci dos” (1759), e a do Rio de Ja ne i ro, dos “Fe li zes”(1738), não pu de ram de fi nir uma for ma “bra si le i ra”.

As chu la ri as poé ti cas de Gre gó rio de Ma tos não ven ce ram oes pí ri to cul tis ta, que, apren di do nos Co lé gi os co lo ni a is ou em Co im bra,uni for mi za a li te ra tu ra da me tró po le e da co lô nia.

A po lí ti ca ofi ci a li za essa in de ter mi na ção, pro i bin do que seins ta las sem pre los no Bra sil – ao con trá rio do que ocor ria na Amé ri caes pa nho la259 –, e a di vul ga ção, no re i no, de li vros ana lí ti cos ou des cri ti vos,que re ve las sem ao es tran ge i ro os re cur sos ame ri ca nos: as sim, é sur pre saa edi ção da obra de Anto nil, ape sar de es cri ta por um pa dre da Com pa nhia (Andre o ni) e o mes mo des ti no têm, 47 anos de po is, os Dis cur sos po lí ti -co-mo ra is, do flu mi nen se Fe li ci a no Jo a quim de Sou za Nu nes. Uma ofi ci na

136 Pe dro Calmon

256 Nou ve au vo ya ge au tour du mon de, III, 205.257 Vd. Por Bra sil e Por tu gal , ser mões ano ta dos por PEDRO CALMON, S. Pa u lo, 1937.258 Vd. P. LUIZ GONZAGA CABRAL, Vi e i ra Pre ga dor, p. XXVIII, Bra ga, 1936.259 Vd. VICENTE G. QUESADA, La Vida Inte lec tu al en la Ame ri ca Espa nho la, págs.

63 e segs. Bu e nos Ai res, 1917.

de ti pó gra fo que, no Rio, im pri miu a re la ção da en tra da do BispoD. Antônio do Des ter ro e o “Exa me do bom be i ro” do bri ga de i ro Alpo im, bra ço di re i to do go ver na dor, foi ime di a ta men te des tru í da (1747).

A ma i o ria dos es cri to res do Bra sil no sé cu lo XVIII nãoconhe ceu o be ne fí cio da im pren sa: Pe dro Ta ques, Bor ges da Fon se ca,Loreto Cou to, José de Mi ra les, Gon ça lo Ra vas co, Rita Jo a na de Sou za...Por ou tro lado, os bra si le i ros que pas sa vam a Por tu gal con fun di am-secom os por tu gue ses de lá: as sim o te a tró lo go Antônio José da Sil va, oteó lo go D. To maz da Cos ta Lima, Ma ti as Ai res e sua irmã Te re za Mar -ga ri da,260 o mo ra lis ta Sil va da Eça... Na co mé dia po pu lar do “ju deu bra -si le i ro”, Antônio José da Sil va, que foi o Gil Vi cen te se te cen tis ta, o seuúni co ele men to ame ri ca no, a mo di nha, não a ca rac te ri zou, como sim plestona li da de dos cos tu mes de Lis boa de 1734, que os es tran ge i ros julgavamcri a ção por tu gue sa.261

NA CI O NA LIS MOA ins pi ra ção bra si le i ra, ca ti van do uma ju ven tu de am bi ci o sa de

re pa ra ções para a sua ter ra, tem uma data po lí ti ca e ma te ri a li zou-se num po e ma: em 1781 pu bli cou Frei José de San ta Rita Du rão, na tu ral deMi nas Ge ra is, o Ca ra mu ru, “Po e ma épi co do des co bri men to da Ba hia”. Jáem 1769 es tam pa ra José Ba sí lio da Gama – ou tro mi ne i ro – o seu po e -ma O Uru guai.262 Cir cuns tân cia re le van te: nas ce ram am bos nas mon ta -nhas au rí fe ras de Mi nas e re ce be ram a di re ta in fluên cia do am bi en te,opres so e vi o len to, da ri que za, do des po tis mo e da re vol ta, onde pe naster rí ve is cas ti gam fal tas le ves e o re cru ta men to para as lu tas do sul fe riaa po pu la ção como ou tras tan tas “der ra mas”, mas de san gue.

N’O Uru guai so bres sa em, pre cur so res do ro man tis mo, umater nu ra pe las pa i sa gens, um in di a nis mo ide al (o bom ín dio, de Mon ta ig ne),uma de pen dên cia do meio fí si co, “le gi ti ma men te ame ri ca no”, se gun doGar rett; mas o mo ti vo “bra si le i ro”, vi bran te de li ris mo, que dá à epo -péia o seu ca rá ter na ci o na li zan te, sur ge pri me i ra men te em Ca ra mu ru.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 137

260 RUY BLOEM, O pri me i ro ro man ce bra si le i ro, p. 34, S. Pa u lo, 1939.261 TEÓFILO BRAGA, Hist. da Li te rat. Port. – Os Arca des, p. 136, Por to, 1918.262 Vd. SÍLVIO ROMERO, Hist. da Li te rat. Bra si le i ra, I, 187 e segs., Rio, 1902.

Acon te cia que a Amé ri ca do Nor te se li ber ta ra da Ingla ter ra, e aFran ça, dos fi lo só fos e eco no mis tas, to ma ra o par ti do da no vel Repú bli ca.A “Amé ri ca” era o as sun to, a moda, a sen sa ção da que les fre né ti costempos de trans for ma ção uni ver sal. Re fle tin to essa “ame ri ca ni za ção” da li te ra tura, uma Aca de mia se fun dou no Rio e Ja ne i ro, em 1780. Noconven to da Con ce i ção, ao re dor do Bis po D. José Cou ti nho, ho mensde le tras flu mi nen ses fi ze ram a sua arte.263

Sur giu en fim a es co la mi ne i ra. Com pu nham-na po e tas sen ti -men ta is que, ba cha re la dos em Co im bra, vol ta vam à pá tria es can da li za dosde sua ser vi dão. Du pla men te su ges ti o na dos, pelo des con ten ta men to deseus ir mãos nas Mi nas e pela uto pia dos com pa nhe i ros da Uni ver si da de, eram na tu ral men te cons pi ra do res: por isso as suas ter tú li as aca ba ram numa tra gé dia, e os pró go nos fo ram már ti res. Li te ra ri a men te, dis tin guem-seCláu dio Ma no el da Cos ta, que com pôs um úni co po e ma bra si le i ro, VilaRica – Gon za ga (nas ci do no re i no), Alva ren ga Pe i xo to, por um “mí ni mo” de clas si cis mo, em con fron to com os po e tas lu si ta nos. Eles mo di fi ca ram apo e sia, em pres tan do-lhe al gu ma co i sa que era só do Bra sil, e pôde Gon -za ga su bli mar o amor em Ma rí lia, que é “obra pes so al, es ca pa e su pe ri or àsfór mu las e com pe tên ci as das es co las”.264

Su pe ri or às es co las, não fora des tas, Ma rí lia é o can to pas to ral,em que a de li ca de za do bar do ves te a tú ni ca de Alces te e a sua can du rare vi ve Ci ta ra.265 A des pe i to des se abu so da mi to lo gia, os seus ver sosga nham uma po pu la ri da de que só os de Ca se mi ro de Abreu lhe dis pu ta -ri am tan tos anos de po is, e in du zem à imi ta ção os ou tros po e tas, até àInde pen dên cia.

O cho que po lí ti co, de 1821-1823, dis si pou no Bra sil a né voaar cá di ca, exal tan do o ín dio, as bru ta is re a li da des da ter ra, a sua be le za:e pela se pa ra ção da me tró po le, a re a ção à moda que nos im pu nha – ona ti vis mo “ja co bi no”, a re tó ri ca fran ce sa, o ide al pan-ame ri ca no, ava i da de do nos so bar ba ris mo re bel de tra du zi do em ape li dos in dí ge nas,

138 Pe dro Calmon

263 PORTO ALEGRE, in Gu a na ba ra, 1850, p. 318.264 JOSÉ VERISSIMO, Pre fá cio de Ma rí lia de Dir ceu, p. 31, Rio, 1910.265 Gon za ga, so bre tu do sub je ti vo, não ma ni fes tou ne nhu ma emo ção na ti vis ta na

sua lira, se se ex ce tu ar a VII do li vro 2º. Na XXIX con ci ta Ma rí lia a de i xar o“tur vo ri be i rão” em que nas ceu e “as já la vra das ser ras” (Mi nas) para pas sar ao“cla ro Tejo”.

que adi ta ram aos seus no mes os re vo lu ci o ná ri os da Inde pen dên cia(Mon te zu mas, Can gus su’s, Tu pi nam bás, Pa ta ti vas, Ita pi cu ru’s ...)

A eman ci pa ção po lí ti ca ar re ba tou-nos ao cen tro co mum decul tu ra, que era a ve lha Co im bra, e a imi ta ção de Fran ça, su ce den do àimi ta ção in gle sa que abrange o pe río do do Bra sil-Reino, agra vou, noterceiro de cê nio do sé cu lo XIX, o ce re bra lis mo, que fa zia da que la li te ratura um ins tru men to, não uma re pre sen ta ção de idéi as co le ti vas. Daí – nocam po so ci al – a pos si bi li da de de ins ti tu i ções mais adi an ta das que aspró pri as eli tes, a dis pa ri da de en tre o pen sa men to tra du zi do e o sen ti -men to ina to, a du pli ci da de da evo lu ção na ci o nal, num sen ti do ex te ri or, a re frangir as emo ções ci vi li za das, trans mi ti das pelo jor nal – o gran deve í cu lo li te rá rio – e pela ora tó ria par la men tar; e num sen ti do in te ri or, ade sen vol ver as for ças ima nen tes e pró pri as, mas ca ra das, não anu la daspela idéia im por ta da. Em po lí ti ca, aque la evo lu ção foi do go ver no ab so -lu to para a mo nar quia cons ti tu ci o nal, ta lha da pe los fi gu ri nos da Eu ro pa. A ou tra, foi do uni ta ris mo cons ti tu ci o nal para o se mi fe de ra lis mo de1834, da do mi na ção cen tral para o mu ni ci pa lis mo, da co e são, ide al,para a des cen tra li za ção, es pon tâ nea. Em arte, “clás si cos e românti cos”,os prime i ros pa ra dos nos pra dos da Geór gia, os ou tros atur di dos porto das as vi bra ções de 1830 – o pas sa do, a sel va, a ple be, o dra ma dospo vos, as vi a gens, a na tu re za e o ho mem.

Litera ri a men te ain da, essa úl ti ma fase do pen sa men to bra si leiro cor res pon de a trin ta anos de ca rac te ri za ção na ci o nal – eco nô mi ca –,1838 e 1868, quan do se em ba tem “ten dên ci as na ci o na is e in fluên ci asestran ge i ras”, para re pe tir a fór mu la de um pen sa dor.266

A vi tó ria do na ci o na lis mo in te gral re sul tou da eman ci pa çãoin te lec tu al do Bra sil, após as ás pe ras lu tas pela li ber ta ção do es cra vo,pela Re pú bli ca e pela de mo cra cia.

ARTE CO LO NI ALNão há, na co lô nia, arte pro pri a men te bra si le i ra. Mas gran des

ar tis tas do Bra sil con se guem trans mi tir a sua in fluên cia aos es ti los quetrou xe ram os mes tres de Por tu gal, de Espa nha e Itá lia. São so bre tu doen ta lha do res de ma de i ra na Ba hia, es cul to res de pe dra em Mi nas Ge ra is,

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 139

266 MIGUEL CALMON, Ten dên ci as Na ci o na is e Influên ci as Estran ge i ras , Ba hia, 1921.

que en fe i tam com o seu gos to in di vi du al as cons tru ções bar ro cas (sé cu los XVII e XVIII).

A ar qui te tu ra flo res cen te na co lô nia é a je su í ti ca-barroca, cujo ma i or mo nu men to está na Ba hia: a Ca te dral. Co in ci diu a co lo ni za çãocom o do mí nio es pi ri tu al da con tra-re for ma e dos je su í tas, e a trans -forma ção dos es ti los ar tís ti cos da Re nas cen ça (có pia do clás si co, pa ga -nismo es té ti co) em for mas adap ta das ao cul to di vi no e às ne ces si da desdo fa us to re li gi o so. Cri ou-se um tipo de igre ja mo des to, com li ge i rosorna tos, sem preocu pa ção de be le za ex te ri or, sa cri fi can do a ar qui te tu ra – em deca dên cia – pela es cul tu ra do in te ri or, cuja ri que za e abun dân cia se pro por ci o na vam com o es plen dor da re li gião ca tó li ca. Con tri bu iu essanova in ter pre ta ção da arte para for mar uma es co la co lo ni al de es cul to res,en ta lhado res e pin to res, en quan to as cons tru ções con ti nu a vam mes quinhas, com ex ce ção de tem plos e con ven tos (no tá ve is pela har mo nia das mas sas e efe i to de con jun to) ge ral men te pla ne ja dos por en ge nhe i ros euro pe us.

So men te no sé cu lo XVIII sur gem, na Ba hia e no Rio de Ja ne i ro, nú cle os de ar tis tas que fa zem “es co la”.

A “es co la ba i a na de pin tu ra” ini cia-se com José Jo a quim daRo cha, au tor dos pa i néis dos te tos da Con ce i ção da Pra ia, do Ro sá rio,de S. Pe dro, de S. Do min gos, da ma triz de San to Ama ro, e cu jos dis cí pu losmais dis tin tos fo ram: Ve rís si mo de Sou za Fre i tas, Lo pes Mar ques, AntônioDias, so bre tu do José Teó fi lo de Je sus e Antônio Jo a quim Fran co Ve las co,su pe ri o res es tes ao mes tre.

A “es co la flu mi nen se de pin tu ra” é mais re cen te, se bem queFrei Ri car do Pi lar, pri me i ro da sé rie, te nha flo res ci do em 1700. José deOli ve i ra foi o mes tre de uma plêi a de de ar tis tas, como João de Sou za eJoão Florên cio Muz zi. Dis cí pu los de João de Sou za, fo ram Ma no el daCu nha, o me lhor re tra tis ta, e Jo a quim Le an dro, au tor de ex ce len tes pa i -sa gens. Se guem-se Ma no el Dias de Oli ve i ra, o Ro ma no, o pri me i ro pin -tor a co pi ar mo de lo vivo, e José Le an dro de Car va lho, re tra tis ta in sig ne.Estes os no mes que a arte flu mi nen se apre sen ta an tes de 1816, quan doa vinda da mis são fran ce sa de Le bre ton, e a fun da ção da Esco la deBelas Artes, cri a ram no Bra sil uma ro bus ta e mag ní fi ca ge ra ção de pinto -res, es cul to res e ar qui te tos.

Pela ori gi na li da de e im pre vis to de sua arte tem lu gar es pe ci al o“Ale i ja di nho”, Fran cis co Antônio Lis boa, que en cheu de igre jas bar rocas

140 Pe dro Calmon

a re gião mi ne i ra en tre Ouro Pre to, Con go nhas do Cam po, Sa ba rá, e S.João d’el Rei. O “Ale i ja di nho” deu à ar qui te tu ra de imi ta ção ita li a na umtraço in con fun dí vel, na as so ci a ção da es cul tu ra e da cons tru ção, e tra balhouad mi ra vel men te a pe dra olar de Mi nas Ge ra is. Ne nhum ar qui te to doBra sil co lo ni al lhe ul tra pas sa a ima gi na ção cri a do ra; ne nhum pôde tãobem ex pri mir as pos si bi li da des de um es ti lo mo vi men ta do e pes so alnes tes tró pi cos – es ti lo que va lo ri za va os im pul sos e o sen ti men to dohomem, apu ran do ou des co brin do as ener gi as es pi ri tu a is, o ide al ar tís ticosu ge rido pela li ber da de de li nhas, pela opu lên cia or na men tal e pelaindepen dên cia de con cep ção do bar ro co.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 141

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XIVA Admi nis tra ção – Jus ti ça – O Cle ro

Por tu gal cri ou no Bra sil uma ad mi nis tra ção tão sim pli fi ca da que,de fato, co in ci di am as suas ra i as com as dos cen tros de po pu la ção (zo -nas con den sa do ras).

O fun ci o ná rio ré gio era ge ral men te subs ti tu í do pelo fun ci o ná riomu ni ci pal, que acu mu la va fun ções de jus ti ça e go ver no, num tem po emque al guns mu ni cí pi os eram mais ex ten sos do que os Esta dos atu a is.

O go ver na dor-ge ral fi ca va na Ba hia, como eixo de um sis te ma,re pre sen tan te d’el-rei, es sen ci al men te o pro te tor mi li tar, cuja vi gi lân ciase es ten dia a todo o país, no res to equi va len te aos ou tros ca pi tães-ge ne ra isdas ca pi ta ni as. Os go ver na do res-ge ra is pro vi am os pos tos mi li ta res atésar gen to-mor – de pen den tes po rém as pre vi sões de con fir ma ção ré gia–, in for ma vam-se dos ser vi ços de fa zen da, pre ve ni am a de fe sa da co lô nia, ad ver ti am os ca pi tães-mo res so bre as ne ces si da des dela. Re al men te nãogo ver na vam aque las ca pi ta ni as – como es cla re ceu um avi so do Se cre tá riodo Esta do Fran cis co Xa vi er de Men don ça Fur ta do, de 4 de fe ve re i ro de1765; 267 ti nham so bre elas ape nas uma su pe ri o ri da de de al ça da, de fi niu

267267 Co men tá ri os de D. FERNANDO JOSÉ DE PORTUGAL, ao Re gi men to de Ro que da Cos ta Bar re to, Do cu men tos His tó ri cos, VI, 403.

D. Fer nan do José de Por tu gal, ano tan do o re gi men to que trou xe Ro queda Cos ta Bar re to.267a

O go ver no da me tró po le con si de rou o Bra sil como umaplurali da de de co lô ni as, que de vi am sub me ter-se a uma fis ca li za ção única;impres si o na do pe las cir cuns tân ci as ge o grá fi cas, an te ci pou as li nhas mestras do federa lis mo, numa des cen tra li za ção, ine vi tá vel: de cor rera dadivisão em ca pi ta ni as, fe i ta em 1534. Cada do na tá rio, na sua con ces sãohe redi tá ria, e o ca pi tão-general nas ca pi ta ni as da Co roa, com pra das aosher de i ros dos do ná ta ri os, se cor res pon dia di re ta men te com a Cor te; osdo Rio de Ja ne i ro e Per nam bu co eram isen tos do go ver no da Ba hia; oMa ra nhão fez Esta do à par te.

Den tro, po rém, na mes ma ca pi ta nia, os mu ni cí pi os ten di amigual men te para uma vida pró pria, no iso la men to das suas vi las, com odeserto, ou a mata in ça da de sel va gens, de ter mi nan do aos gru pos humanos uma au to no mia na tu ral.

O MU NI CÍ PIOAs ins ti tu i ções mu ni ci pa is vi ce ja ram, gra ças à ne ces si da de que

ti ve ram os pri me i ros nú cle os de uma vida re gu lar, que os for ta le ces se na fron te i ra dos gen ti os – e do des co nhe ci do. As vi las ini ci a is apre sen tam,por isso, um as pec to mar ci al, de ci da de las; fora o pri me i ro cu i da do dosseus ad mi nis tra do res cer cá-las de mu ros (as ca i ça ras tu pis, no sé cu loXVII, subs ti tu í das por trin che i ras de ter ra), cuja con ser va ção in cum bia,in di fe ren te men te, a to dos os vi zi nhos. O go ver no mu ni ci pal tor nou-seum co man do de for ças; es ta be le cia a dis ci pli na e per mi tia a exis tên ciaso ci al.268

Evi den te men te, esse mu ni cí pio, que se re gia tan to pe las Orde -na ções do Re i no como pe los cos tu mes lo ca is, es ta va fa da do a opor-se aogo verno de no me a ção ré gia, como o povo se opu nha às au to ri da desforas te i ras. Mas no con fli to en tre os dois po de res (o lo cal e o re gi o nal, o ele ti vo e o de no me a ção ré gia) as mu ni ci pa li da des pre do mi na ram afi nal.Tam bém por isso os car gos de ve re a do res fo ram exer ci dos sem pre pelame lhor gen te (os ho mens bons, a fi dal guia, sim ples men te as pes so as

144 Pe dro Calmon

267a Do cu men tos His tó ri cos, VI, 398.268 Vd. AFONSO TAUNAY, S. Pa u lo nos Pri me i ros Anos, cit.

hon ra das, onde não ha via no bre za) e ao lado das fun ções mu ni ci pa is sede sen vol veu, len ta men te, uma au to no mia ad mi nis tra ti va, que li mi ta va asatri bu i ções dos go ver na do res, no exe cu ti vo; da ma gis tra tu ra, no ju di ciá -rio; e no cle ro.

Enten deu-se, à an ti ga, que os ve re a do res eram de le ga dos dopovo e por ele fa la vam, nas que i xas ou re que ri men tos: daí as cons tan tesre pre sen ta ções a el-rei, até a des ti tu i ção de go ver na do res pro mo vi dape las Câ ma ras, e a de cre ta ção de im por tan tes me di das para o Bra sil porelas su pli ca das.

Um vez a Câ ma ra do Rio de Ja ne i ro sus pen deu o go ver na dor(Sal va dor Cor rêa) e no me ou-lhe su ces sor (Agos ti nho Bar ba lho). OCon se lho Ultra ma ri no in qui nou de ab sur da a in ter ven ção de um go -ver na dor-ge ral (Antô nio de Sou za de Me ne zes) na ele i ção da Câ ma ra da Ba hia. Foi a de Olin da que deu subs ti tu to a Se bas tião de Cal das, ogo ver na dor obri ga do a fu gir de Per nam bu co (1710)...

Com o do mí nio es pa nhol, não so fre ram os pri vi lé gi os dasCâ ma ras; o Có di go fi li pi no re for çou-os. A edi li da de pas sou a com por-se de um juiz or di ná rio, de dois ve re a do res e de um pro cu ra dor do con se -lho, as sis ti do de al mo ta cel e al ca i de. Aque le era de “vara ver me lha”,para dis tin guir-se do juiz to ga do, de “vara bran ca” (juiz de fora). Erao ma gis tra do po pu lar, mis to de juiz e pre fe i to, ele i to por um ano, e subs ti -tu í do, nos im pe di men tos, pelo ve re a dor mais ve lho.

A de ca dên cia de ins ti tu i ção mu ni ci pal pro vém da in to le rân cia do go ver no da me tró po le, quan do pre ten deu aba far a pe ri go sa in qui e ta çãodos co lo nos e au men tar o po der dos go ver na do res. O sé cu lo XVIIIas si na la a con cen tra ção de po de res pe los ca pi tães-ge ne ra is e go ver na do res.Exa ta men te como su ce deu no re i no.

A JUS TI ÇAA Jus ti ça – cuja prin ci pal au to ri da de era o ou vi dor-geral, que

de três em três anos vi nha do re i no269 – teve por tri bu nal mais alto aRela ção da Ba hia, ins ti tu í da por al va rá de 7 de mar ço de 1609, su pres sapelo de 5 de abril de 1625 (em con se qüên cia do des tro ço causa do pelain va são ho lan de sa) e res ta be le ci da pelo de 12 de se tem bro de 1652.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 145

269 TAUNAY, S. Pa u lo nos Pri me i ros Anos, p. 98.

No vas re la ções fo ram cri a das: para o Rio de Ja ne i ro (alv. de 13 de ou tu bro de 1751), para o Ma ra nhão em 1812, para Per nam bu coem 1821. Em grau de re cur so su bi am os fe i tos para a Casa da Su pli cação.O mes mo des ti no ti nham as ca u sas de va lor su pe ri or a 1:200$000.

Os outros ma gis tra dos ju di ciá ri os eram pri mi ti va men te oouvi dor-geral (que veio com Tomé de Sou za), cuja al ça da com pre en diao foro em ge ral, e foi mu i to vas ta, como prin ci pal en ti da de da co lô niade po is do go ver na dor; o ou vi dor dos do na tá ri os, “de ven do in cum bir-se do des pa cho das ape la ções e mais pa péis fo ren ses des te lu gar como dasde ma is vi las da ca pi ta nia”;270 de po is o ou vi dor das co mar cas; e o juiz de fora a par tir de 1696.271 À me di da que se tor na va a jus ti ça mais embara -ço sa: além dos cor re ge do res (que po de ri am ser de sem bar ga do res), hou veum cor re ge dor de co mar ca (1696), juiz do cri me (1742), juiz de ór fãos(1650), juiz da mam pos ta ria-mor dos ca ti vos, ex tin to em 1774, etc.272

MI LÍ CI ASA milí cia ci vil, com os “ca pi tães-mores” das vi las e, no

sertão das fre gue si as, cri a dos pela car ta-régia de 20 de ja ne i ro de 1699,substi tu ía, no in te rior, os ór gãos ju di ciá ri os-administrativos, que sótinham fun ções dis tin tas no li to ral.

A ele i ção dos tais ca pi tães era dos go ver na do res e pas sou(alva rá de 18 de ou tu bro de 1709) à atri bu i ção das Câ ma ras, que noséculo an te ri or no me a vam os ca pi tães das com pa nhi as das di fe ren teslo ca li da des.

Ti nham de en car go a po lí cia, que fa zi am com as “or de -nanças”, ou cor po mi li tar mu ni ci pal, cha ma das às ar mas nas oca siõesex tre mas, o re cru ta men to, do qual eram ju í zes ina pe lá ve is, e o mais quenão per tencia às Câ ma ras no go ver no lo cal. Eram vi ta lí ci os e isen tos de“re si dên cia”, como os go ver na do res.273

146 Pe dro Calmon

270 FREI VICENTE DO SALVADOR, Hist. do Bras., 3ª ed. p. 416.271 Vd. LUIZ VILHENA, Car tas So te ro po li ta nas, edi ção Braz do Ama ral, II, 311

(com a lis ta ono más ti ca).272 Vd. PEDRO CALMON, A Orga ni za ção Ju di ciá ria, in Li vro do Cen te ná rio dos Cur sos

Ju rí di cos, I, p. 80 e segs. Rio, 1928.273 PORTO SEGURO, His tó ria Ge ral, 3ª ed. in te gral, III, 420.

EXÉR CI TO“Exér ci to” re gu lar, só o teve a co lô nia de po is de 1764.Até en tão, as tro pas eram ex pe di ci o ná ri as (e se re gi am como no

re i no) ou, des de 1625, for ma vam as guar ni ções, pri me i ra men te comsuas com pa nhi as, de po is com os seus “ter ços”. A Ba hia e Per nam bu coti nham dois.

Os ter ços com pu nham-se de vá ri as com pa nhi as (às ve zesdoze) co man da das por ca pi tães, di ri gi dos pelo mes tre de cam po, queera a ma i or pa ten te da ter ra, aco li ta do do sar gen te-mor e dois aju dan tes.

As com pa nhi as eram de cem ho mens cada uma no Rio deJa ne i ro (Ordem de S. M., de 21 de ju lho de 1655).

A ten dên cia ob ser va da, en tre tan to, foi a trans for ma ção datro pa de guer ra em or de nan ças pa cí fi cas, como para Per nam bu co man -dou el-rei em 27 de mar ço de 1665, re co nhe ci do se ria me lhor a re for ma de “todo este exér ci to por não ter mais que a apa rên cia...”, de vez que apaz se fi ze ra.274

Nos por tos de mar fo ram cri a dos ter ços de au xi li a res – poror dem de 21 de abril de 1739, que tam bém dis pu nha so bre a or ga ni -za ção das or de nan ças.

Os do Rio e da Ba hia fo ram man da dos ar re gi men tar em 1749 e o sol do de cla ra do uni for me a par tir de 1º de abril de 1751.

Bas ta va, para a con so li da ção do pe que no “exér ci to” co lo ni al,uma ins tru ção mi li tar.

Embar ca ram para o Bra sil, em 24 de de zem bro de 1764,se ten ta ofi ci a is des ti na dos a apli car aqui o re gu la men to do con de deLip pe, exer ci tan do a mi lí cia paga pe los mé to dos que o gran de ins tru torle va ra a Por tu gal.275

As di fe ren ças na tu ra is en tre a tro pa do Bra sil e a do re i no fi -ca ram; mas, gra ças à pa dro ni za ção do en si no e iden ti da de de prá ti cas, o

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 147

274 JOSÉ DE MIRALES, His tó ria Mi li tar do Bra sil. An. Bibl. Nac., XXII, 197.275 Os Por tu gue ses na Áfri ca, Ásia, Amé ri ca, etc., VII, 236, Lis boa, 1850. Dois com pa -

nhe i ros do con de, Bohm e Ja ques Funck, têm gran de pa pel nas lu tas de fron te i ra no Rio Gran de do Sul. Vd. ERNESTO AUGUSTO PEREIRA SALES, OCon de de Lip pe em Por tu gal , p. 163, Fa ma li cão, 1937.

mi li tar bra si le i ro logo se om bre ou com o por tu guês; foi ru de men te pro -va do nas cam pa nhas do sul.276

BIS POS E GO VER NA DO RESA au to ri da de ecle siás ti ca era isen ta do foro ci vil; foi isto su fi -

ci en te para que as duas ad mi nis tra ções – a Igre ja e o Esta do – co li dis -sem nas suas ór bi tas de ação e de con tí nuo trans for mas sem em con fli tos ás -pe ros os cho ques de ju ris di ção.

Des de o pri me i ro bis po, os go ver na do res ecle siás ti cos pro cu -ra ram li mi tar a al ça da dos go ver na do res ci vis, que, por seu lado, não fu gi -am de per tur bar os ne gó ci os re li gi o sos com a sua in ter ven ção in dé bi ta.Qu e i xa vam-se mu tu a men te para o re i no, fa zi am pro sé li tos en tre os co -lo nos, ame a ça vam-se, e à tran qüi li da de dos po vos.

Pou cos bis pos da Ba hia não as si na la ram o seu epi só dio comtais ex ces sos; pou cos go ver na do res-ge ra is sou be ram imi tar Mem de Sá,na sua edi fi can te cor di a li da de com o po der es pi ri tu al. O dis sí dio en treDu ar te da Cos ta e D. Pero Fer nan des Sar di nha pro ve io de in cri mi na çõespú bli cas, do bis po ao fi lho do go ver na dor, D. Álva ro; que i xa va-se de po isaque le das per se gui ções so fri das por al guns clé ri gos, a quem o go ver na dorpu se ra em pri são co mum. Foi D. Pero Fer nan des Sar di nha ex pli car-separa Lis boa, e o na vio em que vi a ja va va rou nos ba i xi os de Ser gi pe, doque re sul tou a mor te de to dos, às mãos de ca e tés.

O dis sí dio foi ma i or en tre o go ver na dor Luiz de Bri to deAlme i da e o Bis po D. Antônio Bar re i ros. Acon te ceu que man da ra el-reipren der e trans por tar para Por tu gal Se bas tião da Pon te, em ra zão desuas cru el da des; e por que o réu se me teu numa igre ja, saiu o bis po ade pre car do go ver na dor que não o to mas se. For ma ram-se par ti dos.Con ta Frei Vi cen te do Sal va dor que até “fi lhos, que es tu da vam parase or de na rem, com pe dras nas mãos con tra seus pais, se acos ta vam ao bis -po e a seus clé ri gos e fa mi li a res”.277 Por pou co não ex plo dia o mo -tim. Con se guiu D. Luiz de Bri to re me ter para o re i no o pre so.

148 Pe dro Calmon

276 A Car ta Ré gia de 7 de agos to de 1797 subs ti tu iu os an ti gos mes tres de cam popor “co ro néis”, ex tin guiu os ve lhos “ter ços”, e deu aos “au xi li a res” a de no mi na çãode “mi lí ci as”.Pas sa ram as sim os Ter ços de au xi li a res a ser Re gi men tos de Mi lí ci as. Esta vaen tão for ma do o exér ci to bra si le i ro.

277 FREI VICENTE, Hist. do Bras., 3ª ed., p. 233.

O Bis po D. Cons tan ti no de Bar ra das de sa ve io-se igual men tecom o Gover na dor Di o go Bo te lho e o su ces sor des te, D. Di o go deMene zes.278

A insta la ção na Ba hia, em 1609, da Re la ção, pa re ce quedirimiu as ques tões ha bi tu a is, de mix ti fo ri, que di vi di am os ju í zos ci vil eecle siás ti co, tan to que “che gou o bis po des te Esta do, D. Cons tan ti noBar ra das, a ter mo de não ter quem qui ses se ser vir de vi gá rio-geral”.279

Assim o caso – nar ra do por Frei Vi cen te – de uma ex co mu nhão, que otri bu nal achou de anu lar, mul tan do ade ma is a quem re cu sas se fa lar aoex co mun ga do... Con ti nu a ram os de sa cor dos com o Bis po D. Mar cosTe i xe i ra e o Go ver na dor Di o go de Men don ça Fur ta do. Não foi ao re ce -bi men to do pre la do, por que não lhe qui se ram dar lu gar de baixo dopálio; e ju rou que não com pa re ce ria a ce ri mô nia al gu ma em que aque lees ti ves se, por não so frer que “pri me i ro se in cen sas se o bis po e de po is ogo ver na dor”, como aliás man da va uma pro vi são ré gia.280 Em con se -qüência de ou tras que re las, ex co mun gou D. Mar cos Te i xe i ra o pro curadorda Co roa, re cu sou-se a ben zer as obras do for te do Mar, ale gan do quedes vi a vam di nhe i ro, an tes pro me ti do para as da Sé, que Gas par de Sou -za man da ra fa zer de novo, e quan do o go ver na dor, avi sa do da vin da deuma es quadra ho lan de sa, con vi dou os ho mens vá li dos do re côn ca vopara tra ze rem à Ba hia as suas ar mas, os dis su a diu, e con ven ceu a sereco lhe rem aos enge nhos... Foi as sim que os fla men gos con quis ta ram,sem ba ta lha, a capital do Bra sil (1624), e le va ram pri si o ne i ro o go ver na dor, sa in do então o bis po a cam po, ar ma do, e re so lu to como um ca pi tão,para vin gar os por tu gue ses e pa gar as suas cul pas; mor reu, três me sesde po is, como che fe da guer ra que os mo ra do res fa zi am ao in va sor!

Uma car ta-régia (10 de maio de 1646) man da va que os ou vi -do res do Rio de Ja ne i ro não con sen tis sem que o bis po ou os seus mi nistrospren des sem se cu la res.281 No Pará, em 1618, fora de pos to o Ca pi -tão-Mor Fran cisco Cal de i ra, por um fra de, que su ble vou o povo, in dig na do

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 149

278 CAPISTRANO DE ABREU, Pro le gô me nos, Hist. do Bras ., de FREI VICENTE, 3ªed., pp. 256-57.

279 FREI VICENTE, ibd., p. 507.280 FREI VICENTE, ibd., p. 507.281 PORTO SEGURO, Hist. Ger ., 3ª ed., II, 169.

contra a au to ri dade que ten ta ra des res pe i tar o asi lo dado pe los fran -cis ca nos a inimi gos dela.282 Em 1660, ain da no Rio, dar de ja va o ad mi -nis tra dor ecle siás ti co ex co mu nhão con tra o ou vi dor-geral, por não lhere me ter cer ta de vas sa que pe dia, e ame a ça va a Câ ma ra, opos ta à mu dan -ça da igre ja de S. Se bas tião para a pra ia...

Trin ta anos de po is, en tran do na Ba hia o Arce bis po D. JoãoFranco de Oli ve i ra, o re ce beu hos til men te o go ver na dor por que trou xera, des fral da da no mas tro do na vio, não o es tan dar te real, mas a sua flâ mu la par ti cu lar. Man dou o go ver na dor pren der o mestre de em bar ca ção...283

Em 1693, as “dú vi das” eram en tre o go ver na dor de Per nam -bu co, mar quês de Mon te-Belo, e o bis po “... por lhe ter re ti ra do de umaigre ja o si ti al e ca de i ra que cos tu ma va ter os go ver na do res...”.284

OS CON VEN TOSOs con ven tos de vi am atra ir a ju ven tu de in te li gen te, numa

so ci e da de mu i to re li gi o sa, rús ti ca e tra di ci o na lis ta.As boas fa mí li as da co lô nia obe de ce ram aos cos tu mes do

reino: o fi lho pri mo gê ni to se guia a pro fis são pa ter na. Era se nhor deenge nho, fa zen de i ro, ho mem de no gó ci os. O fi lho se gun do, que nãoher da va o pa tri mô nio da Casa, e ti nha de pro cu rar fora a sua for tu na,fazia-se mi li tar, es tu da va em Co im bra, ser via ao Esta do. O ter ce i ro, quasesem pre se me tia fra de nal gum dos mos te i ros con vi zi nhos.

Em ge ral, en tra vam para a re li gião os rapa zes da dos às letras;por não ha ver, na co lô nia, en si no su pe ri or pro fa no, ou pelo pre conceito,de que os ta len tos ful gi am pre fe ren te men te na Igre ja.

A for ma tu ra em Co im bra cus ta va gran de ca be dal. Mas osconven tos se abri am às vo ca ções sem di nhe i ro, como um prê mio natural e fácil às am bi ções es pi ri tu a is. Além dis so, os aris to cra tas es ti ma vam que osparen tes to mas sem or dens sa cras. Pre ci sa vam de ca pe lães para os engenhos, de mes tre ou ori en ta do res para a pro le, ti ran do dis so le gí ti mo or gu lho.

150 Pe dro Calmon

282 FREI VICENTE, Hist. do Bras., p. 450.283 Doc. ms. no Insti tu to His tó ri co, L. 42 nº 802 iné di to. “À fro ta em que veio o

pá lio” do ar ce bis po, de di cou GREGÓRIO DE MATOS um so ne to, Lyri ca,Obras, II, 76, ed. da Acad. Bras.

284 Doc. in Ana is da Bi bli o te ca Na ci o nal, V. 224.

Ha via, por ou tro lado, o as pec to eco nô mi co des se sis te ma.Para as fi lhas dos ho mens po bres, que não po di am ca sá-las con ve ni en -te men te numa ter ra onde não eram nu me ro sos os fi dal gos sol te i ros, ouque não dis pu nham de gran de for tu na, para os seus do tes, o con ven tode fre i ras foi um des ti no se gu ro e ape te ci do.

“Que nada era nes te mun do quem não ti nha um fi lhoreligioso da Companhia, e, a não ser nes ta, em al gu ma das ou tras re li -giões que ti nham por se gun da clas se...” – re gis trou Vi lhe na,285 naBahia.

Aí logo vas tos mos te i ros se cons tru í ram: S. Ben to (1581), S. Fran cis co (1587), Car mo (1586), San ta Te re za (1665), Pal ma dosagos ti nhos re co lec tos (1693), Pi e da de dos ca pu chi nhos (1712), Hos pí cio dos ora to ri a nos (1765), Hos pí cio de Je ru sa lém (1725)... Mais re cen tesfo ram as cla u su ras fe mi ni nas, a pri me i ra das qua is, a de San ta Cla ra doDes ter ro, tam bém na Ba hia, data de 1669 (sen do as obras des se ma jes -to so con ven to con cluí da em 1726).286 O da Lapa foi fun da do em 1744(fre i ras con cep ci o nis tas), o das Mer cês (ur su li nas), em 1735, o da So le -da de (re co lhi men to para senho ras, cri a do pelo ju su í ta Ga bri el Ma la gri da),em 1739, o dos Perdões (ou tro re co lhi me nto para mu lhe res de vo tas), em1723, o de S. Ray mundo (para ar re pen di das), em 1752... Ao todo, hou ve na mes ma ca pi tal sete asi los re li gi o sos de mu lhe res e onze de fra des,cujo nú me ro, em 1779, se ele va a 728.287

Se ria im pos sí vel en con trar nes se cle ro, apar ta do das tre pi -dações da vida so ci al, per ma nen tes mo de los de vir tu de e tem pe ran ça.288

Prin ci pal men te os fra des, re pre sen tan do a eli te men tal, con -ser va ram ci o sa men te a sua in fluên cia po lí ti ca. Go za vam do pri vi lé gio de pos su ir a úni ca li vra ria abun dan te e usar, no púl pi to, a li ber da de de pa la -vra, a nin guém mais con sen ti da. Na tu ra is do Bra sil, ar ma ram-se deagres si vas pre ven ções con tra os por tu gue ses, seus ir mãos de há bi to. Os

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 151

285 Car tas So te ro po li ta nas, ed B. do Ama ral, I, 282.286 CHRISTIANO MÜLLER, Me mó ria His tó ri ca so bre a Re li gião na Ba hia, p. 141,

Ba hia, 1923.287 Ana is da Bi bli o te ca Na ci o nal , vol. 31, p. 439.288 Vd., nos so, Espí ri to da So ci e da de Co lo ni al, p. 86, aí a bi bli o gra fia.

conven tos fo ram os pri me i ros nú cle os na ci o na lis tas na Amé ri ca. A vitóriainici al do na ti vis mo que aí se abri ga va con sis tiu no Bre ve pon ti fí cioque, em 1671, isen tou da ca sa-mãe de Por tu gal a di re ção dos be ne di tinosdo Brasil. Equi va lia a uma in de pen dên cia. De fato, por tal se pa ra çãocome ça va a de fi nir-se o con fli to en tre co lô nia e me tró po le.289

152 Pe dro Calmon

289 Di e ta rio, ms., do mos te i ro de S. Ben to da Ba hia, cm. por D. CLEMENTE MARIADO SYLVA NIGRA (nos 52 e 84). De 1671 a 1688 fo ram no me a dos, na Ba hia,os su pe ri o res de to das as ca sas be ne di ti nas: este, o pe río do das gran des obras domos te i ro ba i a no. Em con se qüên cia do mo vi men to se pa ra tis ta, os dis túr bi oses co la res e a in qui e ta ção na cla u su ra, vá ri os mon ges so fre ram pri são ou des ter ro.Em 1762 um aba de no me a do em Ti bães, no re i no, teve a sua pos se con tes ta dapor oito re li gi o sos, pre ci san do agir vi o len ta men te o go ver na dor, que os re me teupara Por tu gal. Doze mon ges por tu gue ses vi ram-se com pe li dos a re ti rar-se para a Eu ro pa em 1816: não su por ta ram o am bi en te na ti vis ta do mos te i ro! – Su ces sosse me lhan tes se pas sa ram no Rio de Ja ne i ro e em Per nam bu co.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XVAs Agi ta ções Na ti vis tas

A ad mi nis tra ção co lo ni al nem sem pre teve um am bi -en te pro pí cio à sua ação dis cri ci o ná ria no Bra sil.

As re vol tas ha vi das, con tra leis in to le rá ve is ou au to ri da desdes pó ti cas, ori gi na ram-se de cer to das con tra ri e da des eco nô mi cas; masas explica tam bém o or gu lho dos “bra si le i ros”. Era da ín do le da ins titui ção mu ni ci pal a al ti va de fe sa dos in te res ses da vila ou da ci da de, fa lan do osve re a do res pelo povo com de sas som bro e atre vi men to; na fal ta des tes,fa la vam do púl pi to os pró pri os pre ga do res.

O cres cen te pres tí gio das Câ ma ras na vida co lo ni al – des deque os fi lhos da ter ra, re pe li dos dos al tos pos tos do go ver no, li mi ta vamà ação das Câ ma ras a sua in fluên cia nos ne gó ci os pú bli cos – cul ti vou,de sen vol veu a ir ri ta ção na ti vis ta, o es pí ri to de au to no mia lo cal, o sen ti -men to do bem co mum do Bra sil.

Fora os mo tins po pu la res, de im por tân cia re du zi da, as agi taçõesque co mo ve ram a co lô nia de ter mi na ram no vos ru mos à po lí ti ca por tu -guesa em re la ção ao Bra sil e de i xa ram ves tí gio na le gis la ção, se ri ampromo vi das pe las Câ ma ras, e di ri gi das por ci da dãos res pe i tá ve is, que aelas le va vam o pro tes to dos ha bi tan tes.

Por que os je su í tas os pri vas sem dos es cra vos in dí ge nas, ospaulis tas os ex pul sa ram, em 1640; pelo mes mo mo ti vo fo ram pos tosfora do Ma ra nhão, em mar ço de 1661. Não foi, po rém, a ple be, se não aCâ ma ra de S. Pa u lo, que vo ta ra aque la ex pul são, e por que en ten des se ogo ver na dor do Rio de Ja ne i ro, Sal va dor Cor rêa de Sá, de lhes im poruma tran sa ção com os pa dres, como lá se fi ze ra, os pa u lis tas se armaram,no me a ram qua ren ta e oito pes so as de prol que ve las sem pela se gu ran çada vila (to man do o povo à sua con ta o go ver no) e ape la ram para el-rei.Man dou este, por lei de 12 de abril de 1664, que as Câ ma ras re co nhe -ces sem a su pe ri o ri da de do go ver na dor.

A Câ ma ra do Ma ra nhão não fez a re vol ta de Be qui mão, masapo i ou, e con vi dou a Câ ma ra do Pará a ade rir a ela. Essa in sur re i çãoma ra nhen se, em 1684, as su miu a fe i ção de um de ses pe ra do pro tes to em face do mo no pó lio co mer ci al da Com pa nhia que el-rei cri a ra, por al va ráde 12 de fe ve re i ro de 1682, com o es tan co dos gê ne ros prin ci pa is porvin te anos, e das lei ob ti das pe los je su í tas em fa vor dos ín di os (Lei de 1ºde abril de 1680). Os cons pi ra do res – se nho res de en ge nho pre ju di ca dospela res tri ção da es cra va tu ra “ver me lha” e bur gue ses atin gi dos pelares tri ção do tra to mer can til – pren de ram o ca pi tão-mor, de cla ra ramde pos to o go ver na dor (que se acha va de vi si ta ao Pará), ex tin ta a Com -pa nhia de Co mér cio e ba ni dos os pa dres je su í tas. For ma ram a sua jun tage ral (como a dos “48” de S. Pa u lo), que le gi ti mou as vi o lên ci as fe i tas.Po rém um novo go ver na dor (Go mes Fre i re de Andra de) con se guiufa cil men te a sub mis são dos se di ci o sos, pren deu – de po is da pa ci fi ca ção– o ca be ça do le van te, Ma no el Be qui mão, le vou-o a jul ga men to e o fezen for car a 2 de no vem bro de 1685.

NA BA HIA

O dis sí dio, en tre os ho mens nas ci dos no Bra sil e os por tu gueses, que mo no po li za vam o co mér cio gros so e eram acu sa dos de le van tar ospre ços ao seu ar bí trio – ex plo diu na Ba hia, quan do, em 1711, pas sou osal a ser ven di do, de 480 réis a 720, e so bre os de ma is gê ne ros de im por -ta ção pe sou a taxa de 10 por cen to.

Che fi a dos pelo juiz do povo e por João de Fi gue i re do Cos ta,de al cu nha o “Ma ne ta”, de ram em de pre dar lo jas e co me ter ou tros desati -nos, ven do-se o go ver na dor-geral re cém-chegado (D. Pe dro de Vascon ce los

154 Pe dro Calmon

e Sou za) sem for ças para os con ter. Ape lou en tão para o go ver na dor aquem subs ti tu í ra (D. Lou ren ço de Alma da), a fim de que este dis ses seao povo que se não lan ça ri am mais tri bu tos e per do a va des de já os exces -sos prati ca dos. Aqui e tou-se a tur ba. Isto foi em 17 de ou tu bro. Em 2de dezem bro, a sa ber-se na Ba hia que o cor sá rio Du guay-Trouin ata ca rao Rio de Jane i ro, a mes ma po pu la ça se in sur giu, in sis tin do por que ogover na dor so cor res se quan to an tes a pra ça per di da.

D. Pe dro de Vascon ce los re do brou de ati vi da de na de fe samili tar da Ba hia, e tan to que sou be da par ti da dos fran ce ses do Rio, fezpren der, pro ces sar e de por tar os ins ti ga do res do se gun do mo tim. Também, por voto da Câ ma ra, foi abo li do o car go de juiz do povo.

EM PER NAM BU CO

Em Per nam bu co a in qui e ta ção ti nha mais fun das ra í zes. Ri va -li za vam Olin da e Re ci fe, aque la, com a dig ni da de de ca be ça da ca pi ta nia, a ou tra, mais po pu lo sa, rica e mo vi men ta da, su je i ta à con di ção de povoado, ape sar dos seus 8 mil ha bi tan tes e do seu pas sa do de abun dân cia e fastígio,ca pi tal que já fora do Bra sil ho lan dês.

O con fli to era en tre os se nho res de en ge nho de Olin da e osmer ca do res por tu gue ses de Re ci fe; na ti vos e fo ras te i ros; pro pri e tá ri os ene go ci an tes; de ve do res e cre do res. Ha via de ven cer Re ci fe. Insi nu a -ram-se os mer ca do res nos ne gó ci os mu ni ci pa is de Olin da; pro tes ta ramos de lá, lem bran do a pro vi são de 8 de maio de 1705, que im pe dia aosmer ca do res o exer cí cio das fun ções mu ni ci pa is. O go ver na dor Se bas tião de Cas tro Cal das de cla rou-se par ci al des tes. Quis que os olin den ses fossema Re ci fe ajus tar o pre ço do açú car; o rei – para quem re cor re ram – de sa -pro vou o ato do go ver na dor.

Mas, por car ta-régia de 19 de no vem bro de 1709, tor nou Recifevila in de pen den te.

O pe lou ri nho foi aí eri gi do em 15 de fe ve re i ro de 1710. O go -ver na dor e o ou vi dor (Dr. José Iná cio de Arou che) de vi am fi xar os li mi -tes das duas vi las. O ou vi dor fa vo re cia Olin da. De sa ve io-se com Se bas -tião de Cal das. Fi ze ram-se par ti dos. O go ver na dor ir ri tou-se e or de nouvá ri as pri sões. A 17 de ou tu bro, indo Se bas tião de Cal das pela rua dasÁguas Ver des, dis pa ra ram-lhe de uma casa um tiro, que o fe riu. Rom pe -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 155

ram-se as sim as hos ti li da des. Os cár ce res en che ram-se; foi pro i bi do o por te de ar mas na ca pi ta nia. Teve o ou vi dor de fu gir para a Pa ra í ba. O Ca pi -tão-Mor Pe dro Ri be i ro re vol tou-se e cap tu rou o ofi ci al que pro cu ra vapren dê-lo. Se bas tião de Cal das ex pe diu con tra o fi dal go re bel de to das as tro pas de que dis pu nha, e es tas fra ter ni za ram com as dos per nam bu ca nos.O go ver na dor sen tiu-se per di do e, numa su ma ca, pela ma dru ga da de 7de no vem bro, es ca pou-se para a Ba hia. Os olin den ses ele ge ram en tãopor che fe ao Bis po D. Ma no el Álva res da Cos ta, e em pos sa ram-no a 15de no vem bro. Sete me ses cor re ram pa cí fi cos, com o com ple to tri un fodos bra si le i ros e o re tra i men to dos seus con trá ri os. Até que os mer ca do resin du zi ram par te da tro pa a in sur gir-se em Re ci fe, pre tex tan do a am bi ção do Sar gen to-Mor Ber nar do Vi e i ra de Melo, he rói da guer ra de Pal ma res, que pre ten de ria pro cla mar-se go ver na dor, e, di zia-se, se pa rar Per nam bu codo res to da co lô nia. Li ga ram-se os por tu gue ses e ob ti ve ram uns 70 milcru za dos para os gas tos da se di ção. O bis po – sur pre en di do pela agi ta çãoem Re ci fe – hou ve de ace i tar o go ver no, con tra Ber nar do Vi e i ra, masdois dias de po is se pas sou a Olin da, di zen do do seu in ten to de sub me ter os re vol to sos, os “mas ca tes”, al cu nha que se deu à guer ra, as sim de cla -ra da. Com efe i to, pu se ram os olin den ses cer co a Re ci fe, em pe nha ram-se em ba ta lha, pe le ja ram sem van ta gens sen sí ve is, até que um novo go ver -na dor, Fé lix José Ma cha do de Men don ça, che gou com anis tia am pla(6 de ou tu bro de 1711). Fez-se a paz. Apro ve i tou-se dela o go ver na dor– imi tan do D. Pe dro de Vas con ce los e Go mes Fre i re de Andra da – parasin di car dos de li tos, pro ces sar a mu i tos fi dal gos e des ter rar a ou tros.

Exa ta men te essa po lí ti ca teve em Mi nas Ge ra is o Con de deAssu mar.

Do mi nou por for ça a in qui e ta ção na ti vis ta, mas não a ex tirpou.A des con fi an ça fi cou; os ódi os con ti nu a ram.

NAS MI NAS

Nas Mi nas, a ques tão era do im pos to de vi do ao rei.A luta en tre pa u lis tas e “em bo a bas” de i xa ra nas mon ta nhas

um povo aguer ri do, va i do so do seu po de rio, des de que fa zia re cu ar ospre pos tos de sua ma jes ta de, como Ma no el Nu nes Viana fi ze ra vol tar D. Fer nan do de Mas ca re nhas – e cer to de que, na que le ser tão, as leis só

156 Pe dro Calmon

seriam cum pri das se nis to con sen tis sem os mo ra do res. “...Um país quefoi até ago ra ha bi ta do de ré gu los”, di zia um go ver na dor, em 1737.

O go ver no era fra co, os ha bi tan tes for tes. Ti nham armas,orga ni za ção, a so li da ri e da de que o pe ri go co mum es ta be le ce ra, a in de -pen dên cia re sul tan tes das an te ri o res vi tó ri as e da ri que za, que nas mi nasgra nje a vam. Ape nas o go ver na dor foi um im pla cá vel re pre sen tan te dorei: cha ma va-se D. Pe dro de Alme i da e Por tu gal, Con de de Assu mar.

Re vol ta ra-se já o povo das Mi nas quan do o go ver na dor D.Braz Bal ta zar da Sil ve i ra te i ma ra em co brar o im pos to so bre as ba téi as(12 oi ta vas para cada mi ne ra dor) ao in vés de uma cer ta soma fixa anu al,que as Câ ma ras se pro pu nham pa gar, con tan to que o ouro cor resselivre men te, po den do ain da ser quin ta do nas sa í das, isto é, na es tra da deS. Pa u lo.

A in sur re i ção lo gra ra des tru ir o sis te ma in jus to da tri bu ta ção das ba téi as, fi can do obri ga das as Câ ma ras ao pa ga men to de 30 ar ro bas. Não bas ta vam aos in te res ses da fa zen da real. Estes so fri am enor me danocom o con tra ban do do ouro e não sa bia ex pli car à Cor te como, avul tan dodia a dia a ex plo ra ção das mi nas, os quin tos d’el-rei não aumen ta vam.

O ex pe di en te com bi na do para re me di ar a si tu a ção foi o das“ca sas de fun di ção”, onde todo o me tal de via ser ma ni fes ta do.

Re al men te, de po is de es ta be le ci das es sas “ca sas”, foi que seve ri fi cou o pre ju í zo da fa zen da ré gia nos pe río dos an te ri o res.

A re ce i ta, no ano pre ce den te ao fun ci o na men to de tais ofi cinas,1724, fora de 36 ar ro bas; em 1725, che ga va a 133.

“Antes de 1725, a mé dia anu al era de 12 ar ro bas; e de 1725 a35, foi de 97.”

Por tan to, ha via gran des in te res ses par ti cu la res em jogo – dosmag na tas de Vila Rica, o mais abas ta do de les, o mes tre de cam po Pas co alda Sil va Gu i ma rães –: as “ca sas de fun di ção” não se pu de ram abrir sema tra gé dia de 1720. Aque le po ten ta do, o Dr. Ma no el Mus que i ra Rosa eseus fi lhos, vá ri os ami gos e cli en tes de Pas co al, en tre os qua is Fe li pe dos San tos Fre i re, mu i to ou vi do do povo, com bi na ram uma ação vi o len taque for ças se o go ver no a de sis tir dos seus pro je tos. A cons pi ra ção vi sa vaprin ci pal men te ao ou vi dor, Mar ti nho Vi e i ra, que pela sua in to le rân ciasim bo li za va o des po tis mo re i nan te; in ti mi da do este, ti nha-se por cer to

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 157

que o Con de de Assu mar ca pi tu la ria, como o seu an te ces sor. A 27 de ju -nho de 1720, pe las 11 ho ras da no i te, des ce ram mas ca ra dos os cons pi ra -do res das ma tas do Ouro Po dre, onde ti nha as suas la vras ri quís si masPas co al da Sil va Gu i ma rães, cor re ram à casa do ou vi dor, aos gri tos de“viva o povo!”, va re ja ram-na, não en con tran do o ma gis tra do, que a tem -po fu gi ra, e se di ri gi ram à Câ ma ra. Ali Fe li pe dos San tos, aren gan do aosamo ti na dos, to mou-lhes a che fia. O go ver na dor es ta va no seu pa lá cio davila do Ri be i rão do Car mo. Cor reu para lá um emis sá rio de Fe li pe dosSan tos, que lhe no ti fi cou os pro pó si tos dos in sur re tos, de não de po remas ar mas an tes de sa tis fe i tos nas re cla ma ções que fa zi am. Não es pe ra -ram a res pos ta. Ati ra ram-se para Ri be i rão do Car mo, de tro pel, cla man -do que o povo ti nha de ser aten di do. Já sol da dos ro de a vam o con de,que se aper ce be ra para a luta e pe di ra re for ços ao go ver na dor do Rio deJa ne i ro. Mas não foi o nú me ro, foi a as tú cia que ven ceu. Assu mar pro me -teu aos le van ta dos quan to su pli ca vam. Fê-los vol tar a Vila Rica com acon vic ção de que es ta vam vi to ri o sos. E mal se viu li vre de les, cha mouàs ar mas os po ten ta dos, in fen sos aos de Vila Rica, com os es cra vos, emo veu o seu re gi men to de dra gões (che ga do de Por tu gal em 1719).

Sen tin do-se lu di bri a dos, os com par sas de Fe li pe dos San tosdes man da ram-se em re pre sá li as e pro vo ca ções, que não lhes va le ram,pois o Sar gen to-Mor Ma no el Go mes da Sil va, à tes ta do exér ci to dogover na dor, en trou tri un fan te men te na vila, ocu pan do-a, e a vin gan çado Con de de Assu mar se re a li zou, ful mi nan te.

As ca sas de Pas co al da Sil va Gu i ma rães fo ram in cen di da das,lá fi can do as suas ru í nas, o “Mor ro da Qu e i ma da”, a tes te mu nhar a ré gia jus ti ça. Pre so, Fe li pe dos San tos foi en for ca do, a 15 de ju lho de 1720.Pro fe riu no ca da fal so esta fra se: “Ju rei mor rer pela li ber da de, cum pro ami nha pa la vra.” O ca dá ver do re bel de foi es quar te ja do, e Vila Rica tevede sub me ter-se à oni po ten te von ta de do ven ce dor. As ca sas de fun di ção fun ci o na ram.

As Câmaras si len ci a ram. O povo re tra iu-se. A po lí ciagover na men tal es ten deu a ma lha da sua vi gi lân cia a todo o dis tri to euma le gis la ção drás ti ca o trans for mou numa ter ra aba fa da, don detirava Por tu gal os re cur sos pre ci sos para as es pan to sas des pe sas deD. João V.

158 Pe dro Calmon

O CASO DE TI RA DEN TES

Não se in sur gi ram mais os mi ne i ros. Até 1789 não hou ve re be -lião pos sí vel nas Mi nas Ge ra is. Na que le ano al guns po e tas ilus tres, al gunsecle siás ti cos le tra dos, al guns ho mens de es pa da, pro pri e tá ri os no país e sa -cri fi ca dos, como o res to do povo, pela de ca dên cia das la vras, con cer ta ramuma con ju ra pa trió ti ca. So nha vam com a Re pú bli ca. Ti nham lido nos li vros fran ce ses a his tó ria da re vo lu ção nor te-ame ri ca na. Como os Esta dos Uni dosse ti nham cons ti tu í do, ven cen do a Ingla ter ra, ha via o Bra sil de cons ti tu ir-se, ven cen do Por tu gal. Era a épo ca dos fi ló so fos, do “con tra to so ci al”, do ra -ci o na lis mo, da re cu pe ra ção, pelo ho mem, da sua li ber da de de pen sar. Essasvi bra ções li te rá ri as não po di am agi tar, nas ruas, uma po pu la ção ig no ran te,nem na ca ser na, os dra gões de Mi nas, que com bo i a vam pe las es tra das ostrans por tes de ouro e di a man tes; ha vi am de im pres si o nar as pou cas pes so as que liam es qui va men te os li vros es tran ge i ros.

De fato, os bra si le i ros que se gui am na Uni ver si da de de Coimbraos cur sos de leis e câ no nes não per de ram de vis ta a pá tria, dis tan te eopri mi da; por todo o sé cu lo XVIII foi a aca de mia o ber ço das idéiaslibe ra is – ape sar dos mes tres e dos pro gra mas.

Estu dan tes bra si le i ros pro pu se ram a Tho mas Jef fer son, emNimes, aju dar a Amé ri ca do Nor te na in de pen dên cia do Bra sil. JoséÁlva res Ma ci el, jo vem mi ne ra lo gis ta mi ne i ro, trou xe ao Bra sil es ses pla -nos. Enten deu-se no Rio com um an ti go al fe res da ca va la ria de Mi nas, es -pírito exal ta do, ao ex tre mo, ami go das no vi da des po lí ti cas que fa zi am avol ta ao mun do, Jo a quim José da Silva Xa vi er.

Lo quaz, ima gi no so e ar re ba ta do, Xa vi er pas sa va por ho memde sas si sa do, na sua ter ra; cons ta va tam bém que era maçom. Exer cia porvezes a pro fis são de den tis ta, e o co nhe ci am por “Ti ra den tes”. Deregres so a Vila Rica, dis se im pru den te men te as dis po si ções e pro je tosque Álva res Ma ci el lhe co mu ni ca ra. Cer to, tor nou-se útil aos po e tas quenos se rões li te rá ri os dis cu ti am a li ber ta ção da ca pi ta nia, e par ti ci pou desuas re u niões.290

Os po e tas eram o Co ro nel Inácio José de Alva ren ga Pe i xo to,do 1º re gi men to au xi li ar do Rio Ver de; o Ou vi dor To maz Antônio Gonzaga,

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 159

290 Vd. TOMAZ BRANDÃO, Ma rí lia de Dir ceu, p. 115 pas sim. Belo Ho ri zon te, 1932.

can tor dul cís si mo de “Ma rí lia”, no i vo da bela Ma ria Do ro téia de Se i xas,sua musa; o dou tor Cláu dio Ma no el da Cos ta, nome fe i to das le trasluso-americanas e, sem dú vi da, a mais res pe i tá vel per so na li da de da ca pi -ta nia. Os pa dres, José da Sil va Oli ve i ra Ro lim, Car los Cor rêa de To le do,Luiz Vi e i ra da Sil va, e ou tros clé ri gos.

O pre tex to para a re vo lu ção es ta va na anun ci a da der ra ma, ouexe cu ção das dí vi das dos quin tos ré gi os, que há mu i to não se pa ga vam – tre men da expec ta ti va, que alar ma va e in dig na va o povo. O Te nen -te-Coronel Fran cis co de Pa u la Fre i re de Andra de, co man dan te da tro pare gu lar, ade ri ra à aven tu ra. Tan to que se ini ci as se a der ra ma, im pos ta pelo go ver na dor, o vis con de de Bar ba ce na, um gru po ar ma do sa i ria às ruasgri tan do – “Viva a li ber da de” – e a for ça co man da da por Fran cis co dePa u la to ma ria con ta das vi las prin ci pa is. Logo se ria pro cla ma da a re pú -bli ca e se tra ta ria de for mar uma jun ta pro vi só ria. Entre as idéi as doscons pi ra do res (des de que não po de mos con si de rar um pro gra ma em regraas be las co i sas que ima gi ra ram) es ta va a mu dan ça da ca pi tal para S. Joãod’el-Rei, a cri a ção de uma uni ver si da de em Vila Rica, o es ta be le ci men tode fá bri cas, a abo li ção da es cra va tu ra... Te ri am ban de i ra e – di zia-se quepor indi ca ção de Cláu dio Ma no el da Cos ta – um lema, do ver so deVir gí lio, Li ber tas quae sera ta men.

Re al men te, esse epi só dio só pe ne trou na His tó ria pe las sombrasde uma de vas sa, e re ma ta do num dos dra mas ju di ci a is mais cru éis dacolô nia.

Ao vis con de de Bar ba ce na, dois mi li ta res – um de les, Jo a quim Sil vé rio dos Reis, por ter ou vi do ao pró prio Ti ra den tes, numa das suasalo cu ções te me rá ri as – de nun ci a ram a tra ma, os pro ta go nis tas, as es pe -ran ças dos con ju ra dos.

Ime di a ta men te sus pen deu o go ver na dor a der ra ma, e ten doTi ra den tes vi a ja do para o Rio, a an ga ri ar re cur sos para a in sur re i ção,des pa chou re ca do ao vi ce-rei, D. Luiz de Vas con ce los, para que o pren -des se. Pren de ram-no, numa casa da rua dos La to e i ros, em 10 de maiode 1789. Tan to que sou be des sa cap tu ra, tra tou Bar ba ce na de pôr emprisão os de ma is cúm pli ces, que re me teu para o Rio, com ex ce ção deCláu dio Ma no el da Cos ta, de pa ra do mor to no cár ce re, em 1º de ju lho.Su i ci da ra-se tal vez, à cer te za do rude cas ti go que a to dos es pe ra va.

160 Pe dro Calmon

O pro ces so ar ras tou-se, de mo ra do e pro li xo.291 Os pre sosdizi am-se ino cen tes e pro tes ta vam ig no rân cia de quan to lhes im pu tavam.Ape nas Ti ra den tes pa re cia dis pos to a en fren tar os hor ro res da jus ti ça,não ne gan do o cri me.292 Enquan to os ou tros fra que ja ram, mos trou-seele de ci di do; foi im pá vi do, en quan to os ou tros de sa ni ma ram e, com opa vor do su plí cio, ab ju ra ram. Por isso mes mo a ra i nha, D. Ma ria I, lhescomu tou a pena de mor te em de gre do per pé tuo – o que foi co mu ni cadoaos con de na dos na vés pe ra da exe cu ção, a 20 de abril de 1792.

No dia se guin te, Ti ra den tes su biu, só, as es ca das do pa tí bu lo.A sen ten ça re fe ria... “pelo hor ro ro so cri me de re be lião e alta tra i ção, deque se cons ti tu iu che fe e ca be ça na ca pi ta nia de Mi nas Ge ra is, com amais es can da lo sa te me ri da de con tra a real so be ra nia e su pre ma au to ri dade da mes ma Se nho ra, que Deus guar de”. Às 11 ho ras da ma nhã mor reuna for ca. Era már tir e pre cur sor!

A CON JU RA DOS ALFA I A TES

Ou tras re vol tas não pu niu o go ver no co lo ni al an tes de 1817;mas uma con ju ra ção se me lhan te à de Vila Rica foi igual men te cas ti ga dana Ba hia, em 1798. Cha mou-se re be lião dos “al fa i a tes” – por que en treos cons pi ra do res ha via pes so as da ple be, mu la tos ou sa dos e elo qüen tes,que pre ga ram às pa re des das igre jas pa péis anun ci an do uma “Re pú bli caBa hi en se”.293 Os pa péis, que fi ca ram des sa cons pi ra ção, pou ca luzfa zem no mis té rio em que ela se per deu. Pa re ce-nos que al guns ho menspo de ro sos se agi ta vam por trás dos “al fa i a tes” e era ma çô ni co o se gre do que os unia. A de vas sa apu rou a cul pa de qua tro po bres ar tis tas, a quemen for ca ram, como a Ti ra den tes. Ou tros im pli ca dos fo ram de gre da dospara as fe i to ri as da Áfri ca, e nun ca se sou be ao cer to, na Ba hia, se es ti ve raali ame a ça da a in te gri da de da co lô nia, em 1798, ou se os “al fa i a tes”her de i ros do povo ir re qui e to de 1711 não pre ten di am sim ples men te

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 161

291 Vd. LÚCIO JOSÉ DOS SANTOS, A Incon fi dên cia Mi ne i ra, S. Pa u lo, 1927.292 Vd. Au tos de de vas sa da Incon fi dên cia Mi ne i ra, IV, 45 (Rio, 1936): con fir ma ção de

Ti ra den tes.293 Vd. do cu men ta ção Ana is da Bibl. Nac., A Incon fi dên cia da Ba hia, I-II, Rio; 1931:

“...para efe i to de es ta be le cer na mes ma um go ver no de mo crá ti co, li vre e in de -pen den te”, op. cit., I, 7. Uma das pro mes sas: “to dos fi ca rão ri cos, ti ra dos da mi -sé ria em que se acha vam, ex tin ta a di fe ren ça de cor...”, ibd., I, 8.

in sur gir-se con tra as de si gual da des so ci a is, co bran do, com as ar mas empu nho, o seu qui nhão de for tu na.

Entre tan to, es ses pre ce den tes his tó ri cos cris ta li za ram umaconsciên cia. Fi ze ram uma men ta li da de. Cri a ram uma alma. O povobra si le i ro ad qui ri ra gra du al men te o co nhe ci men to de si pró prio, re ve la -ra-se. Ama du re cia para a li ber da de. A era da Inde pen dên cia não po diatar dar.

162 Pe dro Calmon

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XVI O Ter ri tó rio Com ple ta do – Fron te i ras

do Nor te – Fron te i ras do Sul

O dra ma da “de mar ca ção” con clui, ain da no sé cu lo XVIII, o pro ces so de ba li za men to do Bra sil.

Vi mos como as “ban de i ras” le va das de sor de na da men te peloes pí ri to em pre en de dor dos por tu gue ses e dos ma me lu cos aos con finsda co lô nia, gi sa ram-lhe os con tor nos an tes que a di plo ma cia eu ro péia os as si na las se. A di plo ma cia se cun dou a ação dos ser ta nis tas; tor na va-sepre ci so re co nhe cer o que es ta va fe i to, e an te por ao “di re i to” o “fato”.Daí o tra ta do de Ma dri, que pela pri me i ra vez con si de rou o uti pos si de tiscomo di re i to nor mal so bre os ter ri tó ri os ame ri ca nos.

Não ha via nes sa dou tri na ma i or no vi da de, é cer to, do que atra du ção, em lin gua gem ju rí di ca, dos acon te ci men tos po lí ti co-militaresdo Novo Mun do. A “ocu pa ção” dava aqui a pro pri e da de, as sim aos par -ti cu la res como aos Esta dos; só a “ocu pa ção” de ve ria pre va le cer; e porisso os pa í ses eu ro pe us nun ca se de ti ve ram di an te de di plo mas e per ga -mi nhos, que lhes ve das sem a pos se des tas ter ras ame ri ca nas. A Espa nha e Por tu gal se gui ram-se a Ingla ter ra, a Fran ça e a Ho lan da; no Bra sil o“ban de i ran te” di la tou os seus do mí ni os, como os po vos es tran ge i ros ofa zi am pe los ou tros cli mas do con ti nen te. Ape nas Por tu gal – per di da a

espe ran ça do ori en te e ten do o Bra sil por seu me lhor pa tri mô nio – soubecon so li dar a ex pan são dos pa u lis tas e ci men tar-lhes os “des co ber tos”,numa base di plo má ti ca que cons tru iu du ran te cem anos.

As duas pre o cu pa ções prin ci pa is da Cor te de Lis boa eram asfron te i ras do Ama zo nas e do Pra ta. Nes ta en con tra va os es pa nhóis,naquela, es pa nhóis, ho lan de ses e fran ce ses. Ao sul, sus ten ta vam osestadis tas por tu gue ses que o li mi te era o rio da Pra ta; e fa zi am pordemons trar que ao nor te o li mi te não era o rio Ama zo nas, sim os alcantisdo Pa ri ma. O seu pon to de vis ta foi vi to ri o so no nor te.

A FRON TE I RA SE TEN TRI O NAL

A his tó ria da fron te i ra ama zô ni ca não tem os as pec tos trá gicosda ques tão me ri di o nal.

Lá o fo ras te i ro foi sem pre re pe li do e as ba li zas por tu gue sasfi ca ram de pé; por que o ali a do do por tu guês era a na tu re za; e o pri me i ro ocu pan te pu de ra ali ci ar a ami za de dos gen ti os.

Em 1623 uma ex pe di ção, que par ti ra do Pará, des tru iu doisfor tins ho lan de ses, le van ta dos em am bas as mar gens do rio Xin gu, e ar -ra sou ou tro no Gu ru pá. Duas fe i to ri as in gle sas que ha via ali per to fo -ram tam bém de vas ta das pe los por tu gue ses, cujo do mí nio so bre o cur sodo Ama zo nas se com ple tou em 1639, com a vi a gem a Qu i to do Ca pi tãoPe dro Te i xe i ra. O for tim de S. José, na con fluên cia do rio Ne gro com oSo li mões, cons tru í do por Fran cis co da Mota em 1669, se ria a pe drafun da men tal de Ma na us.294 Os mis si o ná ri os con ti nu a ram a obra dosban de i ran tes – os car me li tas no rio Ne gro, os je su í tas no Ma de i ra, apro -xi man do mais de es pa nhóis, ao oci den te, e de ho lan de ses ou fran ce ses aonor te, as al de i as dos nos sos ín di os. Um tra ta do pro vi só rio (4 de mar ço de1700) de cla ra ra in de ci sa en tre a Fran ça e Por tu gal a pos se das ter rasexis ten tes en tre o for te de Ma ca pá e o rio Oi a po que; po rém, pelo tra ta docon se qüen te ao con gres so de Utrecht (1714), re nun ci a ra a Fran ça àssuas pre ten sões ter ri to ri a is, “en tre os rios Ama zo nas e o Oi a po que ouVi cen te Pin zon”. Ga nha va Por tu gal o di re i to de for çar a Espa nha a re -co nhe cer-lhe a pro pri e da de das ter ras que es ti ves sem ao sul do pa ra le lo do

164 Pe dro Calmon

294 ARTHUR CÉSAR FERREIRA REIS, Ma na us e ou tras vi las, p. 32, Ma na us, 1935.

cabo Oran ge. Essa fron te i ra (pelo Oi a po que) se ria mo di fi ca da pelo tra -ta do de Ami ens, em 1802, ar ran ca do por Na po leão à fra que za de Por tu -gal; mas logo a res ta be le ceu o pró prio go ver na dor do Pará, Ge ne ral Ma -ga lhães de Me ne zes, a vin gar a in va são de Ju not, em 1807.

O tra ta do de Ma dri deu para o Bra sil se ten tri o nal uma li nhadi vi só ria que cor ria pe las ser ras en tre o Ore no co e o Ama zo nas.

Qu a tro co mis sões de li mi tes ten ta ram de mar car os no vos lindes, con so an te o tra ta do de 1750: de ve mos-lhes o pri me i ro exa to co nhe ci -men to, ci en tí fi co e mi nu ci o so, das ter ras fron te i ri ças.295 A co mis são doAma zo nas foi che fi a da pelo go ver na dor do Pará, Fran cis co Xa vi er deMen don ça Fur ta do, ir mão do Mar quês de Pom bal. Saiu, com grandecomi ti va, ao en con tro do co mis sá rio es pa nhol no rio Ne gro (1753); ede bal de o es pe rou dois anos.

Nos en tre men tes Pom bal cri a va a ca pi ta nia de S. José do RioNe gro (car ta ré gia de 3 de março de 1755), e man da va fun dar as vi las de Bor ba e Bar ce los, a pe di do de Men don ça Fur ta do, e este, ao tem po emque estuda va a re gião e as suas con di ções, to ma va quan tas me di dasadmi nis tra ti vas se fi ze ram mis ter para ti rar aos je su í tas o go ver no das al de i asindíge nas e subs ti tuí-las por “co lô ni as” de novo sis te ma (vi las e povoa dos,cu jos di re to res se ri am pes so as de pen den tes do ca pi tão-general)...

O co mis sá rio es pa nhol che gou em 1759; D. Ro lim de Mou ra,su cessor de Men don ça, es tan do em Cu i a bá, não pôde ir-lhe ao encontro;logo o tra ta do de Ma dri era re for ma do pelo do Par do (12 de fe ve re i rode 1761); e a de mar ca ção não se fez.

O tra ta do de San to Ilde fon so (1º de ou tu bro de 1777) con sa -grou os mes mos prin cí pi os do de Ma dri. No me a ram as duas Cor tesnovas co mis sões de li mi tes, a por tu gue sa di ri gi da pelo Go ver na dor deMato Gros so, José Pe re i ra Cal das, a es pa nho la, por D. Fran cis co deReque na: en con tra ram-se em Ta ba tin ga, nos prin cí pi os de mar ço de1781. Os seus tra ba lhos ar ras ta ram-se até 1790 – mais pro fí cu os para oco nhe ci men to ge o grá fi co, as tro nô mi co e bo tâ ni co da Ama zô nia do que

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 165

295 “Era pro pó si to di le to de D. João V pro ce der ao re co nhe ci men to ci en tí fi co doster ri tó ri os do Bra sil, não des pre zan do a co la bo ra ção es tran ge i ra.” Em 1750 foicons ti tu í da a pri me i ra mis são de Mi guel Antô nio Blas co. (Fi de li no de Fi gue i re do,Estu dos da His tó ria Ame ri ca na, p. 98.)

para a de li mi ta ção ter ri to ri al. Os de le ga dos por tu gue ses eram en ge nheiros,as trô no mos, na tu ra lis tas, car tó gra fos. Pela se gun da vez um tal con jun tode ho mens eru di tos ava li ou as ri que zas na tu ra is do ser tão bra si le i ro.Prin ci pal men te Ale xan dre Ro dri gues Fer re i ra,296 o na tu ra lis ta, cha ma do de Hum boldt bra si le i ro, re u niu os ele men tos abun dan tes de que ca re ciaa ciên cia para re pu tar a Ama zô nia uma das mais far tas e in te res san tesregiões do pla ne ta. Mas, em 1794, re gres sou Re que na à Espa nha, semre a li zar os ob je ti vos da sua mis são, à vis ta de de sen ten di men tos, in ci -den tes e ri va li da des que por todo o tem po das vi a gens e es tu dos di vi diramos de mar ca do res; e o Go ver na dor Ma no el da Gama Lobo d’Almada secon ten tou em es ta be le cer pos tos mi li ta res nas ex tre mas da ca pi ta nia – omais oci den tal dos qua is fi ca va à mar gem do Ja va ri. Eram as fron te i rasde fi ni ti vas.

A FRON TE I RA ME RI DI O NALNo sul as co i sas se pas sa ram bem di fe ren te men te. Ha via prime i ro

ex pul sar os mis si o ná ri os cas te lha nos, de po is acor dar com os es pa nhóisuma li nha di vi só ria na tu ral, que, an tes de de mar ca da pe los en ge nhe i rosdo rei, já se es bo ça ra com o san gue dos pi o ne i ros.

A trá gi ca his tó ria da co lô nia do Sa cra men to pa re cia aca bar-secom a sua en tre ga à Espa nha, em vir tu de do Tra ta do de Ma dri, que detro co dera a Por tu gal os “sete po vos” das Mis sões. Ali a ram-se por ummomento os dois vi zi nhos ad ver sá ri os para com ba ter o ini mi go comum,que era o je su í ta; en tre 1754 e 56 dois exér ci tos, por tu guês e es pa nhol,co man da dos por Go mes Fre i re de Andra da e D. José de Ando na e gui,des tru í ram as “re du ções” gua ra nis e ocu pa ram a re gião. Mas, se es ta vam har mo ni za dos em re la ção ao ini mi go ex ter no, que foi o mis si o ná rio, não se enten di am fa cil men te quan to aos in te res ses re cí pro cos; os co mis sá riosnome a dos para a de mar ca ção da fron te i ra me ri di o nal não che ga ram a umacor do; logo o tra ta do de Ma dri era anu la do.297 Não tar dou a guerra,des ta vez in fe liz para as ar mas por tu gue sas. O exér ci to es pa nhol,coman dado por D. Pe dro de Ce val los, cer cou a co lô nia do Sacramen to

166 Pe dro Calmon

296 FERREIRA REIS, op. cit., p. 92.297 Vd. ENRIQUE M. BARBA, art. in Hu ma ni da des , tomo XXV, p. 296 (Bu e nos

Ai res, 1936).

e lhe for çou a ca pi tu la ção (6 de ju nho de 1761 – 30 de outu bro de62). Entrou de po is pelo Rio Gran de do Sul. Fi xa do nas duas mar gensdes te, Ce val los de vol veu ape nas a co lô nia do Sa cra men to, con so an te asde ter mi na ções do tra ta do de Pa ris (10 de fe ve re i ro de 1763). Pre ten diacon ti nu ar de pos se do Rio Gran de. Os ha bi tan tes do pam pa en car re ga -ram-se de re a ver o seu tor rão. Se gui ram-se dez anos de guer ri lhas, es ca -ra mu ças, cor re ri as, du ran te os qua is os es qua drões “ga ú chos” afas ta ramcon ti nu a men te o es tran ge i ro, re du zi do, afi nal, à sua po si ção da ci da dedo Rio Gran de. Esta lhe foi to ma da em 2 de abril de 1776, de po is deum for mal ata que di ri gi do pelo ge ne ral ale mão João Hen ri que Bo ehm; e os es pa nhóis ba te ram em re ti ra da para o Uru guai. Foi en tão que a Cor te de Ma dri, que es ti ve ra pres tes a de cla rar a guer ra em 1774, pre pa rouuma po de ro sa ex pe di ção pu ni ti va, for ma da de 19 na vi os, 96 trans por tese 9 mil ho mens de de sem bar que, sob o co man do ge ral de D. Pe dro deCeval los, ao mes mo tem po no me a do vi ce-rei de Bu e nos Ai res. Os planos do go ver no es pa nhol eram vas tos. Pro cu ra ria Ce val los ane xar a ilha deSanta Ca ta ri na, de sin cor po rar da Amé ri ca Por tu gue sa o ter ri tó rioexistente ao sul de La gu na e ao nor te da co lô nia do Sa cra men to, e firmar aí a sobera nia cas te lha na. Fa cil men te re a li zou a pri me i ra par te do seuprogra ma, ope ran do o de sem bar que na ilha, na no i te de 23 para 24 defe ve re i ro de 1777. A 5 de mar ço as au to ri da des de San ta Ca ta ri na ca pi -tu la ram. Ru mou em se gui da Ce val los para Bu e nos Ai res, onde as su miuo go ver no, e saiu a cer car a co lô nia do Sa cra men to, que se ren deu aocabo de oito dias de re sis tên cia (4 de ju nho). Fez ar ra sar a for ta le za,como para que nada res tas se a tes te mu nhar o es for ço por tu guês jun todo rio da Pra ta,298 es pa lhou pe las al de i as cas te lha nas de oes te as fa mí liasdos co lo nos por tu gue ses, e a uma par te da guar ni ção con ce deu li cen çapara re co lher-se ao Rio de Ja ne i ro. Ia Ce va llos in ves tir o Rio Gran de doSul, cu jas co chi lhas o es pe ra va Bo ehm, quan do se pac tu ou a paz entre asduas me tró po les, por in ter ces são da ra i nha vi ú va de Por tu gal (fa le cera D.José I em 24 de fe ve re i ro de 1777).299

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 167

298 Não foi ar ra sa da a vila, se não ape nas a ci da de la. Ain da hoje os mu ros ex ter nos,so bre o rio, e ruas e ca sas por tu gue sas ates tam, na prós pe ra ci da de ori en tal deCo lô nia, a sua trá gi ca fase por tu gue sa. Estu da mos es ses ves tí gi os em ou tu bro de 1936. Vd. tam bém CAPURRO, La Co lo nia del Sa cra men to, Mon te vi deo, 1932.

299 Vd. CAETANO BEIRÃO, D. Ma ria I, p. 197.

Ti ve ram os es pa nhóis de res ti tu ir San ta Ca ta ri na e re co nhe cer a pro pri e da de por tu gue sa so bre o Rio Gran de, com pen sa da pela co lô nia do Sa cra mento e ou tras pos ses sões na Áfri ca e na Aus trá lia, que lhescedia Por tu gal.

A boa con ci li a ção, ama i nan do o es pí ri to be li co so das po pu -lações vi zi nhas, tor nou pos sí vel uma ten ta ti va de de mar ca ção da fron teirame ri di o nal, a exem plo da se ten tri o nal.

As duas gran des co mis sões, a es pa nho la, che fi a da pelo CapitãoD. José Va re la y Ulloa, a por tu gue sa, pelo go ver na dor do Rio Gran de,Se bas tião Xa vi er da Ve i ga Ca bral, en con tra ram-se à mar gem do Chuí,em 5 de fe ve re i ro de 1784.300 Tra ba lha ram, sem um re sul ta do po si ti vo,fre qüen te men te de sa vin dos os co mis sá ri os, em ba ra ça dos nos er ros dosma pas e na im pres são dos tra ta dos, até que os su per ve ni en tes su ces soseu ro pe us lhes ma lo gra ram a va ga ro sa ta re fa.

O pro ble ma re a pa re ceu em 1801, ao re ben tar o con fli to en tre Espa nha e Por tu gal, aque la ali a da de Fran ça. Um ca pi tão de dra gões,Fran cis co Bar re to Pin to, or ga ni zou com um tro ço de ca va le i ros ga ú chos vi to ri o sa en tra da pe las Mis sões, cu jos “po vos” ren deu, der ro tan do ain da,em S. Bor ja, a for ça cas te lha na que sa í ra a com ba tê-lo. A paz de Ba da joz (que se sou be no Rio Gran de a 24 de de zem bro) de vol veu à ca pi ta nia a tran qüi li da de; po rém os seus li mi tes fi ca vam mar ca dos e a pos se por tu -gue sa res pe i ta da, des de o Ibi cuí – e, no li to ral, até à bar ra do ar ro io Chuí –,li nha que o Uru guai con fir ma ria em 1819, es ten den do-a pelo rio do seunome.

A “guer ra” de 1801 foi o úl ti mo ca pí tu lo da epo péia “ban de i -rante”, co me ça da no sé cu lo XVII.

168 Pe dro Calmon

300 No tas de GARCIA a Por to Se gu ro, Hist. Ger., IV, cap. LXVI.

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XVIIRe vo lu ção Eco nô mi ca – Pró dro mos da Inde pen dên cia

– Fim da Era Co lo ni al

Ini ci ou-se a cri se da Inde pen dên cia em 1801, com os ajun ta men tos ma çô ni cos do en ge nho de Su as su na, aos qua is se fi lia re mo ta men te are vo lu ção de 1817.

Aque la data está para a re vo lu ção bra si le i ra como a de 1773para a fran ce sa.301 Inspi ra dos nos li vros fran ce ses, se du zi dos pela su gestão revo lu ci o ná ria, al guns pro pri e tá ri os ru ra is ima gi na ram eman ci par o Brasil,le van tando-o em ar mas con tra os por tu gue ses. À in fluên cia dos acon -teci men tos eu ro pe us não po dia for rar-se a co lô nia, que os so fria no seuco mér cio.302

Os bra si le i ros re ce be ram, por in ter mé dio dos con ter râ ne osfor ma dos em Co im bra, a no vi da de da que les prin cí pi os e a sua tra du çãoem ver ná cu lo.

301 Vd. GASTON MARTIN, la Franc-Ma çon ne rie Fran ça i se et la Pré pa ra ti on de la Ré vo lu ti on, Pa ris, 1926.

302 Vd. BOUCHER DE LA RICARDERIE, Bi bli ot hé que Uni ver sel le de vo ya ges, VI,Pa ris, 1808.

Di fun di am-se pron ta men te os es cri tos, que eram em Por tu gal con de nados e, a des pe i to da po lí cia, cor ri am de mão em mão: fo ramfamiliares aos con ven tos – cen tros ati vos de es tu dos – e às clas sesaris to crá ticas, Rous se au, Bo issy d’Anglas, Hel ve ti us. Sa int Hi la i re ou viu doouvi dor de S. Pa u lo e do vi gá rio de S. João D’el Rei, Mar ti us, do pro fessordo Rio de Con tas, o co men tá rio aos au to res do dia – que se re pu ta vapor ex tra or di ná ria eru di ção no país, se gun do Armi ta ge. Em 1813 –notara, es tu pe fa to, o jor na lis ta Hi pó li to da Cos ta – pu bli ca va-se no Riode Ja ne i ro uma tra du ção da “Hen ri e i da” de Vol ta i re. Entre aque lasleituras e a cons pi ra ção de mo crá ti ca, ia um pas so.

A ma ço na ria ti rou des sa si tu a ção a me lhor van ta gem, con gre -gan do em par ti do os “fran ce ses”. Apa re ce ra ela no Por to em 1791.Boca ge fora pre so por ma çon, em 1794.303 Esta va na Uni ver si da de deCo im bra.304 Na Ma de i ra sur gi ra em 1792.305

Em 1796, com Arru da Câ ma ra, uniu al guns ho mens in te li -gen tes na fron te i ra da Pa ra í ba. Em 1797 ir rom peu na Ba hia, onde, em1802, o in glês To maz Lind ley, au xi li a do por ela, no ta va a ati vi da dema çô ni ca, po rém sem as suas lo jas re gu la res, como em Lis boa e noPor to.306 Ain da nos úl ti mos anos do sé cu lo de 700 en tra ra em Mi nasGe ra is, prin ci pal men te no Ti ju co: o pro cu ra dor do povo des se dis tri tofora, por isso, pre so em Lis boa.307 Em 1807, es ta va no Rio de Ja ne i ro.Evi den te men te tais “clubs” não eram se di ci o sos, mas es pe cu la ti vos.Ca bi am aí fra des, ne go ci an tes de edu ca ção in gle sa, po e tas e até gen te do go ver no. Per se gui dos nu mas, to le ra dos em ou tras ca pi ta ni as, nun ca seex tin gui ram, até à li vre in ter ven ção ma çô ni ca de 1821. Cha ma vam-seem Per nam bu co “Areó pa go”, na Bahia, “Ca va le i ros da Luz”,308 de -

170 Pe dro Calmon

303 THEOPHILO BRAGA, Bo ca ge, p. 432, LISBOA, 1902.304 THEOPHILO BRAGA, His tó ria da Uni ver si da de de Co im bra, IV, 35 e 327, Lis boa,

1902; JOAQUIM MARTINS DE CARVALHO, Apont. para a His tó ria Con tem -po râ nea, p. 47, Co im bra, 1868.

305 Archi vo de Ma ri nha e Ultra mar, I, par te II, 87, doc. 902.306 AFFONSO TAUNAY, Na Ba hia de D. João VI, p. 52, Ba hia, 1928.307 FELÍCIO DOS SANTOS, Me mó ri as do Dis tri to Di a man ti no , p. 168, 2ª ed.308 BORGES DE BARROS, Ann. do Arch. Públ. da Ba hia, XV, 45 (1928). Vd. tam bém

com a res pec ti va bi bli o gra fia, so bre a ma ço na ria his tó ri ca, GUSTAVOBARROSO, His tó ria Se cre ta do Bra sil, p. 160, S. Pa u lo, 1936.

po is “Vir tu de e Ra zão”,309 nú cleo pri má rio do Gran de Ori en te... Porisso es cre via o con de de Li nha res para a Ba hia, em 17 de no vem bro de1809, que sa bia ha ver ali “um gran de nú me ro se cre to de pes so as ven di -das ao Par ti do Fran cês.”

Com esse fun da men to foi o vi a jan te Kos ter de ti do no Ce a rá.Fal sa, tal vez, era a in for ma ção, se se con si de ra va o Par ti do Fran cês umapo tên cia es tran ge i ra; ex pri mia, en tre tan to, a ver da de, como ela bo ra çãode uma vas ta re vol ta. To le na re viu-a de sen vol ver-se em Per nam bu co em1817.310 Em 1798 a con ju ra ção, cha ma da dos “al fa i a tes”, ti ve ra pordi vi sa a da ci da de de Pa ris: Fluc tu at nec mer gi tur...311 A so ci e da de se cre taes ta va nos há bi tos do tem po e vi nha do sé cu lo XVIII. Te cia en tre ospa í ses e as cas tas uma rede de en ten di men tos. Li ga vam-se es pi ri tu al -men te os “ma çons” por tu gue ses aos da Ingla ter ra. José Álva res doAma ral, por exem plo, en tra ra na se i ta de Lon dres, em 1812;312 sur gede po is or ga ni zan do as so ci a ções idên ti cas em Mi nas, Rio e S. Pa u lo.313 A re vo lu ção de 1817, em Re ci fe, e a in di fe ren ça da Ba hia em face des saten ta ti va de in de pen dên cia, fo ram tra ba lho ma çô ni co. Fe lis ber to Cal de i ramais não fez, en tão, do que “in flu ir po de ro sa e ha bil men te so bre aslo jas ma çô ni cas para que não pro pa gas sem as idéi as da Re vo lu ção. Eraum gran de pe ri go de que tan to se ar re ce a va o go ver na dor”.314 Do min gosJosé Mar tins, que pas sa va por men sa ge i ro dos ma çons in gle ses, cons ti -tu í ra-se o di re tor da ma ço na ria per nam bu ca na, ra mi fi ca da na Pa ra í ba,no Rio Gran de do Nor te e no Ce a rá; che fe, foi tam bém uma ví ti ma dain sur re i ção re pu bli ca na de 6 de mar ço, que as ar mas de be la ram. Nosver sos que, às vés pe ras de mor rer ar ca bu za do, man dou à es po sa, pro -tes ta va:

“ A pá tria foi o meu Nu men pri me i ro,A es po sa de po is o mais que ri do...”

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 171

309 ROCHA MARTINS, O Últi mo Vice-Rei do Bra sil, p. 56, Lis boa.310 No tas Do mi ni ca is , Rev. do Inst. Archeo. Per nam. nº 61, 436 e 483.311 Ann. do Arch. Publ. da Ba hia, II, 70 not. Da vam vi vas à li ber da de e a Bo na par te.312 Doc. ms. no Arch. do Inst. Ge ogr. e Hist. da Ba hia (Inéd.).313 Anto nio Au gus to de Agui ar, Vida do Mar quês de Bar ba ce na, p. 7, Rio, 1896.314 AGUIAR. op. cit ., p. 18. Des de 1816 Bar ba ce na era ir re li gi o so e li be ral, cf. car ta

de Ai res Anto nio Cor rêa, 1825, ms. no Arch. do Inst. Hist. e Ge ogr. Bras., pas ta 5, maço 2 (Inéd.).

A REVOLUÇÃO DE 1817

Pou cas re vo lu ções na Amé ri ca te rão as ra zões so ci a is e ospre ce den tes his tó ri cos da que ex plo diu em Re ci fe em 1817. O movi men to era na ci o na lis ta, no sen ti do da ex pul são dos por tu gue ses, vis tos pelaaris to cra cia da ter ra, des de 1709, como “ma ri nhe i ros”, ri va is, es cor cha -dores; e era li be ral, na ex pres são po lí ti ca que um gru po de pa dresilustra dos e de ma çons de edu ca ção in gle sa lhe de ram.

Cris ta li za ra em Per nam bu co a pa i xão do re gi o na lis mo, agra vadapela as fi xia fis cal, pela in so lên cia dos mi li ta res eu ro pe us, pe los pre con -ce i tos ge ra dos numa ini mi za de de clas ses, que ti nha cem anos. Lu ta vaain da, como no tem po dos “mas ca tes”, o agri cul tor, ho mem de es pa da,com o mer ca dor, ho mem de di nhe i ro; de pen di am um do ou tro – edetes ta vam-se. O lá ba ro ha via de ser a na ci o na li za ção do co mér cio. Opovo en ten dia esta lin gua gem; sem pre a com pre e deu no Bra sil: ele seba te ria ale gre men te pela na ci o na li za ção do co mér cio de va re jo. Iden ti fi -ca do o ad ver sá rio, fora fá cil com ba tê-lo. Su ce deu isto em 1817, comoan tes, em 1709, como de po is, em 1848. A eli te in te lec tu al as si mi la ra asidéi as fran ce sas, so bre a li ber da de po lí ti ca, e as idéi as in gle sas, so bre aliber da de eco nô mi ca. Os pa dres, prin ci pa is au to res da re vo lu ção, eramfi lhos es pi ri tu a is de Fran ça; al guns ne go ci an tes, exe cu to res do pla norevo lu ci o ná rio, fi li a vam-se às lo jas ma çô ni cas ou eram, como Do min gos Mar tins, re pre sen ta ntes de ca sas co mer ci a is da Ingla ter ra.

O se mi ná rio de Olin da, cri a do em 1799 pelo Bis po Aze re doCou ti nho, for ma ra as in te li gên ci as, para o en ten di men to da que las dou tri -nas; os ex ces si vos im pos tos, os ve lhos ve xa mes e as an ti gas que zi li as con -ven ce ram os ho mens da ci da de e da la vou ra de que de vi am le van tar-seem ar mas. Hou ve um mo men to em que era cons pi ra dor tan to o pa dre do se mi ná rio como o mor ga do do Cabo, Fran cis co de Paes Bar re to, fu tu roes te io con ser va dor do tro no bra si le i ro; tan to os ir mãos Su as su na, jáen vol vi dos na con ju ra ção ma çô ni ca e fran co fi la de 1801, como o Pa dreJoão Ri be i ro e o ad vo ga do José Luiz de Men don ça. Acon te ci men tos pos -te ri o res de ram aos mo vi men tos per nam bu ca nos uma fe i ção mais ur ba nae ra di cal, que de via ter con tra eles, na tu ral men te, a aris to cra cia ru ral.

O am bi en te es ta va pre pa ra do, mas a re vo lu ção não era es pe -ra da em 6 de mar ço de 1817. Impre vis tos a im pe li ram para as ruas; con -

172 Pe dro Calmon

de na da des de o iní cio a um san gren to ma lo gro, per deu-se, por se terpre ci pi ta do. A ani mo si da de en tre mi li ta res bra si le i ros e por tu gue ses ex -plo di ra numa fes ta pú bli ca, onde um ofi ci al pre to do re gi men to dos“Hen ri que” es bor do a ra um re i nol. Os co le gas des te to ma ram me di daspu ni ti vas; acir ra ram-se os âni mos, e, em 6 de mar ço, em for ma tu ra ge ral,o Bri ga de i ro Ma no el Jo a quim Bar bo sa deu voz de pri são a dois ofi ci a isbra si le i ros, dos mais exal ta dos, José de Bar ros Lima, de al cu nha “LeãoCo ro a do”, e José Ma ri a no de Albu quer que Ca val can ti. De sem ba i nha ram as es pa das es tes mi li ta res, e sal tan do so bre o bri ga de i ro, José de Bar rosLima o es ten deu mor to com uma es to ca da. Foi o le van te. Fu gi ram osofi ci a is por tu gue ses e a tro pa, na ti va, ade riu aos dois re bel des. To ca ramos si nos a re ba te. Cor re ram às ar mas os cons pi ra do res. Ten tou o go ver -na dor, Ca e ta no Pin to de Mi ran da Mon te ne gro, aba far a se di ção, en vi an -do um aju dan te de or dens ao quar tel de ar ti lha ria: foi re ce bi do à bala.Cer ca dos e in ves ti dos, os mi li ci a nos, que obe de ci am ao Ma re chal JoséRo ber to, se ren de ram. Os in sur re tos con quis ta ram a ci da de, do mi nan do a re a ção ex par sa dos por tu gue ses. O go ver na dor, a fa mí lia e al guns ofi -ci a is re sis ti ram na for ta le za de Brum. Re co lheu-se a ela a guar ni ção deOlin da. Uma jun ta pro vi só ria se for mou, com o Pa dre Mi guel Jo a quimde Alme i da, o “Mi gue li nho”, o Pa dre João Ri be i ro Pes soa, Já co meBe zer ra, Fe li pe Neri Fer re i ra e Antô nio Gon çal ves Cruz. A 7 de abril, Ca e ta no Pin to foi in ti ma do a de i xar Per nam bu co. De ram-lhe umasu ma ca, na qual se guiu vi a gem para o Rio de Ja ne i ro. A ca pi tu la ção dafor ta le za do Brum mar cou a fase de or ga ni za ção da “Re pú bli ca Per -nam bu ca na”.

A jun ta so cor reu-se das lu zes de um con se lho, com pos to doOu vi dor Antônio Car los Ri be i ro de Andra da (o fu tu ro cons ti tu in te e ora -dor do Impé rio), Antô nio de Mo ra is e Sil va (o di ci o na ris ta), o deão deOlin da, Ber nar do Fer re i ra Por tu gal, e o pro pri e tá rio por tu guês Pe re i raCal das. A re vo lu ção es ten deu-se a Ita ma ra cá, Pa ra í ba, Ala go as, Rio Gran -de do Nor te; mas não lo grou em pol gar nem o Ce a rá nem a Ba hia. Ali, oemis sá rio re bel de, sub diá co no José Mar ti ni a no de Alen car, foi pre so,de po is de ter pre ten di do pro cla mar no Cra to a re pú bli ca.

À Ba hia o en vi a do per nam bu ca no, Pa dre José Iná cio Ri be i rode Abreu Lima (o “Pa dre Roma”), já che gou en vol vi do nas ma lhas deuma de nún cia; pois a sua jan ga da en ca lhou no Rio Ver me lho, de ti ve -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 173

ram-no as au to ri da des lo ca is, e teve de arr ostar a jus ti ça do con de dosArcos. Su ma ri a men te jul ga do por um con se lho de guer ra, foi o pa dreRoma fu zi la do, no cam po da Pól vo ra, em 29 de mar ço.

O ca pi tão-general da Ba hia, con de dos Arcos, sur gia como oho mem ta lha do para do mi nar a si tu a ção.

A car ta, de rara ener gia, que es cre veu para ala go as, in ti man doo co man dan te mi li tar, sim pá ti co aos per nam bu ca nos, a com ba tê-lossem de mo ra, a es pa da na mão di re i ta, e na es quer da a ban de i ra do rei de Por tu gal – de mo veu os ali a dos do go ver no re vo lu ci o ná rio. Os dias mussobre vi e ram. De bal de ape la ram os per nam bu ca nos para o au xí lioestran ge i ro, man dan do aos Esta dos Uni dos o ne go ci an te Cruz (o Cabugá),à com pra de ar ma men tos, à Ingra ter ra o in glês Kos ter, que de via en ten -der-se com Hi pó li to da Cos ta e ob ter o apo io da na ção in gle sa...

A ar ma da por tu gue sa apa re ceu em fren te de Re ci fe e Olin da.O exér ci to, ex pe di do apres sa da men te pelo con de dos Arcos, al can çouAla go as, onde se dis per sa ram os re pu bli ca nos, e por toda par te res tauroua nor ma li da de.

As for ças in sur re tas, sob o co man do de José Ma ri a no, atin giramPor to das Pe dras; mas, no pri me i ro em ba te, se de sor ga ni za ram, nãohou ve mãos que as con ti ves sem, e os seus che fes se vi ram obri ga dos asub di vi dir em guer ri lhas a gen te que os não aban do nou.

Se guiu-se o de sa ba men to do edi fí cio re vo lu ci o ná rio.Do min gos Te otô nio, co man dan te de Re ci fe, re ti rou-se para

Olin da, de po is de ter o che fe da es qua dra de blo que io re cu sa do ne go ciarcom os si ti a dos uma ca pi tu la ção hon ro sa, que lhe pro pu nham. A tro pareti ran te ru mou para o en ge nho Pa u lis ta, en quan to o exér ci to e a marinha,com bi nan do os mo vi men tos, to ma vam Re ci fe. A tes ta da co lu na re pu -bli ca na, car re gan do ao om bro, num saco, o ar qui vo do “Esta do”, mar -cha va des cal ço o Pa dre João Ri be i ro Pes soa... Era a úl ti ma co luna.Domin gos Jor ge ha via sido al can ça do à mar gem do Me al pe, apri si o na do e de po is fu zi la do. O res to da pro vín cia vol ta ra a sub me ter-se a ban de i rareal. Eram exe cu ta dos os ca bos do le van te que ca íam em po der dos sol -da dos de Por tu gal. De so la do, o Pa dre João Ri be i ro en for cou-se numgalho de ár vo re. À apro xi ma ção da ca va la ria le ga lis ta de ban da ram osrebel des; mais tar de, os che fes der ra de i ros, Do min gos Te o tô nio, Bar rosLima e Pa dre Sou za Tenó rio, fo ram des co ber tos e cap tu ra dos.

174 Pe dro Calmon

A re pres são con ti nu ou, cru el. A jus ti ça mi li tar, em nome dorei, só pou pou as pes so as me nos com pro me ti das, que nos cár ce res daBa hia aguar da ram, qua tro anos, um de mo ra do per dão. O Pa dre Tenó rio, o “Leão Co ro a do” e Do min gos Te ot ônio mor re ram na for ca – a 10 deju nho. So men te em 6 de agos to man dou uma car ta-régia sus pen der asexe cu ções e ins ti tu ir al ça da em Re ci fe. Cor re ra san gue co pi o so. Oprime i ro que se der ra ma ra em luta fran ca, de bra si le i ros, a que re rem asua inde pen dên cia e a sua li ber da de, con tra as for ças da me tró po le. Passa ra,por tan to, pelo Bra sil, a agi ta ção dos es pí ri tos, co mum a toda a Amé ri ca;os már ti res de Per nam bu co se as se me lha vam aos da Gran Co lôm bia edo Mé xi co; uma rés tia do mes mo sol que en vol via Bolí var e San Mar tin, ilumi nou, na que le re ta lho do nor des te, o gru po dos re pu li ca nos bra si leiros....

Na his tó ria do pen sa men to na ci o nal o sa cri fí cio de les não foiinú til.

PA TRI O TAS

Con clu í ra-se um pro ces so his tó ri co de for ma ção na ci o nal.A luta da in de pen dên cia fora di fe ri da, com o des tro ço dos

revo lu ci o ná ri os per nam bu ca nos, não ex tin ta. A trans mi gra ção da Cor tepor tu gue sa mu da ra o des ti no do Bra sil, que pas sa va a dis por, para asaspira ções dos “pa tri o tas”, de um prín ci pe por tu guês. A so lu ção mo nár quicada eman ci pa ção do Bra sil man te ria, na or dem, a união das pro vín ci as.Foi por isso o nos so o país que mais lu crou com a epo péia na po leô ni ca,que nos deu rei, re i no, aber tu ra de por tos, in dús tri as, co lo ni za ção, Império,como su ces si vos fa vo res da for tu na, co nos co tão pró di ga como foraava ra em re la ção aos vi zi nhos.

A MU DAN ÇA DA COR TE

As guer ras na po leô ni cas pu se ram à pro va a tra di ci o nal ali an ça de Por tu gal e Ingla ter ra, que da ta va de 1654. Se o go ver no por tu guêstran si gis se com a Fran ça em fe char aos in gle ses os por tos, aber tos paraeles des de 1703, e como Na po leão im pu se ra em 1806, se ria com aGrã-Bretanha que te ria de lu tar. Nes te caso, per de ria al gu mas das colônias,como avi sa ra D. Ro dri go de Sou za Cou ti nho (Li nha res), em 1803.Deso be de ceu ao im pe ra dor, e um gru po de exér ci to fran cês in va diu a

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 175

fron te i ra de les te. Há bil na sua pró pria ti mi dez, en tre iner me e ma li cioso,o prín ci pe-regente D. João não que ria em ne nhu ma hi pó te se a guer ra,que lhe ame a ça va, de um lado o tro no – a pi que de sub mer gir na voragemda in va são, como o de Espa nha – do ou tro lado os do mí ni os, que repre -sen ta vam a ri que za de Por tu gal. A Ingla ter ra con fi a va na ve lha, ina ba lá -vel le al da de por tu gue sa, mas nem por isso afas ta va do Tejo uma ar ma -da, que de um mo men to para ou tro po de ria bom bar de ar Lis boa, se ogo ver no do país po si ti vas se a ati tu de an ti bri tâ ni ca que lhe pe dia um par -ti do po de ro so, o fran có fi lo, che fi a do pelo Mi nis tro Antônio de Araújo deAze ve do (de po is con de da Bar ca).

Ha via, com efe i to, dois par ti dos na Cor te. Um, sen sí vel às im -pres sões do seu tem po, pre ten dia a apro xi ma ção com a Fran ça; o ou tro,en cer ra do nas tra di ções po lí ti cas, exi gia a fi de li da de aos in gle ses. Era aan ti no mia en tre li be ra is e con ser va do res, ou avan ça dos e re tró gra dos,que daí por di an te se pa ra ria em dois cam pos a po lí ti ca, em Por tu gal eno Bra sil. O par ti do an gló fi lo era di ri gi do por D. Ro dri go de Sou zaCou ti nho. D. João, como os an te ri o res Bra gan ça, pen dia para os in gle ses e te mia os fran ce ses. Esta va cer ca do de tra i do res, a co me çar pe los seusmi nis tros em Pa ris e Ma dri. Che gou a man dar, a toda pres sa, ofe re cer aNa po leão a mão do Prín ci pe D. Pe dro (de nove anos), para uma das suasso bri nhas, fi lha de Mu rat. Fez mes mo sair da Cor te Lord Strang ford,mi nis tro de Ingla ter ra, que se re co lheu a uma nau, e à no i te, se cre ta men te,pro cu ra va o prín ci pe-re gen te, a con fi den ci ar-lhe os se gre dos po lí ti cos.Foi Strang ford quem lhe mos trou o exem plar do Mo ni tor, de Pa ris, como de cre to de Na po leão ex tin guin do a mo nar quia por tu gue sa e di vi din do em três pro vín ci as o re i no. Isto a 11 de no vem bro de 1807.

Nada mais ocor reu à Cor te, ins ti ga da pe los in gle ses, além dafuga para o Bra sil, que a Ingla ter ra acon se lha ra. Era uma idéia que, demu i to lon ge,315 in cu tia ao prín ci pe-re gen te uma con fi an ça si len ci o sa.Des de a aven tu ra do pri or do Cra to, em 1580, até a guer ra de 1801, des de a ra i nha D. Luíza de Guzmán a D. Luiz da Cu nha, des de D. João IV aPom bal, Alor na e Li nha res, nas ho ras di fí ce is da vida por tu gue sa, sem preque à Espa nha se ali a ra a Fran ça, se pen sa ra no Bra sil para sede nova ese gu ra da Co roa. O pró prio Aran da su ge ria a Car los III de Espa nha, em

176 Pe dro Calmon

315 Vd. LUIZ NORTON, A Cor te de Por tu gal no Bra sil, cap. I, S. Pa u lo, 1938.

1783, re pro du zin do um con se lho de Va u ban a Fe li pe V, que di vi dis secom os seus fi lhos os do mí ni os ame ri ca nos... A Amé ri ca de se nha va-secomo um re fú gio da ve lha Eu ro pa. Ape nas, des ta vez, ne nhu ma de mo ra se jus ti fi ca va mais.

Mar ca da a par ti da da fa mí lia real para 27 de no vem bro, já a 25 o Ge ne ral Ju not, à fren te de um exér ci to ve loz, en tra va em Abran tes, a22 lé guas de Lis boa. Ti nha or dem de pôr as mãos à casa re i nan te. De via pren der no seu pa lá cio os Bra gan ça!

O re i no não se de fen dia. A he si ta ção do go ver no en tre ga ra-o, de sar ma do, à in va são. Na úl ti ma hora, es pe ran do ilu dir Na po leão, fi ze rao prín ci pe-re gen te re co lher às for ta le zas da cos ta a ma i o ria do exér ci to,numa pre pa ra ção men ti ro sa de guer ra aos in gle ses. Ju not po dia per cor rersem obs tá cu los, além da lama dos ca mi nhos e da che ia dos rios, aque later ra, tão ini mi ga ou tro ra de sol da dos es tran ge i ros. Assim, a D. João ofu tu ro se afi gu ra va de sen ga na do. Por que a es qua dra in gle sa se lhe ofe re ces separa com bo iá-lo, deu or dens a to dos os fi dal gos, aos al tos fun ci o ná ri os,aos ge ne ra is, aos ho mens prin ci pa is da Cor te, para acom pa nha rem a di -nas tia ao Bra sil.

Embar ca ram quin ze mil pes so as, en tre dig ni tá ri os, ecle siás ti cos,ma gis tra dos, cri a dos e tro pa, le van do cada qual os ha ve res que po diatrans por tar.

Em 30 de no vem bro Ju not atra ves sou Lis boa: nes se dia a fro taluso-in gle sa de sa pa re cia no ho ri zon te.

SMITH, DE PO IS DE COL BERT

Para o Bra sil, foi o co me ço de uma era mag ní fi ca.A tran si ção era tam bém de dou tri nas ou men ta li da des, se a

Col bert su ce dia Adam Smith.316 O li vre-cambismo, a fran quia mer cantil,o cur so li vre das mer ca do ri as, o in dus tri a lis mo, subs ti tu íam-se às ve lhasidéi as pro i bi ti vas, pro te ci o nis tas, mo no po lis tas.

Cer to, os in gle ses não sal va vam a Co roa por tu gue sa sem umpro gra ma eco nô mi co pre es ta be le ci do: esse pro gra ma se re su mia emdois ar ti gos. A li ber da de de co mér cio e uma ta ri fa al fan de gá ria ela bo ra da

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 177

316 VICTOR VIANA, His tó ri co da for ma ção eco nô mi ca do Bra sil, p. 169, Rio, 1922.

pe los in dus tri a is in gle ses de te ci dos. Em 1808 aque la li ber da de foi de cre ta da, e o tra ta do da ta ri fa sur giu em 1809-10.

A es qua dra real apor tou à Ba hia, onde, a 28 de ja ne i ro de1808, de po is de ou vir o eco no mis ta bra si le i ro José da Sil va Lis boa (Ca i ru) que se no ta bi li za ra pe las idéi as li vre-cam bis tas, D. João de cre tou a aber -tu ra dos por tos do Bra sil às na ções ami gas.

Esse ato sin ge lo re a li za va a in de pen dên cia do Bra sil, a sua su -bor di na ção a Por tu gal pas sa va a ser me ra men te po lí ti ca; a ver da de i rame tró po le eco nô mi ca – pri me i ra men te pela pre sen ça da Cor te, de po ispelo in ten si vo co mér cio in glês – era ago ra a Grã-Bre ta nha, “ca i xa esu ze ra na”.317 Re a li za va esta, an tes de tudo, um ob je ti vo se cu lar: o co -mér cio di re to com o Bra sil.318

Em 1808 e em 1809 a im por ta ção bri tâ ni ca, a na ve ga ção par ti -cu lar bri tâ ni ca ul tra pas sou a por tu gue sa; as pra ças, de Lon dres e Li ver po olre ce be ram mais mer ca do ri as bra si le i ras do que as pra ças por tu gue sas, e en -quan to en lan gues cia Por tu gal, ar ru i na do, o Bra sil mo di fi ca va ra pi da men te a fi si o no mia das suas ci da des, a edu ca ção da sua bur gue sia.

“Pela aber tu ra dos por tos da Amé ri ca a to das as na ções domun do, Lis boa de i xou de ser o em pó rio das mer ca do ri as do Bra sil, epor isso os es tran ge i ros aban do na ram o por to de Lis boa a novo rumoda Amé ri ca”– sin te ti zou um con tem po râ neo.319

Em 1808 ini cia-se a com ple ta an gli ca ni za ção do co mér ciobra si le i ro.

O al va rá de 1º de abril de 1808 re vo ga o de 5 de ja ne i ro de1785: per mi te to das as in dús tri as.

O tra ta do de 21 de fe ve re i ro de 1809 con su ma a usur pa ção,pelo co mér cio in glês, da eco no mia na ci o nal. A pa u ta para os di re i tos so breas lãs vem de Li ver po ol.320 As mer ca do ri as bri tâ ni cas pas sam a pa gar nasal fân de gas 15%, me nos um por cen to do que as de ma is es tran ge i ras,as sim re pe li das dos nos sos por tos. Foi quan do de i xa mos de com prar os

178 Pe dro Calmon

317 OLIVEIRA LIMA, D. João VI no Bra sil, I, 380, Rio, 1908.318 Vd. EDUARDO BRAZÃO, O Con de de Ta rou ca em Lon dres, p. 39, Lis boa, 1936.319 CONSTÂNCIO, His tó ria do Bra sil, I, 101, Lis boa, 1835.320 JOSÉ ANTÔNIO DE MIRANDA, Me mó ria cons ti tu ci o nal e po lí ti ca so bre o es ta do

pre sen te de Por tu gal e do Bra sil, 1821.

pa nos das fá bri cas do Rato e Estam pa ria de Tor res No vas, subs ti tu í dospe los de Man ches ter. O Rio de Ja ne i ro, vi si ta do em 1807 por 90 na vi os,no ano se guin te re ce bia 420. O por to da Ba hia, se gun do Mar ti us, aco -lhia 2 mil em 1818.321

Conti nu ou a ele va ção do pre ço dos pro du tos “co lo ni a is”,enquan to os co mer ci an tes in gle ses322 se ins ta la vam nas prin ci pa is ci da -des, com os seus es cri tó ri os de com pra e ven da de al go dão, de açú car,de fumo, de cou ros; e to das as ati vi da des se ace le ram, como se atin gis seao Bra sil um in ci ta men to mis te ri o so. Lon ge de mo de rá-lo, o prín ci -pe-regente que gos ta da ter ra o ani ma in te li gen te men te, cri an do, en tre1808 e 1816, os ór gãos do novo Esta do: im pren sa, Su pre mo Tri bu nal de Jus ti ça, aca de mi as de ci rur gia e ma ri nha, fá bri cas, ar se na is, jar dim bo tâ -ni co, mu seu, pra ças de co mér cio, o Ban co do Bra sil com o ca pi tal de1.200 con tos. Tan to es ti mu la va a ins ta la ção de fá bri cas, como man da vafun dar co lô ni as agrí co las, nas ser ras do Rio de Ja ne i ro e nas ma tas doEspí ri to San to, e eno bre cia com con de co ra ções e ou tras hon ras a clas semer can til. Só con ser vou a Co roa dois dos seus an ti gos mo no pó li os, odos di a man tes e o do pau-brasil. O pro vi den ci a lis mo da po lí ti ca ré giaaba fou as exci ta ções li be ra is, que o exem plo his pa no-americano su ge ria,e ar mou pa ci fi ca men te, até 1817, o ar ca bou ço de um Impé rio. As ar tesme câ ni cas, an ti ga men te mis ter ple beu, que ex clu ía do exer cí cio de cargospú bli cos até ter ce i ra ge ra ção, fo ram con si de ra das tão dig nas como asou tras pro fis sões.

Sen ti ra-se a ne ces si da de de atra ir o co lo no es tran ge i ro – rom -pen do as bar ras ao pro i bi ci o nis mo an ti go – e li mi tar as zo nas de con -den sa ção dos es cra vos ne gros. Vi e ram os fran ces ses para o co mér cio de mo das, e che ga vam a so mar 3 mil no Rio de Ja ne i ro; vi e ram os ale mãespara a agri cul tu ra, e con se gui ram vi ver nas abas da ser ra do Espí ri toSan to, aban do na das na vés pe ra pe los boto cu dos; vi e ram ho mens detodas as pro ce dên ci as, para to das as la ti tu des do Bra sil. As ci fras, re la tivas

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 179

321 Atra vés da Ba hia, edi ção PIRAJÁ DA SILVA, p. 73. 322 A na ve ga ção por tu gue sa para o Bra sil, en tre 1815–20, so freu tais pre ju í zos, com

o cor so de Bu e nos Ai res, que ta xas de se gu ros se tor na ram pro i bi ti vas, fa vo re -cen do ex clu si va men te os na vi os in gle ses. LEWIS WINKLER BEALE, LesCor sa ri os de Bu e nos Ai res, p. 63, Bu e nos Ai res, 1937.

ao co mér cio ex te ri or, re tra tam essa si tu a ção de fe bri ci tan te in ter câm bio: em 1812 ven dia já o Bra sil 80 mil con tos.

A re ce i ta pú bli ca es ta va lon ge dos mes qui nhos nú me rosapon ta dos por Anto nil no sé cu lo pas sa do: o go ver no dis pu nha, em1810–11, de 3.134 con tos, dos qua is 1.604:220$000 só do Rio de Ja ne i -ro. Po dia por tan to pro ver, com sal do, às des pe sas for mi dá ve is da Cor te(963:758$225) e as mais do Esta do. A Ba hia – ma i or ex por ta do ra dema té ria-prima – che ga va a re me ter, em 1817, 1.200.000 ar ro bas de açúcarou 27 mil ca i xas, em 1818, 29.575, em con tras te com as 6.626 de 1776, e 40 mil far dos de al go dão323, em vir tu de da exa ge ra da pro cura pelos in -gle ses, ano ta Mar ti us.324 Ca í ra só a pro du ção de fumo, em con se qüên cia da sín co pe do co mér cio por tu guês.

Para se me lhan te re sul ta do não fal tou a flu tu a ção da mo e da,que em 1810 per deu a fi xi dez, pri mi ti va, do pa drão ouro, subs ti tu í dapela pra ta, que nos in va diu os mer ca dos atra í da pelo in te res se do tro co.Cu nha da a nova mo e da de $960, de ra-se cur so, com re cu nho, ao pesofor te de Espa nha, que po dia ser tro ca do pela an ti ga meia do bra (6$400), à ra zão de 25% quan do a re la ção era ou tro ra de 1 para 16.325

Pro du ziu-se um adel ga ça men to pro vi den ci al do meio cir cu -lan te, que a gran de fal si fi ca ção da mo e da de co bre ain da mais acen tou, a par tir de 1815. Os bi lhe tes do ban co apa re ce ram nes sa emer gên cia.

O bra si le i ro, po de-se di zer, ha bi tu a va-se a ma ne jar di nhe i ro,co i sa que o co mér cio pa re cia des pre zar ain da em 1803, se gun do um vi a -jan te in glês – “acos tu ma do à per mu ta de gê ne ros”.326 Os bi lhe tes doban co ele va ram-se a 3.600 con tos em 1818, a 8.566 em 1821, o que écom pre en sí vel pelo ex ces so de no vos ins tru men tos mo ne tá ri os, que,por uma lei co nhe ci da, ex pul sa vam da cir cu la ção os pró pri os pa ta cões,de i xan do cam po li vre ao co bre e ao de pre ci a do pa pel. Entre tan to a que -da do câm bio, re sul tan te de emis são dos bi lhe tes, exer ceu a in fluên ciaque fatos des sa or dem le vam aos pa í ses de ex por ta ção: o Bra sil ven dia

180 Pe dro Calmon

323 Ver Cap. IX.324 Atra vés da Ba hia, p. 87.325 Re la tó rio de ARAÚJO VIANA, mi nis tro da Fa zen da, 1833, cit. por VICTOR

VIANA, His tó ri co, cit., p. 185.326 TAUNAY, Na Ba hia de D. João VI, p. 6.

sempre mais e, apa ren te men te, por me lhor pre ço. A ru í na das fi nan ças,em bo ra afe tan do o alto co mér cio, be ne fi ci a va a agri cul tu ra. Bas ta verque a expor ta ção de 1813 era de 4.792 con tos e em 1816 su bia a 9.663. Osaldo do co mér cio bra si le i ro fora, em 1809, de 388.586 li bras.

As gran des for tu nas, ads tri tas an tes às pra ças da Ba hia e Per -nam bu co, onde elas se fa zi am so bre tu do no trá fi co ne gre i ro, sur gem poresse tem po, re ve la das em 1817, quan do os ne go ci an tes ba i a nos ofe re ce ram100 con tos de prê mio ao con de dos Arcos, e nas re mo de la ções ur ba nasque se re a li za vam.

O de cê nio da trans for ma ção aca bou, la men ta vel men te, com a anarquia ad mi nis tra ti va de abril de 1821, em tor no do re gres so deD. João VI a Por tu gal.327 Ca u sas po lí ti cas, ine vi tá ve is, in ter rom pe ramum dos pe río dos mais bri lhan tes da his tó ria bra si le i ra.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 181

327 Vd. nos so es tu do do re i na do de D. João VI. O Rei do Bra sil, Rio de Ja ne i ro,1935; aí a bi bli o gra fia do ca pí tu lo.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XVIIIFun da ção do Impé rio do Bra sil – D. Pe dro I

A rup tu ra da tra di ção eco nô mi ca, com a pas sa gembrus ca do Bra sil do sis te ma de Col bert (Pom bal) para o de Adam Smith(Li nha res), co in ci diu com a in va são das idéi as li be ra is, aca len ta das emPor tu gal pelo de ses pe ro de uma po pu la ção em po bre ci da e im pa ci en te.A re vo lu ção de 1820 che gou com oito anos de atra so da Espa nha e 30da Fran ça; que ria-se uma Cons ti tu i ção, que di vi dis se os po de res pú blicos,com a li ber da de in di vi du al e de cons ciên cia, um con gres so, a trans for -ma ção do rei ab so lu to em fun ci o ná rio do Esta do, su bor di na do àsCâma ras so be ra nas.

Cer ta men te, não in te res sa va às clas ses pro du to ras do Bra sil aim plan ta ção da que les prin cí pi os na me tró po le; ace i ta ram-nos por so li da -rieda de a Por tu gal, se o ele men to por tu guês ain da do mi na va a vida co lo -ni al. A re vo lu ção do Por to, em 24 de agos to de 1820, logo es ten di da atodo o país, de cre ta ra a ex tin ção do ab so lu tis mo, ju ran do-se pro vi so ri a -men te a Cons ti tu i ção es pa nho la. O exér ci to, os in te lec tu a is, os mo ços,mo di fi ca ram, numa jor na da pa cí fi ca, a fi si o no mia do ve lho re i no. Po rém não com pre en di am o novo sis te ma sem a vol ta do rei, que se de mo ra vade ma si a da men te no Rio. Des de 1815, quan do ces sa ra o pe ri go fran cês,D. João e a Cor te eram re cla ma dos de Lis boa. Sen tia-se que o Bra sil,não a me tró po le, pros pe ra va in so li ta men te, e, dado aos in gle ses, a de ca dên cia

de Por tu gal não te ria fim sem os an ti gos pri vi lé gi os mer can tis do sé cu loXVIII.

A li ber da de em Lis boa era en ca ra da por um pris ma na ci o nal,que não abran gia o Re i no Uni do. As idéi as avan ça das, a Cons ti tu i çãofrance sa, a abo li ção do go ver no tra di ci o nal não ex clu íam a re ti ra da,gradual ou vi o len ta, das van ta gens con ce di das ao Bra sil por D. João VI.

O con fli to, que pre ce deu a Inde pen dên cia, gi rou em tor nodes sa re co lo ni za ção, que não en con tra va mais cli ma nos tró pi cos, tãoembe bi dos como Por tu gal do ide a lis mo re vo lu ci o ná rio. A ra zão eco nô -mi ca da luta era aque la; no Bra sil, era so bre tu do a cons ciên cia da suaautonomia, repre sen ta da por uma nova ge ra ção in te lec tu al que pas ma va do obs cu ran tis mo co lo ni al, tão gran de e rico se lhe afi gu ra va o seu país. Aagri cul tu ra ali ou-se às clas ses di ri gen tes para se pa rar o Bra sil de Por tugal.O ini mi go in ter no foi ape nas o alto co mér cio por tu guês.

O MO VI MEN TO DA INDE PEN DÊN CIA

O mo vi men to da Inde pen dên cia di vi de-se em duas épo cas. Àrevo lu ção cons ti tu ci o na lis ta, de 1820, ade ri ram os ele men tos por tu guesesdo Bra sil, e, em se gun do pla no, os bra si le i ros in te res sa dos em qual querre for ma que tra du zis se os ide a is fran ces ses em voga. Po rém ha via dereti rar-se D. João VI para Lis boa, e aí co me çou a ci são, en tre re i nóis eame ri ca nos. Ple i te a vam es tes, com o rei ou sem ele, a con ser va ção dadig ni da de po lí ti ca do Bra sil, como re i no. De prin cí pio, ali a vam-se aospor tu gue ses do mi ci li a dos, para re te rem o rei. Mas de po is de 26 de fe ve -re iro de 1821, um novo fa tor po lí ti co for ne ceu aos bra si le i ros a se gu rançade um tri un fo fá cil: foi o prín ci pe her de i ro D. Pe dro de Alcân ta ra. À sua pre sen ça no Bra sil de ve mos a união das pro vín ci as, quan do as Cor tespor tu gue sas qui se ram de sa gre gá-las, e, con se qüen te men te, o pró prioBra sil como Eva ris to da Ve i ga afir ma ria mais tar de.328

184 Pe dro Calmon

328 Estu da mos este pe río do da his tó ria bra si le i ra em três li vros: His tó ria da Inde pen -dên cia do Bra sil, Impren sa Na ci o nal, 1928; O Rei Ca va lhe i ro, Com pa nhia Edi to raNa ci o nal, São Pa u lo, 1933; O Mar quês de Abran tes, Edi to ra Gu a na ba ra, Rio, 1933. Aí as fon tes – Vd. tam bém ALFREDO VALLADÃO, Bo le tim do Insti tu to His tó ri co(Pro gra ma do 2º Con gres so Na ci o nal de His tó ria), Rio, 1931.

Embo ra ca sa do, des de 1817, com a ar qui du que sa, fi lha doimpe ra dor d’Áustria, D. Le o pol di na Cris ti na, só na que le dia to ma ra opríncipe ado les cen te uma ati tu de qual quer nos acon te ci men tos gra vís simos que mu da vam a sor te da mo nar quia.

Alguns tra ços bi o grá fi cos de fi nem o ho mem – e dez anos dahis tó ria do Bra sil.

O PRÍNCIPE

Não se pa re cia com o pai em ne nhu ma das suas qua li da des. D.Pe dro sa í ra à mãe, nas pa i xões, na am bi ção e na in tem pe ran ça; po rém lem -bra va os reis ca va lhe i res cos da sua Casa na co ra gem pes so al, nos jo gos atlé -ti cos, no es pí ri to mi li tar e no amor da aven tu ra, sen ti men tos e ins tin tos que lhe de ram um lu gar en tre os he róis do sé cu lo. Um ro mân ti co, um ca va lhe i -ro e um es trói na, D. Pe dro, man ce bo de 23 anos, mal-edu ca do e pou co ins -tru í do, era em 1821 o ge ne ral in di ca do para che fi ar um exér ci to de ide a lis -tas afran ce sa dos que com ele se har mo ni za vam no en tu si as mo e na im pa -ciên cia. A guar ni ção do Rio ade riu em 26 de fe ve re i ro à ca u sa das Cor tes,for çan do o rei e a fa mí lia real a ju ra rem an te ci pa da men te a Cons ti tu i çãoque se des se a Por tu gal, por que D. Pe dro cons pi ra ra com os exal ta dos datro pa e da ci da de. Tor nou-se, pois, um agen te de li ga ção en tre o par ti do li -be ral e o rei. D. João VI de via de i xá-lo no Bra sil por seu lu gar-te nen te, oure gen te do país. D. Pe dro pre ci pi tou a par ti da do pai, com o gol pe de 21 de abril, na casa da Bol sa, onde se re u ni ram os ele i to res da ci da de para co -nhe cer as ins tru ções da das pelo rei ao fi lho. O que era uma in co e rên cia –fa zer o prín ci pe dis sol ver a re u nião pela for ça, quan do a com pu nham mu i tos dos or ga ni za do res da jor na da de 26 de fe ve re i ro – sig ni fi ca va uma ame a ça,para que sen tis sem os se di ci o sos, li be ra is ou ab so lu tis tas, que ele ti nhacon si go as ar mas. Dis se-se que o mi nis tro con de dos Arcos, que era o cor te -são mais li ga do a D. Pe dro, acon se lha ra a vi o lên cia. Pro du ziu o de se ja doefe i to. D. João VI teve pres sa de em bar car, no me ou o prín ci pe-re gen te doBra sil em seu nome e se guiu vi a gem, em 26 de abril, le van do 200 mi lhões de cru za dos das ar cas do Ban co do Bra sil e a al fa ia que pôde trans por tar.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 185

A GUERRA

A re gên cia de D. Pe dro pre pa rou ha bil men te a Inde pen dência,com a mo nar quia, an te ci pan do-se ao mo vi men to po pu lar, que po de riare a li zá-la con tra a mo nar quia.

Uma for ça por tu gue sa vi gi a va-lhe os atos: era a Le gião, co man da da pelo Ge ne ral Jor ge de Avi lez. A 5 de ju nho, ma ne ja da pe las in -tri gas do con de de Lou zã, no go ver no o mais in tran si gen te dos mi nis tros,exi giu a Le gião fos se de mi ti do e ex pul so do Bra sil o con de dos Arcos.Não che ga ra o mo men to da luta, e D. Pe dro ce deu, des ter ran do o ami go.Fez-lhe tar dia jus ti ça, re co nhe cen do por de cre to, em 1823, os be ne fí ci os que ele fi ze ra ao Bra sil. A Le gião aqui e tou-se, en ga na da, e o prín ci pe tra toude ani qui lá-la. As Cor tes de ter mi na ram que se em bar cas se para o Re i no, a fim de com ple tar es tu dos, vi a jan do. De acor do com o Se na do da Câ -ma ra do Rio e os de S. Pa u lo e Mi nas, con sul ta do por emis sá ri os do gru -po bra si le i ro, de ci diu-se a de so be de cer. Fez-se a en ce na ção con ve ni en te.Em 9 de ja ne i ro o pre si den te do Se na do da Câ ma ra do Rio, José Cle -men te Pe re i ra, à fren te da cor po ra ção e do povo, par tiu para o Paço.Dis cur sou. D. Pe dro res pon deu fir me men te que, como era para bem do povo e fe li ci da de ge ral da na ção, fi ca va no Bra sil. Foi o rom pi men tocom a me tró po le; a re vol ta. Já se apo i a va ao par ti do bra si le i ro, con tra opor tu guês. A Le gião quis opôr-se; D. Pe dro cha mou às ar mas a par tebra si le i ra do exér ci to. A guer ra não po dia ser mais de si gual. Avi lezviu-se obri ga do a pas sar para a Pra ia Gran de. O prín ci pe man dou cer -cá-lo por uma tro pa co man da da pelo ve lho Ge ne ral Xa vi er Cu ra do,en quan to os na vi os de guer ra blo que a vam Ni te rói. Avi lez ace i tou a con -di ção de re ti rar-se sem de mo ra e, com a sua gen te, par tiu para Por tu gala 16 de ja ne i ro.

Era a eman ci pa ção do país, des de que as sim se ex pe li am ossol da dos do rei.

Não im por ta va a re sis tên cia he rói ca dos por tu gue ses na Bahia,no Ma ra nhão, no Pará, em Mon te vi déu.

O prín ci pe ti nha ao seu dis por o Rio, S. Pa u lo, Mi nas e o RioGran de, al gu ma ar ma da, o erá rio, a fa cul da de de con tra ir em prés ti mos e en ga jar vo lun tá ri os. Não po dia, de po is da ex pul são de Avi lez, ten tar

186 Pe dro Calmon

uma re con ci li a ção. As Cor tes iam con si de rá-lo ini mi go; di zia-se que sepro pu nham de ser dá-lo, fa la va-se até na de po si ção de D. João VI.

A D. Pe dro a Co roa do Bra sil afi gu ra va-se a su pre ma aven tu -ra, dig na do seu es pí ri to ca va lhe i res co, da sua in com pa ti bi li da de com avelha Eu ro pa. Ati rou-se àque la Co roa, so cor ri do, a par tir de 16 de janeiro,da ex pe riên cia e do pa tri o tis mo de um mi nis té rio bra si le i ro, cuja fi gu racen tral era José Bo ni fá cio de Andra da e Sil va. Anti go fun ci o ná rio ré gio,ci en tis ta, li te ra to, esse pa u lis ta in sig ne era o per fe i to bra si le i ro do sé cu loque fin da ra: or gu lho so, re gi o na lis ta, au to ri tá rio, aman do a pá tria comex tre mos e de fen den do a or dem bru tal men te, à al tu ra, por tan to, da suamis são po lí ti ca, quan do se tra ta va de fa zer a in de pen dên cia sem que brar a uni da de do Bra sil. A ca u sa da mo nar quia de veu-lhe a es té ti ca de 12 deoutu bro de 1822, quan do foi D. Pe dro pro cla ma do im pe rador cons ti tu -cional, de po is de ter de cla ra do in de pen den te o Bra sil a 7 de se tem bro,em S. Pa u lo. Mo nar quia cons ti tu ci o nal à fran ce sa, mu ni ci pa lis ta, apro ve i tandona Cor te as tra di ções lu sas, co ber ta por uma ban de i ra ins pi ra da na pa i sa -gem na ci o nal, ver de e ouro, e con sa gran do o dog ma da so be rania popu lar,pois o im pe ra dor o era, “por von ta de de Deus e unâ ni me aclama çãodos po vos”.

7 DE SETEMBROEm 7 de se tem bro, es tan do D. Pe dro de vi a gem de San tos

para S. Pa u lo, re ce be ra os úl ti mos des pa chos que lhe re ve la ram a ir ri taçãoe as ame a ças do go ver no de Lis boa.

Em ju nho ele fora a Ouro Pre to ga ran tir-se do apo io de MinasGera is. Ago ra se cer ti fi ca ra que S. Pa u lo es ta va com ele. Então – à margem do Ipi ran ga – de sem ba i nhan do a es pa da, gri ta ra: “Inde pen dên cia ouMor te”. Mas já o de cre to de 23 de ju nho de 1822, que con vo ca va umCon gres so Cons ti tu in te para o Rio de Ja ne i ro, e as duas pro cla ma ções,ao povo e às na ções, em 1º e 6 de agos to, dis pen sa vam ou tras ma ni fes tações re vo lu ci o ná ri as, con cre ti za das no nor te pela guer ra, de as pec to re gi o nal,en tre as po pu la ções e as guar ni ções por tu gue sas.

2 DE JULHO

O im pe ra dor foi sa gra do em 1º de de zem bro de 1822.Em 3 de maio se guin te ins ta lou-se a Assem bléia Cons ti tu in te.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 187

A 2 de ju lho a guar ni ção por tu gue sa em bar ca va na Ba hia, devol ta ao re i no, e o exér ci to li ber ta dor, de 10 mil ho mens, que du ran te umano a in ves ti ra, vi to ri o so em to dos os em ba tes, en tra va na ci da de.

Em 28 de ju lho a Inde pen dên cia es ta va pro cla ma da no Ma ra -nhão. Logo de po is, no Pará e na Cis pla ti na. Ela bo ra da pela Assem bléiaa cons ti tu i ção po lí ti ca do Impé rio, pas sa ria este a gi rar na ór bi ta das naçõesor ga ni za das e so be ra nas.

Mas não bas ta ra a mo nar quia para dar-lhe a pros pe ri da de, naor dem.

Eco no mi ca men te, a si tu a ção de se nha va-se ex ce len te, des deque o rom pi men to com Por tu gal, sem afe tar o co mé ri co ex ter no, ex cluíraape nas um en tre pos to. Mas era afli ti vo o es ta do das fi nan ças, tal a penúriado te sou ro, que D. João VI lim pa ra, agra va da pe las des pe sas de guer ra,prin ci pal men te a apres sa da cri a ção de uma ma ri nha, e pela abun dân ciade co bre fal so, pra ga de 1817–21 que ame a ça va tor nar-se ca tás trofe.Havia de iní cio o con tras te do Esta do po bre e do ci da dão rico. O Mi nistroda Fa zen da, Mar tim Fran cis co, ti nha as vir tu des exi gi das para o mo mento:pru dên cia, par ci mô nia, ho nes ti da de. A po lí ti ca lan çou-o fora do go vernoquan do, com o seu ir mão José Bo ni fá cio, se tor na ra in cô mo do ao im pe -ra dor, pela in fluên cia que am bos exer ci am so bre a Assem bléia. Essamo di fi ca ção mi nis te ri al não al te rou a rota à Cons ti tu in te, que, sem vo tar pro pri a men te a Cons ti tu i ção, des cam ba va para con gres so tu mul tuá rio,cada vez mais im pres si o na da pe los fa tos po lí ti cos (an ti-lusitanismo,restri ção do po der pes so al do im pe ran te, li ber da des ci vis ame a ça das,con ci li a ção do prin cí pio mo nár qui co com o de mo crá ti co e por issoinfen sa ao gru po con ser va dor e por tu guês que ro de a va D. Pe dro I). Asi tu a ção tor nou-se ir re me diá vel quan do a Cons ti tu in te deu ou vi dos àque i xa de um bo ti cá rio, que fora es pan ca do, de vi do a uns in sul tos deimpren sa, que se lhe atri bu íam, por dois mi li ta res por tu gue ses do exér cito.

A CONS TI TU IN TE

O na ci o na lis mo, es per ta do pela guer ra da in de pen dên cia,fran ca men te agres si vo em face dos re si den tes por tu gue ses, as sim no Rio como nas pro vín ci as, não per do a va ao Impe ra dor ser ele mes mo por tuguês e ter fe i to ade rir à in de pen dên cia, con ser van do os seus pos tos, quan tosofi ci a is eu ro pe us o qui se ram.

188 Pe dro Calmon

O an ta go nis mo co lo ni al, en tre o se nhor de en ge nho e onego ci an te, o des pre zo an ti go do “ma zom bo” pe las ocu pa ções mer cantis,a se pa ra ção en tre a gle ba e o co mé ri co, au men ta da pela im pre vi dên ciado pri me i ro e pela ga nân cia do se gun do, ex plo di am em ira pa trió ti ca. Opor tu guês era o “ma ri nhe i ro”, o “ma ro to”, o “mas ca te”, pro pen so aodespotismo ad ven tí cio que vi nha en ri que cer... Não im por ta va a cir cuns -tân cia de fi ca rem no país os tais ri cos, aqui ca sa dos, aqui su ce di dos;eram o ini mi go: D. Pe dro pen sou re sol ver a crise, dissol ven do a Cons ti -tu in te, e a agra vou ain da mais.

Dis sol veu a as sem bléia, em 12 de no vem bro de 1823. Pren deue de por tou os ora do res opo si o nis tas – en tre eles os Andra das. No me ouem subs ti tu i ção do cor po le gis la ti vo um Con se lho de Esta do e lhe co me -teu a ta re fa de ela bo rar a Cons ti tu i ção do Impé rio, que ou tor ga ria. Omar quês de Ca ra ve las foi o prin ci pal re da tor des sa Car ta, cal ca da nas te o -ri as de Ben ja min Cons tant, por tan to a mais li be ral pos sí vel. O im pe ra dorman dou o pro je to às pro vín ci as, ao exa me das mu ni ci pa li da des, para re ce -ber as su ges tões dos ele i to res. Ou tor gou-se a 25 de mar ço de 1824.

1824

Mas não pôde evi tar que es tou ras se em Per nam bu co a re vo lução,pre tex ta da pelo gol pe de Esta do. De fato, esse mo vi men to san gren to,que tem o nome de “Con fe de ra ção do Equa dor”, e tan to se pa re ce com o de 1817, re sul ta va da in de ter mi na ção dos po de res na ci o na is. Quemgo ver na ria as pro vín ci as? O go ver no cen tral, à imi ta ção do Rei D. João,ou pelo voto po pu lar, um fi lho da pró pria pro vín cia? Per nam bu co, nosdias in de ci sos que se se gui ram à vi tó ria do par ti do bra si le i ro, ele ge rapre si den te Ma no el de Car va lho Paes de Andra de. O go ver no im pe ri al,en tre tan to, no me a ra para pre si dir a pro vín cia o mor ga do do Cabo, Fran -cis co de Paes Bar re to. Paes de Andra de con ta va com a ci da de de Re ci fee apo i a va-se à tro pa lo cal, co man da da pelo co ro nel Fal cão de La cer da;ti nha par ti dá ri os, ma çons e re pu bli ca nos, na Pa ra í ba, no Rio Gran de doNor te e no Ce a rá; os ho mens de 1817 cer ra vam fi le i ras ao seu lado. Omor ga do do Cabo con ta va com a me lhor por ção dos pro pri e tá ri os ruraise for ma va, no in te ri or, a re sis tên cia con ser va do ra. Nes te as pec to a re vo -lu ção de 1824 se as se me lha à da Ba hia de 1837 e à da Pra ia de 1848. A

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 189

la vou ra era a or dem; o in te lec tu a lis mo da ca pi tal era a re be lião. E venceua la vou ra que dis pu nha das for ças or ga ni za das.

O im pe ra dor lan çou con tra Re ci fe exér ci to e ar ma da. A fer roe fogo foi to ma da a ci da de. Re pro du ziu-se a der ro ca da re vo lu ci o ná riade 1817. A agi ta ção na ti vis ta, po rém, não es mo re ceu, nem teve D. Pe dro I je i to de ar re fe cê-la. Na Ba hia ela era tão alar man te que o im pe ra dorhou ve de vi si tar a pro vín cia, para acal mar os âni mos, o que con se guiupor al gum tem po. Re cru des ce ra em 1827. Não aca bou em 1831. La vrou por todo o pe río do re gen ci al e se en cer rou, em 1848, numa cri se fi nal –o mo tim de Re ci fe que for çou a tras mi gra ção, para co lô ni as d’África, demu i tos por tu gue ses ven ci dos pelo am bi en te hos til.329

D. Pe dro con ti nu ou a ser o por tu guês. Era, en tre tan to, exu be -ran te men te “bra si le i ro”. Apa re lhou a Ma ri nha e o Exér ci to, ar ran cou de Por tu gal o re co nhe ci men to da in de pen dên cia (1825), en tra ndo o Bra silcom 2 mi lhões es ter li nos de in de ni za ção ao go ver no de Lis boa, sus tentou a guer ra com as pro vín ci as Uni das (Argen ti na) e os in sur gen tes uru gua i os(1825-28), que des li ga ram do Impé rio a Cis pla ti na, e viu, em nove anosde re i na do, de fi nir-se a ín do le par la men tar das ins ti tu i ções con so li dar-sea união na ci o nal.

190 Pe dro Calmon

329 P. W. DE BRITO ARANHA, Me mó ri as his tó ri co-es ta tís ti cas de al gu mas vi las, etc.p. 238, Lis boa, 1871.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XIXA Pro je ção Inter na ci o nal – O Impé rio e os seus Vizi nhos – Fa ta li da de His tó ri ca –

A Gu er ra de 1827

Tor nando-se in de pen den te, o Bra sil re ce bia do pas sa do um grave pro ble ma in ter na ci o nal para re sol ver: era o da fron te i ra do sul.

As três guer ras ex ter nas que o Impé rio sus ten tou, em 1825 –28, em 1852 e em 1864 – 70, con tra ar gen ti nos e uru gua i os, con tra oditador Rosa e con tra o Pa ra guai, fo ram uma con se qüên cia, mais ou menos dis tan te, da po lí ti ca por tu gue sa no rio da Pra ta.

Sem pre Por tu gal con si de ra ra o Pra ta como fron te i ra me ri dionaldo Bra sil, e por isso, a par tir de 1679, até a guer ra con tra Arti gas(1816–20) dis pu ta ra aos es pa nhóis, de po is a ar gen ti nos e ori en ta is, ascam pi nas em vol ta da co lô nia do Sa cra men to, de trá gi ca his tó ria.

D. João VI pre va le ce ra-se, em 1816, da si tu a ção de anar quiaem que se acha va a Ban da Ori en tal, de po is da vi tó ria de Arti gas so breos es pa nhóis, e ins ti ga do pelo po lí ti co de Bu e nos Ai res, que te mi amaque le ge ne ral,330 fez in va dir e con quis tar todo o ter ri tó rio do Uru guai.Exi lou-se Arti gas para o Pa ra guai e o ca bil do de Mon te vi déu (1821)

330 TELMO MANACORDA, Fruc tu o so Ri ve ra , p. 42, Ma dri, 1938.

votou a ane xa ção do país ao Bra sil por tu guês, com o nome de Pro vín cia Cis pla ti na.

A CISPLATINA

A nova pro vín cia man dou ao Rio de Ja ne i ro dois de pu ta dos,em 1823, e até 1825 ocul tou os sen ti men tos de eman ci pa ção, que umgru po de pa tri o tas cul ti va va nas cons pi ra ções na ti vis tas. Essa tra ma nãopo dia la vrar em Mon te vi déu, ocu pa da por guar ni ção por tu gue sa; me drouem Bu e nos Ai res, cujo go ver no ali men ta va a es pe ran ça de re ab sor ver oUru guai; foi o so nho dos es ta dis tas ar gen ti nos a re com po si ção dovice-re i na do, frag men ta do nas guer ras da Inde pen dên cia. A ri va li da detam bém de cor ria da tra di ção co lo ni al. Esta va em jogo o do mí nio daságuas do Pa ra ná, que le va vam ao Pa ra guai e a Mato Gros so. O Bra sil,com a sua for ma de go ver no mo nár qui co, era o vi zi nho po de ro so e in cô -mo do; a se gu ran ça da Re pú bli ca pa re cia ame a ça da pelo Impé rio, na que -le des bor da men to so bre o pam pa, de fron te mes mo de Bu e nos Ai res.Cem anos de guer ri lhas an te ci pa vam a ati tu de ar gen ti na, em re la ção aoscon ju ra dos uru gua i os: com o apo io ar gen ti no pu se ram na Cis pla ti na asar mas au da zes e ini ci a ram a sua cam pa nha de li ber ta ção.

De co me ço, fo ram “trin ta e três”.Fru tu o so Ri ve ra, um dos che fes do Uru guai e ser vi dor do

Impé rio, des de 1820, aban do nou a este e deu aos in sur re tos a opor tu ni -da de da vi tó ria. Um exér ci to im pe ri al foi ba ti do em Sa ran di, de sur pre sa.

O con gres so “dos po vos ori en ta is”, re u ni do em Fló ri da, nãopo den do de cla rar tão-somente a Inde pen dên cia,331 vo tou – em 25 deagos to de 1825 – a in cor po ra ção da Cis pla ti na às Pro vín ci as Uni das.

Em 4 de no vem bro, o go ver no de Bu e nos Ai res no ti fi cou aodo im pe ra dor que aju da ria por to dos os me i os os in sur gen tes, no afã deex pun gir de tro pas bra si le i ras o ter ri tó rio uru gua io: “ace le ra rá la eva cu a -ci on de los dos uni cos pun tos mi li ta res que quar ne cen aun las tro pas deS. M. I...”.332

192 Pe dro Calmon

331 Vd. H. D. Ensa yo de His to ria Pa tria, p. 470, Mon te vi déu, 1923.332 CALÓGERAS, Po lí ti ca Exte ri or do Impé rio, II, 416. Doc. in Assem ble as Cons ti tu in tes

Argen ti nas, II, 208 (edi ção or ga ni za da por Emi lio Ra vig na ni), Bu e nos Ai res,1937.

D. Pe dro I de cla rou guer ra à Re pú bli ca, em 10 de de zem bro.

INDE PEN DÊN CIA DO URU GUAI

A es qua dra bra si le i ra blo que ou Bu e nos Ai res. Mas, sem oau xí lio ime di a to de ou tras tro pas, as da guar ni ção da Cis pla ti na con ti -nu a ram a ce der aos in de pen den tes, che fi a dos por La va le ja e Ri ve ra.Con cen tra ram-se em Sant’Ana e aí se imo bi li za ram. Do seu pas mo as re ti rou o mar quês de Bar ba ce na, no me a do para di ri gir as ope ra ções con tra umexér ci to in va sor mais nu me ro so, co man da do pelo Ge ne ral Car los Ma riade Alve ar.

Não po di am ser mais in fe li zes as con di ções da luta, se eraimpopu lar em todo o Bra sil e mes mo no Rio Gran de do Sul; as pro vínciasnão for ne ci am su fi ci en te vo lun ta ri a do; o par la men to com ba tia a po lí ti ca do go ver no e este não aten dia ca bal men te as so li ci ta ções de Bar ba ce na.

Re sol veu D. Pe dro I, em pes soa, ob ser var a si tu a ção do seuexército. Não pôde, en tre ta nto, de mo rar-se no Rio Gran de, de vi do ànotícia do ines pe ra do fa le ci men to da im pe ra triz.

Bar ba ce na saiu con tra Alve ar, que in ves ti ra pe las co chi las, e aba ta lha se fe riu no Pas so do Ro sá rio, a 20 de fe ve re i ro de 1827. Foi oúni co com ba te vul to so da cam pa nha. A su pe ri o ri da de da ca va lariaargen ti na e ori en tal fez-se sen tir no iní cio da re fre ga, mas os qua dra dosda in fan ta ria bra si le i ra não fo ram des man cha dos. O pré lio ocu pou to das as for ças be li ge ran tes até ao en tar de cer, quan do, de i tan do o ini mi gofogo à ma ce ga, man dou Bar ba ce na re ti rar, rumo ao Pas so de S. Lou renço.Alve ar não ten tou per se guir as for ças im pe ri a is; a ba ta lha de Pas so doRo sá rio (ou Itu za ingó) in ter rom peu-se, sem re sul ta dos de ci si vos. Nomar, en tre tan to, sé ri os re ve zes so fre ra a ma ri nha do Impé rio, na Pa ta gôniae no Jun cal, com pen sa dos pela Vi tó ria de Mon te San ti a go. O blo que iode Bu e nos Ai res não pôde ser com ple to e hou ve o Bra sil de res pon der a fra nce ses e in gle ses pe los da nos que lhes ca u sou ao co mér cio. Por ou tro lado, as di fi cul da des in ter nas, que se agra va vam, im pe din do, do lado dos ar gen ti nos, a con ti nu a ção da cam pa nha, in du zi ram o go ver no de BuenosAi res a ofe re cer a paz ao do Rio de Ja ne i ro, an tes que exér ci tos maisnume ro sos en tras sem em ação, e se re a li zas se o pla no de Bar ba ce na,que era uma in cur são pela pro vín cia de Entre-Rios. Foi ao Rio o ple ni -po ten ciá rio Ma nu el José Gar cia com a sua pro pos ta de paz. Des de 10 de

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 193

fe ve re i ro de 28 o go ver no bra si le i ro ma ni fes ta ra a in ten ção de eri gir aCis pla ti na em “Esta do li vre, se pa ra do e in de pen den te”.333 Apro ve i -tou-se da mis são de Gar cia para ob ter dele um tra ta do, que con ver tia aCis pla ti na numa pro vín cia au tô no ma, mas pro te gi da pelo Impé rio.334 O povo de Bu e nos Ai res fez rom per as ne go ci a ções. Lord Pon sonby,minis tro da Ingla ter ra, con du ziu-as como me di a dor e, em re sul tadodelas, con ce rta ram o Impé rio e as Pro vín ci as Uni das a in de pen dên ciacom ple ta do Uru guai (25 de agos to de 1828), que o Bra sil de fen de ria,em caso de agres são ex ter na.

RO SAS

Ter mi na va o con fli to por uma vi tó ria do es pí ri to li be ral egene ro so, des ti na do a ca rac te ri zar, pelo tem po adi an te, a di plo ma cia bra -si le i ra.335

Ape nas a nova Re pú bli ca do Uru guai não po dia man ter a suaso be ra nia sem a for te, con tí nua vi gi lân cia do Impé rio. Era um país mi -nús cu lo,336 de 72 mil ha bi tan tes (em 1850 eram 110 mil), cu jos vi zi -nhos, em vir tu de das úl ti mas lu tas, se ti nham ar ma do ex ces si va men te.De fato, tan to que, no pe río do re gen ci al, as guer ras ci vis des vi a ram oBra sil da sua tra di ção di plo má ti ca, se viu que o pe ri go que ame a ça va ain de pen dên cia do Uru guai não fora um vão re ce io. Esta lou, em 1885, are vo lu ção do Rio Gran de do Sul. O go ver no da Con fe de ra ção Argen ti nacaiu em mãos de João Ma no el Rosa, ré pli ca por te nha do Dr. Fran cia, do Pa ra guai. Rosa re pre sen ta va a ou tra face da men ta li da de sul-ame ri ca na,

194 Pe dro Calmon

333 SOUZA DOCCA, A Mis são Pon sonby, p. 123, Por to Ale gre, 1933. A in ter ven çãoin gle sa fora pe di da de am bas as par tes. LUIS ALBERTO HERRERA, La Mi si on Pon sonby, I, 11, Mon te vi déu, 1930.

334 ADOLFO I. BAEZ, Con ven ci on pre li mi nar de paz en tre el Impe rio del Bra sil y la Re -pu bli ca Argen ti na. p. 27, Bu e nos Ai res, 1929.

335 Vd. CARLOS ONETE Y VIANA, La Di plo ma cia del Bra sil en el Rio de la Pla ta,p. 9, Mon te vi déu, 1903. Pa la vras de Andrea La mas: “No co nos co um solo es ta dis ta bra si le ño que no re pi la com hor ror la idéia de la in cor po ra tión del Esta do ori en talal Impe rio del Bra sil” (ARIOSTO D. GONZALES, El Ma ni fi es to de La mas en1855, p. 19, Mon te vi déu, 1937).

336 Em 1821, ren dia a Cis pla ti na 27.500 pe sos men sa is, e o exér ci to por tu guês deocu pa ção cus ta va 97.567. Diá rio do Go ver no, cf. Argos de Bu e nos Ai res , 21 Dez,1822, edi ção fac-si mi lar, de Jun ta de Hist. y Nu mi ma ti ca, 1937.

o pam pa, as po pu la ções ru ra is, o “ga ú cho”, em con tras te com a ca pi tal,o eu ro pe ís mo, o li be ra lis mo fran cês. O seu po der era ab sor ven te. Nãoper do a va a Mon te vi déu o asi lo que ali ti nham os seus ini mi gos, aco lhi dos e pro te gi dos por Fru tu o so Ri ve ra. Fez seu ali a do o ad ver sá rio e com pe ti dorde Ri ve ra, Ma no el Ori be. Fo men tou a guer ra en tre os dois par ti dos. De -po is, Ro sas man dou si ti ar Mon te vi déu. Foi um as sé dio de dez anos.Bur lou a pró pria in ter ven ção in gle sa e fran ce sa. Ro sas ti nha a ma lí cia, aper se ve ran ça, a te me ri da de cri ou la; a sua po pu la ri da de ra i a va em fa na tis mo e a sua di ta du ra era uma al ter na ti va de ter ror e pa tri ar ca lis mo. Enfren tou,de sa fi ou as gran des po tên ci as. A Ingla ter ra e a Fran ça pou co ou nadaob ti ve ram com as suas es qua dras que, por al gum tem po, em blo que io,exi gi ram do go ver no de Bu e nos Ai res o res pe i to aos prin cí pi os de di re i toin ter na ci o nal. Foi pre ci so que o Bra sil re tomas se o rit mo das suas ins ti -tu i ções, com o ad ven to de D. Pe dro II, para que as co i sas mu das sem defe i ção. Um em ba i xa dor foi à Eu ro pa, em 1844 (mis são do Vis con de deAbran tes), pro mo ver o re co nhe ci men to da in de pen dên cia do Pa ra guai,fe i to pelo Bra sil em 14 de se tem bro do mes mo ano, e uma de mons tra çãocon jun ta con tra o go ver no de Ro sas.

Era a tran si ção en tre a expec ta ti va e a ação.337

Em 1845, a pa ci fi ca ção do Rio Gran de do Sul con clu iu-se àvoz de que no ho ri zon te na ci o nal o ini mi go ex ter no se le van ta va: se riaRo sas.

Em 1849, o go ver no im pe ri al de ci diu au xi li ar di re ta men te ossi ti a dos de Mon te vi déu: re co me ça va a sua po lí ti ca in ter ven ci o nis ta. Esta teve duas fa ces: o cus te io da de fe sa de Mon te vi déu, me di an te em préstimosao go ver no uru gua io, e a pro cu ra, na pró pria Argen ti na, de um apo iopara a guer ra a Bu e nos Ai res, que não fos se, sim ples men te, uma guer rade agres são.

O que não con se gui ram, com as suas es qua dras, a Ingla ter ra e a Fran ça, pre ci sa men te por não te rem gran ge a do a co o pe ra ção mi li tarbra si le i ra, como re co nhe ceu André La mas,338 ob te ve o Impé rio com asua di plo ma cia e uma di vi são de exér ci to. D. Jus to José Urquis ta, go ver -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 195

337 A po lí ti ca bra si le i ra na Rep. Ori en tal, por um bra si le i ro, p. 26, Rio, 1854.338 ANDRÉ LAMAS, No ti ce sur la Re pu bli que ori en ta le de Uru guay, p. 56–2, Pa ris, 1855.

Vd. RICARDO FONT EZCURRA, La Uni dad Na ci o nal, p. 96, Bu e nos Ai res, 1938.

na dor de Entre-Rios, deu ao Bra sil aque le apo io (tra ta do de 29 de maiode 1851): re vol tou-se com a sua pro vín cia, pôs em ar mas um exér ci to de cer ca de 20 mil ho mens e re ce beu a aju da de um cor po de exér citobrasi le i ro, 4.000 sol da dos de eli te, sob o co man do do Ge ne ral Ma no elMar ques de Sou za (de po is con de de Por to Ale gre).

Em 6 de se tem bro de 1850 era as si na do no Rio de Ja ne i ro ocon tra to en tre o re pre sen tan te dos si ti a dos de Mon te vi déu, André La mas, e o ban que i ro bra si le i ro Ire neu Evan ge lis ta de Sou za, in cu mbi do pelo go -ver no im pe ri al de fa zer os for ne ci men tos em di nhe i ro, “se cre ta men teajus ta dos”, com o mes mo go ver no. Aque le con tra to foi subs ti tu í do, em12 de ou tu bro de 1851,339 por cin co tra ta dos, de li mi tes, comér cio, ex tra -di ção, sub sídi os e ali an ça.340 Foi o iní cio da guer ra a João Ma no el Ro sas.

Urqui sa e Por to Ale gre con clu í ram, com um êxi to ful mi nan te, as ope ra ções. Em San tos Lu ga res – a 3 de fe ve re i ro de 1852 – o exér ci to do di ta dor foi com ple ta men te des ba ra ta do e Ro sas fu giu, dis far ça do emmari nhe i ro, num na vio in glês. Urqui sa re in te grou o seu país na ci vi li zaçãoli be ral, um con gres so deu-lhe uma cons tru ção sá bia, ins pi ra da porAlber di, nos mol des da nor te-americana, e a Re pú bli ca Argen ti narecuperou, em pou cos anos, o lar go tem po per di do.

Os sa cri fí ci os de toda es pé cie fe i tos pelo Bra sil, para li ber tarMon te vi déu e ex tin guir o con su la do de Ro sas, não vi sa ram a outrolucro, se não afas tar das fron te i ras um vi zi nho in de se já vel.

O Impé rio não co bi ça va ter ras alhe i as, nem uma im po si ção aos po vos li mí tro fes dos seus in te res ses. O im pe ri a lis mo de cor re de ne ces si -da des eco nô mi cas: no sé cu lo XIX – in du zi do pela Ingla ter ra do XVIII –to mou a fi gu ra do ex pan si o nis mo in dus tri al; foi a luta pelo mer ca do. Asu pe res tru tu ra in dus tri al con duz à con quis ta, e a po lí ti ca ex te ri or dos pa í -ses, ex ces si va men te apa re lha dos para o for ne ci men to co mer ci al, se di ri ge,na tu ral men te, à ob ten ção e con ser va ção de uma fre gue sia, ne ces sá ria. Mas o Bra sil não ti nha in dús tri as que pro te ger nem o rio da Pra ta era seu mer -ca do pre di le to. Mais lhe com prá va mos do que ven día mos.

O im pe ri a lis mo bra si le i ro nun ca exis tiu de fato: nem o so be ra no era um guer re i ro, nem a clas se mi li tar pre pon de ra va na po lí ti ca na ci o nal,

196 Pe dro Calmon

339 ALBERTO DE FARIA, Mauá, p. 296, Rio, 1926.340 H. D., Ensa yo de His to ria Pá tria, p. 606, Mon te vi déu, 1923.

nem con cor da vam os par ti dos cons ti tu ci o na is numa in ter ve nção sis te -má ti ca no rio da Pra ta. De D. Pe dro II dis se Ri bey rol les: “Ja ma is vi e il letête de roi fut-elle plus tran quil le...”.341 Ro sas de sa fi ou por mu i to tem po oImpé rio. Qu an do o Pa ra guai, cu jas for ças ar ma das so ma vam 80 mil ho -mens dis ci pli na dos por ins tru to res in gle ses, ale mães e até bra si le i ros, de -cla rou guer ra ao Bra sil, o nos so exér ci to era de 15 mil ho mens dis se mi -na dos pelo país. Ape nas a ma ri nha era pu jan te: po rém só no de cur sodes sa guer ra de 1864–70 ad qui riu o Impé rio mo ni to res flu vi a is e na vi osen cou ra ça dos, em re for ço das fra ga tas de ro das, que não po de ri am re sis tir a po de ro sa ar ti lha ria das for ta le zas ini mi gas. O mi li ta ris mo não en -con tra ra am bi en te no Bra sil, onde a aris to cra cia era agrí co la e a in de pen -dên cia e su a vi da de dos cos tu mes se opu nham à vida se ve ra da ca ser na.Além dis so, os re cru ta men tos, que da ta vam das ex pe di ções de so cor ro à Co lô nia do Sa cra men to, em 1703, ti nham im po pu la ri za do a car re i radas ar mas nas clas ses in ter me diá ri as. No re gi me co lo ni al, nada fi ze ra o go -ver no para mo di fi car a si tu a ção. Com os pos tos de or de nan ças cri a ra umvas to cor po de ofi ci a is ho no rá ri os, que eram os se nho res de en ge nhoe os fa zen de i ros, sa tis fe i tos na sua va i da de, con ten tes dos seus ga lões,por isso in fen sos a qual quer ou tro ser vi ço mi li tar. O im pé rio de sen vol veu o gos to pelo uni for me, or ga ni zou um exér ci to e uma ar ma da nos mol deseu ro pe us, deu-lhes es co las es pe ci a is, mas não che gou a for mar uma“clas se” se não de po is da guer ra do Pa ra guai, que foi um vi o len to ape loàs for ças vi vas da na ção e im pres si o nou-lhe to das as fi bras. A Gu ar daNa ci o nal, mu i to mais nu me ro sa do que o exér ci to, ten do su ce di do àsan ti gas or de nan ças, em 1831, era a ne ga ção de “clas se”, por que nelami li ta vam to dos os ci da dãos.

O PA RA GUAI

O Pa ra guai, com a mor te do Dr. Fran cia, “El Su pre mo”, pas -sa ra à pre si dên cia de Car los Anto nio Lo pez, cujo fi lho, Fran cis co So la noLo pez, em 1855 fora em mis são à Fran ça. Jo vem, am bi ci o so, in te li gen te, o 2º Lo pez vol tou im bu í do das idéi as fran ce sas quan to a or ga ni za çãomi li tar, ao es plen dor do go ver no pes so al, ao es pí ri to na po leô ni co.No me a do mi nis tro da Gu er ra de seu pai, tra tou de cri ar no seu país um

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 197

341 CHARLES RIBEYROLLES, Bra sil Pi to res co, I, 139, Rio, 1859.

exér ci to for mi dá vel. Mor reu o ve lho Lo pez em 1862 e her dou-lhe ogo ver no o fi lho, como di ta dor e ma re chal da na ção pa ra gua ia. Cor po ri fi -cou o so nho gran di o so. Já no go ver no do pri me i ro Lo pez, uma mis sãode ofi ci a is bra si le i ros de ar ti lha ria ins tru í ra os ofi ci a is pa ra gua i os; o novo pre si den te con vo cou en ge nheiros e téc ni cos de vá ri as pro ce dên ci as,apa re lhou as for ta le zas de Hu ma i tá, Cu ruzu e Cu ru pa i ti, que tor na vamim pos sí vel a su bi da do rio Pa ra guai para Assun ção, or ga ni zou uma fro ta flu vi al de oito va po res mo der nos, mon tou óti mas ofi ci nas me ta lúr gi caspara fun di ção de ca nhões e fa bri co de ar ma men tos, na pre vi são de umblo que io que iso las se a Re pú bli ca... Tal vez na Amé ri ca do Sul, de po is da fun di ção de Pon ta de Are ia, no Rio, não hou ves se ou tras com pa rá ve is às de Ibi cuí e do ar se nal de Assun ção. O Pa ra guai acha va-se pron to para aguer ra – a sua gran de aven tu ra – quan do o Uru guai, em 1864, mais uma vez sus ci tou a in ter fe rên cia bra si le i ra. Foi o pre tex to.342

A CAM PA NHA DOS CIN CO ANOS

De sen ca de a ra-se a guer ra ci vil en tre Aguir re e Flo res. Este era ami go, aque le, hos til ao Bra sil. Nu me ro sos ve xa mes so fri dos por bra si le i -ros re si den tes na Re pú bli ca de ter mi na ram uma de mons tra ção mi li tar,pu ni ti va. Era uma ques tão en tre o Uru guai e o Bra sil e pren dia-se a qua -ren ta anos de his tó ria di plo má ti ca.343 Se o go ver no im pe ri al, em 1861,não se de ci dis se àque la ati tu de, tro ços ir re gu la res do Rio Gran de do Sulagra va ri am a si tu a ção, ten tan do, com as pró pri as mãos, vin gar mor tes de bra si le i ros no país vi zi nho. Foi a fa ta li da de de uma po lí ti ca de in ter ven ção;o des ti no da fron te i ra seca. A Argen ti na não a es tra nhou, mas Fran cis co So la no Lo pez, cor ren do em au xí lio de Aguir re, tan to que Pa i san du foito ma da e o exér ci to im pe ri al en trou em Mon te vi déu, achou aza do omo men to para agir. Sem pré via de cla ra ção de guer ra apre sou, em águasdo rio Pa ra guai, o va por Mar quês de Olin da, a cujo bor do vi a ja va o pre si -

198 Pe dro Calmon

342 Insus pe i to au tor diz que ao apre sar o na vio bra si le i ro Mar quês de Olin da ex cla -ma ra Lo pez: “Se não pe gar mos ago ra, te re mos de ir às mãos com o Bra sil emou tro mo men to me nos fa vo rá vel para nós! PELHAM HORTON BOX, LosOri gi nes de la guer ra del Pa ra guay , p. 233, trad. de P. Ynsfran, Assun ción, 1936.

343 Vd. so bre a ori gem pró xi ma do con fli to, EDUARDO ACEVEDO, Aná lesHis to ri cos del Uru guay, III, 107, Mon te vi déu, 1933.

den te de Mato Gros so, co ro nel Fre de ri co Car ne i ro de Cam pos – e dis -pôs-se a in va dir com um cor po de exér ci to a fron te i ra bra si le i ra.

∗ ∗ ∗

Ime di a ta men te após a de cla ra ção de guer ra, o go ver no pa ra -gua io fez in va dir Mato Gros so por uma ex pe di ção de mais de 3 milhomens, e, atra vés de Cor ri en tes, ini ci ou a mar cha uma di vi são de 11 milso bre o Rio Gran de do Sul. Ne nhu ma das duas pro vín ci as se pre vi ni racon tra a agres são. Por isso che ga ram os in va so res, de um lado até Co rum -bá, do ou tro até Uru gua i a na, le van do de ven ci da a frá gil re sis tên cia lo cal.

Ve ri fi ca va-se, pela pri me i ra vez de po is da épo ca bri lhan te de D.Luiz de Albu quer que, no sé cu lo an te ri or, que as fron te i ras me ri di o na is deMato Gros so não se li ga vam aos cen tros de po vo a men to por es tra das, quelhes le vas sem fa cil men te o so cor ro das guar ni ções do nor te, e tudo era des -co nhe ci do na que las re giões ala ga di ças, onde cor ri am os rios Apa e Mi ran da.

A ex pe di ção que par tiu de S. Pa u lo, para cor tar o ca mi nho aos pa ra gua i os, co man da da pelo Co ro nel Ca mi são, foi imo la da à pes te, àfome, à fa di ga, re ti ran do so bre Cu i a bá – a re ti ra da da La gu na – ví ti ma daimpre ci são dos co nhe ci men tos ge o grá fi cos. Mas de Uru gua i a na, osatacantes não pas sa ram, na sua in cur são pelo Rio Gran de. A gen te gaúchadeu os con tin gen tes vo lan tes que fi ze ram a van guar da de um exér ci tona ci o nal, que pôs cer co aos pa ra gua i os na que la ci da de, cor ta da a co mu -ni ca ção no rio Uru guai por bar cas ar ti lha das, que im pe di ram se jun tas sea Esti gar ri bia (co lu na van guar de i ra) o Ma jor Du ar te (re ta guar da). D. PedroII e seus gen ros (con de d’Eu e du que de Saxe) qui se ram pre si dir àsopera ções. O go ver no im pe ri al exi gi ra de to dos os pre si den tes de pro -vín ci as a con vo ca ção da guar da na ci o nal, o en ga ja men to de ba ta lhões de “vo lun tá ri os da pá tria”, a re mes sa das po lí ci as. De sen vol veu-se em todoo país um en tu si as mo mar ci al sem pre ce den tes. So men te a Ba hia en vi ou para o campo da luta 18 mil ho mens, se guin do-se a Cor te (11.467),Pernambuco (7.136), o Ce a rá (5.648), a pro vín cia do Rio (7.851), S. Paulo(6.504), o Rio Gran de do Sul (4.483)... num to tal de 91.218 ho mens,quan tos de dez pro vín ci as mar cha ram.344

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 199

344 Da dos es ta tís ti cos do Dr. NOGUEIRA JAGUARIBE.

A guerra seria sem mais tardança ganha pelo Brasil, se ela selimitasse aos corpos expedicionários e à ação da esquadra. Estigarribia e o Major Duarte renderam-se, com todos os seus soldados, e a frotaparaguaia foi destruída pela armada brasileira em Riachuelo (11 dejunho de 1865). Sem marinha, Lopez não podia evitar o bloqueio; ehavia de aceitar a guerra dentro de seu território.

Tri un fo pre li mi nar, con se gui ra a di plo ma cia bra si le i ra o tra tado de 1º de maio de 1865, ou de “trí pli ce ali an ça”, co li gan do a Argen ti na, o Uru guai e o Impé rio na cam pa nha con tra o go ver no de Assun ção.

O desenvolvimento posterior da luta – prolongada por tantotempo em virtude da desesperada resistência de Lopez e das excelentesposições em que se entrincheirou – não foi mais de jeito a fazer duvidardos seus destinos.

Um exército de 40 mil soldados invadiu o território paraguaio,infligiu ao exército inimigo o grande revés de Tuiuti (24 de maio de 66), onde se fixou, enquanto o 2º grupo (do conde de Porto Alegre), subia embarcadoo rio Paraguai, e, com o auxílio da esquadra, tomava Curuzu e atacavaCurupaiti. Esse assalto malogrou-se e caro custou aos aliados, queacamparam diante da praça forte. Assumiu o comando em chefe o marquêsde Caxias (18 de outubro de 1866). Operou uma marcha de flanco, e aesquadra, que se robustecera com navios encouraçados e próprios para anavegação fluvial, passou debaixo dos fogos de Curupaiti e Humaitá.Assunção rendeu-se. Atravessou o exército o Chaco, para cair à retaguardadas formidáveis posições inimigas das Lomas Valentinas, derrotousucessivamente o exército de Lopez em Itororó, Avaí, Angustura – e forçouo ditador a abrigar-se nas montanhas com os restos das suas forças. Era aterceira fase da guerra: a perseguição. Ultimou-a o marechal conde d’Eu.

Alcançado em 1º de março de 1870 às margens doAquidaban-nigui, morreu Lopez, com a espada em punho.345

200 Pe dro Calmon

345 Não é ver da de que fos se in ten ção do Impe ra dor con clu ir a guer ra com a mor tedo ma re chal Lo pez. Indig nou-o até a pri me i ra no tí cia so bre o fim trá gi co do pre -si den te pa ra gua io, que, re al men te, não pen sou em ren der-se. Em ofí cio con fi den -ci al ao vis con de do Rio Bran co, de 4 de abril de 1870, o ba rão de Mu ri ti ba de cla -rou: “Ao Cabo Chi co (in di gi ta do ma ta dor) não quer o Impe ra dor con sen tir que se dêem hon ras mi li ta res ao me nos en quan to não se de sa pa re ce rem as sus pe i tas aque me re fe ri.” (Cit. por PINHEIRO GUIMARÃES, Um Vo lun tá rio da Pá tria, p.178, Rio, 1936). O pon to de vis ta do Impé rio, des de 1867, fora a paz an te ce di dada sa í da de Lo pez do Pa ra guai. Ele re cu sou essa úni ca so lu ção, na en tre vis ta deIa ta i ti-Corá, com o Ge ne ral D. Bar to lo mé Mi tre.

Um lus tro de guer ra tão por fi a da ha via de in flu ir gran de mentenos des ti nos do Impé rio; e in flu iu.

O Bra sil, gra ças à sua ca pa ci da de eco nô mi ca, re com pôs emdez anos as fi nan ças aba la das, pois des pen de ra mais de 600 mil con tos.As suas for ças ar ma das ob ti ve ram, pela po pu la ri da de dos seus ge ne ra is,um pres tí gio novo: ve re mos como foi o len to cer ce a men to des se pres tígioque pre ci pi tou a que da da mo nar quia. O Impé rio dis pu nha da he ge moniasul-americana, da qual não sou be abu sar, li mi tan do-se a con so li dar assuas fron te i ras his tó ri cas. Mas im por ta ra do rio da Pra ta no vas idéi as,no vas ten dên ci as, as pi ra ções no vas. Entre 1870 e 1889, de ze no ve anosde ebu li ção dou tri ná ria, hou ve o des gas te gra du al dos par ti dos po lí ti cos, uma maré mon tan te de de mo cra cia, a de si lu são dos jo vens mi li ta rescon de na dos à vida me dío cre e à es tre i te za dos qua dros dos tem pos depaz, em con tras te com as car re i ras ver ti gi no sas que se fi ze ram no Pa ra -guai (uma das ca u sas, apon tou Cris ti a no Oto ni, do des con ten ta men toque la vra ra no exér ci to às vés pe ras da Re pú bli ca).

Foi a im pa ciên cia, como mal-estar pre nun ci a ti vo do dis sí dioen tre o exér ci to e o go ver no, a ir ri ta ção da clas se mi li tar, que acu sa va ospo lí ti cos do sa cri fí cio do exér ci to com a ma i or pros pe ri da de da bur guesia,a in di fe ran ça des ta pela sor te das ins ti tu i ções – que ar ma ram o am bi en te às agi ta ções dos úl ti mos anos do Impé rio. Po rém a en tra da de ca pi ta ises tran ge i ros, ani ma dos pe las con ces sões do go ver no im pe ri al, e a ori en -ta ção que este se guiu, de su prir as de fi ciên ci as ma te ri a is que a guer ra doPa ra guai mos tra ra, fo ram os me lho res re sul ta dos eco nô mi cos de umaluta tão am pla e san gren ta, que nos con su miu 50 mil vi das.346

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 201

346 Ver, para com pre en são de toda a cam pa nha, a His tó ria da Gu er ra do Pa ra guai, deOTÁVIO PEREIRA DE SOUZA, Rev. do Inst. Hist. Bras., vol. 156 (1929) e acom ple ta His tó ria da Gu er ra da Trí pli ce Ali an ça, do Ge ne ral TASSO FRAGOSO, 5 vols., (1935). Não in di ca mos ou tras fon tes, por de ma is co nhe ci das.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XXA Po lí ti ca Bra si le i ra do 1º Re i na do e da

Re gên cia – Evo lu ção De mo crá ti ca

A or ga ni za ção po lí ti ca do Impé rio ti nha por base ave lha mu ni ci pa li da de, re sul tan te tan to das ins ti tu i ções por tu gue sas, quepara cá se trans plan ta ram, como dos fa to res so ci a is-geográficos do Bra sil.

A Cons ti tu i ção de 25 de mar ço de 1824, que o im pe ra doroutor gou, belo do cu men to de li be ra lis mo do tipo frân ces, ins pi ra do por Ben ja min Cons tant, cujo quar to po der, o mo de ra dor, exer ci do pelosobe ra no, foi o Bra sil o pri me i ro Esta do a ado tar – não re fle ti ra o meio,nem as ten dên ci as da evo lu ção na ci o nal.

Esta be le ce ra uma na ção uni tá ria, quan do ela se ma nis fes ta rades cen tra li za da em todo o seu de sen vol vi men to. Pou co sen ti mentoeconô mi co, dal to nis mo po lí ti co, mi me tis mo e pre o cu pa ção de con ce i tos “da moda”, li te rá ri os – in qui na ram a Cons ti tu i ção da mo nar quia de uma im per fe i ção fun da men tal, cor ri gi da no cor re dor do tem po pela revi sãode 1834 e pe las leis or di ná ri as, como as de 1832, 1841, 1847, 1880 e1888.

O re gi me po lí ti co se ria ine vi ta vel men te aque le par la men ta rismobri tâ ni co, para a qual ten dia o Le gis la ti vo bra si le i ro, no seu per ma ne ntecon fli to com os Po de res Exe cu ti vo e Mo de ra dor.

Re al men te, an tes da re form ra de 1847, que cri ou a fi gu ra dopre si den te do con se lho de mi nis tro, a mo nar quia era im pli ci ta men te par la -men tar – da das as atri bu i ções que ti nha o im pe ran te, de dis sol ver aCâmara, as am plas fun ções des ta e a res pon sa bi li da de, pe ran te ela, dosmi nis tros da Co roa.

O im pul so para a for ma in gle sa do Par la men to deu-o, em1826, Ber nar do de Vas con ce los, pro pon do que com pa re ces sem osminis tros às dis cus sões da Assem bléia, não ape nas para apre sen tar aspro pos tas do go ver no.347 Com os atri tos e que re las en tre a Câ ma ra e oGo ver no, a ín do le in gle sa do sis te ma se acen tu ou, num cre scen te re le vo. A for ma uni tá ria do Esta do, po rém, em con tras te com o fato do cres ci -men to e da ci vi li za ção do país, não pôde ser que bra da sem a que da dotro no. Em par te a ab di ca ção de D. Pe dro I pren deu-se ao mal-estar daspro vín ci as, con se qüen te ao re gi me de 25 de mar ço de 1824. O Ato Adi -ci o nal con sa grou o fe de ra lis mo mo de ra do, que lhes per mi ti ria desen vol -ver, em har mo nia com o po der na ci o nal, to das as suas for ças eco nô mi -cas e hu ma nas.

A DE MO CRA CIA E O ABSO LU TIS MO

Entre 3 de maio de 1826, quan do se re u niu o par la mento,inau gu ran do a pri me i ra le gis la tu ra, e 7 de abril de 1831, fim do re i na do,o cho que das cor ren tes ad ver sá ri as, na po lí ti ca bra si le i ra, se deu naCâma ra e no Se na do.

De co me ço o im pe ra dor jul ga ra dis pen sá vel a co la bo ra çãodos par la men ta res no go ver no e li mi ta ra-se a lhes pe dir leis: os có di gosju di ciá ri os, mu ni ci pal, cri mi nal. Isto até 20 de no vem bro de 1827. ACâ ma ra apro va ra a in di ca ção de Vas con ce los (em 9 de agos to de 1826)para que as sis tis sem aos de ba tes par la men ta res os mi nis tros, e sen ti ra ogo ver no a ne ces si da de de am pa rar-se aos pró pri os ora do res, que pas sa -vam a exer cer di re ta, as sí dua fis ca li za ção dos ne gó ci os ad mi nis tra ti vos.A Câ ma ra, ven do-se me nos pre za da, pa gou a im pe ri al in di fe ren ça com acen su ra elo qüen te, as im per ti nên ci as das co mis sões e de vá ri os de pu ta doscuja in te li gên cia lhes gran ge a ra ex cep ci o nal pres tí gio, o jul ga men to se ve ro

204 Pe dro Calmon

347 BERNARDO DE VANCONCELOS, Car ta aos srs. ele i to res da pro vín cia de Mi nasGe ra is, p. 16, 2ª ed.

dos mi nis tros da Co roa. A fim de ama i nar a tem pes ta de, cha mou D. Pe dro Ina que le dia, para seus mi nis tros, três de pu ta dos. Insti tu ía a prá ti ca de as -so ci ar-se o par la men to ao go ver no e fa zer-se este de pen den te da que le:cer ta men te o novo ga bi ne te se man te ria en quan to con tas se com a ma i o -ria le gis la ti va. Mas não era o im pe ra dor ho mem de cin gir-se à me di o cri -da de das suas fun ções de rei cons ti tu ci o nal. De po is da guer ra das Pro -vín ci as Uni das, sem pre vis ta com in qui e ta ção e an ti pa tia pelo Par la men to,abri ra-se a ques tão por tu gue sa, e a opo si ção se pre va le ce ra do de sas sos -se go ge ral para ver be rar as tran sa ções fe i tas ou pro je ta das pelo Impé riocom o par ti do da Ra i nha D. Ma ria II. O ga bi ne te, cuja prin ci pal fi gu raera José Cle men te Pe re i ra, caiu pela pres são e es cân da los des sas crí ti cas.O Impe ra dor ir ri ta va-se. Em 1828 co me ça ra Ber nar do Pe re i ra de Vas -con ce los a evan ge li za ção li be ral em Mi nas: con tra o au to ri ta ris mo dopo der su pre mo, con tra os cer ce a do res da von ta de po pu lar, con tra os“con ser va do res”. De fato, era a tor ren te fi lo só fi ca da Inde pen dên ciaque con ti nu a va a cor rer; sen tia-se in com ple ta a Inde pen dên cia, es que ci -das as pro mes sas na ci o na lis tas do Impe ra dor, o ho ri zon te (as sim era naEu ro pa), pe ja do de ame a ças ab so lu tis tas. Em to dos os atos de D. Pe dro Ipres sen tia aque la opo si ção uma ten ta ti va de dis tra to cons ti tu ci o nal. Ames ma tre pi da ção es ten dia-se ao nor te e ao sul, des per tan do, no seusono, a ma ço na ria po lí ti ca, o fe de ra lis mo, o re pu bli ca nis mo. Nem D. Pe dro, nem a Câ ma ra ce di am. Encer ra ra o im pe ra dor a ses são de 1829, pro fe -rin do ape nas es tas pa la vras: “Au gus tos e dig nís si mos re pre sen tan tes daNa ção Bra si le i ra, está en cer ra da a ses são.” Em de zem bro de 1829 lem -brou-se de pe dir ao mar quês de Bar ba ce na – che io de in fluên cia porduas fe li zes mis sões em que fora à Eu ro pa, para le var D. Ma ria II e paratra zer a nova im pe ra triz, D. Amé lia de Le uch ten berg – para for margo ver no. Foi o pri me i ro ga bi ne te or ga ni za do por um mi nis tro, en car re -ga do de con vi dar os de ma is. Bar ba ce na go ver nou pru den te e lu ci da -men te, com o agra do dos de pu ta dos e a con fi an ça das pro vín ci as. Coma de por ta ção do “Cha la ça”, se cre tá rio pri va do do im pe ra dor, aca ba racom o “ga bi ne te se cre to”, como era cha ma do a roda de fâ mu los por tu -gue ses, cuja con vi vên cia com pra zia a D. Pe dro...

Mas os pla nos do im pe ra dor eram ou tros. Ou vin do as de núncias, que de Lon dres lhe man dou o “Cha la ça”, so bre as gran des des pe sas feitaspor Bar ba ce na nas suas mis sões à Eu ro pa, re sol veu de mi ti-lo para que,

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 205

fora do mi nis té rio, pro vas se a apli ca ção de im por tan tes quan ti as. O moti vo era mes qui nho. De fato, a re ti ra da do po de ro so ti tu lar ali e nou a to le rân -cia par la men tar.

Ocor re ra, nos en tre men tes, a re vo lu ção de ju lho, em Pa ris,com a ex pul são dos Bour bons e o ad ven to de Luiz Fe li pe. Esta va-se emple no ro man tis mo po lí ti co. Das se di ções li be ra is. Caíra Wel ling ton naIngla ter ra. D. Mi guel, fal to des se apo io for mi dá vel, ca iria em Por tu gal.De sa pa re ce ra, na con fu são dos acon te ci men tos, a San ta Ali an ça. D. Pedroven cia a par ti da, por que era um dos pou cos mo nar cas re al men te cons ti -tu ci o na is; a vi tó ria sor ria-lhe na Eu ro pa. Jul gou, as sim, po der ven certam bém o ja co bi nis mo nas cen te no Bra sil, a in dis po si ção dos pa tri o tas e a pre ven ção, cada vez ma i or, da pro vín cia de Mi nas Ge ra is. Não o con -se guiu; Mi nas não ele geu o pró prio mi nis tro do Impé rio que acom pa -nhou o im pe ra dor na sua vi a gem às mon ta nhas – vi a gem im po pu lar eme lan có li ca, que pro du ziu re sul ta dos con trá ri os aos que ob ti ve ra ele em 1822. Por toda a par te o aco lhe ram a fri e za, o sus to, a in di fe ren ça ou ahos ti li da de dos mi ne i ros. Em Ouro Pre to, si nos do bra ram afi na dosquan do se avi zi nha vam o cor te jo... Era em me mó ria do jor na lis ta Lí be ro Ba da ró, as sas si na do em S. Pa u lo, di zia-se que a man do do im pe ra dor...

ABDI CA ÇÃO DO IMPE RA DOR

De re gres so à Cor te, os por tu gue ses ilu mi na ram as ruas, fes -te jan do a suas ma jes ta des. Os bra si le i ros pro tes ta ram con tra as lu mi ná ri as, in ves tin do os ma ni fes tan tes. Foi uma no i te trá gi ca, a das “gar ra fa das”,13 de mar ço de 1831. Ecos das bri gas, as sal tos e tu mul tos che ga ram a S. Cris tó vão. O Mi nis té rio mos tra va-se dé bil e as sus ta dís si mo; se riain ca paz de man ter a or dem.

Tal vez, já en tão, aca ri ci as se D. Pe dro a idéia, que se lhe mete ra no cé re bro des de 1829, de aban do nar o Bra sil, para com ba ter o ir mão eres ta u rar o tro no da fi lha, em Por tu gal. Pelo me nos ele agiu, des de 13 de mar ço, como se obe de ces se a esse pla no.

O Bra sil di vi diu-se em duas fac ções ir re con ci liá ve is: a ma i or,naci o na lis ta, exal ta da men te li be ral, mo vi da pe los che fes ma çô ni cos e pelosauto no mis tas pro vin ci a is, iria até às ar mas para res ta be le cer uma si tuaçãoqua se re pu bli ca na. Em 5 de abril, po rém, D. Pe dro de mi tiu os mi nis tros, que se mos tra vam fra cos, mas to le ran tes, e no me ou, in tem pes ti va men te,

206 Pe dro Calmon

um ga bi ne te todo de cor te sãos, o dos “mar que ses”, fe i to de seus ami gos pes so a is, re pu ta dos pa la ci a nos e re a ci o ná ri os. Pre ci pi ta va a cri se, en fren -tan do-a. O povo le van tou-se. Em 6 de abril jun tou-se no cam po deSant’Ana. A guar ni ção ade riu pa ci fi ca men te. Afi nal pas sou para os re vo -lu ci o ná ri os o go ver na dor das ar mas, Bri ga de i ro Fran cis co de Lima eSilva. Tam bém a guar da de S. Cris tó vão de ser tou. No i te ve lha, o Ma jorMi guel de Fri as le vou ao Impe ra dor a in ti ma ção do povo, para quedemi tis se os “mar que ses” e, cha man do os mi nis tros des pe di dos em 5 de abril, de cre tas se me di das de fran co bra si le i ris mo.

D. Pe dro po dia tran si gir e agüen tar-se, por que aos in sur re tosfal ta vam um pro gra ma de go ver no e ho mens, que pre ten des sem subs ti tu iro so be ra no. Mas o seu im pe tu o so gê nio não en con trou ou tra so lu ção:apres sa da men te es cre veu a sua ab di ca ção à Co roa em fa vor do fi lho, ope que no D. Pe dro de Alcân ta ra, de 5 anos, e a en tre gou ao Ma jor Fri as.Re nun ci a ra; de via ime di a ta men te se guir vi a gem. Embar cou, com a mu -lher, a fi lha, D. Ma ria II, al guns fi dal gos e cri a dos por tu gue ses, na an te -ma nhã de 7 de abril. A nau in gle sa Vo la ge le vou-o à Ingla ter ra.

Re u ni dos no Se na do, os re pre sen tan tes da na ção ele ge ramuma re gên cia pro vi só ria (Lima e Sil va, Ver gue i ro e Ca ra ve las), quegover na ria o Bra sil em nome do Sr. D. Pe dro II, im pe ra dor me nor.

Dir-se-ia que a na ção se as se nho re a ra dos seus des ti nos.

EXPE RIÊN CIA RE PU BLI CA NA

A luta en tre o es pí ri to na ci o nal, exa ge ra do até o ja co bi nis mo,e o es pí ri to co lo ni al, exa ge ra do até o des po tis mo, des po jou o re gi me doseu in vó lu cro por tu guês e lhe de fi niu a men ta li da de in dí ge na e a cul tu raeu ro péia: foi, no sé cu lo XIX, o du a lis mo, san gren to e dra má ti co, co -mum aos pa í ses sul-ame ri ca nos.

A mo nar quia, de es ti lo ve lho, uni tá ria, pes so al, fun da da so breos vo tos mu ni ci pa is, po rém igual men te so bre os des tro ços da ma ço na ria,do re pu bli ca nis mo e do fe u da lis mo, que fo ram os ide a is do mi nan tes em1820 e 1821, não con se gui ria ju gu lar, nas pro vín ci as, a re vol ta in te lec tu al.O im pe ra dor en fren tou-a, com a vi o lên cia dos seus pro ces sos de go ver no;ela lhe der ru bou o tro no. Esta va-se na era da so ci e da de se cre ta. A re vo -lu ção de 1830, em Fran ça, der ra ma ra so bre o Bra sil os exem plos da

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 207

in sur re i ção po pu lar, com a de mo cra cia e as idéi as li be ra is que aqui, queem todo o mun do, fi ze ram “moda” (re co nhe cia-o o pró prio D. Pe dro Ino ma ni fes to de Ouro Pre to, em 1831) e la vra ram, in cen di an do. A im -pren sa, sem pe i as, vi ru len ta, a imi tar o Re pu bli co, que se edi ta va no Rio, in ju -ri a va a di nas tia, os po lí ti cos con ser va do res, as au to ri da des, e pre ga va osis te ma ame ri ca no. A im pren sa açu lou, pre ci pi tou, con du ziu os acon te -ci men tos, co man da da por Eva ris to da Ve i ga, que na Au ro ra Flu mi nen secons tru ía a sua dou tri na po lí ti ca, as so ci a do a Ber nar do de Vas con ce los,que en car na va a opo si ção de Mi nas Ge ra is, apo i a do pela ação ma çô ni cae li be ral em S. Pa u lo, na Ba hia e em Re ci fe.

As ca u sas eco nô mi cas da Abdi ca ção não eram cla ras.Em 1830–31 a sen ti men ta li da de po lí ti ca, ga lho do ro man tismo

fran cês en xer ta do na ár vo re in dí ge na, via so bre tu do idéi as. À su persti çãodo na ci o na lis mo – con tra a ori en ta ção por tu gue sa e eu ro péia da po lí ti ca ex te ri or do Impé rio de po is de 1828 – se se gui ra a su pers ti ção de mo crá -ti ca. Entre tan to, re sol vi da a cri se pelo êxi to do im pe ran te, nem o fe de ra -lis mo se fez, nem se ins ti tu iu a de mo cra cia. A Abdi ca ção foi por issocha ma da de jour née des du pes; ina u gu rou e en cer rou uma fase de ten ta ti vas e ex pe riên cia po lí ti ca, que ha via de ter mi nar na acla ma ção pre ma tu ra do se gun do im pe ra dor, isto é, no “re gres so.”

Ope rou-se, ime di a ta men te, a re a ção con ser va do ra, como se apá tria es ti ves se em pe ri go.

A so ci e da de, alar ma da pela ide o lo gia re vo lu ci o ná ria (tam bémaca tó li ca e an ti bur gue sa, por que o ja co bi nis mo se in sur gia con tra o altoco mér cio, na sua ma i or por ção por tu gue sa), te meu a re pe ti ção dosdesas tres do rio da Pra ta e se ar mou con tra a dis so lu ção na ci o nal, cor rendo em so cor ro da or dem, em bo ra essa or dem não fos se mo nár qui ca. Tan to a re gên cia pro vi só ria como a per ma nen te, que lhe su ce deu, ele i ta peloparla men to em 17 de ju nho de 1831 (Lima e Sil va, Cos ta Car va lho e JoãoBráulio Mu niz), não ex pri mi am os sen ti men tos ex tre ma dos da propagandaan ti mo nár qui ca. Os seus mem bros eram os de le ga dos do exército, uni ta ris -ta por ex ce lên cia, da aris to cra cia, mo nar quis ta, e da bur gue sia agrí co lafa ná tica da dis ci pli na so ci al. Eles fi ze ram de Eva ris to da Ve i ga, con ver tido à“con ser va ção”, para ob vi ar à “des tru i ção o seu agen te po lí ti co, di ría mos o le a der, pela pru dên cia, ta len to, es tra té gia; e tive ram no Se na do, que por ser vi ta lí cio re u nia ain da de vo ta dos ami gos de D. Pe dro I, o re du to inex -

208 Pe dro Calmon

pug ná vel da or dem an ti ga. Em 1831 a Câma ra ela bo rou o seu pro je tode re for ma cons ti tu ci o nal, que abo lia a vi ta li ci e da de do Se na do e davaau to no mia às pro vín ci as. O Se na do não apro vou o pro je to, ni ti da men tefe de ra lis ta. Hou ve mis ter de re cor rer-se ao gol pe de Esta do, quedestrui ria o Se na do; o gol pe fa lhou.

Até 30 de ju nho de 1832, quan do o gol pe de Esta do fra cassou,o go ver no do Bra sil, in cli na do às con tem po ri za ções com a in qui e ta çãode mo crá ti co-republicana, po rém cada vez mais enér gi co em face dassuces si vas re vol tas mi li ta res, que pre ten di am es cla re cer a si tu a ção e for -çá-lo a ace i tar, em to das as con se qüên ci as, o pro gra ma dos ex tre mis tas,con so li dou o res pe i to às ins ti tu i ções. Foi-lhe para isto de de ci sivaimpor tân cia a cri a ção, em 18 de agos to de 1831, da Gu ar da Na ci o nal,mis ta de ci vil e mi li tar, fiel às au to ri da des, au xi li ar do exér ci to e, pos si -vel men te, subs ti tu ta dele, em dias in cer tos de agi ta ção. Mas a re gên cia eos seus mi nis tros, en tre es tes o da jus ti ça, o Pa dre Di o go Antô nio Fe i jó,que se dis tin gui ra como im pla cá vel man te ne dor da or dem pú bli ca naCor te, con si de ra ram im pos sí vel o go ver no, e in de be lá ve is as crisessuper ve ni en tes, agra va das pela exis tên cia de um par ti do res ta u ra dor, dos sectá ri os de D. Pe dro I, sem a trans for ma ção do par la men to emConven ção, ti ran do-se ao Se na do aque la vi ta li ci e da de, que o sin gu la rizava en tre as for ças cons ti tu ci o na is.

Foi o gol pe de 30 de ju lho.A cons ciên cia con ser va do ra da Câ ma ra re a giu em tem po de

re pe lir a pro pos ta de Con ven ção, de po is de lan ça do o ar dil dos re gen tes, qual o da sua de mis são con jun ta, a exi gir do Le gis la ti vo ex cep ci o na isprovi dên ci as. Os de pu ta dos mi ne i ros, que de ci di ri am a si tu a ção, recua ramno momen to pre ci so, em que todo o fu tu ro po lí ti co de pen dia da dis soluçãodo Se na do; te ve-se medo à aven tu ra. Fe i jó, der ro ta do, exonerou-se. Vol ta riaao po der em 1835.

Entra ram em acor do as par tes de sa vindas. As ele i ções de1833 de ram ma i o ria ab so lu ta aos li be ra is. José Bo ni fá cio, tu tor de D.Pedro II, che fe os ten si vo do par ti do res ta u ra dor ou “ca ra mu ru”, foides ti tu í do do car go, e con fi na do na ilha de Pa que tá. As ur nas tor na ramdes ne ces sá ria e re vo lu ção bran ca.

Uma Câ ma ra em que pre do mi na vam os “abri lis tas” vo tou oAto Adi ci o nal (24 de agos to de 1834), que con ser va va a vi ta li ci e da de do

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 209

Se na do, mas con ce dia às pro vín ci as uma au to no mia ra zoá vel, fi can doelas com a sua Assem bléia le gis la ti va, a sua vida fi nan ce i ra, a sua po lí cia.

Os li be ra is, che fi a dos por Eva ris to, tri un fan te, com ple ta ram ata re fa, fa zen do re gen te. Fa le ce ra em Lis boa (24 de se tem bro de 1834)D. Pe dro I. De sa pa re cia com ele a fac ção res ta u ra do ra. Trans for mou-seem fac ção con ser va do ra. Ain da em 1835 eram ex tin tos os mor ga di os, eabo li das as res tri ções tra di ci o na is à li vre di vi são da ter ra. Ca i ru, o eco no -mis ta de 1808, o ho mem que des co bri ra ao Bra sil Adam Smith, opôs-se,no Se na do, à ex tin ção dos mor ga di os: era a mo nar quia aris to crá ti ca que se ba nia do Impé rio. So men te os pri vi lé gi os da pri mo ge ni tu ra po de ri amcon ser var uma no bre za ter ri to ri al he re di tá ria, se nho ra da gle ba.

Cairu foi ven ci do.Por isso ao se gun do re i na do fal tou, ape sar do seu re gi me de

fe i tio in glês, a ca rac te rís ti ca das mo nar qui as eu ro péi as, qual uma fi dal -guia-proprietária, a so li di fi car, com a con ti nu i da de, a hi e rar quia.

O can di da to de Eva ris to à re gên cia una foi Di o go Antô nio Fe i jó.

FE I JÓ

Os ad ver sá ri os de Fe i jó não con se gui ram opôr-lhe um nome,que con gre gas se os gru pos mo de ra do, con ser va dor e re a ci o ná rio, cu josprin ci pa is di ri gen tes eram Cos ta Car va lho, Ho lan da Ca val can ti e osAndra das.

A re gên cia tri na de sa pa re ce ra pra ti ca men te, em vir tu de dadoen ça de João Bra u lio Mu niz, que o afas ta ra do go ver no, e a te i mo siade Cos ta Car va lho em con ser var-se em S. Pa u lo, alhe io à ad mi nis tra ção,que toda fi ca ra aos om bros do ter ce i ro-re gen te, o Bri ga de i ro Fran cis code Lima e Sil va. Este re pre sen ta va o ele men to mi li tar da Cor te, que ven -ce ra a jor na da de 7 de abril, e sig ni fi ca va, no po der, a de fe sa ar ma da danova or dem de co i sas con tra a es bo ça da re a ção con ser va do ra.

Em 1834, an tes por tan to da de fec ção de Ber nar do deVasconce los, que deu ori gem ao “par ti do do cen tro”, que ha via de vencerpar la men tar men te o go ver no em 37 – Lima e Sil va os ci la va en tre as suas fun ções con su la res e a di ta du ra mi li tar, com que ame a çou os po lí ti cos,caso le vas sem por di an te o pla no da eli te con ser va do ra, de ele ger Ara ú jo Lima para a re gên cia una, cri a da pelo Ato Adi ci o nal.

210 Pe dro Calmon

O epi só dio fi cou nos bas ti do res. Escre ven do ao Co ro nelBen to Gon çal ves, no Rio Gran de, em 20 de ja ne i ro de 34, o Re gen teLima e Sil va acu sa va o Ma re chal Bar re to de so li dá rio com a cons pi ra ção re a ci o ná ria, fe i ta pe los ini mi gos do 7 de abril, des ti na da a ele var aoGover no Pe dro de Ara ú jo Lima, con for me a ca ba la de sen vol vi da porAlme i da Tor res (fu tu ro vis con de de Ma caé) e Ma no el Anto nio Gal vão;e avi sa va ao ca u di lho que no ano se guin te se ria o che fe da re vo lu çãofarrou pi lha, de que não en tre ga ria a re gên cia àque le ad ver sá rio, que a traírano seu mi nis té rio de 3 de agos to – 13 de se tem bro de 32.348

A ame a ça de Fran cis co de Lima e Sil va, de não en tre gar ogover no a um re gen te da fac ção con trá ria aos abri lis tas, na tu ral men tedes vi ou o rumo da po lí ti ca no sen ti do de uma can di da tu ra fran ca men teli be ral – a que se con tra pu se ram ou tras, de tran sa ção ou aco mo da ção.

Até a úl ti ma hora, a can di da tu ra de Cos ta Car va lho era apredi le ta dos ele men tos in ter me diá ri os en tre a es quer da-abrilista e adi reita-retrógrada.349 Mas o nor te não abria mão do nome de Ho lan daCaval can ti. A di vi são dos vo tos im por tou a vi tó ria de Fe i jó; po rém o an ti gomi nis tro da jus ti ça não ti nha pro ba bi li da des de um go ver no se re no e útil.350

Pi sa va-se em um ter re no vul câ ni co. A re vo lu ção con ti nu a va asua ron da.

O dese qui lí brio, pro du zi do em 1831, es ten dia-se às maislongí nquas pro vín ci as, e uma mi lí cia in dis ci pli na da era o re fle xo de umapo lí ti ca vi o len ta. No Pará e no Rio Gran de do Sul es tou ra ram as sedições;em am bas as pro vín ci as é um par ti do que ten ta es ma gar o ou tro.351

Este ape la para as ar mas, e a guer ra ci vil en san güen ta vas tas re giões.Tan to no Pará como no Rio Gran de, a re vol ta se de fi ne, afi nal, re pu -blicana e se pa ra tis ta.

Fa la-se, pela pri me i ra vez, em des con ten ta men to so ci al,pobres con tra ri cos, os ho mens das ci da des, re be la dos con tra a ca res tia

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 211

348 Doc. re ve la do por SOUSA DOCCA, con fe rên cia so bre a ide o lo gia fe de ra lis ta nare vo lu ção far rou pi lha, 20 de se tem bro de 1932, no Inst. Hist.

349 Doc. de Ho nó rio Her me to, cit. por H. LEÃO TEIXEIRA, em conf. no Insti tu toHis tó ri co, 1932.

350 J. A. MARINHO, His tó ria do mo vi men to po lí ti co, etc., p. 31, Rio, 1844.351 Vd. WALTER SPALDING, Far ra pos, 1ª sé rie, p. 15, Por to Ale gre, 1931.

dos gê ne ros e os ne go ci an tes, e tam bém opos tos a aris to cra cia debarões – fa zen de i ros....352 Por ou tro lado, o am bi en te po lí ti co da Cor tese tur va com a re a ção con ser va do ra, que ex plo ra o dis sí dio aber to en trea Igreja e Fe i jó, o en fra que ci men to do go ver no em face dos acon te ci -men tos do ex tre mo nor te e do ex tre mo sul, a cri se fi nan ce i ra, queacom pa nha o pe río do de lu tas, a de fec ção de Vas con ce los, que em 1836se de cla ra por um “par ti do do cen tro”, ou “ter ce i ro par ti do”,353 gê ne sedo “con ser va dor”, e, em 1837, a mor te do Eva ris to, o mais in te li gen te epo pu lar dos co la bo ra do res de fe i jó.

O qua dro do Impé rio, ao mor rer Eva ris to da Ve i ga, ofe re ciaao es tran ge i ro pers pec ti va de in se gu ran ça, con fu são e pes si mis mo, queAlci de d’Orbigny in ter pre ta ra, em 1834, como sen do as mais som bri as.Nem a união na ci o nal es ta va as se gu ra da, nem a so ci e da de pa re cia fir menos seus re cen tes ali cer ces.

Des de 7 de abril de 1831 as “rus gas”, que eram as quar te ladas,os tu mul tos, as tro pe li as, em que se em par ce i ra vam sol da dos e de sor deiros,ame a ça vam o Esta do, va ci lan te. Fo ram no Rio as se di ções de 12 dejulho de 31, 7 e 16 de abril de 32, a “Se tem bri za da” de Per nam bu co, osmo tins da Ba hia, o sa que de Vi tó ria pelo ba ta lhão 26, a ma tan ça dospor tu gue ses em Mato Gros so (1834), a re vol ta de Ouro Pre to, en fim olevan te dos “ca ba nos”, em Per nam bu co e Ala go as e no Pará, a re voluçãoga ú cha e a ex plo são re vo lu ci o ná ria da Ba hia, em 37.

Em al guns pon tos é a anar quia ape nas que se ma ni fes ta em atosde ban di tis mo e li cen ça; em ou tros é a imi ta ção da Amé ri ca es pa nho la, com as suas “di ta du ras”, os seus go ver ni chos, a lei mar ci al, as exe cu ções dos pri -si o ne i ros, o ódio po lí ti co, a bar bá rie na luta e o ide a lis mo na dou tri na ção...

Ensa ia-se, por toda par te, a “re for ma”.Mas a cri se ex ter na e pro fun da de ter mi na a impaciên cia, a

desi lu são, a sa u da de dos tem pos pa cí fi cos, o des pre zo por no vas aven turas.Daí o “ter ce i ro par ti do”, pre co ni za do por Vas con ce los, isto é,

o do “re gres so”; e daí a tem pes ta de par la men tar, que em 1837 sedesem pe nhou so bre a re gên cia, es ma gan do-a.

212 Pe dro Calmon

352 Vd. so bre o as sun to, nos sa His tó ria So ci al do Bra sil, 2º vo lu me, Espí ri to da So ci e da de Impe ri al, S. Pa u lo, 1937.

353 J. S. G., Duas pa la vras im par ci a is so bre o ter ce i ro par ti do , p. 4, Cam pos, 1835.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XXIO Advento de D. Pedro II

A Câmara pas sou a do mi nar; os in su ces sos dastropas legais no Rio Gran de do Sul for ma ram um am bi en te in sus ten távelpara o go ver no; cer ce a do e in ves ti do por to dos os me i os, pe los maisbri lhan tes ora do res da le gis la tu ra, ce deu afi nal Fe i jó. Não po dia governarsem or ça men tos, sem as pro vín ci as, sem as clas ses con ser va do ras. Oho mem in di ca do para subs ti tuí-lo era o pre si den te da Câ ma ra, Pe dro deAra ú jo Lima, cul to e há bil, fi lho do nor te e, des de 1823, con ce i tu a doentre os con ser va do res-moderados. No me ou-o Fe i jó mi nis tro do Impérioe trans fe riu-lhe o po der.

Era em 19 de se tem bro de 1837.Ara ú jo Lima es co lheu para mi nis tros al guns dos mais famosos

ad ver sá ri os par la men ta res de Fe i jó e ini ci ou com eles o re a jus ta men todo Impé rio na mo nar quia, na or dem, no “re gres so” (como à nova po lí ticacha ma ram os “abri lis tas”).

Rom peu, em 7 de no vem bro, uma re vo lu ção de mo crá ti ca na Ba hia. Inten ta va pro cla mar a in de pen dên cia da pro vín cia, en quan tofos se me nor o im pe ra dor; mas, no fun do, ti nha ín do le se me lhan te à de

Pi ra tini.354 Em qua tro me ses a do mi nou, a fer ro e fogo, o go ver no cen -tral. Mo bi li zou os re cur sos bé li cos de que po dia dis por con tra os re pu bli -canos do Rio Gran de, man dan do um exér ci to que re con quis tas se o sulde Santa Ca ta ri na e ata cas se pelo nor te os “far ra pos”, e uma ar ma da que os ex pul sas se das ci da des li to râ ne as.

A CONS PI RA ÇÃO DA MA I O RI DA DE

Os li be ra is de 1831 e 34, os par ti dá ri os do pa dre Fe i jó, os anti gos ex tre mis tas, trans for ma dos, pela in fluên cia de Eva ris to, em cam peões da re gên cia de mo crá ti ca e do Esta do fe de ral, pre pa ra ram a des for ra adi an -tan do-se aos con ser va do res, seus ini mi gos, na de di ca ção à mo nar quia.Tramaram a cons pi ra ção da Ma i o ri da de, que in ter rom pe ria o pe río doregen ci al. Des de que não ti nha po di do fa zer uma re pú bli ca tem po rã,res ta belece ri am um tro no... ex tem po râ neo tam bém. Qu e ri am que D. Pedro II, com 14 anos de ida de, as su mis se, já e já, o go ver no da na ção.355

O meio era-lhes pro pí cio.Fa ti ga ra-se o Bra sil com os in ci den tes, os mo tins, os dra mas

da re gên cia, e a idéia mo nár qui ca, pro pa ga da pe las clas ses con ser va do ras,vol ta ra a do mi nar o país. Foi, lo gi ca men te, a re a ção con tra oito anos deuma ex pe riên cia de mo crá ti ca vi o len ta, que en se ja ra to das as ma ni fes ta çõesda fra gi li da de na ci o nal e da de se du ca ção das mas sas. Dis se Proud hon:“Em 1848 o hor ror ao co mu nis mo pre ci pi tou a so ci e da de eu ro péianuma re tro gra da ção da qual ape nas se per ce be o fim.”

Tam bém no Bra sil foi o hor ror ao ca u di lhis mo que de sen ca -de ou a re a ção mo nár qui ca, de 1837–1840.

214 Pe dro Calmon

354 Ben to Gon çal ves da Sil va fu gi ra do for te do Mar, para onde o trans fe ri ra pre soo go ver no, de po is da der ro ta do Fan fa, em 5 de ou tu bro de 1837, gra ças aos au -xí li os da ma ço na ria da Ba hia. (Docs. ms., que di vul ga mos em con fe rên cia, a 1ªda Sé rie co me mo ra ti va do cen te ná rio da “Sa bi na da”, no Insti tu to His tó ri co daBa hia, em 8 de mar ço de 1937, cf. as atas das “lo jas” Vir tu de e Fi de li da de e Be ne fi -cên cia). No pou co tem po em que aí es te ve, fo ra gi do, an tes de vol tar ao Rio Gran -de, de via o ca u di lho ter dou tri na do os seus cor re li gi o ná ri os; a 7 de no vem bro,ex plo diu a ro vol ta do Sa bi no. So bre esta, vd. BRAZ DO AMARAL, A Sa bi na da , Ba hia, 1909, e LUIZ VIANNA FILHO, A Sa bi na da, Rio, 1937 (li vro per fe i ta -men te do cu men ta do).

355 Em de zem bro de 1835 já as sim pen sa va o ge ne ral Fran cis co de Lima e Sil va.Vd. MARY W. WILLIAMS. Dom Pe dro the Mag na ni mous, p. 48, Cha pel Hill, 1937.

Ha via em S. Cris tó vão um im pe ra dor in no mi ne. Era uma es pe -ran ço sa cri an ça, que sa í ra à mãe aus tría ca, pre co ce nos es tu dos e nafirme za do ca rá ter; D. Pe dro II de via re i nar. A ação in tem pes ti va dos“ma i o ris tas” teve opor tu ni da de e ve e mên cia, ra zões do seu êxi to.

For mou-se, ma ço ni ca men te, o club da “ma i o ri da de”, gra ças àini ci a ti va de José Mar ti ni a no de Alen car, um an ti go de mo cra ta. Com aforma de so ci e da de se cre ta, o novo par ti do pros pe rou. Obte ve a sim patiadas pes so as ín ti mas do Paço, como Au re li a no Cou ti nho, que pas sa vapor ser o ho mem mais che ga do ao me ni no im pe ra dor, e o mar quês deIta nha en, tu tor des te. Incor po rou às suas fi le i ras os de pu ta dos em posiçãoao go ver no. Des fe chou o gol pe a 22 de ju lho de 1840.

Uma de le ga ção do par la men to le vou a D. Pe dro II o ofe re ci -men to da sua ime di a ta “ma i o ri da de”, que ele ace i tou.

Era o fim da re gên cia, a que da de Araú jo Lima, o co lap so dasi tu a ção con ser va do ra. Ten ta ra em vão o re gen te con ju rar a crise,chaman do para mi nis tro do Impé rio Ber nar do de Vas con ce los – quepor nove ho ras, quan tas du rou o go ver no, ex pe ri men tou con ter a Câmara,en fren tar a tem pes ta de, sal var a re gên cia.

O gol pe de Esta do – a que anu í ra o im pe ra dor – co mo veu,sen si bili zou, en tu si as mou a ca pi tal; D. Pe dro II foi acla ma do, e convi -dou para seus mi nis tros al guns dos che fes “ma i o ris tas”, com os qua issu biu o par ti do li be ral.

RE A ÇÃO MO NÁR QUI CA

A po lí ti ca gra ças à subs ti tu i ção de um re gen te, par ti dá rio, pela Co roa, ir res pon sá vel, fa zia-se ago ra com ou tros fa to res. A in ca pa ci da dedo po der tem po rá rio para man ter a tran qüi li da de nas pro vín ci as des -morali za ra mu i tas das idéi as, tão po pu la res em 1831. A “re a ção” mo nár quica, con du zi da para a fren te pe los seus ad ver sá ri os de 1837, com pre en dia acon so li da ção do tro no, pela ins ti tu i ção do Con se lho de Esta do vi ta lí cio.Nem a po pu la ri da de do go ver no, po rém, nem a pru dên cia do so be ra no,con se gui ram ama i nar os ódi os fac ci o sos que se ex tre ma vam – fe nô menoco mum ao sis te ma – nas ele i ções de re no va ção da Câ ma ra. Já, se gun doTeó fi lo Oto ni, apos ta vam os de pu ta dos em li son je ar o tro no, que ren docada qual me lhor con cor rer para o seu es plen dor, Antônio Car los a propor

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 215

a do ta ção de 800 con tos, Na var ro, a de 1000 con tos....356 Pa re cia ex tin to o gér mem de mo crá ti co na Assem bléia. Au re li a no e os vá li dos do Paçofor ma vam, à som bra des te, o “par ti do áu li co”, que de se qui li bra va asinfluên ci as le gí ti mas da po lí ti ca.

A VI TÓ RIA DO ESPÍ RI TO CON SER VA DOR

O im pé rio, con fi a do ao bom sen so e à aus te ri da de pre co ce de uma cri an ça le tra da, cer ca da de ho nes tos, mas nem sem pre se re nosservi do res, ti nha de atra ves sar pro va ções gra vís si mas.

A co ro a ção do im pe ra dor, no ano se guin te, fes ta que es ta be le ceu uma tré gua en tre os po lí ti cos, en con trou de cima os con ser va do res, cha ma dosao go ver no em 23 de maio de 1841. Esse aban do no, pela Co roa, dos seusin te res se i ros cor re li gi o ná ri os de 1810, fer men tou em S. Pa u lo e Mi -nas Ge ra is as se di ções de 1842 – as mais sé ri as do se gun do re i na do – eàs qua is se as so ci a ram o pa dre Fe i jó e Teó fi lo Oto ni, um jo vem ide a lis ta e um ve lho de si lu di do.

Eram as lu tas pre pa ra tó ri as de um re gi me ape nas es bo ça do,que acha ria na sua sim pli fi ca ção o re mé dio para as cri ses pe rió di cas. Opar la men ta ris mo não ti nha ain da a fi gu ra es sen ci al, do pre si den te doCon se lho, a aco ber tar o mo nar ca, nem po di am os ad ver sá ri os to le rar alei de 3 de de zem bro de 1841, que su je i ta ra as ele i ções à di re ta in fluênciago ver na men tal.

Os li be ra is de bal de pro cu ra ram, numa ses são le gislati vamemorá vel, ob vi ar às duas or ga ni za ções que re pu ta vam an ti de mo crá ticas e con trá ri as a toda a obra de des cen tra li za ção e de li be ra lis mo da re gên cia: o Con se lho de Esta do (lei de 23 de no vem bro) e a lei de re or ga ni za çãoju di ciá ria, que le vou a data de 3 de de zem bro.

Com a dis so lu ção da Câ ma ra, bal dos os seus es for ços, re cor -re ram às ar mas, e es tas não lhes va le ram. “Den tro de três dias es ta mosno pa lá cio de Ouro Pre to, den tro de 15 dias um mi nis té rio li be ral terásus pen di do a lei in cons ti tu ci o nal de 3 de de zem bro e a do Con se lho de

216 Pe dro Calmon

356 TEÓFILO OTONI, Cir cu lar aos ele i to res, 2ª ed., p. 151, A do ta ção do im pe ra dor,no or ça men to que pre ce deu à ma i o ri da de, foi de 240 con tos. Foi ele va da para800 con tos por de cre to de 28 de agos to de 1840.

Esta do e terá anu la do o de cre to in cons ti tu ci o nal que dis pe rsou os re pre -sen tan tes da na ção” – pro cla ma ra Oto ni.

Mas, der ro ta dos que fo ram em Ven da Gran de e San ta Lu ziapelo exér ci to le gal, os prin ci pa is cons pi ra do res so fre ram pri são e pro ces so,al guns o exí lio, ou tros o jul ga men to pelo júri, sen do afi nal anis ti a dos to dos.

A re vo lu ção que es ta lou em Per nam bu co em 1848 – já pa ci fi -ca do o Rio Gran de do Sul des de 1845 – fe chou o ci clo das agi ta ções deas pec to cí vi co-mi li tar que per tur ba ram, pelo pe río do re gen ci al além, avida na na ção. A po lí ti ca, an gli ca ni zan do-se, aper fe i ço an do-se, cri an domo las e pára-cho ques que pas sa ram a fun ci o nar sob as vis tas fis ca is doim pe ra dor, cujo po der pes so al atra ves sou a lar ga épo ca de 1840 a 1889 –con su mou a paz e tor nou pos sí vel, com o de sen vol vi men to dos ide a is aevo lu ção da de mo cra cia no Bra sil. Não há, na his tó ria da Amé ri ca do Sul, mais con ti nu a do pe río do de tran qüi li da de, tão em de sa cor do com osexem plos da vi zi nhan ça, que J. B. Alber di con si de ra va o nos so caso como o “mi la gre do Bra sil”. Ao tom bar o tro no, em 1889, di ria Ro jas Paul, pre -si den te da Ve ne zu e la: “Se ha aca ba do la uni ca Re pu bli ca que exis tia en Ame ri ca:el Impe rio del Bra sil.” Cha ma ra-lhe Mi tre, “una de mo cra cia con co ro na”. Escre -ve ra an tes Mr. Agas sis que, na Amé ri ca do Sul, só dois pa í ses se man ti -nham em or dem: a Re pú bli ca do Bra sil e o Impé rio do Chi le...

Evi den te men te, a sa ú de das ins ti tu i ções es ta va no seu rit mo,des de que o “os tra cis mo”, a que se re co lhi am os gru pos de ca í dos, nãoul tra pas sou de ter mi na do pra zo, ape nas suficiente para a ar re gi men ta ção dosseus recursos par la men ta res, o ape lo às ur nas ou o ace no do Mo de ra dor.

O im pe ra dor exer ceu dis cri ci o na ri a men te essa fa cul da de dis -ci pli nar do Poder Mo de ra dor, de ter mi nan do o re ve za men to das fac ções e,por es tas, o res pe i to a cer tos prin cí pi os que fa zi am a “éti ca” do go ver no.357

Qu an to à sua vida po lí ti ca, o Impé rio pode ser es tu da do emcin co fa ses: a do “po der pes so al”, ou fos se a da im per fe i ção do or ga nismopar la men tar, 1840–1847; a dos par ti dos clás si cos, 1847–1853; a daconcili a ção, que pro cu rou so bre por um in te res se na ci o nal ao dospartidos, 1583–1857; a da re no va ção, 1857–1868, quan do os par ti dos se ajus ta vam aos no vos pro ble mas po lí ti cos; e a das re for mas, 1868–1889.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 217

357 Vd. AFONSO CELSO, Oito Anos de Par la men to – Po der Pes so al de D. Pe dro II,págs. 170 e 204 pas sim, Comp. Melh. de S. Pa u lo.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XXIIO Progresso Material – O Domínio da Máquina – O Império

e As Realizações Industriais – Nova Agricultura

À Amé ri ca do Sul che ga ram, re tar da dos de mu i tosanos, os gran des me lho ra men tos téc ni cos que o sé cu lo XIX trou xe ra àvida mo der na.

Espe ra mos trin ta anos pela lo co mo ti va, qua ren ta pe las fá bricasde fi a ção, ain da mais pela na ve ga ção de va por, pela ilu mi na ção de gás,por um re gi me ban cá rio, pe las com pa nhi as de co lo ni za ção, pelo maqui -ná rio agrí co la, pela in dús tria que, em 1800, trans for ma ra a Ingla ter ra –e, em 1820, a Eu ro pa.

País de ma té ri as-pri mas – o Bra sil con ten ta ra-se em ex por tar,em bru to, o seu al go dão, o seu açú car, as suas pe les, o seu fumo, o seucafé – e im por tar as ma nu fa tu ras in gle sas, fran ce sas e nor te-ame ri ca nas.

Em 1808, pro pu se ra de bal de o ne go ci an te da Ba hia Fran cis co Inácio de Si que i ra No bre, ins ta lar uma fá bri ca de fi a ção, com ope rá ri osque con tra ta ria na Ingla ter ra.358 A Ingla ter ra ti nha de co me ço o vir tu al

358 Doc. ms., I, 31, 27, 3 na Bibl. Nac. Ale ga va o re que ren te ter pago di re i tos nova lor de 100 con tos, du ran te oito anos de gros so tra to, e a sua ex pe riên cia doco mér cio in glês. Lem bra va que até en tão era cos tu me man da rem os ne go ci an tes da Ba hia de bu chos, com os de se nhos ao gos to do povo, para se rem es tam pa dosnas fa zen das fa bri ca das no Rato e em Tor res No vas, dois dos es ta be le ci men tospor tu gue ses que mais for ne ci am à pra ça.

mo no pó lio do nos so co mér cio gra ças ao tra ta do de 1810; mas, com aex por ta ção pro gres si va do al go dão para suas fá bri cas, a si tu a ção não foipar ti cu lar men te da no sa ao Bra sil, sim a Por tu gal e aos con cor ren tesindus tri a is dos in gle ses.

Isto até 1823.O equi lí brio era sa tis fa tó rio en tão por que ao in te res se do

com pra dor se jun ta va o do ven de dor, acor ri am às nos sas pra ças osnego ci an tes in gle ses, que pre fe ri am ter aqui o seu es cri tó rio de cor re ta -gem, e os pro du to res acha vam pron to con su mo para a sua mer ca do ria,sem os ris cos do em bar que nem as sur pre sas do câm bio. À fal ta de bancosre gu la do res da cir cu la ção, e don de me lhor em pre gar o ca pi tal ga nho,inver tia-o o la vra dor em es cra vos, e pelo nú me ro des tes (300 a 400 paraos en ge nhos, 80 e 100 para as fa zen das ser ta ne jas) es ti ma va a sua for tuna.Mas essa ro ti na de sa fi a va a am pla, a uni ver sal in dus tri a li za ção, que, portoda par te, subs ti tu ía o ho mem pela má qui na, res trin gin do gra du al mentea ca pa ci da de aqui si ti va dos po vos en tre si.

Ocor reu o ine vi tá vel, com o len to tra ba lho de eman ci pa çãoeco nô mi ca, que de 1813, quan do se es go tou o pra zo do tra ta do decomér cio, a 1863, se as si na la por uma sé rie de in ci den tes di plo má ti coscom a Ingla ter ra.

Os mo no pó li os são im po pu la res, e não há, afi nal, in te res sesmais di ver gen tes que os da in dús tria e da agri cul tu ra – da ma nu fa tu ra de Man ches ter e da ma té ria-prima bra si le i ra.

Com pli cou-se o pro ble ma com a po lí ti ca co lo ni al bri tâ ni ca.A guer ra ao trá fi co ne gre i ro tor nou odi o sa às nos sas po pulações

a ban de i ra in gle sa, o par la men to fez-se eco dos su ces si vos aten ta dos àpro pri e da de par ti cu lar bra si le i ra co me ti dos pe los cru ze i ros in gle ses atéden tro dos nos sos por tos, como no de Pa ra na guá em 1850, a pres são da opi nião exi giu uma ati tu de de re ser vas para com o po de ro so Impé rio, edes se es tre me ci men to de re la ções se apro ve i ta ram as in dús tri as nor -te-americana e fran ce sa. A ques tão de Chris tie, em 1862, a que se se -guiu, por dois anos, a sus pen são de re la ções di plo má ti cas en tre o Bra sile a Ingla ter ra – teve o mé ri to de fi na li zar as pen dên ci as que vi nham dore i na do de D. João VI, equi pa ran do de vez aque la às de ma is na ções queco nos co tra ta vam.

220 Pe dro Calmon

Pois a in dus tri a li za ção do Bra sil de cor reu des sa re a ção na ci o -na lis ta e foi pos sí vel a par tir de 1844, iní cio da nos sa ver da de i ra in de -pen dên cia al fan de gá ria.

Em 1835 o par la men to vo ta ra a cons tru ção de es tra das deferro que li gas sem à Cor te S. Pa u lo, Mi nas e Ba hia: esse so nho não começou a re a li zar-se se não de zes se te anos mais tar de.

Em 1841, quan do a Amé ri ca do Nor te já era um ir ra di an teem póri o in dus tri al, Cris ti a no Oto ni, pro fes sor da Aca de mia de Marinha,con fes sa va nun ca ter vis to, em fun ci o na men to, uma má qui na de va -por.359

É ver da de que des de 1815 os se nho res de en ge nho in tro du ziamnas suas fá bri cas os ma qui nis mos que ti nham au men ta do pro di gi o sa -men te a pro du ção açu ca re i ra de Cuba, e em 1817 Fe lis ber to Cal de i ra(Bar ba ce na) fi ze ra vir para a Ba hia uma bar ca de va por, que ain da em1824 con du zi ra à Ca cho e i ra D. Pe dro I. Mas o pri me i ro na vio de va porad qui ri do pelo go ver no im pe ri al ti ve ra de ser aban do na do – diz nas suas Me mó ri as o Almi ran te Ja ce guai – por que, mor ren do-lhe o ma qui nis ta,não ha via na Cor te quem pu des se su ce der-lhe. So men te a par tir de1847, no Rio, na Ba hia, em Per nam bu co sur gi ram as gran des in dús tri as,a mais po de ro sa das qua is a da fun di ção de Pon ta da Are ia, cri a da porIre neu Evan ge lis ta de Sou za (de po is vis con de de Mauá, o Wil kin sonbra si le i ro). Bas ta ra para isto a ado ção de uma pa u ta al fan de gá ria pro te -to ra, no mi nis té rio Ca ra ve las (1844), a exem plo do que aca ba va de serfe i to na Prús sia, ra zão do de sen vol vi men to in dus tri al da Ale ma nha nosé cu lo XIX. Sem esse fa vor adu a ne i ro, a ma nu fa tu ra es tran ge i ra, ba ra tae ex ce len te, cada vez mais abun dan te, eli mi na ria a na ci o nal, mais cara eain da gros se i ra.

A fór mu la vi to ri o sa ti nha sido a de Ber nar do de Vas con ce los(1828): “Fa vor e opres são sig ni fi cam o mes mo em ma té ria de in dústria...”

Ago ra se en ten dia que o fa vor sig ni fi ca va apa re lha men to dopaís para a pró pria de fe sa (com a in dús tria me ta lúr gi ca) e a sua eman ci -pa ção do pro du tor es tran ge i ro.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 221

359 CRISTIANO OTONI, Me mó ri as, 1 ª par te, ms. 1, p. 76.

O pro ble ma in dus tri al bra si le i ro cin gia-se a es sas con di çõeseco nô mi cas, que tan to lem bra vam os sé cu los XVII e XVIII; a agri culturacon ti nu a ria a ser a ri que za real e ca rac te rís ti ca.

AS ESTRA DAS

Em 1850, a abo li ção do trá fi co de so cu pou im por tan tes ca pi -ta is, prin ci pal men te na pra ça do Rio.

Os ri cos ar ma do res e os co man di tá ri os do ne gó cio ne gre i rosen ti ram-se atra í dos pe las ini ci a ti vas in dus tri a is.

O pro ble ma das co mu ni ca ções se duz os es pí ri tos. A la vou raca fe e i ra pro gri de ex tra or di na ri a men te, mas o es co a men to das sa fras édi fí cil, atra vés das ser ras de Mi nas.

Os ve lhos pro je tos de es tra das de fer ro ou ca mi nhos car ro -çáveis, li gan do o li to ral às mon ta nhas cen tra is, tor na ram-se a ob ses sãode alguns ho mens ar ro ja dos, a quem re sis tem os es ta dis tas for ra dos deceti cis mo, que re pe tem Thi ers, quan do, em 1841, acha va que as vias fér -re as não con vi nham à Fran ça.

Ber nar do de Vas con ce los dis se ra que uma es tra da para Mi naste ria de ma lo grar-se por fal ta de car gas. Pa ra ná não que ria aten der àspre ten sões dos Te i xe i ra Le i te, a rica fa mí lia de Vas sou ras que so nha va opro lon ga men to dos tri lhos da pri me i ra es tra da de fer ro do go ver no – a“D. Pe dro II” – até o seu mu ni cí pio.

Mauá, Cris ti a no Oto ni, Jo a quim Te i xe i ra Le i te, Ma ri a noProcópio, Fer re i ra Lage, são os gi gan tes da idéia fer ro e ro do viá ria: earras tam no seu en tu si as mo e na sua au dá cia os go ver nos, aju da dos pelo im pe ra dor, que lhes dá ga nho de ca u sa.

Os pri me i ros quin ze qui lô me tros de tri lhos, lan çou-os Ire neuEvan ge lis ta de Sou za, en tre o por to de Estre la e a raiz da Ser ra de Pe tró -po lis. Em 30 de abril de 1854 cor reu a pri me i ra lo co mo ti va, ina u gu ran doa es tra da – que nada de via ain da ao go ver no, de vez que a fi ze ra com osseus pró pri os re cur sos, e 1.200 con tos subs cri tos por ami gos pes so a is.360

Ante ci pa va-se o re a li za dor à ad mi nis tra ção, sem pre ler da e in -cré du la. Diz Pe re i ra da Sil va que, ao exem plo de Mauá, “exal ta ram-se os

222 Pe dro Calmon

360 ALBERTO DE FARIA, Mauá, p. 165.

es pí ri tos e por toda par te re que re ram-se idên ti cas em pre sas”. Foi umsím bo lo da nova era, a ilu mi na ção de gás, que Mauá tam bém se obri ga ra a ins ta lar na Cor te, e ina u gu rou em 25 de mar ço de 1854.

Tor na va-se pre ci so trans por a ser ra nia: foi a com pa nhiaUnião e Indús tria, cujo ani ma dor era o en ge nhe i ro Ma ri a no Pro có pio,natu ral de Bar ba ce na, que as su miu o en car go de cons tru ir uma ex ce lentees tra da para car ros.

Em me nos de dez anos ela co mu ni ca ria a Raiz da Ser ra a Juizde Fora. Con ce di da, com um pri vi lé gio de 50 anos em 7 de agos to de1852, ini ci a dos os tra ba lhos em 12 de abril de 56, che ga va a Juiz de Fora em 23 de ju nho de 1861 – e des ci am por ela, a me lhor es tra da do mundo, na opi nião de Agas siz, doze mi lhões de ar ro bas de gê ne ros de Mi nasGera is.361 O má xi mo pro ble ma da vi a ção bra si le i ra pa re cia a Man ti queira, que iso la va aque la pro vín cia, di fi cul tan do-lhe so bre mo do a ex por ta çãodos pro du tos de sua abun dan te agri cul tu ra. Re sol veu-o a Estra da deFerro D. Pe dro II. O mi la gre sur giu gra ças ao sis te ma – pos to em prá ticapelo go ver no rus so e ado ta do em 1850 pela pró pria Ingla ter ra – dagaran tia de ju ros ao ca pi tal em pre ga do.

Em 1840 ob ti ve ra To maz Coch ra ne a con ces são ex clu si va deuma li nha fér rea da Pa vu na a Re zen de, atra ves san do a Ser ra do Mar. De -bal de o con ces si o ná rio pro cu ra ra ca pi ta is es tran ge i ros, para a re a li za ção dos seus pro je tos. Os fa vo res da lei ain da eram in fe ri o res aos que na Eu ro pase pro me ti am, e sem uma ga ran tia de ju ros – pe di da por Coch ra ne ao par -la men to em 1848 – os re cur sos fi nan ce i ros não vi ri am. A lei, vo ta dapela as sem bléia, e san ci o na da em 26 de ju nho de 1852, tor nou pos sí vela for ma ção de em pre sas de cons tru ção fer ro viá ria: ga ran tia o go ver no o juro de 5% ao ca pi tal des pen di do na mes ma cons tru ção e di la ta va, até90 anos, o pra zo do pri vi lé gio, que no re gi me an te ri or era de 40 anos.Viu-se en tão que o nú me ro de can di da tos era con si de rá vel; su je i tou-seCoch ra ne à con cor rên cia, em que se ria o pre fe ri do em igual da de decon di ções; e por que já hou ves se quem se ani mas se a fa zer a es tra da semga ran tia de ju ros, o con ces si o ná rio pri mi ti vo teve um pra zo para a apre -sen ta ção dos es tu dos nes ta base, e afi nal abriu mão dos seus di re i tos.Nova con cor rên cia foi fe i ta em Lon dres. Em má hora – por que a Gu er ra

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 223

361 Re vis ta do Arqui vo Pú bli co Mi ne i ro , ano XIX, p. 138.

da Cri méia ca u sa ra o re tra i men to dos ban que i ros e não ha via ca pi ta -lis ta que qui ses se ar ris car, a juro ba i xo, em em pre en di men tos fer ro viá ri osno Bra sil, as suas re ser vas. Ocor reu ao go ver no im pe ri al en ce tar a cons -tru ção com sua pró pria res pon sa bi li da de, por em pre i ta da, con tra ta dacom um téc ni co in glês, Edward Pri ce, a pre ço fixo, cor ren do de po is ofi nan ci a men to por con ta de com pa nhia na ci o nal que se or ga ni zas se,com o ca pi tal ven cen do o juro, ga ran ti do, de 5% e, pron ta a li nha, odi vi den do mí ni mo de 7%. Assi na do o con tra to em Lon dres, em 9 demaio de 1855, pu de ram ser ina u gu ra dos 48 qui lô me tros da Estra da deFer ro D. Pe dro II em 29 de mar ço de 1858. A Be lém che ga ram os tri lhosem no vem bro da que le ano.

Ha via no Bra sil uma es tra da-tipo. Ve ri fi cava-se que a fór mulafinan ce i ra ado ta da era a me lhor. Apli ca ram-na as pro vín ci as, que as simcon se gui ram cha mar os ca pi ta is in gle ses, já ago ra in te res sa dos pelo Brasil: a Ba hia jun tou, aos 5% de ga ran tia de ju ros ofe re ci dos pelo go ver nocen tral, 2% que sa í ram dos co fres pro vin ci a is.

Re sul tou dis to ele var-se a 7%, em toda par te, a ga ran tia de juros.Assim teve a Ba hia a li nha fer ro viá ria de Sal va dor a Ala go i -

nhas, cu jos 13 pri me i ros qui lô me tros se ina u gu ra ram em 10 de fe ve re i ro de 1858, atin gin do aque la ci da de em 1863 (123 qui lô me tros), rumo francode Ju a ze i ro. As pro vín ci as do Rio, Per nam bu co e S. Pa u lo não lhe fi ca -ram atrás. Entre 1858 e 1862 cons tru ía-se a es tra da de fer ro de Re ci fe àes ta ção de Una (124 qui lô me tros). Ini ci a va-se, em 1860, a cons tru ção da es tra da de fer ro de San tos a Jun di aí, trans pon do a ser ra do Cu ba tão poruma sé rie de pla nos in cli na dos pelo sis te ma fu ni cu lar; foi ina u gu ra da em 16 de fe ve re i ro de 1867.

Os en ge nhe i ros es tran ge i ros acom pa nha vam os ca pi ta is es -tran ge i ros.

Ain da não pos su ía o Bra sil, en tre os seus téc ni cos, “en ge nhe i rosna ci o na is ca pa zes de bem re sol ver o pro ble ma da pas sa gem da cor di lhe i -ra...”, dis se Cris ti a no Oto ni, en tão o ma i or fer ro viá rio pa trí cio.

Na es co la dos pro fis si o na is, que abri ram os tú ne is da Man ti -que i ra e con ce be ram os pla nos in cli na dos do Cu ba tão, ha via de edu -car-se uma plêi a de de mo ços, fu tu ros re a li za do res de equi va len tes au dá ci asde en ge nha ria. Foi o en ge nhe i ro Brun le es – que de po is iria es tu dar e or çaro tú nel sob o mar da Man cha – quem cons tru iu a li nha nas en cos tas de

224 Pe dro Calmon

Pa ra na pi a ca ba. Antes da em pre i ta da de Pri ce, os Te i xe i ra Le i te ti nhamfe i to es tu dar o Vale do Pa ra í ba pelo en ge nhe i ro Wa ring e os in gle ses, em 1855, pelo en ge nhe i ro Chapp mann. E o en ge nhe i ro Asti er em Sa pu ca ia.362

Para que a “D. Pe dro II” pros se guis se, atra ves san do a Man ti que i ra, fo ramcon tra ta dos en ge nhe i ros nor te-ame ri ca nos, sob a che fia do Co ro nelChar les Gar nett: o seu bra ço di re i to foi o Ma jor Eli son, prin ci pal cons -tru tor da que les tú ne is, es tu da dos em 1860, e aber tos em sete anos.363

De en tão por di an te a nos sa prin ci pal via fér rea não en con tra mais obs -tá cu los para o seu in ces san te de sen vol vi men to.

Por todo o país rom pem es tra das de fer ro.Eram 718 qui lô me tros em trá fe go em 1868.A “Cen tral da Ba hia” co me ça va a ser cons tru í da na que le ano,

nos se guin tes anos as es tra das de Cam pos a S. Se bas tião, de Ma caé aCam pos, de Jun di aí a Cam pi nas, de Por to Ale gre a Novo Ham bur go, de Re ci fe a Be be ri be, a es tra da de Fer ro Le o pol di na...

Em 1877, afi nal, co mu ni ca-se S. Pa u lo com o Rio de Ja ne i ro;se ria a E. F. Cen tral do Bra sil. Os in gle ses, con ces si o ná ri os da redesul-mineira, li gam em 1881–2 Cru ze i ro a Três Co ra ções.

Obra na ci o nal tão ad mirá vel como a li nha de San tos–Jun di aí,a es tra da de Pa ra na guá– Cu ri ti ba, ini ci a da em 1882, grim pa as as pe re zasda ser ra do Mar e al can ça o pla nal to, por meio de ma ra vi lho so tra ça do, e sem o em pre go de cre ma lhe i ra, ina u gu ra da em 1882, na es tra da da Raizda Ser ra– Pe tró po lis – em 3 de fe ve re i ro de 1885.

O pla nal to pa ra na en se, já do ta do, em 1878, da es tra da de ro da -gem da Gra ci o sa (Cu ri ti ba–Anto ni na, ri val da União e Indús tria pela suapri mo ro sa téc ni ca), acha o seu es co a dou ro para o oce a no, e a pros pe ri da deque lhe re sul ta de um trans por te fá cil, ra zão de sú bi ta ri que za de po vos que se con ser va vam se gre ga dos da ci vi li za ção, atrás da Ser ra, des cen do pe no sa -men te ao li to ral por ter rí ve is ca mi nhos, vi ven do pa tri ar cal men te da sua in -dús tria pas to ral, mais pró xi mos de S. Pa u lo que de Pa ra na guá...

As es tra das de fer ro re mo de lam, ca rac te ri zam, trans for mamcom ple ta men te a fi si o no mia eco nô mi ca do Impé rio; cri am re giões prós -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 225

362 A. P. CORRÊA JUNIOR, Da Cor te à fa zen da de San ta Fé, Rio, 1870.363 CRISTIANO OTONI, Au to bi o gra fia, p. 95, etc.

pe ras onde ha via o de ser to; le vam no seu tra ça do os li ne a men tos das ci -da des fu tu ras; fer ti li zam, po vo am. São bra ços de aço que es tre i tam opaís, apro xi man do-lhe os cen tros vi ta is, mo di fi can do os há bi tos ser ta ne jos,des per tan do po pu la ções ador me ci das nos seus de fe sos in te ri o res, va lo ri -zan do-lhes as ter ras e os pro du tos, numa ani ma ção uni ver sal.

A co lo ni za ção en tra com os tri lhos de fer ro; a car ga, que Ber -nar do de Vas con ce los pen sa va que não des se fre te para mais de doisdias em cada mês, so be ja nas es ta ções; as la vou ras se guem a pe ne tra çãofer ro viá ria e, em al guns anos, Mi nas, S. Pa u lo, o Pa ra ná, o Rio Gran dedo Sul, pro vín ci as mais be ne fi ci a das pelo me lho ra men to em vir tu de desuas con di ções ge o grá fi cas es pe ci a is, se ti nham re no va do por com ple to.

Em 1889, ha via 9.200 qui lô me tros em trá fe go e 9 mil emcons tru ção.

ABER TU RA DOS RIOS

As co mu ni ca ções flu vi a is, nas ex tre mas do país, têm umahis tó ria à par te. O Pa ra ná e o Ama zo nas pe sa vam de si gual men te nosin te res ses na ci o na is. Enquan to o Pa ra ná es ta va su je i to a um re gi mein ter na ci o nal por de pen der o seu aces so da Argen ti na e do Pa ra guai,o Ama zo nas, en cra va do no ter ri tó rio bra si le i ro, fora sem pre con si de -ra do um rio por onde não de vi am en trar na vi os es tran ge i ros, aber toso men te para as na ções ri be i ri nhas. A di plo ma cia im pe ri al ti nha deagir com du pli ci da de; li be ral em re la ção ao pri me i ro, ego ís ta e in tra -tá vel quan to ao se gun do... Te mia que se re pe tis sem in cur sões ali e ní -ge nas pelo vale ama zô ni co qua se des co nhe ci do nos seus tre chos mais ri cos; e, to da via, pre ci sa va for çar o trân si to pelo Pa ra ná, para ter as se gu -ra do o ca mi nho do Mato Gros so, que con ti nu a va a ser a via flu vi aldos “ban de i ran tes”.

A mo nar quia re sol veu com pru dên cia e ener gia as duas questões.Fran que ou a na ve ga ção no Pa ra ná des tru in do os obs tá cu los

cri a dos pe los go ver nos ina mis to sos de Ro sas e Lo pez. E só abriu oAma zo nas à con cor rên cia uni ver sal quan do se sen tiu su fi ci en te men tefor te para ga ran tir a “na ci o na li da de” da que las ter ras lon gín quas.

Com a que da do di ta dor Ro sas se ins ta la ra em Bu e nos Ai resum go ver no de prin cí pi os li be ra is. O tra ta do de 7 de mar ço de 1856

226 Pe dro Calmon

fran que ou a na ve ga ção dos rios Pa ra ná, Uru guai e Pa ra guai. Res ta va aade são do Pa ra guai e esse acor do de fi ni ti vo. Foi ob ti da (ple ni po ten ciá rios:do Bra sil, o Con se lhe i ro Sil va Pa ra nhos, de po is vis con de do Rio Bran co; do Pa ra guai, o Ge ne ral Fran cis co So la no Lo pez, fi lho do presi den te) em 12 de fe ve re i ro de 1858. A guer ra da Tri plí ce Ali an ça teve como uma desuas con se qüên ci as po lí ti cas a li ber da de to tal, para os na vi os bra si le i ros,des se iti ne rá rio in dis pen sá vel às re giões do sul e do oes te.

Em re la ção ao Ama zo nas, re cal ci trou mu i to tem po a nos sachan ce la ria, te men do uma in si di o sa in fil tra ção es tran ge i ra. A pri me i raad ver tên cia fe i ta ao Impé rio para que fa ci li tas se as ex plo ra ções ama zô ni caspar tiu dos Esta dos Uni dos, em 1850. Aliás o go ver no e al guns par ti cu la resnor te-ame ri ca nos en tre 1850 e 66 fo ram os prin ci pa is de fen so res do sis -te ma de “li vre na ve ga ção” para o rio-mar, res guar da do con tra essa po lí -ti ca pelo nos so na ci o na lis mo des con fi a do e es qui vo, numa épo ca emque os con fli tos do Pra ta dis tra íam as for ças na va is do Impé rio, as sazre du zi das – por ou tro lado – para con tra ri a rem uma for mal agres são noex tre mo nor te. O te nen te da ar ma da nor te-ame ri ca na Ma ury em pre en deuim por tan te vi a gem que es cla re ceu a opi nião do seu país acer ca dos re -cur sos na tu ra is e das pos si bi li da des eco nô mi cas da que le imen so vale.364

Mas o Impé rio re sis tiu a to das as pro pos tas. Ce deu ape nas di an te da cam -pa nha que se fez na im pren sa bra si le i ra, e cujo men tor foi Ta va res Bas tos.O pri me i ro dis cur so par la men tar de Ta va res Bas tos so bre a aber tu ra doAma zo nas foi em 8 de ju lho de 1862.365 Em 1865, o Sa ra i va le vou umpro je to nes te sen ti do ao con se lho de Esta do. Con ver teu-se no de cre to de 7 de de zem bro de 1866, que per mi tiu o co mér cio de to das as na ções nogran de ca u dal.

A Ama zô nia sur ge en tão para a eco no mia mun di al.A ex tra ção da bor ra cha, logo em se gui da, da ria enor me

impor tân cia a essa pro vín cia até aí des va li da e hu mil de. A emi gra çãonordes ti na, a ex plo ra ção dos se rin ga is, o aflu xo de po pu la ção re sul tan tedes se en ca de a men to de fa to res pro pí ci os – abun dan te trans por te, fá cil e re mu ne ra do ra ocu pa ção do solo, as se cas do Ce a rá que ex pul sa vam dos

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 227

364 Vd. FERNANDO SABÓIA DE MEDEIROS, A Li ber da de de na ve ga ção do Ama -zo nas, p. 45, S. Pa u lo, 1938.

365 CARLOS PONTES, Ta va res Bas tos, p. 203, S. Pa u lo, 1939.

ser tões mi lha res de ho mens re sis ten tes ao cli ma equi no ci al e ha bi tu a dos a uma vida só bria e dura – re ve la ram uma das mais pro di gi o sas zo naseco nô mi cas do glo bo, e não de i xa ram que se des pren des se do Bra sil. Ao con trá rio: a ter ra ama zo nen se con ti nu ou cada vez mais bra si le i ra.

O TELÉGRAFO

Sur gi ra o te lé gra fo elé tri co em 1852, na Cor te: fora, por ins pi -ra ção di re ta do Impe ra dor, apa i xo na do en tão pe los as sun tos de fí si -ca.366 Eu sé bio de Qu e i roz, in te res sa do em es ta be le cer uma co mu ni ca -ção se gu ra com os por tos do li to ral, a fim de me lhor re pri mir o trá fi cone gre i ro ex tin to, quem in tro du ziu no Rio aque le me lho ra men to, in cum -bin do o len te de fí si ca da Fa cul da de de Me di ci na, Pa u la Cân di do, de fa zer a pri me i ra li ga ção, com fios de co bre, en tre o pos to se ma fó ri co do Cas -te lo (úni co te lé gra fo exis ten te) e o quar tel de po lí cia dos Bar bo nos.

O len te de fí si ca da Esco la Mi li tar, Gu i lher me Schuch deCa pa ne ma, con ti nu ou, com êxi to, as ex pe riên ci as de Pa u la Cân di do.D. Pe dro II ani mou-o com in ces san tes es tí mu los. No me a do para di ri giros tra ba lhos de ins ta la ção das pri me i ras li nhas te le grá fi cas do país (Qu in ta da Boa Vis ta ao Qu ar tel-Ge ne ral), Ca pa ne ma ina u gu rou, em 11 de maio de 52, com a tro ca de te le gra mas en tre o Impe ra dor, em S. Cris tó vão, eEu sé bio de Qu e i roz, no mi nis té rio da Gu er ra, tão im por tan te ser vi ço.Em 1855 as li nhas iam até Pe tró po lis. A guer ra do Pa ra guai fa ci li tou –tais as exi gên ci as mi li ta res – a cons tru ção rá pi da de li nhas para o sul; em 1883 che ga vam a Ja gua rão, ar ti cu lan do-se com o ser vi ço te le grá fi co doUru guai e da Argen ti na. Para o nor te, o de sen vol vi men to foi mais de -mo ra do, pois al can ça ram Vi tó ria em 1874, Pa ra í ba em 1875, Na tal em1878, For ta le za em 1881, Be lém em 1886. Go iás e Mato Gros so li ga -ram-se ao Rio de Ja ne i ro por fios te le grá fi cos de po is da Re pú bli ca, em1890 e 91. Em 1889, en tre tan to, ha via 18.925 qui lô me tros de li nhas te le -grá fi cas no Impé rio, já em co mu ni ca ção com a Eu ro pa, por in ter mé diodo cabo sub ma ri no, des de 1874.

Cor ri gi do o mal das dis tân ci as, o Bra sil se in te gra va no sis te -ma uni ver sal da ci vi li za ção.

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366 Vd. nos so O Rei Fi ló so fo (Vida de D. Pe dro II) cap. XVI.

A INDÚSTRIA

O mes mo re gi me de ga ran tia de ju ros pro mo ve a pron tasubs ti tu i ção dos ve lhos en ge nhos de açú car por usi nas de pe sa doma qui ná rio, como as de Cuba: é a Lei de 6 de no vem bro de 1875, queina u gu ra a fase dos “en ge nhos cen tra is”, ope ran do uma re vo lu ção na eco no -mia tra di ci o nal, subs ti tu í da pe las no vas for mas do tra ba lho nos seus re du tosmais de fe sos.

O en ge nho de Qu is sa man foi o pri me i ro que se apro ve i tou da ga ran tia de 7% para o ca pi tal em pre ga do na sua trans for ma ção: de po is,o to tal do ca pi tal ga ran ti do su bia a 55.300:000$000. As usi nas pas sa rama ab sor ver (como no 1º sé cu lo os “en ge nhos d’el-rei”) as an ti gas fá bri casde açú car, de ter mi nan do a cen tra li za ção da in dús tria.

Por todo o país a in va são da má qui na é acom pa nha da doestran ge i ro.

Rom pem-se os úl ti mos em pe ci lhos à fran ca emi gra ção e osgo ver nos ado tam a tese, sus ten ta da pe los po lí ti cos li be ra is des de 1831,de que o fu tu ro do Bra sil de pen dia da tro ca, que len ta men te se ope ra va,do tra ba lha dor ca ti vo pelo tra ba lha dor li vre.

As per tur ba ções eco nô mi cas e po lí ti cas da Eu ro pa e da América do Nor te au xi li am-lhes os pla nos; prin ci pal men te a guer ra de se ces são,1861–1864, fa vo re ce o Impé rio, pois o tor na mais atra en te para o imi -gran te eu ro peu.

Ao mes mo pas so, a va lo ri za ção dos nos sos pro du tos tro pi ca is,gra ças ao de sen vol vi men to das in dús tri as eu ro péi as e ao fe cha men todos mer ca dos do sul dos Esta dos Uni dos (como no pe río do de1776–1783, quan do a Ingla ter ra se viu igual men te pri va da da ma té -ria-pri ma ame ri ca na), en co ra ja va a la vou ra, es ten dia-a, ani ma va o co -mér cio e fa zia sur gir vi las e ci da des no con quis ta do de ser to.

Até 1850 re ce be ra o Bra sil uns 19 mil imi gran tes. Entre 1855e 1862, a mé dia da en tra da de les fora de 15 mil por ano.

COLONIZAÇÃO

O Se na dor Ver gue i ro, em São Pa u lo, ini ci ou a co lo ni za çãoestran ge i ra em ou tros mol des, dan do ao tra ba lha dor par ce ria no gra njeioe fru tos da fa zen da.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 229

Ina u gu rou com a co lô nia de Ibi a ca ba a épo ca imi gran tis ta, aque de veu a sua pro vín cia o rá pi do in cre men to, o sen ti do ver ti cal da suaci vi li za ção e a adap ta bi li da de aos ide a is eco nô mi cos do nos so tem po.

O ano de 1881 mar ca a de ci si va subs ti tu i ção, em S. Pa u lo, dobraço escra vo pelo bra ço eu ro peu; o Con de de Par na í ba é dig no su ces -sor de Ver gue i ro. Ha via em 1886, 107.329 es cra vos em S. Pa u lo, re du zi -dos em 1888 a me nos de 40 mil, quan tos a abo li ção re di miu: pois em1887 lá en tra ram 27 mil ita li a nos e, em 1888, 80.749.

Pro ces sa-se a ari a ni za ção apres sa da das po pu la ções e, com oin flu xo do co lo no, a re for ma das ci da des, o re a pa re lha men to da agri cul -tu ra, a cri a ção das in dús tri as e, con du zi dos na mes ma cor ren te, os ca pi -ta is es tran ge i ros vêm co lo car-se no Bra sil.

A gran de imi gra ção as si na lou, mais que ou tra qual quer di fe -ren ça, a se pa ra ção en tre o Bra sil lu so-americano, his tó ri co, e o Bra silcon tem po râ neo, como Alber di qui se ra a Argen ti na.

O CRÉ DI TO

Os go ver nos tra tam de do tar o país de um ser vi ço de cré di toe de um meio cir cu lan te pró pri os.

Não con se guem alar gar tan to quan to se ria de de se jar osrecur sos fi nan ce i ros do Esta do, e a cri se ban cá ria, a in ter va los, se in cluino rit mo ad mi nis tra ti vo, como uma do en ça cí cli ca.

A cir cu la ção é in su fi ci en te, a le gis la ção atra sa da, e res sen -tem-se os ban cos da ti mi dez an ti ga. A cir cu la ção me tá li ca era ape nasde 30 mil con tos. A Lei de 1846, que bran do o pa drão mo ne tá rio, es ta -tu í ra a pa ri da de em 27 “pen ce” por mil réis. Logo vá ri as ins ti tu i çõesban cá ri as se fun da ram, em 1836, no Ce a rá, em 1838 no Rio, no Ma ra -nhão em 1846, em 1847 na Ba hia e no Pará, em 1851 ain da no Rio (ofa mo so ban co Mauá), em 1853... O seu po der emis sor foi abo li do em 1853 e de vol vi do em 1857; mas as sín co pes que so freu o cré di to em1857, em 1860 e prin ci pal men te em 1864, acar re tan do ao co mér cioavul ta dos pre ju í zos, de ter mi na ram a re vi são do sis te ma ban cá rio e omo no pó lio – es ta be le ci do em 1866 – das emis sões ofi ci a is pelo Te -sou ro.

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O CO MÉR CIO

A cur va do co mér cio ex te ri or re ve la um novo Bra sil, a par tirde 1860.

Ci ta mos a guer ra de se ces são na Amé ri ca do Nor te comouma das ca u sas do fe nô me no; de fato, a alta dos pre ços, prin ci pal men tedo al go dão, per mi tia-nos en con trar o pa ra de i ro dos dé fi cits que, nabalan ça co mer ci al, fo ram re gra até en tão.

Em 1860 im por tá va mos 127.720 con tos e ex por tá va mos123.171. No ano se guin te, ex por tá va mos 120 mil (con tra 110 mil), em1863, 131 mil, em 1865, 157 mil (con tra 137).

A ba lan ça co mer ci al con ti nu a ria com sal do até 1885, quan dose nos apre sen ta de pri mi da, as sim per ma ne cen do (o câm bio alto es ti -mu lan do as im por ta ções) em 1888, 89 e 90.

Por ou tro lado, as ta ri fas al fan de gá ri as, que se de fi nem fa vo ráveisà ma nu fa tu ra na ci o nal de po is da pa u ta Alves Bran co, em 1844 (em bo rao pen sa men to fis cal, não o de mera pro te ção da in dús tria in dí ge na, asdomi nas se), li mi tam a ca pa ci da de de aqui si ção da mer ca do ria es tran ge i ra e ten dem a sub tra ir o Bra sil ao des po tis mo dos seus pre ços.

“De 1844 a 1879 o pro te ci o nim so não exis tiu”, diz um ensaísta.Re al men te, não ha via ma qui nis mos nem ca pi ta is imo bi li za dos

que re cla mas sem ta ri fas de am pa ro; mas a ele va ção dos di re i tos adu a neirosre a li za va sa tis fa to ri a men te a sua mis são de in ci ta men to das ini ci a tivasindus tri a is no Impé rio, con tra ri a das em 1874 e em 1884 pe las ta rifasbaixas de Rio Bran co e Sa ra i va.

Em 1860 Fer raz ado ta al gu mas ra zões de 50%, ou tras de 40% e a ma i o ria de 30%. Ita bo raí, em 1869, re for ça a agra va ção da quelesdire i tos; Rio Bran co a des trói, ex tin guin do as ra zões su pe ri o res a 30%.Afon so Cel so e Sa ra i va, em 1879 e 1884, res ta be le cem as de 40%. E em1888 Be lis ário, re to man do as de 50% e, pela pri me i ra vez, de 60%, eri ge a bar re i ra al fan de gá ria em prin cí pio de po lí ti ca eco nô mi ca no Bra sil. ARe pú bli ca não se des vi ou des sa ori en ta ção, man ten do-a e acen tu an do-anas re for mas de 1890 (ta ri fa Rui Bar bo sa), 1893 (ta ri fa Ber nar di no deCam pos), 1897 (ta ri fa da co mis são Bu lhões), 1900 (ta ri fa Mur ti nho)...

He si ta va o Bra sil, en tre a sua tra di ci o nal po lí ti ca de fo men toagrí co la, pela se du ção do im por ta dor es tran ge i ro, que era igual men te o

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 231

for ne ce dor de to das as uti li da des ma nu fa tu ra das – e a cri a ção de umespí ri to in dus tri al que, a des pe i to da in de ci são le gis la ti va e da es ma ga do ra co a ção do am bi en te eco nô mi co, se de sen vol ve, prin ci pal mente em S.Pa u lo.

As ins ti tu i ções sen tem-se ame a ça das pela im pa ciên cia dosnovos in dus tri a is, que não po dem pros pe rar em ra zão da de fi ciên cia decré di to e nu me rá rio (ori en ta ção an ti-inflacionista), da con cor rên cia es tran -geira (ori en ta ção não-protecionista, que em 1860, quan to à in dús tria náu tica,dera o gol pe de mor te no es ta be le ci men to da Pon ta de Are ia), fa ci li ta daa mes ma con cor rên cia pelo câm bio ao par, e da fal ta de plas ti ci da de dale gis la ção bra si le i ra.

Esta be le ceu-se, na tu ral men te, uma an ti no mia en tre a men ta li -dade pro gres sis ta, que vi bra va da an si e da de uni ver sal e co pi a va à Ame ricado Nor te o sur to ir re sis tí vel, e a men ta li da de con ser va do ra, que se li mi -ta va ao qua dro das in dús tri as ru ra is e ain da ad mi tia a es cra va tu ra comouma con di ção do seu êxi to.

Ven ceu a pri me i ra, a par tir de 1885, quan do a cam pa nha abo -li ci o nis ta se tor nou na ci o nal. Dis tin guiu-se pelo for mi dá vel au men to daimi gra ção... (35.440 em 1885, 55.965 em 1887, 133.253, em 1888, umdos ma i o res nú me ros da es ta tís ti ca imi gran tis ta do país); pela ta ri faBe li sá rio, de 1888, à cuja som bra se iri am de sen vol ver inú me ras ten ta ti -vas de gran de in dus tri a li za ção; pe los au xí li os à la vou ra ofe re ci dos pelogo ver no; de po is da abo li ção, pela re vo lu ção que aba lou a eco no mia in dí ge nanos ga bi ne tes João Alfre do e Ouro Pre to, trans for man do a fi si o no miafi nan ce i ra da ad mi nis tra ção e le gan do à Re pú bli ca uma si tu a ção co mer ci alim pres si o na da por to das as su ges tões da au dá cia, da ini ci a ti va, da téc ni ca,da aven tu ra, que fo ram os pro du tos do cré di to abun dan te, da nova leide so ci e da des anô ni mas, da fa cul da de plu ri-emis si o ná ria dos ban cos, daver ti gem dos ne gó ci os con du zi dos aos im pul sos da bol sa, do “en si lha -men to” en fim.

O “en si lha men to”, de se qui lí brio re sul tan te da pro fun da al te -ra ção que so fre ra a vida eco nô mi ca do Bra sil, ha via de amor te cer o cho quepo lí ti co de 1889, des vi ar as pa i xõe s do ter re no dos par ti dos para o dosne gó ci os, tor nar pos sí vel a pron ta con so li da ção da Re pú bli ca, e di fe rirpara 1893 as lu tas de ci si vas, en tre a nova or dem de co i sas e os sen ti men -tos que ela con tra ri a ra.

232 Pe dro Calmon

NOVA AGRI CUL TU RA: O CAFÉ

A gran de sur pre sa da vida eco nô mi ca do Bra sil no sé cu loXIX é, en tre tan to, o café.

O açú car fez a ri que za da co lô nia; o café fez a for tu na doImpé rio e da Re pú bli ca.

Na his tó ria dos po vos o fe nô me no da cul tu ra ca fe e i ra do Brasil,prin ci pal men te em São Pa u lo, é um dos mais in te res san tes, pela sú bi ta eex ten sa con quis ta de ter ri tó ri os, ain da há pou co co ber tos de flo res tas ein ça dos de ín di os, e pelo vo lu me da pro du ção, que em trin ta anospassou a ser o ele men to fun da men tal da nos sa eco no mia.

O café apa re ce qua se com o Impé rio.Intro du zi do o plan tio no Rio de Ja ne i ro em 1770, de bal de o

in cen ti va ram as au to ri da des, como a la vou ra ren do sa e fi xa do ra. Em1810 es ten de-se ela pe las ver ten tes da pro vín cia do Rio de Ja ne i ro e pelosva les do Pa ra í ba do Sul e do Pa ra i bu na. So men te em 1817 em Cam pi nas se fun dou boa fa zen da de café. Em 1822 o pro du to ain da não eraconhe ci do em Nova York.

Mas já en tão pro me tia tan tos in te res ses, que na ban de i ra im -pe ri al fi gu rou um ramo de café en tre la ça do com ou tro de fumo, numare pre sen ta ção da vida agrí co la do Nor te e do Sul.

A ex tra or di ná ria alta do pro du to na Eu ro pa,367 em 1823 (emvir tu de da ame a ça de guer ra en tre a Fran ca e a Espa nha), es ti mu la de ci -si va men te as plan ta ções. A par tir de 1825, o Bra sil ad qui re po si ção do -mi nan te no mer ca do. Até 1840, a pri ma zia da cul tu ra cou be à pro vín ciado Rio. Nu me ro sas fa mí li as des ci das de Mi nas Ge ra is para a ba cia doPara í ba es ta be le ce ram gran des fa zen das, cada uma das qua is foi sede devila prós pe ra ou cen tro de ani ma ção so ci al, des ti na do a exer cer naque laprovín cia o mes mo pa pel ci vi li za dor dos en ge nhos de açú car da Ba hia ede Per nam bu co. Os pro pri e tá ri os flu mi nen ses tor nam-se os sú di tosmais ri cos do Impé rio. Os seus do mí ni os an te ce dem em con for to eesplen dor as fa zen das pa u lis tas do pe río do áu reo do café (1870 emdiante). O go ver no re co nhe ce-lhes o es pí ri to aris to crá ti co e a im por tânciapo lí ti ca, cri an do ti tu la res da mo nar quia, vis con des e ba rões, os ca fe i cul -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 233

367 E. JACOB, Bi o gra fia del Caf fé, p. 273, Mi lão, 1936.

to res da pro vín cia do Rio. Mas a cul tu ra se es ten de, do nor te de S. Pa u lo para o oes te numa mar cha cons tan te, que é au xi li a da, em 1870, com ode sen vol vi men to fer ro viá rio em di re ção a Ri be i rão Pre to. O trans por tefá cil ori en ta a in va são do oes te. Em 1885 a fe bre de plan ta ções e der ru -ba das de mata al can ça o apo geu. Ou tras pro vín ci as, Mi nas Gerais,Bahia, tam bém pro du zem café em lar ga es ca la.

NOR TE E SUL

Ain da no pe río do de 1821 a 1860, em to ne la das a ex por ta çãofora de 3.377 mil, de café, e 3.045 mil de açú car.

Equi li bra vam-se por tan to, como for ças eco nô mi cas, o nor te e o sul.

Tam bém o nú me ro de es cra vos era equi va len te, no Sul e no Nor te, po rém com a ten dên cia para a eva são, dos en ge nhos de açú carpara as fa zen das de café, dos ne gros cujo trá fi co in ter no an da ria, em1880, por 30 mil in di ví du os ao ano. Em 1861 e 1889, a ex por ta ção doaçú car não pas sa ra de 4.685 mil to ne la das (640.849 con tos), en quan to ado café su bi ra a 6.804 mil (3.101.139 con tos de réis). Num ano, em 1872,a ex por ta ção de café ren de ra 115.285 con tos e 27.725 a do açú car.368 Ain fluên cia po lí ti ca as sim se des lo ca das re giões mais ve lhas para as maisno vas, das zo nas his tó ri cas do an ti go Bra sil para as ter ras de co lo ni za çãore cen te, so bre tu do va lo ri za das pelo im pe tu o so tra ba lho dos pi o ne i ros dala vou ra de café, au xi li a dos em bre ve pe las cor ren tes imi gra tó ri as es tran -ge i ras que de pre fe rên cia se di ri gi ram para as pro vín ci as me ri di o na is.

Cor res pon den do en tão a 53.8% da mas sa ex por ta da, já o café re gu la ri za va o câm bio, ga ran tia, como par ce la prin ci pal, o fi nan ci a men to dos ser vi ços pú bli cos, e cons ti tu ía a me lhor pers pec ti va eco nô mi ca doBra sil. Gra ças a esse ma ra vi lho so sur to agrí co la o Sul as sen ta ra so breuma for te base pro du ti va o seu tra ba lho ru ral, e iria, com a Re pú bli ca,desen vol ver a vo ca ção in dus tri al da sua po pu la ção al ta men te en ri quecidade ele men tos ét ni cos eu ro pe us, atra í dos pela mul ti pli ci da de das pro messasde ri que za da pro vín cia de S. Pa u lo.

234 Pe dro Calmon

368 ANDRÉ REBOUÇAS, Agri cul tu ra Na ci o nal, Estu dos Eco nô mi cos. p. 17, Rio, 1883.

A evo lu ção, do açú car para o café, do Nor te para o Sul e dolito ral para o pla nal to e o Oes te, en tre 1821 e 1889, co in ci de com o gra -du al des do bra men to da for ça con du to ra da na ci o na li da de, de pen den teda si tu a ção eco nô mi ca, e con cen tra da nos no vos nú cle os de ati vi da de.

A BOR RA CHA

O caso da bor ra cha ofe re ce se me lhan tes pro por ções de ousadiae per sis tên cia co lo ni za do ras. A Ama zô nia foi, até 1877, tão es cas sa mentepo vo a da, que a re ce i ta da pro vín cia pou co su pe ra va uma cen te na decon tos. A seca que fla ge lou na que le ano o Ce a rá im pe liu a imi gra çãopara o Ama zo nas de 5 mil ce a ren ses, logo se gui dos de ou tras le vas detra ba lha do res, que se lo ca li za ram nos se rin ga is ao lon go do rio-mar e dosseus aflu en tes. Empre ga ram-se na ex tra ção da he vea, a bor racha nativa,cujo pre ço su biu com o au men to da ex por ta ção, em con se qüência das inú -me ras apli ca ções in dus tri a is que ia ten do o pro du to, so bre tu do nosEsta dos Uni dos. Em bre ve pra zo não ha via me lhor ne gó cio no país doque a ex tra ção da bor ra cha no Ama zo nas.369

Em 1889 a re ce i ta pro vin ci al já se ele va va a 3 mil con tos.Ma na us, a ca pi tal, se ria cin co anos de po is uma das mais

alegres, flo res cen tes e mo der nas ci da des do Bra sil, do ta da de to dos osrecur sos do pro gres so, ape sar de tão in ter na da no co ra ção do con ti nente.

A pro du ção de bor ra cha fora de 6.591 to ne la das, ao pre çomé dio por qui lo de 1.330, em 1870; su bi ra para 8.679, ao pre ço de2.400, em 1889; e em 1890 para 16.334 a 3$000. Em 1900 a ex por ta çãose ria de 26.750 to ne la das, em 1910, de 38.150, aos pre ços de 7$000 e11$000!

O que foi essa para o Bra sil uma in ten si va ex plo ra ção, di zem as es ta tís ti cas, pois, en tre 1901 e 1912, para 2 mi lhões e 282 mil con tos decafé, ven de mos bor ra cha na im por tân cia de 2 mi lhões e 736 mil con tos.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 235

369 MIGUEL CALMON, Fa tos Eco nô mi cos, p. 239, Rio, 1913.

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XXIIIHis tó ria Po lí ti ca do 2º Re i na do

A re vo lu ção li be ral de 1843, ven ci da nos seus quar -téis de Mi nas e S. Pa u lo, ex pe ri men ta ra a so li dez das ins ti tu i ções, po rém in du zi ra os es ta dis tas a aper fe i çoá-las, para que ou tros mo vi men tos deopi nião ou de for ça não per tur bas sem a pros pe ri da de na ci o nal. Entre1842 e 1848, o pro ble ma da or dem pú bli ca se tor nou o prin ci pal cu i dadodo go ver no. Em 1844, o po der pes so al do im pe ra dor ate nu ou-se, com a subs ti tu i ção da po lí ti ca pa la ci a na de Au re li a no Cou ti nho (Se pe ti ba), queda ta va da ma i o ri da de, por um po lí ti ca par la men tar e con ci li a tó ria, pre co -ni za da por Honó rio Her me to (Pa ra ná). D. Pe dro II cha mou ao gover no os li be ra is, es que cen do as sim a sua cum pli ci da de nos dois movi men tosre vo lu ci o ná ri os, mas lhes im pôs uma con du ta to le ran te e de apro xi ma -ção dos gru pos.

A lei de 20 de ju lho de 1847 cri ou a fi gu ra do pre si den te docon se lho, as sim che fe res pon sá vel do exe cu ti vo, a res pon der di re ta mentepe los atos go ver na men ta is pe ran te a as sem bléia: foi o co ro a mentodaque le par la men ta ris mo co pi a do à Ingla ter ra que de via dar ao país umlar go pe río do de tran qüi li da de. Em 1848 ex plo diu em Per nam bu co ainsur re i ção da Pra ia (ala ex tre mis ta do par ti do li be ral), úl ti ma agi ta ção

ar ma da do se gun do re i na do, que se pren dia às ve lhas pre ven ções lo ca isentre o povo de Re ci fe e a aris to cra cia ru ral. Foi de be la da ener gi ca mente.

O Mar quês de Olin da fez mi nis té rio con ser va dor. Saiu dogover no a 6 de ou tu bro de 49, por que se opu nha à in ter ven ção bra si leiranos ne gó ci os do rio da Pra ta.

Pau li no de Sou za (Uru guai) re to ma a tra di ção inter ven ci o nis tado pri me i ro re i na do, pac tua a ali an ça do Impé rio com o Ge ne ral Urquiza eder ru ba o di ta dor de Bu e nos Ai res. De po is de qua tro anos, o mi nis té rioque se se gue con ti nua con ser va dor, com Ro dri gues Tor res à fren te.

A 6 de se tem bro de 1853 as su me a che fia do Go ver no HonórioHer me to, para en ce tar a gran de con ci li a ção.

A épo ca era de ani ma ção in dus tri al, de in cre men to eco nô mico,de pros pe ri da de ge ral. A mo nar quia, des tru in do Ro sas, con quis ta ra opri me i ro lu gar en tre os pa í ses da Amé ri ca do Sul e – pelo flo res ci men todas suas ins ti tu i ções – se pro je ta ra so bre o mun do. Sen ti ra-se a ne ces si -da de de uma po lí ti ca am pla, que apa gas se os ódi os e con gra ças se asfacções. O Mar quês de Pa ra ná foi o úni co es ta dis ta re ves ti do de su fi cienteau to ri da de para com pe lir o seu pró prio par ti do a ce der ao ad ver sá riopar te das po si ções, me di an te um en ten di men to ge ne ro so e pa trió ti co.

O mi nis té rio or ga ni za do por Pa ra ná ins pi ra ra con fi an ça e res -pe i to: Pe dre i ra (Bom Re ti ro) na pas ta do Impé rio, Na bu co na da Jus ti ça, Pa ra nhos (Rio Bran co) na da Ma ri nha, Lim po de Abreu (Aba e té) na deEs tran ge i ros, mais tar de Ca xi as e Wan der lei (Co te gi pe...).

A se re ni da de da evo lu ção, do par ti da ris mo para a con ci li a ção,que brou-se em 14 de ju nho de 1854, com a de fec ção de Ânge lo Mu nizda Sil va Fer raz. Em tor no des te se re u ni ram os con ser va do res in tran si -gen tes, que pre fe ri am a luta ao con gra ça men to. Pa ra ná con se gue, com are for ma da lei ele i to ral de 1855 (“lei dos círcu los”), re ge ne rar a re pre -sen ta ção par la men tar, im pe din do a una ni mi da de das câ ma ras fu tu ras.Mor reu o pre si den te do con se lho em 3 de se tem bro de 1856. Subs ti -tu iu-o o Mi nis tro da Guer ra Mar quês de Ca xi as. Ini ci ou-se a vol ta dos gru -pos à fi si o no mia an te ri or. “So men te vin te e cin co anos de po is (dis seJo a quim Na bu co) apa re ce rá ou tro es ta dis ta, José Antônio Sa ra i va, comâni mo e for ça para do mi nar o seu par ti do...”

Olin da fez go ver no em 1857.

238 Pe dro Calmon

Ha via uma ques tão mais gra ve que a dos par ti dos: era a questãoban cá ria. O mi nis tro da Fa zen da, Sou za Fran co, com o apo io de Mauá,cons ti tui-se o cam peão da plu ra li da de ban cá ria; au to ri za o Ban co doBrasil e seis ou tros es ta be le ci men tos de cré di to a emi tir ao mes mo tempo.Os “ve lhos” do Se na do, a opi nião con ser va do ra, o im pe ra dor, alar ma -ram-se ra zo a vel men te di an te da aven tu ra fi nan ce i ra, “o en si lha men to da épo ca”, e Olin da re nun cia.

Aba e té or ga ni za ga bi ne te (12 de de zem bro de 1858), comTor res Ho mem na pas ta da Fa zen da: para pra ti car o que acon se lha ranos seus ar ti gos de im pren sa, quan do com ba tia Sou za Fran co.

Já aque le mi nis té rio era ape nas con ser va dor. A con ci li a ção es va -ne ce ra-se. Os gru pos de li mi tam-se. Caiu o mi nis té rio ao pro por Tor resHo mem que os ban cos con ver tes sem em ouro as suas no tas, den tro detrês anos. Então cha ma o im pe ra dor a Fer raz – o ini mi go de Pa ra ná –e lhe con fia a mis são de for mar go ver no.

“Não sou o con ti nu a dor de po lí ti ca al gu ma”... dis se Fer raz,em res pos ta a uma in ter pe la ção.

As ele i ções de 1860 con sa gra ram a vi tó ria dos li be ra is. Comoque o par ti do con ser va dor fa ti ga ra a opi nião ge ral, que se vol ta va paraos seus ad ver sá ri os, pe din do-lhes o re mé dio para os ma les pú bli cos quenão po di am dar os go ver nan tes.

“Essa ele i ção de 1860 pode-se di zer que as si na la uma épo caem nos sa his tó ria po lí ti ca: com ela re co me ça a en cher a maré de mo crá ti caque des de a re a ção mo nár qui ca de 1837 se ti nha vis to con ti nu a men teba i xar”... As agi ta ções re sul tan tes da ele i ção de 1860 acon se lha vam umgo ver no for te. Em 2 de mar ço de 1861, Ca xi as tem or dem de or ga ni zarmi nis té rio con ser va dor. O im pe ra dor, em nota apos ta ao li vro de TitoFran co so bre o Fur ta do, ex pli ca ria que na que le mi nis té rio “ain da in flu -íam as idéi as que ori en ta ram a po lí ti ca da Con ci li a ção”. Não re sis tiu, po -rém, à Liga.

A con ci li a ção, a Liga ou o Par ti do Pro gres sis ta, fo ram, nosegun do re i na do, fa ses de uma mes ma idéia, qual a des tru i ção do es pí ritofac ci o so em pro ve i to de uma po lí ti ca de “va lo res” e re a li za ções. Fra cas -sa ra a con ci li a ção pela de sin te li gên cia a pro pó si to dos pro gra mas; a Liga,con ci li a ção mais sin ce ra, por que exi gia dos par ti dos um en ten di men to,não uma fu são – de via es bo ro ar-se na re pre sá lia de ou tra co li ga ção – a

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 239

dos “his tó ri cos”. Na bu co de Ara újo fun dou a Liga, ape lan do, no Senado,para a união de Fe de ra dos e Li be ra is, isto é, opo si ci o nis tas fran cos econ ser va do res dis si den tes. Uma emen da de Za ca ri as de Góes ao votode Gra ças oca si o na a der ro ta do ga bi ne te, por um voto ape nas de maioria,que, em face da ma ni fes ta ção do par la men to, se de mi te. D. Pe dro IIcha ma Za ca ri as. Go ver na três dias. Os li be ra is, exal ta dos, pro me temsusten tá-lo. Cai por uma de mons tra ção de des con fi an ça da ma i o ria. Oimpera dor so cor re-se de Olin da, para fa zer go ver no sem co res par ti dá riasfi xas, li gue i ro por tan to. O ex-regente cer ca-se de “ve lhos” (ga bi ne te de20 de maio de 1862), fi gu ras de vin te anos pas sa dos, o mar quês deAbran tes, os Vis con des de Ma ran gua pe e Albu quer que; Si nimbu. Ominis té rio dis sol ve a Câ ma ra. O ele i to ra do dá o tri un fo à liga. A “questãode Chris tie” per mi ti ria ao go ver no vida lon ga se não pre fe ris se ce der olu gar aos po lí ti cos com ba ti vos.

A Qu es tão de Chris tie con sis ti ra nas aze das re cla ma ções dominis tro in glês em vir tu de da pi lha gem, na cos ta do Rio Gran de do Sul,dos sal va dos da bar ca bri tâ ni ca Prin ce of Wa les, e da agres são so fri da naTi ju ca por ofi ci a is de ma ri nha da fra ga ta Forth, fa tos de vi da men te ex pli -ca dos pelo go ver no im pe ri al. To ma ra-os Chris tie como pre tex to parauma re pre sen ta ção enér gi ca, con tes ta da dig na men te pelo Mar quês deAbran tes, do que re sul tou a or dem dada pelo di plo ma ta à es qua draingle sa sur ta no por to, para que apre sas se vá ri os na vi os mer can tes bra si -le i ros (31 de de zem bro de 1862). O go ver no do Bra sil ape lou para asna ções cul tas, tra tou de apa re lhar-se para a guer ra, re cu sou tra tar comChris tie se não man das se res ti tu ir as pre sas, e teve a sa tis fa ção de ver oseu pon to de vis ta ven ce dor, no la u do ar bi tral do rei dos bel gas. Como a ofen sa ti nha par ti do do re pre sen tan te in glês, ne gou-se o go ver no bra si -le i ro a man ter re la ções di plo má ti cas com o seu país, en quan to não re ce -bes se ca ba is sa tis fa ções, que lhe fo ram re al men te pres ta das, em agos tode 1865, pelo mi nis tro bri tâ ni co, que as apre sen tou a D. Pe dro II emUru gua i a na, no acam pa men to de fron te da pra ça as se di a da e pres tes deren der-se às ar mas na ci o na is.

Za ca ri as su ce deu aos “ve lhos”. O go ver no re no vou-se, por quese de sen ten de ram dois cor re li go ná ri os da Câ ma ra – com o Fur ta do napre si dên cia do con se lho. Ele ar ros ta as gran des bor ras cas des se tem po:a ban car ro ta de 10 de se tem bro e a guer ra do Pa ra guai. O go ver no pro -

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cu ra ate nu ar as des ven tu ras do alto co mér cio do Rio, de cre tan do o cur -so for ça do das no tas do Ban co do Bra sil, tri pli can do-lhe, por emis são, o fun do dis po ní vel, e afi nal, de po is de re lu tân ci as he rói cas, a sus pen sãodos pa ga men tos do Ban co do Bra sil e a mo ra tó ria ge ral por 30 dias. Opro ble ma do rio da Pra ta (ex pos to em ou tro ca pí tu lo) leva ao Uru guai,em mis são es pe ci al, o con se lhe i ro Sa ra i va. Pre pa ra a ali an ça do Impé riocom Flo res e Mi tre. Lan ça um ul ti ma tum ao go ver no ori en tal – que pro -vo ca, em se gui da, a to ma da de Pa i san du por um di vi são bra si le i ra e a de -mons tra ção da nos sa ar ma da em Mon te vi déu. Pa ra nhos su ce de a Sa ra i -va e con ven ci o na en tre gar o go ver no do Uru guai ao Ge ne ral Flo res. Aso lu ção dada ao in ci den te de sa gra da ao im pe ra dor e de ter mi na a que dado mi nis té rio Fur ta do. O di ta dor do Pa ra guai apre sa ra o na vio bra si le i ro “Mar quês de Olin da” e man da ra in va dir Mato Gros so. Co me ça va umaguer ra de pro por ções ain da in cal cu lá ve is. Olin da foi cha ma do de novopara en fren tar a si tu a ção. Sa ra i va teve a pas ta do Impé rio, Fer raz, a daGu er ra, Na bu co, a da Jus ti ça.

Fran cis co Ota vi a no ce le brou, em Bu e nos Ai res, a trí plicealian ça (1º de maio de 1865). As pri me i ras vi tó ri as tor na ram de fá cil pre -vi são o tri un fo bra si le i ro. Za ca ri as subs ti tu iu a Olin da em 3 de agos to de 66 con ser van do na pas ta mi li tar Fer raz. Foi o de sas tre de Cu ru pa iti quefor çou a sa í da de Fer raz pela con ve niên cia que ha via de en car re gar-se aCa xi as a su pre ma di re ção do Exér ci to. Sen do ini mi gos o mi nis tro e oma re chal, de mi tiu-se aque le, para que o go ver no no me as se o gran deguer re i ro (27 de ou tu bro de 67).

Exo ne rou-se o ga bi ne te li be ral de 16 de ju lho de 68 – com aguer ra ga nha, to dos os pro ble mas da ad mi nis tra ção bem en ca mi nha dos, a opi nião pú bli ca so li dá ria com o go ver no, apo i a do por uma Câ ma raqua se ho mo gê nea. A cri se sur giu de um pe di do de de mis são de Ca xi as,(4 de fe ve re i ro de 68), ma go a do pe las crí ti cas da im pren sa da Cor te àsua ação no co man do das for ças. O Mar quês de Ca xi as não in sis tiu, para que a sua ati tu de não pa re ce sse um con vi te à exo ne ra ção do go ver no.Me ses de po is, en tre tan to, a es co lha de um se na dor pelo Rio Gran de doNor te tor nou in sus ten tá vel a po si ção de Za ca ri as. O im pe ra dor es co -lheu Tor res Ho mem, con tra os con se lhos do ga bi ne te, e este se re ti rou,sem su ge rir os no mes de seus cor re li gi o ná ri os em con di ções de su ce -der-lhe. Então, D. Pe dro II cha mou ao po der os con ser va do res.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 241

Assim ter mi na va a Liga. No me a do pre si den te do con se lho,Ita bo raí se cer cou de con ser va do res pu ros. Por ou tro lado, os li be ra is,in dig na dos, se re u ni ram aos ex tre ma dos. Dis sol vi da a Câ ma ra, fe riu-seum dos pré lios de im pren sa mais re nhi dos do re i na do, pelo vi gor dapropa gan da, pe los ata ques di ri gi dos ao Mo de ra dor (mais ab so lu to doque Na po leão III, es cre veu Sa ra i va), pela ide o lo gia que de ram ao seupar ti do, no con gres so de 1868, e, fi nal men te, pela ori en ta ção de mo crá ticaque abra ça ram. Na evo lu ção es pi ri tu al de 1868–70 se en tron ca a açãorepu bli ca na.

A ques tão do ele men to ser vil pas sa a do mi nar a po lí ti ca. SaiIta bo raí por não se con for mar com o abo li ci o nis mo do im pe ra dor, quepre ten dia – ter mi na da a guer ra do Pa ra guai – en ce tar, quan to an tes, agra du al eman ci pa ção dos es cra vos.

O Mar quês de S. Vi cen te, au tor dos pri me i ros pro je tos eman -ci pa ci o nis tas ofe re ci dos ao Con se lho de Esta do, as su miu a che fia doga bi ne te; re ti rou-se an tes da aber tu ra da ses são le gis la ti va de 1871, pornão ter o pres tí gio de que ca re cia um pre si den te de con se lho dis pos to aar ran car a uma as sem bléia con ser va do ra as leis que ma i or ter ror lhe ca u -sa vam. Ho mem ca paz de ar car com os pre con ce i tos e ir ri ta ções da ma i o -ria, era Pa ra nhos (Rio Bran co). Orga ni zou mi nis té rio a 7 de mar ço. A 17 con ce deu o par la men to li cen ça para a vi a gem do im pe ra dor à Eu ro pa,fi can do como re gen te do Impé rio a Prin ce sa D. Isa bel. Rio Bran co ven -ceu a hos ti li da de ge ral e ob te ve a Lei de 28 de se tem bro de 1871, que al for ri a va os fi lhos da mu lher ca ti va, nas ci dos a par tir da que le dia, li ber -tan do tam bém os es cra vos da na ção. Ina u gu ra va-se a jor na da abo li ci o -nis ta; en cer rar-se-ia em 1888, num lan ce de dra ma.

O ga bi ne te Rio Bran co foi o mais lon go do re i na do. Re mo de -la do em 20 de abril de 72, pro lon gou-se até 25 de ju nho de 75.

O IMPÉ RIO E A IGRE JA

A ques tão re li gi o sa foi o em ba ra ço mais sé rio que en con trou ogo ver no con ser va dor.

A ques tão dos bis pos com pro me teu a mo nar quia, aba lou a si tuaçãodomi nan te des de 1868, co mo veu as po pu la ções e per mi tiu que a opo sição,li be ral, se re a pa re lhas se, com o apo io de to dos os des con ten tes.

242 Pe dro Calmon

O cho que en tre a ma ço na ria que ti nha por grão-mestre o pre -si den te do con se lho, e o cle ro in fle xí vel, es bo ça ra-se no Rio em 1872,quan do o Bis po D. Pe dro Ma ria de La cer da ins tou para que o Pa dreAlme i da Mar tins, ora dor numa re u nião ma çô ni ca que fes te ja ra a Lei do“ven tre li vre”, se des li gas se dela. A ma ço na ria (ses são de 16 de abril de1872) ma ni fes tou ao pa dre a sua so li da ri e da de e de sen vol veu, em todo o país, uma cam pa nha su ma men te enér gi ca con tra a Igre ja. Sa í ram em sua de fe sa dois pre la dos de gran de in te li gên cia e vir tu des: o Bis po do Pará,D. Antônio de Ma ce do Cos ta, e o Bis po de Olin da, D. Fr. Vi tal Ma riaGonçal ves de Oli ve i ra. Ambos tra ta ram de afas tar os pa dres da ma ço naria,im pe dir que se ce le bras sem mis sas en co men da das pe los ma çons eexclu ir a es tes das ir man da des re li gi o sas. Atrás dos bis pos, es ta va opapa. Res pon den do a uma de li ca da car ta do mi nis tro do Impé rio, JoãoAlfre do, que lhe su pli ca ra se de ti ves se na sua con de na ção das ati vi da desma çô ni cas, D. Fr. Vi tal lem brou a alo cu ção do pon tí fi ce, em 1865, queas ful mi na ra.

De bal de in ter veio o in ter nún cio, pre ten den do ob vi ar à cri se;es cre veu D. Fr. Vi tal ao pró prio papa, que lhe apro vou o zelo e con ce -deu a sus pen são, por um ano, das ex co mu nhões in cor ri das pelo ma çonscomo mem bros das ir man da des (Car ta de 29 de maio de 1873). Re cor -re ram as ir man da des para a Co roa. O Con se lho de Esta do, aten den do aque as leis do im pé rio ti nham sido in fri ngi das pelo bis po, pro ces sou-o.Tan to o bis po do Pará como o de Olin da fo ram in ti ma dos a le van tar, no pra zo de 15 dias, os in ter di tos. Re cu sa ram-se a aca tar a de ci são go ver na -men tal, achan do que o seu ato só po dia ser re vis to e al te ra do pelo papa.Pre sos, tra zi dos para a Cor te, fo ram jul ga dos e con de na dos a qua troanos de en car ce ra men to. O povo en ca rou esse fato ex cep ci o nal como aimo la ção de in cor rup tí ve is pre la dos ao “re ga lis mo” exa ge ra do.

Ao de Rio Bran co su ce deu o Ga bi ne te Ca xi as. Fez ques tão, eob te ve do Impe ra dor a anis tia dos bis pos. Logo em se gui da, D. Pe dro II foi à Amé ri ca do Nor te. Ga nha ra o go ver no a car ta e o prin cí pio da au -to ri da de ci vil – de que não abri ra mão o im pe ra dor – sub sis tia ín te gro. Mas o par ti do con ser va dor sa í ra fe ri do, aos gol pes da elo qüên cia re li gi o sa, quepor toda par te lhe vi bra ram os ca tó li cos mi li tan tes e os ad ver sá ri os po lí -ti cos; e a mo nar quia – que co me ça ra por des gos tar, no rumo dado aopro ble ma ser vil, a aris to cra cia ru ral – per dia, ir re me di a vel men te, o de vo -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 243

ta do ali a do dos seus pri me i ros tem pos, que era o cle ro bra si le i ro. Aque le sá bio D. Antô nio de Ma ce do Cos ta iria res sur gir, de po is de pro cla ma daa Re pú bli ca, como prin ci pal da lei que se pa rou do Esta do a Igre ja. Lecler gé – le haut cler gé sur tout – en tira pré tex te pour se dé sin te res ser du sort de lamo nar chie, la chu te du ré gi me lui apa ra is sant dés lors com me un af fran chis se ment dé -si ra ble... – es cre veu o Prín ci pe D. Luiz.370

1875-1880

Rio Bran co ce deu a che fia do ga bi ne te, em 1875, ao ma re chaldo seu par ti do, Ca xi as. Du que, ge ne ral co ber to de gló ri as, vin do do Pa -ra guai como che fe ver da de i ro do Exér ci to, Ca xi as era en tão o mi nis tro ide al para as ses so rar a Prin ce sa D. Isa bel, re gen te do Impé rio en quan todu ras se a vi a gem que o Impe ra dor ia em pre en der aos Esta dos Uni dos.Cha mou o du que de Co te gi pe para mi nis tro de es tran ge i ros (na úl ti mafase do mi nis té rio foi che fe de fato), a Di o go Ve lho deu a pas ta da Jus ti ça, a do Impé rio, a José Ben to da Cu nha Fi gue i re do, a da Ma ri nha, a Pe re i ra Fran co, a da Agri cul tu ra, a To maz Co e lho.

Como o de Rio Bran co, o ga bi ne te de 75, que go ver nou até 5de ja ne i ro de 78, era com pac ta men te con ser va dor. Co te gi pe pre en chiaas fa lhas que a ida de e a do en ça abri ra na ati vi da de de Ca xi as; era, paraos fe i tos par la men ta res, o pre si den te do Con se lho. Foi e vol tou o im pe -ra dor sem que os ne gó ci os pú bli cos se res sen tis sem da sua au sên cia –gra ças à se ve ra ad mi nis tra ção do mi nis té rio. A sua gran de lei foi a de 20de ou tu bro de 1875, que, me lho ran do o pro ces so ele i to ral, ga ran tia arepre sen ta ção das mi no ri as pelo sis te ma de voto em cha pa in com ple ta.

244 Pe dro Calmon

370 Tra ba lhos con sul ta dos: CRISTIANO OTONI, Me mó ri as, par te iné di ta, ms.: OImpe ri a lis mo e a Re for ma, Rio, TAVARES DE LIRA, Esbo ço his tó ri co do re gí men ele i to -ral, Rio, 1922; BELISÁRIO DE SOUSA, O Sis te ma ele i to ral do Bra sil, Rio, 1872;NABUCO, Um Esta dis ta do Impé rio; TAUNAY, Re mi nis cên ci as; RIO BRANCO,Efe mé ri des Bra si le i ras; OTONI, Au to bi o gra fia; WANDERLEY PINHO, Po lí ti ca ePo lí ti cos do Impé rio, Rio, 1930; VIVEIROS DE CASTRO, Con tri bu i ções para a bi o -gra fia D. Pe dro II; AFONSO CELSO, Po der Pes so al do Impe ra dor, 2ª ser.; J. J.MONTE JUNIOR, Pro ces so e jul ga men to do bis po do Pará , Rio, 1874; D. LUIZ, Sous la cro ix du sud; AGENOR DE ROUGE, Con tri bu i ções para a bi o gra fia de D. Pe dro II; AFONSO CELSO, Vis con de de Ouro Pre to, Rev. do Instit. Hist., vol. 157; RUIBARBOSA, A Qu e da do Impé rio.

Mas a en fer mi da de de Ca xi as, o cerco que os li be ra is, re u nin do naCâmara, em 76, um nú cleo de ilus tres re pre sen tan tes, fa zia ao ga bi ne te,in ves tin do-o em 77, com to das as suas for ças de opi nião e de com ba te,o lon go do mí nio con ser va dor, que es ta va a exi gir o re ve za men to dospar ti dos – en cer ra ram em 5 de ja ne i ro de 1878 o de cê nio “re a ci o ná rio”.O im pe ra dor he si tou, an tes de de vol ver aos li be ra is as pas tas. Cha mouos pre si den tes do Se na do e da Câ ma ra. Afir ma ram-lhe am bos que vence raa idéia da ele i ção di re ta, pre co ni za da a par tir de 1860, e já não haviameios de evi tar o pro nun ci a men to da as sem bléia nes se sen ti do. Con si -de ra va-se (como em 1853), que o ví cio das câ ma ras unâ ni mes re si dia nosis te ma ele i to ral ana crô ni co dos dois gra us, e es ta va na ele i ção di re ta, daqual se fa zi am cam peões os opo si ci o nis tas, o re mé dio in subs ti tu í vel.Porém o Impe ra dor acha va des de 1861, se gun do Cris ti a no Oto ni, queseme lhan te re for ma im pli ca va ou tra, mais gra ve, qual a da Cons ti tuição.Sem pre pro cu ra ra fu gir ao ex tre mo de con sen tir numa re vi são cons ti tu -ci o nal, in ça da de pe ri gos e ca paz de que brar a só bria har mo nia da Car tado Impé rio. For ça do, en tre tan to, a de ci dir-se, con fi ou a Si nimbu a missãode or ga ni zar um ga bi ne te li be ral. O es ta dis ta ala go a no fê-lo tão ni ti da -men te li be ral como fora ri ja men te con ser va dor o pas sa do, com Leôn cio de Car va lho na pas ta do Impé rio, La fa i e te Pe re i ra (sig na tá rio do ma ni -fes to re pu bli ca no, que vol ta ra ao seio dos par ti dos mo nár qui cos) na dajus ti ça, nas pas tas da guer ra e da fa zen da dois ga ú chos, Osó rio e Gas par da Sil ve i ra Mar tins – este o mais im pe tu o so tri bu no do par ti do, que surgirana Câ ma ra em 72, aque le “o Ca xi as dos Li be ra is”... Como fora ines pe rada a mu dan ça de 68, fora brus ca e sen sa ci o nal a de 78. Sem me i as tin tas,sem transi ções ou pa li a ti vos – a as ce nsão vi to ri o sa do par ti do que seacha va em opo si ção im por ta va a ex pul são do ou tro de to das as po si ções e car gos de mis sí ve is, em que se en cas te la ra no úl ti mo de cê nio.

Mas o ga bi ne te de Si nim bu não re a li zou os seus ob jeti vosdou tri nári os.

ELE I ÇÃO DI RE TA

Pro pos ta ao Se na do a Cons ti tu in te cons ti tu í da, de bal de o go vernoespe rou pelo seu voto. Qu a tro mi nis tros de i xa ram o po der pou co depois: Andra de Pin to, Sil ve i ra Mar tins (que, dis se Na bu co, quis “ga nhar com asa í da o que per de ra com a en tra da”), Vila Bela e Leôn cio de Car va lho.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 245

Ti nha-se in com pa ti bi li za do com as idéas de Si nimbu, cu jas tran sa ções,vi san do à re du ção da re sis tên cia con ser va do ra, con tra ri a va os cor re li gi o nários ra di ca is. Fa le ceu Osó rio, em ou tu bro. O Se na do, por fim, re je i tou o pro -je to de Cons ti tu in te.

Ha via o re cur so da dis so lu ção par la men tar; o im pe ra dor pre -fe riu dar de mis são ao mi nis té rio.

Che ga ra a vez de Sa ra i va. Era o che fe do par ti do – o Nes tor,o ver da de i ro guia, com o pres tí gio dos seus tra ba lhos, da sua ar gú cia, do seu es pí ri to de mo crá ti co, do seu sen so das re a li da des. A 28 de mar çoSa ra i va or ga ni zou o ga bi ne te com Pe dro Luís (Estran ge i ros), Sou zaDan tas (Jus ti ça), Ho mem de Melo (Impé rio), Pe lo tas (Gu er ra), Bu ar quede Ma ce do (Agri cul tu ra), Lima Du ar te (Ma ri nha). As con di ções de êxi to do novo mi nis té rio li be ral es ta vam no ar dil de con si de rar ma té ria delegis la ção or di ná ria a re for ma ele i to ral e al can çá-la, res pe i tan do osprecon ce i tos do Se na do.

O pro je to da ele i ção di re ta, logo apre sen ta do, con ti nha duasdis po si ções trans ce nden tes; a gran de na tu ra li za ção e a ele gi bi li da de deaca tó li cos e li ber tos. A lei, que ina u gu ra va no Bra sil o voto uni ver sal,rece beu a data de 9 de ja ne i ro de 1881. Sa ra i va ven ce ra.

A ex pe riên cia do voto uni ver sal pro du ziu em todo o Impé riouma sen sa ção de re for ma e re ge ne ra ção, ca paz de apa zi guar a opo si çãocon ser va do ra – sa tis fe i ta – e a ân sia de trans for ma ções que di vi dia ospo lí ti cos li be ra is. Fo ra-se a épo ca das Câ ma ras unâ ni mes, ou va ga men teame a ça das pe las “pa tru lhas”, de opo si ci o nis tas iso la dos. Dois dosminis tros de Sa ra i va fo ram der ro ta dos nas ur nas, Pe dro Luís e Ho memde Melo. Ele ge ram-se 48 can di da tos con ser va do res: mais de me ta de daCâ ma ra. “Impar ci al e fi el men te cum pri da”, como di zia o Impe ra dor nafala do tro no de 1882, a lei ele i to ral já era con si de ra da “a car ta do sis temare pre sen ta ti vo e da li ber da de re li go sa no Bra sil” – como lhe cha ma raRui Bar bo sa.

Ape nas Sa ra i va – re a li za da a sua ta re fa – re sig nou o go ver noan tes de re a brir a as sem bléia, a 21 de ja ne i ro de 82, quan do Mar ti nhoCam pos foi en car re ga do de fa zer o 3º mi nis té rio li be ral. Cha mou paraco la bo ra do res jo vens ex po en tes do par ti do, como Ro dol fo Dan tas(Impé rio), Afon so Pena (Gu er ra), Alves de Ara újo (Agri cul tu ra), Fran co de Sá (Estran ge i ros)... Mas à sua qua li da de, de che fe da ma i o ria par la -

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men tar na Câ ma ra, não re u nia o pre si den te do Con se lho a de ad mi nis tra dor ou de or ga ni za dor, que dis tin guia Sa ra i va: ta lha do para os ban cos da opo -si ção, de sa fe i to à ação cal ma e si len ci o sa do go ver no, ve e men te e de sas -som bra do, Mar ti nho Cam pos não po dia con ser var-se mu i to tem po àfren te de um ga bi ne te que se apre sen ta ra à as sem bléia pro cla man do não ter pro gra ma. Aban do nou-o a 3 de ju nho do mes mo ano, der ro ta do naCâ ma ra – ten do re a li za do ape nas uma gran de me di da – a aber tu ra docré di to de 20 mil con tos para so cor ro dos fla ge la dos das se cas do Ce a rá, ini ci a ti va, aliás, do Impe ra dor.

Tal in ca pa ci da de de ação, de mons tra da pe los di ri gen tes doparti do li be ral, como Si nimbu e Mar ti nho, ca u sa ra de um lado o des gosto e o pro tes to dos cor re li gi o ná ri os ide a lis tas (Sil ve i ra Mar tins, Afon so Cel so Júni or, Rui Bar bo sa, César Zama, Jo a quim Na bu co), do ou tro, o des viodo par ti do con ser va dor dos seus pró pri os prin cí pi os, para pre ci pi tar-seà fren te do ad ver sá rio e con su mar-lhe as re for mas, de fen di das e pro pa -ga das na opo si ção, po rém aban do na das no go ver no.

Assis tiu o Bra sil a essa sin gu la ri da de: não so men te re a li za remos con ser va do res as idéi as dos li be ra is, como se re ves ti ram mu i tos destesda in tran si gên cia an ti ga e ven ci da dos seus con trá ri os para obs ta rem aos pro je tos que com ple ta ri am a re den ção dos es cra vos. Ma rti nho Cam posde cla rou-se “es cra vo cra ta da gema”.

Não con ce bi am os jo vens li be ra is que es ti ves se no po der umga bi ne te de sua cor po lí ti ca e, en tre tan do, sem pro gra ma. Um de les,Mo re i ra de Bar ros, acha va que já não ha via dis tin ção en tre os dois par ti -dos, po den do tro car os no mes... Era a con fu são – pro cla mou InácioMartins. Di zia-se que Mar ti nho ti nha “aban do na do a ban de i ra da re formapara fa zer a re for ma da ban de i ra”... “O que se via em 1822 era o Governoli be ral sus ten ta do por con ser va do res e com ba ti do por uma pa trulhalibe ral...”

Re al men te, Mar ti nho foi a re sis tên cia à abo li ção da es cra va tu ra,re a gin do con tra as im pa ciên ci as dos seus cor re li gi o ná ri os. Fa vo re cia ain to le rân cia do es cra va gis mo e ser via à po lí ti ca con ser va do ra, que ti nhaas sim da que le mi nis té rio tudo o que pu de ra es pe rar de um go ver no ami go.

Pa ra na guá, que subs ti tu iu Ma rti nho, con se guiu go ver nar de 3de ju lho de 82 a 24 de maio de 83.

As co i sas con ti nu a ram como dan tes.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 247

À me di da que a dis si dên cia li be ral se de fi nia, o pre si den te docon se lho se in cli na va para as ban ca das con ser va do ras, que o pou pa vam.Pa u li no de Sou za dis se ra ao Impe ra dor, na oca sião da es co lha de Pa ra -na guá, que os con ser va do res não hos ti li za ri am o ga bi ne te que evi tas sere for mas pre ci pi ta das ou ra di ca is. Qu e ria-se a mar cha len ta, re fle ti da epru den te. Mas o mi nis té rio caiu ví ti ma da pró pria in de ci são. Re ti ra -ram-se às pro vín ci as cer tas ren das con si de ra das in cons ti tu ci o na is; tra ta -va-se de re me di ar a cri se fi nan ce i ra que dis to re sul ta ra, e por que, a 14 de maio, pro pu ses se José Ma ri a no no va men te a ques tão do au xí lio, tor na da ma té ria de con fi an ça, saiu der ro ta do o go ver no por 53 vo tos con tra 40.

Mar ti nho ca í ra por 63 vo tos con tra 45...O im pe ra dor, de po is de con sul tar os che fes li be ra is, cha mou

La fa i e te. Con ser vou por um ano (até 6 de ju nho de 84), en fra que ci dopela ci são en tre os li be ra is, pela su ces são de pro ble mas ab sor ven tes,qua is os pró dro mos da “ques tão mi li tar” e a mar cha da idéia abo li ci o -nis ta, ata ca do vi o len ta men te por aque les que ti nham der ru ba do os doisga bi ne tes an te ri o res. Sen ti ra-se ne ces si da de de en tre gar o go ver no a umche fe – que pros se guis se as re for mas en ce ta das por Sa ra i va: e só ha viadois ho mens nes tas con di ções, que eram o mes mo Sa ra i va e o Dan tas, oba lu ar te ele i to ral dos li be ra is na Ba hia, di re tor da ala dos mo ços in te lec tu a -is do par ti do, “os in gle ses” (Rui, Ro dol fo Dan tas, Leão Ve lo so...). De po -is de ver der ru ba da a mo ção de des con fi an ça que pro pu se ra, por 60con tos ape nas con tra 56, La fa i e te re sig na ra ao po der. D. Pe dro II re no -vou o con vi te, que no ano an te ce den te fi ze ra a Sa ra i va, que de novo ore cu sou. Ace i tou Dan tas, dis pos to – em har mo nia de vis tas como o im -pe ra dor – a dar ao pro ble ma do ele men to ser vil a sua so lu ção na tu ral. “Opro gra ma... sin te ti zou-o num lema: não pa rar, não re tro ce der, não pre ci pi -tar.” Mas as ele i ções não lhe va le ram; ser vi ram aos es cra vo cra tas.

Tan tos er ros e he si ta ções ha vi am ro bus te ci do a opo si ção edado ao país a im pres são de que, em bo ta das as ar mas li be ra is, aosconser va dores se en se ja vam as con quis tas anun ci a das. Os três mi nis té rioslibe ra is que se se gui ram à ele i ção di re ta ti nham en fren ta do 48 opo si cionis -tas na Câ ma ra. As ele i ções de 84 au men ta ram-lhes o nú me ro para 56.Por uma ma i o ria oca si o nal foi o mi nis té rio aba ti do em 4 de maio de1885. A tem pes ta de abo li ci o nis ta des do bra va-se por todo o Impé rio.Dan tas re co me ça ra, com o pro je to da eman ci pa ção dos se xa ge ná ri os,

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apre sen ta do por Ro do fo Dan tas: era for ço so que ou tro li be ral con clu ísse. A cha ma dos con ser va do res, que pa re cia im pos ta, equi va le ria ao re tar -damen to, tal vez ao sa cri fí cio da abo li ção gra du al, sem in de ni za ção. Saraivanão se pôde fur tar a re i te ra do ape lo da Co roa; or ga ni zou o sétimominis té rio li be ral, a 6 de maio. Pro lon gou-se até 20 de agos to. Vo ta dacom pla cen te men te pela Câ ma ra a lei que li ber ta va os se xa ge ná ri os – jul -gou-se Sa ra i va isen to da obri ga ção de con du zir, por mais tem po, o seude su ni do par ti do pe los ní ve is da ad mi nis tra ção. De mi tiu-se ines pe ra da -mente. Pa ra na guá não quis su ce der-lhe. Che ga ra a vez dos con ser vadores.

Co te gi pe pas sa ra a ser o mais in flu en te dos po lí ti cos con ser -va do res, à ma ne i ra de Sa ra i va en tre os li be ra is. Pro vou as suas qua li da desde co man do num ex ten so go ver no que, en tre 20 de agos to de 85 e 10 demar ço de 88 con se guiu re sis tir às mais gra ves cri ses do re gi me, sa cu di dopela pro pa gan da re pu bli ca na, pelo des con ten ta men to do Exér ci to, pe lasin tri gas ou apo dos da im pren sa, pelo des pres tí gio das ins ti tu i çõescon se qüen te à vi o lên cia dos de ba tes po lí ti cos e à ex pan são das idéi asra di ca is.

A “ques tão Mi li tar” e a “abo li ção” for mam ca pí tu los à par te,por que se de sen vol ve ram em am bi en tes pró pri os. Foi o ga bi ne te Co te gipeo que me lhor ca rac te ri zou a po lí ti ca bra si le i ra no se gun do re i na do – depo is que “o po der pes so al” se di lu í ra na for ma do “pre si den te decon se lho como che fe do Exe cu ti vo”, e lu ta va con tra a in dis ci pli na doscor re li gi o ná ri os uma von ta de fir me e lú ci da de che fe, de se jo so de dar co e são ao par ti do, que se des con jun ta va e rom pia, na evo lu ção ine vi tá -vel... Co te gi pe go ver nou tan to tem po por que não se de i xou em pol garpela su ges tão das re for mas, que le va ri am no seu ar ras tão o mi nis té rio,mais a mo nar quia; o seu pro gra ma tor nou-se, no fun do, uma re sis tên ciafria e há bil às cor ren tes po de ro sas, que já ti nham em 1882 – 4 inu ti li za -do o par ti do li be ral.

A ques tão ser vil di vi dia os con ser va do res, como di vi di ra os li -be ra is. No Se na do, João Alfre do pro nun ci a ra-se pela ex tin ção de fi ni ti va eime di a ta da es cra vi dão. A im po pu la ri da de que a re sis tên cia de Co te gi pe àsre for mas pre ci pi ta das acar re ta va para o go ver no, as sim sa cri fi ca do à es -ta bi li da de das ins ti tu i ções, au men ta va a re so lu ção, que já tra ba lha va oâni mo da prin ce sa re gen te (pois o im pe ra dor, gra ve men te en fer mo, seau sen ta ra do país, à pro cu ra de me lho ras para a sua sa ú de na Eu ro pa) de

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 249

não se de i xar le var pela onda abo li ci o nis ta, an tes lhe to mar a di an te i ra,fa zen do-se a “re den to ra”.

Uma de mons tra ção de in dis ci pli na da ma ru ja, que se deu a 6de mar ço, por que a po lí cia es pan ca ra, ao que se di zia, o ca pi tão-te nen tere for ma do Le i te Lobo for ne ceu o pre tex to à que da do ga bi ne te e – em10 de mar ço de 1888 – à sua re or ga ni za ção, com os con ser va do resan ti es cra va gis tas, che fi a dos por João Alfre do, o es ta dis ta ta lha do para asi tu a ção.

Minis té rio des ti na do a pro mo ver uma re for ma emi nen te mentepo pu lar, que im por ta va a vi tó ria dos par la men ta res que tão va lo ro sa -men te a pre co ni za ram, con tra to dos os go ver nos, o ti tu lar da pas ta daJus ti ça de via ser Fer re i ra Vi a na. Antônio Pra do, o mais pres ti gi o so po -lítico con ser va dor de S. Pa u lo e um dos di re to res da dis si dên cia do par tidoquan to à abo li ção, fi ca va na pas ta de Estran ge i ros; Ro dri go Sil va, naAgri cul tu ra, To maz Co e lho, um dos ra ros flu mi nen ses que apo i a ramRio Bran co em 71, na Gu er ra, Cos ta Pe re i ra, na pas ta do Impé rio, Vi e i ra da Sil va, na Ma ri nha, com ple ta vam o ga bi ne te. A sua ra zão de ser era aabo li ção. Con clu iu-a, ful mi nan te men te, abrin do en tre fes tas o ca mi nhoà lei áu rea.

O cho que foi imen so.Se, de um lado, as ale gri as cí vi cas da jor na da e o tri un fo, que

dela re sul ta ra para a Prin ce sa Isa bel, com pen sa vam a ati tu de ad mi rá veldos con ser va do res, que bran do a tra di ção e ne gan do os seus prin cí pi os,qua is da evo lu ção mo de ra da – do ou tro, o des per tar da opi nião doslavra do res, após a con fu são dos pri me i ros dias, cri a ra para o go ver nopro ble mas in qui e tan tes. Le van ta ram-se em mas sa os se nho res de engenhodo nor te – onde a abo li ção de sor ga ni za ra o tra ba lho ru ral – re cla man do a in de ni za ção a que ti nham di re i to. Esbu lha ra-os o Esta do! O des gos todos pro pri e tá ri os agrí co las en fra que cia o mi nis té rio nos seus re du tosele i to ra is; abre vi ou-lhe os dias a im pren sa, de sa bri da, es ti mu la da peloêxi to de suas cam pa nhas, in fla ma da pe los in ci den tes quo ti di a nos quetra du zi am a ex ci ta ção de to das as clas ses.

Urgia uma po lí ti ca fi nan ce i ra ex tra or di ná ria. Era for çosotirar-se das pre mis sas li be ra is a sua con clu são – com a elas ti ci da de docré di to, a subs ti tu i ção do tra ba lha dor for ro pelo tra ba lha dor eu ro peu;

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com a lar ga imi gra ção, um au xí lio di re to à agri cul tu ra e ao co mér cio, um pro gra ma de obras na ci o na is...

Uma lei, de 24 de no vem bro de 88, per mi tiu às so ci e da desanô ni mas que se pro pu ses sem fa zer ope ra ções ban cá ri as, emi tir, me di -an te cer tas con di ções, bi lhe tes ao por ta dor e à vis ta, con ver sí ve is emmo e da cor ren te... Pa re cia a vol ta à plu ra li da de emis si o nis ta de Sou zaFran co; de fato, era um con vi te às ini ci a ti vas, em pro ve i to da cir cu la çãoge ral, que sa cu dis se do seu tor por o co mér cio, cri as se as in dús trias,socor res se a la vou ra... Entram 132 mil imi gran tes, em 1888.

Nos en tre men tes a opo si ção se agi ta. A pro pó si to da “lei doven tre li vre”, dis se Na bu co que os con ser va do res ti nham es go ta do opro gra ma li be ral. A mes ma per ple xi da de as sal ta va os li be ra is, ago ra queos an ti gos es cra va gis tas al for ri a ram os ca ti vos.

Era pre ci so re com por a ide o lo gia, ou dis sol ver-se.Os se na do res li be ra is acer ta ram re u nir na Cor te um con gres so

do par ti do. Em 23 de no vem bro de 88 di ri gi ram cir cu la res aos di re tó ri os pro vin ci a is. A 1º de maio de 89 a con ven ção se ina u gu ra va no Rio.Presi diu-a Dan tas, de po is Si nim bu. Uma ala de jo vens que ria a fe de ra çãople i tea da des de 1879 por José Bo ni fá cio, e o jor nal pa u lis ta A Cons ti tu in -te:371 Rui Bar bo sa, Ma no el Vi to ri no... Os ve lhos en ten di am que sal va ri amo par ti do – e o re gi me –, o voto se cre to e cons ci en te, pre si den tes ele i tospe las pro vín ci as, ca ben do a es tas a le gis la ção mu ni ci pal, li ber da de decul tos e ca sa men to ci vil, re du ção ou ex tin ção dos im pos tos de ex por ta ção,tem po ra ri e da de do Se na do, re for ma do Con se lho de Esta do, ga ran tiaefi caz do di re i to de re u nião e li vre ex pres são do pen sa men to, li ber da dee me lho ra men to do en si no. O pro je to de fe de ra ção apre sen ta do por Rui Bar bo sa teve ape nas 18 vo tos, en tre os qua is o de Dan tas, que de po isde cla rou con for mar-se com a de ci são da ma i o ria – que en ten de ra, deacor do com a opi nião de Sa ra i va, não ser opor tu na tal re for ma. Os des -con ten tes in cli na ram-se para a Re pú bli ca...

O Mi nis té rio João Alfre do de mi tiu-se, e, por que a Câ ma ra fos seem gran de par te con ser va do ra, pro cu rou o Impe ra dor subs ti tuí-lo den trodo mes mo par ti do. Mas de bal de con vi dou o Se na dor Cor rêa, o Vis con -de do Cru ze i ro, que ale ga ram mo ti vos pes so a is para não ace i tar a mis são

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 251

371 ALCÂNTARA MACHADO, Bra sí lio Ma cha do, p. 83, Rio, 1937.

de or ga ni zar go ver no, e o vis con de de Vi e i ra da Sil va, que con fes sounão en con trar com pa nhe i ros para um mi nis té rio à al tu ra da si tu a ção. Res -ta va ape lar para a opo si ção. Como ou tro ra se va lia, em con tin gên ci as se -me lhan tes, do Mar quês de Olin da, re cor reu o im pe ra dor a Sa rai va, o“Nes tor dos li be ra is”, se gun do Rui. Mais uma vez Sa ra i va re cu sou.Dis se ra a D. Pe dro II que era fa vo rá vel à ele i ção dos pre si den tes e dosse na do res pe las pró pri as pro vín ci as, re for ma que a mu i tos pa re cia de ex -tre ma gra vi da de. Re pli cou o mo nar ca, que se não opo ria “à von ta de dana ção, ex pres sa men te ma ni fes ta da”. Exi miu-se, com a ex cu sa de que asi tu a ção exi gia um es ta dis ta de sa ú de ro bus ta, e in di cou Ouro Pre to. Era o ho mem.

Ouro Pre to (Afon so Celso) fez mi nis té rio, a 7 de ju nho de1889, com o Ba rão de Lo re to na pas ta do Impé rio, Cândi do de Oli ve i rana Jus ti ça, Lou ren ço de Albu quer que na Agri cul tu ra, dois ofi ci a is ge ne -ra is nas pas tas mi li ta res (o Vis con de de Ma ra caju e o Ba rão de La dário).Go ver no só li do, pro gra ma lar go, de ci são fir me, mos tran do não que rerla de ar ou afas tar as so lu ções, como os ga bi ne tes li be ra is, de 1878–85.

A luta se ria ás pe ra – per ce beu o pre si den te do Con se lho, aoen fren tar na Câ ma ra, logo ao apre sen tar-se, com os seus mi nis tros, opri me i ro viva à Re pú bli ca, dado pelo Pa dre João Ma no el. Re vi dou-lhe.Expôs o seu pro gra ma. Obje ta ram-lhe: “É o co me ço da Re pú bli ca.”Re tor quiu: “Não; é a inu ti li za ção da Re pú bli ca.”

A dis so lu ção da Câ ma ra deu-lhe tem po para en ce tar umasérie de re for mas ru i do sas: o seu pro gra ma.

Re gu la men tou o de cre to so bre ban cos de emis são, au to ri zouo mi nis tro da Fa zen da a con tra ir um em prés ti mo de 110 mil con tos,con ce deu ao Ban co Na ci o nal do Bra sil a fa cul da de de emi tir bi lhe tes aopor ta dor, con ver sí ve is em ouro e à vis ta, con ce deu ao Vis con de deFi gue i re do au to ri za ção para cons tru ir obras pú bli cas de vul to, pros se -guiu o es tu do e a exe cu ção de um am plo au xí lio à la vou ra, que subs ti tu i ria ain de ni za ção em vir tu de da al for ria dos es cra vos. O go ver no dre na racon si de rá ve is ca pi ta is, que en co ra ja vam to das as ini ci a ti vas eco nô mi cas.Dois em prés ti mos ex ter nos para es pe ci al so cor ro à agri cul tu ra, con tra -ta dos em abril de 88 e se tem bro de 89, ao tipo de 97 e 90, e ju ros de 4½ e 4%, na im por tân cia de £6.297.000 o pri me i ro, de £19.837.000 o se gun -do, acres ci do do em prés ti mo in ter no de 110 mil con tos, de agos to de

252 Pe dro Calmon

89, tipo de 90 e juro em ouro, pu se ram nas mãos do go ver no 38 mi lhõesde li bras. O Vis con de de Ouro Pre to pre ten dia re co lher com ple ta men teo pa pel-mo e da, subs ti tu in do-o pela cir cu la ção me tá li ca, ins ti tu ir o cré di -to agrí co la, re mo de lar o re gi me ban cá rio e as ta ri fas adu a ne i ras... Ne ces -si ta va, po rém, para as me di das prin ci pa is que ti nha em vis ta, da au to -ri za ção le gis la ti va. Sur pre en deu-o, an tes da ins ta la ção ofi ci al das Câ ma -ras, a pro cla ma ção da Re pú bli ca.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 253

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XXIVA Abolição da Escravatura

A abo li ção da es cra va tu ra en cheu, com a ver bo si dade e a in qui e tu de dos tri bu nos-apóstolos, duas dé ca das da nos sa his tó riapolí ti ca; ne nhum pro ble ma pú bli co de tal modo agi tou, co mo veu, abaloua so ci e da de, fa zen do-se co mum a toda a na ção. Tor na ra-se cho can tecom as avan ça das idéi as li be ra is, que são apa ná gio da mo ci da de ro mântica,le tra da e, no fun do, re vo lu ci o ná ria, a ins ti tu i ção do ca ti ve i ro, com osseus as pec tos de su ma nos, a sua in jus ti ça, a sua bar bá rie. Era o ves tí giocru el da Co lô nia, era a lem bran ça per ma nen te dos tem pos an ti gos, emque o Bra sil não se dis tin guia dos ou tros do mí ni os tro pi ca is la vra dospelo bra ço afri ca no, e o tra ba lho for ça do pa re cia, a uma “eli te” de ge ne -ro sos es pí ri tos, a abo mi na ção his tó ri ca.

Des de a Inde pen dên cia essa “eli te” com ba te dis cre ta men te aes cra vi dão. A in fluên cia in te lec tu al é in gle sa, e a Ingla ter ra ju ra ra guer rade mor te à es cra vi dão. A par tir de 1831, ha bi tu am-se os bra si le i ros àidéia de que, al gum dia, não te rão mais es cra vos. A co lo ni za ção eu ro péia é a es pe ran ça dos es ta dis tas. Sen tem que o trá fi co não será mais pos sível,tan to se cum pram as leis e tra ta dos; por fim Eus ébio de Qu e i roz, em1850, des fe cha no ne gó cio ne gre i ro o gol pe de fi ni ti vo, ex tin guin do-osob pe nas se ve ras.

A po pu la ção ne gra do Bra sil está con de na da a min guar; blo que a -da, nas sen za las, pe las ou tras ra ças, cujo cres ci men to é rá pi do. Em 1851 apri me i ra voz se er gue na Câ ma ra, pro pon do a abo li ção. É um cla mor in di -vi du al. Embo ra re fli ta uma cons ciên cia co le ti va, esse gri to é um de sa ba fo.A po lí ti ca ex te ri or (guer ra de Ro sas e guer ra do Pa ra guai), a con ci li a ção dapo lí ti ca in ter na (go ver no Pa ra ná), a era prós pe ra que me de ou en tre 1853 e1864, im pe dem a agi ta ção eman ci pa ci o nis ta, que, en tre tan to, en san güen ta va a Amé ri ca do Nor te (1861–1864), im pres si o na va o mun do in te i ro.

A vi tó ria de Lin coln en co ra ja va as as so ci a ções fi lan tró pi casinter na ci o na is, que ple i te am a ma nu mis são dos ca ti vos. D. Pe dro II recebeelo qüen te ape lo dos abo li ci o nis tas fran ce ses, em 1866. Em 1867, fazcons tar da “Fala do Tro no” a pri me i ra re fe rên cia ao pro ble ma ser vil,que cum pria re sol ver. Ita bo raí jul gou, de po is, que esse pro ble ma eramais gra ve que o da guer ra do Pa ra guai. Não o te meu o Impe ra dor, apesarda re sis tên cia dos con ser va do res, da ti mi dez dos li be ra is e da própriaindeci são dos re pu bli ca nos, que for mam par ti do em 1870 e, na con vençãode Itu, de medo aos pre con ce i tos da la vou ra, se re cu sam a des fral dar aban de i ra da pron ta eman ci pa ção.

Jo a quim Na bu co re co nhe ce ria “que a ação pes so al do Impe ra -dor se exer ceu prin ci pal men te des de 1845 até 1850 no sen ti do da su pres são do trá fi co, e des de 1866 até 1871, em fa vor da eman ci pa ção dos fi lhos nas -ci dos de mães es cra vas”. “A par te que cabe ao Impe ra dor em tudo o que se exe cu tou pela ca u sa da li ber ta ção é mu i to gran de, é es sen ci al.”

“Ape nas a es cra vi dão não era um fato aci den tal, era ain da osu pre mo fato eco nô mi co.”

D. Pe dro II, a pro pó si to da ques tão ser vil, sou be usar da que la for ce d’inertie qui est le se cre des grands rég nes, de que fa lou Bal zac.

Os agri cul to res, não con fi an do nos ban cos, in ci pi en tes, em -pre ga vam em es cra vos as suas eco no mi as: eram o ca pi tal. Nos cli masquen tes do nor te, onde não iam imi gran tes es tran ge i ros, os es cra voseram os tra ba lha do res; só ha via la vra do res bran cos no ser tão e naspeque nas pro pri e da des. O es cra vo era o açú car de Per nam bu co e da Bahia. O pró prio Karl Marx es cre ve ra, em 1847: “Sem es cra va tu ra, não ha ve ria al go dão, sem al go dão, a in dús tria mo der na.”372 Era a tra di ção ru ral. Era

256 Pe dro Calmon

372 V. S. SIMKHOVITCH, Mar xis me con tre So ci a lis me, p. 319, Pa ris, 1919.

o bra ço – no des po vo a do país; o Bra sil ha bi tu a ra-se a ele; e não pa re ciadispos to a lar gá-lo. Por isso vin te anos fo ram ne ces sá ri os para a con versãodos ho mens.

O mo vi men to abo li ci o nis ta des ceu, do alto para as ruas, etam bém su biu, do povo para o tro no.

Os po e tas, os jor na lis tas, os tri bu nos, ar ras ta ram na sua tem -pes ta de ver bal os po lí ti cos. A dou tri na ção abo li ci o nis ta co in ci de com aguer ra de seces são nos Esta dos Uni dos; Cas tro Alves é o agi ta dor.Impe li do pelo im pe ra dor, es con den do-o mal, o Ga bi ne te Rio Bran co,com a lei de 28 de se tem bro de 1871, tran si ge com os sen ti men tos de li -ca dos do seu tem po, li ber tan do os nas ci tu ros.

A pe dra des pe nha-se.Orga ni za ções eman ci pa ci o nis tas for mam-se em todo o

país – fa vo re ci das, sem pre que hou ve en se jo para isto, pelo pró prioD. Pe dro II. Cri am-se em toda par te ca i xas para a al for ria de es cra -vos, di la tan do-se um cos tu me an ti go, qual o de pre mi a rem os se -nho res com a li be ra de, nas oca siões so le nes de sua exis tên cia, os ca -ti vos que o me re ci am. (Trin ta mil li ber ta ções es pon tâ ne as hou veen tre 1872 e 76.)

S. Pa u lo tor na-se um cen tro de gran de ati vi da de abo li ci o nis ta:aí é um an ti go es cra vo, Luiz Gama, a alma da cam pa nha. Ou tro ho mem de cor a ori en ta na Cor te: José do Pa tro cí nio. Je rô ni mo So dré abre aluta na Câ ma ra, em 1879. Na Ba hia os jor na is não pu bli cam mais anún -ci os de le i lões de es cra vos, Jo a quim Na bu co fun da, em 1880, a “So ci e -da de con tra a Escra vi dão”. Em 1883 sur ge a “Con fe de ra ção Abo li ci o -nis ta”. Na pro vín cia do Ce a rá to dos os es cra vos fo ram al for ri a dos em1884. Logo, as ins ti tu i ções de com ba te à es cra va tu ra – obe de cen do aolema de Pa tro cí nio, “a es cra vi dão é um rou bo” – pro mo ve ram a fugaem mas sa dos ne gros das fa zen das, o ocul ta men to de les em nu me ro sosasi los, mes mo a sua re mes sa para o Ce a rá, trans tor nan do, por meio deum me tó di co tra ba lho se cre to, a vida dos cen tros es cra va gis tas. A re a -ção des tes es te ve à al tu ra da agres são.

O par ti do con ser va dor re sol veu tudo opor à de sor ga ni za çãoda la vou ra, e a au to ri da de pú bli ca sa iu-lhe em au xí lio. Era “a ru í na des tevas to Impé rio”, dis se ra Sil ve i ra Mar tins, que se pro cla ma va “mais ami go

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 257

do Bra sil que do ne gro”.373 O pró prio Mar tim Fran cis co re co nhe ciaque, sem in de ni za ção, a abo li ção se ria a de pre da ção, e para a in de ni zação se faria mis ter de mais de um mi lhão de con tos. Na bu co ar gúi a ile gi ti midadedo ca ti ve i ro dos es cra vos in tro du zi dos no Bra sil de po is de 1831, quan do o trá fi co fora le gal men te ex tin to. Rui Bar bo sa, os co ri fe us do abo li ci o -nis mo, apói am-se a essa tese ju rí di ca e o go ver no não a des pre za: osmi nis té ri os Dan tas e Sa ra i va pro põem-se li ber tar os es cra vos se xa ge ná ri -os, mas o par ti do li be ral se di vi de, não con tam com uma ma i o ria cer ta eaos con ser va do res aban do nam a gló ria das leis que ex tin gui ram no paíso ele men to ser vil.

A 28 de se tem bro de 1885 (mi nis té rio Co te gi pe) foi de cre ta da a al for ria dos es cra vos que atin gis sem a ida de de 60 anos.

A ques tão mi li tar, em 1886–7, apres sou a der ro ca da do edifícioes cra va gis ta, com a for mal re cu sa, pe los ofi ci a is do Exér ci to, de per se -guir os ne gros aqui lom ba dos nas en cos tas do Cu ba tão.

Os ofi ci a is do Exér ci to, se guin do o exem plo de Sena Ma du reira, de cla ra vam-se abo li ci o nis tas e pro pa ga vam a sua idéia.

Cer ca de 10 mil es cra vos fu gi ram das fa zen das pa u lis tas paraas ma tas de San tos. Um na vio de guer ra foi des ta ca do para aque le por to, um ba ta lhão de li nha se guiu para Cam pi nas – mas os pre tos fu gi dos não vol ta ram à gle ba. Nem po dia o go ver no, en fra que ci do pe los sin to mas de in dis ci pli na e con tra ri e da de da tro pa, pela ex plo ra ção jor na lís ti ca dosacon te ci men tos e pe los in ci den tes po li ci a is, que se su ce de ram, acu diraos fa zen de i ros. A fa mí lia Pra do, nu me ro sa, li ber ta ra de vez to dos osseus es cra vos.

Os se nho res mais pers pi ca zes an te ci pa vam-se à cri se, des fa -zen do-se sem de mo ra dos seus es cra vos. De fato, em qua tro anos onúmero de les fora re du zi do de 400 mil; em cin co anos mais não ha ve riaca ti vos no Bra sil.374

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373 Jef fer son Da vis ti ve ra fra se aná lo ga: “The in te rest of Mis sis si pi not of the Afri can...”Vd. nos Esta dos Uni dos, Ame ri can Ci vi li za ti on and the Ne gro, C. V. ROMAN, p.161, Fi la dél fia, 1927.

374 TOBIAS MONTEIRO, Pes qui sas e De po i men tos, p. 170, Rio, 1913; O. DUQUEESTRADA, A Abo li ção, p. 260, Rio, 1918; V. LICÍNIO CARDOSO, À Mar gemda His tó ria da Re pú bli ca, p. 331, Rio, 1924.

A anar quia das fa zen das com pli ca va-se com a anar quia dascida des.

No Rio de Ja ne i ro, a li ber ta ção co me çou a ser fe i ta de ba ir roem ba ir ro, e a pro pa gan da era vi o len ta, in to le ran te, qua se tru cu len ta. Os abo li ci o nis tas em pol ga vam e di ri gi am o povo; não ha via de ter-lhes amar cha ine vi tá vel. De bal de fo ram pro i bi dos os co mí ci os po pu la res (8de agos to de 1886).

Os só ci os do Club Mi li tar pe di ram à prin ce sa-regente – D.Pe dro II fora à Eu ro pa em bus ca de me lho ria para a sua sa ú de – nãofos sem ofi ci a is e sol da dos “en car re ga dos da cap tu ra dos po bres ne grosque fu gi am à es cra vi dão”.

A prin ce sa mos tra va-se fran ca men te fa vo rá vel aos abo li ci o -nis tas e re sol vi da a apres sar-lhes a ta re fa. O co ra ção de mu lher fa la -va-lhe mais alto que o tino po lí ti co: na que la cor ren te de sen ti men tos es -ta va, afi nal, a afe ti vi da de bra si le i ra. Não man da ra dis per sar o qui lom bo do Le blon e dava aos pro te to res des te a im pres são de os aju dar. Arris ca va aCo roa (e o lem brou Co te gi pe, cujo mi nis té rio caiu por não que rer as su -mir a res pon sa bi li da de da abo li ção ime di a ta e sem in de ni za ção), mas eratar de para qual quer re cuo. De po is o Impe ra dor, ao ter co nhe ci men to naEu ro pa da lei de 13 de maio, con fes sa ria que, se es ti ve ra pre sen te, as co -i sas não se fa ri am as sim: por que foi o re pen ti no em po bre ci men to detoda uma cas ta (prin ci pal men te dos pro pri e tá ri os do nor te cuja si tu a çãofi nan ce i ra não lhes per mi tia re no var o sis te ma de tra ba lho, e que afi nalti nham na es cra va tu ra o seu pa tri mô nio) e a con fu são eco nô mi ca.

O tur bi lhão das ruas ven ceu in cru en ta men te. Foi uma fes tano Bra sil o que fora uma tre men da guer ra nos Esta dos Uni dos – re co -nhe ce ra o mi nis tro ame ri ca no, des lum bra do pela apo te o se da Abo li ção.

O Ga bi ne te João Alfre do, con ser va dor, que subs ti tu í ra a Co te -gi pe, ti nha a mis são de eli mi nar o ca ti ve i ro em ter ras do Impé rio. O par ti do con ser va dor re ne ga va as suas tra di ções, de i xan do-se ar ras tar pela ondada opi nião pú bli ca da Cor te; João Alfre do, re pre sen tan te da ala moça eavan ça da da ve lha fac ção, era tam bém abo li ci o nis ta, como Antônio Pra do,como Ro dri go Sil va. Ace i tou a che fia do mi nis té rio, com o pro pó si to de en cer rar o dra ma, de um gol pe. A mo nar quia tran si gia sem pre. Tran si gi ra,no ga bi ne te an te ri or, com os mi li ta res (De o do ro e Pe lo tas), na ques tão

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 259

des tes; tran si gia com o al vo ro ço po pu lar, aban do nan do a ro ti na e os úl -ti mos pro tes tos da agri cul tu ra flu mi nen se.

João Alfre do as su miu o go ver no em 10 de mar ço de 1888.A 8 de maio Ro dri go Sil va, mi nis tro da Agri cul tu ra, apre sentou

à Câ ma ra o de cre to, cons tan te de um úni co ar ti go, que de cla ra va abo li da a es cra vi dão.

Tra va ram-se nas duas Ca sas do par la men to os úl ti mos debates.As ga le ri as apu pa vam os opo si ci o nis tas, glo ri fi ca vam os de fen so res daex tra or di ná ria me di da. A co a ção do povo abre vi a va as dis cus sões, masdava ao pro je to, em trân si to, o ca rá ter de uma re vo lu ção. Pou cos têmâni mo su fi ci en te para se lhe opor – pois ao povo se uni ra a mo nar quia, e a prin ce sa-regente, che ia de en tu si as mo, des ce ra de Pe tró po lis para assinarsem mais de mo ra, para as si nar so le ne men te a lei prin ci pal do seu re i nado.Andra de Fi gue i ra, na Câ ma ra, Pa u li no de Sou za, no Se na do, fo ram osaben cer ra gens do par ti do con ser va dor fiéis ao es cra va gis mo.

Pa u li no fe chou o ci clo à po lê mi ca co mum dos mais ele gan tese no bres dis cur sos que ain da se ou vi ram no par la men to na ci o nal. Erainú til in sis tir. O pro je to es ta va ir re sis ti vel men te vi to ri o so. Na Câ ma raape nas 12 de pu ta dos o ti nham re pro va do. O Pre si den te do Se na domos tra va an si e da de em vê-lo tam bém apro va do. So men te cin co se na doresse lhe opõem. As ga le ri as fre mi am, en tre ame a ça do ras e de li rantes,vibrando das emo ções que trans for ma vam aque le dia o Rio numa cidadedes va i ra da. Pa u li no dis se gra ve men te: “É sa bi do, e to das as fo lhas que liesta ma nhã dão no tí cia, que Sua Alte za Se re nís si ma a Prin ce -sa-Imperial-Regente des ceu de Pe tró po lis e a uma hora es ta rá no Paçoda Ci da de à es pe ra da de pu ta ção des ta Casa a fim de san ci o nar e ime di a -ta men te pro mul gar a Lei que V. Exª aca ba de sub me ter à de li be ra ção doSe na do. Qu an do me per mi ti ram as cir cuns tân ci as, cum pri meu de vercomo se na dor. Ago ra vou cum prir meu de ver de ca va lhe i ro, não fa zendoes pe rar uma se nho ra de tão alta hi e rar quia.”

Apro va do, o pro je to foi, por uma co mis são de de pu ta dos esenado res, en tre gue às 3 ho ras à prin ce sa, que o subs cre veu com a canetade pe dra ri as que os abo li ci o nis tas lhe ofe re ce ram. Na bu co, de uma sacada,co mu ni ca ao povo a re den ção dos es cra vos. Pa trocí nio lan ça-se de jo e -lhos e be i ja as mãos a D. Isa bel: é a “Re den to ra”. As ruas en chem-se demul ti dão que, aos bra dos, numa inex pri mí vel ale gria, pro cla ma o fim da

260 Pe dro Calmon

es cra vi dão. D. Isa bel, ao or ga ni zar com João Alfre do o mi nis té rio daabo li ção, dis se ra a Co te gi pe: “Então, ga nhei ou não?...” Res pon de ra-lhe,profe ti ca men te, o ex-presidente do Con se lho: “Vos sa Alte za ga nhou apar ti da, mas per deu o tro no.”

A 13 de maio de 1888 en cer ra va-se a cri se do ele men to ser vil; abria-se a cri se das ins ti tu i ções po lí ti cas.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 261

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

XXVO Epílogo da Monarquia

O fenô me no po lí ti co, que foi a pro cla ma ção da Re pú bli ca,de ri vou dos dois gran des pro ble mas que sub ver te ram a or dem in ter nano pe núl ti mo de cê nio do sé cu lo: a abo li ção da es cra va tu ra e a “ques tãomi li tar”.

A der ro ca da da an ti ga eco no mia, fun da da so bre a es cra vi dão,tirara à mo nar quia o apo io da gran de pro pri e da de.375 A no bre za ter ri torial, que ela cri a ra, as mu ni ci pa li da des, go ver na das pe los pro pri e tá ri os agrí -co las, a la vou ra, sen ti ram que uma nova or dem de co i sas des vi a ra o paísdo seu rit mo tra di ci o nal. À cri se eco nô mi ca, de ter mi na da, nas re giõesagrí co las, pela al for ria dos ca ti vos, se se gui ra um mo vi men to de in qui e -ta ção po lí ti ca, que so bre tu do tor na ra opor tu na e fe cun da a pro pa gan dare pu bli ca na. Os con ser va do res, cin di dos a pro pó si to da abo li ção, des -gos to sos com a Co roa, em con se qüên cia da as cen são do par ti do li be rale da não-in de ni za ção dos se nho res de es cra vos, como que ria Co tegipe,ven ci dos nas ele i ções de 1889, sob o mi nis té rio Ouro Pre to, fa cil men tese sub me te ram à in fluên cia das idéi as no vas.376

375 CALÓGERAS, For ma ção His tó ri ca do Bra sil, p. 385.376 COELHO RODRIGUES, A Re pú bli ca na Amé ri ca do Sul, p. 3, Su í ça, 1906.

Foi en tre os li be ra is que a mo nar quia en con trou, nos úl ti mosmo men tos, as de di ca ções mais in tran si gen tes.

A “ques tão mi li tar” apres sou-lhe o fim.

A QU ES TÃO MI LI TAR

De sen vol veu-se o con fli to en tre os mi li ta res e o go ver no num am bi en te fi lo só fi co pró prio, que era a Esco la Mi li tar. Explo ra va as in dis -po si ções pes so a is en tre fi gu ras emi nen tes da clas se e os mi nis té ri os. Assuas ca u sas eram mo ra is e as suas ra zões trans cen den tes.

O exér ci to in com pa ti bi li zou-se me nos com o tro no do quecom o es ta do so ci al do Bra sil, pro fun da men te ci vi lis ta, com a suamáqui na bu ro crá ti ca, a sua ro ti na agrá ria, os seus ví ci os ele i to ra is. Elesen tia a fal ta de uma “di ta du ra mi li tar”, como em 1887 es cre veu oGene ral Flo ri a no Pe i xo to.377 De al gu ma co i sa se me lhan te a uma repú -bli ca, for te e le i ga, como a Fran ça de Gam bet ta e Ferry.

O po si ti vis mo, de po is de 1876, do mi na ra as pa ten tes in fe ri o -res; a des cren ça avas sa la ra as pa ten tes mais al tas; de fato, a in dis ci pli naen tra va os quar téis, com a “po lí ti ca”, para de lá sair com a “re vo lu ção”.Da ta va do ano de 70. Vol tan do do Pa ra guai trou xe ra o Exér ci to o ide a -lis mo exal ta do dos po vos vi zi nhos, cuja vida pú bli ca os ci la ra aos so prosde ma gó gi cos. Fa cil men te se in cli na ram para as so lu ções ra di ca is e an ti -di nás ti cas, os mi li ta res re ti ra dos das emo ções da guer ra, onde tão ra pi -da men te as pro mo ções se su ce di am, para o am bi en te gla ci al das guar -ni ções pro vin ci a is, num lon go pe río do de paz, que lhes fe cha va a car -re i ra, ma tan do o es tí mu lo. Tí nha mos um im pe ra dor que, ao con trá riode D. Pe dro I, ma ni fes ta va pela ad mi nis tra ção ci vil, pe las ciên ci as e le -tras, o cu i da do que nas ou tras mo nar qui as os prín ci pes dis pen sam aosseus re gi men tos. As ins ti tu i ções, de po is de 1870, tor na ram-se ain da mais ci vi lis tas, des de que fi ca vam re sol vi dos os nos sos pro ble mas de frontei ras,aba ti dos os ini mi gos na tu ra is do Impé rio, con so li da do o equi lí brio con -ti nen tal. Vá ri os po lí ti cos ou sa vam pre co ni zar a dis so lu ção da for ça delinha. Era cus to sa e di fí cil de con ten tar. A ma ri nha, esta con ti nu a va arece ber do go ver no uma pro te ção es pe ci al. O Impe ra dor far da va-se

264 Pe dro Calmon

377 OLIVEIRA VIANA, A Qu e da do Impé rio, Con tri bu i ções para a bi o gra fia de D.Pe dro II, p. 845.

sem pre de al mi ran te, ra ra men te de ma re chal. O go ver no man da va comprar à Ingla ter ra cou ra ça dos, como só os ti nham as gran des na ções. Con ser -va va-se o Impé rio a quin ta ou sex ta po tên cia na val do mun do. Mas oExér ci to, que i xa vam-se os mi li ta res, de ca ía, ar ros ta va a des con fi an ça dos par ti dos, des mem bra va-se... Num tem po fo ram dois ir re du tí ve is ini mi -gos “da es pa da” – o che fe da opo si ção, Za ca ri as, e o da si tu a ção, Cote -gi pe – este a adi vi nhar De o do ro, aque le a lem brar Ca xi as.

OS MI LI TA RES E O GO VER NO

Os par ti dos não que ri am mal às for ças ar ma das. Antes, ar di -lo sa men te, pro cu ra ram por ve zes as so ci ar aos seus des ti nos as pa ten tesmais pres ti gi o sas, con ti nu an do a prá ti ca, que vi nha das pri me i ras re vo luçõesna ci o na is, de ex plo ra rem os po lí ti cos no pro ve i to pró prio as es pa das,even tu al men te pro pen sas a essa ali an ça; ape nas as que ri am sub mis sas epas si vas. Não se con si de ra ra ve da da à clas se mi li tar a po lí ti ca.

Sem pre no Bra sil, as sim no pri me i ro re i na do, prin ci pal men tena re gên cia e, por todo o se gun do re i na do, os ofi ci a is su pe ri o res, que seacos ta vam a um gru po par ti dá rio, ou per ten ci am a uma fa mí lia po lí ti ca,exer ce ram pa ra le la men te as fun ções da sua pa ten te e mais as de sua opi -nião – ha ven do mes mo car gos mi li ta res re pu ta dos de par ti cu lar im por -tân cia ele i to ral. O de co man dan te da fron te i ra, no Rio Gran de do Sul,era um des ses car gos. De sem pe nhou-o Ben to Gon çal ves da Sil va, sus -ten tan do os li be ra is, quan do o Re gen te Lima e Sil va lhe pe dia que nãovo tas se em Ara ú jo Lima... Mais tar de foi Osó rio o co man dan te, subs ti -tu í do por José Luiz de Mena Bar re to, ao su bi rem os con ser va do res...Estes ti nham um gran de cor re li gi o ná rio mi li tar: Ca xi as. Por to Ale gre ePe lo tas eram ou tros ge ne ra is-po lí ti cos do Rio Gran de. Mas o Ca xi as dos li be ra is era o Mar quês de Her val; a quem o mes mo Ca xi as, em 1845, re -co men da ra, no Rio Gran de, uma cha pa em que pre do mi na vam ofi ci a isdo Exér ci to, po rém, em 1863, di zia, numa des pe di da cor di al: “O ho memde S. Cris tó vão man da-lhe per gun tar se não é pos sí vel que você de i xe de ser tão po lí ti co?” “Não”, res pon de ra o fu tu ro he rói de Tu i u ti.378

O par ti do con ser va dor go ver na ra duas ve zes com Ca xi as napre si dên cia do Con se lho, em 1862 e 1875. Por es sas oca siões a co e são e

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 265

378 FERNANDO OSÓRIO, His tó ria do Ge ne ral Osó rio, I, 711, Rio, 1894.

a dis ci pli na do Exér ci to fo ram ir re pre en sí ve is, ape sar de, já en tão, mostrarCo te gi pe o pres sen ti men to de que al gu ma re vo lu ção vi ria.379 Vol tan doos li be ra is ao po der em 1878, cha ma ram Osó rio. Entrou tri un fal men tena Cor te. Po rém fa le ceu em 6 de ou tu bro de 1879. Sa ra i va deu a pas tada Gu er ra a Pe lo tas (que re cu sa ra ser mi nis tro com S. Vi cen te); mas noano se guin te o ilus tre ge ne ral de i xa va o ga bi ne te subs ti tu í do por FranklinDória.

Os mi nis té ri os se guin tes de 3 de ju lho, de 24 de maio, de 6 de ju nho, de 6 de maio, li be ra is, e os de 20 de agos to e 10 de mar ço, con -ser va do res, não cu i da ram de con fi ar a mi li ta res as pas tas mi li ta res.Embo ra am bos os par ti dos não es que ces sem os “seus” ge ne ra is, de umlado Pe lo tas e Flo ri a no Pe i xo to, do ou tro De o do ro da Fon se ca, comoque o go ver no os des pre za va, pre fe rin do dar-lhe or dens, por in ter mé dio de mi nis tros que não co nhe ci am os as sun tos da mi lí cia, não lhe sa bi ama psi co lo gia, nem sou be ram ins pi rar à clas se o de vi do res pe i to.

O EXÉR CI TO DE LI BE RAN TE

For ma ram-se, nes se am bi en te ir ri ta do, os “ca sos” de que secom põe a “ques tão mi li tar”.

Per mi ti am-se al guns ofi ci a is dis cu tir pela im pren sa fa tos daad mi nis tra ção do Exér ci to, em res pos tas a dis cur sos par la men ta res.Aze da vam-se os de ba tes. Re pli ca vam os de pu ta dos vi sa dos acu san do de infra to res dos re gu la men tos dos an ta go nis tas, que lhes res pon di am com a “hon ra mi li tar”, di zen do-a atin gi da, por “in sul tos” e “in so lên ci as” dospo lí ti cos. Os mi nis tros da Guer ra não po di am fe char os olhos à in dis ci -pli na exis ten te; ba i xa vam por ta ri as, cen su ran do os ofi ci a is po le mis tas.Então a es tes le va vam uma ade são vi bran te os com pa nhe i ros de far da,guar ni ções in te i ras pro nun ci a vam-se em fa vor do co le ga pu ni do, de fen -den do a tese de que o ofi ci al, fora do quar tel, era tam bém ci da dão; e osmi nis tros, para ob vi ar aos ma les de um con fli to, re sig na vam às pas tas.Sa íam “ar ra nha dos”; e a “ques tão mi li tar” con ti nu a va...

Su ce deu as sim com Sena Ma du re i ra, co man dan te da Esco lade Tiro do Rio Gran de, que, em 1886, re vi da ra a uma crí ti ca do ex-Mi -

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379 CONSTÂNCIO ALVES, Fi gu ras, p. 169, Rio, 1921.

nis tro da Gu er ra Se na dor Fran co de Sá, a pro pó si to de suas ati vi da desabo li ci o nis tas. Re que reu Sena um Con se lho de Gu er ra, que lhe foi ne ga -do; e o mi nis tro o cen su rou. Pa re ceu à guar ni ção do Rio Gran de que ogo ver no to ma va par ti do, por um se na dor, con tra um mi li tar. O co man -dan te das ar mas, Ge ne ral De o do ro da Fon se ca, não so men te pres ti gi oucom o seu as sen ti men to, como deu à re u nião da ofi ci a li da de a sua pre -sen ça e – por que Co te gi pe, pre si den te do Con se lho e seu ami go, lhe es -tra nhas se – ex pli ca va: “Hou ve mo ti vo para tu mul tu o sas re u niões, por -que os mi li ta res não po dem, nem de vem es tar su je i tos a ofen sas e in sul -tos de Fran cos de Sá e Sim plí ci os, cu jas ir man da des não os au to ri zam adi ri gir in sul tos, nem os isen tam da pre ci sa e con ve ni en te res pos ta.”

Eram per to de du zen tos os ofi ci a is pro tes tan tes, que se jun taram em ses são no Te a tro Re cre io Dra má ti co, pre si di dos por De o do ro: re sol -ve ram ape lar di re ta men te para o che fe da na ção, con fi an do a De o do ro a mis são de re pre sen tá-lo, no pe di do que iam fa zer para se rem cas sa dosos “avi sos in cons ti tu ci o na is”, “jus ta men te con de na dos pela im pe rialreso lu ção de 3 de no vem bro...” Co te gi pe, que de cla rou não per mi tir o“exér ci to de li be ran te”, de mi tiu De o do ro (5 de de zem bro); mas o Senadoapro vou a con ci li a tó ria mo ção de Sil ve i ra Mar tins, que anu la va os efe i tos das pe nas dis ci pli na res....

A CRI SE

Pe lo tas ame a ça va da tri bu na do Se na do e De o do ro ame a ça vada sua casa no Rio de Ja ne i ro, onde ti nha a mesa atu lha da de te le gra masde so li da ri e da de dos com pa nhe i ros de ar mas. A pro pa gan da re pu bli ca na apos sa vam-se dos mi li ta res des gos to sos. A Esco la Mi li tar era um doscen tros da ir ra di a ção re pu bli ca na, gra ças aos pro fes so res, fran ca men tead ver sá ri os das ins ti tu i ções, como Ben ja min Cons tant. Os li be ra is, du -ran te os dois ga bi ne tes con ser va do res (Co te gi pe e João Alfre do), lan ça -vam à fo gue i ra to das as achas da in tri ga, que a im pren sa de com ba tecar re a va na ex plo ra ção diá ria dos in ci den tes po li ci a is, de ca sos como oda ju bi la ção do pro fes sor da Esco la Mi li tar Mo re i ra Pin to, que te ria me -lin dra do uma vez o Con de d’Eu, dos con fli tos como o que re sul tou dapri são de Le i te Lobo, ofi ci al de Ma ri nha re for ma do, no Rio, e do de sen -ten di men to en tre o 17º ba ta lhão, de S. Pa u lo, e o che fe de po lí cia dapro vín cia...

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 267

A abo li ção agra va ra o mal-estar re i nan te.Os ca de tes da Esco la Mi li tar de Por to Ale gre e os do Rio de

Ja ne i ro to ma ram ati tu des se di ci o sas. O Club Mi li tar (De o do ro e Ben ja -min) ma ni fes ta ra à prin ce sa, em 1887, o seu voto, por que os mi li ta resnão fos sem mais in cum bi dos da pri são de es cra vos fu gi dos. Por fim, sob o úl ti mo ga bi ne te da mo nar quia, su ce deu o ine vi tá vel.

Ben ja min Cons tant tor na va cada vez mais elo qüen te a suadou tri na ção dos prin cí pi os de mo crá ti cos. Em face do mi nis tro da Guerra,in te ri no, Con se lhe i ro Cândi do de Oli ve i ra, e de ofi ci a is da Ma ri nha chi -le nos, pro nun ci ou um dis cur so em que ata ca va o go ver no e exal ta va oExér ci to. Re ti rou-se o mi nis tro. O pre si den te do Con se lho, Ouro Pre to,achou que o mi nis tro de ve ra ter pren di do o pro fes sor. De mi tiu o di re tor da Esco la, Ge ne ral Mi ran da Reis.

De bal de D. Pe dro II, a quem Ben ja min Cons tant agra da va,pela pu re za do ca rá ter e in fle xi bi li da de das opi niões, tan to que o fi ze rapro fes sor dos prín ci pes seus ne tos, acon se lha va Ouro Pre to a não cas tigaro ofi ci al re pu bli ca no.

Ina mol gá vel, en car nan do a au to ri da de, que se não cur va, o pre si -den te do Con se lho re pu ta va-se fa da do a res ta be le cer a or dem na Mo nar -quia. O ga bi ne te an te ri or re sol ve ra a seu modo a “ques tão mi li tar”. Por que a Bo lí via e o Peru es ti ves sem em es ta do de guer ra, man da ra De o do ro paraMato Gros so com uma for ça, a ob ser var. Ven ci am sol dos de guer ra e fi ca -vam por al gum tem po lon ge da ca pi tal do Impé rio. De o do ro vol ta ra. OuroPre to, que não foi pro cu ra do por ele, tam bém não o vi si tou.

A clas se ar ma da unia-se mais. O mi nis té rio re mo ve ra para oAma zo nas o 22º ba ta lhão. Fora a con se lho de Flo ri a no, que era o generalde con fi an ça de Ouro Pre to, o novo “Ca xi as dos li be ra is”.

Mas os bo a tos de trans fe rên ci as de cor pos, de vin gan ças contraos ofi ci a is de sa fe tos do ga bi ne te, até da subs ti tu i ção da for ça de li nhapela guar da na ci o nal cor re ram en tre a tro pa, tra ba lhan do-lhe os âni mos.

La vrou a cons pi ra ção.Ha via ne ces si da de de der ru bar-se o enér gi co mi nis té rio que,

além de pro fun das re for mas ad mi nis tra ti vas e fi nan ce i ras, se pro pu nharedu zir o exér ci to à dis ci pli na pri mi ti va. Re pu bli ca nos, li be ra is dis si dentes,que não lhe per do a vam a re pug nân cia pelo fe de ra lis mo, con ser va do res

268 Pe dro Calmon

de si lu di dos, en con tra ram na mo ci da de das ar mas o bra ço, ca paz dedesfe char o gol pe, que aba te ria o Vis con de de Ouro Pre to e o re gi me.

Era à ves pe ra da re vo lu ção, que fez a Re pú bli ca.

OS PARTIDOS E A MONARQUIA

A de ca dên cia dos par ti dos na Mo nar quia pro vi nha da suapró pria evo lu ção.

Rom pi am os seus qua dros ide o ló gi cos, sa tis fe i tas as as pi ra -ções ini ci a is; pro cu ra vam acom pa nhar a flu tu a ção das opi niões; adap ta -vam-se. Não sou be ram ser fiéis aos seus pro gra mas, pelo há bi to, queadqui ri ram, de usur par o pro gra ma alhe io: é uma das ca rac te rís ti cas doper so na lis mo na po lí ti ca do se gun do re i na do. Con ser va do res e li be ra isde vi am se guir ca mi nhos pa ra le los, e no en tan to se en con tra ram mu i tasve zes, con fun di ram as suas tra je tó ri as, pas sa ram para a es quer da os pri -me i ros e para a di re i ta os de ma is, e não raro su ce dia que o con ser va dormais ir re du tí vel era o li be ral, e o mais avan ça do re for mis ta, o con ser vador.De fato, os pro gra mas po lí ti cos – afo ra os pla nos de ação, ela bo ra dospe los jor na lis tas dos par ti dos e que se não exe cu ta vam di vi di am-se empro gra mas de go ver no (co la bo ran do di re ta men te ne les o Impe ra dor,por isso “mí ni mos”) e de opo si ção, elás ti cos, au da zes e adi an ta dos.Enten dia-se de co me ço que era li be ral quem que ria a evo lu ção rá pi da eace i ta va to das as su ges tões do pro gres so es tran ge i ro, isto é, do li be ra lismoro mân ti co: e era con ser va dor quem con di ci o na va aque la evo lu ção aos“am bi en tes”, por que não pre ju di cas se à or dem pú bli ca, nem à la vou ra,nem ao equi lí brio exis ten te. Entre tan to to das as leis abo li ci o nis tas fo ram fe i tas por si tu a ções con ser va do ras, que ar ros ta vam a opo si ção oca si o naldos li be ra is; e acon te ci men tos in ter na ci o na is como a guer ra do Pa ra guai não pu de ram ser evi ta dos por go ver nos li be ra is, an ti mi li ta ris tas (Ga bi -ne tes Fur ta do e Za ca ri as), in fen sos, por tra di ção, à glo ria da di nas tia.Acon te cia, igual men te, que os par ti dos clás si cos (li be ra is e con ser va dores)obe de ci am ra ra men te a um úni co che fe, como Pa ra ná em 1853, ou Saraivaem 1880, e ha via, den tro ne les, cor ren tes ou alas, sub fac ções a que otro no re cor ria, para subs ti tu ir os mi nis té ri os sem sair da mes ma corpolí ti ca. Eram as “dis si dên ci as”, en ca be ça das por es ta dis tas de vul to, os“gru pos”, que pro mo vi am os aci den ta is en ten di men tos e as fu sões como par ti do ad ver sá rio em de ter mi na das cri ses. As alas guar ne ci am os

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flan cos par ti dá ri os, e van guar das às ve zes per di das em ar ris ca dos “re -conhe ci men tos” de i xa vam-se apri si o nar pelo ini mi go... Du ran te a dis cussãodas leis abo li ci o nis tas, cin diu-se o Par ti do Con ser va dor, como se cin di ra o Li be ral.

Já o Vis con de de Albu quer que dis se ra, como Dis ra e li a pro -pó si to dos par ti dos na Ingla ter ra:

“Não há co i sa mais pa re ci da com um lu zia do que um sa qua -re ma.” Mais in tran si gen te do que Co te gi pe foi Mar ti nho Cam pos. RioBran co co man dou a di vi são avan ça da do seu par ti do, con tra Ita bo raí,como João Alfre do ha via de co man dá-la, con tra Co te gi pe. Sa ra i va eramais mo de ra do li be ral do que Dan tas, e Ouro Pre to mais mo de ra do doque Sa ra i va. Este con se guiu a lei da ele i ção di re ta, que não ob ti ve ra ogo ver no do seu cor re li gi o ná rio Si nim bu. Os exa ge ra dos e os pru den tesom bre a vam-se sob a ban de i ra do mes mo par ti do, for man do-lhe osextre mos. Con ser va dor era Fer re i ra Vi a na, cuja elo qüên cia ti nha se me -lhan ças fla gran tes com a do exal ta do Sil ve i ra Mar tins. José de Alen carera con ser va dor, mes mo na sua ini mi za de com o tro no; Ta u nay eraconser va dor e sus ten ta va idéi as re vo lu ci o ná ri as, como Na bu co se mantinha li be ral, apo i an do o Ga bi ne te João Alfre do em 88. Afon so Cel so Ju ni orera li be ral e pro pen so aos re pu bli ca nos, como Rui Bar bo sa; re pu bli canos,po rém, se fa zi am li be ra is-monárquicos, como La fa i e te, ou mo nár -quicos-conservadores, como Inho mi rim... Em ge ral, os po lí ti cos mar chavame con tramarchavam, na di re ção con trá ria, tro can do as po si ções, comocon ven ci dos de que a ver da de es ti ves se sem pre do lado opos to; só nãocon des cen di am “no ter re no po lí ti co e ad mi nis tra ti vo em re la ção aoadver sá rio”.380 Pas sam de li be ra is a con ser va do res, Vas con ce los, Abaeté,Tor res Ho mem, Pa ra nhos, Wan der lei, Jun que i ra... No sen ti do in ver soevo lu em Olin da, Sa ra i va, Na bu co de Araú jo, Fer raz, Paes Bar re to... Fa ci -li ta ra esse mo vi men to a “con ci li a ção”, que os con ser va do res con si de ra -ram o seu sa cri fí cio. As ou tras ques tões do re i na do – a ele i to ral, a daEscra vi dão, a re li gi o sa, a mi li tar – apa ga ram ain da mais os li mi tes en treos par ti dos, para au men tar o ar bí trio dos ho mens po lí ti cos e li ber tá-losda dis ci pli na par ti dá ria.

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380 VISCONDE DE TAUNAY, Ho mens e co i sas do Impé rio.

A de ca dên cia dos par ti dos mo nár qui cos as su me esse as pec to;por isso Ouro Pre to, no úl ti mo mi nis té rio do re gi me, ape la va para todos os mo nar quis tas, a fim de con su mar a união, em pro ve i to das ins ti tu i -ções ame a ça das. Pre co ni za va a se gun da “con ci li a ção” (che gan do a con -vi dar para mi nis tro, Ta u nay, con ser va dor),381 que, se não ca ís se a mo -nar quia, em 1889, pro du zi ria um gran de par ti do de li be ra is-con ser va do -res, a opor-se ao ter ce i ro, que sur gia acres ci do dos con ser va do res des -con ten tes e dos li be ra is fe de ra lis tas ( “es quer da” e “di re i ta” dos par ti dos tra di ci o na is), o “re pu bli ca no”.

O PAR TI DO RE PU BLI CA NO

A idéia re pu bli ca na sem pre exis tiu no Bra sil. Antes da Inde -pen dên cia, quan do não se jul ga va que esta se ria fe i ta por um prín ci pe;de po is da Inde pen dên cia, por hos ti li da de àquele prín ci pe; du ran te aregên cia, pelo te mor do ve lho ab so lu tis mo; no co me ço do se gun doreinado, por opo si ção à men ta li da de con ser va do ra; no de cur so da vidamo nár qui ca – a idéia re pu bli ca na sur gi ra, re tra í ra-se, re a pa re ce ra, es pa -lha ra-se; ora va ga men te re pre sen ta da por um ide a lis mo co mum eromân ti co, for ma que a re ves tia nas aca de mi as de di re i to, ora vi vaz ecom ba ti va, nas ex plo sões re vo lu ci o ná ri as do sé cu lo.

O Impé rio era a ex ce ção ame ri ca na. Cer ca vam-no as re pú bli cas,de que se fi ze ra o con tras te. O pró prio Impé rio, a par tir de 1835, quan doaca bou o re gi me dos mor ga di os, e de po is das cam pa nhas par la men ta res da abo li ção, da ele i ção di re ta, da fe de ra ção das pro vín ci as, da tem po ra ri e da dedo Se na do, con ver te ra-se, aos pou cos, numa de mo cra cia com o seu ró -tu lo mo nár qui co.

D. Pe dro II era o em ble ma da mo nar quia; subs ti tu í do o im pe -ra dor por um pre si den te ele ti vo e ex tin ta a vi ta li ci e da de da Câ ma ra Alta, se ria a Re pú bli ca.

Daí a se re ni da de com que a es pe ra ram os es ta dis tas do Império,tam bém a bo nan ça que lhe cer cou o ad ven to.

A im pren sa con ser va ra o sen ti men to das fo lhas exal ta das doperío do re gen ci al; a lin gua gem de ma gó gi ca agra da va ao pú bli co; e jor nais

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 271

381 TAUNAY, Ho mens e co i sas do Impé rio, p. 27.

re pu bli ca nos, ve e men tes como o Gu a i cu ru , da Ba hia, ló gi cos como oDiá rio de No tí ci as, do Rio, que foi o ór gão da dis si dên cia li be ral em 1889,con cor ri am para lem brar a fa ta li da de po lí ti ca do con ti nen te.

Já em 1850 – cin co anos de po is de pa ci fi ca da a pro vín cia doRio Gran de e mor ta a re pú bli ca de Pi ra ti ni, dois anos de po is de dis sol vidaa “Pra ia” e aba fa da a in qui e ta ção per nam bu ca na – o Gu a i cu ru se di ziaór gão do “ge ne ro so e hon ra do par ti do re pu bli ca no”, que que ria “a Re -pú bli ca, não uni tá ria, com pac ta e in di vi sí vel, como a qui se ram ou tro ra, e hoje ain da a que rem os fran ce ses... mas como a ilus tra da e fe liz UniãoNor te-Americana, fun da da na ro bus tís si ma base dos três ele men tosorgâ ni cos sa bi a men te com bi na dos, o de mo crá ti co, o re pre sen ta ti vo e ofe de ral” (Gu a i cu ru , 8 de ou tu bro de 1850).

A idéia de mo crá ti ca – con ti da no de cê nio de 1850–60, que foi o do ma i or es plen dor da mo nar quia, vi to ri o sas as suas ar mas no es tran -ge i ro, es ta be le ci da no in te ri or a paz po lí ti ca, en tre gue o país a uma fe bre de in dús tri as e me lho ra men tos, que lhe re vo lu ci o na ra a eco no mia – desceude novo à pra ça pú bli ca em 1860.

A “Cir cu lar aos ele i to res”, de Teó fi lo Oto ni lem bra va a“Car ta aos ele i to res mi ne i ros”, de Ber nar do de Vas con ce los. O Rio deJa ne i ro ele geu os três li be ra is ex tre ma dos, Oto ni, Fran cis co Ota vi a no eSal da nha Ma ri nho, cu jos ar re mes sos de mo crá ti cos se ate nu a ri am pelotem po além, con quis ta dos os dois pri me i ros de fi ni ti va men te pe los par ti dosmo de ra dos, po rém cu jas idéi as fru ti fi ca ri am, até à ex plo são de ma gó gi cade 1862.

Deu-lhe mo ti vo a ina u gu ra ção, no Ró cio, da es tá tua eqües trede D. Pe dro I. Tar da ra aque la ho me na gem ao fun da dor do Impé rio; mas a pres tou a po lí ti ca com a má xi ma pom pa, des per tan do des tar te, ir ri tadas,to das as ve lhas di a tri bes na ci o na lis tas que ti nham, trin ta anos antes,expul so do Bra sil o pri me i ro im pe ra dor: nu me ro sos pan fle tos cir cu laram,po e tas mo ços can ta ram a gló ria de Ti ra den tes, em opo si ção a Pe dro I,Oto ni saiu a cam po, qua li fi can do o mo nu men to de “men ti ra de bron -ze”... Nes se am bi en te de exal ta ção po lí ti ca, ge ra do das zo nas do pen sa -men to onde re per cu ti am os fa tos in ter na ci o na is, como a luta en tre olibe ra lis mo e o im pe ri a lis mo em Fran ça, a guer ra ci vil da Amé ri ca doNor te, a evo lu ção in gle sa para a de mo cra cia, a uni fi ca ção ita li a na – um

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pre tex to bas ta ria para que to mas se vul to, e cris ta li zas se em par ti do, ogru po, ain da er ran te e in dis ci pli na do, de re pu bli ca nos.

Foi o pre tex to a der ru ba da in tem pes ti va do go ver no de Zacarias,em 1868, com a as cen são dos con ser va do res no meio de uma Câ ma raqua se to tal men te li be ral.

Nas do bras des sa tem pes ta de o Par ti do Re pu bli ca no nas ceu.Deri vou do ma ni fes to li be ral ra di cal de 1868. Améri co Bra si li en se de claraque foi a gran de ma i o ria dos ra di ca is, exa cer ba dos pelo “pas se de mágica” do Mo de ra dor, que ace i tou a Re pú bli ca em no vem bro de 1870. O ma ni -fes to de 3 de de zem bro – que lhe deu as ra zões so ci a is – pro cla mou ane ces si da de da Re pú bli ca: se ria a vol ta do Bra sil ao ame ri ca nis mo, se riaa fe de ra ção, se ria a igual da de, a so be ra nia do povo afi nal. O par tidoincipien te não en fren ta va o pro ble ma da abo li ção; con si de ra va-o umaquestão dos par ti dos mo nár qui cos; a sua ati tu de era an tes de “ob ser va -ção” do pre sen te, para a “co lhe i ta” do fu tu ro; era o par ti do da evo lu ção. “O gros so das for ças re pu bli ca nas vem do des con ten ta men to ca u sa dopela abo li ção”, di ria Na bu co.

A pro vín cia de S. Pa u lo, po rém, deu à nova fac ção os seuspri me i ros ele men tos de êxi to. De po is de 1870, e em con se qüên cia doau men to das cor ren tes imi gra tó ri as, S. Pa u lo pas sa ra a ca rac te ri zar o seu pro gres so pelo in dus tri a lis mo, numa mul ti pli ca ção de ini ci a ti vas que jáfa zia pre ver o em pó rio do sé cu lo XX.

Abre-se ali, mais ru de men te do que nas ou tras pro vín ci as, ocon fli to en tre a la vou ra es cra va gis ta, cujo nú cleo cen tral era Cam pi nas, e a mo der na in dús tria. Esta be le ce-se a “men ta li da de das ino va ções”,isto é, a “con di ção eco nô mi ca” para um novo re gi me. Qu e i xam-se osde pu ta dos pa u lis tas, como Mar tim Fran cis co, em 1881, de que o go -ver no im pe ri al não aten dia às exi gên ci as do de sen vol vi men to eco nô -mi co da sua pro vín cia. As clas ses con ser va do ras sen tem-se ata das pelo re tra i men to de cré di to, pela es cas sez do meio cir cu lan te, pela pro gres -si va de mo li ção da bar re i ra al fan de gá ria de pro te ção à in dús tria na ci o -nal, em sa tis fa ção da la vou ra, que fa zia os mi nis té ri os e pre pon de ra vaab so lu ta men te – e foi nes sa cor ren te de pro tes tos que na ve gou a idéiare pu bli ca na.

S. Pa u lo po dia ser a mais re pu bli ca na das pro vín ci as do Impériopor que era a mais dis tan ci a da das for ças tra di ci o na is da opi nião: o trabalho,

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 273

a gran de imi gra ção, o do mí nio da má qui na, a re sis tên cia da agri cul tu raàs leis abo li ci o nis tas, a ri que za cres cen te, re cla man do uma po lí ticaadequa da e pa u lis ta, de se nha ram ali uma fi si o no mia di ver sa. Apa re ce oPar ti do Re pu bli ca no Pa u lis ta em 1870. Em 73, re ú ne-se a con ven çãorepu bli ca na de Itu. De en tão até 1889, o par ti do cres ce, en gros san docom as de ser ções dos con ser va do res mo nár qui cos, que não per do am àmo nar quia a abo li ção. Os três pri me i ros de pu ta dos re pu bli ca nos quetoma ram as sen to na Câ ma ra do Impé rio fo ram Cam pos Sa les e Pru dentede Mo ra is, por S. Pa u lo, e Álva ro Bo te lho, por Mi nas (1885). Por isso, ao pro cla mar-se a Re pú bli ca, acha ram as no vas ins ti tu i ções em S. Pa u louma base ci vil de sus ten ta ção – pre pa ra da pe los po lí ti cos da pro pa ganda,que fo ram os es ta dis tas re ve la dos pela que da do tro no: Gli cério, Pru -den te de Mo ra is, Cam pos Sa les, Ber nar di no de Cam pos...

No Rio Gran de do Sul o ide a lis mo re pu bli ca no que con ti nuara a que i mar, nas cin zas da re vo lu ção “far rou pi lha”, du ran te o se gundoreinado, as su me uma fe i ção or ga ni za da com a Con ven ção de 23 de fe ve -re i ro de 1882, cal ca da nos mol des do Con gres so de Itu.382

Era a pro vín cia ra di cal men te li be ral que po dia ele ger umaban ca da in te i ra de opo si ção, com Sil ve i ra Mar tins, as si mi lar os con ser va -do res, di lu in do-lhes a cor ren te numa una ni mi da de li be ral, e de i xar-se in -flu en ci ar de tal sor te pela dou tri na ção po si ti vis ta, que o pu gi lo de mo çosque fi ze ram A Fe de ra ção, em 84, vi ve ri am e mor re ri am fiéis ao cre do dasua ju ven tu de. À fren te de les, es ta va Jú lio de Cas ti lhos. For ja-se nes seam bi en te fi lo só fi co a mais gra ve das qua tro ques tões mi li ta res, que foi ade Sena Ma du re i ra – De o do ro –, Pe lo tas, cha ma da pelo Ba rão de Co te gi pe, do “exér ci to de li be ran te”. Como S. Pa u lo, o Rio Gran de era ter ra deimi gra ção es tran ge i ra; po rém, mais que a ou tra pro vín cia, abria-se esta ato das as in fluên ci as do Pra ta. De vi am lá so prar, mais for tes, os ven tosde mo crá ti cos; à tra di ção re pu bli ca na, dos “far ra pos”, se jun ta va a su ges tãore pu bli ca na, dos vi zi nhos... Ha via, em 1888, 56 clu bes re pu bli ca nos emMi nas Ge ra is, 48 em S. Pa u lo, 32 no Rio Gran de do Sul; eram as pro vín ci as mais pre dis pos tas à trans for ma ção po lí ti ca que se anun ci a va. No Nor teesse mo vi men to foi bem mais mo de ra do. Se a pro vín cia do Rio – onde,como es cre veu Na bu co, os con ser va do res edu ca dos por Pa u li no, Eu sé bio

274 Pe dro Calmon

382 OTHELO ROSA, Jú lio de Cas ti lhos , p. 160, Por to Ale gre, 1928.

e Andra de Fi gue i ra, se pas sa ram em mas sa para as fi le i ras re pu bli ca nas,em vir tu de da abo li ção – ti nha os seus 30 clu bes de pro pa gan da con tra a mo nar quia, em Per nam bu co ha via 6, no Pará, 5, 3 na Ba hia, no Ce a rá,dois, um em Ala go as...

Mas não foi a opi nião ci vil que fez a Re pú bli ca em 1889. Nãoti nha ain da for ças para tan to.383 Ve ja mos como a pro cla ma ram as clas -ses ar ma das.

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383 Vd. EVARISTO DE MORAES, Da Mo nar quia para a Re pú bli ca, p. 75, Rio, 1936.

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XXVIA Pro cla ma ção da Re pú bli ca – O 3º Re i na do – Sil ve i ra

Mar tins – A Cons pi ra ção e De o do ro – Ade são dos Po lí ti cos – Vés pe ra do Gol pe – 15 de No vem bro – Fim do Impé rio

Avi zi nha va-se o ter ce i ro re i na do. O Impe ra dor vol -ta ra da Eu ro pa res ta be le ci do da en fer mi da de que ex tre ma men te o de bi -li ta ra, a pon to de gi rar a po lí ti ca, cer to tem po, a roda da su ces são di nás ti ca.Mas a sa ú de de D. Pe dro II con ti nu a va a ins pi rar cu i da dos. Os ad ver sá ri osdo go ver no acu sa vam-no de amo le ci men to ce re bral – por que Sua Ma -jes ta de au men ta va, com o re tra i men to cada vez ma i or do Mo de ra dor, aau to ri da de do pre si den te do Con se lho. Di zia-se que vi via go ver na dopelo cor te za nis mo, en xa me an te em tor no da prin ce sa e do Con de d’Eu,o “Fran cês”. A im po pu la ri da de des te cres cia, à me di da que a pro pa gan dare pu bli ca na avul ta va, cha man do fre ne ti ca men te a aten ção do país paraas pers pec ti vas do 3º re i na do, com o Orléans, re pre sen tan te de umaCasa ba ni da da sua pró pria ter ra, ramo de um tron co que os jor na is ex -tre mis tas de Fran ça (a épo ca era de Gam bet ta) apre sen ta vam com osseus sé cu los de car co ma... A im pren sa re pu bli ca na (O Paiz, de Qu in ti no, o Cor re io do Povo, de Sam pa io Fer raz, o Diá rio de No tí ci as, de Rui), mos tra vana pes soa do an ti go ge ne ral-em-che fe do Exér ci to bra si le i ro no Pa ra guai um re a ci o ná rio in to le ran te, a ima gem da ve lha mo nar quia que a Re vo lu ção

ex pul sa ra da Eu ro pa. Não se via, no 3º re i na do, a fi gu ra da prin ce sa Isa bel,pre dis pos ta àque la “di ta du ra do povo”, sa cri fi can do-lhe a Co roa, po rém o “fran cês”, o con sor te, o pos sí vel di ta dor ul tra mon ta no. O Con ded’Eu não lo gra va fu gir ao cír cu lo de fer ro da cam pa nha jor na lís ti ca. De -bal de os seus mo dos bur gue ses, a sua lar ga bon da de, a sua dis cri ção e ores pe i to que vo ta va ao go ver no, de modo a dis far çar quan to pos sí vel ain fluên cia que po de ria exer cer, du ran te os três pe río dos re gen ci a is da es -po sa, des men ti am as as sa ca di lhas e os bo a tos. Vi a jou pelo Impé rio,como para re con ci li ar-se com as po pu la ções, e ou viu, em toda par te,ecos de pro tes tos aba fa dos. A na ção, de po is de 1888, pa re cia re sol vi da a não se de i xar go ver nar por um prín ci pe que ti ves se ape nas por tí tu lo umaes cri tu ra nup ci al. Mur mu rou-se en tre po lí ti cos da Cor te fiéis ao re gi meque se ria pre fe rí vel dar a su ces são do tro no a um dos ne tos do im pe ra -dor. Na tu ral men te ao prín ci pe D. Pe dro, fi lho do Du que de Saxe...So men te D. Pe dro II não pa re cia sen sí vel às apre en sões que o pro ble maes pa lha va na Cor te. Qu an to à Re pú bli ca, con fes sa ria mais tar de: “Pelaevo lu ção sem pre a quis; se ria pro va de de sen vol vi men to, so bre tu domo ral, do meu que ri do Bra sil.”384

SIL VE I RA MAR TINS

Hou ve um po lí ti co que to mou a pe i to ras gar ao fu tu ro re i na douma es tra da am pla. Cha mou-lhe Na bu co o “San são do Impé rio”. Ati ra -ra-se à ta re fa de con so li dar a mo nar quia para os ne tos de D. Pe dro I. Foio se na dor Sil ve i ra Mar tins. Fe i to por Ouro Pre to pre si den te do Rio Gran -de do Sul – a sua pro vín cia, a mais re pu bli ca na das pro vín ci as do Impé rio, cuja che fia po lí ti ca en tre tan to lhe per ten cia, des de 1872 –, Sil ve i ra Mar tins logo se afi gu ra ra ao exér ci to da “ques tão mi li tar”, se ri a men te des con fi a do do ga bi ne te li be ral, o gran de ini mi go. De ma is dis to, o tri bu no ga ú cho eraad ver sá rio de De o do ro. Qu e ri am-se um mal pro fun do. Sem fun ção naCor te, De o do ro era o ge ne ral fe ri do nos seus me lin dres, aces sí vel às que i -xas dos com pa nhe i ros, in cli na do a acom pa nhá-los em to das as ma ni fes ta -ções de de sa gra do, que a in fle xí vel ati tu de de Ouro Pre to ia sus ci tan do.

278 Pe dro Calmon

384 VISCONDE DE TAUNAY, Ho mens e co i sas do Impé rio, p. 126. So bre o 3º Re i na -do; ALBERTO RANGEL, Gas tão de Orléans, p. 414, S. Pa u lo, 1935.

Sil ve i ra Mar tins foi o pre tex to; o fim, era a subs ti tu i ção dafor ma de go ver no.

A CONS PI RA ÇÃO E DE O DO RO

Entra ram a cons pi rar os mi li ta res, que até en tão se ti nham li -mi ta do às de mons tra ções, co le ti vas ou in di vi du a is, de al ti vez ou de in de -pen dên cia. O Ca pi tão Adol fo da Fon tou ra Mena Bar re to, che gan do aoRio, pro ce den te do Rio Gran de, foi o por ta dor da fla ma. Pro cu rouDe o do ro – a quem a do en ça aba te ra no le i to – para in for mar so bre ospro pó si tos de Sil ve i ra Mar tins, a sis te má ti ca in dis po si ção do mi nis té rioem re la ção ao Exér ci to, os ru mo res que se ele va vam acer ca do ar ma -men to e ins tru ção de tro pas mi li ci a nas, que de vi am ga ran tir o go ver nocon tra os sol da dos da na ção... De o do ro ir ri tou-se, ru giu que não per mi -ti ria a des tru i ção do Exér ci to, pro me teu: “Vol ta rá o 31.”385 Mena Bar re tocer ti fi ca-se de que os cons pi ra do res te ri am no ve lho cabo de guer ra o seu che fe na tu ral. E as sim – cen tra li zan do a for mi dá vel opo si ção dasclas ses ar ma das ao ga bi ne te de 7 de ju nho – se achou Ma no el De o do -ro da Fon se ca trans for ma do em Lima e Sil va do se gun do re i na do.Mu i to do en te os ofi ci a is su bal ter nos do 1º e do 9º de ca va la ria fo ram vi -si tá-lo, in cor po ra dos, no dia 17. Era o in dí cio de um mo vi men to de opi -nião no seio dos quar téis. De o do ro não pôde re ce bê-los, mas a im pren sano ti ci ou, alar mou-se a rua do Ou vi dor, o go ver no se pre ve niu. Re co me -ça vam as in qui e ta ções, que pre nun ci am as re vol tas.

A cons pi ra ção es ten deu-se. Não con ta va com o apo io depaten te de su pe ri o res: os en vol vi dos eram ca pi tães, te nen tes, al fe res, e amo ci da de da Esco la de Gu er ra. O mais gra du a do dos con ju ra dos foi oMa jor So lon, que en trou nas con fa bu la ções a 31 de ou tu bro. Os agen tes de li ga ção e es cul cas do mo vi men to fo ram os jo vens ofi ci a is da 2ª bri gada,sus ten ta dos por um pu gi lo de al fe res-alunos, dis pos tos a dar a vida porBen ja min Cons tant. Era este o men tor, o pro fe ta, o após to lo daquelaRepú bli ca que os dis cí pu los lhe pe di am – adi vi nha ndo-a pura como omes tre a in vo ca va.

Então, os me no res in ci den tes ser vi am à ca u sa.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 279

385 ERNESTO SENA, De o do ro, p. 37, Rio, 1913.

Ocor reu o da Esco la de Gu er ra, quan do Ben ja min, dis cur san dodi an te dos ofi ci a is do cou ra ça do chi le no Coch ra ne e do mi nis tro daGu er ra in te ri no, Cândi do de Oli ve i ra, usou uma can den te lin gua gempara ver be rar o de sa pre ço que o go ver no vo ta va ao Exér ci to.

Re ti rou-se o mi nis tro. O es cân da lo tor nou-se co nhe ci do naci da de. No dia ime di a to, na mes ma Esco la, re ce bia Ben ja min ex pres si vama ni fes ta ção de ca ri nho dos ofi ci a is da 2ª bri ga da, que em gran denú me ro com pa re ce ram, fa lan do em nome dos ca de tes o al fe res-alu noAu gus to Tas so Fra go so, pelo 2º re gi men to o 1º te nen te Sa tur ni noNi co láu Car do so, pelo 1º e 9º o ca pi tão Mena Bar re to. O go ver noman dou cen su rar os ma ni fes tan tes, abriu in qué ri to nos cor pos paraapu rar res pon sa bi li da des, de mi tiu o co man dan te da Esco la... Extre ma -va-se o con fli to.

Os ci vis, po rém, só in ter vi e ram a 27 de ou tu bro.

ADESÃO DOS POLÍTICOS

A pro va de que os mi li ta res não se ti nham ain da dis pos to aassu mir a ati tu de re vo lu ci o ná ria, de que re sul ta ria a mu dan ça das ins ti -tuições, es ta va no seu lou vá vel alhe a men to dos po lí ti cos, ape sar das liga -ções ín ti mas exis ten tes en tre al guns ge ne ra is e os par ti dos. A ca ser nafora im per meá vel à in fil tra ção re pu bli ca na. A pro pa gan da de mo crá ti caque lá se fa zia era o fru to da fi lo so fia po si ti va, da Esco la de Gu er ra, daex pe riên cia ou do des gos to de mu i tos, do es pí ri to de in sub mis são e doexal ta do ide a lis mo de ou tros, não era a in fluên cia di re ta da po lí ti ca, queaté àque la data ron da ra, in su ce di da, os quar téis.

Fato ex tra or di ná rio, não fo ram os po lí ti cos que for ça ram ospor tões das pra ças mi li ta res; fo ram os ofi ci a is que os atra í ram ao seugrê mio.

O gol pe de no vem bro de 89 ca rac te ri zou-se ex clu si va men temi li tar. Ra ti o ne loci, ra ti o ne per so ne ... Pre me di ta do no me a do do ano, de li -ne a do em 16 de ou tu bro, co me çan do a exe cu tar em 17 e 26, ou fos senas duas vi si tas ru i do sas da ofi ci a li da de do Rio, a De o do ro e Ben ja min,só teve o con cur so dos re pu bli ca nos ci vis a par tir de 27 de ou tu bro, àsves pe ras da ex plo são e quan do esta se tor na ra ine vi tá vel.

280 Pe dro Calmon

Um dos con ju ra dos, o Te nen te Se bas tião Ban de i ra, de cla ra riade po is que os acon te ci men tos sur pre en de ram os re pu bli ca nos di tos“his tó ri cos”.386 Tudo rá pi do, pre ci pi ta do, im pre vis to. As ca u te las fo ram ex tre mas, tão sus pe i to so an da va o go ver no dos pas sos de cer tos ofi ci a ismo ços, que en tre os cor pos da 2ª bri ga da e a casa de De o do ro, no cam po de San ta na, te ci am a teia da re vo lu ção. A per su a são, que ar re gi men ta va,para o mo vi men to, os ba ta lhões do Rio, va lia-se dos ar ti gos in cen diá ri os da im pren sa, dis tri bu í dos en tre a sol da des ca, da cir cuns tân cia de te remsido au men ta das as po lí ci as da Cor te e da pro vín cia do Rio (go ver na dapor um ir mão do pre si den te do Con se lho), do fato de re ce be rem ca ra bi -nas Com bla in, me lho res que as ar mas do Exér ci to, a guar da cí vi ca e aguar da na ci o nal, apres sa da men te ins tru í das, di zia-se que para subs ti tu í -rem al gum dia a for ça de li nha...

O Vis con de de Ma ra caju, de po is de dois me ses de li cen ça,por en fer mi da de gra ve, re as su miu o mi nis té rio da Gu er ra em 12 de no -vem bro.

Já era tar de.

VÉSPERAS DO GOLPE

Em 31 de ou tu bro, en ten di am-se Aris ti des Lobo, o Ma jor So -lon e o Ca pi tão Mena Bar re to. Asso ci a ram os seus com pa nhe i ros deidéi as à cons pi ra ção, a par tir de 2 de no vem bro. De cla rou Qu in ti no Bo -ca i ú va que “se o Exér ci to as sim não pro ce des se, te ría mos 3º, 4º e 5º re i -na dos”.387 Os mi li ta res di ri gi am; os po lí ti cos pro me ti am-lhes a co ad ju -va ção po pu lar, no Rio e em S. Pa u lo, onde Cam pos Sa les era che fe re pu -bli ca no. Fran cis co Gli cé rio, “a fi gu ra mais po pu lar da pro pa gan da”na que la pro vín cia,388 vi e ra ao Rio in te i rar-se dos con cer tos. S. Pa u lo re -pre sen ta ria, em 1889, o pa pel re ser va do à Ba hia em 1822 e a Mi nasGe ra is em 1831... Os ofi ci a is su pe ri o res, como o Ma jor Sil va Te les, re tra íam-se ou de sa pro va vam-se; os ofi ci a is in fe ri o res – quan tos re ce bi ama con fi dên cia dos ini ci a dos – ade ri am com en tu si as mo. Ne nhum dos

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 281

386 ERNESTO SENA, op. cit., p. 165.387 E. SENA, op. cit., p. 42.388 CÂNDIDO MOTA FILHO, Uma Gran de Vida – Ber nar di no de Cam pos, p. 55,

S. Pa u lo, 1932.

con ju ra dos era mais ati vo e im pe tu o so do que o al fe res-alu no Jo a quimIná cio. A 1ª bri ga da di mi nu ía a re sis tên cia ao tra ba lho dos cons pi ra do res,que ti nham nas mãos a ar ti lha ria e a ca va la ria. Mi li tar men te, a si tu a çãoera de les. De fi ni ram-na na ses são do Club Mi li tar, de 9 de no vem bro,que se ce le brou na mes ma no i te em que, na Ilha Fis cal, o Impe ra dorofe re cia um ba i le pom po so à Ma ri nha do Chi le – o úl ti mo da Mo nar -quia. Para aque la ses são, pre si di da por Ben ja min, fora pre pa ra da uma as -sis tên cia pró pria: ins cre ve ram-se no dia 5 nu me ro sos ofi ci a is de ba i xaspa ten tes, que pas sa vam a for mar ma i o ria no Club, sub tra in do-o à do mi -na ção dos ofi ci a is ido sos. Assen ta ram – por pro pos ta de Jo a quim Iná cio – dar a Ben ja min car ta bran ca para o de sa gra vo da clas se. Con sis ti riaeste na sa í da das for ças em dia pró xi mo – que se ria 18 – para de por omi nis té rio e im plan tar a Re pú bli ca. Ben ja min, um mo men to, mos trou ir re so lu ção: foi quan do pen sou na sor te do mo nar ca. Se ria exi la do –res pon de ram.

Ape nas na no i te de 11 de no vem bro ou viu De o do ro os le a dersdo Par ti do Re pu bli ca no. Estra nhos ain da aos se gre dos do gol pe mi li tar,fo ram ad ver ti dos dele na oca sião em que os ser ra lhe i ros do ar se nal,clan des ti na men te, re du zi am o ca li bre das la nter netas, e o 2º de ar ti lha riaes ta va pron to para ata car.

Re u ni ram-se, na re si dên cia do ge ne ral, Qu in ti no, Rui Bar bo sa, Aris ti des Lobo e os ofi ci a is su pe ri o res da ar ma da Wan den kolk e Fre dericoLo re na. Ben ja min era o me di a dor.389Qu in ti no or ga ni zou a lis ta dosfutu ros mi nis tros. Ti ve ram aque les po lí ti cos o tem po res tri to para meditarso bre o re gi me que me lhor con vi nha ao Bra sil. Pois en tra ram os cons pi -ra do res a de sen vol ver a sua in tri ga, de po is do em bar que, para o nor te,do ba ta lhão 22. Asso a lha ram, para in cit ar os sol da dos da 2ª, que OuroPre to ia or de nar a par ti da da ar ti lha ria para S. Bor ja, no Rio Gran de, aoque re pli cou o co man dan te, que que i ma ria os úl ti mos mor rões an tes dese sub me ter. Tra ta ram de ne u tra li zar as de di ca ções que ain da ti nha ogover no nos quar téis, como o Ge ne ral Flo ri a no Pe i xo to, aju dan te generaldo Exér ci to e, de po is de Ma ra caju e seu ir mão, o Ba rão do Rio Apa,coman dan te da po lí cia, o ofi ci al de con fi an ca de Ouro Pre to. Espa lharamoutras no vi da des, so bre trans fe rên ci as acin to sas de re gi men to da guar nição

282 Pe dro Calmon

389 LEÔNCIO CORREIA, A Ver da de His tó ri ca so bre o 15 de No vem bro , Rio, 1939.

– das qua is não co gi ta va o go ver no. Por fim, na tar de de 14, para evi tara ex ces si va de mo ra do le van te, saiu o Ma jor So lon pela ci da de, a dis tri -bu ir a no tí cia, tam bém fal sa, de que Ouro Pre to aca ba va de man darpren der De o do ro e Ben ja min Cons tant, to dos os che fes sus pe i tos doExér ci to... A cen te lha abra sou o pa i ol. Às 7 ho ras da no i te a agi ta çãocome çou nos vá ri os cor pos da bri ga da. E só en tão o go ver no de ci diuagir. Enquan to os cons pi ra do res pu nham em ar mas a bri ga da, ex pe di am emis sá ri os aos di ri gen tes e re ce bi am or dem de De o do ro para sair aoama nhe cer – eram con cen tra das for ças po li ci a is, ma ri nhe i ros e po lí cianos pá ti os do Qu ar tel-General, e cha ma do o Ge ne ral Alme i da Bar re to,de sa fe to de De o do ro, po rém já fi li a do ao mo vi men to, para co man dar a1ª bri ga da.

15 DE NOVEMBRO

O im pe ra dor ve ra ne a va em Pe tró po lis.De o do ro ape sar da no i te má que pas sa ra, mu i to com ba li do

ain da, re sol ve ra mon tar a ca va lo e pôr-se à fren te da tro pa. Esta, ri go ro -sa men te ar ma da e equi pa da, pu xan do de zes se is ca nhões, mar chou parao cam po de San ta na, sem en con trar obs tá cu los, e de sen vol veu as ba te riasem fren te ao Qu ar tel-General, como se aí não es ti ves se um mi nis té rio,cer ca do de ba i o ne tas, e dis pos to a não se ren der se não ao im pé rio dascir cuns tân ci as... Nem Flo ri a no nem Ma ra caju se mos tra vam re sol vi dos a le var a so li da ri e da de com o go ver no para o ter re no da luta. Alme i daBar re to teve or dem de as sal tar os ocu pan tes do Cam po. Mon tou a cavalo.Saiu com mil ho mens, em for ma de com ba te. Encon trou De o do ro – ao lado de Benja min Cons tant e Qu in ti no Bo ca i u va – e dis se-lhe que nãode sem ba i nha ria con tra ir mãos a sua es pa da. Fra ter ni zou. Ou vi ram-setiros. Era o mi nis tro da Ma ri nha, Ba rão de La dário, que, à voz de pri são, des fe cha ra con tra um pe lo tão a car ga do seu re vól ver, e fora fe ri do epre so. Não ha via quem cum pris se as or dens in ci si vas do Vis con de deOuro Pre to. Um ofi ci al su bal ter no ob je tou que a san gue i ra se ria ter rí velse tais or dens fos sem obe de ci das.

Ouro Pre to, im pla cá vel, man dou o mi nis tro da Gu er ra cen suraro jo vem ofi ci al. Ma ra caju dis se-lhe ao ou vi do: “Exce lên cia, este ra paz éfi lho do Vis con de de Pe lo tas.” Escre veu de po is Ouro Pre to, que sóentão com pre en dera a si tu a ção. De Flo ri a no, a quem con ci tou a fazer

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 283

tomar os ca nhões, ali de fron te, a exem plo dos seus atos de bra vu ra naguer ra, ou viu a fra se de fi ni ti va, de que no Pa ra guai é que se con quis ta -vam à ba i o ne ta as ba te ri as, não ago ra, sen do to dos bra si le i ros.

De re pen te, acla ma ções atro am. Os por tões do Qu ar -tel-General ti nham sido aber tos e en tra ra De o do ro, só, en tre alas dossol da dos im pe ri a is, que à vis ta do ven ce dor o apla u di am. Vi vas à Re pú -bli ca es tri du la ram, es ten de ram-se, ge ne ra li za dos, ao tem po em quepeque nos gru pos de po pu la res ou vem os po lí ti cos re pu bli ca nos, Sam paioFer raz, Aris ti des Lobo.

Di lu í ram-se na que les bra dos a re sis tên cia ar ma da e as ins ti tuiçõesres va la vam na que la onda so no ra, que des bor dou do Cam po, des ceu àcida de, en ca nou na rua do Ou vi dor, pas san do pela re da ção dos jor na is,com uma ca ta du pla de dis cur sos de li ran tes.

De o do ro su biu as es ca das que le va vam ao ga bi ne te onde, re u -ni do, e com ex ce ção de La dário, o mi nis té rio de li be ra va ain da.

Fren te a fren te de Ouro Pre to, o ge ne ral ex pli cou-lhe os finsda re vol ta, os dis sa bo res pes so a is que cur ti ra, as que i xas do Exér cito,termi nan do por de cla rar de pos to o mi nis té rio e pre so o pre si den te doCon se lho. A cena era im pres si o nan te pela es ta tu ra mo ral da que les doisho mens, pela ener gia do seu olhar, pelo vi gor de suas von ta des, en car -nando um a for ça que tri un fa va, o ou tro o re gi me que caía e ti nha ainda,no seu che fe ci vil, um de fen sor in do ma do. A res pos ta de Ouro Pre to foi in ci si va, di zen do que, mais do que De o do ro, que ale ga va três ou qua trono i tes pas sa das num char co, em de fe sa da pá tria, so fria ter de ou vi-lo;en tre ga va-se pre so, por que nada mais po dia fa zer...

FIM DO IMPÉRIO

Te le gra fa ra an tes Ouro Pre to para Pe tró po lis, no ti ci an do aoImpe ra dor a re vol ta e pe din do-lhe o ime di a to re gres so, para aten der àsi tu a ção, des de que con si de ra do de mi ti do o ga bi ne te.

D. Pe dro II che gou ao meio-dia. Às 4 ho ras pro cu rou-o Ouro Pre to, no Paço da Ci da de. Re sig nou de viva voz o go ver no e – con sul ta -do so bre quem de via su ce der-lhe – in di cou Sil ve i ra Mar tins, en tão emvi a gem, do Rio Gran de para a Cor te. Aqui es ceu o Impe ra dor; mas, logo a se guir, ou vin do o Con se lho de Esta do, cha mou Sa ra i va. Dava-lhe car ta

284 Pe dro Calmon

bran ca. Que agis se como en ten des se. Des ta vez não pu de ra Sa ra i vabran ca. Que agis se como en ten des se. Des ta vez não pu de ra Sa ra i vaex cu sar-se. Po rém não ace i ta ria sem fa lar a De o do ro, che fe de fato –des de que so men te a este a guar ni ção obe de cia e as acla ma ções re vo lu ci o -ná ri as con ti nu a vam a ro lar pela ci da de, cons ti tu in do a tro pa pri si o ne i ra,vir tu al men te, a fa mí lia re i nan te. Escre veu uma car ta ao ma re chal, emque lhe pe dia uma au diên cia para o dia ime di a to. A mis si va foi en vi a -da, às 3 ho ras da ma dru ga da, por in ter mé dio do ma jor de en ge nhe i rosRo ber to Trom pows ki, que, por úni ca res pos ta, le vou ao im pe ra dor ano ti fi ca ção de que a Re pú bli ca es ta va pro cla ma da, o go ver no pro vi só -rio, cons ti tu í do...

“Não aguar dou o Sr. Sa ra i va o re gres so do emis sá rio...”.390

Re ti ra ra-se para a sua casa, como quem nada mais ti nha a fa zer.Era a Re pú bli ca. Prin ci pal men te para os es ta dis tas en ca ne cidos

na po lí ti ca e para os se na do res do Impé rio, vi ta lí ci os, ha bi tu a dos a to das as cri ses de opi nião que ter mi na vam, se re na men te, com as trans for ma -ções mi nis te ri a is, a imen sa sur pre sa da Re pú bli ca lá es ta va. O povo nãoa es pe ra va, e, como o povo, o Par ti do Re pu bli ca no, que só sou be da boa nova de po is do re gi me ins ti tu í do, no apa ra to do des fi le mi li tar, ao sol de 15 de no vem bro, pe las ruas co a lha das de gen te, atra í da pelo es pe tá cu loda for ma tu ra dos re gi men tos.

A for ça dos re pu bli ca nos ci vis, re al men te, era ain da depou ca va lia – ex ce ção fe i ta por seus pu jan tes ar ra i a is de S. Pa u lo(onde, des de 1827, 21 jor na is lhe pro pa ga vam as idéi as, e à fren tedes tas es ta vam Ran gel Pes ta na, Cam pos Sa les, Pru den te de Mo ra is,Ber nar di no de Cam pos, Gli cé rio, Amé ri co Bra si li en se, Cer que i raCé sar...) e do Rio Gran de do Sul (onde Jú lio de Cas ti lhos co man da vaa sua jo vem bri ga da de po si ti vis tas, aden tran do-se à som bra de A Fe de ra ção,que apa re ce ra em 1º de ja ne i ro de 1884, ór gão do par ti do, e a sua for -ta le za).

Na bu co re fe ri ra-se ao “so li ló quio” re pu bli ca no. Fac ção ain dadis per sa, o seu fu tu ro es ta va no des gas te dos par ti dos tra di ci o na is, e osseus no mes mais aca ta dos eram de dois pu bli cis tas, Qu in ti no e Sal da nha Ma ri nho; ide a lis ta, elo qüen te, de mo li do ra. Fa zi am-lhe a van guar da osjor na lis tas exal ta dos, como Sam pa io Fer raz, e os ora do res apo ca líp ti cos,

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 285

390 AFONSO CELSO, Vis con de de Ouro Pre to, Rev. do Inst. Hist., vol. 157, p. 89.

como Sil va Jar dim. Os tri bu nos mais po pu la res da Abo li ção, comoPatro cí nio, ti nham pa ra do no ter ce i ro re i na do; ou tros, como Na bu co,es ta ca vam na fe de ra ção das pro vín ci as. Os “re pu bli ca nos de 14 demaio”, como cha ma va José do Pa tro cí nio, na “Ci da de do Rio”, os con -ser va do res incom pa ti bi li za dos com a Co roa, e os li be ra is des li ga dos dacor ren te do Vis con de de Ouro Pre to, como Rui, não se ti nham apre sentadoà na ção como ad ver sá ri os do tro no; eram evo lu ci o nis tas.

Esses ho mens ha vi am de fa zer a es ta bi li da de da Re pú bli ca,de po is que o exér ci to – e o exér ci to so men te – a pro cla mou: ti nhamexpe riên cia, ta len to, in fluên cia e aque le pres tí gio que a “ca sa ca” e o sen -ti men to ju rí di co da vam, numa so ci e da de que a mo nar quia plas ma ra nassuas for mas ci vi lis tas.

O nú cleo re pu bli ca no, isto é, o par ti do fun da do em 3 dede zem bro de 1870 e re fun di do em 73, não pros pe ra ra sen si vel men tena que les de zo i to anos. Vá ri os sig na tá ri os do ma ni fes to de 70 ou seti nham de fi ni ti va men te si len ci a do como Cris ti a no Oto ni ou pas sa do aser vir à Mo nar quia, como o Con se lhe i ro La fa i e te. Com sa cri fí ci os pes so a is, os pro pa gan dis tas, no Rio Gran de, man ti ve ram A Fe de ra ção. Qu in ti nocon ti nu a va a re di gir O País; afir ma ra sin ce ra men te, às vés pe ras da ex -plo são re vo lu ci o ná ria, que, sem o Exér ci to, vi ri am 3º, 4º e 5º re i na dos.Era es pe rar que as aca de mi as for ne ces sem o seu gran de con tin gen tede es tu dan tes re pu bli ca nos; que aque la mo ci da de, que de S. Pa u lo eRe ci fe ir ra di a va para to das as pro vín ci as, co mun gan do o ide al fran cêsou ame ri ca no da Re pú bli ca le i ga, le vas se a toda par te a sua fé; e dare no va ção so ci al, que se ope ra va, sa ís se o “am bi en te”, pro pí cio à mu dan çadas ins ti tu i ções. Espe ra va-se que a mor te do Impe ra dor fos se a so lu çãona tu ral. Jú lio de Cas ti lhos, com os po si ti vis tas, di zia: a re vo lu ção virápor si... Em 15 de ju lho de 1889, à sa í da do te a tro, so fre ra D. Pe dro IIum es tú pi do aten ta do. Um ra paz, em pre ga do no co mér cio, que se ve ri -fi cou ser um pa ra nói co, des fe chou um tiro de re vól ver, que er rou oalvo. Pe diu o Impe ra dor que não cas ti gas sem o moço... Po rém, no touAndré Re bou ças no seu Diá rio, aos mo nar quis tas sin ce ros sur pre en deu a qua se in di fe ren ça que o caso en con tra ra, en tre os aris to cra tas de Pe -tro pó lis.

O re gi me de com pu nha-se.

286 Pe dro Calmon

A no bre za, agi ta da pela fe bre de ne gó ci os, que vi nha do gabineteJoão Alfre do e cres ce ra no de Ouro Pre to, com a nova lei de so ci e da desanô ni mas e o des va rio da bús so la eco nô mi ca, de sin te res sa va-se da polí -ti ca mo nár qui ca.

O Exér ci to pôde der ru bar o tro no sem in ci den tes mais gra ves.Pa re ce que só um ano de po is se deu con ta o país da mo di fi cação

que hou ve ra...O povo as sis tiu àqui lo “bes ti a li za do, atô ni to, sem co nhe cer o

que sig ni fi ca va” – es cre veu Aris ti des Lobo. No i te alta de 15 de no vembro– de po is da pa ra da, dos dis cur sos po pu la res, das acla ma ções, da fes tanas re da ções dos jor na is – De o do ro, por in di ca ção de Qu in ti no (na tu -ral men te im pos to pe los acon te ci men tos como che fe ci vil), apro va da por Ben ja min (que era a alma do mo vi men to), or ga ni za va o go ver no pro vi -só rio. Fi ca va ele na che fia su pre ma da na ção, à es pe ra de que a Assem -bléia Cons ti tu in te ta lhas se para o Bra sil o re gi me ade qua do, re pu bli ca -no-federativo, nos ter mos do de cre to nú me ro um, no mes mo dia expedidoe da la vra do mi nis tro da Fa zen da – tam bém as ses sor ju rí di co da di ta du -ra – Rui Bar bo sa. Os ou tros mi nis tros eram Ben ja min Cons tant, na pastada Gu er ra, e, logo de po is, da Instru ção, Qu in ti no na do Exte ri or, Gli cériona da Jus ti ça, De mé trio Ri be i ro na de Obras Pú bli cas, Wan den kolk eFlo ri a no (quan do Ben ja min de i xou o mi nis té rio da Gu er ra) nas pas tasmi li ta res.

Ape nas no dia 16, às 3 ho ras da tar de, re ce beu D. Pe dro II –que con ti nu a va en cer ra do no Paço da Ci da de, com a sua fa mí lia – amen sa gem em que De o do ro lhe dava o pra zo de 24 ho ras para de i xar oBra sil, cer ca do de to das as ga ran ti as e em gozo da do ta ção que a lei lheas se gu ra va, “até que so bre esse pon to se pro nun cie a pró xi ma Assem -bléia Cons ti tu in te”.

Res pon deu-lhe: “À vis ta da re pre sen ta ção es cri ta que me foien tre gue hoje, às 3 ho ras da tar de, re sol vo, ce den do ao im pé rio dascircuns tân ci as, par tir, com toda a mi nha fa mí lia, para a Eu ro pa, ama nhã, de i xan do esta pá tria, de nós tão ex tre me ci da, à qual me es for cei por darcons tan tes tes te mu nhos de en tra nha do amor e de di ca ção, du ran te qua se meio sé cu lo, em que de sem pe nhei o car go de che fe de Esta do. Au sen -tan do-me, pois, com to das as pes so as da mi nha fa mí lia, con ser va rei doBra sil a mais sa u do sa lem bran ça, fa zen do os mais ar den tes vo tos por

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 287

sua gran de za e pros pe ri da de. – Rio de Ja ne i ro, 16 de no vem bro de 1889. D. Pe dro de Alcân ta ra.”

Embar cou a fa mí lia im pe ri al na ma dru ga da de 17 e, a bor dodo va por “Ala go as”, se guiu vi a gem para o exí lio. A Re pú bli ca fi cavainsti tuída – com to dos os ele men tos para uma vida lon ga –, prog nos ti ca vaPa tro cí nio, em 18 de no vem bro, quan do, já avi sa das pelo te lé gra fo deque o Exér ci to na ci o nal ti nha do a do ao Bra sil um novo re gi me, a eleade ri am to das as pro vín ci as.

No exí lio, em Pa ris, fa le ceu D. Pe dro II, em 5 de de zem bro de 1891.

288 Pe dro Calmon

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XXVIIA Con so li da ção da Re pú bli ca

Ope rou-se em 1889 uma pro fun da mu dan ça em to dos osaspec tos da vida na ci o nal.

Insti tu iu-se a re pú bli ca fe de ra ti va, com a má xi ma des cen tra li -za ção ad mi nis tra ti va. Foi se pa ra da a Igre ja do Esta do, de cre ta do o ca sa -men to ci vil, al te ra da a po lí ti ca eco nô mi ca, so bre tu do ado ta das prá ti casfi nan ce i ras em in te i ro de sa cor do com o pas sa do.

O ano de 1890 foi o do “en si lha men to”, ou da fe bre co mer cial,dos ne gó ci os da bol sa, da es pe cu la ção e pros pe ri da de fic tí ci as, pro du -zin do o am bi en te de de sor dem es pi ri tu al em que a Re pú bli ca pôdeconsoli dar-se fa cil men te. O fre ne si da pra ça do Rio des vi ou a aten ção pú blicados fa tos pro pri a men te po lí ti cos para o de lí rio fi nan cis ta. Dir-se-ia queo Impé rio re fre a ra as ini ci a ti vas, con ti ve ra a ima gi na ção em li mi tes tãopru den tes que a re vo lu ção fora um ar re ben tar de di ques.

A Mo nar quia, para ate nu ar o pre ju í zo da la vou ra com a abo lição, pro di ga li za ra, em 1888–89, o cré di to ru ral. O Vis con de de Ouro Pre tocri a ra um gran de ban co emis sor com o tri plo do ca pi tal em moedametá li ca, con ce den do a fa cul da de de emi tir a com pa nhi as com ca pi talde 10 a 15 mil con tos, de ma ne i ra a au men tar, na me di da das ne ces si dades,o meio cir cu lan te. O go ver no pro vi só rio fez o con trá rio. Des pre zou a

pra xe de emi tir-se di nhe i ro so bre las tro, ouro, e, por de cre to de 17 de ja -ne i ro de 90, per mi tiu a ban cos na ci o na is a emis são so bre apó li ces. O“en si lha men to” atin giu o auge. Entre no vem bro de 89 e ou tu bro de 90fun da ram-se so ci e da des anô ni mas com 1.160.000 con tos de ca pi tal,enquan to que em todo o pe río do an te ri or esse ca pi tal não pas sa ra de813.489 con tos.391 “As em pre sas e com pa nhi as mul ti pli ca ram-se emuma pro gres são es pan to sa, de tal sor te que ul ti ma men te já es cas se a vamao gê nio in ven ti vo de no mi na ções...” di ria me ses de po is o Ba rão de Lucena. Dá-se a inun da ção de tí tu los na Bol sa, for mam-se e des fa zem-se for tu -nas fa bu lo sas, o câm bio cai, da pa ri da de de 27 em que es ti ve ra, em 89,para ta xas vis, e no Rio de Ja ne i ro se vive uma con fu são ape nas pro pí cia ao novo re gi me, que as sim pode agüen tar-se, pro te gi do pelo des va rioco mer ci al que dis trai a opi nião e a mis ti fi ca, como se hou ve ra co me ça do uma ida de de ouro. O que fica é ape nas o sur to in dus tri al, re sul tan te data ri fa pro te ci o nis ta de 1890, que Rui Bar bo sa jus ti fi cou com a ne ces si da -de po lí ti ca de cri ar-se a de mo cra cia pelo tra ba lho das fá bri cas.

O go ver no pro vi só rio tra ba lhou in ten sa men te, po rém sem pre divi di do, e in ca paz de man ter-se por mu i to tem po. O Ma re chal De o doroera im pa ci en te e au to ri tá rio. Lu ta va com o li be ra lis mo sis te má ti co deuns e a po lí ti ca pes so al de ou tros mi nis tros. Por de cre to de 23 dedezem bro de 89 ex tin gui ra a li ber da de de im pren sa, a fim de evi tar queos jor na is con ti nu as sem a in du zir a tro pa à re vol ta, que, por oito anos,fora a cons tan te e ime di a ta ame a ça. Sus ten tou Rui Bar bo sa na sua ad mi -nis tra ção fi nan ce i ra, con tra os de ma is mem bros do go ver no. Se pa rou-se aos pou cos dos re pu bli ca nos mais in flu en tes, a co me çar por Ben ja minCons tant, que trans fe riu da pas ta da Gu er ra para a da Instru ção, e QuintinoBo ca iú va, in com pa ti bi li za do com o che fe de po lí cia Sam pa io Fer raz, que lim pa ra a ci da de de “ca po e i ras” e cri mi no sos. O go ver no pro vi sório,compos to de ho mens cu jas res pon sa bi li da des no mo men to se equi va liam,res sen tia-se da fal ta de con fi an ça re cí pro ca. Rui Bar bo sa pe diu de mis são nove ve zes num ano.392 De o do ro, re pe ti da men te, ten tou aban do nar adi ta du ra. Uma ques tão de apa ren te ino por tu ni da de dis sol veu o pri meiro

290 Pe dro Calmon

391 AMARO CAVALCANTI, Re se nha Fi nan ce i ra, p. 76; ANTÔNIO CARLOS, Ban -cos de Emis são do Bra sil, Rio, 1933.

392 FERNANDO NERY, Rui Bar bo sa, p. 62, 1936.

go ver no re pu bli ca no: a ga ran tia de ju ros à com pa nhia con ces si o ná riadas obras do por to de Tor res no Rio Gran de do Sul, pela qual se ba tia o ma re chal, con tra os seus au xi li a res. Exo ne ra ram-se es tes co le ti va men te,em 20 de ja ne i ro de 1891. De o do ro, de i xa do pe los re pu bli ca nos daprime i ra hora, pro cu rou a aju da de ami gos pes so a is e fi gu ras do an ti gore gi me, como ele mi li tan tes do ve lho par ti do con ser va dor: o Ba rão deLu ce na che fi ou o novo mi nis té rio.

A al te ra ção era alar man te. Fin do o seu pri me i ro ano a Re pú -bli ca vol ta va-se, in sen si vel men te, para as for mas po lí ti cas que pa re ci amex tin tas com o tro no. Su bi ra, em 20 de ja ne i ro, se não o Par ti do Con ser -vador, pelo me nos a sua eli te que ade ri ra à atu al or dem de co i sas. E quasecomo re pe tin do o me ca nis mo par ti dá rio de ou tro ra, a opo si ção vai jun -tar-se à vol ta de um an ti go li be ral, da fac ção con trá ria por tan to a Lucena,o Ma re chal Flo ri a no Pe i xo to. De ve ras a Re pú bli ca não pu de ra ain da criaror ga ni za ções, se não in fluên ci as pes so a is. A po lí ti ca do Impé rio pro lon -ga-se, além da re vo lu ção; até 23 de no vem bro de 91, quan do caiu De o -do ro. Dir-se-ia que o há bi to fora mais for te que os acon te ci men tos.

Nes te par ti cu lar, o pe río do se guin te, da di ta du ra flo ri a nis ta,seria apo lí ti co, ou pre to ri a no, o que per mi tiu a for ma ção, para o go vernoci vil que lhe su ce deu de um par ti do na ci o nal, o Par ti do Re pu bli canoFede ral, fun da do por Fran cis co Gli cério, des ti na do a du rar en quan to ocon sen tiu o pre si den te da Re pú bli ca.

Dis sol ven do-se, como ve re mos, o par ti do de Gli cério, a po lí -ti ca pas sa ria a ser fe i ta me di an te a ali an ça dos go ver na do res dos es ta doscom o Go ver no Fe de ral, a “po lí ti cas dos go ver na do res”, de Cam posSales, si tu a ção de fato que im pos si bi li tou, daí por di an te, a re pro du çãodos cos tu mes par ti dá ri os da Mo nar quia.

Lu ce na tra tou de cor ri gir os er ros fi nan ce i ros do go ver nopro vi só rio, pon do fim ao “en si lha men to”. Entre tan to, as ele i ções ge ra isti nham sido con vo ca das logo em 21 de de zem bro de 89, e se re u ni ra aCons ti tu in te, na sua ma i o ria com pos ta de adep tos en tu si as tas da Re pú -bli ca, ela bo ran do, en tre de zem bro e fe ve re i ro de 91, a Car ta po lí ti ca dana ção. Essa Cons ti tu i ção obe de cia, nas suas li nhas ge ra is, à pro pos ta dogo ver no, da au to ria de Rui Bar bo sa, no sen ti do de or ga ni zar o país demodo aná lo go aos Esta dos Uni dos da Amé ri ca do Nor te, com a comple ta

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 291

au to no mia es ta du al, re ser van do-se ao cen tro um mí ni mo de atri bu i ções, que a as sem bléia ain da mais res trin giu.

Pre pon de rou a ten dên cia fe de ra lis ta que da ta va de 1831, nãose che gan do a ma i o res li mi ta ções do po der na ci o nal em vir tu de da açãoopor tu na e enér gi ca, su a só ria e efi ci en te, do pre si den te da Cons ti tu in te,Pru den te de Mo ra is, que con se guiu abre vi ar e con du zir a bom ter mo ostra ba lhos da que le Con gres so he te ro gê neo e pou co ins tru í do das reali da -des bra si le i ras.

A Cons ti tu i ção, tal como foi pro mul ga da em 24 de fe ve re i ro,da ria à Re pú bli ca vida lon ga e flo res cen te, por que aten dia às idéi as maisca ras aos pro pa gan dis tas de mo crá ti cos: 1) o re gi men to pre si den ci al oudo go ver no for te; 2) o ab so lu to res pe i to à au to no mia dos Esta dos; 3) ains ti tu i ção do Su pre mo Tri bu nal Fe de ral como fis cal da cons ti tu ci o na li -da de das leis, subs ti tu in do-se vir tu al men te ao po der mo de ra dor. Ou travan ta gem da Cons ti tu i ção era a so bri e da de do tex to, de ma ne i ra a nãoser em ba ra ço às leis su per ve ni en tes, que as ne ces si da des pú bli cas acon -se lhas sem. Re al men te, ela não im pe di ria nos qua ren ta anos se guin tes, ofun ci o na men to, se gun do as si tu a ções de fato apre sen ta das, de to dos osor ga nis mos que um mo der no e gran de Esta do re quer.

Po rém a pas sa gem do Bra sil, do mo de lo fran cês e in glês dapo lí ti ca do Impé rio para o mo de lo nor te-americano da po lí ti ca re pu bli -ca na, não lhe va leu a paz in ter na, me nos a cal ma dos es pí ri tos.

A Cons ti tu in te, an tes de trans for mar-se em con gres so nor mal,ti nha de ele ger pre si den te e vice-pre si den te da Re pú bli ca. A can di da tu rade De o do ro pe ri cli tou; ven ceu gra ças à in ter ven ção de Cam pos Sa les(e de S. Pa u lo), com o pa trió ti co in tu i to de evi tar a agi ta ção mi li tar quere sul ta ria da der ro ta do pro cla ma dor da Re pú bli ca. Mas a ele i ção deFlo ri a no Pe i xo to para vice-pre si den te, como o ho mem in di ca do para seopor de fu tu ro a De o do ro, pres sa gi a va a cri se, que nem a in tran si gên ciade Lu ce na, nem a so bran ce ria do pre si den te sou be ram con ju rar.

A opo si ção no Con gres so avul tou.Com pli ca va-se com as de cep ções que o re gi me ca u sa ra e o

for ta le ci men to do par ti do mo nar quis ta, cujo pres tí gio cres cia com odes con ten ta men to das clas ses con ser va do ras, em con se qüên cia dadesor dem fi nan ce i ra, e a de sar mo nia de cla ra da en tre os re pu bli ca noshis tó ri cos. As pro vi dên ci as de Lu ce na para res ti tu ir o co mér cio ao seu

292 Pe dro Calmon

an ti go equí li brio, ti nham re ve la do a ilu são do “en si lha men to”, a men ti ra daque la pros pe ri da de ir re al, quan to a alu ci na ção bol sis ta ha via trans tornado a gen te de ne gó ci os.

O ano de 1890 fora o ano de en ri que ci men to. O ano de 1891foi o ano das que bras.

Pou cas com pa nhi as for ma das nos dias fe bris do go ver no pro -vi só rio pro lon ga ram a exis tên cia fora do pe río do anor mal em que tudose des nor te a ra. O cré di to pú bli co ar ru i na ra-se. Não ha ven do, por ou trolado, se gu ran ça de or dem, de se re ni da de, os ban que i ros es tran ge i ros sene ga vam a au xi li ar o Bra sil.

Nes te am bi en te pes si mis ta a opo si ção do Con gres so sedesen vol veu, com pro je tos re vo lu ci o ná ri os tão cla ros que De o do ro sóen con trou uma so lu ção para o caso: o gol pe de Esta do. Vo ta ra uma leide res pon sa bi li da de do pre si den te. Na tu ral men te essa lei sus ci ta ria adenún cia, e a esta se se gui ria a sus pen são do pre si den te de suas fun ções(im pe ach ment). Ve tou-a o ma re chal. O se na dor re je i tou o veto; e an tes que a Câ ma ra acom pa nhas se nis so o Se na do, De o do ro, em 3 de no vem brode 91, de cre tou a dis so lu ção do Con gres so.

To dos os go ver na do res, com ex ces são do go ver na dor doPará, La u ro So dré, apro va ram o gol pe de Esta do, que im pres si o nou opaís se me lhan te men te à aná lo ga vi o lên cia, que em 1823 pra ti ca ra D.Pedro I.

Os con gres sis tas dis sol vi dos pro cu ra ram o apo io do vi -ce-presidente Flo ri a no.

Em 23 de no vem bro o Almi ran te Cus tó dio de Melo re vol toupar te da es qua dra e ad ver tiu ao go ver no com um tiro do cou ra ça do“Aqui da ban”.

De o do ro pre fi riu re nun ci ar a re sis tir, pen san do nas pro por -ções da tra gé dia, que pro vo ca ra, sem en tre tan to ou sar ali men tá-la, como que ri am os mi li ta res que o cer ca vam. Agiu em 3 de no vem bro como D.Pe dro I, e no dia 23 com D. Pe dro II. Re sig nou em fa vor do vice-pre si -den te, que as su miu o po der para ime di a ta men te res ta be le cer o Con gres so e der ru bar os go ver na do res que ti nham apla u di do o gol pe de Esta do.

Fi ca va Flo ri a no hos ti li za do pelos ami gos de De o do ro, po rémcom os an ti gos po lí ti cos, a ma i o ria do Con gres so e os no vos go ver na -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 293

do res a seu lado, sus ten tan do-lhe o go ver no que se não sub me te ria mais a in fluên ci as de ca rá ter par ti dá rio, nem às ve lhas fór mu las, dis ti guin -do-se pelo cu nho in di vi du al, ca pri cho so e in di fe ren te à le ga li da de, dobra vo sol da do que a his tó ria iria co nhe cer como “ma re chal de fer ro”.

Tudo cor re ria bem, se des de logo uma dú vi da não sur gis sequan to ao pra zo do go ver no de Flo ri a no.

Não ten do De o do ro go ver na do dois anos a fio, en ten deu-seque o vice-pre si den te em exer cí cio de ve ria con vo car in con ti nen ti ele i çõespre si den ci a is; en tre tan to o pró prio Flo ri a no, sem ad mi tir essa in ter pre ta ção, con si de rou do seu de ver con clu ir o qua triê nio em 15 de no vem bro de1894. Em 17 de ju nho fez re por no go ver no do Rio Gran de do Sul Jú lio de Cas ti lhos. A fac ção de Gas par da Sil ve i ra Mar tins, a mais po de ro sado Esta do, que por to dos os me i os pre ten dia re vo gar a Cons ti tu i çãorio-gran den se cal ca da na fi lo so fia po si ti vis ta e re pu ta da em de sa cor docom a Lei Su pre ma da na ção, ape lou para as ar mas. Nos en tre men tes,tre ze ofi ci a is ge ne ra is pu bli cam uma de cla ra ção fa vo rá vel à de cre ta ção das ele i ções, e Flo ri a no a to dos re for ma ad mi nis tra ti va men te. O povo agi -ta-se e ten ta lan çar-se so bre o pa lá cio pre si den ci al. A for ça con tém a mul -ti dão e, por de cre tos de 10 e 12 de abril, são pre sos e des ter ra dos 48ci da dãos ilus tres, en tre os qua is 4 se na do res e sete de pu ta dos. O go ver nofin ge ig no rar a lei; a opo si ção pro cla ma a ne ces si da de de des tru ir-se ogo ver no por uma re vo lu ção, cu jos fo cos são, na tu ral men te, o Rio Gran dedo Sul, con vul si o na do pela luta re gi o nal, e a ar ma da que pa pel tão sa li en te ti ve ra na que da de De o do ro.

O Almi ran te Wan den kolk, a bor do de um na vio mer cante,inten tou for çar a bar ra do Rio Gran de; foi pre so e pro ces sa do. O ClubNa val ele geu-o seu pre si den te, num de sa gra vo à Ma ri nha. Custó dio deMelo, que se des li ga ra de Flo ri a no, aban do nan do a pas ta de mi nis troque este lhe dera de iní cio, tor nou-se o che fe da in sur re i ção da es qua dra, que ex plo diu, em to dos os na vi os de guer ra, na ma nhã de 6 de se tem bro de 1893.

A re vol ta abran geu to das as for ças na va is. Ape nas o Almi ranteSalda nha da Gama, co man dan te da Esco la Na val, na ilha de Vi le ga ignon,de mo rou a sua ade são até ou tu bro, quan do, se guin do a sor te dos seusirmãos de ar mas, as su miu a di re ção das ope ra ções na baía do Rio deJane i ro.

294 Pe dro Calmon

Flo ri a no mos trou-se en tão o ex tra or di ná rio ho mem que era.Lon ge de in ti mi dar-se, or de nou às for ta le zas que hos ti li zassem a

es qua dra. Orga ni zou a de fe sa do li to ral. Arti lhou os mor ros. Ba se ou asua po lí ti ca nos ofi ci a is in fe ri o res e jo vens. Des per tou o en tu si as mo dos es tu dan tes. Con ven ceu, com a im pren sa que o apo i a va, os re pu bli ca nose o povo, de que a re vol ta era res ta u ra do ra, e cons ti tu ía um ata que àRepú bli ca. O go ver no des fi gu ra va os pro pó si tos do mo vi men to. Mas oar dil foi de ci si vo. E com esta ban de i ra – de de fe sa das ins ti tu i ções –impo pu la ri zou a re vol ta, de sen vol veu o fa na tis mo ja co bi no, uti li zou ona ci o na lis mo exal ta do con tra as sim pa ti as es tran ge i ras, so bre tu do por tu -gue sas, que fa vo re ci am os re bel des, e pôde as sim re sis tir com van ta gemao du plo ini mi go – Sal da nha e Custó dio nas águas da Gu a na ba ra, e osfe de ra lis tas do Rio Gran de.

Os go ver na do res dos Esta dos não lhe fal ta ram. So bre tu doBer nar di no de Cam pos, em S. Pa u lo, e Júlio de Cas ti lhos, no Rio Grandedo Sul, es ti ve ram à al tu ra dos acon te ci men tos.

Um Exér ci to fe de ra lis ta, sob o co man do do ca u di lho Gu mer -cin do Sa ra i va, com um efe ti vo de 5 mil ho mens, de sem bar cou em Ita jaí, e pela ser ra ata cou Rio Ne gro e o pla nal to pa ra na en se, em rumo fran code S. Pa u lo, en quan to o Almi ran te Custó dio to ma va Des ter ro, ca pi tal de San ta Ca ta ri na, e aí es ta be le cia um go ver no re vo lu ci o ná rio.

A co lu na de Gu mer cin do foi de re pen te a es pe ran ça da re vo -lu ção, o pe ri go imi nen te que ar ros tou Flo ri a no. Mas lhe to mou o pas so,na ci da de da Lapa, úni ca re sis tên cia sé ria que en con trou, o Co ro nelGo mes Car ne i ro. Entre 13 de de zem bro e 11 de fe ve re i ro de 94 ti ve ram os fe de ra lis tas de si ti ar aque la ci da de que só se ren deu de po is de mor too seu he rói co co man dan te.393 Ape sar da ocu pa ção de Pa ra na guá porele men tos da es qua dra e da con quis ta de Cu ri ti ba, a de mo ra do exér ci tode Gu mer cin do na Lapa deu tem po a apres tar-se em S. Pa u lo a for çaque guar ne ceu a gar gan ta de Ita ra ré, e a ar mar-se em Bu e nos Ai res aar ma da en co men da da por Flo ri a no, em subs ti tu i ção da que se in sur gi ra.

Os fe de ra lis tas re tro ce de ram de Pal me i ras. Logo de po is Pa ra -na guá e Cu ri ti ba ca í ram em po der das for ças go ver na men ta is e, fal tos de muni ções e de sa ni ma dos, Sal da nha e os seus com pa nhe i ros aban donavam

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 295

393 Vd. PEDRO CALMON, Go mes Car ne i ro, o Ge ne ral da Re pú bli ca, Rio, 1933.

no Rio os na vi os, pe din do asi lo a bor do da flo ti lha de guer ra por tu guesa,en tão fun de a da no mes mo por to.

Ven ce ra a im pla cá vel te na ci da de do Ma re chal Flo ri a no.O país saía da luta pro fun da men te le sa do, em con se qüên cia

dos pre ju í zos ma te ri a is so fri dos, e do des cré di to no ex te ri or. Po rém aauto ri da de se re a fir ma ra, a Re pú bli ca não se ria mais con tes ta da, e, en tregue o go ver no à ta re fa de re pri mir a re vol ta, lo gra ra Gli cério ar re gi men tar as for ças po lí ti cas e im por a can di da tu ra de Pru den te de Mo ra is à pre si -dên cia, a des pe i to da má von ta de dos mi li ta res e do pró prio Flo ri a no,que che gou a lem brar o nome de La u ro So dré para o alto car go.

Ele i to, Pru den te as su miu a che fia da na ção, em 15 de no vembro de 94, não ten do o ma re chal com pa re ci do à ce ri mô nia de trans mis sãodo po der, dis se-se que para im pe dir ma ni fes ta ções da tro pa, e um pos sívelgol pe de Esta do.

Em ju nho do ano se guin te fa le ceu o Ma re chal Flo ri a no.Mas tão pro lon ga das agi ta ções e o es pí ri to que cri a ram não

pas sa ri am sem de i xar, na po lí ti ca bra si le i ra, o seu ves tí gio du ra dou ro.Pru den te ti nha de re a li zar um go ver no de pa ci fi ca ção, para re me di ar acri se que se aba te ra so bre o Bra sil. Entre tan to essa pa ci fi ca ção era vis tapelos exal ta dos flo ri a nis tas como uma des tru i ção da vi tó ria, uma re paração dada aos ven ci dos; e os ódi os se ex tre ma ram. Afron tou-os Pru den teman dan do ao Rio Gran de um emis sá rio, o Ge ne ral Ino cên cio Gal vãode Qu e i roz, que lo grou, em 23 de agos to de 95, de sar mar os dois par tidos,me di an te um com pro mis so de mú tuo res pe i to; e exi gin do do Con gresso,com a ame a ça de re nún cia em caso de ne ga ti va, a anis tia ge ral para osre vol to sos (21 de ou tu bro), cujo che fe, o Almi ran te Sal da nha, en cer ra ra, com a mor te he rói ca, a aven tu ra mi li tar, ao ten tar in va dir o Rio Gran de,em Cam po Osó rio.

Essas me di das de con cór dia, em lu gar de apla car as iras, tiveramo con dão de mu dar os go ver nis tas da vés pe ra em opo si ci o nis tas fu riosos,cujo en tu si as mo ja co bi no du ran te dois anos agi tou as ruas do Rio deJane i ro, cer can do de im po pu la ri da de a fi gu ra aus te ra do pre si den te queres ta be le ce ra o po der ci vil na Re pú bli ca.

A gra ve en fer mi da de de Pru den te, en tre no vem bro e mar ço de 97, e a guer ra de Ca nu dos exa cer ba ram os âni mos, en chen do de pres tí gio

296 Pe dro Calmon

o Vice-Pre si den te Ma no el Vic to ri no, en can ta do ra per so na li da de po lí ti caque pa re cia ta lha do para res ti tu ir o re gi me à sua pu re za, e as sus tan do osflo ri a nis tas com a ame a ça de novo le van te res ta u ra dor.

A Guer ra de Ca nu dos nada ti nha de co mum com a po lí ti ca,mu i to me nos a cor ren te mo nar quis ta.394

Foi um con fli to de fun do re li gi o so, pro du zi do pela bar bá rieser ta ne ja e fo ca li za do num lon gín quo rin cão da Ba hia, que só as su miupro por ções gi gan tes cas pela in com pre en são do fe nô me no e bru ta li da dedos me i os re pres si vos, por par te do go ver no em pe nha do em sa tis fa zer a opi nião das ca pi ta is.

Em um ar ra i al, à be i ra do rio Vaza-bar ris, no ser tão ba i a no, ofa ná ti co Antônio Con se lhe i ro re u ni ra mi lha res de adep tos sub me ti dos à sua au to ri da de mís ti ca, tão ab so lu ta que ne nhum se re cu sa ria a mor rerpelo “mon ge”.

A fama da “ci da de san ta” es pa lha ra-se, e cer ca de 5 mil ca sasti nha Ca nu dos em 1897, quan do, por uma de sa ven ça com a po lí cia, os“ja gun ços” ame a ça ram a ci da de de Ju a ze i ro, sa in do-lhes ao en con trouma ex pe di ção de cem ho mens, que em Uauá foi ba ti da e es ma ga da.

O go ver no do Esta do ape lou para o fe de ral, e um ver da de i roexér ci to foi ata car o ar ra i al do “Con se lhe i ro”.

Co man da va a bri ga da o Co ro nel Mo re i ra César, que a ati rou,a ba i o ne ta, so bre a po si ção dos fa ná ti cos, do que re sul tou o com ple todes ba ra to da tro pa e a mor te do seu co man dan te. Arma ram-se os “ja -gun ços” com as mil e tan tas ca ra bi nas do Exér ci to e a sua abun dan temu ni ção, e, com su pe ri o ri da de evi den te, es pe ra ram a ter ce i ra ex pe di ção.Para to mar a ci da dela de Antô nio Con se lhe i ro um exér ci to de 5 milhomens das três ar mas re a li zou pro dí gi os de va lor e sa cri fí cio, e foineces sá rio que o mi nis tro da Gu er ra, Ma re chal Ma cha do Bit ten court, se transpor tas se para o te a tro das ope ra ções, a fim de fis ca li zá-las. Arra sadoo ar ra i al e ex ter mi na dos os seus de fen so res, pa ten te ou-se a fal si da de dobo a to, acer ca das li ga ções po lí ti cas do “Con se lhe i ro” com os res ta u ra -

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 297

394 EUCLIDES DA CUNHA, Ca nu dos, Rio, 1939, em ar ti go para O Esta do de S. Pa u lo,an tes de ir ao ser tão ba i a no fa la ra de “nos sa Ven déa”, mas, re co nhe cen do oequí vo co, in di cou o fa na tis mo como ex pres são do meio bár ba ro e de al mas en -fer mas.

do res. Entre tan to a no tí cia da der ro ta de Mo re i ra César alar ma ra o Riode Ja ne i ro. Os jor na is sim pá ti cos à Mo nar quia fo ram em pas te la dos e as -sas si na do cru el men te o va lo ro so jor na lis ta Gen til de Cas tro, ami go fieldo Vis con de de Ouro Pre to, que tam bém es ca pou de mor rer nas mãosda tur ba san gui ná ria. Uma cons pi ra ção vi sou a vida de Pru den te. Em 5de no vem bro, vi si tan do o pre si den te o Arse nal de Gu er ra em com pa -nhia dos mi nis tros, o ans pe ça da Mar ce li no Bis po, des ta can do-se de umgru po que ova ci o na va o nome de Flo ri a no, des fe chou uma gar ru cha.Fa lhan do o tiro, lan çou-se de faca em pu nho so bre Pru den te, cuja di an -teira to mou o Ma re chal Bit ten court, ca in do mor to com qua tro pu nha ladasque lhe vi brou o cri mi no so.

A tra gé dia es ta va des ti na da a con clu ir o pri me i ro ci clo da his -tó ria re pu bli ca na.

O as sas si na to do no bre mi nis tro da Gu er ra de Pru den te deMo ra is re per cu tiu em todo o país como o si nal da re a ção ci vil, con tra as pa i xões ex tre ma das e a efer ves cên cia que da ta va de oito anos.

As se di ções ti nham aos pou cos anu la do os ho mens que, em15 de no vem bro de 89, pa re ci am fa da dos a go ver nar o país por mu i totem po.

A cri se eco nô mi ca de 97 agra va ra a cri se fi nan ce i ra de 91 tãoex ten sa men te, que o Te sou ro ti nha de en fren tar a ban car ro ta. Can sa -ra-se o es pí ri to pú bli co, de si lu di do, com as in qui e ta ções que nada cons -tru í ram, des gas tan do, ao con trá rio, a obra ci vi li za do ra do Impé rio. “Osan gue de Ma cha do Bit ten court re vi go rou o po der pe ri cli tan te e o qua -triê nio pôde en cer rar-se em paz.”395 Pru den te ado tou pro vi dên ci as de fi -ni ti vas. Fez pren der e pro ces sar os cons pi ra do res. Obri gou ao si lên cio as vo zes ja co bi nas. Aca bou com o fer men to re vo lu ci o ná rio. Uma ten ta ti vade re be lião da Esco la Mi li tar deu-lhe a opor tu ni da de para se des ven ci -lhar do pró prio Par ti do Re pu bli ca no Fe de ral che fi a do por Gli cério, quepo de ria li mi tar a sua au to ri da de. Aca bou esse par ti do, e des po jou Gli -cério do seu imen so pres tí gio, com uma sim ples “nota” do Jor nal doCom mer cio.

Foi o caso, que o De pu ta do J. J. Se a bra apre sen ta ra à Câ ma rauma mo ção de apla u sos ao go ver no pelo res ta be le ci men to da or dem.

298 Pe dro Calmon

395 TOBIAS MONTEIRO, O Pre si den te Cam pos Sa les na Eu ro pa, p. LXXXII, 1928.

Opu se ra-se Gli cé rio, e a mo ção caiu. No dia se guin te o Jor nal do Com mer -cio pu bli ca va que Gli ce rio “não re pre sen ta va pe ran te o Con gres so a po lí -ti ca do go ver no”. Tan to bas tou para ser ele der ro ta do como can di da to à pre si dên cia da Câ ma ra. Inti tu la ra-se o che fe das vin te e uma bri ga das, alu -din do aos go ver na do res e di re tó ri os dos Esta dos. As bri ga das aban do -na ram-no, para fi car com Pru den te. Nas ele i ções se guin tes Gli cé rio nem con se gui ria ele ger-se. E com esse epi só dio se dis sol veu o Par ti do Na ci o nalque só pu de ra fa zer um pre si den te ci vil. O su ces sor de Pru den te foi,como este, pa u lis ta, Cam pos Sa les. Se ria o res ta u ra dor das fi nan ças.Como o seu subs ti tu to, igual men te pa u lis ta, Ro dri gues Alves, o re a li za dordos me lho ra men tos ma te ri a is.

Em 1898, ao to mar o Go ver no Cam pos Sa les, re en tra ra o Brasilno do mí nio da or dem, con clu í ra a sua evo lu ção para uma for ma es tá velde ad mi nis tra ção, de sem ba ra ça ra-se da ca te go ria dos pa í ses in ca pa zes de ter uma or ga ni za ção de jus ti ça, de equi lí brio e de tra ba lho.

Oito anos nos cus ta ra, no pri me i ro re i na do, a fi xa ção do naciona -lis mo, con su ma da com a Abdi ca ção; cus ta ra-nos oito anos na Re pú bli ca a con so li da ção do re gi me pre si den ci al-federativo, de modo que só lheco nhe ce mos re al men te os be ne fí ci os com o ad ven to de Cam pos Sa les, e o iní cio do sé cu lo XX.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 299

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XXVIII Ação Cons tru ti va

A si tu a ção fi nan ce i ra do Bra sil tor nou-se es pe ci al -men te gra ve.

Em 1895 o câm bio es ti ve ra a 9, e caiu, em 1898, a 6. O re mé -dio, quan to à dí vi da ex ter na, se ria o fun ding ou em prés ti mo de con so li da -ção, que subs ti tu ís se o pa ga men to: ne go ci ou-o o mi nis tro da Fa zen da de Pru den te de Mo ra is, Ber nar di no de Cam pos, com o emis sá rio dos ban -que i ros in gle ses. Cam pos Sa les, can di da to à pre si dên cia da Re pú bli ca, par -tiu, em 19 de abril de 1898, para con clu ir em Lon dres o mes mo acor do.

Ces sa da a agi ta ção po lí ti co-militar, o go ver no ata ca va de frenteo pro ble ma ad mi nis tra ti vo.

A Re pú bli ca en tra ra afi nal na sua fase cons tru ti va.O con tra to do fun ding ci men tou o cré di to pú bli co, con ci li an do

o re gi me com a opi nião in ter na ci o nal, cujo pes si mis mo, em re la ção aoBra sil, a re vo lu ção de 1893 e o as sas si na to do Ma re chal Bit ten courttinham agra va do.

Ber nar di no de Cam pos ca rac te ri za ra de cri se per ma nen te a si tuação do Te sou ro. Se ria ne ces sá ria a ener gia de Cam pos Sa les e do seu no tá vel minis tro da Fa zen da, Jo a quim Mur ti nho, para essa cri se ate nu ar-se, graçasaos re cur sos he rói cos do equi lí brio or ça men tá rio, do au men to dos

impos tos, da amor ti za ção par ci al das dí vi das. Com isso, logo a taxa cam bial se re a ni mou e os exer cí ci os fi nan ce i ros se en cer ra ram com gran des saldos.

O qua triê nio de Cam pos Sa les foi de re ge ne ra ção fi nan ce i ra,como o an te ri or, de pa ci fi ca ção po lí ti ca.

To dos os si na is de flo res ci men to na ci o nal, de po is da de pressãoeco nô mi ca de 1897, fa da ram esse qua triê nio a con ti nu ar a tra di ção deequi lí brio in ter no e de pres tí gio ex te ri or da na ção, dos go ver nos daMonar quia.

Subs ti tu í ra, é cer to, a po lí ti ca de par ti dos pela “po lí ti ca dosgo ver na do res”. Po rém as sim con fir ma ra a au to ri da de e as se gu ra ra aordem, em todo o país. E no ter re no das re la ções ex te ri o res vol ta mos aocu par o es pa ço que o an ti go re gi me nos ti nha con quis ta do.

O mi nis tro do Exte ri or, Olin to de Ma ga lhães, abriu ca mi nhoàs re a li za ções pos te ri o res, do Ba rão do Rio Bran co, fa zen do a di plo ma ciaame ri ca nis ta com um sen ti do cor di al até en tão des co nhe ci do. A vi si tado pre si den te Roca, da Argen ti na, ao Rio de Ja ne i ro, e a re tri bu i ção, vi si -tan do Cam pos Sa les, Bu e nos Ai res, as si na la ram um en ten di men to amis to so com a Re pú bli ca vi zi nha, que con fir ma va os de se jos de paz inin ter rup ta, que a Re pú bli ca não aban do na ria mais.

Ía mos re sol ven do por ar bi tra men to e con ci li a to ri a men te asques tões de fron te i ras: em 1896, com a Argen ti na (Mis sões), em 1900, com a Fran ça (Ama pá), em 1901, Gu i a na Ingle sa, em 1903 com a Bo lí via (Acre).

Re or ga ni za ra-se a es qua dra bra si le i ra.Cam pos Sa les en tre gou ao su ces sor o país em per fe i ta tran -

qüi li da de, o câm bio a 12 e os ne gó ci os pú bli cos em ex ce len te de sen vol -vi men to. Re to ma ra-se o pa ga men to da dí vi da ex ter na. Os tí tu los dadívida pú bli ca su bi ram de 35%. Era ain da o Te sou ro cre dor do Ban coda Re pú bli ca, e ti nha em Lon des de pó si tos dis po ní ve is no va lor de 3mi lhões de li bras.

Por fim a ta ri fa adu a ne i ra de 1900 pro te gia, fran ca men te, asindús tri as na ci o na is es ti mu lan do as ini ci a ti vas e trans for man do a eco nomiados prin ci pa is Esta dos.396

302 Pe dro Calmon

396 A. DE T. BANDEIRA DE MELO, Po lí ti ca Co mer ci al do Bra sil, p. 88, Rio, 1933.

O su ces sor de Cam pos Sa les foi tam bém pa u lis ta, Ro dri guesAlves. Indi cou-o uma con ven ção de de le ga dos dos go ver na do res. Ovice-presidente saiu de Mi nas Ge ra is (Afon so Pena), e um ban que te noCas si no Flu mi nen se deu opor tu ni da de ao fu tu ro che fe da na ção para ler o seu pro gra ma de go ver no. Acres cen tan do-se que o lu gar de Gli cériona di re ção dos gru pos po lí ti cos fora pre en chi do por Pi nhe i ro Ma cha do,se terá es bo ça do a po lí ti ca re pu bli ca na dos quin ze anos se guin tes.

Aque las pra xes se re no va ri am até 1930. Qu an to à ali an ça de S. Pa u lo e Mi nas, as se gu ra va a for ça do go ver no, man ten do em res pe i to asde ma is in fluên ci as; fa zia a ma i o ria.

O re gi me vi gen te en tre 1898 e 1930 es ta va apa re lha do em1902.

Sim pli fi ca ra-se a má qui na po lí ti ca. A con ven ção dos re pre sen -tan tes dos go ver nos es co lhia o can di da to, e a ele i ção po pu lar, em 1º demar ço, se li mi ta va a san ci o nar a es co lha, sem pos si bi li da de de sur pre sa.As ma i o res lu tas pre si den ci a is tra var-se-iam em tor no des se cos tu me, de trans for mar-se a ele i ção do su pre mo ma gis tra do numa sim ples for ma -lidade, pois re al men te ele i to res eram os con ven ci o na is, ou os go ver na dores.

Ro dri gues Alves po de ria des ti nar o seu pe río do de go ver no às gran des obras, de pro gres so e or ga ni za ção, que tan to nos fal ta vam re cu -pe rar o tem po per di do e so cor rer a eco no mia na ci o nal.

Ina u gu ra-se, em 1903, uma épo ca de in ten so tra ba lho, cu jas vi -bra ções se es ten dem a to das as re giões e a to dos os ór gãos do Esta do, e àspro vín ci as, re mo de lan do em bre ve pra zo a ci vi li za ção ma te ri al do Bra sil.

O Impé rio de ra-nos es tra das, te lé gra fos, ban cos. Pre ci sá vamosde por tos, a exem plo do por to de San tos, cons tru í do por ini ci a ti va par ti -cu lar (1805); sa ne a men to, ci da des mo der nas, imi gra ção.

Os dois qua triê ni os, de Ro dri gues Alves e Afon so Pena, apli -ca ram-se a esse pro gra ma de tra ba lho gi gan tes co.

O pri me i ro cu i da do foi a re mo de la ção da ca pi tal fe de ral.O pre fe i to Pe re i ra Pas sos, com au dá cia e lar gue za de vis tas,

em pre en deu a ta re fa co los sal de trans for mar o Rio de Ja ne i ro numacida de-padrão, do ta da de ave ni das e ruas lar gas, ins ta la ções gran di o sas.O mi nis tro da Vi a ção, La u ro Mül ler, pro mo veu a cons tru ção do novopor to. O en ge nhe i ro Pa u lo de Fron tin abriu a ave ni da Cen tral.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 303

Entre tan to es sas obras não se com ple ta ri am sem o sa ne a mento,que ex tin guis se a fe bre ama re la, en dê mi ca des de 1850, e aqui tão mor tí -fe ra que era su fi ci en te ra zão para des pre za rem os vi a jan tes a ca pi tal bra -si le ira. O obi tuá rio da fe bre ama re la até 1903 acu sa va 58.467 ca sos fatais.Não pu de ra ser de ci si va men te com ba ti da por fal ta de me i os ci en tí fi cos.O jo vem sá bio Osval do Cruz, em abril de 1904, ob ten do car ta bran cado go ver no, ini ci ou a pro fi la xia de acor do com os mé to dos de Gor gasem Cuba e J. H. Whi te em Nova Orleans, e ob te ve com ple to êxi to.

As vi si tas do mi ci li a res pe las bri ga das de sa ne a men to, a ex tinçãodos fo cos, a va ci na obri ga tó ria, res ta be le ce ram bre ve men te no Rio ascon di ções hi giê ni cas, sem as qua is não há ne nhu ma gran de ci da de. Onú me ro de óbi tos, 584, em 1904, caiu em 1905 para 53, e em 1906 para30. Nes se ano pôde re u nir-se no Rio a 3ª Con fe rên cia Pa na me ri ca na, aque com pa re ceu o se cre tá rio de Esta do ame ri ca no Eli hu Root, enenhum caso de fe bre ama re la se ve ri fi cou. Esta va de be la do o ma i orini mi go dos ca ri o cas.

A luta que teve de sus ten tar Osval do Cruz con tra os re tar da -tá ri os con vul si o nou por ve zes o go ver no Ro dri gues Alves.

Entre 10 e 14 de no vem bro de 1904 a va ci na obri ga tó ria pro -vo cou no Rio, prin ci pal men te nos ba ir ros pro le tá ri os, uma ver da de i rare vo lu ção po pu lar, di fi cil men te su fo ca da pe las for ças po li ci a is e fe de ra is. Por esse tem po a opo si ção po lí ti ca, che fi a da pelo se na dor La u ro So dré,vi san do à de po si ção do pre si den te, con se guiu re vol tar a Esco la Mi li tar,mar chan do os ca de tes so bre a ci da de, che fi a dos pelo Ge ne ral Sil ves treTra vas sos. Uma for ça le gal to mou-lhes a fren te na rua da Pas sa gem eapós três des car gas vol ta ram os ca de tes à Esco la onde se ren de ram.Tinha sido mor tal men te fe ri do o Ge ne ral Tra vas sos. A do mi na ção domo vi men to, como da úl ti ma ten ta ti va de con tra por-se à po lí ti ca ofi ci al acor ren te flo ri a nis ta, ou da pu re za re pu bli ca na, en tão en car na da em LauroSo dré, con so li dou a or dem, per mi tiu que a ad mi nis tra ção pros se guis senos seus vas tos ob je ti vos.

Um acon te ci men to aus pi ci o so, em 1905, re fle te a si tu a ção depres tí gio ex te ri or do Bra sil: ob tém da San ta Sé a cri a ção de um car di na -la to, úni co en tão na Amé ri ca do Sul.

Na su ces são de Ro dri gues Alves a po lí ti ca se al te rou sen si vel -men te, pois o can di da to do par ti do re pu bli ca no pa u lis ta era Ber nar di no

304 Pe dro Calmon

de Cam pos, que se ria o 4º pre si den te na tu ral da que le Esta do.Opôs-se-lhe Pi nhe i ro Ma cha do, cri an do, em prin cí pio de 1905, um bloco,que, com a ma i o ria do Con gres so, fez tri un far a can di da tu ra de Afon soPena, como o an te ces sor, an ti go po lí ti co da Mo nar quia.

Esta va este em con di ções de con ti nu ar o go ver no de Ro dri guesAlves.

Como pre si den te de Mi nas Ge ra is, mu da ra a ca pi tal para Belo Ho ri zon te, que fi ze ra cons tru ir. O seu pri me i ro ato, na pre si dên cia daRe pú bli ca, foi or ga ni zar um mi nis té rio de ho mens mo ços, o “jar dim dainfân cia”, como ca pa zes de bem sa tis fa zer as exi gên ci as do seu pro grama.A pas ta mais ati va con ti nu a va a ser a da Vi a ção, con fi a da a Mi guel Calmon, que exe cu tou um gran de pla no fer ro viá rio, cons tru ir a Expo si ção Nacional, em 1908, co me mo ra ti va do cen te ná rio da aber tu ra dos por tos; con clu iuas obras do por to; du pli cou o for ne ci men to de água do Rio em re ma teaos tra ba lhos de sa ne a men to; or ga ni zou o ser vi ço de co lo ni za ção, e,com a es tra da de fer ro do No roes te, li gan do S. Pa u lo a Mato Gros so,pôs fim ao iso la men to des se úl ti mo Esta do, cu jas co mu ni ca ções de pen -di am até en tão do rio Pa ra guai. O Bra sil che ga ra a uma si tu a ção de pros -pe ri da de e or dem in ter na in ve já ve is. A Expo si ção Na ci o nal de mons trou como pro gre di ra, em to dos os cam pos da eco no mia. O Ba rão do RioBran co au men ta ra-lhe con si de ra vel men te o pres tí gio ex te ri or. Em 1908a ar ma da re no vou-se, com po de ro sos na vi os de guer ra (dre ad noughts), eo Exér ci to (era mi nis tro o Ma re chal Her mes da Fon se ca) foi do ta do deim por tan tes me lho ra men tos.

As di fi cul da des po lí ti cas, en tre tan to, res sur gi ram em 1909.Ten do fa le ci do o pre si den te Pena, as su miu o go ver no o

Vice-Presidente Nilo Pe ça nha. O can di da to ofi ci al à su ces são foi o MarechalHer mes, apo i a do pela ma i o ria po lí ti ca e pe las for ças ar ma das. O can di -da to da opo si ção, “ci vi lis ta”, foi Rui Bar bo sa. Me mo rá vel cam panhaelei to ral agi tou o país. Ele i to o ma re chal, o seu qua triê nio foi atri bu la do, não raro trá gi co, não so men te pe las de sor dens fre qüen tes, como pelader ru ba da, que se ope rou nos Esta dos, com a im po si ção de go ver na doresdo agra do de Pi nhe i ro Ma cha do, en tão su pre mo ár bi tro da si tu a ção. Obom bar de io da Ba hia (1912) e a “guer ra” de Ju a ze i ro,397 no Ce a rá

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 305

397 Vd. XAVIER DE OLIVEIRA, Be a tos e Can ga ce i ros, p. 54, Rio, 1920.

(1913), fo ram os mais la men tá ve is su ces sos des sa qua dra in fa us ta. Amedi da ex tre ma do es ta do de sí tio, para evi tar a ex ten são do des contem -ta men to e dos mo tins, foi usu al, em todo esse pe río do de in qui e tações, aque po ria ter mo o se guin te pre si den te, o mi ne i ro Wen ces lau Braz.398

O go ver no de Wen ces lau Braz co in ci diu com a guer ra eu ro -péia. Esta pro vo cou as mais sa lu ta res re a ções no Bra sil: de sen vol veuexcep ci o nal men te as nos sas in dús tri as e des per tou o es pí ri to cí vi co,aper ce ben do-o para a de fe sa na ci o nal.

Os efe i tos eco nô mi cos da guer ra mun di al fo ram es pan to sos.Ime di a ta men te to dos os nos sos pro du tos se va lo ri za ram, as ex por ta ções avul ta ram, qua se to das as in dús tri as es tran ge i ras se re pro du zi ram, so bre -tu do em S. Pa u lo, de ma ne i ra a dis pen sar mos pro gres si va men te a im -por ta ção, au men tan do, em gran des pro por ções, a ri que za lo cal.

A cri a ção da Liga de De fe sa Na ci o nal, e o ape lo aos jo vensbra si le i ros para se alis ta rem nos ba ta lhões vo lun tá ri os e ades trar-se nosser vi ços mi li ta res, pu se ram o Bra sil, em 1917, à al tu ra das suas res pon -sa bi li da des in ter na ci o na is. Entra mos na guer ra (26 de ou tu bro de 1917)ao lado das na ções ali a das, con tra os impé ri os cen tra is, em vir tu de dotor pe de a men to de qua tro na vi os mer can tes por sub ma ri nos ale mães, eda nos sa po lí ti ca ex te ri or, de sen vol vi da pelo Ba rão do Rio Bran co, econ ti nu a da por seus su ces so res, de so li da ri e da de com os Esta dos Unidos.

A guer ra não nos cus tou sa cri fí ci os de gen te, ape sar da divisãona val for ne ci da para o po li ci a men to do Atlân ti co e do Me di ter râ neo.Tam bém não nos trou xe van ta gens es pe ci a is.

O ide a lis mo, que fora, na Mo nar quia, o tra ço ca rac te rís ti co da nos sa in ter ven ção nos ne gó ci os di plo má ti cos, se re pe tiu na Re pú bli ca.Po rém a pro pa gan da pa trió ti ca pro du ziu os me lho res fru tos e, em con -se qüência do gran de vo lun ta ri a do, de po is das leis re fe ren tes à cons criçãomi li tar, que se tor nou obri ga tó ria (1915), as for ças ar ma das se mo di fi ca -ram com ple ta men te. Co me ça mos a ter um Exér ci to fe i to de to dos oscida dãos em ida de de ser vir. A pa ra da dos re gi men tos de “ati ra do res”,re a li za da no Rio de Ja ne i ro em 7 de se tem bro de 1917, re u niu, em belocon jun to, a mo ci da de de to dos os esta dos. O co ro lá rio des sa apro xi mação

306 Pe dro Calmon

398 So bre este pe río do, vd. a nos sa His tó ria So ci al do Bra sil, III, A Épo ca Re pu bli ca na, S. Pa u lo, 1939.

e des se mo vi men to cí vi co-marcial se ria a re vi ves cên cia de um na ci o na -lis mo be né fi co.

A Wen ces lau Braz su ce deu Ro dri gues Alves, se gun da vez pre -si den te da Re pú bli ca. Fa le cen do o ilus tre pa u lis ta, foi ele i to o SenadorEpi tá cio Pes soa. No seu pe río do de go ver no, re a li zou-se o re cen se a -men to ge ral de 1920, co me mo ra mos o pri me i ro cen te ná rio da Inde pen -dên cia, e fo ram re pa tri a dos os res tos mor ta is dos úl ti mos im pe ra do res.Esses três fa tos per mi tem ve ri fi car que a Re pú bli ca atin gi ra uma si tuaçãode es tá vel pros pe ri da de, po den do não ape nas apu rar os re sul ta dos dasua evo lu ção eco nô mi ca e so ci al, como tam bém ce le brar cem anos devida au tô no ma com uma expo si ção inter na ci o nal que fa ci li ta ria a com -pa ra ção do pro gres so do país com as de ma is na ções ami gas.

O ano de 1922 é um ex ce len te ano-limite.A nos sa ci vi li za ção per de ra as suas li nhas tra di ci o na is ex clu si -

vam e nte agrí co las e li to râ ne as. Tí nha mos uma for mi dá vel ri que za in dus -tri al e uma eco no mia ser ta ne ja, que os mo der nos me i os de trans por te –com as es tra das de ro da gem399 – cada vez mais se in ter na vam, co mu ni -can do afi nal en tre si todos os nú cle os pro du to res. Os ín di ces de pros pe -ri da de de al gu mas re giões po de ri am equi va ler-se aos de pa í ses quefazem o as som bro da nos sa épo ca: as sim o cres ci men to ver ti gi no so deS. Pa u lo, o po vo a men to das suas zo nas ca fe e i ras, a cons tru ção de suasci da des.400 O Ama zo nas, que en tre 1895 e 1910 pro gre di ra ex tra or di na -ri a men te com o alto pre ço da bor ra cha, com a con cor rên cia das plan -tações do Ori en te deca í ra, num em po bre ci men to gra du al. Entre tan to a ani -ma ção agrí co la dos ou tros Esta dos, o au men to dos re ba nhos, a ins ta la çãodo par que in dus tri al pa u lis ta, a in dús tria si de rúr gi ca em Mi nas, a cres cen tecul tu ra de café, ti nham for ta le ci do as ba ses eco nô mi cas do Bra sil.

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 307

399 Em 1930, ha via em trá fe go 113.249 qui lô me tros de es tra das de ro da gem, e37.600 au to mó ve is. Anuá rio Esta tís ti co do Bra sil , p. 151, 1936. E es tra das de fer ro:32.500 qui lô me tros.

400 “A vida eco nô mi ca atin ge em S. Pa u lo ao mais ele va do al can ce que há er gui do aca pa ci da de dos po vos mais cul tos e pro du ti vos do Pla ne ta. Dos 48 Esta dos, que tan to são os da União Ame ri ca na do Nor te, S. Pa u lo se co lo ca aci ma de 44 de -les.” F. DE SOUZA LOBO, S. Pa u lo na Fe de ra ção , p. 267, S. Pa u lo, 1924.

As es ta tís ti cas com pa ra das, de 1907 e 1920, re ve lam que, emtre ze anos, o nú me ro de es ta be le ci men tos in dus tri a is pas sa ra de 2.998para 13.336, e o ca pi tal ne les em pre ga do, de 580 mil para 1.815 con tos deréis (fora 217 mil para a in dús tria açu ca re i ra e 25.400 para a sa li ne i ra).

O va lor da pro du ção das fá bri cas su bi ra de 668.843 con tospara 2.989.176 con tos. Em 1889 ha via ins ta la da no Bra sil uma só em -pre sa elé tri ca; em 1920 fun ci o na vam 306, pro du zin do 603.632 HP;401

em 1935, 8% do po ten ci al per ma nen te do país es ta va apro ve i ta do.402

Os da dos re fe ren tes à agri cul tu ra e ao co mér cio não são me nosim pres si o nan tes. Pou cas cul tu ras no uni ver so te rão as pro por ções doplan tio do ca fe e i ro, que, em S. Pa u lo, por du zen tos qui lô me tros qua sesem des con ti nu i da des pro lon ga a sua “onda ver de”. A pro du ção mun di alem 1920 fora de 18.500 mil sa cas, das qua is 13.390 mil do Bra sil (e 11mi lhões de S. Pa u lo). O café ocu pa 2 mi lhões de hec ta res de solo bra si -le i ro. Fi ca mos no 6º lu gar, no mun do, quan to à pro du ção do açú car (12mi lhões de to ne la das), no 2º lu gar quan to à pro du ção de ca cau, con cen -tra da na Ba hia (1 mi lhão de sa cas); no 5º quan to ao al go dão (142 mil to -ne la das). Expor ta mos na que le ano 31.469 to ne la das de fumo, 32 mil to -ne la das de erva-mate. Pro du zi mos 87.180 to ne la das de tri go, e, só o RioGran de do Sul, 11 mil de ar roz. O mi lho abran geu 3.380 mil hec ta res, ofei jão, 1.655.900 hec ta res... Por ou tro lado, al can ça ra a ex por ta ção de pro -du tos pas to ris ci fras im pre vis tas: 61.934 to ne la das de car ne, em 1922!

A ex por ta ção bra si le i ra, em 1920, or çou em 1.769.700 con tos, e a im por ta ção, em 2.090.600.403

A nos sa po pu la ção, de 17 mi lhões em 1890, su bi ra a30.635.605 em 1920, dos qua is 6.376.880 vi vem dos re cur sos do solo e

308 Pe dro Calmon

401 BULHÕES DE CARVALHO, Re cen se a men to do Bra sil, vol. V, Intro du ção, Rio,1927. Em 1924, eram 925 as em pre sas, e 1.035 as usi nas ge ra do ras de ele tri ci da de(Anuá rio Esta tís ti co do Bra sil, 1936, p. 129), ser vin do a 1.777 lo ca li da des.

402 ADOZINDO MAGALHÃES DE OLIVEIRA, Uti li za ção da ener gia elé tri ca noBra sil, Bo le tim nº 1, 1935.

403 Em 1932, a im por ta ção foi de 1.518.700 e a ex por ta ção, 2.536.800. Em 1937:aque la, 5.314.600; esta, 5.092.000. A gran de sur pre sa eco nô mi ca de po is de 1932foi a do al go dão, na que le ano ex por ta do em mí ni ma quan ti da de (515 to ne la das), e em 1937, 167.794 ton., no va lor de 944.400 con tos. (Mi nis té rio da Fa zen da,Qu a dros Esta tís ti cos, 1938.)

1.189.375 do apa re lha men to in dus tri al.404 Con si de ran do que as pro fis -sões li be ra is ocu pam ape nas 168.879 in di ví du os, o co mér cio, so men te497.348, a ex tra ção mi ne ral, 74.650, a ad mi nis tra ção, as for ças ar ma das160 mil, te re mos que o in te res se dos cam pos e a ex plo ra ção agrí co laain da for mam no país o meio nor mal de exis tên cia, ape sar da atra ção do ur ba nis mo, ou das con di ções des fa vo rá ve is do tra ba lho ru ral em mu i tasre giões. De sen vol veu-se har mo ni ca men te a eco no mia na ci o nal nas suasre la ções en tre a in dús tria e a la vou ra,405 e na dis tri bu i ção das mas sashuma nas.

Cons ti tu ía mos um êxi to po si ti vo, em to dos os do mí ni os daati vi da de de um povo. Entre tan to ain da nos so bra va a im pres são de quetudo es ta va por fa zer – tão gran de é o âm bi to ge o grá fi co des ta ci vi li zaçãoque ape nas es bo çou as suas ten dên ci as ou di fe ren ci ou a sua fi si o no mia!

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra 309

404 Em 1935, a po pu la ção do Bra sil foi cal cu la da em 41.560.147 (Anuá rio Esta tís ti codo Bra sil – 1936 – p. 65, Rio, 1936). Em 1937, 43.200.000.

405 Em 1932, a pro du ção in dus tri al ti nha o va lor de 6 mi lhões de con tos, e a agrí co -la, de mais de 5 mi lhões. Vd. ARTUR TORRES FILHO, Expan são Eco nô mi ca doBra sil, p. 38, Rio, 1935.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Índi ce Ono más ti co

A

Abrantes (vis con de de) – 195Abreu, Ca pis tra no de – 17, 19Abreu, Cris tó vão Pe re i ra de – 87Acos ta – 20Acu ña, Dom Ro dri go de – 32Afon so IV – 125Afon so Pena – 246, 303, 305Agos ti nho de San ta Ma ria (frei) – 91Aguir re – 198Ai res da Cu nha – 35Aires, Ma ti as – 137Albuquerque, Antônio de – 105Albuquerque, Lou ren ço de (vis con de) –

252, 270Albuquerque, Luiz de – 89, 199Albu quer que, Mar tins de – 16 Albuquerque, Ma ti as de – 70Ale i ja di nho – 140, 141Alencar, José de – 270Alencar, José Mar ti ni a no de – 173, 215Alencastro, D. João de (go ver na dor) – 109Alfredo, João – 232, 243, 249, 251, 259,

260, 261, 267, 270Almada, D. Lou ren ço de – 155Almada, Ma no el da Gama Lobo d’ – 166Alme i da Bar re to – 283Alme i da, Mi guel Jo a quim de (“o Mi gue li -

nho”) – 173Alme i da, Dom Pe dro de – 157Alor na – 176Alpo im (bri ga de i ro) – 137

Alvarenga, Pe dro so Antô nio – 89Álvares, Di o go – 33Alvear, Car los Ma ria de (ge ne ral) – 193Alves Ara ú jo de – 246Alves, Cas tro – 257Alves, Ro dri gues – 299, 303, 304, 307Ama ral, Brás do – 18, 19Amaral, José Álva res do – 171Anchi e ta – 122Andonaegui, José de – 166Andra da e Sil va, José Bo ni fá cio de – 187,

188Andra da, Antô nio Car los Ri be i ro de – 173,

215Andra da, Go mes Fre i re de – 154, 156, 166Andra das (os) – 189, 210Andrade, Fer nan do Álva res – 35Andra de, Fran cis co de Pa u la Fre i re de – 160Andra de, Ma no el de Car va lho Paes de – 189Andreoni (pa dre) – 136 Anto nil – 95, 134, 136, 180Antô nio Con se lhe i ro – 297Aragão, Bal ta zar de – 131Aran da – 176Araújo, Na bu co de – 240, 270Arcis zensky (co ro nel) – 71Arcos (con de dos) – 171, 174, 181, 185, 186Armi ta ge – 170Arou che, José Iná cio de – 155Assu mar (con de de) – 157, 158 Asti er – 225Ata la ia (con de de) – 129

Atou guia (con de de) – 119 Avilez, Jor ge de (ge ne ral) – 186Azevedo, Antô nio de Ara ú jo de (con de da

Bar ca) – 176

B

Badaró, Lí be ro – 206Bal zac – 256Bandeira, Se bas tião (te nen te) – 281Ba rão do Rio Bran co – 305Barbacena (mar quês de) – 193, 205Bar ba ce na (vis con de de) – 160Barbalho, Agos ti nho – 145Bar bin na is – 20Bar bo sa, Ma no el Jo a quim (bri ga de i ro) – 173Bar bo sa, Rui – 231, 248, 251, 252, 258,

277, 282, 286, 287, 290, 305Bar ra das, Dom Cons tan ti no de (bis po) –

149Bar re i ros, Dom Antô nio (bis po) – 148Bar re to (ma re chal) – 211Bar re to, Adol fo da Fon tou ra Mena – 279Barreto, Fran cis co – 75Barreto, Fran cis co Paes de – 172, 189

Barreto, José Luiz de Mena (ca pi tão) –265, 280, 281

Barreto, Ro que da Cos ta – 144Barros, Cris tó vão de – 58Barros, João de – 35Bastos, Ta va res – 227Ben to, Gon çal ves (co ro nel) – 211Bequimão, Ma no el – 154Ber nar des, Artur – 16

Betruchi, João – 87Bezerra, Jáco me – 173Bit ten court (ma re chal) – 301

Bit ten court, Pe dro Cal mon Mo niz de –11, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21, 22

Bo ca ge – 170Bocaiúva, Qu in ti no – 281, 282, 283, 287,

290Bo drim – 22Boehm, João Hen ri que – 167Boissy d’Anglas – 170Bolí var – 175Bonifácio, José – 209, 251Bor ges da Fon se ca – 137Botelho, Álva ro – 274Botelho, Di o go – 64, 65, 149Bra gan ça (os) – 177Branco, Alves – 231Brandão, To maz Pin to – 135 Brás Cu bas – 36Brasiliense, Amé ri co – 273Braz, Wen ces lau – 306, 307Brito, Antônio Gu e des – 102Brito, D. Luiz de – 148Brito, Do min gos d’Abreu – 135 Brun le es – 224Bu ar que de Ma ce do – 246

C

Cabral, Pe dro Álva res – 25, 26, 27Cabral, Se bas tião Xa vi er da Ve i ga – 168Cacunda, Bu e no Bar to lo meu – 90Cairu – ver Lisboa, José da Sil vaCal das Bar bo sa – 136 Caldas, José Pe re i ra – 165Cal das, Se bas tião de Cas tro – 145, 155, 156Caldeira, Fe lis ber to – 171Caldeira, Fran cis co – 149Cal la do, Ma no el (frei) – 73Calmon, Mi guel – 305

312 Pe dro Calmon

Ca ló ge ras – 19Câmara, Arru da – 170Caminha, Pero Vaz de – 26, 28 Camisão (co ro nel) – 199Ca mões – 20Cam pos, Antô nio Pi res de – 105Cam pos, Ber nar di no de – 295, 301, 304Cam pos, Fre de ri co Car ne i ro de – 199Cam pos, Mar ti nho – 247, 270Cam pos, Sa les – 281, 285, 291, 292, 299,

301, 302, 303Ca na bra va, Ali ce – 20Cândido, Pa u la – 228Can ti no – 27Ca pi co, Pero – 33Ca ra mu ru – 32, 34Caravelas (mar quês de) – 189Cardim, Fer não (pa dre) – 58, 122, 129Cardoso, Antônio de Bar ros – 35Cardoso, Ja nuá rio – 104Cardoso, Ma ti as – 104Car do so, Sa tur ni no Ni co lau (te nen te) – 280Car los II – 90Car los III – 176Car los V – 65Carvalho, José Le an dro de – 140Carvalho, Leôn cio – 245Ca se mi ro de Abreu – 138Cas ti lhos, Jú lio de – 295Cas tro, Gen til de – 298Ca ta ri na (prin ce sa) – 96Cavalcanti, Antô nio – 75Cavalcanti, Ho lan da – 210, 211Ca val can ti, José Ma ri a no de Albu quer que

– 173Caxias (mar quês de) – 200

Celso, Afon so (mar quês de Ouro Pre to)– 247, 252

Ceulen, Pa u lo van – 69Cevallos, Pe dro de – 166, 167Cha te a u bri and – 20Chaves, Fran cis co de – 34Christie – 240Cle men te XIV (papa) – 125Cochrane, Tomaz – 223Co e lho, Du ar te – 36, 38Co e lho, Gon ça lo – 28, 32Coelho, Tomaz – 250Col bert – 68, 111, 177, 183Constant, Ben ja min – 189, 203, 267, 268,

279, 280, 282, 283, 287, 290Corrêa, Sal va dor – 145Cor re ia, Jor ge de Fi gue i re do – 35Cos ta Car va lho – 208, 211Costa, Antô nio de Ma ce do (bis po) – 243Costa, Cláu dio Ma no el da – 140, 160Costa, Du ar te da – 83, 148Costa, Hi pó li to da – 170, 174Costa, João de Fi gue i re do – 154Cos ta, Dom Ma no el Álva res da (bis po) –

156Coutinho, Au re li a no – 215, 216, 237Coutinho, Aze re do (bis po) – 172Coutinho, Fran cis co Pe re i ra – 35, 39Coutinho, Dom José (bis po) – 140Coutinho, Ro dri go de Sou za (con de de Li -

nha res) – 86, 171, 175, 176, 183Couto, Lo re to – 137Cruz (o Ca bu gá) – 174Cruz, Antô nio Gon çal ves – 173Cruz, Mo re i ra Antô nio – 85Cruz, Osval do – 304Cu bas, Brás – 35, 36

His tó ria da Ci vi li za ção Brasileira 313

Cu nha, Ai res da – 35Cu nha, Eu cli des da – 19Cunha, Luiz da – 176Cunha, Ma no el da – 140Curado, Xa vi er (ge ne ral) – 186

D

D. Álva ro – 148D. Antô nio – 66D. Hen ri que – 27D. João – 176, 177, 178, 183, 189D. João III – 33, 39, 42, 77D. João IV (rei de Por tu gal) – 72, 73, 74,

78, 125, 176D. João VI – 107, 110, 115, 181, 184,

185, 186, 188, 191D. José I – 167D. Le o pol di na Cris ti na – 184D. Ma no el (rei) – 66, 68, 77, 129D. Ma ria I – 161D. Ma ria II (ra i nha) – 205, 207D. Mi guel – 206D. Pe dro – 176, 185, 186, 187, 189, 190D. Pe dro de Alcân ta ra – 184D. Pe dro I – 183, 188, 189, 193, 204,

205, 206, 207, 208, 209, 210, 221, 272D. Pe dro II – 125, 197, 199, 207, 209,

213, 214, 215, 222, 224, 228, 240, 241,248, 256, 257, 259, 268, 271, 272, 277,284, 286, 287, 288, 293

D. Ro dri go (mi nis tro) – 115D. Se bas tião (rei)– 38, 65, 68, 124, 125D’Ávila, Gar cia – 58, 59, 72D’Eu (con de) – 199, 200, 267, 277, 278D’Orbigny, Alci de – 212Dan tas, Ro dol fo – 248, 249, 251, 258, 270Dan tas, San ti a go – 16

Desterro, Dom Antô nio do (bis po) – 137Deus, Frei Gas par de Ma dre de – 38Dias, Antô nio – 140Dias, Bel chi or – 100Dias, Fer não – 102Dias, Hen ri que – 67Diaz Taño (pa dre) – 125Dis ra e li – 270Domingos, Jor ge – 174Dória, Frank lin – 266Duarte (ma jor) – 199, 200Du ar te da Cos ta – 51Duchs, Fran cis co – 70Du que de Ca xi as – 244

E

Eça, Sil va da – 137Elisabeth (ra i nha) – 68Elison (ma jor) – 225Ellis Jr., Alfre do – 19Epi tá cio Pes soa – 305Esti gar ri bia – 200

F

Faria, Sou sa Fran cis co – 85Feb vre, Lu ci en – 19Feijó, Di o go Antô nio – 209, 210, 211,

212, 213, 214, 216Fe li pe II (rei de Espa nha) – 66Fe li pe V – 177Fernandes, André – 90Ferraz, Sam pa io – 241, 270, 277Fer re i ra Vi a na – 250, 270Ferreira, Ale xan dre Ro dri gues – 166Fer reira, Fe li pe Néri – 173Figueira, Antônio Gon çal ves – 102Figueira, Andra de – 260, 274

314 Pe dro Calmon

Flo res – 198Flo ri a no (ma re chal) – 295, 296Fon se ca, Her mes da (ma re chal) – 305Fonseca, Ma no el De o do ro da – 259,

265, 266, 267, 268, 274, 277, 278, 279,280, 283, 284, 287, 290, 291, 292, 293,294, 305

Fonseca, Bor ges da – 137Fragoso, Au gus to Tas so – 280Francia (dou tor) – 194, 197Fran cis co de Lima e Sil va (bri ga de i ro) –

207, 210, 211Fran cis co de Me ne ses (frei) – 104Franco de Sá – 246Franco, Sou za – 251Fre i re, Gil ber to – 18, 19, 22, 24Freire, Fe li pe dos San tos – 157Freire, Fran cis co de Bri to – 78Freitas, Ve rís si mo de Sou za – 140Frias, Fran cis co de – 130Frias, Mi guel de (ma jor) – 207Frontin, Pa u lo de – 303Funck, Jac ques – 130Furtado, Afon so – 102Furtado, Di o go de Men don ça (go ver na -

dor) – 131, 149Furtado, Fran cis co Xa vi er de Men don ça

– 143, 165

G

Galvão, Ma nu el Antô nio – 211Gama, José Ba sí lio da – 137Gama, Luiz (es cra vo) – 257Gama, Vas co da – 27, 33Gânda vo – 32 , 57Gar cia d’Ávi la – 131Garcia, Ma nu el José – 193

Gar cia, Ro dol fo – 19Giraldes, Lu cas – 35Gli cé rio, Fran cis co – 274, 281, 285, 287,

291, 296, 298, 299, 303Góes, Pero de – 35, 49 Go mes Car ne i ro (co ro nel) – 295Gon ça lo Co e lho – 28, 32Gon ça lo Ra vas co – 137Gonçalves, André – 27Gon go ra – 135Gon za ga, To maz Antô nio – 159Gou vêa – 33Guimarães, Pas co al da Sil va – 157, 158Gur gel, Ama ral – 104Gusmão, Ale xan dre de – 62Guz mán, Lu í za de (ra i nha) – 78, 176

H

Han del mann – 19 He ar gra ves – 114Hel ve ti us – 170Hen ri que (dom) – 26Her val (mar quês de) – 265Heyn, Piet – 54, 70Ho lan da, Sér gio Bu ar que de – 22, 23

Ho mem de Melo – 246Honório, Her me to – 237Hum boldt bra si le i ro – Ver Fer re i ra, Ale -

xan dre Ro dri gues

I

Inácio, Jo a quim – 282Isa bel (prin ce sa) – 242, 250, 260, 261, 278

J

J. B. Alber di – 217

His tó ria da Ci vi li za ção Brasileira 315

J. J. Se a bra – 298Ja ce guai (al mi ran te) – 221Ja co bi na – 59Jac ques, Cris tó vão – 32, 34Jef fer son, Tho mas – 159Je sus, José Teó fi lo de – 140João Ma no el (pa dre) – 252Jo a quim Le an dro – 140José de San ta Rita Du rão (frei) – 137José Ma ri a no – 248José Ro ber to (ma re chal) – 173Ju not (ge ne ral) – 177Jun que i ra – 270

K

Kos ter (vi a jan te) – 171, 174

L

La cer da, Car los – 16Lacerda, Pe dro Ma ria de (bis po) – 243Lacerda, Fal cão de (co ro nel) – 189Ladário (ba rão de) – 252, 283, 284Lafaiete, Pe re i ra – 245Lage, Fer re i ra – 222Lamas, André – 195, 196Lara, Ga bri el de – 84, 100La u ro Müller — 303Laval, Pyrard de – 66, 69, 128, 130La va le ja – 193Leandro, Jo a quim – 140Leão Coroado – ver Lima, José de Bar rosLe i te Lobo – 250Leite, Di o go – 33Le i te, Se ra fim – 19Leite, Te ixe i ra – 225Len cas tre, D. Fran cis co Na per de – 85

Léry – 20Lescolles, Mi guel de – 130Le ve ne, Ri car do – 19Leuchtenberg, Amé lia de – 205Lich thardt (al mi ran te) – 71Lima e Sil va – 208, 210, 211Lima, Araú jo – 265Lima, D. To maz da Cos ta – 137Lima, Fé lix Ma no el – 89Lima, José de Bar ros – 173, 174, 175Lima, José Iná cio Ri be i ro de Abreu (o

pa dre Roma) – 173, 174Lima, Pe dro de Ara ú jo – 210, 213Lima, To maz da Cos ta (dom) – 137Lincoln, Abra ham – 256Lindley, To maz – 170Lip pe (con de de) – 147Lisboa, José da Sil va – 116, 178Lo ba to, Mon te i ro – 20Lobo, Aris ti des – 281, 282, 284, 287Lobo, Ma nu el – 86Lomas Valentinas – 200Lo pes, Mar ques – 140Lopes, Pero – 34Lopez, Car los Antônio – 197, 198Lo pez, Fran cis co So la no – 197, 198, 200,

225Lorena, Fre de ri co – 282Lo reto (ba rão de) – 252Lo re to Cou to – 137Lou zã (con de de) – 186Luiz Fe li pe – 206

M

Macaé (vis con de de) – 211Ma ca u lay – 134Ma cha do Bit ten court (ma re chal) – 297

316 Pe dro Calmon

Ma cha do, Alcân ta ra – 19, 20Ma cha do, Pi nhe i ro – 303, 305Maciel, Álva res – 159Maciel, Ma no el Pi res – 104Madureira, Sena – 266Magalhães, Fer não de – 32Ma ga lhães, Olin to de – 302Ma la gri da, Ga bri el – 151Ma no el (dom) – 27, 33Ma no el Vito ri no (Vice-Pre si den te) – 297Mar ce li no Bis po – 298Mar cos-Polo – 27Mar ga ri da, Te re za – 137Ma ria I (dona) – 161Ma ria II – 205, 207Mariano, José – 174Marquês de Abran tes – 240Marquês de Ca xi as – 238, 241Marquês de Pa ra ná – 238Marquês de São Vi cen te – 242Marques, Lo pes – 140Marques, Nuno – 134Mar tim Fran cis co (mi nis tro) – 188, 258,

273Martinho Campos – 247Martins, Alme i da (pa dre) – 243Martins, Do min gos José – 171, 172Martins, Ma te us – 84Martins, Gas par da Sil ve i ra – 245, 267,

270, 277, 278Mar ti us – 19, 23, 24, 42, 103, 105, 170,

179, 180Marx, Karl – 19, 256Mascarenhas, D. Fer nan do de – 156Mascarenhas, Fer nan do Mar tins – 104Massé, João – 130Ma ti as Ai res – 137

Matos, Gre gó rio de – 133, 135, 136Ma ury – 227Melo, Ber nar do Vi e i ra de – 156Melo, Cus tó dio de (al mi ran te) – 294, 295Melo, Fran cis co Ma no el de – 37Mem de Sá – 37, 51, 124, 130Men don ça, Fé lix José Ma cha do de –

156Men don ça, José Luiz de (ad vo ga do) – 172Menezes, Antô nio de Sou za de – 145Menezes, D. Di o go de – 38, 149Menezes, Ma ga lhães de (ge ne ral) – 165Met hu en, John (sir) – 97Me tra ux, Alfred – 19Mi guel de Fri as (ma jor) – 207Miguel (dom) – 206Mil tre – 217Mirales, José de – 137Mon ta ig ne – 20Montalvão (mar quês de) – 72Mon te-Belo (mar quês de) – 150Mon te ne gro, Ca e ta no Pin to de Mi ran da –

173Mo ra is e Sil va, Antô nio de (o di ci o na ris ta)

– 173Morais, Pru den te de – 274Moréa, Bel chi or Dias – 59Mo re i ra Cé sar (co ro nel) – 297, 298Mo re i ra de Bar ros – 247Moreno, Mar tim So a res – 32Mo rus – 20Mota, Fran cis co da – 164Moura, Ro lim de – 165Mr. Agas sis – 217Muniz, João Bráu lio – 208, 210Mu rat – 176Mur ti nho, Jo a quim – 301

His tó ria da Ci vi li za ção Brasileira 317

Muzzi, João Flo rên cio – 140

N

Nabuco, Jo a quim – 238, 241, 245, 247,251, 256, 257, 258, 260, 270, 273, 278

Na po leão – 165, 175, 176, 177Na po leão III – 242Nassau, Ma u rí cio de – 72, 75Negreiros, André Vi dal de – 75Nilo Pe ça nha – 305No bre, Fran cis co Iná cio de Si que i ra – 219Nó bre ga – 122

Noronha, Fer não – 31Nu nes Vi a na – 106Nunes, Fe li ci a no Jo a quim de Sou za – 136

O

Ojeda, Alon so de – 27Olím pio, José – 17Olinda (mar quês de) – 198, 252Oliveira, Cân di do – 280Oli ve i ra, Di o go Luiz de – 37Oli ve i ra, João Fran cis co de (dom) – 150Oliveira, José de – 140Oliveira, Ma no el Bo te lho de – 135 Oliveira, Ma no el Dias de – 140Oli ve i ra, D. Vi tal Ma ria Gon çal ves de (bis -

po) – 243 Oli ve i ra, D. João Fran co de – 149Oribe, Ma no el – 195Osó rio – 245Otaviano, Fran cis co – 241, 272Otoni, Cris ti a no – 201, 221, 222, 224Otoni, Teó fi lo – 215, 216, 272Ouro Pre to (vis con de de) – 253, 268, 270,

278

P

Pa dre Vi e i ra – 42Paes Bar re to – 270Paes, José da Sil va – 87Palheta, Fran cis co de Melo – 90Paraguaçu, Ca ta ri na – 33Pa ra nhos – 270Patrocínio, José do – 257Paul, Ro jas – 217Pa u la, Fran cis co de – 160Pa u lo III (papa) – 125Pa u lo van Ce u len (cor sá rio) – 69Pe ça nha, Nilo – 305Pe dro Luís (mi nis tro) – 246Peixoto, Flo ri a no – 266Peixoto, Iná cio José de Alva ren ga – 140,

159Pe i xo to, Bri to – 84Pelotas – 259Pe re i ra Cal das – 173Pereira Passos – 303Pereira, Cos ta – 250Pereira, José Cle men te – 186, 205Pe re i ra, Nuno Mar ques – 20Pery – 114Pessoa, João Ri be i ro (pa dre) – 173, 174Pi lar, Ri car do (frei) – 140Pimentel, Antônio Sil va – 102Pi men tel, Antô nio Cal de i ra – 84Pinheiro Machado – 303, 305Pinto, Ca e ta no – 173Pinto, Fran cis co Bar re to – 168Pin to, José Pe re i ra – 89Pla tão – 26Pombal (mar quês de) – 76, 112, 116, 165,

176, 183Ponsonby (lord) – 194

318 Pe dro Calmon

Ponte, Se bas tião da – 148Porto Alegre (con de de) – 196, 200Portugal, Ber na rdo Fer re i ra – 173Portugal, D. Fer nan do José de – 144Portugal, D. Pe dro de Alme i da e – 157Prado, Antô nio – 259Prado, Do min gos Ro dri gues do – 105Pra do Jr, Caio – 18Pra do J. F. Alme i da – 19Prín ci pe de Nas sau – 132Procópio, Ma ri a no – 222, 223Pto lo meu – 26Pyrard de La val – 69, 130

Q

Queiroz, Eu sé bio de – 228, 255Qu e i roz, Ino cên cio Gal vão de – 296Qu e ve do – 135

R

Ramalho, João – 32, 81Ra mos, Artur – 19Rat zel – 19, 83Ravasco, Gon ça lo – 137Reis, Fer re i ra – 19Reis, Jo a quim Sil vé rio dos – 160Reis, Mi ran da (ge ne ral) – 268Requena, Fran cis co de – 165, 166Re sen de, Gar cia de – 20Ri be i ro, João – 18, 24Ribeiro, João (pa dre) – 172Ribeiro, Pe dro – 156Ri bey rol les – 197Ri car do Pi lar (frei) – 140Rio Branco (ba rão) – 251, 257, 270Rivera, Fru tu o so – 192, 193, 195Ro cha Pita – 134

Rocha, José Jo a quim da – 140Ró cio – 272Ro dri gues Alves – 303, 305Ro dri gues, Antô nio – 99Ro dri gues, Nina – 19Ro jas Paul – 217Rolim, José da Sil va Oli ve i ra – 160Ro me ro, Síl vio – 19, 23Root, Eli hu – 304Rosa, João Ma no el – 194, 195, 196, 197Rosa, Ma no el Mus que i ra – 157Ro sas – 191, 256Rous se au – 11, 20, 170

S

Sá, Está cio de – 47, 267Sá, Mem de – 64, 81, 148Sá, Sal va dor Cor rêa de – 78, 154Sa int-Hi la i re – 123, 170Saldanha, Ma ri nho – 272Sales, Cam pos – 274, 299, 301Sal va dor Cor rêa (go ver na dor) – 125Salvador, Vi cen te de (frei) – 20, 53, 58,

69, 128, 134, 148, 149Sam pa io, Te o do ro – 19San Mar tin – 175San tos, Ali Fe li pe dos – 158Santos, Fe li pe dos – 158Saraiva – 249, 258, 268Sa ra i va, Gu mer cin do – 295Saraiva, José Antô nio – 238, 241, 246Sardinha, Afon so – 100Sardinha, D. Pero Fer nan des – 148Saxe (du que) – 199, 278Schetz, Eras mo – 37Schkoppe, Se gis mun do von – 72, 76Schmidel, Ulri co – 81

His tó ria da Ci vi li za ção Brasileira 319

Se bas tião (dom) – 38Se bas tião de Cal das – 145Seixas, Ma ria Do ro téia de – 160Sha kes pe a re – 20Sil va da Eça – 137Sil va, Antô nio Cas ta nho – 90Sil va, An tô nio José de – 137Silva, Antô nio Te les da – 75Silva, Bar to lo meu Bu e no da – 105Silva, Ben to Gon çal ves da – 214, 265Silva, Fran cis co de Lima e (bri ga de i ro) –

207, 210, 211Silva, Lima e (re gen te) – 265Silva, Luiz Vi e i ra da – 160Silva, Ma no el Go mes da – 158Sil va, Ma noel Jor dão da – 85Sil va, Ro dri go – 250, 260Sil va Te les (ma jor) – 281Sil va, Vieira de – 250, 252Sil ve i ra Mar tins – 245, 257, 279Silveira, Dom Braz Bal ta zar de – 157Silveira, Antô nio – 89Sil ves tre Tra vas sos (Ge ne ral) – 304Si mon sen, Ro ber to – 18Si nim bu – 247, 251Si que i ra No bre – 115Smith, Adam – 177, 183, 210So a res, Ga bri el – 38, 58, 59, 129, 132, 134Sodré, Je rô ni mo – 257So dré, La u ro – 296, 304So lon (ma jor) – 279, 281, 283Sousa Dan tas – 246Sousa Fran co – 239Sousa, Fran cis co – 100Sousa, Gas par de – 119Sousa, Mar tim Afon so de – 33Souza, D. Pe dro de Vas con ce los e – 154

Souza, Dom Fran cis co de – 131Sou za, Fran cis co (go ver na dor) – 100Sou za, Ga bri el So a res de – 20Souza, Gas par de – 149Sou za, Ire neu Evan ge lis ta de – 196, 221,

222Souza, João de – 140Sou za, Ma no el Mar ques de (ge ne ral) – 196Sou za, Rita Jo a na de – 137Sou za, Tomé de – 39, 42, 48, 58, 65, 131,

146Souza, Pa u li no de – 238, 260Staden, Hans – 55Ste i nen, Von den – 43Stra bão – 26Strang ford (lord) – 176

T

Taques, Pe dro – 90, 137Ta u nay – 270, 271Teixeira, D. Mar cos (bis po) – 70, 149Teixeira, Pe dro – 89Tenório, Sou za (pa dre) – 174, 175Te o tô nio, Do min gos – 174, 175Te re za Mar ga ri da – 137Thé vet – 20Ti ra den tes – 159, 161, 272To le do, Car los Cor rêa de – 160Toledo, D. Fra di que de – 70Tolenare – 171Torres Homem – 270Torres, Ro dri gues – 238Tourinho, Pero do Cam po – 35

U

Ulloa, D. José Va rel la y – 168Urba no VIII (papa) – 125

320 Pe dro Calmon

Urquista, Jus to José (dom) – 195Usse linx – 134

V

Vaca, Ca be za de – 54Var nha gen – 19, 24Vas con ce los, Ber nar do Pe re i ra de – 204,

205, 208, 210, 212, 215, 221, 222, 226Vas con ce los, D. Luiz de – 160Vas con ce los, D. Pe dro de – 155, 156Vas con ce los, Luís Men des de – 97Vas con ce los, Si mão de (pa dre) – 64, 134Va u ban – 177Ve i ga, Eva ris to da – 184, 208, 210, 212, 214Ve las co, Antô nio Jo a quim Fran co – 140Ve lho, Fran cis co Dias – 84Ve lho, Jor ge – 90Ve lho, Ma no el Gar cia – 99Ver gue i ro (se na dor) – 229Ves puc ci, Amé ri co – 27, 28 Vi a na, Ma nu el Nu nes – 102, 156Vi a na, Oli ve i ra – 55Vi cen te do Sal va dor (frei) – 69, 102, 129,

148, 149Vi cen te, Gil – 137Vi e i ra, Antô nio (pa dre) – 61, 70, 74, 76,

77, 78, 112, 123, 125, 134, 136

Vi e i ra, João Fer nan des – 75Vi e i ra, Mar ti nho – 157Vir gí lio – 26Vis con de de Mauá – 221, 222, 223, 239Vis con de de Ouro Pre to – 283Vis con de de Pe lo tas – 283Vitorino, Ma no el – 251Vol ta i re – 170

W

Wan den kolk – 282, 287, 294Wan der lei – 270Wa ring – 225Weh ling – 24We nces lau Braz – 305Wi att – 114

X

Xavier, Jo a quim José da Sil va (ver Ti ra -den tes)

Xé ria, D. Luiz de Cés pe des e – 82

Z

Zacarias – 240, 241, 265, 268, 273Zama, Cé sar – 247

His tó ria da Ci vi li za ção Brasileira 321

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Índi ce To poní mico

A

Abran tes – 177Aço res – 25, 38Acre – 302Açu da Tor re (rio) – 53, 64Áfri ca – 28, 32, 45, 48, 63, 77, 115, 116,

123, 161, 168, 190Ala go as – 57, 71, 173, 174, 212, 275Alber di – 196, 230Ama zo nas – 34, 44, 83, 90, 165, 226, 227,

228, 235, 307Ama zo nas (rio) – 60, 65, 80Amé ri ca – 42, 52, 67, 78, 111, 123, 134,

172, 175, 177Amé ri ca do Nor te – 113, 159, 229, 231,

232, 243, 256Amé ri ca do Sul – 63, 74Amé ri ca Por tu gue sa – 54, 61, 136Amster dam – 73Ango la – 45, 48, 63, 77, 78Angra dos Reis – 27, 53, 54, 60Angus tu ra – 200Anhan bai – 123 Anti lhas – 43Apa (rio) – 199Apo di (rio) – 53, 136Aqui da ban-ni gui (rio) – 200Ara çu aí – 110Ara gua ia – 89Argen ti na – 81, 190, 194, 195, 196, 200,

226, 230, 302Arra i al de Bom Je sus – 71

Arro io Chuí – 89Ásia – 28Assun ção – 88, 200Aus trá lia – 168Áus tria – 97

B

Ba cia Ama zô ni ca – 89Ba hia – 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 46,

47, 52, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 63,64, 65, 66, 67, 69, 70, 75, 80, 86, 90, 94, 95, 100, 103, 106, 109, 112, 113, 114,115, 119, 120, 122, 124, 127, 128, 129,130, 132, 134, 136, 137, 139, 140, 143,145, 147, 148, 149, 150, 151, 155, 156,161, 170, 171, 173, 174, 175, 178, 179,180, 181, 186, 187, 189, 199, 208, 212,213, 219, 221, 230, 233, 234, 257, 272,274, 281, 297

Baía de Ca bin da – 45Baía de To dos os San tos – 27, 42Ba i xa Bre ta nha – 136 Bar ba dos – 77Bar ce los (vila) – 165Be lém do Pará – 65Belo Ho ri zon te – 305Ben gue la – 77Boa Vis ta – 80Bo lí via – 302Bom Je sus da Lapa – 103Bom ba im – 96Bor ba (vila) – 165Bor néu – 77

Bra sí lia – 32Brum (for ta le za) – 173Bu e nos Ai res – 61, 66, 86, 88, 91, 112, 167,

191, 192, 193, 194, 195, 226, 241, 295

C

Cabo da Boa Espe ran ça – 77Cabo de San to Agos ti nho – 27Cabo de São Ro que – 27, 28, 31 Cabo Frio – 28, 31, 53, 65Cabo Ver de (ilhas do) – 36, 57Ca cho e i ra – 60Ca e té – 103Ca e ti té (ser tão de) – 60Ca le cut – 77Cam pi nas – 258, 273Cam po de Sant’ana – 207Cam pos – 103, 123, 225Cam pos de Go i ta ca ses – 45Ca na néia – 33, 53Ca na nor – 77Ca ná ri as – 38Ca nu dos – 297Ca pi ba ri be (rio) – 53Ca ri nha nha – 59Cas te la – 38Ca ta guás – 109Ce a rá – 32, 45, 54, 60, 61, 131, 171, 189,

227, 230, 235, 305, 257, 274Ce i lão – 123Cha i le – 131 Cha péu (Mor ro do) – 60Cha ul – 77Chi le – 217, 282Chi na – 50Chuí – 33, 168Ci da de do Cuz co – 91

Cis pla ti na – 187, 193Co chim – 77Co im bra – 89, 136, 169Co lô nia do Sa cra men to – 88, 89, 91, 166,

167, 168, 191Con go – 45, 77Con go nhas do Cam po – 141Con tas (rio de) – 59, 60Cor ri en tes – 199Co rum bá – 199Co ru nha – 32Cos ta – 130 Cos ta dos Escra vos – 46Cra to – 176Cu ba tão – 258Cu i a bá – 110, 165, 199Cu lan – 77Cu ri ti ba – 33, 81, 123, 295Cu ru pa i ti – 198, 200Cu ru zu – 198, 200Cuz co – 61

D

Da bul – 77Des ter ro – 54Diu – 77, 131

E

Equa dor – 65, 189Espa nha – 34, 38, 62, 66, 67, 68, 69, 74,

77, 78, 88, 96, 120, 122, 139, 163, 168,176, 233

Espí ri to San to – 35, 36, 45, 54, 60, 67,100, 179

Esta dos Uni dos – 114, 174, 229, 235,257, 259, 291

Eu ro pa – 27, 28, 47, 48, 75, 106, 112,134, 177, 186, 228, 250, 259, 277, 287

324 Pe dro Calmon

F

Fe i ra Ve lha – 58 Fi a jaí – 295Fis cal (ilha) – 282Flan dres – 38, 129Fló ri da – 192For ta le za – 228For te da Bar ra – 70Fran ça – 111, 113, 129, 138, 139, 163,

168, 172, 175, 176, 195, 197, 207, 222,233, 265, 277, 302

G

Ga ra tin gue tá – 103Go iás – 61, 62, 81, 83, 90 Grã-Bre ta nha – 175, 178Gran Co lôm bia – 175Grão-Pará – 116, 117, 120 Gu a po ré – 45, 62, 83, 88, 90Gu a ra ra pes – 75Gu i a na Fran ce sa – 302Gu i ará – 120 Gu i né – 36, 45, 49, 132Gur guéia (vale do) – 60, 61

H

Haia – 74Ho lan da – 35, 37, 67, 68, 70, 73, 74, 75,

76, 77, 96, 113, 163Hu ma i tá – 198, 200

I

Ibi cuí – 168, 198Iguaçu – 103Igua ra çu – 131 Igua te mi – 88, 89Ilha de Pa que tá – 209

Ilhéus – 35, 53, 54, 60Índia – 28, 35, 113, 122, 123, 131Ingla ter ra – 38, 67, 78, 96,111, 113, 114,

115, 138, 159, 163, 171, 172, 175, 176,194, 195, 196, 207, 219, 220, 229, 255,265, 270

Itá lia – 129, 139Ita ma ra cá – 41, 71, 94, 173Ita pa gi pe – 58Ita pa ri ca – 36, 75Ita pi cu ru (rio) – 60, 61Ita pi cu ru (vale do) – 59Ita poã – 58Ita ra ré – 82, 295Iti ú ba (ser ra de) – 60Ito ro ró – 200Itu – 55, 82

J

Ja bo a tão – 119, 129Ja co bi na – 60, 110Ja cuí (for te) – 84Ja cu í pe (rio) – 60Ja cu í pe (vale do) – 59Ja gua ri pe – 136 Jauru – 89Ja va ri – 166Je qui ti nho nha – 60Je re mo a bo – 60Ju a ze i ro – 100, 103, 297, 305Ju cuí no Rio Par do – 84Juiz de Fora – 223Jun cal – 193Jun di aí – 82, 224

L

La gu na – 55, 167

His tó ria da Ci vi li za ção Brasileira 325

La jes – 89Lapa – 295Le blon – 259Lis boa – 25, 28, 29, 35, 66, 76, 86, 96, 112,

113, 114, 115, 117, 129, 137, 148,170,176, 177, 183, 184, 187, 190, 210

Li ver po ol – 178Lon dres – 115, 171, 178, 205, 223, 302Lu an da – 77

M

Ma caé – 225Ma de i ra – 25, 36, 37, 38 Ma dri – 91, 176Ma la bar – 38Man ches ter – 114Mar (ser ra do) – 55Ma ra caju – 88, 123Ma ra cás – 60Ma ra nhão – 53, 54, 60, 61, 63, 64, 67, 73,

74, 75, 80, 82, 96, 117, 120, 124, 128,146, 154, 186, 187, 230

Mar ro cos – 131 Mata Re don da – 71Mato Gros so – 44, 61, 62, 81, 83, 88, 89,

108, 165, 192, 199, 212, 226, 241, 305Me al pe – 174Me a rim – 61Me lin de – 77Mé xi co – 44,175Mi nas do Ouro (ca pi ta nia de) – 55Mi nas Ge ra is – 47, 59, 60, 61, 62, 81, 90,

109, 111, 112, 134, 137, 139, 141, 156,157, 159, 161, 170, 171, 186, 187, 205,206, 208, 216, 221, 223, 226, 233, 234,281, 303, 305, 307, 274

Mi nho – 130

Mi ran da (rio) – 199Mis sões – 120, 123Mo çam bi que – 77, 454Mogi – 82Mon te San ti a go – 193Mon te vi déu – 186, 191, 192, 195, 196, 198

N

Na tu ba – 60Ne gro (rio) – 295Níger – 46Nilo (rio) – 58Ni te rói – 186Nova Co lô nia – 85Nova Gra na da – 62Nova York – 233Novo Ham bur go – 225Novo Peru – 103

O

Olin da – 60, 129, 132, 145, 155, 156, 172, 173, 174

One ro co – 165Oro bó (ma tas do) – 59Ouro Pre to – 99, 141, 187, 206, 208, 212,

216, 232, 283, 287

P

Pal me i ras – 295Pará – 53, 61, 63, 80, 149, 154, 165, 186,

187, 211, 212, 230, 293 Pa ra ca tu – 110Pa ra guaçu (rio) – 59, 60Pa ra guai – 34, 44, 54, 81, 90, 191, 192,

194, 195, 197, 198, 201, 226, 227, 240,241, 256, 265, 284

Pa ra guai (rio) – 55, 65, 198, 200

326 Pe dro Calmon

Pa ra guai do Igua çu – 89Pa ra í ba – 45, 57, 64, 71, 75, 82,100, 103,

116, 156, 170, 171, 173, 189Pa ra í ba (rio) – 53,Pa ra í ba (vale do) – 60Pa ra í ba do Nor te – 60Pa ra í ba do Sul – 35Pa rai bu na – 233Pa ra me rim (rio) – 59Pa ra ná – 45, 192, 226, 227, 238Pa ra ná (rio) – 65Pa ra na guá – 53, 54, 55, 84, 88, 109, 120Pa ra na guá (por to) – 220Pa ra na pa ne ma – 62, 82, 100Pa ra ti – 60, 103, 110Pa ris – 134, 171, 176, 206, 288Par na í ba – 61, 136, 230Par na í ba (foz do) – 53Pas so de S. Lou ren ço – 193Pas so do Ro sá rio – 193Pa ta gô nia – 193Pe dre i ra (Bom Re ti ro) – 238Pe lo tas – 265, 266Pe ne do – 60Per nam bu co – 31, 33, 34, 35, 36, 37, 38,

41, 47, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 63, 64,65, 67, 69, 70, 73, 74, 75, 77, 78, 91, 94,109, 116, 117, 119, 122, 136, 170, 171,172, 173, 175, 181, 189, 145, 146, 147,150, 155, 199, 212, 217, 224, 233, 275

Peru – 34, 38, 44, 61, 65, 88, 90Pe tró po lis – 225, 260, 283, 284, 286Pi a uí – 43, 45, 55, 60, 64, 80, 82, 83, 100,

120 Pi nha is – 84Po ju ca (vale do) – 59Pon ta de Are ia – 198

Pon to do Mor ro – 105Por to Ale gre – 196, 225, 265, 268Por to das Pe dras – 174Por to Se gu ro – 35, 45, 53, 54, 60Por tu gal – 25, 28, 29, 37, 43, 63, 65, 66,

67, 68, 69, 74, 75, 76, 96, 109, 111, 113, 120, 123, 125, 130, 133, 134, 135, 136,139, 147, 158, 159, 163, 165, 166,168,169, 174, 175, 176, 181, 183, 184,186, 188, 190, 191, 206, 220

Po ten gi (rio) – 53Pra ia Gran de – 186Pra ta (rio) – 34, 66, 196, 197, 201, 208Prín ci pe – 116 Prín ci pe da Be i ra – 89Pro vín ci as Uni das – 77, 205,

Q

Qu in ta da Boa Vis ta – 228Qu i to – 89

R

Raiz da Ser ra – 223, 225Real (rio) – 58Real (vale do) – 59Re ci fe – 37, 67, 73, 75, 46, 95, 120, 132,

155, 156, 171, 172, 174, 175, 189, 190,208, 238, 286

Re i no Uni do – 114, 184Reis Ma gos (for te dos) – 61Ri be i rão do Car mo – 105Ri be i rão Pre to – 234Rio Cu i a bá – 89Rio da Pra ta – 82, 86, 114Rio das Mor tes – 100, 105, 110 Rio de Con tas – 110, 170

His tó ria da Ci vi li za ção Brasileira 327

Rio de Ja ne i ro – 33, 47, 53, 54, 55, 63,64, 78, 85, 99, 103, 105, 109, 110, 120,122, 123, 125, 131, 132, 136, 137, 138,140, 145, 146, 147, 150, 154, 155, 158,159, 160, 167, 170, 171, 173, 179,180,187, 192, 193, 198, 199, 208, 212, 228,233, 259, 267, 268, 272, 274, 279, 288,290, 294, 296, 298, 302, 303

Rio do Pe i xe – 89Rio do Pra ta – 167, 191Rio Gran de – 59, 71, 83, 85, 86, 87, 89, 94,

168, 186, 282, 284, 286, 294, 295, 296Rio Gran de de S. Pe dro do Sul – 84, 87Rio Gran de do Nor te – 45, 60, 130, 171,

189, 173, 241Rio Gran de do Sul – 44, 61, 62, 80 , 82,

85, 88, 167, 193, 195, 198, 199, 211,213, 214, 217, 265, 274, 278, 285, 291,294, 295

Rio Ma de i ra – 89Rio Ne gro – 165Rio Pa ra guai – 89Rio São Pa u lo – 89Rio Uru guai – 83, 88, 89Rio Ver de – 100Rio Ver me lho – 173Roça Nova – 80

S

S. Bor ja – 168Sa ba rá – 105, 110, 141Sa cra men to (co lô nia do) – 55Sal va dor – 42, 59, 69, 100, 224

Sant’ana – 193San ta Ca ta ri na – 61, 62, 63, 80, 81, 87, 89,

167, 168, 214, 295San ta Ca ta ri na (ilha de) – 54

San ta Cruz – 88 San ta Luíza – 217San ta na (Cam po de ) – 281, 283

San to Ama ro – 35San tos – 53, 54, 55, 103, 110, 187San tos (Jun di aí) – 225San tos Lu ga res – 196

São Cris tó vão – 206, 207, 214São Fran cis co – 81, 100, 123, 136São Fran cis co (ba cia do) – 55, 61São Fran cis co (rio) – 43, 45, 53, 54, 58,

59, 60, 64São Fran cis co do Sul – 53São Gon ça lo – 119 São João D’el Rei – 141, 160, 170São José do Rio Ne gro (ca pi ta nia) – 165São Luís – 53São Malô – 32São Pa u lo – 54, 55, 56, 60, 62, 66, 80, 81,

84, 89, 90, 105, 109, 112, 124, 125, 128, 129, 131, 154, 170, 171, 186, 187, 199,206, 208, 210, 216, 221, 224, 225, 226,230, 233, 234, 250, 257, 273, 274, 281,285, 286, 292, 295

São Se bas tião – 27, 225São Tomé – 31, 116São Vi cen te – 27, 34, 35, 36, 37, 41, 54, 131Ser gi pe – 58, 60, 148Ser ra do Cu ba tão – 224Ser ra do Mar – 223Ser ro do Frio – 106, 110So fa la – 38, 77So ro ca ba – 61, 82, 83, 87Su as su na (en ge nho) – 169Sul (ca pi ta ni as do) – 54Su ri na me – 77

328 Pe dro Calmon

T

Ta ba tin ga – 89, 165Tânger – 96Tape (re gião do) – 64Ta tu a pa ra – 58Ta u ba té – 60, 82, 99, 100, 109,103Tejo – 176Ti ba gi – 89Ti e tê (rio) – 88, 89Ti e tê (vale do) – 60Ti ju co – 110, 170Tor de si lhas – 34Tor res No vas – 115 Tou ros (por to de) – 60Três Co ra ções – 225

U

Uauá – 297Urqui sa – 196Uru bu – 103Uru guai – 62, 167, 168, 191, 192, 193,

194, 198, 200, 227, 228, 241Uru guai (rio) – 199Uru gua i a na – 199

V

Vale do Pa ra í ba – 225, 233

Vár zea Ale gre – 80

Vaza-bar ris (rio) – 60, 297

Ven da Gran de – 217Ve ne za – 38, 68Ve ne zu e la – 217

Vila Bela – 89, 108

Vila Boa de Go iás – 110

Vila de Ma chi co – 38,Vila de São Pa u lo – 82

Vila Rica – 105,110, 157, 158, 159, 160,161

Vi le ga ig non (ilha de) – 294Vi nhos – 116

Vi tó ria – 53, 54, 212

W

West pha lia – 96

Z

Za i re – 45

His tó ria da Ci vi li za ção Brasileira 329

His tó ria da Ci vi li za ção Bra si le i ra, de Pe dro Cal mon, foi com pos to em Ga ra mond, cor po 12, e im pres so em pa pel Ver gê

Are ia 85g/m2, nas ofi ci nas da SEEP (Se cre ta ria Espe ci al de Edi to ra ção e Pu bli ca ções), do Se na do Fe de ral, em Bra sí lia. Aca bou-se de im pri mir em de zem bro de 2002, de acor do

com o pro gra ma edi to ri al e pro je to grá fi co do Con se lho Edi to ri al do Se na do Fe de ral.