Historia de Surdos Gisele Rangel

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  • 1. GISELE MACIEL MONTEIRO RANGELHISTRIA DO POVO SURDO EM PORTO ALEGRE IMAGENS E SINAIS DE UMA TRAJETRIA CULTURALDissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao emEducao da Faculdade de Educao da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul, para obteno do ttulo de Mestre.Orientador: Professor Dr. Carlos Bernardo SkliarPorto Alegre Dezembro de 2004

2. GISELE MACIEL MONTEIRO RANGEL Professor Dr. Carlos Bernardo Skliar------------------------------------------------------------------------------ Orientador ___________________________________________________________________ Professora Dra. Gldis Tersinha T. Perlin ----------------------------------------------------------------------------- (Professora da Universidade Federal de Santa Catarina) ___________________________________________________________________ Professora Dra. Maura Corcini Lopes ----------------------------------------------------------------------------- (Professora da Universidade do Vale dos Sinos) ___________________________________________________________________ Professora Dra. Rosa Hessel Silveira ----------------------------------------------------------------------------- (Professora da Universidade do Rio Grande do Sul) 3. DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO-NA-PUBLICAO-CIP R196h Rangel, Gisele Maciel Monteiro Histria do povo surdo em Porto Alegre : imagens e sinais de uma trajetria cultural / Gisele Maciel Monteiro Rangel. - Porto Alegre : UFRGS, 2005. f.Dissertao (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educao. Programa de Ps-Graduao em Educao, Porto Alegre, BR-RS, 2005. Skliar, Carlos Bernardo, orient. 1. Surdo - Cultura - Histria - Porto Alegre. 2. Surdo - Imagem - Fotografia - Narrativa. 3. Estudos culturais. I. Skliar, Carlos Bernardo. II. Ttulo.CDU - 376.353:008:77(816.51)(091) 4. 4AGRADECIMENTOS Agradeo pelo apoio sentido em diversas ocasies. Nunca fiquei sozinha,diferentes pessoas apoiaram-me em diferentes ocasies. Graas a esse apoio pudedesenvolver meu trabalho, pois sempre encontrei uma palavra de apoio e afeto. Muitastrocas ocorreram, o que ocasionou um crescimento pessoal e a descoberta de novashabilidades que eu no sabia que eu tinha.Nessas pessoas encontrei sempre um sorriso amigo, muita afetividade que setransformaram em estmulo na hora de dificuldades. Muitos momentos difceis, muita vontade de desistir, mas quando vejo otrabalho pronto, sei que esta ser uma marca que guardarei e recordarei por toda a vida. Inicio agradecendo Secretria do Programa de Ps-Graduao da UFRGS,por ter aceito, que j vivemos em comunidades diferentes, mas ligadas. Agradeo peloapoio. Aos meus colegas do NUPPES, pelas diversas experincias vividas. Aos professores do PPGEDU, pelas trocas e apoio recebido nesta caminhada. Ao Skliar pelas trocas sobre a teoria acrescentando-me e aperfeioando o meulado de pesquisadora. Tambm pelas trocas sobre s culturas as quais pertencemos. 5. 5 Elisiane, pelo apoio dado. Sem ela talvez esta pesquisa fosse diferente. A Marianne, amiga de tanto tempo, pela cumplicidade neste trabalho. A Gldis, que atravs de suas provocaes, ensinou-me muitas coisas e pelasteorias, onde debatamos e crescamos. A Maura, que compartilhou comigo toda a sua experincia e conhecimento. A Adriana Thoma, pelas trocas de didtica da metodologia, questeslevantadas . A Raquel, a primeira surda com a qual conversei, que com sua simplicidadeaceitou relembrar o passado e compartilh-lo comigo. Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul pelo emprstimo do material epor ter apoiado minha pesquisa ajudando-me sempre que necessrio. Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos por ter sido o localonde iniciei minha caminhada poltica. A Lodenir, que com simplicidade e afetividade apoiou-me na parte escrita etambm pelas trocas realizadas. A Denize que sempre esteve disponvel quando precisei. A Maria Cristina, pelas trocas, apoio e pelas interpretaes feitas. Meu agradecimento aos interpretes que me auxiliaram nesta jornada. Aos participantes da banca que me aconselharam as melhorias do meu trabalho,fazendo com que eu parasse e refletisse sobre as questes levantadas. 6. 6As todas as pessoas, que no foi possvel nomear, meu muito obrigada. Te-nham certeza que sero inesquecveis.As pessoas entram e saem de nossas vidas.Elas nunca vo sozinhas e nunca nos deixam ss.A minha famlia que me deu toda a estrutura para que eu pudesse aceitar osdesafios, superar os obstculos, visualizando o futuro melhor.E por fim quero agradecer duas pessoas muito importante para mim: meu pai emeu marido.Ao meu marido Marco, que teve toda a pacincia compreendendo quando ficavasozinho aos fins de semana, sabendo me apoiar nos momentos difices, sorrindo a cadaconquista minha.Ao meu pai, que, mesmo que nossas lnguas sejam diferentes, sempre deixouclaro o orgulho que tem de mim. Tambm pelos vrios gestos feitos. Estes me derambase para que eu seguisse tranqila e construsse minha vida.A minha sobrinha Isadora que sempre foi a luz nos momentos difices. Ailuminao necessria que precisei para continuar minha jornada. 7. 7A cultura popular no s nosso passado, mas tambm nosso futuro.Julio Caro Baroja 8. RESUMO: Esta dissertao, Histria do Povo Surdo em Porto Alegre, Imagens e Sinais deuma Trajetria Cultural traz a narrativa, atravs de fotografias, da evoluo daspolticas surdas em Porto Alegre. O Referencial terico utilizado para embasar asnarrativas em seus contextos histricos e culturais foi o dos Estudos Surdos, EstudosCulturais e Anlise de Fotografias.A documentao destes eventos importantes para o povo surdo local possibilitouo registro do desenvolvimento e das articulaes feitas pelas pessoas surdas em busca deseu reconhecimento como grupo cultural e no como sujeitos deficitrios, desde a dcadade 1950 at os dias atuais.As histrias registradas nas fotografias, narradas por seus protagonistas, mostrama construo do Povo Surdo, passo a passo, historicamente.Palavras -chave: Estudos Culturais.Estudos Surdos. Fotografia. Narrativa. 9. 9 ABSTRACTThe aim of this Dissertation "History of the deaf people: images and signs of acultural trajectory" is to approach the evolution of the deaf political in Porto Alegre,using analysis of the photos. The theoretical approach used in the narratives were theDeaf Studies, Cultural Studies and Photo's Analysis, considering the historical andcultural context of the narratives.The register of these events were important to the local deaf people and also toshow the development and the articulations that deaf people made to get the recognitionas a cultural group and not as a deficit person. The register have photos since thedecade of 1950 until nowadays.The photos were explained by the protagonist of the history and show aconstruction of the Deaf People, step by step. Key Words: Cultural Studies. Deaf Studies. Photos. Narratives. 10. 10 SUMRIO: A EXPERINCIA DE SER SURDA E A ESCOLHA PARA DEFINIR O TEMA DA PESQUISA.............................................................................................................11CAPITULO 1..........................................................................................................19 1.1.Eu como pesquisadora .................................................................................201.1.1 O meu interesse de pesquisa...................................................................221.1.2 Localizando o interesse de pesquisa.......................................................251.1.3 Organizando a dissertao......................................................................291.1.4 Conceitos Norteadores............................................................................32 CAPITULO 2 POVO SURDO..............................................................................46 2.1.A trajetria do povo surdo.............................................................................46 2.2.Histria da lngua de Sinais no Rio Grande do Sul.....................................58 2.3.Histria da associao de surdos mudos do Rio Grande do Sul e Socieda- de de Surdos do Rio Grande do Sul ..................................................................632.3.1Conversa com R. .....................................................................................67 2.4.A historia da FENEIS/RS...........................................................................68 CAPITULO 3 LENDO FOTOGRAFIAS...............................................................743.1. Poltica- seis fotos.........................................................................................75 3.2.Lazer e recreao cinco fotos. ................................................................ 100 3.3.Pedagogia quatro fotos.............................................................................118 3.4.Esporte- quatro fotos................................................................................... 133 CONCLUSO.......................................................................................................149 REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS....................................................................152 11. 11A EXPERINCIA DE SER SURDA E A ESCOLHA PARA DEFINIR O TEMA DAPESQUISA Nasci surda? Ou nasci ouvinte? Pouco importa isto! Padden e Humphies(1988, p.5) completam meu pensamento quando dizem que "sempre sentimos quea ateno dada condio fsica de no ouvir tem obscurecido as facetas maisinteressantes das vidas das pessoas surdas". Claro que no quero cair na maneiratradicional de escrever sobre os surdos atravs do esteretipo. Quero focalizar apartir de minha experincia como surda interpretando assim as narrativas sobre ossurdos e o povo surdo a partir de minha experincia. Larrosa atravs do pensamento de Foucault refere-se a experincia de si,dizendo que: (...) a experincia de si, historicamente constituda, aquilo a respeito doqual o sujeito se oferece seu prprio ser quando se observa, se decifra, seinterpreta, se descreve, se julga, se narra, se domina, quando faz determi-nadas coisas consigo mesmo, (...) (Larrosa, 1994. p.43). Minha experincia comea no mundo dos ouvintes. Nos meus anos de in- fncia e adolescncia no sabia que era surda. Eu no conhecia surdo. Meu pai ouvinte e minha me tambm era. 12. 12No sou a nica surda da famlia, o meu tio-av materno era surdo, no- oralizado, j faleceu h duas dcadas, usava fluentemente o alfabeto manual tam- bm usava alguns sinais misturando os gestos onde estudava, no Instituto Nacional Educao de Surdos1 . no cenrio e no trabalho de tratamento da surdez que comeo a ser aten- dida. Quando tinha dois anos de idade meus pais procuraram um servio de fono- audiologia. O primeiro procedimento do especialista (fonoaudilogo) foi a orienta- o para usar aparelho de amplificao sonora. Nunca gostei de usar quele apa- relho, mas era obrigado a us-lo.Foi nessa clnica que fiquei sendo atendida at meus seis anos de idade. Um perodo onde recebi orientaes de prticas reabilitatrias, derivadas do diag- nstico clnico do fonoaudilogo, que objetivamente a minha reeducao, integra- o e minha normalizao para o mundo ouvinte. Tambm foi l que entrei pela primeira vez em contato com outros surdos, que eram atendidos na mesma clnica. Ningum conhecia sinais, ningum se comunicava por sinais. Lembro apenas que alguns gestos "naturais" surgiram quando necessitvamos, por exemplo: beber - gua, solicitar comida, etc.Conheci aquele grupo de surdos, mas no conhecia o que era ser surda, a- cho que eles tambm no sabiam o que era ser surdo. Eu no aceitava ser surda. Eles utilizavam a Cultura Visual cuja definio, segundo Perlin (1988, p.56), :A Cultura surda como diferena se constitui em uma atividade cri-adora. Smbolos e prticas jamais aproximados da cultura ouvinte. Sugiroa afirmao positiva de que a cultura surda no se mistura ouvinte". Eudesconhecia a comunidade de pessoas surdas. Aos sete anos de idade entro para uma escola estadual: "Estadual MarechalFloriano Peixoto", em Porto Alegre. Uma escola para ouvintes que possua uma1 Instituto Nacional de Educao de Surdos foi fundado no Rio de Janeiro; nesta proposta ser muitas vezes 13. 13classe especial para surdos. Freqentei essa classe para surdos durante um ano.O trabalho pedaggico realizado na classe especial envolvia posicionamentos deprofessores especialistas quem atuavam para curar a "surdez"2 onde era precisofalar, onde era preciso ouvir, era eu preciso ser ouvintizada3.Aps um ano na classe especial, mudei para uma turma de ouvintes, namesma escola. O motivo da mudana foi porque meus pais consideravam a classeespecial muito fraca. Entrei como repetente da primeira srie junto com uma outracolega surda, que havamos crescido juntas. Nesta classe, sentamo-nos muito ali-enadas no processo de aprendizagem e foi a minha me que me deu grande apoiocom minhas tarefas de casa. No turno oposto s aulas da escola freqentava oCentro de Educao Complementar para Deficientes de Audio e Linguagem(CECDAL) onde recebia aulas de reforo e fonoaudiologia.Nos intervalos da escola de ouvinte Marechal Floriano Peixoto eu e minhaamiga surda brincvamos junto com outras colegas e nossa comunicao era atra-vs de gestos e oralizao.Nunca esquecerei de alguns momentos de minha vida, onde eu conseguiaoralizar algumas palavras e as pessoas, em minha volta, se emocionavam e batiampalmas. Para mim, no havia significado nenhum, sentia-me totalmente alienada evazia. Qual era o sentido, o significado do que eu havia oralizado? Eu no sabia.Quando eu j estava com onze anos de idade, cursando a 4 srie do ensinofundamental, comecei a perceber que tinha muitas dificuldades de acompanhar mencionado como referencia. 2 No desejamos mais usar surdez como denominao do ser surdo. Trata-se de um conceito clni- co. 3 Termo utilizado por Skliar "trata-se de um conjunto de representaes dos ouvintes, a partir do qual o surdo est obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte (1998, p.15). 14. 14algumas disciplinas e acabei sendo reprovada. Minha me observava que aquele no era o meu caminho e ano de 1982,com doze anos, mudei de escola, fui para a Escola Especial Concrdia CEDA(Centro Educacional de Deficiente Auditiva), atual Escola Especial Concrdia-ULBRA. Ao entrar, fui submetida a uma avaliao e fui para a quinta srie. Nesta es-cola os surdos utilizavam a Lngua Brasileira de Sinais - LIBRAS, assim como osprofessores. Havia intrpretes na escola e tudo para mim foi novidade, achava es-tranho pessoas ouvintes utilizarem a LIBRAS. Adaptei-me aos poucos com os sur-dos, pois minha convivncia anterior era, na maioria, com ouvintes e com surdosoralizados. A forma de comunicao dos surdos no me dizia nada, pois convivia nomundo dos ouvintes. Quando comecei a usar a lngua de Sinais, comecei a ser ou-tra pessoa, comecei a conhecer o mundo. No parei mais. Saa de casa pelo pra-zer de estar com surdos, viajava com eles. Quando eu convidei muitos surdos para visitar minha casa para batermospapo, minha me levou um susto. Eram muitos e ela perguntou o que comemor-vamos. O que era aquilo? Eu expliquei que era s para batermos papo e minhame explicou que era preciso preparar-se para receber visitas. E a partir deste dia,minha me aceitava e adorava a visita dos surdos em nossa casa. Ia a jogos, reunies, etc.. Admirava os professores utilizando Lngua de Si-nais, o que minhas professoras da escola de ouvintes no faziam. Esta atitude foi 15. 15decisiva para que eu me aceitasse com identidade surda o que antes no fazia.Diante de ouvintes, eu tinha vergonha de dizer que era surda, de mostrar que eradiferente. Quando passei a me sentir surda pela convivncia com outras crianastambm surdas, achei aquilo natural para mim. A partir da passei a conviver comeles e aos catorze anos j era lder na turma, inclusive num grupo de alunos quedesenvolviam dana folclrica gacha, sobre a coordenao de um professor ou-vinte, onde fui escolhida como primeira prenda. Quando eu tinha quinze anos, entrei de scia para a Sociedade de Surdosdo Rio Grande do Sul, escondida de meus pais, pois alguns professores diziam quea Sociedade no era um bom lugar para meninas de minha idade, era um lugarperigoso, mas para mim eram os surdos, eram iguais a mim, eram o meu grupo eera l que eu queria freqentar. Meus pais no concordavam, mas, aos poucos,consegui mostrar a eles que era nesse local que eu havia despertado minha identi-dade surda. A minha percepo sobre a identidade surda a mesma de Perlin(1998, p.63):Identidades surdas so presentes no grupo onde entram os surdos que fa-zem uso com experincia visual propriamente dita. Noto nesses surdos,formas muito diversificadas de usar a comunicao visual caracteriza ogrupo levando para o centro do especfico surdos.... sua identidade forte-mente centrada no ser surdo, a identidade poltica surda. Trata-se de umaidentidade que se sobressai na militncia pelo especfico surdo. a cons-cincia surda ser definitivamente diferente e de necessitar de implicaese recursos completamente visuais. Neste ano, terminei o ensino fundamental, foi a segunda turma a se formarna Escola Concrdia. Poderia ter sido um grande momento para mim, mas, infeliz-mente, minha me morreu um ms antes de minha formatura. 16. 16Como tinha dezesseis anos, participava constantemente das festas e co-memoraes da Sociedade dos surdos. Viajava muito com a turma para qualquercompetio esportiva fosse nacional ou internacional. Adorava conviver com estasequipes. Isto me trouxe muitos conhecimentos: aprendi a solidariedade, a respon-sabilidade e a cooperao reinantes nos grupos, tive oportunidade de conhecersurdos de outros pases, seus costumes e cultura. Aos dezenove anos comecei a perceber que havia a possibilidade de ocuparlugares polticos surdos e passei a participar mais na Associao de Surdos, a-prendi sobre a organizao interna particularmente sobre as polticas do movimen-to surdo. Aos vinte e dois anos fui secretria da Sociedade dos Surdos do RioGrande do Sul onde assumi alguns papis. Aps, passei a atuar na Federao deEsportes e na Confederao Brasileira de Desportos de surdos onde minha atua-o estava ligada a organizao de algumas das programaes em nvel nacionale internacional. Em 1995 um grupo de surdos com alguns interpretes iniciaram contatos coma Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos FENEIS do Rio deJaneiro, na tentativa de abrir uma filial da FENEIS no Rio Grande do Sul. UmaONG que tinha em vista atender as necessidades do povo surdo que naquela po-ca desejava oficializar a Lngua Brasileira de Sinais, implementar cursos de lnguade sinais, cursos de formao de intrpretes, de educao de surdos, de leis, detudo mesmo. Em 1997 atuava na vice-coordenao do setor de intrpretes daFENEIS. Era preciso intrpretes em LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais. Eu e outroscolegas surdos lutvamos para conseguir intrpretes de LIBRAS. Fomos aos r- 17. 17gos competentes pedir ajuda, e aps tanta insistncia e burocracia conseguimosalguma resposta. Foi uma grande conquista inserir dois intrpretes em sala de au-la. Mais tarde, para a nossa surpresa, mais alguns intrpretes estavam sendo inse-ridos nas salas de aula onde havia surdos. Nesta poca, criamos o ncleo para surdos, Ncleo de Estudos Surdos den-tro da ULBRA, atual IPESA - Instituto de Pesquisa em Estudos Surdos e da Aces-sibilidade, e fundamos o escritrio regional da Federao Nacional de Educao eIntegrao dos Surdos - FENEIS/RS, onde lutamos para que o surdo tivesse condi-es e direito de exercer sua cidadania. Nossas diferenas culturais e lingsticas no eram respeitadas. Hoje, no en-tanto, podemos contar com intrpretes quando da realizao de provas, semin-rios, eventos, etc, e conforme Portaria do MEC N 1.679, de 02 de dezembro de1999, Art.2, pargrafo nico: ao universitrio surdo garantida a presena do in-trprete de LIBRAS (Surdos: direitos humanos e surdez, 2002, p.28). Em 1997, comecei a trabalhar como voluntria em Cursos de Lngua de Si-nais e da escrita da Lngua de Sinais, Sign Writing4 na escola de surdos Frei Pac-fico5. Ali comecei a desenvolver os meus conhecimentos no campo da educaodos surdos. Foi um momento de troca, de animao, de interesse e de debate emtorno das diferentes linhas panormicas que envolvem este tema. Em 1998, j cursando a faculdade de geografia, consegui meu primeiro em-prego. Era professora de geografia em duas escolas de surdos em Porto Alegre. 4 a lngua de sinais escrita, isto , a representao grfica das configuraes de mos, movimento,localizao, expresso corporal e facial que fazem parte da LIBRAS 5 A Escola Frei Pacfico uma escola de surdos da capital que estava adotando a escrita da sign writing de forma experiencial (Stumpf, 2002. p.62). 18. 18No ano de 2000 recebi bolsa do CNPq6 para pesquisa da escrita da Lngua de Si-nais. Hoje trabalho como professora de geografia, histria e lngua de sinais no en-sino fundamental nesta mesma escola.s vezes me sentia pssima em sala de aula regular, onde eu estudava noensino superior at o Ps-Graduao, pois sou diferente dos outros. Inclusive sinto-me profundamente mal, porque ns surdos somos capazes de nos expressar emlngua de sinais, que lngua visual e os ouvintes no entendem. Porm temosdificuldade de escrever portugus, por qu? Utilizar a prpria lngua de sinais bem diferente da lngua portuguesa, as estruturas gramaticais, s vezes, quase soopostas. Realmente, a maioria dos ouvintes critica, pois os surdos tm dificuldadesem escrever o portugus, temos ento uma diferena. Ns no escrevemos por-que no recebemos a escuta fontica. Por exemplo, se colegas surdas e eu faze-mos as apresentaes em disciplinas de ps-graduao, infelizmente colegas ou-vintes podem no entender nosso trabalho, devido a problemas com a traduo,pois a mesma, pode no ser traduzido fielmente para o portugus, assim pareceque ns perdemos nosso valor, ningum pergunta, no conseguimos provocar dis-cusses.Existe uma relao profunda entre meu histrico de vida, como militante demovimentos que constituram minha identidade, com o resgate, no passado, da lutados surdos que vieram antes de mim. como querer traar uma linha de continui-dade do passado ao presente para que as futuras geraes saibam a trajetria dopovo surdo. sentir-se parte integrante de um povo. poder olhar para trs e cer-tificar-se do caminho feito, das evolues, dos sucessos e fracassos, das conquis-ta, enfim ter conscincia da histria da qual participo. E este resgate ser feito6 No ano 2000, fui bolsista do Centro Nacional Pesquisa de escrita de Lngua de Sinais da PUC/RS. 19. 19pelos registros fotogrficos narrados por testemunhas oculares dos eventos, queainda, felizmente,podemos encontrar. CAPTULO 1 Neste captulo pretendo colocar o caminho que quero percorrer para a cons-truo da pesquisa e algumas definies que considero importante enfatizar nestaproposta de dissertao de mestrado. Considerando as hipteses formuladas e a orientao terica que recorteipara seguir, propus as seguintes perguntas que serviro de base durante meu pro-cesso de construo. # O foco da pesquisa fazer a conexo entre as polticas surdas e os mo-mentos histricos. # Que conexes existem entre o registro fotogrfico das polticas surdas e omomento histrico no qual se passam? # A histria do povo surdo sempre foi narrada por ouvintes. Sendo surda e 20. 20participante ativa de vrias polticas surdas pretendo dar a verso interna, de quemviveu e vive, a realidade de ser surdo. # Como a fotografia sempre alguma coisa que representada, que narrati-vas surgem a partir de um texto fotogrfico? # Que narrativas surgem das fotogrficas por pessoas surdas que presencia-ram os fatos acontecidos? # Que narrativas so produzidas pelos surdos sobre o ser surdo, e que efei-tos de verdade elas constroem sobre ns? # Que representaes recorrentes sobre a histria do povo surdo aparecemnos textos fotogrficos? # Quais narrativas as fotografias contam quando utilizadas pelo povo surdopara reunir-se como Associao de Surdos? # possvel dizer que fotografias instantneas nos ensinam a olhar para as-pectos histricos dependendo da forma como so utilizadas pela associao? # possvel considerar as fotografias um texto cultural que nos interpreta enos guia o olhar na produo do surdo? # Que recorrncias de prticas podem ser percebidas atravs da anlise dostextos fotogrficos denominados de "instantneos annimos "? Visualizar e trabalhar com essas e outras questes que se colocam ao longoda pesquisa exigiu compreender e definir alguns mecanismos e estratgias de arti-culao e organizao de formaes discursivas e da implicados na inveno de 21. 21narrativas produzidas em torno dos povos surdos. 1.1 Eu como pesquisadora Quando entrei como aluna sem vnculo numa disciplina de Programa Ps-Graduao em Educao - PPGEDU, da Universidade Federal do Rio Grande doSul - UFRGS, onde o professor Carlos Bernardo Skliar realiza seminrios onde sediscute tambm o caso dos surdos, eu e outras colegas surdas Gladis Perlin e Ma-rianne Stumpf tivemos a oportunidade de iniciar a fazer pesquisas. Foi uma experi-ncia interessante, pois fazamos entrevistas com surdos, filmvamos, e discuta-mos sobre o povo surdo. Dessa experincia resultou uma pequena pesquisa que se deu com a parti-cipao da maioria dos ativistas surdos sobre o Processo Educativo do surdo, ser-viu como avaliao do Seminrio no final do semestre. Foi a partir dessa pesquisaque nasceu o meu interesse em ser pesquisadora. O meu interesse como pesqui-sadora surda era que pudesse buscar atravs dos movimentos surdos as questesespecficas do ser surdo, bem como do povo surdo. Foi quando pensei em fazer omestrado. Em 2001 acabei me candidatando a seleo para no mestrado, fui sele-cionada na turma de 2002, para ocupar uma vaga no PPGEdu7 da UFRGS. Constato da a necessidade de resgatar a histria do povo surdo, desdesempre pressentida nos movimentos surdos para buscar mais informaes e assimregistr-las. o que pretendo com muita pesquisa. Tambm tive oportunidade de trabalhar em outra pesquisa no projeto detranscrio da Lngua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em linguagem escrita, a Sign 7 Programa de Ps-Graduao na Educao na Universidade Federal do Rio do Sul - UFRGS 22. 22Writing, no ano de 2000 na PUC/RS. Apenas nos Estados Unidos, Alemanha e al-guns outros pases esto desenvolvendo pesquisas semelhantes. Minha pesquisafoi feita com outros pesquisadores surdos, Marianne Stumpf, Fabiano Souto e ou-vinte intrprete Maria Cristina Pires Pereira.O SignWrting a lngua de sinais escrita, isto , representao grfica dasconfiguraes de mo, movimentos locais do corpo onde esto feitos os sinais, ex-presso corporal e facial que fazem parte da LIBRAS8.O grupo de pesquisa ficava no Museu de Cincias e Tecnologia da PUC/RSe o objetivo era traduzir as experincias e exposies em lngua de sinais para quese adaptassem a LIBRAS.Este projeto - SIGNET - que foi feito em parceira Escola Especial Concrdia-Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Pontifcia Universidade Catlica(PUC/RS), Universidade Catlica de Pelotas (UCPEL) orientado pelo ProfessorAntonio Rocha, financiado pelo CNPq, tinha como meta adaptar a internet e tecno-logias lngua de sinais e educao de surdos.1.1.1 O meu interesse de pesquisa Escolhi o tema Histria do Povo Surdo no Rio Grande do Sul: Imagens e si-nais de uma trajetria cultural para desenvolver a minha pesquisa porque eu que-ria muito conhecer e investigar aspectos da histria surda do Rio Grande do Sul.Tenho um grande sonho: descobrir e pesquisar os registros da prpria histria dossurdos, pois os surdos no tm esses registros de sua histria. Por outro lado sintouma limitao: como resgatar a histria dos surdos, do povo surdo se no h regis-tros. Como desenvolver a pesquisa? Como fazer? Resolvi fazer essa pesquisa pa- 23. 23ra investigar as origens e o desenvolvimento desta histria de surdos j que se tra-ta de um tema especifico do povo surdo e que tem conseqncias para os ouvintesem geral. Percebo inclusive que h uma grande falha pela falta da histria do povosurdo, pois um povo sem histria sente-se errante.Quando em 1880, aconteceu o Congresso Internacional em Milo:Se imps claramente uma posio oralista e ficou determinada uma meto-dologia exclusivamente oral, depurando assim um processo que haviacomeando nas dcadas anteriores. Esse congresso tornou-se um refe-rencial histrico na educao de surdos pelo mtodo oralista, pois consa-grou a grande vitria dos mtodos exclusivamente orais(RAMPELOTTO,1993, p.24).Percebe-se, por exemplo que a histria dos surdos fica restrita as narrativasdos ouvintes, ns como povo surdos fomos excludos de qualquer possibilidade denos narrar diferentes. As atas finais do Congresso, documentos que definiram asnovas propostas educacionais no final do sculo XIX e, posteriormente, as polticaspblicas at cerca de 1970, indicavam inclusive o que segue: O Congresso, considerando a incontestvel superioridade da pa-lavra sobre os signos para devolver o surdo sociedade e para dar-lhe ummelhor conhecimento da lngua, declara que o mtodo oral deve ser prefe-rido ao da mmica para a educao e instruo dos surdos-mudos (...) Ocongresso, considerando que o uso simultneo da palavra e dos signosmmicos tm a desvantagem de inibir a leitura labial e a preciso das idi-as, declara que o mtodo oral puro deve ser preferido.(...) A terceira reso-luo um voto em favor da extenso do ensino dos surdos-mudos. Con-siderando que grande nmero de surdos-mudos no recebem os benef-cios da instruo; que essa situao provm dos poucos recursos das fa-mlias e dos estabelecimentos, emite o voto que os governos tomem asmedidas necessrias para que todos os surdos e mudos possam ser ins-trudos (GRMION, 1991, pp. 195-196).Foram anos e mais anos que os surdos ficaram sem poder difundir sua his- 8 Lngua Brasileira de Sinais. 24. 24tria. Somente com a adoo de novas metodologias de ensino a lngua de sinaiscomeou a ser estudada e com o tempo ser respeitada. Hoje, percebe-se que ahistria dos surdos no difere das histrias dos grupos de minorias, carregada desofrimento e preconceito.Os movimentos sociais surgidos entre membros do povosurdo, hoje organizados, conseguiram mostrar que existe uma histria e que essadeve ser contada aos outros surdos. Percebe-se que a falta de informao que leva muitas vezes, os surdos aficaram margem de sua histria.Os movimentos sociais surgidos entre membros dopovo surdo, hoje organizados, conseguiram mostrar que existe uma histria e queessa deve ser contada aos outros surdos. Com o passar do tempo esses movimen-tos tornaram-se polticas surdas. Atualmente, a pedagogia constante nas escolas de surdos ou classes regu-lares pedagogia ouvinte. difcil conquistar espao para introduzir uma histriafeita por surdo, nas linhas do movimento surdo. O que prevalece a histria dossurdos feita e narrada por ouvintes, mesmo assim com reduzidos espaos. Atualmente, nos cursos de LIBRAS conta-se a histria de surdos e nas esco-las, esta histria entra na disciplina de Lngua de Sinais. Constato um fato: infelizmente a maioria das pessoas ouvintes, e tambmmuitos surdos, nem conhecem a vida, as histrias do povo surdo e seus movimen-tos no Rio Grande do Sul. preciso resgatar estas informaes. Certa ocasio,quando visitei a Sociedade de Surdos do Rio Grande do Sul (SSRS), olhei algumasfotos antigas e, confesso, fiquei to apaixonada em constatar que a poca bemdiferente da atual: os lugares, objetos, roupas, pessoas, sinais, cores, expresses,enfim, todas as informaes que podemos observar analisando as fotos esses so 25. 25os registros que pretendo abordar nessa pesquisa. Atualmente o povo surdo do RioGrande do Sul, em Porto Alegre j tem outras vises sobre si, se compararmosfotos da atualidade com fotos do passado. 1.1.2 Localizando o interesse de pesquisa Eu pensei inicialmente em fazer a investigao da histria dos surdos em n-vel nacional ou pesquisando outros estados. Mas, para delimitar e aprofundar apesquisa e percebendo a impossibilidade de realizar tal tarefa em tempo limitado,selecionei o estado do Rio Grande do Sul, inserindo os espaos em que fatos im-portantes aconteceram relacionados ao povo surdo. Por isso eu escolhi a cidade dePorto Alegre, pois temos nesse local os aspectos mais marcantes da histria dossurdos, com associaes de surdos e outros movimentos que se estendem desde1921. Esse tema de pesquisa surgiu tambm pelo fato de ser professora de sur-dos. Desde minha adolescncia eu sonhava em ser professora de educao infan-til, fazer o magistrio, pois sempre gostei muito de crianas e, principalmente decomunicar me com crianas surdas. Ajudava sempre que podia uma prima com osdeveres de casa, um pequeno ensaio para a minha futura profisso. Depois dedois anos que conclu o segundo grau , fiz a minha primeira tentativa, entrar nomagistrio. Apresentei-me para a seleo, sem intrprete, pois na poca no era fcilconseguir um bom profissional, ento me arrisquei e fui sozinha. Infelizmente, nofui selecionada, pois os avaliadores encontraram dificuldades em entender o queeu havia escrito na prova. Parece que o meu sonho havia acabado. Logo fui traba- 26. 26lhar com meu irmo em uma agncia de publicidade, na qual ele era scio. No de-correr fui me apaixonando pela publicidade, o trabalho com fotos me encantava.Pensei, ento: vou fazer faculdade de Publicidade e Propaganda. Iniciei o curso,mas minha famlia no concordava com a minha escolha, pois considerava que area de Informtica seria mais adequada para mim, j que Publicidade e Propa-ganda necessitavam muito do Portugus. Sentia-me indecisa e resolvi fazer umteste vocacional, qual foi a minha surpresa: em primeiro lugar apareceu Publicidadee Propaganda e em segundo, professora. Aprovada no vestibular, no semestre se-guinte, troquei de curso e iniciei licenciatura em Geografia. Durante a faculdade consegui obter bons resultados. Na infncia e adoles-cncia, minha me estimulava-me muito, comprou um Atlas o que facilitou o meuaprendizado e viajamos por todo o Brasil, onde pude conhecer e a aprender muitosobre as diferenas regionais de nosso pas. Acredito que atravs dessas viagensconsegui ter um aprendizado concreto que muito me favoreceu.Esses fatos foramimportantes nesta escolha pelo curso de Geografia. No quarto semestre, fui convidada a trabalhar em uma escola de surdos co-mo professora de Geografia, no ensino fundamental, foi um grande desafio quemuito me ajudou a ter certeza que havia escolhido a profisso certa: dar aulas. Quando eu comecei a dar aulas nas disciplinas de Lngua de Sinais e deHistria, percebi que havia pouco material e existiam poucas informaes sobre ahistria do(s) surdo(s), conseqentemente, fiquei meio frustrada na busca pelosfatos e acontecimentos relacionados ao movimento surdo. Essa situao de pro-fessora e pesquisadora, mostrou-me a necessidade dos surdos resgatarem suahistria, fazerem pesquisas e publicarem. Em breve, outros pesquisadores surdos 27. 27devero realizar publicaes no Rio Grande do Sul. Ento eu me sinto meio vazia,pois h muitas histrias surdas no registradas e no oficializadas. Um dia encontrei uma surda e ela me contou sobre uma linda e emocionantehistria vivida pelos surdos desde 1921 onde ela e um outro surdo so protagonis-tas principais; inclusive ele, que fundou a Associao de Surdos, que de inicio fun-cionou em uma sala emprestada, existente nos fundos da casa do casal. O homemera um lder entre os surdos, pelo seu jeito acolhedor e fraterno, compartilhava mui-tas histrias surdas. E, nessa conversa, fiquei totalmente impressionada com apossibilidade de realizar a pesquisa utilizando as revelaes de antigas fotos sur-das, realizando um agrupamento em categorias dessas fotos, e tambm filmandoas entrevistas para conhecer as diferentes verses em que diversos surdos olhame contam que aconteceu nessas fotografias. Esses dados so fundamentais, poisrevelam que houve uma trajetria histrica dos surdos. Tambm desde a minha entrada em 1996 e 1997, como aluna sem vnculoem disciplinas do PPGEdu da UFRGS, um desejo que me conduziu desde o incio,foi o de investigar aspectos da histria dos surdos, atravs dos diferentes movi-mentos surdos existentes no Rio Grande do Sul. No ano 2001, eu no esperava a fazer o mestrado de geografia, pois eu que-ria fazer o Bacharelado de geografia na ULBRA. Eu poderia aproveitar as discipli-nas que tinha cursado, com menos de um ano, mas no havia vagas, fiquei decep-cionada. Na poca dava aulas de LIBRAS na ULBRA, no curso de extenso, um demeus alunos ouvintes me convidou para fazer o mestrado no Campus/UFRGS. Eletambm fazia o Mestrado em Geografia. Logo eu aceitei, o meu aluno e eu fomospara o Campus a fim de conhecer e conversar com o orientador. No dia da prova 28. 28de seleo, fui acompanhada do intrprete, esta prova no foi feita em sala especi-al, foi ministrada junto com outros colegas. Fiz a prova escrita. Quando terminei, oprofessor me chamou, ele no havia entendido a minha prova, ento, atravs dointrprete, consegui me fazer entender. Aps, discutimos muito sobre "surdos", eledesconhecia esse assunto. Mais tarde, fiquei sabendo do resultado, havia sido a-provada. Eu e a intrprete fomos para o Campus, para fazer entrevista. Eu haviaescolhido o tema "Dicionrio de Geografia em LIBRAS", no qual o orientador de-monstrou interesse e ficou muito impressionado, tambm ficou fascinado com meuprojeto, pois ele nunca tinha tido experincia com surdos. Fiz a entrevista que du-rou quase uma hora, aps a banca examinadora me questionou. Fui aprovada parao Mestrado como "aluna especial". No inicio das aulas, paguei de meu prpriobolso o servio de interprete. Posteriormente, quando ingressei como aluna regularno PPGEDU, passei a ter esse servio gratuito, ou seja, a UFRGS paga ao intr-prete. Tambm da mesma forma a outros surdos que l estudam. Em junho de 2002, como aluna regular do Programa, vim para a UFRGSrealizar o curso de Ps-Graduao em Educao Mestrado, sob a orientao doProfessor Dr. Carlos Skliar, que conhecedor da Cultura Surda. Durante meu per-curso na academia, as disciplinas que cursei, as orientaes que recebi e princi-palmente discusses com o grupo de pesquisadores que fazem parte do NUPPES- Ncleo de Pesquisas Polticas Educacionais para Surdos, foram determinantespara decidir o objeto da minha pesquisa. 29. 29Grupo de Pesquisadores do NUPPES com o professor orientador. Foto do acervo da pesquisadora.Ano de 2003 H vrias formas de entender a pesquisa. O que define o nosso trabalho noNUPPES a incurso nos Estudos Surdos9. Esses so os nossos culos, nossotrabalho, nosso ambiente, nosso contexto a partir do qual para a nossa pesquisanos associamos. 1.1.3.Organizando a dissertaoA dissertao ser dividida em captulos. No primeiro captulo resgato minhahistria, como descobri a importncia de fazer parte de um povo e a importncia deser conhecedora da histria e da caminhada do mesmo. Logo, coloco a problemti-ca investigada, meus questionamentos metodologia utilizada na pesquisa. Aprovei-to tambm para explicar a viso que norteou meu trabalho em relaes a conceitosimportantes para a compreenso de minha dissertao. No segundo capitulo procuro levar ao leitor o conhecimento da histria co- 9 tratado por SKLIAR (1998), como um territrio de investigao educativa e de proposies polti- cas que, por meio de um conjunto de concepes lingsticas, culturais, comunitrias e de identida- des, definem uma particular aproximao ao conhecimento e aos discursos sobre a surdez e os surdos. 30. 30nhecida do surdo no mundo e no Brasil, bem como da histria do desenvolvimentoda lngua de sinais em Porto Alegre. Aps no mesmo capitulo resgato a histria daassociao de Surdos-mudos do Rio Grande do Sul e da FENEIS. E no captulo seguinte, apresento as fotografias acompanhadas pela anlisefeita por mim, com embasamento terico, bem como as narrativas feitas pelas pes-soas que viveram este momento.As narrativas foram colhidas atravs de conversasfilmadas, onde a pessoa poderia expressar-se livremente. Para finalizar realizo uma reflexo do que representou para mim conhecer,pesquisar sobre a minha prpria histria, sobre as diferentes vises da poltica sur-da, e aprofundar a identificao com o meu povo, o povo surdo. Toda a pesquisa foi feita apoiada em narrativas e fotografias. A transcriodas mesmas foi feita por mim e transcritas para o portugus por pessoas fluentesem lngua de sinais e portugus. As anlises feitas tambm seguiram essa mesmametodologia. Eu sinalizava e a pessoa escrevia em lngua portuguesa. Para manter o sigilo ao trabalho omito o nome das pessoas envolvidas utili-zando as palavras sujeito surdo para definir a pessoa que me forneceu o depoi-mento. Para facilitar a compreenso dividi as fotografias em quatro categorias: pol-tica, lazer, pedagogia e esporte. Essas foram organizadas com base no materialcoletado.Todas as anlises foram feitas em quatro partes assim representadas:anlise do contexto, narrativa sobre a foto, perfil do entrevistado e minha anlise ,apoiadas em teorias literrias. 1.1.3.1 Coleta das narrativas 31. 31 As fotografias foram selecionadas de acervos da FENEIS, da SSRS, de al-guns surdos e meu particular.As narrativas nem sempre pontuaram somente a fotoe sim em muitos momentos serviram como apoio para outras histrias. O local das filmagens no foi sempre o mesmo, no ficou delimitado, s ve-zes era na SSRS, s vezes na residncia de algum, sendo que uma terceira pes-soa ajudava na filmagem.A filmagem foi utilizada para registro da conversa realiza-da. Alguns pessoas ficaram preocupados em sinalizar corretamente, no que iamdizer, mas tive que explicar que o importante era a narrativa que a foto provocava.Mesmo assim muitos no entendiam o que eu queria dizer como narrativa e tiveque dar exemplos de como eu faria se fosse narrar uma foto minha. Assim, forne-cendo a eles um modelo, consegui que compreendessem o objetivo. Tambm avisava, antes, que no iria colocar o nome dos narradores no tra-balho e todos imediatamente concordaram. Tive o cuidado de explicar para que sedestinava o depoimento deles: minha pesquisa de mestrado que poderia ser divul-gada depois. No havia limite de tempo, s era controlado quando a fita ia acabar.Cada um apontou o que achou mais relevante de uma forma espontnea e, porisso, aconteceram relatos longos e breves, todos plenamente aceitos.Nem sempre a relao era de uma foto por um narrador, que tinha participa-do ou sido testemunha da situao. Algumas pessoas narraram mais de uma cena,outras uma nica.Para a escolha dos narradores levei em conta duas possibilidades: que elesestivessem retratados nas fotos ou que tivessem presenciado a ocasio em que afoto foi tirada. 32. 32Um depoimento no foi utilizado. O entrevistado foi um senhor idoso e que,infelizmente, no narrou a foto, mas usou a ocasio como uma espcie de confes-sionrio, de desabafo. O relato deste senhor foi extremamente negativo e no con-segui obter informaes objetivas sobre a situao da foto, no preenchendo assimos requisitos para a pesquisa. Em alguns casos foi extremamente difcil para mim preservar as narrativasoriginais pois, como a comunidade relativamente pequena, eu estava presenteem muitas das situaes e sabia datas, locais e outros dados que nem sempre co-incidiam com o relato que estava sendo dado. Mesmo no sendo uma observado-ra participativa (participei dos relatos provocando questionamentos, fazendo per-guntas), no interferi ou corrigi diretamente as informaes; o que eu fazia era no-vamente perguntar, por exemplo Em que ano foi mesmo? onde?. Ao mesmo tempo as narrativas me puseram a par de muitas informaesque eu desconhecia, s vezes at de eventos que eu participei e no sabia de v-rios acontecimentos e fatos importantes ocorridos nele. Isto foi uma reflexo paramim, de aceitar que no sei tudo e que o intercmbio de idias nas narrativas meajudou a conhecer mais profundamente a histria de meu povo nesta cidade. Na maioria das imagens o narrador escolheu livremente aquelas que queriacontar, mas em poucos casos, de uma certa forma, induzi a escolha apontando eperguntando e essa aqui? Isto porque de acordo com Leite (2001,p.159) Os limites de espao e tempo social e as ordenao simblica domundo permite conhecer o significado do contexto imediato das imagensfotogrficas, que so produzidas atravs de um ritual ou por condensaorituais do universo examinado. 33. 33 Fiz isto no caso de acontecimentos muitos significativos e dos quais haviapoucos registros fotogrficos. Todo o processo de captao e registro das narrativas foi muito complexo.Aps o primeiro passo, as filmagens, tive que transcrever o que eu facilmente com-preendia em LIBRAS para a Lngua Portuguesa. Na verdade foi um processo detraduo, em que eu, que utilizo naturalmente a Lngua de Sinais para me comuni-car, tive que traduzir para o Portugus,minha segunda lngua, na qual no possuosegurana. Alm disso me utilizei do acompanhamento de aulas particulares pararedigir tanto as narrativas, quanto a parte terica do meu trabalho. Ento o textoque um ouvinte produz e depura varias vezes eu mesmo querendo melhor-lo, tiveuma limitao de tempo. Este esclarecimento feito para uma melhor compreen-so de como se processou a realizao desta pesquisa e no como uma desculpapara eventuais erros. As narrativas me acrescentaram muito, no consegui me manter emocio-nalmente distanciada da minha prpria histria. Eram meus pares contando umpouco da nossa vida em comunidade, os fatos narrados me atingem diretamentecomo surda e me identificando com os sujeitos, tambm surdos, que estavam rela-tando o que passou. Muitas vezes voltei para casa, depois das filmagens, feliz porconhecer algo mais, por ter acrescentado mais experincia em minha caminhada,emocionada e tocada por histrias que eu compartilhava junto com outras pessoassurdas. 1.1.4 Conceitos norteadores 34. 341.1.4.1 Conceito: Fotografia Annateresa Fabris (apud Lopes,2001,p.50) ao resgatar a histria aponta trsmomentos da histria das imagens de consumo, anteriores ao advento da fotogra-fia, So elas: Idade da madeira (sculo XIII), Idade do metal ( sculo XV) e idadeda pedra ( sculo XIX). Nesta ltima, ainda segundo a autora, j aparecem as ra-zes do consumo fotogrfico, corresponde s demandas e exigncias construdaspela Revoluo Industrial. A fotografia foi inve4ntada na poca da revoluo industrial. Em princpio erauma tcnica artesanal que pela sua enorme aceitao foi sendo sempre mais aper-feioada. Ela registrou a partir da segunda metade do sculo XIX as expressesculturais dos povos.Com o desenvolvimento da indstria grfica, que possibilitou amultiplicao das imagens, aconteceu um novo processo de conhecimento domundo, esse conhecimento fragmentado e detalhado, mas torna acessvel aohomem dos diferentes estados sociais os hbitos dos povos distantes. A necessidade de registrar momentos significativos para as pessoas possibi-litou, com os avanos tecnolgicos, que as fotografias fossem feitas no s por pro-fissionais, mas por qualquer pessoa. Desde a revoluo Industrial observamos mui-tas mudanas nessa tecnologia. A fotografia tambm um documento testemunhal e uma criao artstica.Esses documentos so ao mesmo tempo reveladores de informaes e suscitado-res de emoes, entretanto e fotografia ainda no alcanou o status do acervo co-mo um objeto que compe o museu ou de documento equiparado a registros escri-tos. Notamos que muitas fotos nos alertam para a importncia da criao de ummuseu surdo para que as mesmas possam ser preservadas e contatas para as 35. 35prximas geraes. Seria importante a fotografia ser considerado como um docu-mento digno de ser admirado para coleta de informaes.A modernidade com sua tecnologia faz com que esses momentos registra-dos possam perdurar para sempre, porm de nada adianta ter o registro fotogrficose este ficar escondido ou pertencer a uma s pessoa. Penso, que para o surdo,que tem seu apoio para aprendizagem no aspecto visual alm do gestual, seria desua importncia coleta destas fotos e a organizao de um museu, onde estariaregistrada sua histria para que todas as geraes futuras pudessem admiram,aprender e a conviver com a luta e as conquistas deste povo.Com razes para essa subvalorizao da fotografia duas razoes parecempreponderar: a primeira de ordem cultural caracterizada pela nossa herana livres-ca institucionalizada como meio de conhecimento cientfico e a segunda na resis-tncia do pesquisador que exita um aceitar, analisar e interpretar a informao queno foi transmitida segundo o sistema tradicional da comunicao escrita.A Fotografia reproduz ao infinito s ocorreu uma vez: ela repete mecanica-mente o que nunca mais poder repetir-se existencialmente.Essa fatalidade (no h foto sem alguma coisa ou algum) leva a Fotografiapara a imensa desordem dos objetos de todos os objetos do mundo: por que es-colher (fotografar) tal objeto, tal instante, em vez de tal outro?Annateresa Fabris, ao resgatar a histria, aponta trs momentos da histriadas imagens de consumo anteriores ao advento da fotografia-idade da madeira(sculo XIII), Idade do metal (sculo XV) e idade da pedra (sculo XIX). Nesta lti-ma, ainda segundo a autora, j aparecem s razes do consumo fotogrfico, cor- 36. 36respondente s demandas e exigncias construdas pela Revoluo Industrial. Anecessidade de registrar momentos significativos para as pessoas possibilitou, jun-to com os avanos tecnolgicos, que as fotografias fossem feitas no s por profis-sionais, mas por qualquer pessoa. Desde a revoluo observamos muitas mudan-as nessa tecnologia.A fotografia foi inventada na poca da revoluo industrial. A princpio erauma tcnica artesanal que pela sua enorme aceitao foi sendo sempre mais aper-feioada. Ela registrou a partir da segunda metade do sculo XIX as expressesculturais dos povos. Com o desenvolvimento da indstria grfica que possibilitou amultiplicao das imagens aconteceu um novo processo de conhecimento do mun-do, esse conhecimento fragmentando e detalhado, mas tornam acessvel aohomem dos diferentes estados sociais os hbitos e fatos dos povos distantes.Como razes para essa subvalorizao da fotografia duas razes parecempreponderar: a primeira, de ordem cultural, caracterizada pela nossa herana li-vresca institucionalizada como meio de conhecimento cientifico e a segunda, naresistncia do pesquisador que hesita um aceitar, analisar e interpretar a informa-o que no for transmitida segundo o sistema tradicional da comunicao escrita.Atualmente essa resistncia vem diminuindo, sendo desenvolvidas no ambi-ente acadmico pesquisas metodolgicas para o uso da fotografia tomada comodocumento e investigadores sociolgicos e histricos a tm utilizado.Importa destacar que ela no deve ser usada apenas como ilustrao dotexto ela o prprio texto que lido pelos surdos, mas se oferece ela como umapossibilidade de investigao e descobertas sobre as histrias que ela materializa eimortaliza. 37. 37 Uma foto s imortalizada se algum a signific-la. A fotografia pela fotogra-fia no suficiente para criar sentidos em quem a v.A fotografia reproduz ao infinito e s ocorre uma vez: ela repete mecanica-mente o que nunca mais poder repetir-se existencialmente.Essa fatalidade (no h foto sem alguma coisa ou algum) leva a Fotografiapara a imensa desordem dos objetos - de todos os objetos do mundo: por queescolher (fotografar) tal objeto, tal instante, em vez de tal outro?Penso que para o surdo, que tem seu apoio para aprendizagem no aspectovisual alm do gestual, seria de suma importncia a coleta destas fotos e aorganizao de um museu, onde estaria registrada sua histria para que todas asgeraes futuras ouvintes e surdas pudessem admiram, aprender e a conviver coma luta e as conquistas deste povo.Por isso a importncia que vejo desta pesquisa, pois ao tentar buscar as nar-rativas surdas estou tentando registrar histrias, sentidos... Surdos para o que estregistrado. Estou tentando registrar nessa dissertao uma histria visual, mesmoque isso seja uma tarefa difcil para mim que sou surda e que utilizo o portuguscomo uma lngua estrangeira. 1.1.4.2 Estudos CulturaisA interveno dos Estudos Culturais nesta pesquisa acontece na medida emque esta rea tem como seu objeto de estudo qualquer produo que possa serconsiderada cultural, sem julgar se essa culta ou popular. Tudo digno daspreocupaes das analises e das criticas dos Estudos Culturais. 38. 38Os Estudos Culturais no configuram uma disciplina, mas uma rea ondediferentes disciplinas interagem, visando o estudo de aspectos culturais da socie-dade (HALL apud Escosteguy, 2000 p.137).Estudos Culturais pensam a cultura como campo de luta de significados so-ciais em que grupos sociais diferentes, que tem posies de poder distintas, lutampela aceitao de seus significados pela sociedade mais ampla, tal qual a luta dosmovimentos sociais antagonistas que lutam pelos mesmos recursos socialmentevalorizados. De acordo com Escosteguy,(2000, p.144),Os Estudos Culturais atribuem cultura um papel que no to-talmente explicado pelas determinaes da esfera econmica. A relaoentre o marxismo e os Estudos Culturais inicia-se e desenvolve-se atravsda critica de um certo reducionismo e economicismo daquela perspectiva,resultado na contestao do modelo base-superestrutura. A perspectivamarxista contribuiu para os Estudos Culturais no sentido de compreendera cultura na sua autonomia relativa , isto , ela no dependente das re-laes econmicas, nem seu reflexo, mas tem influncia e sofre conse-qncias das relaes polticos-econmicos. Como argumentava Althus-ser, existem vrias foras determinantes a econmica, a poltica e a cul-tural competindo e em conflito entre si, compondo aquela complexa uni-dade que a sociedade. O centro da disputa a definio da identidade cultural e social dos diferen-tes atores sociais. Resumidamente os Estudos Culturais esto voltados para asquestes que esto na conexo entre cultura, significao, identidade e poder. Segundo Johnson (2000p. 20),Boa parte das fortes continuidades da tradio dos Estudos Cultu- 39. 39rais est contida no termo singular cultura , que continua til no comouma categoria rigorosa, mas como uma espcie de sntese de uma histo-ria. Ele tem como referncia, em particular, o esforo para retirar o estudoda cultura do domnio pouco igualitrio e democrtico das formas de jul-gamento e avaliao que, plantadas no terreno da alta cultura, lanamum olhar de condescendncia para a no-cultura das massas. Enfim, utilizarei os estudos culturais nesta perspectiva de um grupo procu-rando a aceitao do grupo majoritrio e no somente com a preocupao de e-xemplificar ou divulgar uma cultura especfica de um grupo especfico. 1.1.4.3 Conceito: Narrativa A Narrativa um ramo ativo da teoria literria e o estudo literrio se apiaem teorias da estrutura narrativa: em noes de enredo, de diferentes tipos de nar-radores, de tcnicas narrativas. A potica da narrativa, como poderamos cham-la,tenta compreender os componentes da narrativa quando analisa como narrativasespecficas obtm seus efeitos. (CULLER,1999,p.85). A teoria da narrativa postula a existncia de um nvel de estrutura - o quegeralmente chamamos de enredo independentemente de qualquer linguagemespecfica ou meio representacional. Aristteles diz que o enredo o trao maisbsico da narrativa, que boas histrias devem ter comeo, meio e fim e que elasdo prazer por causa do ritmo de sua ordenao. Diferentemente da poesia, quese perde na traduo, o enredo pode ser preservado na traduo de uma lingua-gem ou de um meio para outro: um filme mudo ou uma histria em quadrinhos po-de ter o mesmo enredo que um conto. Podemos pensar o enredo de dois ngulos. De um ngulo, o enredo ummodo de dar forma aos acontecimentos para transform-los numa histria genu- 40. 40na. De um outro ngulo, o enredo que configurado pelas narrativas, j que a-presentam a mesma histria de maneiras diferentes.Pensando no primeiro ngulo transforma-se o enredo em acontecimento on-de buscamos o sentido das coisas. J no segundo ngulo podemos resumir que oenredo o dado e o discurso as vrias representaes desta histria. De comouma situao pode ter diferentes significados de diferentes olhares.Os trs nveis que estou discutindo acontecimentos, enredo(ou histria) ediscurso funcionam como duas oposies: entre acontecimentos e enredo e entrehistria e discurso.A distino bsica da teoria da narrativa, portanto, entre enredo e apresen-tao, histria e discurso. 1.1.4.4 Povo Surdo(Hall Stuart)O significado de povo surdo importante.O que significa ser surdo e optarpor uma poltica de identidade surda que existe no interior do povo surdo. Assimos surdos bem melhor de sentido representados. E os surdos comeam a se identi-ficar com o conceito de ser surdos, atreves de existncia do povo surdo.So os raros os lugares que esto fora do alcance destas forasculturais que desorganizam e causam deslocamentos. Pensemos na vari-edade de significados e mensagens sociais que permeiam os nossos uni-versos mentais;tornou-se bastante acessvel obter-informao acerca de-nossas imagens de outros povos, outros mundos, outros modos de vida,diferentes dos nossos; a transformao do universo visual do meio urba-no- tanto da cidade ps-colonial(Kigston, Bombaim, Kuala Kumpur) quantoda metrpole do ocidente atravs da imagem veiculada pela mdia;obombardeio dos aspectos mais rotineiros de nosso cotidiano por meio demensagens, ordens, convites e sedues; a exteno das capacidadeshumanas, especialmente nas regies desenvolvidas ou mais ricas domundo, e a as coisas prticas comprar, olhar, gastar, poupar, escolher,socializar realizadas distncia,virtualmente, atravs das novas tecno-logias culturais do estilo de vida soft. A expresso centralidade da cultura 41. 41 indica aqui a forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contempornea, fazendo proliferar ambientes secundrios,mediando tu- do.(HALL,1997) 1.1.4.5 Poltica SocialEste trabalho tem por foco o registro, atravs de imagens fotogrficas, da poltica surda. Mas o que se entende por poltica?E sendo a poltica surda um mo- vimento social, como entender melhor sua definio?Quando se fala de um movimento social no estamos nos referindo a um fe-nmeno coletivo que se apresenta com uma certa unidade externa, mas que, noseu interior, contm significados, formas de ao, modos de organizao muito di-ferenciados e que, freqentemente, investem uma parte importante das suas ener-gias para manter unidas s diferenas. Assim, tende-se muitas vezes a representaros movimentos como personagens, com uma estrutura definida e homognea eFragmentados, que devem destinar muitos dos seus recursos para gerir a comple-xidade e a diferenciao que os constitui.Um outro modo habitual de referir-se aos movimentos consider-los comoefeitos de uma situao histrica ou produtos de uma certa conjuntura (refere-se,por exemplo, crise econmica ou s contradies do sistema), sem levar em con-ta as motivaes, o sentido, os componentes da ao coletiva, como se os modospor meio dos quais esta ao se constitui e se mantm no tempo fossem irrelevan-tes com relao ao jogo das variveis estruturais.Essas tendncias que no so apenas do senso comum, mas tambm demuitas analises de correntes sobre fenmenos contemporneos de ao coletiva,tiram toda a consistncia do objeto do qual falam: elas mostram toda a distncia 42. 42entre a conveno lingstica, ou o interesse poltico, que faz falar dos movimentossociais e da possibilidade de fundamentar teoricamente tal objeto. Um movimento, ainda, muito freqentemente, a encarnao de uma essncia ou o efeito secun-drio das leis de tendncia de uma estrutura. A ao coletiva dos movimentosremete sempre algo de si a outro porque, em sentido prprio, no existe. Os componentes de um movimento podem ser chamados de atores sociaisporque so protagonistas de uma mobilizao pela mudana nas estruturas scias.Descontes com a situao, unem-se para organizar uma nova proposta de vidasocial. Um movimento pode surgir atravs de uma crise quando um sistema seja degoverno, administrativo gerenciador, no funciona bem, ocorre uma desintegraoe as reaes surgem para restabelecer a harmonia. Porm uma ao coletiva podetambm de um conflito,de uma luta de dois grupos pela posse de recursos valori-zados por ambos: poder, dinheiro, informao. Os atores de um conflito lutam pelosmesmos recursos, que ambos querem possuir. 1.1.4.5.1 Caractersticas da poltica surda A poltica surda comea a ficar visvel com criao de associa-es/sociedades que congregam pessoas surdas com o propsito da identificaolingstica e cultural. Em uma associao de surdas todos compartilham a lnguade sinais e experincias similares de vida,apesar de outras diferenas: de gnero,sociais, econmicas, tnicas de orientao sexual e outras, o ser surdo forte obastante para fazer a unio destas pessoas. O marco conhecido como inicio da organizao da poltica surda o caso de 43. 43Ferdinand Berthier. Ferdinand era Francs e aluno do Instituto Surdo de Paris. pioneiro naorganizao do primeiro banquete silencioso em homenagem ao 122 aniversriodo abade de L'Epe, em 30 de novembro de 1834, com 52 convidados e um marcona poltica surda mundial. Berthier, criador da primeira sociedade de surdos, a Sociedade Universaldos Surdos-mudos, em 1838, foi tambm promotor de uma onda artstica quemarcou uma autntica evoluo em vrias reas: escultura, pintura, gravura,litografia, poesia e literatura. Esta nova sociedade permitiu edio de um jornal,provando o interesse dos surdos pela lngua francesa escrita, o valor artstico dasilustraes, os retratos, as caricaturas e os desenhos humorsticos. Berthier se candidatou, em 1848, s eleies da Assemblia Constituinte,com o objetivo de representar seus 22.000 "irmos silenciosos". Em 1849, foi o primeiro surdo a ser nomeado como Cavaleiro da Legio daHonra, por Napoleo Bonaparte. Este o primeiro exemplo de poltica surda existente no mundo, do qual setem conhecimento. Em 1924 fundado o Comit Internacional de Esportes para surdos (ComitInternational des Sports des Sourds- CISS), ligado ao Comit OlmpicoInternacional. A Federao Mundial de Surdos, FMS, fundada em Roma, Itlia em 1951,ligada ONU e UNESCO e hoje em dia com aproximadamente, 108 pases 44. 44associados. Entre 1950/51 comeam a surgir, no Brasil, as primeiras associaes desurdos e , ano a ano,este nmero aumenta. A Confederao Brasileira de Desporto para surdos, CBDS, fundada em1984, visando estimular a prtica esportiva entre os surdos, promove campeonatosem diversas modalidades, masculino e feminino, regularmente. Em tempos mais recentes temos a Greve em Gallaudet" que aconteceu de6 a 14 de maro de 1988, em Washington, Estados Unidos. A UniversidadeGallaudet, a primeira e uma das nicas universidades do mundo para surdos,nunca tinha tido um reitor surdo. Foi quando a comunidade acadmica promoveueste protesto histrico em reivindicao. E conseguiram, depois de muitosprotestos, que King Jordan fosse o primeiro reitor surdo da Histria. No Brasil o momento mais importante foi quando a Federao Nacional deEducao e Integrao dos Deficientes Auditivos, FENEIDA, transformou-se, atra-vs do movimento poltico, Comisso de Luta pelos Direitos dos Surdos, formadapor Fernando Valverde, Ana Regina Campello e Souza e Antnio Campos de A-breu em 1983, em Federao Nacional de Educao e Integrao dos surdos, aatual FENEIS, no dia 16 de maio de 1987. No comeo as reunies foram em res-taurantes, na casa das pessoas, foi difcil, mas o grande desenvolvimento daFENEIS veio com o primeiro convnio com a DATAPREV. Esse convnio ampliouo campo de trabalho para o surdo, bem como conquistou verbas para a Federao.Atualmente a FENEIS conta com 11 representaes regionais e um escritrio emTeflo Otoni em Minas Gerais, e promove seminrios, congressos, encontros emobilizaes em favor da causa surda. 45. 45 Na poltica surda tambm encontramos problemas e conflitos com varias ori-gens histricas, pois o sistema social predominantemente ouvintista gera insatisfa-o e marginalidade por parte do povo surdo. No caso especifico da poltica surda escola no , em si uma poltica, maspode participar de uma escola de e para surdos a outra reivindicao geral.Os par-ticipantes tm maior poder medida que o nmero de surdos graduados e ps-graduados aumenta. O prestgio social e cultural que a formao acadmica datambm contribui para que cada vez mais os movimentos surdos tenham visibilida-de na sociedade. A parceria entre as instituies: escola, associao e federao, no caso aFENEIS, uma fora de peso para que as reivindicaes do povo surdo oficializa-o da LIBRAS, escolas para surdos, valorizao do profissional surdo, estejam setransformando em realidade. 46. CAPTULO 2 - POVO SURDO 2.1 A trajetria do Povo Surdo figura n1- Banquetes anuais dos surdos na Frana-1834A introduo da lngua de sinais na educao foi o fato que inovou a histria