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Coleo Parnamirim Volume II Editora Z Comunicao Coodenao Editorial: Osair Vasconcelos Capa e Projeto Grfico: Mariz Comunicao Integrada Designers: Marcelo Mariz / Rodrigo Galvo Consultoria Histrica: Nivaldo Xavier Reviso: Ednice Peixoto dos Santos Agradecimentos: Dirio de Natal, Tribuna do Norte, Parnamirim Notcias, Museu da Aviao e da Segunda Guerra, Base Area de Natal, Genilson Souto e Instituto Histrico e Geogrfico do RN.

Catalogao na fonte "Biblioteca Pblica Cmara Cascudo"- Natal/RN P379h Peixoto, Carlos A histria de Parnamirim / Carlos Peixoto. Natal (RN) : Z Comunicao, 2003. 222p. : il. I. Parnamirim (RN) - Histria. 2. Rio Grande do Norte - Histria. I. Ttulo.

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memria do meu pai, um homem que no se sabia poeta e, mesmo assim, fez da vida que lhe coube viver um verso simples e claro. Para minha me, que o entendeu. Para Ceia e Alexis, que me do mais do que mereo.

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ndice

Dedicatria.....................................................................

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Apresentao.................................................................. 11 Parnamirim, uma histria............................................. 13 CAPTULO I - Paran -mirim 1 - A denominao tupi-guarani. A mais antiga referncia histrica............................................................... 19 2 - As caractersticas geogrficas.................................... 21 3 - Os primeiros donos da terra e o uso que fizeram dela................................................................................. 25 CAPTULO II - O campo dos franceses 1 - Lanando pontes sobre as distncias......................... 2 - Os padrinhos do municpio....................................... 3 - A construo do campo............................................. 4 - O verdadeiro conquistador do Atlntico Sul............ CAPTULO III - O Trampolim da Vitria 1 - A aliana improvvel................................................ 2 - Parnamirim Field...................................................... 3 - A Base Area de Natal............................................... 4 - Novas e velhas denominaes..................................

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5 - Como entramos na Corrida Espacial.................... 79 6 - O Aeroporto Augusto Severo................................... 85 CAPTULO IV - Vises da Cidade 1 - O transitrio como herana urbana......................... 93 2 - Os pioneiros.............................................................. 94 3 - Como uma torrente impetuosa................................ 102 4 - O inferno nos mocambos.......................................... 109 5 - A vida organizada..................................................... 115 CAPTULO V - Ritos de Formao 1 - O conflito nas terras do Jil.................................. 131 2 - A emancipao, sem o povo e sem a Base................. 134 3 - As eleies, a breve guerra do mercado, vitrias e derrotas...................................................................................... 145 4 - Quando Parnamirim foi Eduardo Gomes............. 157 5 - Outras campanha,outros prefeitos (1976-1984)........................ 161 6 - Quadro cronolgico dos prefeitos eleitos em Parnamirim 166 CAPTULO VI - Velhas vantagens, novos negcios 1 - Industrializao: um projeto longo demais.............. 171 2 - O progresso em Parnamirim.................................... 173 3 -Um pioneiro solitrio................................................ 179 4 - A Festa do Boi............................................................ 180 5 - Projetos agrcolas em Pium e Jiqui........................... 182 CAPTULO VII - Breve notcias da expanso urbana 1 - A marcha demogrfica e as desigualdades................ 189 2 - Os bairros.................................................................. 193 3 - Pirangi do Norte....................................................... 195

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CAPTULO VIII - Documentos histricos e tabela do Censo 2000 1 - A escritura de Manoel Machado para Paul Vachet..... 203 2 - O contrato para limpar o campo de Parnamirim........ 206 3 - A primeira reportagem............................................. 208 4 - A Lei de criao e a Ata Solene de instalao do municpio...................................................................................... 211 5 - Sntese do Censo IBGE/2000 em Parnamirim......... 214 Fontes bibliogrficas...................................................... 217

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Apresentao

Uma cidade no se faz e tampouco pode ser avaliada apenas pelo nmero de seus edifcios e/ou pelas suas ruas e avenidas. Sequer apenas pela sua populao. Uma cidade se faz ao longo do tempo, com sua histria registrando seus fatos, atos e pessoas. No caso de Parnamirim h ainda uma singularidade. A cidade nasceu em meio ao desenvolvimento da aviao comercial, e cresceu e teve a sua primeira fase de progresso motivada pela aviao de guerra. A genialidade do brasileiro Santos Dumont, inventor do avio, foi seguida pela coragem de quantos homens e mulheres se lanaram no arrojo de transpor mares e oceanos para, no pioneirismo da aviao comercial, aproximar pessoas, possibilitar negcios, estabelecer uma nova era para o mundo. Parnamirim nasceu naquela poca algo mgica, porque indita. De coragem, porque arriscada. De sonho, porque preciso sonhar com o novo, o diferente, o melhor. Forte e decisiva tambm, porque o que viria a ser a futura cidade estava estrategicamente situada na ponta mais avanada do continente, base indispensvel que se transformaria no Trampolim da Vitria. Foi como base area para os aliados que Parnamirim agasalhou homens, mulheres, americanos principalmente; brasileiros de todas as partes do Brasil, e tambm ingleses,

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franceses, aliados pelo mesmo objetivo, determinados em favor da mesma causa: o restabelecimento da paz no mundo e a prevalncia da democracia como ordem poltica para os povos. Este livro de pesquisa sobre o nascimento e vida de Parnamirim para estabelecer a sua histria no decorrer desde praticamente a primeira marca at o seu desenvolvimento industrial. Uma cidade rentvel para se investir e amorvel para se viver. Um trabalho competente, criterioso, didtico tambm, do jornalista e escritor Carlos Peixoto com a coordenao editorial do tambm jornalista Osair Vasconcelos, sob a gide da Prefeitura Municipal de Parnamirim, para agora e para sempre. Entrego, portanto, a Parnamirim a sua histria, como entrego ao Rio Grande do Norte a histria de Parnamirim.12

AGNELO ALVES Prefeito Ano da Graa de 2003

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Parnamirim, uma histria.

Ao ser convidado por Osair Vasconcelos e pelo prefeito Agnelo Alves para escrever este livro, lembrei-me que Lus da Cmara Cascudo abre a apresentao da sua Histria da Cidade do Natal citando um outro historiador, o francs Pierre Lavedan, para quem a cidade um ser vivo. A lembrana me foi til, principalmente para relegar ao esquecimento algumas das observaes ouvidas durante a pesquisa empreendida ao longo de um ano em busca de informaes para o texto, que pretendiam no ter Parnamirim uma histria, devido influncia que recebia de Natal e ao pouco tempo de existncia como municpio. Como todos os seres vivos, todas as cidades tm uma existncia - seja ela curta ou longa - consubstanciada em fatos, experincias, festas, vitrias e sonhos que formam no apenas uma, mas vrias histrias. E todas essas histrias merecem ser contadas, valem a pena ser ouvidas. Esta, que vocs podero ler nas prximas pginas, no tem a pretenso de ser a HISTRIA de Parnamirim. apenas aquela que me coube conhecer e contar. De meu, poderia dizer que s o texto, porque todos os fatos por ele narrados so coletivos. Assim como a pesquisa feita. Ela no teria sido possvel sem a ajuda inestimvel do senhor Nivaldo Xavier Gomes, que todos em Parnamirim conhecem como uma extraordinria figura

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humana - ele mesmo autor de uma outra histria, mais pessoal, da cidade, Nos Tempos das Bocas de Ferro, espera de um editor consciente - e de vrios outros personagens/autores da cidade que me foram apresentados pelo jornalista e amigo Cludio Gomes, filho de Parnamirim e meu paciente cicerone nesta jornada. Trabalhar com eles, pesquisar, ler e escrever sobre Parnamirim me deu muita satisfao. E se vocs, ao final da leitura, se sentirem como filhos legtimos da cidade no importa onde tenham nascido - nossa recompensa estar completa.Carlos Peixoto Dia de Natal do ano de 2002

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1 - A denominao tupi-guarani. A mais antiga referncia histrica 2 - As caractersticas geogrficas 3 - Os primeiros donos da terra e o uso que fizeram dela

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Paran-mirim

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1 - A denominao do tupi-guarani. A mais antiga referncia histrica Os primeiros navegadores portugueses e espanhis que chegaram ao litoral do continente sul-americano acreditaram ter descoberto um novo mundo onde tudo era desconhecido e precisava ser nomeado. Os colonos, que vieram depois, aprenderam que as terras recm-encontradas no eram to desconhecidas assim e que os lugares j tinham nomes, escolhidos pelos povos nativos. Muitos desses nomes, ligeiramente modificados pela mistura da lngua portuguesa com o tupi-guarani, ficaram para a histria como pistas dessas origens e lembrana dos primitivos habitantes. Um desses nomes Parnamirim. A origem do topnimo a expresso tupi-guarani Paran-mirim, que significa pequeno parente do mar ou pequeno rio veloz. Apesar de ainda hoje existirem, na rea que corresponde ao municpio de Parnamirim, vrios rios e riachos, mais provvel que o Paran-mirim conhecido pelos ndios potiguaras, habitantes da capitania do Rio Grande na poca da colonizao (sculo XVII), tenha sido algum curso dgua j desaparecido. O historiador Lus da N Cmara Cascudo, pesquisando para o livro Nomes da 1 Terra , escreveu em 1968 que s restavam na regio uns

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1 - Neste livro, editado pela Fundao Jos Augusto em 1968 (a segunda edio de 2002, pelo Sebo Vermelho), Cascudo identifica e explica as origens de vrios topnimos potiguares, assim como narra a histria do surgimento dos primeiros municpios do Estado.

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depsitos de gua, comumente reduzidos no vero e maiores pela ao pluvial. Eram as lagoas, que enchiam durante os anos de bom inverno, e ficaram como vestgios do rio pequeno que deu origem ao nome do lugar. Hoje, muitas dessas lagoas desapareceram pela ao dos ventos que moveram as areias, com a falta continuada das chuvas ou em conseqncia das atividades de ocupao humana, registrada em anos mais recentes. Mesmo quando existiam, essas lagoas no deveriam ter peixes e camares em quantidade suficiente para atrair os ndios, que preferiam erguer aldeias nas proximidades de locais onde a pesca fosse abundante. As grandes rvores, prprias da Mata Atlntica e onde se escondia a caa, limitavam-se s margens e vales dos rios perenes, como o Pitimbu (poti -ybu, em tupi guarani, a fonte dos camares) e o Pirangi (os ndios o chamavam pir-gi-pe, o rio das piranhas). O que restou dessa mata est preservado dentro da rea onde est instalada a Base Area de Natal, junto com a ltima das lagoas que deram nome regio, a lagoa Parnamirim. Apesar de deserta, a rea de Parnamirim sempre teve importncia estratgica. Por ela passava um dos caminhos que ligava o primeiro ncleo colonizador da capitania do Rio Grande - a cidade do Natal e o Forte dos Reis Magos - com outros povoamentos portugueses ao sul. O mais antigo registro histrico do topnimo original, Paran-mirim, est no mapa holands do cartgrafo Jorge Macgrave, datado de 1643, onde j consta a indicao do primitivo caminho que levava at a capitania da Paraba e, mais alm, ao Recife. A grafia adotada pelo copista Paranmiri, sugerindo um erro. Mas, o local o mesmo e a trilha aberta pelos portugueses, melhorada pelos conquistadores holandeses, saa da cidade do Natal, atravessando os vales do

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Potimbu (o atual rio Pitimbu), do Cajupiranga, do Piranhi (Pirangi) e do Pium, seguindo em direo a Cunha, onde estava instalado o engenho de Jernimo de Albuquerque; ao rio Guaju, divisa com a Paraba, e da para Pernambuco, atravessando Mamanguape e Goiana. A rota tinha um traado aproximado ao da atual BR 101.

Detalhe do mapa holands, de Jorge Macgrave, datado de 1643, onde aparecem assinalados o caminho que levava de Natal as provncias do Sul (Paraba e Recife) e o lugar denominado Paran-miri.

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2 - As caractersticas geogrficas O municpio de Parnamirim est localizado a 5 54 56 de latitude sul e 35 15 46 de longitude oeste de Greenwich (Inglaterra). Inserido na Mesorregio Leste, Microrregio de Natal, e dentro da Zona Homognea do Litoral Oriental, tem um clima mido nas reas centrais, e sub-mido nas reas mais prximas ao litoral. As chuvas caem com maior freqncia entre os meses de fevereiro e setembro e a temperatura mdia anual de 27,1C. Os limites atuais so: ao norte com o municpio de Natal; ao sul com os municpios de So Jos do Mipibu e Nsia Floresta; a leste com o Oceano Atlntico e a oeste com o municpio de Macaba.

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Mapa do IBGE (2000) com o territrio atual do municpio de Parnamirim.

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2 - Informativo municipal de 2002 sobre Parnamirim, atualizado pelo Instituto de Desenvolvimento Econmico e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (Idema).

Estudando o tipo de solo do municpio, os gelogos situam a rea dentro do Grupo Barreiras. A idade de formao do terreno remonta ao Tercirio Superior, perodo situado h cerca de 30 milhes de anos, quando os dinossauros j estavam extintos h pelo menos 130 milhes de anos e ainda faltavam outros 50 milhes para os primeiros homindeos aprenderem a descer das rvores nas florestas africanas. O solo, formado de argila, arenitos conglomerticos ou caulnicos, siltitos, inconsolidados e mal selecionados por extensas coberturas coluviais e eluviais indiferenciadas, altamente permevel, no retm as guas das chuvas. Pobre em micros nutrientes, esse tipo de terreno no tem muita serventia para o cultivo de lavouras. Pequenas faixas, com adubaes parceladas e irrigao artificial durante os perodos de estiagem, prestam-se fruticultura de mangas, banana, jaca e abacate, entre outras, alm do plantio de mandioca, sisal, milho, feijo e pastagem. Nas praias e faixas mais prximas ao mar, a paisagem formada por paleodunas ou dunas fixas, com formao no Quaternrio (cerca de 1,6 milho de anos antes do presente), compostas de areias marinhas, transportadas pela ao dos ventos, formando cordes fixados pela vegetao. Onde no foram plantados coqueirais, se avistam os tabuleiros. So reas planas, que sofreram a interveno humana e foram depois abandonadas, onde nascem as mangabeiras, o camboim, a guabiraba e tapetes verdes de alecrim.2 Parnamirim o nico municpio includo na bacia hidrogrfica do Pirangi, formada por trs cursos dagua perenes e duas lagoas. A Bacia do Pirangi tem sete quilmetros de extenso e drena uma rea de 607 Km, destacando-se pela proximidade com Natal, contribuindo para parte do abastecimento dagua da capital. Os rios e riachos principais so:

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-Rio Pitimbu - com nascentes no povoado de Lamaro, municpio de Macaba, um dos limites ao norte com o municpio de Natal. Tambm conhecido como riacho Ponte Velha, aparece nos documentos mais antigos como Putumb, Potemb, Potumb e Potob. Desgua na Lagoa do Jiqui, que tambm j foi chamada Lagoa Fernando Ribeiro, e segue para encontrar-se com o rio Pirangi. Entre a lagoa e o Pirangi, por volta de 1600, o Baixo Pitimbu era chamado rio Guaramime. - Riacho Taborda ou Cajupiranga - nasce no povoado de Japecanga e o limite com o municpio de So Jos do Mipibu. um dos dois principais afluentes que formam o rio Pirangi - Rio Pium - nasce na pequena lagoa do mesmo nome, no municpio de Nsia Floresta. Ao encontrar-se com a margem direita do Pirangi forma um dos mais frteis vales do litoral sul potiguar, o Vale do Pium, que deu origem povoao rural do mesmo nome. - Riacho gua Vermelha - nasce entre os municpios de So Jos do Mipibu e Parnamirim. Ao receber as guas do riacho Cajupiranga forma o Rio Pirangi, citado nos documentos mais antigos como rio Cajupiranguinha ou Cajupiranga-mirim. Desenha o limite de Parnamirim com Nsia Floresta. No encontro com o mar, aps receber as guas do rio Pium, divide as praias de Pirangi do Norte (Parnamirim) e Pirangi do Sul (Nsia Floresta). 3- Os primeiros donos e o uso que fizeram da terra A ocupao das terras potiguares seguiu o modelo administrativo adotado pela Coroa Portuguesa para as colnias ultramarinhas. As terras eram distribudas pelo rei como um favor aos fidalgos que alegassem o interesse em participar do processo de colonizao. As regras diziam que os

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3 - Lus da Cmara Cascudo, em Histria do Rio Grande do Norte 1 edio - p. 58

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4 - Guardados nos arquivos do Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Norte, estes documentos so as referncias mais antigas sobre a repartio e posse de terras no Estado.Um dos primeiros historiadores a estud-los foi Luiz Fernandes. A transcrio das datas de sesmarias foi publicada por VingtUn Rosado em cinco volumes da Coleo Mossoroense - Srie C

requerentes deviam dispor de capital prprio e suficiente para fazer as benfeitorias e promover a ocupao das terras concedidas, mas na prtica ningum precisava provar essa exigncia. Essas concesses reais de terras ficaram conhecidas como sesmarias e vigoraram no Brasil por cerca de 300 anos, do incio da colonizao at 1820. Os capites-mores, representantes mximos da Coroa em cada capitania, faziam as doaes, mais tarde confirmadas pelo rei de Portugal. Os abusos nas doaes foram muitos. Na capitania do Rio Grande, esses abusos comearam com o capito-mor Jernimo de Albuquerque, que deu aos filhos Antonio e Mathias cinco mil braas de terra em quadra na vrzea do Cunha.3 O objetivo da Coroa era colonizar as novas terras com interesses puramente mercantis para a produo de cana de acar, mercadoria de alto valor na Europa. Esse tipo de cultura exigia grandes faixas de terra. Requeria tambm muito trabalho, esforos e investimentos dos colonos, que chegavam desejosos de enriquecer rpido para voltarem ao Reino. Mas nem todas as terras disponveis prestavam para o cultivo da cana de acar. Da combinao entre o sistema de doaes e as dificuldades para enriquecer rpido com o trabalho na terra, quase no saiu resultados para o povoamento da terra. Em 1614, quando o Rei mandou revisar doaes feitas na capitania do Rio Grande, muitos dos colonos j haviam abandonado as terras, alegando que eram imprestveis para o cultivo e sem serventia para o gado. Nas Cartas de Datas e Sesmarias da Capitania do Rio Grande4 existem anotaes de reas extensas de terras doadas pelos capites-mores Joo Rodrigues Colao e Jernimo de Albuquerque, entre 1600 e 1633 - ano da Invaso Holandesa - com vrias referncias a topnimos que hoje fazem parte do municpio de Parnamirim. Atravs

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desses documentos e referncias possvel traar um quadro aproximado dos primeiros proprietrios e quais as mais antigas ocupaes em faixas de terra do municpio. O rio Pitimbu, com seus nomes antigos, uma dessas referncias mais citadas nas Cartas de Datas e Sesmarias. Em 1605, todas as terras entre a margem direita do rio Potengi, at os morros altos (na Zona Oeste de Natal) e dali pelo Guaramime at o mar, o que inclua toda a atual Zona Sul da capital e o vale do Pium, foram doadas ao Conselho da Cidade do Natal. Em 1607, os padres da Companhia de Jesus (os jesutas), que j tinham grandes pores de terra na capitania e cujos limites se estendiam at a lagoa do Guagir (Extremoz), pediram mais terras ao capito-mor Jernimo de Albuquerque, incluindo a lagoa do rio Potob (atual lagoa do Jiqui), toda terra que houver at o dito rio e mais quinhentas braas alm do rio em todas as direes. Entre o rio Guaramime e o rio piragino, que o historiador Luiz Fernandes (nas notas de 1909 s Cartas de Datas) identifica com o atual Cajupiranga, foram doadas terras a Amrique Fernandes Leito. Ao longo da margem esquerda do Pitimbu, meia lgua em quadra, acima do caminho do Cajupiranga, e meia lgua em quadra, abaixo do mesmo caminho, as terras eram de Jernimo da Cunha e de um filho dele, Francisco da Cunha. Mas, apesar das distribuies feitas pelos capitesmores e da cobia dos fidalgos por propriedades, as terras de Paran-mirim permaneceram inaproveitadas e despovoadas por sculos. Aps alguns anos das doaes, a maior parte das sesmarias estava abandonada e sem benfeitorias, por serem terras imprestveis. A exceo era o vale frtil do Pium, sobre o qual existem registros nas Datas de Sesmarias de 1738 sobre moradias pertencentes filha do comissrio geral Jos de Oliveira Velho, dona Phelipa

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5 - A escritura de demarcao de terras do Pitimbu est reproduzida no livro do historiador Paulo Viveiros (Histria da Aviao no Rio Grande do Norte). O documento original foi lavrado no Juzo Municipal do Termo da Cidade do Natal, em 04 de junho de 1889, e reconhecida no 1 Cartrio Judicirio em 17 de agosto de 1932, a pedido do novo proprietrio do engenho, Manuel Machado.

Rodrigues de Oliveira, e ao coronel Jos Nunes. Na Barra do Pirangi, em 1799, Antonio Jacom Dantas Correia, dono de 600 braas de terras herdadas do av materno, declarava-se morador antigo, h mais de 80 anos do local. Em petio ao capito-mor, Antonio Jacom pede sobras de terras com oito lguas de comprido e uma de largo entre o Pirangi e o rio Grande Cajupiranguinha at os limites das terras de Maria Francisca Madalena e Joo Freire. Seriam as terras compreendidas hoje pela rea entre Pirangi de Dentro e a Fazenda Liberdade. Quase um sculo inteiro se passou sem que a regio conhecesse outro modelo de povoamento que no fosse esses stios, onde os cultivos eram as lavouras de subsistncia e os povoados ajuntamentos de trs ou cinco casas dos lavradores. Em 1881, os trilhos da linha frrea entre Natal e Nova Cruz cortaram a regio, seguindo de perto o traado do velho caminho para a Paraba e o Recife. Graas a um outro registro em cartrio, sabe-se que as terras ao sul do Pitimbu estavam, em 1889, nas mos do senhor do Engenho Pitimbu, Joo Duarte da Silva e a mulher dele, Joanna Leopoldina Duarte da Silva, velhos fidalgos5. O casal era rico o bastante para contar com uma parada de trem prximo casa grande, mas existiam dvidas quanto aos limites da propriedade. Para resolv-las de forma amigvel, foi requerida a demarcao das terras do engenho. Fixados os limites, o casal acabou comprando a maioria das propriedades vizinhas, incluindo uma grande rea de tabuleiro plano ao sul do rio que dava nome propriedade, distante 18 quilmetros de Natal. A rea era conhecida como a plancie de Parna-mirim e fazia parte do Engenho Cajupyranga que, at ento, tinha pertencido ao casal Francisco Pereira de Brito e dona Maria Honorina de Cerqueira Brito.

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Nessa mesma poca, presume-se que tenham chegado capital potiguar os irmos portugueses Manuel e Cludio Machado. Na esquina da rua Chile com a Tavares de Lira, Ribeira, abriram uma loja que vendia de tudo, conhecida pelo sugestivo nome de Dispensa Natalense. Os dois enriqueceram no comrcio, integrando-se vida social local. A firma M. Machado & Cia era uma das mais conceituadas no Estado e logo diversificou os negcios. Manuel Machado casou-se, em 1903, com dona Amlia Duarte, filha do proprietrio de um hotel na antiga rua das Virgens, bairro das Rocas, e em 1920 comprou de Jorge Barreto o casaro da praa Dom Vital, ao lado da Igreja do Rosrio, Cidade Alta. Em 1927 ele j era o dono das terras do Engenho Pitimbu, que se estendiam dos limites com os Guarapes, Macaba, ao norte, as terras do Engenho Cajupiranga, ao sul. O Pitimbu era um latifndio na sua maior parte deserta, sem proveito e sem benfeitorias, como haviam estado h sculos aquelas terras. As vizinhanas povoadas mais prximas eram os stios do Alecrim, limites da cidade do Natal, e o arruado de Taborda, em So Jos do Mipibu. Mas, dos cus, literalmente, chegariam os homens que veriam na plancie de Parnamirim um pedao de terra da maior importncia.

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Reproduo da pgina inicial da escritura de transferncia de terras, em Parnamirim, feita pelo comerciante Manuel Machado em favor do piloto francs Paul Vachet. Nas terras doadas seria construdo o campo de pouso que daria origem ao municpio. O texto integral do documento est reproduzido no captulo VIII.

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1 - Lanando pontes sobre as distncias 2 - Os padrinhos do municpio 3 - A construo do campo 4 - O verdadeiro conquistador do Atlntico Sul

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O campo dos franceses

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1 - Lanando pontes sobre as distncias Com o fim da I Guerra Mundial (1914-1918) as naes vencedoras (Estados Unidos, Inglaterra, Frana e Itlia) dividiram o mundo de acordo com objetivos geopolticos e passaram a incentivar as disputas comerciais internacionais, criando reas de influncia direta (as possesses administrativas e militares) ou indireta (atravs de acordos). Em ambos os casos, a vantagem de um pas comeava com um sistema de transportes e comunicao desenvolvido que permitisse o envio de mercadorias e a troca de correspondncias com os mais longnquos recantos do globo no menor espao de tempo possvel. Nesse aspecto, os avies - que durante a guerra haviam se desenvolvidos como armas mortferas - mostraram que podiam vir a ser mais eficientes e rpidos que os navios na travessia dos oceanos ou mais baratos e viveis que o telgrafo para cobrir grandes distncias, vencendo territrios inspitos como cadeias de montanhas e desertos. Grandes empresrios, com viso prtica do futuro, se associaram a aventureiros idealistas, financiando raids que abrissem as rotas areas entre os continentes e fundando companhias de aviao comercial.

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1 - Para saber mais: a histria da Latcore est descrita no site oficial da Asociacin de Amigos de la Aeronutica (em espanhol ou ingls): www.bcnet.upc.es/aeromuseu/historia/latecoere

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Entre os anos de 1918 e 1920, 30 companhias areas comerciais foram criadas para operar linhas dentro da Europa. Cinco delas eram francesas, explorando rotas que se estendiam at o norte da frica, onde o governo francs administrava importantes concesses territoriais. A Compagnie Espagne Maroc Algrie (Cema), criada em 11 de novembro de 1918 por Pierre-Georges Latcore (1883-1943), deu origem Societ de Lignes Aeriennes G. Latcore1. O primeiro contrato foi com o governo para o transporte do correio entre Toulouse (sul da Frana) e Rabat (Marrocos). Em 1925, Pierre-Georges associou-se a Didier Daurat e Beppo de Massimi, criando a Compagnie Gnrale dEntreprise Aronautique (CGEA) e estendendo a linha area at Dakar (Senegal), cobrindo uma distncia recorde (10.608 km) para a poca, atravs das alturas geladas do Pirineus e das areias escaldantes do Saara. Mas, os chefes da Latcore e seus pilotos sonhavam com outro destino: a Amrica do Sul. Em janeiro de 1925, uma misso liderada pelo prncipe Charles Murat e formada pelos pilotos Victor Hamm, Joseph Roig e Paul Vachet, mais trs mecnicos, e com trs avies Brguets 14, chegou ao Brasil para abrir novas rotas e escolher reas ao longo delas onde pudesse ser instalada uma rede de aeroportos. A primeira destas rotas seria entre o Rio de Janeiro e Buenos Aires. Depois, entre o Rio e Natal, criando-se condies para o enlace com a rota j estabelecida entre a Europa e a frica. Dificuldades financeiras na CGEA, entretanto, adiaram a concretizao do projeto. Em abril de 1927, 93% das aes da Latcore foram vendidas ao investidor francs Marcel Bouilloux-Lafont, estabelecido na Argentina, e rebatizada como Compagnie Generale Aropostale (CGA). Bouilloux executaria os planos de Pierre-Georges Latcore, estendendo a linha area para

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toda a Amrica do Sul. Em questes de meses foram construdos 49 campos de pouso ao longo do litoral oriental do Brasil, atravs dos pampas argentinos e sobre os Andes. A Linha - como diziam os pilotos - lanava pontes sobre as distncias que separavam os homens, traando uma rota que se estendia por quase 100 mil km, interrompida apenas pelo Atlntico. Dakar era o fim do primeiro trecho, que comeava em Toulouse. Natal, localizada no saliente sul-americano, era o incio do segundo trecho, que se prolongava at Santiago do Chile. Os avies ainda no tinham autonomia de vo nem motores potentes para fazerem a travessia regular do Atlntico. As malas postais ainda cruzavam o oceano a bordo dos avisos, pequenos navios que faziam a rota entre o litoral potiguar e a frica, a servio da Aropostale. Mas, em menos de uma dcada esse obstculo tambm seria vencido. Foi em meio a essa aventura dos pioneiros da aviao civil que Parnamirim nasceu. 2 - Os patronos do municpio Para o historiador Lus da Cmara Cascudo, o capito Lus Tavares Guerreiro (1881-1958), comandante do 29 Batalho de Caadores do Exrcito instalado em Natal, foi o padrinho de Parnamirim. A histria registra a presena de pelo menos dois outros nomes decisivos para o surgimento do campo de aviao que daria origem ao municpio. Nascido no povoado do Taborda, povoao fundada em 1706 pelo sesmeiro Manoel Rodrigues Taborda, Lus Tavares Guerreiro era um bom conhecedor das terras do Pitimbu e arredores, incluindo o tabuleiro de vegetao rala, distante cerca de 20 quilmetros de Natal. Cascudo remonta a presena da famlia Tavares Guerreiro no Rio Grande do Norte ao incio do sculo XVII. Em julho de

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2 -O coronel Luiz Tavares Guerreiro transferiu-se, anos depois, para o Rio de Janeiro, onde faleceu. Em Natal, ainda moram vrios descendentes dele.

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1714, Manuel Tavares Guerreiro fez parte do Senado da Cmara de Natal e, em 1734 um outro Lus Tavares Guerreiro requereu ao Senado da cidade, sendo atendido, uma faixa de terra com trs lguas de comprimento nas margens do Rio Potengi. Em 1757, o padre Francisco Tavares Guerreiro tinha terras no riacho Salgado. Descendente desses antigos colonizadores, o capito Luiz Tavares Guerreiro fez carreira no Exrcito, ligando-se a outros acontecimentos histricos potiguares. Com a patente de major, em 1930, liderou as tropas leais a Getlio Vargas para derrubar o governo no Rio Grande do Norte.2 Em carta ao historiador Lus da Cmara Cascudo (publicada no jornal A Repblica de 03 de outubro de 1943), o prprio coronel Lus Tavares quem conta como foi procurado por Alberto Roselli e pelo comerciante Manuel Machado. Os dois queriam que ele guiasse o piloto francs Paul Vachet na procura de um terreno onde a Aropostale instalaria o campo de pouso para ser a cabea da linha transatlntica na Amrica do Sul. Manuel Machado e Alberto Roselli sabiam que o coronel Tavares era um bom conhecedor dos tabuleiros ao sul de Natal, onde costumava caar e levar a tropa para exerccios militares, e podem at ter sugerido a plancie de Parnamirim, parte das terras do Engenho Pitimbu, como o melhor local a ser mostrado ao aviador francs. Paul Vachet, que pode ser considerado o segundo padrinho de Parnamirim, estava no Brasil desde 1925, abrindo rotas areas entre Buenos Aires (Argentina) e as capitais brasileiras, construindo os campos de pouso necessrios, entre eles o de Salvador (Bahia). Era um dos pilotos pioneiros nas rotas entre o sul da Frana e o norte da frica. Foi, durante os dois primeiros anos de permanncia no Brasil, o nico representante da Latcore na Amrica do Sul, at que

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Paul Vachet, piloto da Aeropostale, por volta de 1927, ano que esteve em Natal para escolher a rea onde seria instalado o campo de pouso. Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

a companhia foi vendida a Marcel Bouilloux-Lafont. J setuagenrio escreveu um livro no qual narra a epopia dele e de outros pioneiros da aviao civil3, incluindo os vos ao longo do litoral brasileiro para escolher as reas onde a companhia pudesse instalar os campos de pouso. Nas pginas 159 e 160 est a descrio da descoberta que lanaria Parnamirim na histria da aviao civil e militar. De Macei - narra Vachet - decidi partir para um reconhecimento de Natal. No possua a menor informao relativa topografia do lugar. Na Carta Martima que continuava a utilizar, figurava, contudo, uma pequena praia, ao Norte da foz do rio Potengi (trata-se da praia da Redinha), do lado oposto ao em que est situada a cidade. Ignorando, porm, se as condies dessa praia me permitiriam aterrissar, abasteci meu avio de modo suficiente, o que me dava o raio de ao necessrio para atingir Natal e, se preciso, voltar e descer no Recife, situado a 280 quilmetros mais ao sul.

3 - Avant les jets (Antes dos jatos) - edio da Libraire Hachett, Paris/1964

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4 - Neste trecho, Vachet cometeu um engano. Natal j estava includa nas rotas areas dos raids entre a Europa e as Amricas desde 1922. Essas travessias eram feitas em hidroavies, que amerissavam no esturio do rio Potengi. O Brguet-307 pilotado por Vachet no era o primeiro avio, mas apenas o "primeiro aeroplano", um avio que s podia pousar em terra firme, a chegar em Natal.

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Em minha companhia, estavam, como sempre, Deley e Fayard. Este vo foi efetuado a 17 de julho de 1927: esta data portanto, sob o ponto de vista aeronutico, o do descobrimento de Natal que no tinha, at ento, recebido nenhum avio e deveria ser a nossa cabea de linha transatlntica, na Amrica do Sul, at o trmino do Armistcio de 1940 (...).4 Em Natal, aterrissei, portanto, na praia indicada no mapa, que se achava completamente deserta, no momento de nossa chegada. Mas, logo, vindos da cidade que sobrevoara longamente, uma multido considervel de embarcaes disponveis no porto partiu em nossa direo, conduzindo muita gente. Entre as autoridades acorridas, se encontravam o Prefeito e o agente consular da Frana, monsieur A.Roselli que nos devia prestar grandes servios; ele foi nomeado representante da Companhia, em Natal, e ia ficar na funo por longos anos. Era-nos necessrio encontrar, nos arredores da cidade, um local conveniente para nele construir o aerdromo. Nossas buscas permaneceram infrutferas, durante vrios dias, at que o acaso nos colocou em presena de um Oficial do Regimento estacionado em Natal, monsieur Guerreiro, que era um grande caador. Ele nos apontou, a uns 20 quilmetros da cidade, uma imensa plancie, aparentemente lisa, cujo solo arenoso e duro era coberto por uma pequena vegetao, no maior do que a altura de um homem. Ele se ofereceu para conduzir-nos at l. O terreno era apenas acessvel pela Estrada de Ferro da Companhia Great-Western, que liga, entre outras cidades, Natal a Recife. Organizamos, ento, uma pequena expedio para atingir essa plancie, margeando os trilhos da linha frrea.

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Tendo considerado a plancie conveniente para a construo de um aerdromo importante, procurei o proprietrio do terreno. Tratava-se de um portugus, grande comerciante em Natal, monsieur Machado, que possua uma imensa propriedade, na qual estava situado o terreno. Com uma surpreendente viso do futuro, dando-se conta imediatamente da valorizao do restante da sua propriedade, pela construo de um aerdromo na parte que nos convinha, ele fez lavrar imediatamente uma escritura de doao do imvel (...). O terceiro padrinho de Parnamirim foi esse comerciante portugus, o mesmo Manuel Machado (nascido em Portugal, sem data conhecida, e que faleceu no ano de 1934, em Natal), scio com o irmo Cludio na firma M. Machado & Cia, da loja Dispensa Natalense, proprietrio do solar da praa Dom Vital e senhor do Engenho Pitimbu. Envergando ternos de casimira inglesa, com a gravata bem arrumada, sapatos de verniz, as faces escanhoadas e bigode tratado com caprichos, Manuel Machado era um homem elegante, apesar da altura quase descomunal frente aos homens da terra e da ausncia constante do chapu sobre a calva prenunciada. Ele e o irmo, Cludio Machado, tinham chegado de Portugal no final do sculo XIX. Vieram para Natal, esquina do continente sul-americano, em busca das mesmas possibilidades de negcios que outros poucos imigrantes. Planejavam fazer fortuna no comrcio ou noutra atividade possvel, desde que se mostrasse igualmente rentvel. No cinturo de dunas, tabuleiros e vales que circunda Natal, Manuel Machado adquiriu fazendas, stios, engenhos e terras frteis, mas tambm reas extensas e desabitadas que, para qualquer outro, pareciam representar um desperdcio de dinheiro ou um

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capricho do portugus que - saudoso da fome de terras que alimentou a cobia dos ancestrais colonizadores queria ter tambm sua sesmaria. Manuel Machado, olhando o futuro da cidade onde outros nada viam, ganhou fama de latifundirio.

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Manuel Machado, o comerciante portugus que era dono das terras de Parnamirim e fez a doao a Paul Vachet da rea para o campo de pouso que daria origem ao municpio. Desenho de Gilvan Lira, reproduzido do volume VI da srie Os Empresrios/ Gente Potiguar III Dirio de Natal.

De aquisio em aquisio, eram dele a mata de Petrpolis - a rea que corresponde hoje aos quarteires entre a rua Nilo Peanha, defronte a Maternidade Janurio Cicco, at depois da rua Potengi; boa parte das terras entre Natal e Parnamirim, a partir do atual conjunto Neoplis; quase toda a faixa de terra na margem direita do rio Potengi, entre Natal e Macaba. Na cidade vizinha, Manuel Machado comprou o Solar e as terras do Ferreiro Torto stio histrico, um dos primeiros enge-nhos potiguares - e uma pedreira. Na margem esquerda do rio, adquiriu para explorao a salina Carnaubinha, localizada entre os mangues de Igap e da Redinha. Com a posse das terras

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no esperava ganhar nenhum ttulo nobilirquico, mas apenas que a cidade crescesse e exigisse novos espaos para moradias. Manuel Machado introduziu no mercado imobilirio de Natal a idia e o projeto dos loteamentos.5 3 - A construo do campo Negociador hbil e empresrio experiente, Manuel Machado fez a doao de uma rea de mil metros quadrados a Paul Vachet, que depois fez nova escritura transferindo o terreno a CGA. Em troca, a M. Machado & Cia foi contratada para desmatar, limpar, nivelar e cercar o terreno onde seria construdo o aerdromo. O prazo para a concluso do servio, no contrato assinado em cartrio e datado de 21 de julho de 1927, era de 90 dias. O pagamento, doze contos de reis (12.000$000), seria feito de uma s vez, ao trmino da empreitada6. Nos anos seguintes, com a expanso das atividades da Aropostale, que viria a ser absorvida em outubro de 1933 pela Air France, Manuel Machado e a viva dele, Amlia Machado, fizeram outros negcios com os franceses, vendendo novos pedaos de a terra para a ampliao do aero porto de Parnamirim. No incio, o campo era apenas uma pista de terra batida e grama, sem iluminao eltrica ou qualquer construo. Mas, anunciando a importncia e a fama internacional que logo iria adquirir, Parnamirim comeou a operar participando de um dos grandes feitos da histria da aviao. Em 14 de outubro de 1927, s 23h45, o Brguet1685, batizado Nungesser-et-Coli, pilotado por Joseph Le Brix e Dieudonn Costes, concluiu em 19 horas e 25 minutos o vo de 3.200 quilmetros entre So Lus do Senegal e Natal. Foi o primeiro aeroplano a atravessar o Atlntico no sentido leste-oeste, sem escalas. A aterrissa-

5 - O Dirio de Natal publicou, dentro da srie "Gente Potiguar III - Os empresrios - volume 6", a biografia de Manuel Machado. A fortuna dele, administrada pela viva, chegou dcada de 80, passando depois para as mos de sobrinhos.

6 - Esses dois documentos esto reproduzidos no Captulo VIII

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7 - O episdio do encontro entre Vachet e o governador do Estado narrado pelo prprio Jos Augusto, em depoimento ("Lamartine, palmo a palmo") publicado pela Fundao Jos Augusto em homenagem ao centenrio de nascimento de Juvenal Lamartine (FJA/1974).

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gem, em Parnamirim, foi feita luz de quatro grandes fogueiras, que marcavam os ngulos do campo. As instalaes cresceriam a um ritmo acelerado. O governador do Estado, Jos Augusto Bezerra de Medeiros, cumprindo promessa feita a Paul Vachet (o aviador francs foi levado presena dele por Juvenal Lamartine, entusiasta da aviao, e o encontro foi em um bar de Natal)7, anunciou na mensagem, apresentada Assemblia Legislativa em 1 de outubro, que j mandara construir uma estrada de rodagem, ligando Natal ao campo de aviao em Pitimbu, facilitando assim a instalao da Aropostale no Estado. Essa estrada, na verdade, era uma estrada carrovel que sa do caminho que levava ao porto dos Guarapes, em Macaba, passava pelo engenho Pitimbu e acompanhava a linha frrea Natal/Nova Cruz, at o novo campo. Apesar das melhorias encomendadas pelo governo ao prefeito de Natal, Omar OGrady, no inverno a estrada ficava praticamente intransitvel. No campo de pouso, os vos regulares para o sul do Brasil foram instalados em 20 de novembro do mesmo ano, com um avio Lat-25, pilotado por Pivot, auxiliado pelos mecnicos Pichard e Gaffe. A Aropostale investia em propaganda e trouxe a Parnamirim, em maio de 1928, o jornalista Manuel Bernardino e o fotgrafo Ferreira, do jornal carioca A Noite. Os dois visitavam todos os campos da companhia no continente. Homenageado com um jantar em Natal, o reprter fez um discurso e concedeu entrevista ao Dirio de Natal (jornal ligado diocese, anterior ao atual) elogiou o campo de Parnamirim e previu que o local seria conhecido em todo o mundo. Em agosto do mesmo ano, inaugurou-se uma estao telegrfica nacional no campo e, em 27 de setembro, comeou o servio regular de correspondncias com a Europa. No mesmo dia, chegou a Parnamirim um

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Os pilotos franceses Dieudonn Costes e Joseph Le Brix, os primeiros a pousarem um avio em Parnamirim, s 23h45 do dia 14 de outubro de 1927. Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

Esta foto, reproduzida do livro de Protsio de Melo (ob. cit.), considerada como o nico registro fotogrfico da fundao do campo de Parnamirim, mas a data atribuda (1929) parece indicar que se trata, provavelmente, da inaugurao das melhorias feitas com a concorrncia do governo do Estado. Entre as autoridades presentes, est o governador Jos Augusto Bezerra de Medeiros (centro), o capito Lus Tavares Guerreiro, Dr. Alberto Roselli e o dr. Dcio Fonseca.

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8 - Os principais fatos ocorridos nos trs primeiros anos de atividades no campo de Parnamirim esto descritos no livro Histria da aviao no Rio Grande do Norte, de Paulo Pinheiro de Viveiros (03. citado)

Lat-25 completando, pela primeira vez, um vo direto entre So Paulo e Natal em 18 horas. Em novembro, a companhia abriu uma agncia em Natal, fechando um ano de bons negcios em terras potiguar: 15.565$108 (quinze ris) faturados com a venda de selos postais em Natal, Macau, Caic e Mossor, para cartas que partiram do campo de Parnamirim. Em janeiro de 1929, o Conde de la Vaux, presidente da Federao Aeronutica Internacional, chegou a Natal procedente de Paris. Fazia uma viagem de visita aos aeroclubes brasileiros e, no Rio de Janeiro, entrevistado sobre o futuro da aviao comercial, citou o aeroporto de Parnamirim como a chave dos grandes sistemas gerais de transportes areos, para a Amrica do Sul, em futuro bem prximo. Em abril daquele ano podia-se ir do Rio de Janeiro a Paris, com escala em Natal para a travessia do Atlntico em navio, em seis dias. O ano termina com um novo recorde no transporte de correspondncias - 30 toneladas entre o Brasil e a Europa - e na venda de selos postais: 28.024$600. Desde novembro era possvel comprar uma passagem em Natal, embarcar no avio em Parnamirim, voando at Buenos Aires, na Argentina. Uma carta postada em Paris, pela Aropostale, demorava apenas cinco dias para chegar a Santiago do Chile. No ano seguinte, monsieur Marcel Bouilloux-Lafont, presidente da companhia, veio inspecionar pessoalmente as instalaes em Parnamirim e a base de hidroavies franceses, instalada no esturio do rio Potengi, onde hoje a Base Naval de Natal.8 Apenas dois anos aps o incio das operaes, Parnamirim j era um dos melhores e mais bem equipados campos de pouso da Aropostale, contando com torres de rdio, sinalizao, hangares, oficinas, armazns, poos artesanais e alguns chals para hospedar os pilotos e as

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Autoridades locais recebem, em Parnamirim, os aviadores Costes e Le Brix. Reproduzida do livro de Paulo Pinheiro de Viveiros (ob. cit.)

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Vista area das instalaes do campo de Parnamirim, por volta de 1930. Os franceses j haviam construdo os hangares e outras edificaes para acomodar o pessoal de terra. Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

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famlias dos funcionrios da administrao. Em agosto de 1933, o governo francs criou a Air France e absorveu todas as companhias privadas de aviao civil. Novos investimentos foram feitos no campo e a companhia estatal francesa transferiu os hangares e demais instalaes para o outro lado da pista de pouso, onde hoje esto as instalaes da Base Area de Natal.

No incio da dcada de 30, a rea de Parnamirim ainda era um grande tabuleiro desabitado, cortado apenas por estradas carroveis e marcado pela pista de pouso e as construes do campo dos franceses. Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

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Um pequeno avio levanta vo de Parnamirim, em 1929. Na foto, alm da torre de rdio, a casa erguida para abrigar os pilotos, na qual Jean Mermoz, o heri da aviao francesa, ficou vrias vezes e que ainda se encontra de p. Reproduo do livro de Paulo Pinheiro de Viveiro. (Ob. cit.)

Novos avies comearam a operar em Parnamirim, substituindo os agora antiquados Lat-25. Desde junho de 1933, o trimotor Arc-en-Ciel de Jean Mermoz fazia a travessia do Atlntico Sul. No dia 18 de janeiro de 1934, o campo foi cenrio de batismo para o Ville de Natal, um possante quadrimotor (cada um com 600 HP de potncia), capacidade para 10.000 litros de gasolina, velocidade de 200 kl/h e uma equipagem de cinco homens que faria a travessia regular entre Dakar em Natal. Em 1934 foram feitas 18 travessias, sem incidentes, e inaugurada a linha Natal/ Buenos Aires em um s dia. Em 1940, os italianos da Ala Litottoria (L.A.T.I) juntaram-se aos franceses em Parnamirim, construindo um hotel, hangar, reservatrio dgua e escritrios no lado oeste. A Air France operou no campo at junho de 1940, quando a Frana se rendeu a Alemanha Nazista. Dois anos depois, quando o Brasil declarou guerra a Alemanha e a Itlia, a L.A.T.I tambm deixou de operar.

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4 - O verdadeiro conquistador do Atlntico Sul A importncia de Parnamirim para o desenvolvimento da aviao internacional foi reconhecida desde o incio das operaes no campo construdo pelos franceses. O conceito e a fama de ser um campo bem estruturado e estrategicamente posicionado como ponto de partida ou chegada na ponte area sobre o Atlntico Sul atraram para Parnamirim ases da aviao de todas as nacionalidades. Entre eles, as primeiras mulheres aviadoras, como a norte-americana Laura Ingalls que fazia um raid atravs do continente e pousou em Parnamirim (8 de abril de 1934) apenas pela curiosidade de conhecer o campo, do qual se falava muito nas rodas aviatrias dos Estados Unidos como um dos melhores do mundo. Tambm estiveram em Parnamirim as aviadoras Marise Basti (30 de dezembro de 1936), que completava o raid Paris-Dakar-Natal em 12 horas e 7 minutos, e Amlia Earhart (7 de junho de 1937), que tentava completar um vo ao redor do mundo (ela desapareceu com seu avio, um Lockhead-Electra, no ms seguinte, sobre o oceano Pacfico). Mas, entre todas as faanhas da aviao mundial das quais Parnamirim foi palco, uma permanece como a mais lembrada e, justamente sobre esta, paira uma dvida: quem teria realizado a primeira travessia area do Atlntico Sul, voando no sentido oeste-leste? A maioria dos historiadores aponta o piloto francs Jean Mermoz, mas h outra verso. Pesquisando nos arquivos do jornal A Repblica, o historiador Tarcsio Medeiros9 encontrou na edio do dia 6 de dezembro de 1931, provas de que o primeiro piloto a fazer a travessia area Natal/Dakar foi o australiano Bert

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9 - A narrativa da passagem de Hinkler por Parnamirim descrita por Tarcsio Medeiros em "Estudos de Histria do Rio Grande do Norte 26) Bert Hinkler, o heri do Atlntico Sul" Natal/2001 - pp. 244-248.

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Hinkler, voando em um monoplano de fabricao Pruss Moth, equipado com motor Gipsy de 120 HP, prefixo GABXY, com as cores da bandeira do Domnio Britnico ultramarino pintadas no leme, e na companhia solidria de um sagim comprado em Fortaleza, Cear. A aventura de Bert Hinkler comeou em 13 de abril de 1931, quando partiu do Canad para Nova York com o objetivo de percorrer as Amricas em um raid areo sob o patrocnio da Companhia Wakefield, fabricante do motor do monoplano. De Nova York voou at a Jamaica, em 18 horas, e de l para Fortaleza, onde acabou preso na chegada por falta da documentao necessria para ingressar no Brasil. Identificado e liberado dias depois, resolveu mudar a rota inicial que previa um vo at o Rio de Janeiro. Temendo novas complicaes com as autoridades brasileiras, decidiu-se pelo salto sobre o Atlntico Sul, entre Natal e a costa senegalesa, feito que o Mermoz havia tentado e fracassado no ano anterior. s 16h30 do dia 23 de novembro, Hinkler pousou em Parnamirim. Em Natal, o piloto ficou hospedado na casa do vice-cnsul ingls, Mr. Eric Gordon. O dia seguinte foi para a reviso, reparos e testes do monomotor, com a ajuda dos mecnicos da Aropostale. O plano de vo foi traado e ficou acertado que os avisos da companhia, que faziam a linha martima entre Natal e Dakar, ajudariam na travessia sobre o Atlntico, enviando informaes telegrficas sobre suas posies para Bathurst, possesso inglesa em Gmbia. A partida foi s 10h da manh do dia 25. Com apenas uma bssola e o sagim por companhia, Hinkler chegou a Bathurst, a cerca de 50 quilmetros de Dakar, aps 22 horas de vo. Mas, as notcias do seu sucesso s chegaram a Natal no dia 28.

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10 - Jean Mermoz nasceu em Aubenton (Aisne), em 9 de dezembro de 1901. Ingressou na aviao do Exrcito francs em 1920. Em 1924, desmobilizado, foi trabalhar com Didier Daurat na Latocre. Logo se transformou em um dos melhores pilotos da Linha. Vou sobre a frica, nos altiplanos andinos da Amrica do Sul e sobre o Atlntico, na rota Dakar/Natal. Em 17 de dezembro de 1936, quando tentava completar mais um vo Dakar/Natal, desapareceu no mar com o avio "Croix du Sud".

O feito foi notcia nos principais jornais do mundo, menos na capital potiguar, onde Hinkler preferiu o anonimato e evitou qualquer contato com a imprensa. Hinkler fez ainda vrios vos em rotas no exploradas. Morreu em 28 de abril de 1934, quando seu avio caiu nas montanhas da Toscana (Itlia). Parnamirim foi o Trampolim da Vitria para Hinkler, como foi mais tarde, em 1 de junho de 1933, para o vo de Jean Mermoz10 entre Natal e Dakar com o trimotor Arc-en-Ciel e seria, uma terceira vez, para os aliados na II Guerra Mundial.

52Jean Mermoz, o heri da aviao francesa e pioneiro nas linhas areas entre a Europa, frica e o Brasil. Natal e o campo de Parnamirim eram a sua principal base nos ltimos anos de carreira.

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1 - A aliana improvvel 2 - Parnamirim Field 3 - A Base Area de Natal 4 - Novas e velhas denominaes 5 - Como entramos na Corrida Espacial 6 - O Aeroporto Augusto Severo

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O Trampolim da Vitria

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1 - A aliana improvvel Os anos entre o fim da I Grande Guerra (1918) e o incio da II Guerra (1939) foram de extraordinrio avano nas descobertas das cincias e no desenvolvimento tecnolgico. No espao cronolgico correspondente a duas geraes, mudaram as regras de comportamento e muitos dos rgidos valores morais que subsistiam na sociedade ocidental desde a segunda metade do sculo XIX. Modernizaram-se as relaes de trabalho e o sistema educacional, mas a esse progresso do conhecimento no correspondeu uma situao de estabilidade econmica e poltica. Entre 1920 e 1940, o mundo mergulhou em uma onda de revoltas e revolues deflagrada pela vitria comunista na Rssia e por movimentos nacionalistas que se espalharam da Europa Central sia. Essa onda derrotou as instituies democratas e liberais em quase todos os continentes. A hegemonia dos antigos imprios, enfraquecidos por uma crise econmica sem precedentes, ruiu nas colnias. Regimes fascistas e governos autoritrios, tanto de direita como de esquerda, instalaram-se no poder como alternativas populistas e demaggicas falta de expectativa da classe mdia pequena burguesa e das massas trabalhadoras.

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1 - A insatisfao dos jovens oficiais do Exrcito com a classe poltica explodiu em 05 de julho de 1922, com uma tentativa de levante armado contra a eleio do presidente Artur Bernardes. A revolta ficou concentrada ao Forte de Copacabana (Rio de Janeiro), onde foi derrotada em poucos dias. A resistncia dos revoltosos, um grupo de 18 militares, ficou conhecida como o episdio dos "18 do Forte". Entre eles, estava o futuro brigadeiro Eduardo Gomes.

No Brasil, a dcada de 30 comeou com a revoluo liderada por Getlio Vargas. O golpe de Estado foi uma conseqncia da centralizao da poltica federal no eixo Minas-So Paulo e do descontentamento das lideranas da pequena burguesia urbana com um governo voltado para os interesses dos grandes produtores rurais. No ano anterior, a oposio tinha se unido em torno da Aliana Liberal, lanando Getulio Vargas para presidente e Joo Pessoa para vice, mas perdera as eleies. O assassinato de Joo Pessoa, na Paraba, cometido por um desafeto pessoal, foi a senha para o incio do movimento armado, apoiado pelos militares do movimento tenentista1 da dcada de 20 e latifundirios de outros estados excludos do crculo do poder federal. O Rio Grande do Norte vivia, naquele ano, o boom da aviao comercial internacional, mas no tinha, apesar disso, qualquer importncia econmica ou poltica no cenrio nacional. A populao, no interior, dependia do trabalho assalariado na cultura do algodo e, nos centros urbanos maiores, dos rendimentos com o comrcio. A primeira e nica fbrica existente na capital do Estado - A Fbrica de Fiao e Tecidos Natal, fundada por Jovino Barreto em 1888 - tinha sido fechada cinco anos antes. A Revoluo de 30 no veio para mudar essa realidade nem quebrou a estrutura de poder existente. O governador Juvenal Lamartine, herdeiro da tradio poltica dos coronis seridoenses, no apoiava o movimento, mas tambm no organizou qualquer resistncia. Fugiu com a famlia e alguns correligionrios para Paris (Frana). As tropas revolucionrias, sob o comando do major Lus Tavares Guerreiro - o mesmo que localizou para os aviadores franceses o terreno de Parnamirim - assumiu o controle do Estado, dissolveu os governos municipais e a Assemblia Legislativa. A Junta Governativa Militar governou por seis dias. Nos arranjos e

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acomodaes de foras que se seguiram, mesmo alguns dos antigos adversrios da Aliana Liberal - a coligao que apoiou Getulio Vargas nas eleies perdidas, motivo que deflagrou o golpe - voltaram a ocupar posies de mando no governo dos interventores estaduais. Instalado no Rio de Janeiro, o governo de Getlio Vargas cultivou simpatias pelos modelos nacional-socialistas de Hitler, que tomara o poder na Alemanha, e pelo trabalhismo de Mussolini, na Itlia. A mistura dessas correntes polticas de direita levou construo de uma ditadura nacionalista que iria se estabelecer no Brasil por 15 anos.2 Contestado pelas armas (em 1932, com a revoluo constitucionalista de So Paulo; em 1935, ano do levante comunista no Rio de Janeiro e Natal; em 1937, com a revolta integralista no Rio), Getulio Vargas iria buscar no populismo a aparncia de legitimao de que precisava. Foram criadas leis para proteger os trabalhadores, remodelaram-se o sistema educacional e eleitoral (em 1935 foram realizadas eleies para uma Constituinte), e se acelerou o processo de urbanizao do Pas. Mas, as mudanas na estrutura da sociedade eram lentas e no final da dcada a ditadura de Getulio Vargas estava diante de um impasse: sem conseguir romper com a estrutura agrria no interior, no conseguia superar os obstculos industrializao do Pas, base para um novo modelo econmico, ou para uma verdadeira revoluo nas estruturas polticas. Em 1940, metade do mundo j estava em guerra. Em setembro de 1939 as tropas de Hitler haviam invadido a Polnia. A conjuntura internacional no poderia ser mais contrria atrao de investimentos que impulsionassem os planos econmicos de desenvolvimento nacional. Oficial-mente, o Brasil era neutro. Mas, no governo de Getlio Vargas quem nutria simpatias pelo nacional-

2 - Deposto do governo em 1945, pelos militares, Getlio Vargas voltaria presidncia pelo voto direto, em 1951, depois de ser eleito pelo PTB no ano anterior, com 3.849.040 votos - derrotando o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN, que obteve 2.342.384 votos. Em 05 de agosto de 1954, Getlio Vargas matou-se com um tiro no peito, dentro do Palcio do Catete, pressionado pela campanha oposicionista liderada por Carlos Lacerda que o acusava de corrupo e desmandos.

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3 - Naquela semana, um nico submarino alemo atacou e afundou no litoral do Nordeste cinco navios brasileiros, causado a morte de cerca de 600 pessoas. Diante da revolta popular e das crticas na imprensa, o governo no tinha outra alternativa a no ser decretar o estado de guerra.

socialismo de Hitler no se preocupava em escond-las. O prprio presidente, em discurso de 11 de junho de 1940, elogiando o desempenho da Marinha Brasileira na Batalha Naval de Riachuelo, fez aluses positivas s vitrias alems na Europa e causa nazista. Era uma posio dbia, uma vez que o governo brasileiro negociava, desde 1934, programas de cooperao militar com os Estados Unidos. Em maio de 1939, o Brasil havia participado da Conferncia de Lima (Peru) e assinado os Acordos de Washington, comprometendo-se a cooperar com os EUA na eventualidade de uma guerra. A repercusso do discurso de junho aumentou as presses norte-americanas sobre o fim da neutralidade brasileira. A proposta de defesa continental dos Estados Unidos previa a cesso de bases militares - terrestres, navais e areas - na faixa litornea do Brasil que ia do Rio de Janeiro ao Amap. A contrapartida viria em forma de abertura de crdito para a compra de material blico, assessoria tcnica e modernizao das foras armadas brasileiras, alm do financiamento para a construo da Usina de Volta Redonda (RJ), a primeira siderrgica nacional. Diante da resistncia do Estado Maior brasileiro, os norte-americanos chegaram a preparar planos de invaso para tomarem a regio Nordeste, caso um acordo diplomtico no fosse fechado. Com o desenrolar da guerra na Europa, o governo Vargas se viu forado a assinar um acordo de defesa mtua (julho de 1941), ceder as reas para a instalao de bases norte-americanas no Nordeste (outubro de 1941), romper relaes diplomticas com a Alemanha, Itlia e Japo (janeiro de 1942) e, por fim, em 22 de agosto, declarar guerra aos pases do Eixo.3 A construo das bases naval e area, em Natal, seria fruto desses acordos. A Base Area daria o impulso decisivo para o surgimento da cidade de Parnamirim.

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2 - Parnamirim Field Os militares norte-americanos comearam a chegar a Natal antes mesmo da formalizao do acordo BrasilEstados Unidos (outubro de 1941) e da declarao de guerra do governo Vargas aos pases do Eixo (Alemanha, Itlia e Japo). Segundo o historiador Lenine Pinto, no dia 26 de junho de 1941 passou pelo campo de Parnamirim os primeiros avies-bombardeiros da U.S Air Force. Fizeram uma escala tcnica, para reabastecimento, disfarados de cargueiros comerciais, no vo para a ilha de Asceno. O destino final estava na frica, a cidade de Bathurst, em Gmbia, possesso inglesa vizinha a Dakar, ento em poder do governo de Vichy, o marechal francs que se rendeu e fez um acordo de cooperao com Hitler. Um ms depois da passagem dos bombardeiros, o governo brasileiro autorizou a Panair do Brasil - subsidiria da matriz de aviao civil norteamericana - a construir, melhorar e aparelhar os aeroportos entre o Amap e Salvador, com o fim de permitir a sua utilizao por aeronaves de grande porte, Comearam, ento, a desembarcar em Natal as equipes tcnicas da Airport Division (ADP).4 Eram, na verdade, militares americanos que chegavam para a construo de Parnamirim Field, o maior campo de aviao e base de operaes militares que os Estados Unidos viria a ter, durante a II Guerra, fora do seu territrio. A presena oficiosa dos engenheiros militares americanos em Natal irritou o general Cordeiro de Farias, comandante local da guarnio do Exrcito e um dos simpatizantes da Alemanha, dentro do Estado Maior brasileiro. A situao ameaou ficar tensa, mas a interveno do almirante Ary Parreiras, encarregado de estabelecer a Base

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4 - Para saber mais sobre a presena dos norte-americanos em Natal, leia o livro de Lenine Pinto (Os Americanos em Natal) e "A Contribuio Norte-Americana Vida Natalense", do historiador Protsio Pinheiro de Melo.

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Naval, evitou um confronto diplomtico. O general Cordeiro de Farias no tinha sido comunicado oficialmente, mas o interventor Rafael Fernandes, sim. O Ministrio da Justia, atravs de expedientes confidenciais, ordenara ao interventor estadual todas as facilidades para a entrada dos tcnicos em aviao norte-americanos, que chegavam sem passaportes pelo porto de Natal. Os preparativos para a construo do campo de aviao em Parnamirim e os melhoramentos na Base de Hidroavies da Rampa haviam sido iniciados cinco meses antes com a chegada a Natal do engenheiro Dcio Brando (a 25 de maro de 1941), representante oficial da ADP, que veio para fazer o levantamento da rea. Sem conseguir engenheiros locais que o auxiliassem na tarefa, Dcio Brando precisou treinar 20 pescadores para os trabalhos de agrimenso, em Parnamirim . Em maio, chegou o primeiro superintendente americano das obras, Serge Mejido. Para manter as aparncias da participao conjunta nos esforos de guerra e salvar a auto-estima brasileira, o governo criou por decreto a Base Area de Natal. A pista

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de pouso das companhias comerciais, de barro batido com 700 metros de comprimento e 40 de largura, dividia ao meio o campo de Parnamirim. Os brasileiros ficaram com o lado oeste, onde j estavam as instalaes da Air France e da companhia de aviao italiana (L.A. T. I), desativadas desde o incio da guerra na Europa. Eram instalaes modestas demais para atender o esforo de guerra dos aliados e os americanos preferiram ocupar o lado leste. L eles estavam construindo um novo campo, a Base Leste: Parnamirim Field. O financiamento e a direo do projeto ficaram totalmente a cargo do governo norte-americano. O objetivo era montar, equipar e preparar uma base de operaes que pudesse receber unidades tticas de combate de grande envergadura, o suficiente para enfrentar qualquer ameaa segurana do Hemisfrio Ocidental, servindo de apoio para uma rota area cobrindo toda a vastido do Atlntico Sul at a frica, oferecendo proteo aos comboios de navios para a Europa e criando um corredor de transporte para o sul da Europa. Para as obras foram contratados seis mil operrios, na poca um exrcito de migrantes do interior do Estado

Planta do oleoduto construdo pelos norte-americanos (o pipe-line) para levar combustvel dos tanques que ficavam nas dunas do atual bairro de Santos Reis at a base em Parnamirim. Reproduo da planta original, nos arquivos da Base Area de Natal.

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que se movimentava dia e noite sob as ordens do capataz Jos Aguinaldo de Barros. Os trabalhos comearam em novembro de 1941, mas s foram acelerados em maro de 1942. A Base Leste dos norte-americanos custou 9,5 milhes de dlares, segundo relatrio de uma comisso militar conjunta Brasil/EUA, datado de setembro de 1946, gastos no mercado de material de construo local e de outros Estados nordestinos (material e equipamentos trazidos dos Estados Unidos no foram contabilizados). Foram construdas duas novas pistas de pouso asfaltadas, com capacidade para operao de avies-bombardeiros de porte mdio, mais seis pistas secundrias de rolagem, doze reas de estacionamento pavimentadas, dez hangares e todo o equipamento de auxlio navegao rea, comunicao, iluminao, depsitos de combustveis e de gua, um pipe line com mais de 20 km de extenso entre o Campo de Tanques das Dunas (o bairro natalense de Santos Reis) e a Base Leste, armazns para peas sobressalentes, munies e vveres que seriam consumidos aqui ou transportados para o teatro da guerra.

A cidade de lona, com centenas de barracas de campanha, que os norte-americanos ergueram em Parnamirim Field para acomodar o excesso de contingente caminho do teatro da guerra, no Norte da frica. Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

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A rea que deveria ser ocupada era de 5.577.692,61 m, vrias vezes maior do que as dimenses originais do campo francs. Para isso, o governo brasileiro desapropriou terrenos em volta do campo que pertenciam a vrios donos. A Viva Machado (Amlia Duarte Machado) era ainda a grande proprietria dos terrenos em Parnamirim. Dela, o governo desapropriou 80% da rea necessria. As outras reas estavam nas mos de Francisco Alcides Ribeiro, Virglio de Oliveira Lins, Guglielmo Lettieri, Alfredo Lyra, Jos Pereira da Silva - todos comerciantes, criadores de gado ou homens de negcios de Natal, que haviam investido na valorizao dos terrenos prximos ao campo de aviao - e, uma pequena faixa de 1.578,41 metros quadrados da Standart Oil Company of Brazil. Parnamirim Field tinha 600 edificaes (Cmara Cascudo chegou a escrever que eram 1.500)5, a maioria barraces com paredes de alvenaria e teto de zinco, que permitiam alojar 1.800 oficiais e 2.700 praas. Em certos momentos de maior trnsito de pessoal e a eronaves, essas instalaes ficaram lotadas e ento foi levantada uma verdadeira cidade de lona, em que cada barraca podia alojar at 10 homens. Para transportar at a base as cargas que chegavam em navios desembarcadas no Porto de Natal, os norte-americanos construram uma nova estrada para Parnamirim. A estrada teve um carter de urgncia estratgica. Foi aberta e pavimentada, com 20 Km de extenso, em seis semanas. O trajeto entre a capital e o antigo campo de aviao, que era feito em trs horas por uma estrada de barro, quase uma trilha, passou a ser feito em 20 minutos. Considerada pelos natalenses uma obra-prima da tecnologia norte-americana, a pista, como ficou conhecida, serviu durante vrias dcadas ao trfego entre Natal e Parnamirim. Pedaos do velho asfalto ainda podem ser vistos, ao lado da duplicao da BR 101.

5 - Por causa da necessidade de segurana e do sigilo que cercavam as atividades em Parnamirim Field, vrios comentrios desencontrados e exageros foram cometidos em relao dimenso real do campo e dos seus efetivos. Rui Fonseca Cmara, funcionrio aposentado da Base Area, em depoimento ao historiador Protsio de Melo (obra citada), chama a ateno para o fato de que "muita gente pensava que a Base tinha mais de 1.500 prdios, pois via a numerao de 1300, 1400 e 1500. Na verdade, eram apenas 600 prdios.". Agrupados em blocos estratgicos, os prdios tinham numerao codificada, sendo os dois primeiros algarismo identificadores da destinao a qual eram reservados.

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Avies de transportes estacionados na rea de operaes de Parnamirim Field (1943). Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

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Vista area das instalaes militares de Parnamirim Field (1943), com alguns avies no ptio de estacionamento. Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

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Com as freqentes mudanas no cenrio da guerra, as exigncias de novas obras eram contnuas. Ningum sabe ao certo quantas pessoas trabalhavam na Base americana durante aqueles anos. O historiador Antnio Barroso Pontes calcula que quarenta mil pessoas, entre civis e militares de vrios pases, trabalhavam na construo do aeroporto.6 Estatsticas do Air Transport Command norteamericano que operou em Parnamirim registram um staff de 88 mil pessoas, sendo 20 mil civis. O Departamento de Estado dos EUA, por razes de segurana, nunca divulgou o contingente militar mobilizado para Natal, mas estimativas mais realistas ficam em torno de 10 mil homens.7 No ltimo ano da guerra, os civis que trabalhavam na Base americana eram a metade deste total. A maioria deles, imigrantes do interior potiguar e de outros estados, atrado pela promessa de trabalho e dlares americanos, chegava sem nada nem ningum para receb-los em Natal. Passaram ento a ocupar as faixas de terra vizinhas cerca da Base Oeste, ao longo da via frrea, onde j moravam alguns dos ex-funcionrios locais da Air France. Esses imigrantes construram, com palhoas e ruas desalinhadas, o ncleo original da futura cidade de Parnamirim. Em Parnamirim Field, o comando militar tinha a preocupao de dar aos soldados sediados todo o conforto e bemestar possveis. Existiam quadras de esportes, trs campos de beiseball, discoteca, cinema, sorveteria, capela, teatro, cassinos para oficiais e praas, e dois jornais, ambos semanrios. O The Sard Weekly Post circulou entre 1943 e janeiro de 1946 e trazia artigos sobre o esforo de guerra, as atividades na base, notcias sobre as relaes Brasil/Estados Unidos e crnicas de colaboradores. O Foreign Ferry News, com um formato e contedo mais noticioso, comeou a circular em 16 de maio de 1943 e se manteve at 1945, mas tinha circu-

6 - Cangaceirismo do Nordeste, edies O Cruzeiro - Rio de Janeiro/1973 - pp. 75. Esse Antonio Pontes era o proprietrio de terras e casas de aluguel na periferia de Parnamirim, genro da viva Machado, que se mudou para Joo Pessoa (PB) e depois para o Rio de Janeiro, onde veio a ser formar como bacharel em Direito. 7 - Natal, a capital e maior cidade do Rio Grande do Norte, tinha em 1940 cerca de 55 mil habitantes. O fluxo migratrio, ocasion tas de empregos braais para a construo da Base Area, fez com que a capital fechasse a dcada com 103 mil habitantes, em 1950 (Clementino, Maria do Livramento Miranda - em Impacto Urbano de uma Base Militar: a Mobilizao Militar em Natal durante a II Guerra, ob. cit.)

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Mapa das instalaes de Parnamirim Field, elaborado pelo U.S. Engineer Office, datado de 12 de outubro de 1943. A numerao indicava a atividade a que estava destinado o edifcio e a qual seo estava ele subordinado, sem relao com a quantidade de edificaes erguidas na base. Reproduo do original que se encontra nos arquivos da Base Area de Natal.

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lao restrita ao pessoal militar norte-americano. Este ltimo era impresso nas oficinas do jornal A Repblica. Parnamirim Field tambm foi campo de escala para vos e viagens de personalidades famosas, como artistas de cinema a caminho do front europeu para divertirem as tropas: o ator Humphrey Bogart (em 1943), a atriz Kay Francis (em 1943 e 1945), o comediante Joe Brown e vrios outros, alm de autoridades aliadas, como madame Chiang Kai Chek, a mulher do general que presidia a China (em 1943), Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos (embarcou de Parnamirim em 28 de janeiro de 1943, aps se encontrar com o presidente Getlio Vargas a bordo de um navio ancorado no rio Potengi)). A preocupao com o lazer parecia ser parte de uma poltica de compensao e tambm uma tentativa para minimizar as necessidades que os soldados pudessem vir a ter de deixar o mbito da base. As relaes entre os militares norte-americanos e os civis nativos, apesar das benfeitorias e das oportunidades de empregos e dos negcios para o comrcio local, nunca foram inteiramente amistosas. Nas ruas de Natal ocorriam brigas e, dentro da Base Leste, a animosidade era latente. Talvez o alto clima de tenso que ali se vivia a disparidade de costumes raciais entre brasileiros e americanos, j ento bastante acentuada, tenham sido a causa de um ambiente que j se mostrava desagradvel, lembra o historiador Paulo Pinheiro de Viveiros. Para apaziguar os ni-

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mos, chegou a ser criado dentro da Base Leste, em 1945, o cargo de Chefe de Polcia. Naquele ano, cinco mil civis brasileiros trabalhavam para os americanos. Mas, o fim do conflito mundial j estava prximo, assim como a desmobilizao dos norte-americanos. Paulo de Viveiros, nomeado para o cargo, no chegou a assumir as funes. Parnamirim Field foi, em termos tticos, uma base de apoio s aes de guerra no Atlntico e no Norte da frica, com um trnsito ininterrupto de homens, armas e equipamentos. A mdia de avies que desciam e subiam da base norte-americana chegou a ser de 600 aeronaves/dia. Em termos estratgicos, foi a base de um tringulo que apontava para o teatro de operaes (o norte da frica e o sul da Europa), onde a sorte dos aliados contra os nazistas estava sendo lanada. Este tringulo era identificado nos mapas estratgicos norte-americanos como Trampoline of Victory. E foi com essa denominao que Parnamirim Field recebeu citaes e referncias em documentos e elogios futuros. Reconquistado o Norte da frica e consolidado os desembarques no sul da Itlia e na Normandia (Frana), em junho de 1944, Parnamirim Field j no tinha tanta importncia estratgica como no incio da guerra, mas ainda era uma escala essencial para o trfego areo em direo a Europa. Somente em outubro de 1946, dezessete meses aps a rendio da Ale-manha, a Base Leste foi entregue a Fora Area Brasileira.

71Vista parcial das edificaes no setor operacional de Parnamirim Field, em um dia de pouco movimento na pista de pouso (ao fundo). Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

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Reproduo da primeira pgina do jornal Foreign Ferry News, editado pelos norte-americanos e impresso nas oficinas do jornal A Repblica, para circulao entre o pessoal de Parnamirim Field.

3 - A Base Area de Natal O incio da Base Area de Natal (criada pelo DecretoLei 4.142, de 02 de maro de 1942) confunde-se com a histria de Parnamirim Field. Mas, ao contrrio da Base Leste, construda e ocupada pelos militares norte-americanos, a Base Oeste, sob comando dos brasileiros, enfrentou dificuldades e teve que superar carncias para conseguir se instalar, operar e atender as misses que lhe seriam confiadas. Na diviso do antigo campo de pouso dos franceses entre os militares das duas nacionalidades, os brasileiros ficaram com a ala oeste, limitada por uma cerca de arame, paralela aos trilhos da estrada de ferro e com porto de acesso para a pequena vila de Parnamirim. Na rea, existia um hotel para passageiros, construdo pelos franceses, que foi ocupado pelos setores administrativos da Base e adaptado para ser tambm o Cassino dos Oficiais. A companhia de aviao italiana havia deixado dois hangares da companhia italiana e um deles virou alojamento para os praas, abrigando ainda os servios do Agrupamento de

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Programa de rdio, transmitido para os EUA direto de Parnamirim Field, como parte dos esforos para levar entretenimento ao pessoal militar. Foto cedida por Leonardo Barata, do Museu da Aviao e da II Guerra.

Caa (avies P-40). Mais dois prdios deixados pela Air France viraram alojamentos e rancho dos Sargentos, alm de abrigarem o Centro Mdico, aproveitando tambm as duas estaes radiotelegrficas. Aquelas eram todas construes antigas e inadequadas para atenderem s atividades militares. Os praas ficaram sem local para rancho, o banheiro com 50 chuveiros e seis vasos sanitrios era provisrio, o abastecimento dagua era feito atravs do antigo poo da Air France e outros tiveram que ser perfurados. A energia eltrica era fornecida pela usina da Companhia Fora e Luz, instalada em Natal, mas havia interrupes constantes no servio. Reparou-se um gerador deixado pela L.A.T.I. para atender as necessidades de um fornecimento constante de energia. Cinco meses depois da instalao da Base brasileira, o primeiro comandante, major aviador Carlos Alberto de Filgueira Souto, enviou um relatrio de ocorrncias para o comando da 2 Zona Area, sediado em Recife, relatando as dificuldades8: a construo dos prdios necessrios ao pleno funcionamento da Base ainda no estava concluda;

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8 - Este documento est reproduzido no livro do historiador Fernando Hyplito Costa, "Histria da Base Area de Natal"- Editora da UFRN/1980 - pp. 58-64

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Antigo prdio do comando na Base Oeste. Foto Ana Amaral.

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Antigo centro mdico da Base Oeste, onde operavam os militares brasileiros durante a II Guerra. Foto Ana Amaral.

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faltavam bombas para os avies e a Companhia de Guarda dependia dos americanos para o fornecimento de armas e munio; havia carncia de suprimentos, atribuda ao desabastecimento e alta dos preos no comrcio local; precariedade nos meios de transportes e insuficincia de aeronaves, material sobressalente e pessoal para atender as misses de vos. Em dezembro, a Base Area de Natal dispunha de 18 avies - entre caas, transportes e aeronaves de patrulha e reconhecimento - e um efetivo de 177 homens. O trabalho era ininterrupto, dividindo-se entre as exigncias da guerra e os vos do Correio Areo Nacional (CAN). Os oficiais aproveitavam os vos do CAN para fazer os treinamentos de navegao area e, apesar dos exerccios de tiro sobre alvos fixos, faltava uma aeronave para rebocar uma biruta. Os pilotos ficavam sem treinamento de tiro sobre alvos mveis. As instalaes precrias e a limitao na aparelhagem da Base eram um reflexo do descaso dos comandos militares brasileiros, que at o incio da guerra no viam importncia estratgica na regio Nordeste, e da falta de recursos do governo para custear uma mquina blica altura das novas necessidades. O trabalho dos militares e civis, engajados na tarefa de construo, acabou sendo decisivo para superar essas dificuldades. Em janeiro de 1944, ao ser entrevistado pelos jornais cariocas sobre os esforos de guerra brasileiros, o general Joo Batista Mascarenhas de Morais, comandante da Fora Expedicionria que seria enviada Itlia, pde afirmar que a primeira grande revelao a Base de Natal. Para quem viu h dois anos atrs os primeiros passos daquela obra, hoje monumental, fcil julgar com acerto todo o valor daqueles que fizeram do centro aeronutico do Nordeste uma das mais notveis bases conhecidas. Muito se tem dito da impor-

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9 - Citado pelo historiador Protsio de Melo (ob. cit. - pp. 23)

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tncia daquele trampolim para as lutas da Europa e, de fato, sua relevncia na remessa do material para o teatro da luta, nos continentes africano e europeu, ressalta-o como fator decisivo para a vitria aliada.9 Apesar do reconhecimento oficial, a estrutura operacional da Base brasileira, no que diz respeito aos efetivos e equipagens, seguia sob o ritmo frentico do desenrolar das batalhas travadas do outro lado do Atlntico e da incerteza na disponibilidade dos sempre limitados recursos do governo para os esforos de guerra. Em meados de 1945, o problema da insuficincia de pessoal, de aeronaves e material sobressalente ainda no tinha recebido uma soluo definitiva. A utilizao dos avies P-40 (caas), em misses de patrulha e proteo aos comboios martimos, era excessiva. Em junho daquele ano, das 32 aeronaves designadas na Base brasileira, apenas seis estavam disponveis para vos. Entre os 10 bombardeiros B-25, apenas quatro apresentavam condies de voar. A Base tinha ainda um B-18 M (Bombardeiro Douglas) que estava em manuteno em So Paulo e j contabilizava 3.010 horas de vo e 161 aterragens. A carncia de material e avies s desapareceria com a entrega, pelos americanos, da Base Leste, em outubro do ano seguinte. 4 - Novas e velhas denominaes A nova area sob o comando brasileiro era pelo menos quatro vezes maior e uma das primeiras providncias foi ampliar o efetivo da Companhia de Guarda em mais dois pelotes. A transferncia, completada em 1 de outubro de 1946, foi lenta e gradual, de acordo com a importncia das instalaes que estavam sendo passadas para mos nacionais e que no podiam deixar de

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funcionar. Apesar dos cuidados, pelo menos um setor foi esquecido na Base Oeste: a Seco de Estatstica. Comodamente instalados prximos s residncias na vila de Parnamirim, no prdio do comando da base que estava sendo desativada, os trs funcionrios da seco Antenor Neves de Oliveira, Eliah Maia do Rego e Adauto Fernandes de Figueiredo - no se preocuparam com a mudana e s foram descobertos meses depois, por acaso, recebendo ordens para tambm se mudarem para a Base Leste.10 Abandonada, literalmente, pelos militares brasileiros, a Base Oeste passou mais de uma dcada esquecida, at vir a ser ocupada, em parte, pelo servio de aviao do governo do Estado, criado pelo governador Aluzio Alves (1961-1965). De incio, foram utilizados um hangar e um prdio que servia de almoxarifado, sala de rdio e escritrio. Mais tarde, o governo estadual pensou aproveitar as outras dependncias para instalar a Cidade da Criana, sede de um projeto educacional que os militares, no poder desde abril de 1964, no viam com bons olhos. Os alunos da Cidade da Criana andavam fardados de verde, eram conhecidos como a guarda-mirim de Aluzio Alves, e suspeitava-se - com alguma dose de razo - que nas aulas de formao cvica estava se fazendo tambm a doutrinao daquelas crianas em torno da figura carismtica e populista do governador. Em 1 de dezembro de 1967, o Ministrio da Aeronutica ordenou ao comando da Base Area de Natal que iniciasse estudos imediatos sobre a desocupao e a recuperao da Base Oeste, a fim de evitar o aumento da depredao por parte das pessoas que ali se encontravam alojadas e permitir o aproveitamento daquelas instalaes.

10 - O episdio est relatado por Hyplito Costa (ob.citada. pp. 151). Antenor Neves chegou a ser eleito prefeito de Parnamirim para dois mandatos. Eliah Maia do Rego tornou-se um dos mais influentes educadores, articulador poltico e lder comunitrio da cidade.

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Eram os anos da linha dura dos governos militares e a Base Area de Natal - BANT, integrada ao sistema defensivo areo brasileiro, desenvolvia vrias operaes militares, entre elas os treinamentos antiguerrilha e de guerra revolucionria. No perodo mais negro da represso, a BANT tambm cedeu suas dependncias para a priso de opositores ao regime militar, ficando conhecida entre militantes da esquerda poltica como centro de represso e torturas. Mas, tambm soube se fazer presente em momentos difceis para a populao civil do Estado: em maio de 1967, as aeronaves e militares da Base haviam se destacado nas operaes de socorro s vitimas das enchentes ocorridas em abril, no interior do Rio Grande do Norte. Mossor e cidades vizinhas, ilhadas, receberam medicamentos, alimentos e outros tipos de ajuda atravs de uma ponte area instalada pelos avies da FAB. A ao ficou conhecida como Operao Rumbaera. Em 24 de fevereiro de 1970, uma portaria do Ministrio da Aeronutica extinguiu a Base Area de Natal. Em seu lugar, surgiu o Centro de Formao de Pilotos Militares, o CFPM. As instalaes e os equipamentos foram destinados, a partir de ento, ao treinamento de pilotos para a Academia da Fora Area e para os quadros de oficiais-aviadores da reserva da FAB. Em conseqncia, pessoal e aeronaves do 5 Grupo de Aviao, que operavam em Parnamirim desde 1947 na formao de aspirantes, foram transferidos para Recife. Os avies que chegavam, os T-23, eram monomotores simples para o treinamento. Em trs anos de atividades, o CFPM formou 1.047 pilotos militares brasileiros e 36 estrangeiros. Em 29 de novembro de 1973, mudou-se mais uma vez a denominao e as instalaes da Base passaram a ser conhecidas como Centro de Aplicaes Tticas e Recompletamento de Equipagens (CATRE). Alm da formao de pilotos, foram

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designadas duas novas misses: testar e avaliar sistemas de armas e equipamentos; desenvolver e experimentar novas tticas de combate. Para isso, chegaram novos avies de combate: o AT-26 Xavante. No final de 1990, a FAB simplificou a denominao do campo para Comando Areo de Treinamento, mantendo a mesma sigla. Em dezembro de 2001, para atender as necessidades de treinamento e operacionalizao na regio amaznica, cortando tambm alguns gastos do oramento, a Aeronutica desativou o Comando Areo de Treinamento e reativou a Base Area de Natal. No material divulgado para os jornais, pela ass