História das Casas Pernambucanas

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Revista Crítica Histórica Ano III, Nº 5, Julho/2012 ISSN 2177-9961 60 “DA ALDEIA DA PREGUIÇA À ATIVA COLMEIA OPERÁRIA”: O Processo de Constituição da Cidade-fábrica Rio Tinto - Parahyba do Norte (1917-1924) The Process of Constitution of Rio Tinto City factory – Parahyba do Norte (1917-1924) Eltern Campina Vale * Resumo: Em 1917, a família Lundgren inicia processo de construção de tecelagem, seguido, de estrutura de vila operária, na Paraíba, especificamente na região da cidade de Mamanguape (a 50 km da então capital do Estado). Para a instalação da fábrica Rio Tinto, contribuiram tanto benefícios fiscais concedidos pelo governo estadual, quanto a própria conjuntura econômica. Esse empreendimento é descrito na imprensa e nos registros dos memorialistas, de modo grandiloquente, pois nessa visão, a fábrica impulsionou a economia da região e da Paraíba. Construiu-se a imagem dos Lundgren como “arautos” do progresso, que transformaram uma “aldeia da preguiça” em uma ativa colméia operária, como definiu Ademar Vidal. Neste processo, destacou-se a transformação de um grupo de migrantes em trabalhadores de fábrica. Palavras-chave: Cidade-fábrica de Rio Tinto; Lundgren; Indústria têxtil; Trabalhadores. Abstract: In 1917, the Lundgren family starts building process of weaving, followed the structure of workers' village, in Paraíba, specifically in the area of the city of Mamanguape (50 km from the then capital of the state). For installation of the factory Rio Tinto, there were multiple factors, either in the tax benefits granted by the state government, or in the economic environment. This project is described in the press and the records of the memoirists, so grandiloquent, because in his view, the factory boosted the region's economy and Paraíba. He built up the image of Lundgren as harbingers of progress for a region that, "aldeia da preguiça" would be transformed into an active hive workers, as defined by Ademar Vidal. In this process, highlighted the transformation of migrant factory workers. Keywords: Rio Tinto Town-Factory; Lundgren; Textile industry; Workers (recebido em 1º de maio de 2012; aprovado em 1º de junho de 2012) Em 1917, os empreendimentos da família Lundgren - Frederico, Alberto, Herman e Ana Louise 1 - estão presentes em Pernambuco, Paraíba e em outros lugares do Brasil e lhes * Professor do Curso de História da Universidade Federal de Alagoas – UFAL (Campus do Sertão – Delmiro Gouveia). Este artigo é uma versão modificada, de parte do primeiro capítulo de minha dissertação de Mestrado: Tecendo fios, fazendo história: a atuação operária na cidade-fábrica Rio Tinto (Paraíba,1959-1964). Defendido no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Ceará, sob orientação da Profª Drª Adelaide Gonçalves. 1 O primeiro Lundgren – Herman Theodor – chegou ao Brasil em 1855, migrando da Suécia. Passando pelo Rio de Janeiro e Bahia, Herman fixou-se no Recife. Para Raul de Góes, que escreveu uma biografia apologética e laudatória de Herman (Um sueco emigra para o Nordeste – Vida, obra e descendência de Lundgren) publicada em 1964, a cidade de “Recife tornou-se o campo de ação desse bandeirante alienígena da indústria nacional”. Góes compara a trajetória deste imigrante, com a de Visconde de Mauá, Teófilo Otoni e Delmiro Gouveia, construindo uma imagem de herói, um feitor industrial, com notável contribuição ao desenvolvimento econômico e social do Brasil e especificamente, do eixo Paraíba-Pernambuco. Em 1861, funda a primeira fábrica de Pólvora de iniciativa particular – a Pernambuco Powder Factory. Já em 1904 adquire a fábrica de Tecidos Paulista. Falecendo em 1907, o controle dos negócios ficou com os seus filhos. Para uma outra versão da história dos Lundgren, diferente da escrita por Raul de Góes e dos relatos da própria família, ver artigo: HUTZLER, Celina Ribeiro. “Quem pode, pode, quem não pode...” In: Relações de Trabalho e Relações de Poder: Mudanças e Permanências. Mestrado de Sociologia – UFC – Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais (NEPS). Fortaleza – CE, 1986.

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    DA ALDEIA DA PREGUIA ATIVA COLMEIA OPERRIA:

    O Processo de Constituio da Cidade-fbrica Rio Tinto - Parahyba do Norte (1917-1924)

    The Process of Constitution of Rio Tinto City factory Parahyba do Norte

    (1917-1924)

    Eltern Campina Vale*

    Resumo: Em 1917, a famlia Lundgren inicia processo de construo de tecelagem, seguido, de estrutura de vila operria, na Paraba, especificamente na regio da cidade de Mamanguape (a 50 km da ento capital do Estado). Para a instalao da fbrica Rio Tinto, contribuiram tanto benefcios fiscais concedidos pelo governo estadual, quanto a prpria conjuntura econmica. Esse empreendimento descrito na imprensa e nos registros dos memorialistas, de modo grandiloquente, pois nessa viso, a fbrica impulsionou a economia da regio e da Paraba. Construiu-se a imagem dos Lundgren como arautos do progresso, que transformaram uma aldeia da preguia em uma ativa colmia operria, como definiu Ademar Vidal. Neste processo, destacou-se a transformao de um grupo de migrantes em trabalhadores de fbrica. Palavras-chave: Cidade-fbrica de Rio Tinto; Lundgren; Indstria txtil; Trabalhadores. Abstract: In 1917, the Lundgren family starts building process of weaving, followed the structure of workers' village, in Paraba, specifically in the area of the city of Mamanguape (50 km from the then capital of the state). For installation of the factory Rio Tinto, there were multiple factors, either in the tax benefits granted by the state government, or in the economic environment. This project is described in the press and the records of the memoirists, so grandiloquent, because in his view, the factory boosted the region's economy and Paraba. He built up the image of Lundgren as harbingers of progress for a region that, "aldeia da preguia" would be transformed into an active hive workers, as defined by Ademar Vidal. In this process, highlighted the transformation of migrant factory workers.

    Keywords: Rio Tinto Town-Factory; Lundgren; Textile industry; Workers (recebido em 1 de maio de 2012; aprovado em 1 de junho de 2012)

    Em 1917, os empreendimentos da famlia Lundgren - Frederico, Alberto, Herman e

    Ana Louise1 - esto presentes em Pernambuco, Paraba e em outros lugares do Brasil e lhes

    * Professor do Curso de Histria da Universidade Federal de Alagoas UFAL (Campus do Serto Delmiro Gouveia). Este artigo uma verso modificada, de parte do primeiro captulo de minha dissertao de Mestrado: Tecendo fios, fazendo histria: a atuao operria na cidade-fbrica Rio Tinto (Paraba,1959-1964). Defendido no Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Cear, sob orientao da Prof Dr Adelaide Gonalves. 1 O primeiro Lundgren Herman Theodor chegou ao Brasil em 1855, migrando da Sucia. Passando pelo Rio de Janeiro e Bahia, Herman fixou-se no Recife. Para Raul de Ges, que escreveu uma biografia apologtica e laudatria de Herman (Um sueco emigra para o Nordeste Vida, obra e descendncia de Lundgren) publicada em 1964, a cidade de Recife tornou-se o campo de ao desse bandeirante aliengena da indstria nacional. Ges compara a trajetria deste imigrante, com a de Visconde de Mau, Tefilo Otoni e Delmiro Gouveia, construindo uma imagem de heri, um feitor industrial, com notvel contribuio ao desenvolvimento econmico e social do Brasil e especificamente, do eixo Paraba-Pernambuco. Em 1861, funda a primeira fbrica de Plvora de iniciativa particular a Pernambuco Powder Factory. J em 1904 adquire a fbrica de Tecidos Paulista. Falecendo em 1907, o controle dos negcios ficou com os seus filhos. Para uma outra verso da histria dos Lundgren, diferente da escrita por Raul de Ges e dos relatos da prpria famlia, ver artigo: HUTZLER, Celina Ribeiro. Quem pode, pode, quem no pode... In: Relaes de Trabalho e Relaes de Poder: Mudanas e Permanncias. Mestrado de Sociologia UFC Ncleo de Estudos e Pesquisas Sociais (NEPS). Fortaleza CE, 1986.

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    alavam ao posto de empresrios de destaque, principalmente no ramo txtil. Eram proprietrios

    de tecelagem - Fbrica de Tecidos Paulista - de fbrica de plvora - Pernambuco Powder

    Factory - e de casas comerciais - Casas Pernambucanas (denominao das casas de comrcio

    no sul do Brasil) e Casas Paulista (designao de filiais espalhadas pelo norte do pas).

    Na capital da Parahyba do Norte, os Lundgren haviam inaugurado nova filial das Casas

    Paulista, ampliando os negcios de tecidos, no atacado ou varejo. Utilizando-se

    estrategicamente de propagandas dirias no jornal A Unio, da capital paraibana, os Lundgren

    divulgam o colossal sortimento de todos os tecidos venda nas Casas Paulista. A preocupao

    em atender aos clientes, com moderna variedade, aliada aos baixos preos que desafiam

    qualquer concorrncia, alimenta o crescimento do comrcio de tecidos, que se soma

    possibilidade de revenda no atacado, com a garantia de boas e considerveis margens de lucro

    para o comprador2.

    Da capital, a expanso de filiais pelo interior da Paraba efetivada. Anos mais tarde,

    em 1924, existiam filiais em Cabedelo, Alagoa Nova, Campina Grande, Itabaiana, Ing,

    Guarabira e Rio Tinto. Com propaganda em jornais e revistas como Era Nova, os Lundgren

    utilizavam-se de duas tticas: preos baixos e padronagem moderna dos tecidos, vendidos em

    grosso ou varejo3.

    Deste modo, os negcios caminham a passos largos, dada a rentabilidade de promissor

    comrcio. O que levou a famlia Lundgren a projetar a construo de filial da Companhia de

    Tecidos Paulista, sendo novo empreendimento de alargamento dos negcios e esfera

    empresarial. A nova investida se d na Paraba, estado escolhido para a implantao da nova

    tecelagem.

    Tornam-se proprietrios em 1917, de terras na regio de Mamanguape, onde se ergue a

    opulenta sucursal de Paulista, segundo Ademar Vidal4. A escolha da Paraba apresenta

    diferentes verses. De acordo com Leite Lopes, os Lundgren apresentam como fator decisivo

    para sua implantao, perseguies polticas ocorridas em Pernambuco, com deslocamento

    para outro estado de nova fbrica txtil. 5 Devido s perseguies, escolheu-se a regio de

    Mamanguape para o novo projeto.

    2 CASAS PAULISTA, Fazendas - Roupas feitas Toalhas. Alberto Lundgren. Rua Maciel Pinheiro, 48, Parahyba. Novo sortimento. ltimas novidades em padres. A Unio, 04 de janeiro de 1917. 3 CASAS PAULISTA. Fazendas em Grosso e a Retalho. Revista ERA NOVA (Bi-Mensrio de Propaganda da Parahyba). 24 de fevereiro de 1924, Ano IV, N.58. 4 GES, Raul de. Um sueco emigra para o Nordeste Vida, obra e descendncia de Lundgren. Rio de Janeiro: Livraria Jos Olympio, 2 ed. 1964. p. 10. O escritor Ademar Vidal, escreve o prefcio de uma primeira verso, um opsculo de 1949.

    5 LEITE LOPES, Jos Srgio. A Tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chamins. So Paulo: Marco Zero,

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    Segundo outra verso, a iseno fiscal de vinte e cinco anos concedida pelo ento

    governador da Paraba, Camilo de Holanda (1916-1920), reiterada no governo de Joo

    Suassuna em 1924, discutida com os Lundgren, define a implantao da fbrica em definitivo na

    Paraba. Importante enfatizar que, concedida esta iseno, os Lundgren ficariam responsveis,

    pelos servios de sade, educao, segurana, lazer e outros a populao ali sitiada.6

    Em abril de 1920, o governo do estado e a direo da fbrica Rio Tinto homologam

    oficialmente o contrato de iseno de impostos que recebe posteriormente, alguns aditivos de

    atualizao. Em 1926 continua isenta de impostos, obrigada, todavia, a pagar 60 contos de ris

    (60:000$000) anuais, em duas parcelas de 30 contos de ris, a cada seis meses. Outro aditivo

    ressalva:

    Na hiptese de querer a Companhia Rio Tinto aumentar o nmero de seus teares, alm dos referidos mil e oito (1.008) ora j existentes em sua fbrica na localidade de mesmo nome, ficar pagando ento o imposto anual e nico de 60 mil ris (60:000$000) por cada tear que for aumentado, em duas prestaes iguais; a Companhia Rio Tinto se obriga a ir comunicando ao governo o nmero dos teares aumentados.7

    Assim sendo, acerca da iseno fiscal, compreende Celso Mariz que os Lundgren

    devem ter considerado vrios elementos de seu interesse. O Estado acolhedor arriava por trinta

    anos as barreiras fiscais, e abria as zonas de maiores e melhores produes do algodo.8 Por

    ser o algodo um dos principais produtos econmicos da Paraba, o governo estadual estimula a

    expanso da cultura e a modernizao das tcnicas de beneficiamento do produto. A instalao

    de tecelagem na Paraba, se d em conjuntura econmica da Primeira Guerra Mundial e altos

    preos de produtos:

    A partir de 1916, com o incremento da demanda de matrias primas e alimentos pelos pases beligerantes, nossos principais produtos de exportao alcanaram preos altos, iniciando-se uma fase de equilbrio econmico-financeiro do Estado [...] O crescente aumento dos preos do algodo, aliado aos favores fiscais do governo estadual estimulou a implantao de vrias usinas de beneficiamento e prensagem. Na dcada de 1920, foram implantadas algumas indstrias txteis: Marques de Almeida & Cia. em 1923 em Campina Grande (fios de algodo e sacos); Fbricas de Tecidos Rio Tinto em 1924 (Mamanguape) do grupo Lundgren e SA Txtil de

    1988, p. 202.

    6 MACDO, Maria Bernadete Ferreira de. Inovaes Tecnolgicas e Vivncia Operria O caso de Rio Tinto 1950-1970. Dissertao de Mestrado. Departamento de Economia da UFPB. Joo Pessoa, 1986, p.52. 7 Contrato celebrado entre Frederico Joo Lundgren e o Governador do Estado da Paraba. Termo de aditivo ao contrato celebrado a 8 de abril de 1920. Arquivo Histrico do Espao Cultural. Seo dos Governadores da Paraba. Lote do Interventor Federal Argemiro de Figueiredo. Caixa 027; Vol. 548 Documentos; 1936-1937. 8 MARIZ, Celso. O Passado e o Presente de Mamanguape. In: Cidades e Homens. Joo Pessoa: Governo do Estado da Paraba, 1985, p. 30. Coletnea publicada em maio de 1945 e reeditada pela comisso do IV Centenrio da Paraba em 1985.

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    Campina Grande em 1928. Alm disto, a Fbrica Tibiry (Santa Rita) foi ampliada.9

    Outra verso soma-se s anteriores, com explicao de vis poltico para a

    instalao, conforme Tmara Tnia Egler:

    Rio Tinto reunia as trs condies de fontes de energia, proximidade de matrias-primas e facilidade de transporte, o que explicaria a escolha da localidade para a implantao da fbrica. No entanto, mais do que uma explicao econmica, preciso pensar que em 1917, desenvolvia-se em Recife um forte movimento operrio que culminou com a organizao de greves. Dessa forma, ao lado de explicao econmica preciso ter em conta as razes polticas que levaram o capitalista a implantar a uma fbrica longe dos perigosos contgios polticos.10

    A implantao deste projeto, na Paraba, resulta de variveis, desde a conjuntura

    econmica e seus desdobramentos. Pelo acordo com o governo da Paraba, os Lundgren

    partem em 1917, para a compra de terras do que viria a ser a nova cidade-fbrica. Para tanto,

    encarrega-se Arthur B. de Ges de conhecer terrenos na Aldeia da Preguia, pequena

    comunidade habitada por pescadores e ndios, esquerda do rio Mamanguape.

    Ao examinar a regio da futura tecelagem destaca dificuldades. Terras pantanosas,

    alagadias, definidas pelo escrivo do Cartrio da cidade, Antnio Piaba, como bom negcio

    para botar dinheiro fora, s tem sezo, ndio e preguia.11 Relata o que viu aos irmos

    Lundgren, Arthur e Frederico, que de pronto ordenam-lhe o retorno a Mamanguape, com esta

    estratgia: abrir comrcio, para familiarizao com a regio e moradores. Deste modo, Arthur de

    Ges se estabelece em Mamanguape e instala mercearia, com a compra paulatina de terrenos

    em torno do velho Engenho da regio, o Preguia. Inicialmente ao procurar o proprietrio,

    Alberto Cezar de Albuquerque na tentativa de adquirir o Engenho, tem resposta negativa.

    Somente mediante intermediao da liderana poltica de Mamanguape, aceita a proposta e o

    engenho vendido por 25 contos de ris.12

    Continua a aquisio de terras, embora ruins, na concepo dos vendedores. Arthur

    de Ges compra com dinheiro vivo vrios lotes no entorno da Aldeia da Preguia. Instalado na

    regio em cerca de dez meses13 - comparece ao cartrio da cidade, acompanhado de

    advogados de Recife, para venda de tudo que tinha adquirido. Ansioso, o escrivo Antnio

    9 GURJO, Eliete de Queirs. Morte e Vida das Oligarquias Paraba (1889-1945). Joo Pessoa: Universitria, UFPB 1994, p. 26. 10 EGLER, Tmara Tnia Cohen. Moradia e Trabalho em Rio Tinto. In: Relaes de Trabalho e Relaes de Poder: Mudanas e Permanncias. Mestrado de Sociologia UFC Ncleo de Estudos e Pesquisas Sociais (NEPS). Fortaleza CE, 1986, p. 157. 11 GES, Raul de. Op. Cit, p. 126. 12 FERNANDES, Joo Batista. O Extinto Rio Tinto. Rio Tinto. Paraba, 1971. p. 28. 13 GES, Raul de. Op. Cit, p. 127.

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    Piaba pergunta no ato: - Quem o comprador? E Arthur de Ges responde enftico: - Os

    Lundgren, de Paulista.14

    Segundo Raul de Ges, a revelao se espalha como rastilho de plvora, provocando

    onda de espanto entre os j alvoroados moradores da regio: Os Lundgren, donos das piores

    terras de Mamanguape! O que eles vo fazer com o malsinado stio da preguia? Em Recife,

    Arthur Lundgren, indagado sobre a compra de terras, responde provocando mais estranheza:

    Vamos plantar gente!15

    Em 15 de fevereiro de 1918, Frederico Lundgren, irmo e parceiro de Arthur esclarece

    finalmente, em documento manuscrito, suas intenes com a compra das terras. um texto de

    fundao cuja primeira marca renomear o lugar: o ex-engenho da preguia torna-se Rio

    Tinto16. A posse se desdobra em procedimentos prticos: nomeao de administrador e

    definio de estratgias disciplinares de ocupao.

    O administrador, Apolnio Gomes, autorizado por Frederico Lundgren, a contratar e

    despedir trabalhadores, divididos em grupos de quatorze homens, supervisionados por

    cabos17; construir palhoas e moradia para os novos contratados, iguais e separadas em

    blocos de dezoito, sob vigilncia dos cabos, que, com o administrador coordenam e fiscalizam as

    obras iniciais do novo empreendimento, drenagem e canalizao das guas, derrubada do mato,

    plantao de capim liso e desmatamento das capoeiras com o aproveitamento da lenha.

    Alm disso, o documento define os limites de poder do administrador: moradia,

    proventos, e veto a algumas atividades, como tambm a divulgao a qualquer pessoa, do

    salrio recebido na funo. Por fim, o administrador apresenta-se a comunidade, especialmente,

    ao prefeito da cidade de Mamanguape por intermdio de Arthur de Ges, que, como vimos, est

    na regio h vrios meses, a servio dos Lundgren tendo cumprido a misso de comprar as

    terras do velho Engenho da Preguia, ou seja, com discrio e cautela18.

    A estratgia de posse prenncio da inteno dos Lundgren de plantar gente na

    regio. Entre 1919 e 1924, os Lundgren constroem a cidade-fbrica, e o espao em torno do

    velho Engenho da Preguia, se modifica substancialmente. Comeam os servios de

    saneamento, posteriormente, os acampamentos e barraces, oficinas de mecnica, carpintaria,

    olaria e, em seguida, transporte de instrumentos de trabalho. Em paralelo, ergue-se uma

    14 Id. Ibidem, p.127. 15 Id. Ibidem, p. 128. 16 O nome Rio Tinto foi dado, segundo Joo Batista Fernandes em seu livro O Extinto Rio Tinto, devido ao rio que cortava a regio e que tinha suas guas vermelhas por conta da colorao da terra. Frederico Lundgren ao verificar esse fato, colocou o nome da regio de Rio Tinto. 17 Funcionrios aos quais os trabalhadores estavam subordinados. 18 Id. Ibidem, pp. 128-129.

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    chamin de 76m visvel a todos os moradores da regio. A cidade-fbrica, planejada pelos

    irmos Lundgren, aos poucos toma corpo, e a presena de estrangeiros no empreendimento

    notada:

    Estavam l, tcnicos de toda parte, brasileiros, ingleses, suecos, alemes, austracos e at famlias japonesas haviam sido contratadas para o cultivo racional do solo, visando horticultura e plantao de arroz. Plantavam-se rvores frutferas, ordenadamente. Os primeiros arruamentos das casas populares, em semicrculo, em torno da fbrica, j davam uma noo da futura vila de Rio Tinto. Novas edificaes eram erguidas, com maior capricho, nos pontos mais altos. No se construa apenas uma fbrica, mas uma verdadeira cidade. 19

    Interessante observar o espao em que as casas da vila operria so construdas: ao

    redor da fbrica, ou seja, moradias vizinhas ao local de trabalho. Os equipamentos

    indispensveis ao pleno funcionamento da cidade-fbrica, esto bem avanadas e em vias de

    concluso: farmcia, grupo escolar, hotel, restaurante, padaria e vila operria. O conjunto

    edificado, na distribuio espacial, aponta a fbrica como ncleo urbanizador, e as hierarquias

    no mundo do trabalho tambm se desenham na forma urbana de habitar: operrios no entorno

    da fbrica, em espao contguo e funes especializadas e patres nos pontos mais altos,

    configurando tambm geografia industrial especfica.

    Mas os Lundgren em nome do progresso econmico e industrial da Paraba,

    modificam no apenas a paisagem, mas tambm os antigos moradores (pescadores, ndios e

    trabalhadores rurais), convertendo-os em teceles, mecnicos, motoristas, enfim,

    transformando-os em operrios de fbrica. A finalidade dos Lundgren de plantar gente, na

    regio desmonta um modo de vida, e no se deve supor que a colonizao tenha se realizado

    sem conflitos e sem questionamentos.

    Meses antes da inaugurao do empreendimento - em fins de dezembro de 1924 - a

    reportagem do jornal A Unio visita a obra. Desenhando uma imagem de grandeza, registra o

    ritmo acelerado da construo. A estrutura da fbrica e suas sees, em via de concluso:

    tecelagem, fiao, abertura, preparao, tinturaria, alm das sees subsidirias fora da fbrica,

    como oficina mecnica, serraria, fundio, pequeno cais e fbrica de tijolos e telhas com vistas

    comercializao da produo.

    Da cidade projetada, estava concludo o clube, pomar - com jaqueiras e mangueiras -,

    escola noturna para os filhos dos trabalhadores. O clube, espao de sociabilidade, com cinema,

    boliche e restaurante, no frequentado pelos trabalhadores, pois fora pensado como espao,

    19 Id. Ibidem, p. 131.

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    que, segundo o jornal, oferecia hospitalidade e recreios salutares aos empregados de certa

    categoria.20

    Cerca de mil e quinhentos trabalhadores foram recrutados para as obras (registra-se

    falta de braos, solicitando diaristas), com as mais variadas tarefas, e salrio entre 800 e 3$000

    para os trabalhadores braaes, mulheres e crianas. Mais adiante, a reportagem alerta que os

    rendimentos pagos pelos Lundgren variavam na proporo do merecimento de cada um.21 Para

    o trabalho na fbrica, faz-se a seleo dos operrios de tecelagem, muitos so incorporados e

    distribudos nas diversas sees, e outros trabalham em oficinas, olarias, caldeiras e sees de

    suporte ao funcionamento da tecelagem.

    Em 27 de dezembro de 1924, a fbrica inaugurada. De acordo com a narrativa das

    fontes, o ato grandioso entusiasticamente celebrado como o passo inicial e novo impulso

    industrializao e economia da Paraba. Para Raul de Ges:

    Numa manh de sol brilhante, presentes as maiores autoridades do Governo do Estado e representantes do governo federal, comeou a fbrica a movimentar os seus teares, que, desde ento no mais pararam. E Rio Tinto comeou a viver. 22

    A ideia de que Rio Tinto comea a viver, desde a inaugurao da fbrica de tecidos,

    legitima o empreendimento e ao dos proprietrios, vistos pela imprensa oficial e pelos

    memorialistas como homens laboriosos, persistentes, arautos do progresso e da civilizao. As

    imagens mais recorrentes ressaltam a expanso de investimentos da famlia Lundgren para o

    interior da Paraba, como confirmao de seu enraizamento e compromisso com o pas.

    Tornaram-se radicados ao meio como se nela tivessem nascido, afirma o entusiasmado Ges,

    e a maior prova desse enraizamento se materializa na instalao de filial da Companhia de

    Tecidos Paulista.

    A presena das autoridades governamentais confirma o tom laudatrio do projeto dos

    Lundgren, reafirmado no texto de Celso Mariz:

    A construo da fbrica Rio Tinto com tecidos, estamparia, usina eltrica, a fundio mecnica teve incio em 1917, sendo inaugurada festivamente em 1924, com a presena de autoridades, pessoas da terra e forasteiros. Foi um dos maiores acontecimentos dos ltimos anos no Estado.23

    20 A Prophylaxia em Mamanguape - Uma visita ao Rio Tinto. A Unio, 15 de fevereiro de 1924. 21 A Prophylaxia em Mamanguape - Uma visita ao Rio Tinto. A Unio, 15 de fevereiro de 1924. 22

    GES, Raul de. Op. Cit. p. 135. 23 MARIZ, Celso. Evoluo Econmica da Paraba. Joo Pessoa: A Unio. 1939. Apud GES, Raul de. Op. Cit. pp. 97-98.

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    A imagem dos Lundgren de empreendedores da mudana reiterada por Jos Octvio

    de A. Mello, para quem os Lundgren construram no vale do Mamanguape uma cidade

    industrial que representou durante algum tempo o mais importante complexo fabril da

    Paraba.24 A inaugurao prestigiada por autoridades polticas, militares, civis e religiosas da

    Paraba e Pernambuco, que destacam o empreendimento como seguro e definitivo impulso

    para o progresso embaraado da regio25, celebrando o carter singular da cidade industrial no

    contexto regional.

    Da festa de inaugurao tem-se o registro dos quarenta automveis que levaram a

    comitiva de Sap (de onde chega o trem vindo da capital e de Recife), para Rio Tinto, com

    Demcrito de Almeida (representando o Presidente do estado Joo Suassuna), Joo Spnola

    (inspetor de thesouro); religiosos como monsenhor Sabino Coelho (representando o arcebispo

    metropolitano Dom Adaucto de Miranda Henriques), representantes da imprensa da Paraba e

    Pernambuco, comerciantes e militares. Os trabalhadores assistem festa como meros

    coadjuvantes do projeto de que foram construtores.

    Os discursos reiteram o pioneirismo do cyclpico empreendimento. Aps a beno,

    Monsenhor Sabino, em frente ao setor de fiao, se dirige aos trabalhadores e, segundo o

    jornal, suas palavras traduziam a influncia da igreja nos meios operrios. A fala de Demcrito

    de Almeida, exaltando o grande exemplo de disciplina e trabalho da fbrica Rio Tinto, reafirma o

    propsito do governo em apoiar a iniciativa empresarial como um dos fundamentos do

    desenvolvimento econmico do estado:

    Eu tenho a confiana de que o governo do estado e a Companhia Rio Tinto ho de defender, basear e pleitear os seus interesses no mais absoluto acordo, e tendo sempre em vista o progresso da Paraba, que tem as suas foras econmicas ao abrigo de luctas. Nem o governo, nem a Companhia, na escala e defesa dos seus direitos e interesses, ho de chegar a interpretaes ou concluses que prejudiquem um ao outro. E nesse carter o governo apoiar sempre a Companhia, vendo-a com sympathia, justia e outros empreendedores dessa notvel empresa.26

    Depois dos discursos, visita s dependncias da fbrica. A descrio pormenorizada da

    reportagem permite dimensionar a cidade-fbrica. A seo de fiao conta com 1.200 teares

    movimentados por 20 dnamos acoplados tecelagem, quatro engomadeiras para tratamento

    dos fios, energia eltrica para movimentao das mquinas da usina eltrica de propriedade da

    companhia, oficina de fundio (com produo de peas de bronze, ferro, cobre e ao, em

    24 MELLO, Jos Octvio de Arruda. Histria da Paraba: Lutas e Resistncias. Joo Pessoa: Universitria, UFPB, 7 ed., 2002, p. 180. 25 A Inaugurao da Fbrica Rio Tinto. A Unio. 28 de dezembro de 1924. 26 A Inaugurao da Fbrica Rio Tinto. A Unio. 28 de dezembro de 1924.

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    substituio de peas danificadas), olaria (com capacidade para produzir diariamente 30 mil

    tijolos), padaria, trs escolas masculinas e seis femininas (nos turnos diurno e noturno); servio

    sanitrio, 960 moradias operrias, j habitadas. Na praa principal recm-construda, a banda

    de msica anima quintas e domingos dos trabalhadores, a esta altura para mais de dois mil.

    Da descrio, ressaltam-se dois tpicos: o primeiro diz respeito seo de fiao como

    a segunda maior da fbrica, instalada em um grande pavilho de alvenaria, com cobertura

    composta de ferro, zinco e clarabia de vidro, sobre uma rea de 6.400 m. Supe-se que as

    condies de trabalho desta seo no so as melhores, afinal de contas, aliado a extensas

    jornadas de trabalho que estendem-se alm de dez horas, o desconforto do calor e barulho das

    mquinas - em galpo coberto de ferro, zinco, clarabia de vidro, para entrada da luz do dia. O

    segundo a feio moderna dos equipamentos descritos na reportagem, o que parece

    contraditrio, visto que pesquisas afirmam que os Lundgren adquiriram maquinrio obsoleto,

    adaptvel realidade industrial da regio.27

    Na construo da cidade-fbrica Rio Tinto, os Lundgren trazem a experincia da

    organizao de um empreendimento similar a fbrica de Paulista. Adquirida em 1904, os

    Lundgren assumem e restauram a velha fbrica de tecidos, a 20 km de Recife. A reestruturao

    passa pela construo de novas moradias operrias - edificadas com tijolo e alvenaria - em

    substituio s velhas palhoas.

    Em Rio Tinto, os Lundgren constroem fbrica concomitante a vila operria, em regio

    distante de centros urbanos, o que permite, dada sua localizao geogrfica, certo isolamento

    como pretende Frederico Lundgren. O controle sobre os trabalhadores, possui explicao no

    estudo de Tmara Egler: Isolada de qualquer contato com o mundo exterior, a construo do

    sistema fbrica vila operria em Rio Tinto, criava as condies interiores da cidade fabril. So

    construdas as condies necessrias ao aprisionamento e imobilizao da fora de trabalho.28

    O ncleo fabril, no depende estruturalmente de cidades vizinhas como Mamanguape

    ou a capital paraibana. Segundo Telma de Barros, ncleos que seguem este modelo:

    Foram estruturados no sentido de conter ao mximo seus moradores, evitando interferncias e contatos externos vistos como perturbadores de suas finalidades industriais. Ofereciam trabalho, moradia e todos os equipamentos necessrios existncia e ocupao do tempo livre do trabalhador. Retendo o grupo operrio, buscava-se prevenir seu contgio por

    27 MELLO, Jos Octvio de A. Arqueologia Industrial e cotidiano em Rio Tinto. CORREIA, Telma de B. et al. Rio Tinto, Estrutura Urbana, Trabalho e Cotidiano. Joo Pessoa: Unip, 2002, p.72. 28 EGLER, Tmara Tnia Cohen. Moradia e Trabalho em Rio Tinto. Op. Cit. p. 157. Um outro estudo que analisa o controle dos trabalhadores via vila operria, KELLER, Paulo Fernandes. Fbrica & Vila Operria: a vida cotidiana dos operrios txteis em Paracambi/RJ. Engenheiro Paulo de Frontin/RJ: Ed. Slon Ribeiro, 1997. (Srie Cincias Sociais).

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    ambientes tidos como degradantes ou por indivduos tidos como corrompidos. 29

    Diferentemente de Paulista, Rio Tinto projetada e construda, desde a estrutura de

    fbrica, at a feio da cidade, e equipamentos, como vila operria, escolas e clubes.

    Importante ressaltar, entre os dois empreendimentos de um mesmo grupo, similitudes e

    diferenas, na organizao. Idntica a forma de recrutamento dos trabalhadores pelo interior

    de estados vizinhos (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Cear, Alagoas e Sergipe) e obrigao

    de morar em vilas operrias, o que demonstra inclusive interferncia sobre o consumo

    individual dos trabalhadores30. Em estudo dos trabalhadores urbanos do Nordeste, Braslia

    Carlos Ferreira, enfatiza a funo das vilas operrias na regio:

    No Nordeste dos anos 30, a vila operria desempenhou um papel fundamental na disciplina da mo-de-obra. Na maioria das vezes, para o contingente recrutado, era a primeira experincia com o trabalho fabril. A vila operria funcionava como um espao de educao para o trabalho, lugar de disciplina, onde os recm-chegados do campo se iniciavam na interiorizao de novos padres de comportamento e regras de sociabilidade.31

    As configuraes das casas operrias obedecem ao seguinte desenho: porta e janela

    estreitas, coladas umas s outras e prximas ao local de trabalho algumas at coladas ao

    porto principal da fbrica. A economia de espao e material tem inteno entendida em Leite

    Lopes, como dispositivo do controle operrio:

    A forma arruado teria tambm a vantagem da visibilidade imediata apresentada por essa forma de agrupar os operrios do ponto de vista desse observador hierrquico, que a administrao da fbrica, conseguindo assim, estender o controle e vigilncia de dentro da fbrica para o domnio das casas onde residem seus trabalhadores.32

    Ao longo dos anos 1930 e 1940, h a expanso da cidade-fbrica, tanto em termos

    de apropriao de terra ou estrutura da fbrica, como no sentido de ampliar as sees

    recrutando novos trabalhadores, com mais de treze mil, no incio de 1950, nmero, que foi

    reduzido na dcada de 1960.

    29 CORREIA, Telma de Barros. Pedra: Plano e cotidiano operrio no serto. Campinas, SP: Papirus, 1998 (Srie Oficio de arte e forma), p. 91. 30 LEITE LOPES, Jos Srgio. Fbrica e Vila Operria: Consideraes sobre uma forma de servido burguesa. In: LEITE LOPES, Jos Srgio [et al.]. Mudana Social no Nordeste: A reproduo da subordinao. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 (Srie Estudos sobre o Nordeste), p. 42. 31 FERREIRA, Braslia Carlos. Trabalhadores, sindicatos, cidadania Nordeste em Tempos de Vargas. So Paulo: Estudos e Edies Ad Hominem, Natal: Cooperativa Cultural da UFRN, 1997. p. 116. 32 LEITE LOPES, Jos Srgio. Op. Cit. p. 44.

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    Nesta conjuntura as migraes aliadas ao recrutamento - em busca de trabalho na

    tecelagem dos Lundgren, so constantes. O recrutamento de pessoas, no interior da Paraba,

    Rio Grande do Norte e outros estados, so feito por aliciadores de homens e mulheres a novo

    modo de vida: trabalho em fbrica de tecidos. H a disseminao da imagem de que Rio Tinto

    lugar de prosperidade, de trabalho, de melhores condies de vida. o que diz um ex-

    serralheiro, chegado Rio Tinto em 1930, ressaltando o papel dos aliciadores da fbrica em

    busca de mo-de-obra nos sertes da Paraba: Rio Tinto, que era aquela fama n. Os agentes

    da Companhia saiam com caminhes pelo interior, procurando famlia aqui e ali, traziam aquelas

    famlias, a chegavam aqui e empregavam. Toda semana, vinha dois caminhes de gente

    aqui.33

    Muitos - na maioria migram com a famlia, seduzidos pelas promessas de aliciadores,

    como observa Rosilene Alvim, em trabalho sobre as migraes para a Companhia de Tecidos

    Paulista:

    A histria de famlias que se mudam para a vila operria da CTP, em busca de um novo modo de vida pode ser vista como um processo de seduo em que os seduzidos no so meros objetos, mas tambm sujeitos que usam tal processo a partir de estratgias familiares. 34

    Segundo relatos de Joo Batista Fernandes - presidente do sindicato txtil entre 1951 e

    1960 - os agenciadores tm ordens diretas de Frederico Lundgren de trazer para Rio Tinto

    famlias para se transformarem em operrios. Os agenciadores chegam a construir imagem de

    fartura em Rio Tinto:

    A ansiedade do coronel Frederico de tornar Rio Tinto (como ele mesmo dizia) numa Manchester inglesa, era tal, que mandava os agenciadores mentir ao povo: - Digam pra eles que venham para Rio Tinto. Digam pra eles que at das torneiras daqui, em vez dgua, jorra leite.35

    Importante registrar que muitos migram por conta prpria, como o operrio Antnio

    Fernandes de Andrade - no incio dos anos 1940, com 18 anos de idade - e da famlia de Jlio

    Justino da Silva. Este relata que ao chegar cidade-fbrica, teve que esperar para que a

    direo da tecelagem lhe arranjasse moradia e trabalho: Aqui minha me se deu mal, por que

    33 Jlio Justino da Silva 78 anos. Serralheiro comeou a trabalhar em 1948 na fbrica. Entrevista realizada em Rio Tinto, julho de 2005. 34 ALVIM, Rosilene. A seduo da cidade: Os operrios-camponeses e a Fbrica dos Lundgren. Rio de Janeiro: Graphia, 1997, p. 3. 35 FERNANDES, Joo Batista. O extinto Rio Tinto. Paraba, 1971. p. 33.

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    aqui tinha de ser uma famlia que tivesse no mnimo trs operrios. E minha me no tinha, s

    tinha ela.36

    Logo ao chegarem, as famlias recrutadas recebem casa e trabalho, antes passando

    pelo alojamento e seleo dos membros da famlia. O processo que experimenta a famlia de

    Jlio Justino, explica as dificuldades em conseguir morada e trabalho, na chegada cidade. A

    famlia constitui elemento principal de aliciamento nos sertes. H um ponto fundante no

    processo: a transformao de famlias de reas rurais - com seus modos de convivncia e

    sociabilidade - em famlias de operrios de fbrica de tecidos. A mudana tem consequncias

    inclusive na hierarquia familiar, como analisa Rosilene Alvim: Elas se transformam em famlias

    de trabalhadores industriais e nesse processo, vrios dramas so vividos, hierarquias familiares

    e intergeracionais reconstrudas, um novo modo de vida e de trabalho lhes imposto.37

    Em Rio Tinto, as famlias so apresentadas ao mandatrio da fbrica, Frederico

    Lundgren, para triagem e designao de funo. Em Paulista, igualmente ocorre a cerimnia de

    apresentao.38 O fato e suposto dilogo, entre Frederico Lundgren e um chefe de famlia, so

    reproduzidos por Joo Batista Fernandes:

    - Seu Joaquim, quantos anos de idade o senhor tem? - Sessenta anos, Coronel! - Muito bem, seu Joaquim! E quantos filhos tm? - Bem, Coronel tem Zulina, Alfredo, Ana, Josefa, e... - Chega, seu Joaquim! Traga o povo para c! E ele mesmo, o Coronel Frederico, olhava a famlia enfileirada, e dizia: - Voc, seu Joaquim, vai me apanhar sementes de eucalipto; voc Zulina, que forte, me vai para a tecelagem; voc a Ana, que magrinha, me vai para a seo de acabamento de panos.39

    Assim, a demarcao das funes de cada membro da famlia (desde os mais novos

    at os mais velhos) distribuda por Frederico Lundgren, anunciava a diviso do trabalho por

    sexo e idade na empresa40. A indicao das mulheres para a seo de tecelagem e

    acabamento de panos, revela a preferncia do mandatrio da fbrica. Como ressalta Rosilene

    Alvim, no caso da Fbrica Paulista, matriz de Rio Tinto:

    O trabalho feminino fabril por excelncia o trabalho na tecelagem e na fiao. A tecelagem frequentemente preferida como lugar de trabalho para as mulheres porque alm de ser considerado um lugar limpo e que requer, sobretudo habilidade, tinha uma jornada de trabalho de 10 horas. J a fiao, durante muito tempo com horrio de 10 horas, se apresentava como um local

    36 Jlio Justino da Silva 78 anos. Rio Tinto, julho de 2005. 37 ALVIM, Rosilene. Op. Cit. p. 4. 38 LEITE LOPES, Jos Srgio. Uma teatralizao tradicional da dominao industrial. In: ARAJO, Angela Maria Carneiro (Org.) Trabalho, Cultura e Cidadania: Um balano da Histria Social Brasileira. So Paulo: Escritta, 1997, p. 178. 39 FERNANDES, Joo Batista. Op. Cit. p. 34. 40 ALVIM, Rosilene e LEITE LOPES, Jos Srgio. Famlias operrias, famlias de operrias. Revista Brasileira de Cincias Sociais. ANPOCS, N. 14 ano 5, outubro de 1990, p. 10.

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    de trabalho sujo e, portanto menos feminino, sendo compensador exclusivamente pelo maior salrio que pagava (devido ao maior nmero de horas de trabalho).41

    Dado interessante que as mulheres, em Rio Tinto ou em outras fbricas txteis, no

    exercem funes superiores s de homens operrios: Toda funo que envolva tomar deciso

    e exercer autoridade no designada mulher. A ela cabe obedecer s ordens dadas pelos

    chefes e, para isto, ela deve ser submissa, ser paciente, ser dcil, enfim, demonstrar as virtudes

    femininas.42

    Para o historiador Paulo Fontes, estas migraes campo-cidade, passam

    necessariamente por uma articulada rede social para a efetivao da migrao.43 Mais adiante,

    assevera:

    Uma certa imagem da migrao, vista apenas como um movimento desordenado, irracional, feito s pressas, no corresponde experincia de grande parte dos migrantes. A mudana decisiva para a vida dos envolvidos era, na maior parte das vezes, meticulosamente pensada e preparada da melhor forma possvel tanto no mbito familiar como no da comunidade.44

    Destas reflexes infere-se que os homens migrantes de Rio Tinto, no o fizeram sem

    conhecimento prvio do espao a ser ocupado. A ideia do operrio Jlio Justino o denota, ao

    afirmar que Rio Tinto era aquela fama. As motivaes, por que esses homens deixam os locais

    de origem, se devem a vrios fatores. H sim um somatrio de fora e razes evidentemente

    mltiplas.

    Segundo Leite Lopes, a Companhia de Tecidos Paulista tem verdadeira fome de

    braos e fome de terras, no diferente a Rio Tinto, que, aps 1924, ocupa grandes extenses

    de terra na regio. Em 1951, registra em cartrio extensas propriedades em: Salema, Patrcio,

    Preguia, Rio Vermelho e Gameleira (e terrenos anexos), adquiridas em 1928. Em 1942 eram

    tambm proprietrios do Engenho Novo e Urina, no municpio de Canguaretama no Rio

    Grande do Norte; em 1944, em Itapicirica, em 1949, Piabas e em 1950, Outeiro.45

    41 ALVIM, Rosilene. Op. Cit. p. 126. 42 NEVES, Magda Maria Bello de Almeida. Dominao de resistncia no cotidiano do trabalho fabril: as prticas sociais de mulheres e homens operrios. In: Relaes de Trabalho e Relaes de Poder: Mudanas e Permanncias. Mestrado de Sociologia UFC Ncleo de Estudos e Pesquisas Sociais (NEPS). Fortaleza CE, 1986. p. 70. Para um aprofundamento dessas discusses ver dissertao: Condio feminina, condio operria Um estudo de caso sobre operrias txteis. DCP/UFMG, 1983. 43 FONTES, Paulo Ribeiro. Comunidade operria, migrao nordestina e lutas sociais. So Miguel Paulista (1945-1966). Tese de Doutorado. Departamento de Histria da UNICAMP. Fevereiro de 2002. Em especial o capitulo 1, p. 54. 44 Idem, p. 54. 45 COMPANHIA DE TECIDOS RIO TINTO. Escritura pblica de constituio da sociedade annima 'COMPANHIA DE TECIDOS RIO TINTO.' Dirio Oficial - 21 de fevereiro de 1951. Apud.: MACDO, Maria Bernadete Ferreira de. Inovaes Tecnolgicas e Vivncia Operria O caso de Rio Tinto 1950-1970. Dissertao de Mestrado. Departamento de Economia da UFPB. Joo Pessoa, 1986, p. 13 (anexo 1).

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    Essa expanso no se d sem conflitos. Para tanto, tenha-se a contenda com os ndios

    potiguaras, que acusam os Lundgren de posse ilegal de suas terras, em Monte Mr e So

    Miguel da Baa da Traio. A fbrica havia se apossado dessas terras cortando suas rvores

    para o uso da madeira nas construes das instalaes fabris e para lenha das caldeiras.46

    Diante dos fatos, entre 1929 e 1930, o presidente do estado, Joo Pessoa, resolve a questo.

    Jos Octvio de A. Mello, ressalta que Pessoa, em suas anotaes, utiliza Relatrio de 1923,

    encaminhado Diretoria de Proteo aos ndios, observando o seguinte:

    Os terrenos distribudos aos ndios de Monte-Mr esto ocupados pelas grandes indstrias Lundgren e o terrenos que figuram como devolutos no referido anexo tambm foram pelos mesmos aambarcados, com ou sem justos ttulos de que possam oportunamente se valer.47

    Os Lundgren, no perodo de construo da cidade-fbrica, no s compram terras em

    torno do Engenho da Preguia, como tambm se apropriam das pertencentes aos ndios

    potiguaras. Joo Pessoa trata de rever tal posse no Servio de Proteo aos ndios, visando

    demarcao das terras indgenas. Em novembro de 1929, o Ministrio da Agricultura, Indstria e

    Comrcio, designa uma comisso tendo a frente o inspetor do Servio de Proteo, no estado

    do Mato Grosso, engenheiro Antnio Martins Vianna Estigarribia, para analisar:

    As bases de um acordo sobre as terras dos antigos aldeiamentos do ndios de Monte Mor e So Miguel da Bahia da Traio, de modo a assegurar aos remanescentes dos ndios potyguaras a posse das terras de que carecem para os trabalhos de lavoura e criao.48

    Porm, com o assassinato de Joo Pessoa, em julho de 1930, as medidas de

    demarcao das terras no se efetivam. No entanto, as contendas no cessam. Ainda hoje h

    conflitos de demarcao de terras dos ndios Potyguaras, notadamente, na regio da Vila

    Regina.

    A ampliao da cidade-fbrica segue ganhando novos espaos e contornos,

    concomitante ao aumento de moradores e operrios, a cada ano: se em 1926 contavam-se com

    46 PANET, Amlia de Farias. Proposta de apoio turstico com desenvolvimento sustentvel O caso da APA da Barra do rio Mamanguape. Dissertao de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. So Paulo, 1998, p. 58. 47 MEDIDAS a tomar. Caderneta de anotaes presidenciais. Correspondncia passiva 1929 2 Pasta. Joo Pessoa. Arquivo Presidente Joo Pessoa/Instituto Histrico e Geogrfico da Paraba. s.d.p. Apud: MELLO, Jos Octvio de Arruda. A Revoluo Estatizada. Um estudo sobre a Formao do Centralismo em 30. Joo Pessoa: Universitria. 2 ed. 1992, p. 299. 48 MINISTRIO DA AGRICULTURA, INDSTRIA E COMRCIO. Rio de Janeiro, 22-11-1929. Arquivo Histrico do Espao Cultural. Seo dos Governadores da Paraba. Lote do Presidente Joo Pessoa C. Albuquerque (1928-1930). Caixa 018; Vol. 596 Documentos; Ano: 1929.

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    8 mil moradores e operrios49, em 1932, chegam a cerca de 14 mil, segundo o jornal A Unio,

    enfatizando Rio Tinto como o maior centro industrial de tecidos do norte do pas50. As

    informaes, fornecem dados sobre a criao de novos espaos na cidade-fbrica: hipdromo,

    campo de futebol, cerca de 1700 casas para os trabalhadores, aougue, lojas comerciais e

    fbrica de gelo. Em destaque as 1.700 moradias, que ala Rio Tinto, a uma das maiores vilas

    operrias do Brasil.

    Dias depois, aps a publicao de matria pormenorizada com ampla reportagem e

    anncio de propaganda da cidade-fbrica, registra-se a visita do presidente Getlio Vargas

    Paraba, com passagem pela cidade de Rio Tinto, a convite de Frederico Lundgren:

    Rio Tinto recebeu-os festivamente achando-se as ruas ornamentadas e cheias de povo que vivava calorosamente ao presidente Getlio Vargas e Ministro Jos Amrico. Oferecido pelo sr. Frederico Lundgren, presidente da Companhia proprietria da grande fbrica, realizou-se ao meio-dia, um banquete de 120 talheres, que decorreu num ambiente de grande cordialidade. Ao champagne o sr. Lundgren pediu aos presentes que, de p, bebessem sade do presidente da Repblica. Em seguida iniciou-se a visita fbrica, tendo sido percorridas tambm as diversas oficinas anexas ao grande estabelecimento.51

    Do encontro entre Vargas e Frederico Lundgren, resultam, segundo Joo Batista

    Fernandes, desdobramentos, como a fabricao da famosa Mescla Cruzador para vestir a

    Marinha Brasileira.52 A presena do presidente em Rio Tinto, reverbera ainda hoje na memria

    dos trabalhadores, que em suas falas se referem a esse encontro. Jlio Justino chega a afirmar

    que a (re) fundao do sindicato em 1943 devido a amizade de Frederico Lundgren e Getlio

    Vargas, nascida da sua visita Rio Tinto em 1933.

    Em fins da dcada de 1930, os Lundgren produzem nas oficinas de fundio em Rio

    Tinto, teares para nova tecelagem, por conta de restries impostas importao de mquinas,

    entre 1931 e 1937. Construindo o prprio maquinrio, a Companhia implanta nova seo de

    tecelagem na vila Regina, distante 2 km de Rio Tinto, onde se localiza o Palacete como os

    trabalhadores referem casa dos Lundgren em Rio Tinto. Nesse contexto, a indstria txtil

    brasileira v a produo crescer e, em decorrncia acumula altos lucros, como registra Carlos

    Negreiros Viana:

    49 GES, Raul de. Op. Cit. p. 145. 50 A Fbrica 'Rio Tinto'. Almanach do Estado da Paraba. 15 ANNO, 1932, 7 Phase. Joo Pessoa, Imprensa Official. Apud: MACDO, Maria Bernadete Ferreira de. Op. Cit. p. 369 (anexo 09 - Informaes reproduzidas em 07 de setembro de 1933 pelo jornal A Unio). 51 A EXCURSO DO PRESIDENTE GETLIO VARGAS AO NORTE. A visita cidade industrial de Rio Tinto. A Unio, 12 de setembro de 1933. 52 FERNANDES, Joo Batista. Op. Cit. p. 64.

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    A produo fsica brasileira aumentou 55% entre o binio 1938-39, e o binio de mxima produo durante a guerra, 1943-1944. No entanto, mais do que a produo fsica, o que importa a dimenso dos lucros conseguidos pela indstria txtil algodoeira na poca. Tendo investido muito pouco em novas mquinas, mesmo antes do inicio da segunda guerra, ele conseguiu, alm do aumento de produo com uma utilizao intensiva da maquinaria j instalada, um acrscimo do preo da ordem de 203%.53

    Uma diferena entre os rendimentos das fbricas txteis do sul/sudeste do pas nas

    dcadas de 1930 at 1945, e as fbricas dos irmos Lundgren, objeto de criticas dos

    industriais do sul. A vantagem dos Lundgren, como afirma Stanley Stein, que

    comercializavam 80 % da produo de suas fbricas atravs de uma cadeia de casas

    comerciais de sua propriedade, as famosas Casas Pernambucanas e continua, o

    entrelaamento das fbricas de tecidos com o comrcio varejista permita-lhes distribuir toda a

    sua produo.54 Portanto, a experincia de suas casas comerciais, para o setor varejista e

    atacadista de tecidos, foi ponto crucial para a alta rentabilidade financeira dos seus negcios.

    Pois, no perodo da segunda guerra mundial, as fbricas txteis brasileiras estavam em posio

    vantajosa frente ao mercado mundial: exportavam para a Amrica Latina, Europa e Oriente

    prximo.55

    De acordo com o Perfil Histrico da Empresa, reproduzido por Leite Lopes, ainda em

    1938, os Lundgren ergueram a Fbrica Regina (essa seo integrada funciona at 1963/1964,

    quando desativada, com a demisso de cerca de 2 mil trabalhadores) com a seguinte

    argumentao:

    1938 Preocupada em aumentar cada vez mais a oferta de seus artigos, ento j consolidadas no mercado, foram edificadas novos prdios e montados novos teares na denominada Fbrica Regina, integrada ao parque existente. Na ocasio, foram adicionadas cerca de 1.000/1.200 novas mquinas, todas construdas nas oficinas da Companhia de Tecidos Rio Tinto.56

    Se em 1924, a fbrica ocupa cerca de 25.000 m2, em 1959 alcana uma extenso de

    333.692 m2, quando:

    Os prdios e terrenos anexos indstria formavam: - depsito de algodo: 6.543 m2; fiao: 14.555 m2; tecelagem: 17.020 m2; acabamento: 14.679 m2; oficinas de manuteno: 5.560 m2; escritrios: 2.780 m2; casa de fora: 2.508 m2; garagem: 493 m2; almoxarifados: 3.286 m2; descaroador e prensa de algodo: 1.404 m2; beneficiamento de algodo-depsito de resduos: 1.280

    53 VIANA, Carlos Negreiros. A industrializao de algodo do Cear (1881-1973) Uma experincia de industrializao fora do centro sul. Dissertao de Mestrado em Economia. UNB: Braslia, 1992. p. 215. 54 STEIN, Stanley. Origens e evoluo da indstria txtil no Brasil, 1850-1950. Prefcio de Ncia Villela Luz; Traduo de Jaime Larry Benchimol. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p. 162. 55 STEIN, Stanley. Op. Cit. p. 161. 56 LEITE LOPES, Jos Srgio. A Tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chamins. So Paulo: Marco Zero, 1988, p. 313.

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    m2; reservatrio de gua: 90 m2; chamins: 64 m2, perfazendo tudo um total de 70.262 m2. Dos prdios e terrenos no integrados indstria faziam parte: - Vila operria com 2.613 casas, num total de 257.714 m2; o barraco, 1.825 m2; cinema: 2.000 m2; hospital: 1.386 m2; cantina: 462 m2; tecelagem instalada na Vila Regina, parte alta da cidade, com aproximadamente, 5.000 m2 da rea total da fbrica.57

    Contudo a Companhia de Tecidos Rio Tinto, em fins da dcada de 1960, sofre reveses,

    decorrentes da crise econmica, ocasionada, em parte, pela concorrncia com as modernas

    fbricas txteis do sul/sudeste do pas. o que observa o dirigente sindical no ps-1964 Jos

    Antnio da Silva, face s consequncias da modernizao e dos efeitos de reestruturao

    produtiva em tal conjuntura:

    Quando eu deixei o sindicato eu j tava vendo que ia fechar. J quando eu ia pra Braslia agente discutia a situao de fbricas como a de Rio Tinto, no ia acompanhar o desenvolvimento e quem no acompanhou fechou. No foi falta de dinheiro no, foi desenvolvimento.58

    A crise na fbrica, no incio da dcada de 1970, sentida com a demisso em massa de

    trabalhadores, em consequncia os Lundgren, deliberam desfazer-se paulatinamente de parte

    das terras, que em parte destinada, como observa Amlia Panet, para o cultivo da cana-de-

    acar, no contexto da criao do PROLCOOL:

    A Cia. negociou algumas casas, alguns prdios pblicos com os moradores e comeou a vender suas terras, estas em sua maioria foram destinadas s destilarias de lcool, que as usam no plantio da cana-de-acar, cultura tpica da regio desde os primrdios de sua ocupao. Com o PROCOOL, institudo em 1975, a maioria das terras do municpio de Rio Tinto foram destinadas, a partir da dcada de 80, ao cultivo da cana-de-acar, desfigurando a paisagem da regio e destruindo grande parte das reservas de mata atlntica que ainda existiam no local. De 1981 1985, a Companhia de Tecidos Rio Tinto se desfez da maioria de suas terras.59

    Gradativamente a fbrica, entre 1983 e 1990, caminha para o fim de suas atividades.

    Em 1990, os Lundgren desativam-na por completo, segundo o diretor Walter Shummacher,

    devido s circunstncias econmicas: o dinheiro escasso e o mercado com situao difcil no

    valeria a pena, grandes investimentos e sem retorno.60 Apesar disso, so mantidos os

    funcionrios de administrao patrimonial e imobiliria, frente Walter Shummacher, gerente do

    patrimnio restante. Segundo dados do Correio da Paraba, esses bens em 2002 possuam um

    57 MACDO, Maria Bernadete Ferreira de. Op. Cit. p.71. 58 Jos Antnio da Silva 78 anos. Entrou para a fbrica em 1940, trabalhou como carpinteiro e no ps-1964, tomou parte na diretoria do sindicato. Em 1967 se tornou presidente, posteriormente vice-prefeito e vereador em Rio Tinto. Entrevista realizada em Rio Tinto, novembro de 2006. 59 PANET, Amlia. Op.Cit. p. 40. 60 RIO TINTO Recepo para Hitler aps segunda guerra. Revista Conterrnea O interior por outro ngulo. Paraba Junho/Julho de 1992. Ano I, No. 1, p. 6.

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    capital social de R$ 4.229 milhes e a Rio Tinto registrou o prejuzo de R$ 297.168.00 mil.61

    Deve ser levada em conta, acerca do encerramento das atividades da fbrica, outra reflexo:

    Uma questo que aqui se pode colocar a partir de quando, e porque causas, um grupo como o Lundgren, com poder econmico e articulaes a nvel nacional, deixou suas fbricas tornarem-se obsoletas. Lembra-se que o fechamento concomitante de todo o parque txtil tradicional pernambucano exclui acusaes de incapacidade deste ou daquele dirigente. Procuram-se assim, causas scio-econmicas e no motivos individuais.62

    Atualmente, os Lundgren ainda so proprietrios de grande parte do patrimnio

    imobilirio da cidade, desde as casas da vila operria, prdios da fbrica, cinema, igreja e

    algumas propriedades de terras em torno de Rio Tinto. O exemplo da Igreja emblemtico:

    ainda hoje seu prdio pertence fbrica e no Arquidiocese da Paraba. Para uma

    comprovao desse fato: em certido de fevereiro de 1951, reiterada em 1962, o prdio da

    Igreja arrolado - com outros bens patrimoniais de Rio Tinto - como pertencentes fbrica:

    [...] edifcios que formam o conjunto industrial da Fbrica Rio Tinto e funcionam todas as suas sees, tais como, preparao, fiao, enroladeiras, engomadeiras, tinturaria, tecelagem, acabamento, serraria, carpintaria, oficinas, usina eltrica, instalaes eltricas, almoxarifados, armazns, depsitos, escritrios, pagadorias, todos os maquinrios montados nas mesmas sees, linhas frreas, embarcao, prdios de residncias, prdio da Igreja, padaria, cinema, barraco, escolas, grupos escolares, edifcios de clubes recreativos, delegacia de policia, de reparties pblicas federais, estaduais e municipais, autarquias e sindicato, hospital, ambulatrios e farmcia, tudo situado em Patrcio e Regina.63

    O relato do trabalhador confirma o dado: a maioria das casas de Rio Tinto de

    propriedade da famlia Lundgren. Ressalta que alguns conjuntos habitacionais foram

    construdos pelo Estado, mas, em terras dos Lundgren:

    Olha os Lundgren ainda mandam. Por que Rio Tinto, j se construram dois conjuntos aqui, mas nas terras da Companhia e a maioria das casas, tudinho dos Lundgren. Agente paga l onde era a Loja Paulista [onde hoje o escritrio da Companhia, situado na rua da Mangueira], se paga ali, tem um diretor que recebe esse dinheiro e negcio da propriedade eles ainda tem

    61 Costa Filho, Jos Paulino. Tecidos Rio Tinto. Correio da Paraba, 15 de julho de 2003. Recentemente a Companhia aluga Universidade Federal da Paraba parte das dependncias da fbrica para abrigar um campus da universidade, que se expandiu para o litoral norte, tendo sido Rio Tinto e Mamanguape alcanados pela poltica de ampliao da UFPB. 62 HUTZLER, Celina Ribeiro. Quem pode pode, quem no pode... Op. Cit. p. 115. Para uma anlise acerca da Companhia de Tecidos Paulista, bem como da decadncia das Indstrias txteis no Nordeste, ver: MARANHO, Sydia M. Q. de Albuquerque. Tecnologia e Trabalho: Um estudo de caso na Indstria txtil de Pernambuco (1950-1980). Dissertao de Mestrado, Recife, 1983. 63 Ao: Interdito Proibitrio. Requerente: Companhia de Tecidos Rio Tinto. Requerido: Severino Costa e outros. 15 de agosto de 1962. Processo n. 548. Caixa Ano: 1962. Arquivo do Frum de Rio Tinto.

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    propriedade - tudinho se resolve l. dos Lundgren, ainda tem uma faixa l, dos Lundgren.64

    A construo de conjuntos habitacionais s reafirma a transformao por que passa Rio

    Tinto no contexto. O papel do Estado, como financiador de moradias e outras reas em Rio

    Tinto, evidencia sua interferncia na cidade, em questo antes pertencida a alada da fbrica:

    O nmero de trabalhadores passa de 12.000 operrios em 1945 para 1.000 operrios em 1970. Se as 2.500 casas mal abrigavam os 12.000 operrios com uma taxa de 4,5 operrios por casa, em 1970, havia 2,2 casas para cada operrio. O hospital, que inicialmente era da fbrica, passa a ser do INPS, transferncia advinda de uma antiga dvida da Companhia para com o mesmo. Assim, como as casas, a Companhia de Tecidos se desfaz dos seus bens patrimoniais, o hospital e a escola passam a ser de propriedade e gesto do Estado. Como podemos observar, o Estado inicia um processo de interveno nas condies de reproduo, habitao, sade e educao, que inicialmente eram gerenciados e financiados pelo capital privado, passam a ser de responsabilidade do Estado.65

    A presena dos Lundgren em Rio Tinto se faz verificar no controle de parte do

    patrimnio imobilirio da cidade. Muitos operrios ao se aposentar tentam negociar a

    indenizao em troca da moradia. Em muitos casos a fbrica avalia a residncia com valor

    acima da indenizao, com estratgia clara de fazer o trabalhador continuar em dependncia

    com os Lundgren, pelo menos, no quesito da moradia. o que informa a tecel Clotilde

    Cavalcanti confirmando o nmero elevado de casas ainda pertencentes aos Lundgren:

    Essa casa eu pago. alugada a fbrica. Tudo casa da fbrica, aqui mesmo, s no essa daqui da frente e a outra ali da esquina [a aposentada reside na rua da Mangueira, vizinha a entrada da fbrica]. O aluguel paga no patrimnio. Eu pago R$ 36 reais, agora com o IPTU, eu j paguei 3 parcelas, d R$ 41.20 reais.66

    De fato, os operrios, sem casa prpria ainda hoje pagam aluguel fbrica. Em Rio

    Tinto, diferente de outras vilas operrias, as casas so na sua totalidade, patrimnio da fbrica.

    Em casos onde o trabalhador adquire casa na vila operria, observa Eva Blay:

    O processo que se desenrola quando a casa da fbrica e quando ela se torna do operrio constitui duas etapas da condio do trabalhador urbano. Nelas muda sua posio perante o mercado de trabalho, pois variam as

    64 Jlio Justino da Silva 78 anos. Rio Tinto, julho de 2005. Recentemente o Governo do estado publicou no Dirio Oficial ato em que desapropriou uma propriedade da Companhia de Tecidos Rio Tinto, denominado Preguia, com a finalidade de construir casas populares em convnio com a Companhia Estadual de Habitao Popular - CEHAP - e a Caixa Econmica Federal. Sobre esse decreto ver: Dirio Oficial. Estado da Paraba. Atos do Poder Executivo. Joo Pessoa Domingo, 19 de Novembro de 2006. N 13.373. 65 EGLER, Tmara Tnia Cohen. Moradia e Trabalho em Rio Tinto. Op. Cit. . 159. 66 Clotilde Cavalcante Juvenal. Trabalhou como tecel. Entrevista realizada em Rio Tinto, julho de 2005.

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    presses que o trabalhador enfrenta quando dispe ou no da propriedade da casa.67

    O atual diretor do patrimnio restante da fbrica Rio Tinto, ao mesmo tempo em que

    concede descontos nos aluguis, aos que realizam servios de manuteno das casas - como

    mudana de madeiramento - ameaa despejo de famlia em atraso no pagamento de aluguel.

    Em reflexo final, podemos perceber que o processo de constituio de uma cidade-

    fbrica, como a de Rio Tinto, possui suas particularidades. Os Lundgren souberam se utilizar de

    recursos e negociaes polticas para a instalao de empreendimento txtil na Paraba, similar

    a que j possua na cidade de Paulista. Para tanto, construram ao longo dos anos 1920,

    verdadeiro espao citadino, que se fazia, majoritariamente independente da capital ou de

    cidades vizinhas. Ao edificar a cidade-fbrica, houve um processo migratrio, que nos anos

    iniciais contava-se com mais de 5 mil trabalhadores, com um conjunto de casas que alavam

    Rio Tinto, a uma das maiores vilas operrias da poca.

    De tal modo, no demais reiterar que este processo, no deve ter sido sem conflitos.

    Afinal, existia um modo de vida anterior a sua edificao o que foi desmantelado - e que a

    imprensa da poca, os memorialistas e o prprio discurso da famlia Lundgren, repetiam

    constantemente de que eles, plantaram gente na regio denominada de vila da preguia (numa

    clara referncia aos pescadores, agricultores e ndios potiguaras que viviam na regio)

    transformando esta numa ativa colmia operria.

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    67 BLAY, Eva Alterman. Eu no tenho onde morar: Vilas operrias na cidade de So Paulo. So Paulo: Nobel, 1985, p. 17.

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