História do Direito

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Material com informações da história do Direito de um modo geral.

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HISTORIOGRAFIA JURDICA

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DIREITO E HISTRIA: UMA RELAO EQUIVOCADA Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy___________________________________________________________________________

2003SUMRIO1. DIREITO E HISTRIA

2. DIREITO PROCESSUAL CIVIL

3. DIREITO PENAL

4. DIREITO CONSTITUCIONAL

5. DIREITO DO TRABALHO

6. DIREITO PREVIDENCIRIO

7. DIREITO TRIBUTRIO E CINCIA DAS FINANAS

8. DIREITO AMBIENTAL

9. DIREITO CIVIL

10. DIREITO COMERCIAL

BIBLIOGRAFIA

1. DIREITO E HISTRIA

Direito e histria vivem uma relao equivocada. A forma como se escreve a histria do direito presta-se mais a confirmar concluses presentes do que a investigar situaes concretas pretritas. A historiografia jurdica suscita reflexes em torno das relaes entre direito e histria, entre relato e verdade. O presente trabalho pretende afirmar que a histria do direito pode ter sido utilizada como argumento, adereo retrico, ornamento, descrevendo menos e criando mais, qual discurso legitimador, prenhe de contedo apologtico. histria do direito reserva-se a triste tarefa de justificar e legitimar o direito atual, funo legitimadora. Disfara-se todavia esse nus emprico , alegando-se que a histria do direito oxigena a cultura geral do operador jurdico, que alarga horizontes, que fomenta a compreenso do presente, que explicita a realidade ntica da experincia jurdica, que revela mistrios, que apresenta exemplos, que prev tempos vindouros.

Trata-se de identificar a funo da produo historiogrfica, da finalidade da histria do direito. Concepes weberianas podem apontar justificativas de dominao tradicional; o direito fundamentar-se-ia no passado, como indicador de validade, premissa recorrente na formatao da tradio romanstica. Sentir mais hegeliano indica a razo realizando-se na histria, configurando-se na realidade, a suscitar devir conivente com constitucionalismo escatolgico da perfeio institucional. Tradio marxista insiste que os homens fazem a prpria histria, fundamentada na luta de classes, projetando-se a partir da dinmica econmica. O iluminismo concebera historiografia identificadora do progresso, matizada em Voltaire, cunhador da filosofia da histria, enquanto conceito. A tradio positivista decorrente premonira a histria como cincia pura, aquele "como realmente aconteceu" (wie es eigentlich gewesen) , atribudo a Ranke, alvo da crtica de Walter Benjamin na Tese VI sobre a Filosofia da Histria.

J observou-se que a histria pode ser fico, o que nos lembra Hayden White sobre Michelet, Tocqueville, Burckhardt, Nietzsche, entre outros. Tradio que remonta a Vico percebe monumental afresco da histria que radica na subjetividade do narrador: cada poca constri a sua histria dos romanos e dos gregos, por mais que o positivismo pretenda esquematizar os fatos na impessoalidade objetiva dos nexos causais. que s o prprio tempo escolhe uma imagem determinada do passado, subjetivismo radical, que exprime juzo de valor, desenhando imaginao histrica, destinada compreenso do presente. Utilitarismo apalpa a histria do direito, pois (...) conhecimento conhecimento para algum fim (...) a validade do conhecimento depende da validade do propsito (...). Trata-se de imaginar a objetividade de eunuco, a anunciar que o discurso histrico no pode ser neutro, mesmo porque tem estilo que o identifica. A escrita da histria multiforme, transitando da alteridade em Herdoto para a objetividade em Tucdides, pretenso de relatos mais contemporneos, indicador de novos paradigmas, inclusive na literatura nacional, com certa inspirao em marcos epistemolgicos da Escola dos Annales.

Mas se a histria parece um guarda-roupa onde todas as fantasias so guardadas, a histria do direito lembra a caixa de Pandora de onde saem modelos e institutos de mnima variao semntica, qualificadores de modelo evolucionista, linear, progressista. As argumentaes aqui apresentadas levantam que se deve duvidar desse progresso, como j alertara Walter Benjamin na XIII Tese sobre a Filosofia da Histria. O filsofo da melancolia desconfiava da histria que se identifica com o vencedor, da concepo de progresso, da temporalidade, de uma fixao eterna do passado. A histria construo da realidade presente, informada por um salto de tigre que aambarca algo que faz o presente coincidir com a histria da humanidade. Pode-se duvidar da interpretao histrica convencional dos juristas. Essa histria oficial do direito, que toma o passado com uma neutralidade muitas vezes enervante, afina-se com o discurso normativo positivista, tambm pretensamente neutro, informando a ele, e sendo por ele reverenciada. A crtica a concepes jurdicas positivistas enceta crtica ao historicismo, dada a afinidade ideolgica e interface conceitual.

A histria do direito representada como um fio condutor para realidade normativa perfeita, acabada, realizada. Institutos, conceitos, imagens, perspectivas e acontecimentos prestam-se a justificar a ordem contempornea. Reservada parte introdutria dos textos de doutrina, de exegese, de dogmtica, a histria protagoniza uma ante-sala experimental, indicativa panglossiana de que o mundo caminha para o melhor dos mundos possveis, concretizado nos excertos legislativos de nossos tempos. Sob a falsa impresso de que d tnica interpretao, de que alarga horizontes, de que densifica a argumentao, de que enceta disciplina formativa, de que d demos de cultura, a histria do direito segue como segundo violino, sonorizando o triunfo de uma racionalidade instrumental que no mais se justifica, e o caos da prtica judiciria disso prova incontestvel.

2. DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Manuais de direito processual civil podem ilustrar essas premissas, que nos do conta de que a histria dos institutos jurdicos poderiam ser utilizadas, como elementos retricos de justificao do modelo procedimental contemporneo. No h direta pretenso de crtica infundada dos autores de direito que seguem. Apenas tem-se o objetivo de identificar (e nada mais) formas de utilizao da histria do direito. A pesquisa secciona-se em dois grupos: primeiramente, so aleatoriamente escolhidos manuais de processo civil (de uso nos cursos superiores) e, depois, livros de histria do processo civil, mais ao gosto de operadores com base no processo. Humberto Theodoro Jnior, Vicente Greco Ticho, Paulo Lcio Nogueira e Moacyr Amaral Santos incluram escoros histricos em seus cursos e manuais. Eliezer Rosa, Moacir Lobo da Costa e Edson Prata escreveram sobre a histria do processo. Um grupo de estudiosos de Minas Gerais, coordenado por Csar Fiuza, publicou recente estudo sobre o direito processual na histria.

Humberto Theodoro Jnior percebe o processo como dinmica de uma evoluo. Reconhece o pouco que sabemos sobre o processo grego, observa o modelo probatrio indicado por Aristteles. Categoriza o processo helnico a propsito da oralidade e do princpio dispositivo. Vale-se de categorias contemporneas e, ainda a propsito do direito processual grego, anotou:

O mais importante, contudo, era o respeito livre apreciao da prova pelo julgador, que exercia uma crtica lgica e racional, sem se ater a valoraes legais prvias em torno de determinadas espcies de prova.

O autor avanou para o direito romano, tripartindo a prtica processual romana: perodo primitivo, formulrio e da cognitio extraordinria. O primeiro deles (das legis actiones) que era excessivamente solene e obedecia a um ritual em que se conjugaram palavras e gestos indispensveis. Identificou advogados e vislumbrou princpios do livre convencimento do juiz, do contraditrio entre as partes. Por fim, a propsito da cognitio extraordinria, observou que foi dessa fase que surgiram os germes do processo civil moderno. Nominou de direito comum s prticas resultantes de fuso entre os direitos romano, germnico econmico. Ao processo civil moderno imputou uma fase cientfica. Inseriu o processo brasileiro no Livro III das Ordenaes Filipinas, localizando a importncia da forma escrita, segredo de justia, princpio dispositivo, mecanismos de movimentao dos feitos. Reservou meia pgina ao Regulamento n 737 (de 1850), que tem foros de primeiro cdigo de processo nacional. Mencionou a pulverizao de cdigos estaduais, por conta de permissivo da Constituio de 1891. O Cdigo de 1939 (da comisso de Pedro Batista Martins, aprovado por Francisco Campos) teria surgido como um cdigo unitrio, substitudo pelo Cdigo Buzaid de 1973, at hoje vigente, com substanciais alteraes.

Vicente Greco Filho promoveu enfoque indagativo, anotando a respeito de uma evoluo do pensamento filosfico, assumindo o processo como instrumento dos direitos subjetivos. Assim, fez desfilar Herclito, Scrates (o primeiro dos positivistas, que no se negava a cumprir leis injustas), Plato (e seu mundo ideal), Aristteles (e a questo da justia distributiva). Escreveu que se o esprito grego foi filosfico, o gnio romano foi jurdico. Lacnico para com o processo romano, enalteceu o cristianismo, pelo que, para o autor em foco, inegavelmente foi a doutrina crist que mais valorizou a pessoa humana. Teceu observaes sobre os padres filsofos da Igreja, sobre a patrstica, sobre a escolstica. Elogiou a Magna Carta (de 1215), tendo o documento ingls como o marco decisivo entre o sistema de arbtrio e real e a nova era das garantias individuais. Adiantou-se ao contratualismo s declaraes de direitos, cindindo direito material e direito processual em fases de autotela, autocomposio e jurisdio propriamente dita.

Paulo Lcio Nogueira redigiu resumo histrico da introduo de seu curso, partindo do perodo colonial, j a partir do descobrimento do Brasil. Teceu consideraes sobre o regime processual nas ordenaes, ponderando sobre a longa durao dos textos portugueses e influncias posteriores. Estampou um quadro sintico, que linearmente fracionou o processo civil brasileiro em quatro momentos: colonial, imprio, republicano e atual. Assim, o CPC de 1973, fora precedido pelas ordenaes (afonsinas, manuelinas e filipinas), pelo Regulamento 737, pela Consolidao das Leis do Processo de 1876, pelos cdigos estaduais, pelo CPC de 1939. A respeito do perodo atual (a edio que uso de 1992) mencionou o movimento revolucionrio de 31 de maro de 1964.

Moacyr Amaral Santos dedicou o captulo V de seu curso para investigar a evoluo histrica do processo civil. Fincou o processo na histria romana:

A histria do direito processual, como a do direito em geral, naquilo que interessa ao direito ptrio, comea em Roma. Partindo da, para chegar aos nossos dias, na longa caminhada, passou o direito processual por profundas transformaes, sem perder, entretanto, estrito contacto com suas origens.

Analisou o formalismo romano (e sua oralidade) valendo-se da clssica diviso tripartida. Do processo romano-barbrico fez emergir o processo comum observando que da pennsula itlica o processo comum, ou romano-cannico, expandiu-se paulatinamente, pelos mais diversos pases da Europa. assim que da pennsula ibrica o processo portugus chegara no Brasil, via ordenaes. O autor sob comento listou processualistas antigos (e suas obras), entre eles: Francisco Paula Batista, Correia Teles, Pimenta Bueno, Arouche de Toledo Rendon. Insistiu na unidade processual decorrente da constituio de 1934. Finalmente, elencou processualistas brasileiros, e respectivas monografias. Indico alguns: Pontes de Miranda, Castro Nunes, Jos da Silva Pacheco, Seabra Fagundes, Galeno de Lacerda, Calmon de Passos, Frederico Marques, Barbosa Moreira, Rogrio Lauria Tucci, Arruda Alvim. Fez tambm referncia a Enrico Tullio Liebman e a escola de processo de So Paulo.

Eliezer Rosa deixou-nos livro sobre histria processual, que no sistemtica, enfocando temas como sntese histrica do processo, herana de Portugal, alm de algumas notas biogrficas (algumas com reprodues fotogrficas) de Bueno Vidigal, Alfredo Buzaid, Paulo Batista, Aureliano de Gusmo, Francisco Morato, entre outros. Elizer Rosa percebeu no passado a presena til de sua lio, atitude ciceroniana; um historiador romntico:

Um homem pode mudar o curso da Histria de um Povo e o de sua Instituies. o homem providencial, o heri carlailiano. Foi o que representou Liebman em nosso meio, quando aqui estanceou, por quase uma dcada de anos.

Moacir Lobo da Costa concentrou-se na histria do direito processual civil brasileiro, dividindo-o em cinco perodos, que explicita em seu livro contedos jurdicos e literrios. Objetivo, indicou 1822 como marco para concepes kelsenianas que vinculam o Direito ao Estado. Historiador positivista, que procura as coisas como realmente teriam acontecido (Leopold Ranke) livre de seu momento (Fustel de Coulanges), Moacir Lobo da Costa comentou os regulamentos antigos, sem afastar-se dos vnculos com textos normativos:

Como na histria do direito processual civil, os diferentes perodos so demarcados a partir da promulgao de novas leis ou cdigos, que alterando o sistema at ento vigente, adotam outras regras ou formas diversas, para o processamento das aes em juzo; o segundo perodo da histria do direito processual civil brasileiro inicia-se com o Regulamento Nacional 737, de 1850.

Edson Prata percebeu no Cdigo de Hamurabi figuras de acusao falsa, testemunhas, erro judicirio, pena de talio, dvidas de marido. No Egito antigo identificou que admitia-se o direito de greve. Horrorizou-se com o direito assrio:

No se sabe ao certo como funcionavam seus tribunais. Sabe-se, porm, que os havia e que impunham penas sumamente brbaras, como chibatamento, castrao, corte de orelhas e do nariz, extrao violenta da lngua e dos olhos, empalamento, decapitao.

Comparou o direito mosaico com o processo civil brasileiro. Analisou extensivamente o Cdigo de Mann. Pranteou a tradio grega:

A Grcia tem sido considerada a ptria da cultura universal, nos tempos antigos. Seus filsofos, historiadores e teatrlogos exercem grande influncia at nossos dias. No que se relaciona com o Direito, entretanto, sua contribuio significa pouco. Merecem destaque, contudo, dois legisladores: Licurgo, em Esparta, e Slon, em Atenas, bem como notvel cdigo de lei, de Gortina.

Comparou a Lei das XII Tbuas com o Cdigo de Processo Civil, equiparando o pr do sol como termo final da audincia ao horrio de audincias, frias e feriados forenses. Dedicou captulo inteiro ao perodo romano barbrico, que limitou de 568 a 1.088 d.C., especificando legislao de francos, suecos, godos, saxes e lombardos. Analisou a recepo do direito romano no medievo, com estaes em Bolonha, nos glosadores, nos ultra-montanos, nos ps-glosadores, nos juristas da escola humanista. Concentrou-se no perodo dos prticos (1563 a 1806), para quem o processo era um quase-contrato, com especial enfoque nos praxistas portugueses (Pereira e Sousa, Lobo, Correia Teles) e brasileiros (Almeida Oliveira, Costa Cirne). Especificou os processualistas alemes e italianos, dimensionando essa influncia no direito processual civil brasileiro, indicando os redatores do CPC italiano, como Calamandrei, Carnelutti, Redenti e Conforti. Apresentou bem cuidado balano de escritores de doutrina, de revistas de processo.

Csar Fiza coordenou grupo de mineiros que estudou o direito processual na histria. A obra chama ateno pelo presentesmo, por esse olhar do passado com os olhos de hoje. Faz-se um relato histrico-evolutivo das aes cautelares no mundo ocidental, localizam-se aspectos histricos nos provimentos de urgncia, faz-se a evoluo da jurisdio em Roma sob o prisma da competncia, vislumbra-se a importncia histrica da prova testemunhal, desenha-se a evoluo histrica do habeas corpus, vem-se as aes possessrias do direito romano no direito contemporneo, historia-se o Supremo Tribunal Federal, assim como aspectos histricos e doutrinrios da audincia preliminar.

As passagens aqui anotadas prestam-se a convocar a reflexo acadmica no que toca s relaes entre histria e direito processual. Menos interessado em concluir (o que arbitrrio), preocupado em instigar (o que prospectivo), o presente trabalho afirma que a histria pode ser apropriada pelos processualistas, em sentido linear e progressivo, para justificao do ordenamento vigente, para formatao de espao para especulao filosfica, para prova de racionalidade e eficincia do modelo atual, para prantear a tradio ocidental, para ilustrar, para ironicamente criticar o presente com os olhos no ontem.

3. DIREITO PENAL

Pode-se tambm afirmar que manuais de direito penal e de direito processual penal podem tambm ilustrar as assertivas acima indicadas. Tem-se a impresso de que a crena no progresso a regra, o que contrasta com a apreenso de que a regra o estado de exceo. O sujeito da histria parece cambiante, voltil. Certa harmonia indica que a humanidade evolui, o que contraria perspectivas mais frankfurtianas que admitem que todo monumento civilizao tambm uma apologia da barbrie. Fique, todavia, bem entendido que as observaes que seguem no se prestam a criticar levianamente, a caluniar, a imputar miopia histrica. Pretende-se apenas inventariar, ilustrar, suscitar a reflexo. Trata-se de nova amostragem. No h concluses a serem indicadas por conta mesmo de suposta arbitrariedade que poderia envolv-las, a assumirmos postura desconstrustivista, que denuncia formaes discursivas que formatam relaes de poder. Tratarei de dois manuais de Direito Penal, de Julio Fabbrini Mirabete e de Magalhes Noronha e tambm de dois manuais de Direito Processual Penal, de Tourinho Filho e de Vicente Greco Filho.

Mirabete dedicou cerca de dez pginas para expor uma breve histria do direito penal. Munido de informaes de antropologia, capturou no pretrito condutas culpveis:

A infrao totmica ou a desobedincia tabu levou a coletividade punio do infrator para desagravar a entidade, gerando-se assim o que, modernamente, denominamos crime e pena.

Percebeu certa evoluo na vingana penal (como Magalhes Noronha tambm sentir), indicando com leitura obrigatria Fustel de Coulanges, historiador do sculo XIX, acusado por Walter Benjamin (na VII tese sobre a Filosofia da Histria) de compor uma histria que identifica-se com as premissas do vencedor. Com estaes no Cdigo de Hamurabi, no Pentateuco e na Lei das XII Tbuas, transitou da Mesopotmia Europa, deslocando-se vinte sculos no tempo, de modo a identificar o talio, (...) que limita a reao ofensa a um mal idntico ao praticado. A propsito da legislao penal hebraica percebeu crimes contra a divindade e crimes contra o semelhante. Identificou separao entre direito e religio no direito romano. Informou que o direito penal germnico primitivo no era composto de leis escritas, mas constitudo apenas pelo costume. Pranteou o direito cannico e anotou que:

Promovem-se a mitigao das penas que passaram a ter como fim no s a expiao, mas tambm a regenerao do criminoso pelo arrependimento e purgao da culpa, o que levou, paradoxalmente, aos excessos de inquisio. A jurisdio penal eclesistica, entretanto, ora infensa pena de morte, entregando-se o condenado ao poder civil para execuo.

Criticou o direito penal medieval, pelo que (...) o arbtrio judicirio, todavia, cria em torno da justia penal uma atmosfera de incerteza, insegurana e verdadeiro terror. A partir do iluminismo identificou um perodo humanitrio, com necessria citao de Beccaria, assim como dos princpios inscritos na declarao da revoluo francesa. Avanou para a escola clssica, e seu maior expoente, Francesco Carrara, de onde partiu para o perodo criminolgico e para a escola positiva. Sintetizou as idias de Lombroso, para quem o crime fenmeno biolgico, citou Ganfalo, identificando tambm os princpios bsicos da chamada escola positiva, para quem o crime fenmeno natural e social. No que toca histria do direito penal no Brasil, lembrou a confuso entre crime e pecado feita pelas ordenaes, a ndole liberal do cdigo criminal de 1830, o efmero cdigo de 1890, a consolidao de 1932, o cdigo de 1940, maculado pelo ecletismo, culminando na nova parte geral de 1984. Sobre a reviso, anotou:

A nova lei resultado de um influxo liberal e de uma mentalidade humanista em que se procurou criar novas medidas penais para os crimes de pequena relevncia, evitando-a o encarceramento dos seus autores por curto lapso de tempo. Respeita a dignidade do homem que delinqiu, tratado como ser livre e responsvel, enfatizando-se a culpabilidade como indispensvel responsabilidade penal.

Magalhes Noronha dedicou cerca de quarenta pginas de seu curso para explorar a evoluo histrica das idias penais, as doutrinas e escolas penais, a histria do direito penal brasileiro. Principia:

A histria do Direito Penal a histria da Humanidade. Ele surge com o Homem e o acompanha atravs dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou.

Identificou um perodo de vingana privada, que teria sido adotada pelo Cdigo de Hamurabi, pelo Pentateuco, pelo Cdigo de Manu. Percebeu uma fase de vingana divina, teocrtica, sacerdotal, que refere-se s mesmas fontes de vingana privada. No que toca ao perodo da vingana pblica, estaciona na Grcia, na legislao romana das XII tbuas, no Digesto, no direito cannico, no direito medieval, atingindo o perodo humanitrio, com necessrias referncias a Beccaria, Rousseau e Montesquieu. A propsito do homem delinqente e da explicao causal do delito indicou Lombroso e seu ponto nuclear: a considerao do delito como fenmeno biolgico e o uso do mtodo experimental para estud-lo. Em seguida, analisou as doutrinas e escolas penais, citando Bentham, que considerava a pena um mal para o indivduo, que a sofre, e para a coletividade, que lhe suporta os nus. Identificou as caractersticas da escola clssica, resumindo o pensamento de Carrara. A partir de Comte, Spencer e Darwin conceituou a escola positiva, desfilando tambm por outras correntes, comungando com o ecletismo ao escrever:

Um Cdigo no se deve escravizar a preconceitos de Escolas. Por isso, disse bem a Exposio de Motivos de nosso diploma que nele os postulados clssicos fazem causa comum com os princpios da Escola Positiva.

J no que interessa histria do direito penal brasileiro, segregou os nativos:

intuitivo que as prticas punitivas dos homens que aqui habitavam [aborgenes] em nada podiam influir sobre a legislao que nos regeria, aps o descobrimento. Destitudos, pois, de interesse jurdico, os costumes penais dos nativos, limitar-nos-emos a apontar um ou alguns (...)

Transitou para as ordenaes do reino, para as relaes entre crime e pecado, lembrando a questo da sodomia. J nos tempos do imprio citou o cdigo criminal de 1830, avanou para a repblica sintetizando os instantes formativos dos diplomas penais no sculo XX.

Fernando da Costa Tourinho Filho dedicou captulo para explicitar o desenvolvimento histrico do processo penal. Principiou com os atenienses, apontando o Arepago, (...) o mais clebre tribunal (...) competente para julgar os homicdios premeditados, incndios, traio e, enfim, todos aqueles crimes a que se cominava pena capital. Sumariou o processo penal romano, afirmando que havia processo penal privado e processo penal pblico, embora ambos sob controle do Estado. Entre os germnicos, informa que o nus da prova era do ru e no do autor. O ru deveria demonstrar sua inocncia, sob pena de ser condenado. Do processo cannico adiantou-se para o sistema inquisitivo nas legislaes laicas, que dominaram a Europa continental, vislumbrando alteraes substanciais aps a revoluo francesa; segundo Tourinho Filho, (...) a maior revoluo de que se tem memria.

Vicente Greco Filho percebeu a histria do direito processual penal sob a tica dos direitos fundamentais da pessoa, dedicando cerca de seis pginas ao tema. Seria impugnado por Nietzsche, por conta da forma como pranteou Scrates:

Scrates, nascido na escola sofista, foi o mestre da razo. Com isto afastou-se dos sofistas, porque via nas leis um fundamento racional, e no arbitrrio. Exigiu como dogma racional a obedincia s leis, ainda que injustas, porque o bom cidado deve mesmo obedecer s leis e nunca induzir outros a desobedecerem quelas necessrias para garantia do Estado, o que indispensvel sobrevivncia.

Tambm no poupou elogios ao pensamento cristo, pelo que, inegavelmente foi a doutrina crist que mais valorizou a pessoa humana, definindo o homem como criado imagem e semelhana de Deus. Assumiu postura relativista, ao ponderar que a Magna Carta (1215) documento de poca, quando (...) a idia de direitos individuais (...) ainda no se formara no sentido de hoje, de direitos iguais para todos e que contra todos podem ser contrapostos. Discorreu tambm sobre o contratualismo, sobre as declaraes de direitos, culminando numa suposta proposta de declarao universal dos direitos processuais do homem. No desate, apontou direitos e garantias fundamentais em nossa constituio da repblica.

Percebem-se diversas perspectivas que podem ser amalgamadas por um mesmo fio condutor, que conduz aos tempos de hoje, matizados pela racionalidade. A descoberta da razo e a evoluo do homem at essa percepo, parece ser a tnica da presena humana na terra. O que suscita a constatao de que a histria no direito serva de uma razo instrumental, hoje criticada pelas tendncias crticas e frankfurtianas. Enquanto processo real (Geschichte) a histria do direito penal promove interminveis perguntas sem resposta. Enquanto disciplina (Histrie) a histria do direito penal carece entre ns de metodologia informada por impresses epistemolgicas mais prospectivas. Enquanto narrao (Erzhlung) a histria do direito penal prepara o ouvinte para que se sinta presente no melhor dos mundos possveis, implementando o vaticnio do Professor Pangloss, clebre personagem de Voltaire, que filosofou sobre a histria, dizendo que sempre vivemos no melhor dos mundos possveis.

4. DIREITO CONSTITUCIONAL

Manuais de direito constitucional tambm ilustram as assertivas aqui lanadas. que estudos historiogrficos podem suspeitar que excertos de histria, embutidos em textos de explicitao de direito constitucional positivo, poderiam traduzir apropriao (devida ou indevida) do passado, com propsitos acadmicos, que poderiam encetar relaes de poder. Pode-se desconfiar que apresentaes de histria constitucional em manuais suscitam uma perspectiva de linearidade, de progresso, de evoluo. Por medida metodolgica, deixo de lado compndios de histria constitucional (e muitos os h, como o de Paulo Bonavides) concentrando-se em manuais de uso acadmico. Falarei de Jos Afonso da Silva, Celso Ribeiro Bastos, Pinto Ferreira e Manuel Gonalves Ferreira Filho.

Jos Afonso da Silva dedicou um captulo de seu curso para apreciar a evoluo poltico-constitucional do Brasil. Fez tripartio analtica, fracionando nossa histria constitucional nas fases colonial, monrquica e republicana. Comeou explicitando a organizao administrativa portuguesa no Brasil, identificando a jurisdio dos donatrios, o regimento do Governador-Geral e a diviso administrativa de 1621. Percebeu a formao coronelstica oligrquica nacional na organizao municipal da colnia. A partir da vinda da famlia real portuguesa para o Brasil encetou a independncia, o problema da unidade nacional e a centralizao monrquica que matizou a Constituio Imperial de 1824. Imputou a vitria das foras republicano-federalistas em 1889 ao ideal federalista liberal surgido na assemblia nacional constituinte de 1823. A propsito do texto constitucional de 1891 anotou:

O sistema constitucional implantado enfraquecera o poder central e reacendera os poderes regionais e locais, adormecidos sob o guante do mecanismo unitrio e centralizador do Imprio.

Vinculou o texto de 1934 revoluo de 1930 e questo social, tratando aquela constituio de documento de compromisso entre o liberalismo e o intervencionismo, que anuncia uma poca, plasmada entre integralistas de Plnio Salgado e comunistas de Luis Carlos Prestes, antinomia equacionada pelo Golpe do Estado Novo, de onde emerge o texto ditatorial de 1937. Com a redemocratizao, Jos Afonso da Silva anunciou o texto de 1946, liberalismo que culmina no Golpe de 1964, derrubando o regime democrtico. Para o autor em foco:

Jango, despreparado, instvel, inseguro e demagogo, desorienta-se. Perde o estribo do poder. Escora-se no peleguismo, em que fundamentara toda a sua carreira poltica. Perde-se.

Seguem as apreciaes sobre os atos institucionais, sobre o texto de 1967, sobre a nova repblica, evoluo que culmina na constituio de 1988, identificando sua estrutura, qual um plano de curso. Seu manual um curso de direito constitucional positivo, adjetivao que identifica as premissas que informam seu iderio publicstico.

Celso Ribeiro Bastos dedicou um captulo de seu livro bsico de direito constitucional para historiar as constituies do Brasil. Radicou seu escoro histrico no liberalismo que impregnou o perodo joanino, identificando na constituio do imprio os efeitos desse modelo ideolgico e explicando:

O liberalismo uma corrente de pensamento que marcou profundamente alguns momentos da histria, permanecendo at hoje, ainda que adaptado a uma nova problemtica que no existia no momento em que seus grandes mentores o formularam. O liberalismo tem por ponto central colocar o homem, individualmente considerado, como alicerce de todo o sistema social.

Identificou tambm os fatores determinantes da constituio de 1891, qualificando as principais mudanas que ela introduzira, enaltecendo o papel do habeas corpus em nossa tradio constitucional. Percebeu tambm a dicotomia poltica que formatou o texto de 1934, em que pese marcada por iderio social democrtico. Imputou constituio de 1937 a institucionalizao de um regime autoritrio. A par de identificar as principais influncias na carta de 1946, evidenciou seus aspectos fundamentais, como o direito de greve. Entendeu que a Constituio de 1969 mera emenda ao texto de 1967, reconhecendo a irrelevncia da discusso. Dissertou sobre os ltimos governos militares, Mdici, Geisel, Figueiredo, assim como a constituinte dos tempos de Jos Sarney, anunciando os tempos democrticos que informaro o texto de 1988.

Pinto Ferreira valeu-se de dezesseis captulos muito curtos para historiar o constitucionalismo brasileiro. Partiu da convocao da constituinte que antecedeu a declarao de independncia. Identificou as duas revises do texto de 1824, por meio do ato adicional e de sua lei interpretativa. Percebeu o municipalismo na repblica velha e anotou que o mesmo foi amplamente desenvolvido, assegurando-se a autonomia dos municpios pela eletividade dos vereadores e prefeito . Motejou de Francisco Campos que teria chamado o estado novo (ao qual serviu) de autoritrio. Preocupou-se com a emenda parlamentarista que alterou o texto de 1946. Outorgou carta de 1967 um esforo de unificao normativa:

Porm logo depois procurou-se dar contexto mais unitrio ao sistema em vigor, em face da multiplicidade dos atos institucionais diante da Constituio de 1946, e ainda diversos atos complementares, em nmero de trinta e sete, baixados durante o governo revolucionrio do Marechal Castelo Branco.

Coroando com a constituio de 1988, chamou-a de meia constituio, dadas as leis ordinrias e complementares de que necessita para sua regulamentao.

Manuel Gonalves Ferreira Filho descrio de textos constitucionais positivados, preferiu identificar a evoluo do constitucionalismo. Aristteles teria diferenciado as leis constitucionais das leis comuns ordinrias. Calcou o constitucionalismo no racionalismo oitocentista, triunfante na revoluo francesa de 1789. Deu notas em tema da histria constitucional inglesa, no que toca Magna Carta ao Bill of Rights. Citou os contratos de colonizao da Amrica do Norte, avanando para as doutrinas do pacto social, com estaes em Hobbes, Locke e Rousseau. Foi enftico para com o pensamento iluminista, elogiando-o:

Esta cosmoviso fonte de liberalismo polticos e econmico que triunfa com as revolues dos sculos XVIII e XIX. Neste ltimo plano, o liberalismo afirma a virtude de livre concorrncia, da no-interveno do Estado, enfim o laissez-faire, que enseja a expanso capitalista.

Aderindo razo instrumental iluminista, com implcitas ncoras epistemolgicas em Max Weber, Manoel Gonalves tratou da racionalizao do poder, como desfecho de uma evoluo constitucional, que se desdobra no texto de 1988.

As sucintas observaes acima suturadas convocam a reflexes em torno do uso da histria no discurso jurdico de sabor constitucional. Percebe-se, no entanto, certa tendncia doutrinria que assume marcas da histria constitucional como passos de uma evoluo, que conduz para textos que qualificam coerncia no sistema, que esses autores constitucionalistas descrevem. A usarmos deliciosa imagem de Walter Benjamin, trata-se de um salto de tigre, fazendo da histria do direito constitucional a construo da realidade presente.

5. DIREITO DO TRABALHO

O direito do trabalho pode oferecer interessante campo para pesquisa e aferio dessas idias a propsito da utilizao da histria do direito. Autores de direito do trabalho podem valer-se de informaes histricas, de modo a evidenciarem critrios de validade, em relao aos textos dogmticos que produzem. Bem entendido, essa afirmao no carregada de ofensa, malcia, leviandade. que a invocao de aspectos histricos operao que faz parte do iderio do operador jurdico, do doutrinador. lugar comum (tpica no sentido retrico) que informa o discurso dogmtico. Insisto que o texto tem por objetivo provocar reflexo, e nada mais. Afinal, qual a relao entre histria e direito? E ainda, quais as finalidades do uso da histria por parte do operador jurdico?

Quatro livros de direito do trabalho so escolhidos para sucinta anlise. Amauri Mascaro Nascimento em festejado curso de iniciao ao direito do trabalho dedica dois captulos ao tema. Apresentou uma histria geral do direito do trabalho, que antecede a muito bem elaborada histria do direito laboral no Brasil. Comeou secionando o regime de trabalho, invocando a inexistncia de normas na sociedade que antecede a revoluo industrial:

Na sociedade pr-industrial no h um sistema de normas jurdicas de direito do trabalho. Predominou a escravido que fez do trabalhador simplesmente uma coisa sem a possibilidade sequer de se equiparar a sujeito de direito. O escravo no tinha, pela sua condio, direitos trabalhistas.

Do mundo antigo transitou para o medievo, com estao no modelo corporativo, citando mestres, aprendizes, companheiros, atingindo a locao de servios, por conta do locatio operarum e da locatio operis faciendi. Alcanou a sociedade industrial, de modo a identificar a justia social que informaria a Bula Rerum Novarum e o marxismo que percebera a luta de classes, preconizando a unio do proletariado. J no sculo XX indicou a constituio mexicana de 1917, a constituio alem de Weimar de 1919 e Carta del Lavoro de Mussolini, de 1927.

Em mbito de direito de trabalho no Brasil, Amauri Mascaro Nascimento partiu do varguismo, mencionou a constituio de 1934, o ministrio do trabalho na dcada de 1930 e culminou na edio da CLT, de 1943. Enfatizou a elevao dos direitos trabalhistas categoria de direitos fundamentais, no texto constitucional de 1988.

Orlando Gomes e Elson Gottschalk, catedrticos na Bahia, publicaram curso em 1981, que dedica cerca de dez pginas histria do direito do trabalho. Radicaram esse campo jurdico na revoluo industrial do sculo XVIII, qual vinculam Thomas Newcomen e James Watt. Aquele teria descoberto a mquina a vapor, esse ltimo aperfeioara o funcionamento da mesma. Indicaram como fonte para essas informaes a Edward McNall Burns. Como clssico em Orlando Gomes, evidente a preocupao metajurdica anotando que a histria do movimento operrio uma lio de sociologia, que nos fornece a precisa idia do grupo social oprimido. Os autores baianos exploraram o mundo liberal clssico, invocaram Adam Smith e J.B. Say e indicaram marcos tericos no manifesto de Marx e Engels, na j citada Rerum Novarum e no tratado de Versalhes. J no Brasil, indicaram poca que vai at a abolio da escravatura, que sucedida por poca que vai at Vargas, que daria incio a um ltimo perodo.

Arnaldo Sssekind, Dlio Maranho e Segadas Vianna dedicaram quase oitenta pginas de sua Instituies de Direito do Trabalho para os antecedentes histricos dos temas afetos disciplina. O ndice sistemtico informa que comentam a escravido, a servido, as corporaes, a revoluo industrial. Apreciaram questes como igualdade, liberdade, capitalismo, proletariado, ao da igreja, a legislao do trabalho e suas foras criadoras, o perfil normativo do juslaborialismo, o direito do trabalho nos textos constitucionais brasileiros. Aristteles citado, com sabor de previso, pelo que o estagirita teria observado que a escravido desapareceria quando a lanadeira do tear se movimentasse sozinha. Tambm anotaram que:

A completa libertao do trabalhador teria de se fazer mais tarde como conseqncia da revoluo industrial e da generalizao do trabalho assalariado, numa nova luta, no mais contra o senhor da terra nem contra o mestre da corporao, e sim contra um poder muito maior, o patro, o capitalista, amparado, pelo Estado, na sua misso de mero fiscal da lei e aplicador da justia.

Os autores sob comento tambm elogiaram a Encclica Rerum Novarum, observando:

A palavra do Sumo Sacerdote ecoou e impressionou o mundo cristo, incentivando o interesse dos governantes pelas classes trabalhadoras, dando fora para sua interveno, cada vez mais marcante, nos direitos individuais em benefcio dos interesses coletivos.

As apreciaes vo at o texto constitucional de 1988, momento em que se problematiza a questo da complementao normativa da constituio.

Evaristo de Moraes Filho, em obra publicada em 1986, Introduo ao Direito do Trabalho, dedicou um captulo aos fundamentos e formao histrica da disciplina. Informou realisticamente que o direito do trabalho um produto tpico do sculo XIX. Indicou a Encclica Rerum Novarum entre as causas determinantes da interveno estatal, comungou das crticas feitas aos princpios informadores do tema no cdigo napolenico de 1804, assim como relevou a importncia de movimentos sociais do sculo XIX, a exemplo do movimento dos luditas e dos cartistas. E mais uma vez a propsito da encclica do Papa Leo XIII:

Por outro lado, j agora no plano espiritual, aparecia um documento da maior importncia para a final constituio do direito do trabalho: a Encclica Rerum Novarum, do Papa Leo XIII, datada de 15 de maio de 1891. Reconhecia a Igreja a tremenda injustia social dos nossos dias, acabando por aceitar e recomendar a interveno estatal na economia como nico meio capaz de dar cobro aos abusos do regime. Exigiu toda uma legislao protetora, inclusive um salrio justo segundo os melhores ensinamentos dos doutores da Igreja

Evidenciou a importncia da primeira grande guerra para o desenvolvimento do direito do trabalho, e em decorrncia, o tratado de Versalhes, a par, naturalmente, da legislao de Bismarck e da carta de Weimar, aquela anterior e essa posterior ao grande combate.

Feitas essas anotaes e transcries, v-se que a histria do direito narrativa ancilar na apresentao de escoros de dogmtica. Querem uns que a histria d ao advogado maior poder de argumentao. Querem outros que outorga ao profissional do direito uma viso universal dos institutos jurdicos. Quaisquer das opes, ou todas, suscitam uma histria colocada a servio de objetivos determinados. E quando isso ocorre h vnculo entre a narrativa e os resultados procurados. Por isso, em que pese marcos e referncias historiogrficas relativamente padronizadas, no h uniformidade na explicitao da histria do direito. Assim, a chamada introduo histrica do manual de direito ilustrativa, pode ser manipulada, especialmente em temas de altssima variao ideolgica, como o direito do trabalho, campo de cultura para a luta de classes.

6. DIREITO PREVIDENCIRIO

Tal uso da histria tambm pode acontecer, por exemplo, com o direito previdencirio. Pode se constatar inegvel tendncia para confeco de manual, de livro, de curso, que indiquem prolegmenos histricos, justificadores de situaes presentes de seguridade social, de assistncia social, de previdncia social, de infortunstica, de planos de custeio e de benefcios. A principiologia do direito previdencirio tambm poderia ser enfocada em tica linear, progressista, progressiva, historicista. Generalidade, solidariedade, supletividade, seriam identificados no passado, remoto ou prximo.

Randomica e aleatoriamente, com propsitos de se identificar eventuais usos, aponto trs cursos de direito previdencirio, a saber, Wladimir Novaes Martinez, Srgio Pinto Martins e Odonel Urbano Gonalves. Percebe-se, em geral, nesses livros, que escoros dogmticos so precedidos de ilustraes histricas, diretas ou indiretas. Indica-se o direito estrangeiro, sendo que a Alemanha de Otto von Bismarck e a Bula Rerum Novarum, do Papa Leo XIII, so referncias quase que obrigatrias. Passa-se para o direito brasileiro, com incurses em referncias constitucionais, de 1824 ao texto de 1988. Tem-se a impresso que certa linearidade evidencia avano, crescimento. Admite-se ainda que muito poder ser feito. Qual a espera talmdica, benjaminiana, presume-se futuro heterogneo, completo, com espao para experincias messinicas.

Wladimir N. Martinez comeou um de seus cursos anotando que:

Em 1893, o seguro social completou um sculo de fecunda existncia. Desde as trs leis de Otto von Bismarck, at os dias de hoje, so surpreendentes as transformaes ocorridas nas tcnicas de proteo social.

Admitiu que esses cem anos (1883-1983) representam sculo de fecunda existncia. A legislao bismarckiana surgiu numa Alemanha recm-formada, fruto da vitria na guerra franco-prussiana, ensejadora de revanchismo determinante da grande guerra de 1914-1918. Alm das diferenas entre o Brandenburgo e a Baviera, de vidas urbana e rural, consigne-se que o forte grupo dos junkers valeu-se de acenos de proteo previdenciria, na formatao de um esprito pr-germnico, matizado por herana que finca passos em Goethe, Wagner, Nietzsche, Beethoven e tantos outros. Ainda em mbito alemo, observe-se que, em que pese duas guerras mundiais desastrosas, uma diviso dolorosa e uma reunificao traumtica que marcaram o pas, previdncia social h. Mas a quem aproveita? Cito, por exemplo, a situao dos trabalhadores turcos, indicativa do sentido exclusivista do modelo protetivo.

Srgio Pinto Martins invocou o ano de 1334 como palco do primeiro contrato de seguro martimo, posteriormente surgindo a cobertura de riscos contra incndios, sem indicar local, interessados, personagens. Deu um passo de cinco sculos e mencionou a Encclica Rerum Novarum, do Papa Leo XIII. A imagem poderia suscitar crticas de leitura supostamente mais vanguardista, porquanto o papo do proletariado respondia a uma movimentao social revolucionria que agitava a Europa, j premonida no manifesto de Marx, e que precisava ser controlada. O mesmo autor mencionou lei inglesa de 1601, olvidando-se de mencionar a imprestabilidade ftica da mesma. que a Inglaterra viveu a grande revoluo industrial, presenciando a decadncia da sociedade rural e a asceno do meio urbano, o ocaso da manufatura e o znite da maquinofatura, alm do nadir do trabalho artesanal. O submundo vitoriano retratado por Charles Dickens, povoado por menores abandonados, carentes, prostitutas, indica realidade distinta de assptica figura de uma lei para amparo aos pobres. O referido autor tambm mencionou lei francesa de 1898, determinada a assistir velhice e acidentes de trabalho. Indicou tambm a constituio mexicana de 1917 e a constituio alem de 1919 (firmada em Weimar), citando ainda a criao da Organizao Internacional do Trabalho, a partir do tratado de Versalhes. No esqueceu do Plano Beveridge, organizando na Inglaterra, a partir de 1941, em poca de conflito entre britnicos e alemes. Ser que a medida barganhava com apoio popular?

Odonel Urbano Gonalves tambm mencionou o projeto de seguro operrio de Bismarck, a lei francesa de 1898, o tratado de Versalhes, a constituio mexicana de 1917, alm da Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Tem-se que esses documentos so tpicos, referenciais, de citao obrigatria. A incluso da proteo previdenciria na declarao de 1948 como direito fundamental suscita reflexes em torno do universalismo e do relativismo, propiciando que se reflita sobre as grandes desigualdades do mundo, no meio do sculo passado, situao que ainda subsiste, infelizmente, se permitido certo juzo axiolgico.

Identificando o equilbrio instvel do modelo previdencirio brasileiro, Wladimir Novaes Martinez sucintamente referiu-se Lei Eloy Chaves, que dera incio implantao da previdncia social no Brasil. Srgio Pinto Martins localizou no Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral) de 1835, a primeira entidade previdenciria que funciona entre ns. Discorreu sobre os textos constitucionais, vislumbrando a constituio de socorros pblicos no texto de 1824, a utilizao do termo aposentadoria no texto de 1891, forma de custeio na lei fundamental de 1934, o uso da expresso seguro social na carta outorgada de 1937, a sistematizao da matria previdenciria na constituio de 1946, o seguro-desemprego no texto de 1967, a par das orientaes referenciais do texto de 1988. Odonel Urbano Gonalves traou nota parecida, indicando vrios textos normativos, de aplicabilidade previdncia social.

O que se constata que manuais de direito previdencirio podem desenhar certa evoluo histrica linear, que permite que o leitor admita o sistema normativo como resultado da vontade de um legislador que tudo prev, e que outorga direitos, na medida em que as relaes sociais se desenvolvem. Tem-se a impresso que o maior interessado observa passivo o caminhar dos fatos, e que deve externar felicidade por viver num mundo que traduz racionalidade e ordem.

Assim, apenas com o objetivo de estimular o debate, as linhas principais da presente reflexo, que prope que a histria pode ser utilizada pelo operador jurdico, em texto de doutrina, evidenciando certa linearidade que pode no atestar a verdade. No que a operao seja consciente, por parte de quem escreve, de justificar o sistema com base ao passado. Trata-se de trao ideolgico que marca nosso modelo cultural, objeto das crticas que formam certo pensamento rebelde que exige uma dialtica apontadora de mudanas.

7. DIREITO TRIBUTRIO E CINCIA DAS FINANAS

Essas perspectivas poderiam tambm ser observadas em direito tributrio e em cincia das finanas. O modelo tributrio contemporneo pode ser apresentado como racional, na medida em que o gnero tributo divide-se em espcies, alm de caractersticas ontolgicas mais contemporneas, a exemplo de institutos como lanamento, crdito, suspenso, responsabilidade tributria. Farta nesse de informaes pode ser utilizada de modo a justificar a plausibilidade de modelos normativos tributrios de nossos dias. o que se v, por exemplo, em escritos de Bernardo Ribeiro de Moraes e Aliomar Baleeiro, tema das consideraes seguintes.

Bernardo Ribeiro de Moraes em captulo de seu compndio para discorrer sobre o histrico do direito tributrio, principiou por justificar a validade do uso da histria para os estudos jurdicos:

Ao examinarmos qualquer ramo do direito, inclusive o do direito tributrio, a lembrana de sua gnese e de seu desenvolvimento atravs dos tempos de inegvel interesse e de grande valia pedaggica. A gnese histrica permite situar melhor os temas a serem abordados e, assim, melhor compreend-los. A histria, sem dvida, se transforma em imprescindvel auxiliar que na certa encontraremos no futuro, medida que avanamos em nossa disciplina.

O aludido autor percebeu certa evoluo no direito, no que seria contrariado por Walter Benjamin em sua X tese sobre a filosofia da Histria. Enquanto o filsofo alemo sentiu distinta temporalidade na histria, que no seria nem retilnea, nem evolutiva, o tributarista brasileiro protestou em sentido contrrio, escrevendo:

O direito tributrio, da mesma forma dos demais ramos da cincia jurdica, formou-se tambm lentamente, evoluindo passo a passo.

Para Bernardo Ribeiro de Moraes, o primeiro tributo institudo no pas fora o quinto do pau-brasil, contribuio fiscal j encontrada em Portugal, desde 1316, sendo uma cpia da instituio muulmana, que buscava recursos nas espoliaes dos inimigos. Em seguida o autor avanou no tempo, seccionando rendas do Real Errio e dos donatrios, observando que (...) inexistia organizao fiscal na poca. A arrecadao e fiscalizao dos tributos eram realizadas pelos servidores especiais da Coroa denominados rendeiros, e pelos seus auxiliares (contadores, feitores e almoxarifes). Adiantando-se para a poca decorrente da criao do Governo-Geral (1540), Bernardo Ribeiro de Moraes dividiu os tributos em ordinrios e extraordinrios. Entre os primeiros, identificou rendas da Coroa e do Governador-Geral. A Coroa ficaria (entre outros) com direitos das alfndegas reais, relativas a mercadorias importadas e exportadas, ou naufragadas. Segundo ele, a Coroa Real ficaria tambm com o quinto dos metais e das pedras preciosas. J o Governador-Geral (ainda segundo o autor sob comento) detinha direitos sobre passagens dos rios, escravos, especiarias, drogas. Bernardo Ribeiro de Moraes tambm menciona tributos extraordinrios, como derramas (sem fato gerador definido), fintas (proporcionais aos rendimentos dos contribuintes), contribuies as mais variadas.

Valendo-se de perspectiva histrica linear, continuou Bernardo Ribeiro de Moraes identificando figuras fiscais do perodo joanino, a propsito de direitos de importao, de prdios urbanos, de penses para a capela imperial, de sisas dos bens de raiz, de meias sisas de escravos, de impostos de selo sobre papis (que teriam vigorado at 1965), de direitos de entrada de escravos novos, entre outros. J a propsito do imprio e da constituio de 1824, anotou Bernardo Ribeiro de Moraes:

Em referncia discriminao de rendas tributrias, a Constituio Poltica do Imprio do Brasil silenciou a respeito, uma vez que o poder fiscal achava-se centralizado na pessoa do Imperador. No havia uma separao de competncia tributria entre o poder central, provncias e municpios ou vilas.

Identificou tambm a gnese das execues fiscais (atual Lei 6.830/80) no perodo regencial (1831-1840), observando que (...) pelo Decreto de 18 de agosto de 1831, regulou-se o processo nas aes executivas da Fazenda Pblica contra os seus devedores. Sentiu a descentralizao da poca, que conheceu movimento propulsor de autonomia provincial. Bernardo Ribeiro de Moraes inventariou os tributos cobrados no 2 Imprio (1840-1889), identificando situao catica.

No perodo republicano identificou que a constituio de 1891 fixara tributos para a Unio, para os estados, silenciando-se todavia em relao aos municpios. Trata-se de descrio normativa, neutra, que evita apreciaes sociolgicas, polticas, a propsito de modelo que forava o municpio dependncia em relao ao poder central, trao marcante da chamada poltica do caf com leite. Identificou tambm a instituio do imposto de renda em 1922, ano difcil, marcado pela rebeldia na poltica (movimentos tenentistas) e na cultura (modernismo e semana de arte moderna). Comentando o modelo tributrio da Constituio de 1934, Bernardo Ribeiro de Moraes apontou curiosa imunidade prevista pelo texto legal, dada (...) a determinao de que nenhum imposto gravar diretamente a profisso de escritor, jornalista ou professor. Tambm constatou o autoritarismo da constituio de 1937, pelo que (...) tal Carta representa uma decidida volta centralizao poltica. Constatou tambm nova norma de regncia para as execues fiscais, por conta do decreto-lei 960 de 17 de dezembro de 1938. Discriminou tambm os tributos da constituio de 1946, observando que teria havido (...) sensvel alterao, para melhor, na nova discriminao de rendas tributrias. Historiou a concepo e a formao da comisso que preparou o Cdigo Tributrio Nacional, anunciando tambm os prdromos do movimento de 1964:

Em 1964 a situao econmica, financeira e poltica do pas apresenta-se grave. o momento de grande crise e de desordens dos comandos polticos, inclusive agitaes e abusos administrativos. O dficit oramentrio era elevadssimo e a inflao assustadora (...). Diante desse clima perigoso para o destino da nao, em 31 de maro de 1964 irrompe um movimento civil e militar que se tornou vitorioso, despontando-se um novo perodo poltico.

Bernardo Ribeiro de Moraes observou que nossa ordem legitimou a constituio e que (...) neste ambiente que encontramos a poltica que possibilitou uma autntica reforma do sistema tributrio brasileiro. Ainda, identificou os contornos do cdigo tributrio nacional, do texto constitucional de 1988 em matria tributria, concluindo, com certo pessimismo:

No podemos esquecer que o sitema tributrio brasileiro est condenado complexidade, em razo da estrutura federativa do pas, com trs nveis de governo (federal, estadual e municipal) e da enorme disparidade de nveis de desenvolvimento (o Brasil peca por sua extenso).

Aliomar Baleeiro em obra de introduo cincia das finanas dedicou captulo evoluo dos estudos financeiros. Enquanto Bernardo Ribeiro de Moraes enfocou a histria da tributao no Brasil (e seu livro de direito tributrio), Aliomar Baleeiro preocupou-se com o histrico da cincia das finanas (tema desse seu livro, que agora comento). Aliomar percebeu a autonomia da cincia das finanas no sculo XIX, porm indicou fontes mais antigas, a exemplo de Xenofonte, Aristteles, Ccero, Toms de Aquino. Observou que Maquiavel tambm preocupara-se com finanas pblicas, assim como identificou princpios intervencionistas nos mercantilistas (Petty, Hume, Forbonnais, Bodin, Colbert, Pombal), nos cameralistas (Besold, Bornitz), criticados pelos fisiocratas (Quesnay, Mirabeau, Turgot) e pelos individualistas, a exemplo de Adam Smith.

Aliomar Baleeiro, assim, fundamentou seu livro com prolegmeros de histria da economia, assim como Bernardo Ribeiro de Moraes antecedera seu compndio com sntese de nossa histria tributria. Eu levanto, to somente, uma questo metodolgica. Afinal, qual a prestabilidade ftica da utilizao de elementos histricos em manuais de direito?

8. DIREITO AMBIENTAL

Essas perspectivas podem tambm ser observadas em temas de direito ambiental. Constata-se que pode haver tendncia de usar-se o pretrito, justificando-se normas e comportamentos presentes. Pode-se romanticamente valer-se do passado, de modo a enfaticamente imaginar-se a trajetria humana travada com preocupaes ambientais. Certa construo do pretrito pode suscitar que o direito ambiental linear e que preocupaes de hoje j se verificam em tempos muitos antigos. o caso, por exemplo, de excerto de livro que estuda a evoluo do direito ambiental:

No sculo Iv a.C., na Grcia, Plato lembrava o papel preponderante das florestas como reguladoras do ciclo da gua e defensoras dos solos contra a eroso.

Deixo bem claro e bem entendido que as observaes so quanto ao mtodo, no quanto ao fundo. O citado autor (cuja excelente obra ganhou inclusive o prestigioso prmio Teixeira de Freitas) ao invocar Plato no indica a fonte, a par de causar a impresso de que esse tipo de preocupao remontaria aurora da humanidade. Tambm escreveu:

Em Roma, Ccero considerava inimigos do Estado os que abatiam as florestas da Macednia. Nessas civilizaes havia leis de proteo natureza.

Ao comentar o normativismo ambiental no Brasil, Juraci Perez Magalhes elogiou a Jos Bonifcio de Andrada e Silva, a quem imputou preocupao com o tema:

(...) Jos Bonifcio, por exemplo, merece destaque. Homem de vasta cultura, com estudos slidos na Europa, sobressaiu-se pela sua combatividade. Era o homem do sculo das luzes. H mais de um sculo j pregara a reforma agrria, o voto do analfabeto, a abolio gradual da escravido, a incorporao do ndio, o anticolonialismo, a auto determinao dos povos, e muitas outras idias avanadas para a poca. No de admirar, pois que se preocupasse com o problema ambiental.

O mesmo autor tambm percebeu preocupaes ambientais em Euclides da Cunha e anotara:

Cumprindo misses pela Amaznia, esse estilista mpar [Euclides] deixou pginas inesquecveis sobre a regio. Ao tempo que exaltava suas belezas, deixava-nos depoimentos impressionantes sobre a devastao de suas riquezas naturais. Euclides da Cunha percorreu a nossa Hilia pelo final do sculo passado e incio deste, constando, j, as famigeradas queimadas, o que o deixava desolado.

Paulo de Bessa Antunes, em festejadssima obra, avaliou a proteo ambiental, em nvel evolutivo, com ncoras epistemolgicas em nossos textos constitucionais. A partir da carta de 1824 percebeu regime de competncias, a propsito tambm de feiras, abatedouros de gado. No perodo republicano tambm identificou os modelos de competncias, elogiando a carta de 1988 como ponto culminante em tema de proteo ambiental:

A fruio de um meio ambiente saudvel e ecologicamente equilibrado foi erigida em direito fundamental pela ordem jurdica vigente.

Antnio Herman V. Benjamin em artigo publicado na Revista de Direito Ambiental, especificou a evoluo histrica da proteo jurdica do meio ambiente. Identificou trs fases, em nome da clareza didtica, a saber, momentos de interpretao, uma fase fragmentria e (por fim) uma fase holstica. Com muita classe, demonstrando sensibilidade, coerncia e firmeza conceitual, reconheceu os senes e arbitrariedades em taxonomias de sabor histrico:

Retrospectivamente e em favor da clareza didtica, podemos identificar trs momentos (mais modelos do que propriamente perodos estanques) histricos na evoluo legislativo-ambiental brasileira. No se trata de fases histricas cristalinas, apartadas, delimitadas e mutuamente excludentes. Temos, em verdade, valoraes tico-jurdicas do ambiente que, embora perceptivelmente diferenciadas na forma de entender e tratar a degradao ambiental e a prpria natureza, so, no plano temporal, indissociveis, j que confuncionam por combinao e sobreposio parcial, em vez de por substituio pura e simples.

Em obra de divulgao, Elida Sguin e Francisco Carrera, reconheceram a natureza contempornea da preocupao ambiental, embora insistindo em modelo evolutivo:

O tratamento dado matria nas Constituies Brasileiras, inegavelmente tem evoludo. A Constituio Imperial de 1824 no fazia nenhuma aluso ao Meio Ambiente, o que compreensvel, pois poca esta no era uma preocupao corrente.

E continuaram, sinteticamente:

Com a 1 Constituio Republicana, de 1891, inicia-se a preocupao em regulamentar os elementos da natureza. Ela apenas atribuiu competncia Unio sobre minas e terras (art.34, 29). Ainda com este enfoque, a Carta de 1934, objetivando a racionalizao econmica das atividades e no a defesa ambiental, normatiza a explorao de recursos naturais (art. 5, XIX, j) referentes ao subsolo, minerao, flora, fauna, guas, energia hidroeltrica e florestas, o que ampliou o rol de regulamentao. As Constituies de 1937, 1946 e 1967, com posicionamento idntico anterior, determinam, nos artigos 16, XIV, 5, XV, 1 e 8, XVII, h e i, respectivamente, a competncia para legislar nos temas suso mencionados, mas tambm sem uma viso holstica do Meio Ambiente ou um enfoque preservacionista e sustentvel.

A presente passsagem indica assim os mais variados usos que a histria pode ter para a exposio sistemtica do direito ambiental. Pode ser elemento retrico, de referencial argumentativo, na medida em que pessoas ilustres demonstraram no passado preocupaes ambientais. Pode ser referencial identificador de que o direito ambiental sintoma de uma evoluo. Pode ser instrumental crtico para que se lembre que nem todas as pocas so iguais. Pode ser informao de apuradas snteses preparatrias. que a ecologia instrumento de crtica da sociedade moderna, matizada por organismos vivos moldados por impulsos primrios, como queria Freud, ou por oposio de classe, como queria Marx, ou por mundo que pode melhorar, como sugere otimismo conceitual, que parece dignificar histria e direito ambiental.

9. DIREITO CIVIL

As relaes entre histria e direito civil so particularmente complexas, abundantes. que o direito civil radica no direito romano, criao pretrita, desenvolvida ao longo da tradio ocidental. Tambm suscita a questo da codificao, racionalizao da orientao jurdica, vinculando iluminismo, direito natural e cdigos modernos. Conseqentemente, as obras de introduo ao direito civil exigem bosquejos histricos, a exemplo de escoros em torno da palavra direito, de direito e religio, de direito pblico e privado, assim como tambm de noo e classificao de pessoas, com o necessrio estudo da liberdade, cidadania e famlia, alm de abordagens em tema de tutela e curatela. Manuais que explicitam as partes especiais valem-se do direito romano para amostragens de classificao de coisas, de propriedade, de posse, de obrigao, contratos, sucesses. Estudos a propsito do novo cdigo civil (ou do cdigo civil novo Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2000) propiciaro investidas histricas justificativas, por exemplo, do artigo 1.511, e de concepes nucleares de direito de famlia.

A relao entre histria e direito civil j capturava a ateno de Arnoldo Wald:

Pelo mtodo histrico, toda norma estudada em sua evoluo, devida modificao econmica, social e poltica do meio. Sem a incluso do elemento histrico, o Direito tornar-se-ia esttico, divorciando-se do ambiente ao qual deve ser aplicado.

Justificativas histricas em mbito de direito civil tambm so colhidas em Silvio Rodrigues, para quem:

A fonte primordial de nosso Direito Civil o direito romano. Embora o Cdigo Civil brasileiro tenha colhido grande nmero de suas solues nas Ordenaes do Reino e nas legislaes portuguesa e brasileira anterior sua publicao; embora nele se encontra ntida influncia do Cdigo Napolenico de 1804 e do Cdigo alemo de 1896, aquela primeira assero no se infirma, pois estes monumentos legislativos se inspiram, diretamente, na legislao justiania.

Silvio Rodrigues tambm historiou a confeco do Cdigo Civil de 1916, com estaes na legislao portuguesa, confirmando a historicidade dos textos legais, vinculando-os s pocas em que nascem, e escrevendo:

Estupendo monumento da cultura jurdica, o Cdigo Civil brasileiro representava, no tempo de sua feitura, aquilo que de mais completo se conhecia no campo do direito. Seu defeito, se tem algum, o de ter sido elaborado ao fim do sculo XIX e representar a cristalizao da cultura de uma poca, porventura desaptada evoluo que se seguiu.

Percebeu muito bem o ambiente em que se desenvolveram as condies que marcam o entorno do texto de 1916 e observou:

(...) que o legislador do Cdigo Civil tinha a ateno mais voltada para os problemas de uma pequena sociedade burguesa e conservadora, do que para os grandes problemas humanos que os tempos modernos parecem propor de maneira dramtica.

Maria Helena Diniz, ainda a propsito da codificao de 1916, descreveu os eventos condutores dos fatos (histoire evenementielle), percebendo uma evoluo lenta, difcil, problemtica, anotada em quadro sinptico:

Aps rduas e infrutferas tentativas de codificao, Campos Sales, ao ocupar a Presidncia da Repblica, por indicao de Epitcio Pessoa, nomeia, em 1899, Clvis Bevilqua para essa tarefa; este no final desse mesmo ano apresenta um projeto que, aps 16 anos de debates, transformou-se no atual Cdigo Civil, promulgado em 1-1-1916, entrando em vigor em 1-1-1917.

Carlos Alberto Bittar, no que toca tradio civilstica, invocou perspectiva histrica, com certo sabor evolucionista:

Historicamente no Direito Civil (ius civile, dos romanos) que se enfeixaram os primeiros regramentos jurdicos para a conduo da vida social. Assumia a condio de direito da cidade (cives), disciplinando as relaes entre cidados independentes (...) Evoluiu, no entanto, com o passar dos tempos, acompanhando o progresso social, econmico, poltico e jurdico, para afirmar-se, poca das codificaes (...)

Washington de Barros Monteiro valeu-se de referncias pretritas, ilustrativas, de modo a tonificar explicaes e explicitaes. Antecedeu sua anlise de pessoas com exemplo histrico:

A palavra pessoa advm do latim persona, emprestada linguagem teatral na antigidade romana. Primitivamente, significava mscara. Os atores adaptavam ao rosto uma mscara, provida de disposio especial, destinada a dor era s suas palavras. Personae queria dizer, pois, ecoar, fazer ressoar. A mscara era uma persona, porque fazia ressoar a voz da pessoa.

Percebeu sentido evolutivo na expresso, de modo que o designativo da antiga mscara atingiria a identificao de certa unidade existencial. Assim:

Por curiosa transformao no sentido, o vocbulo passou a significar o papel que cada ator representava e, mais tarde, exprimiu a atuao de cada indivduo no cenrio jurdico. Por fim, completando a evoluo, a palavra passou a expressar o prprio indivduo que representa esses papis. Nesse sentido que a empregamos atualmente.

Caio Mrio da Silva Pereira centrou o direito civil tambm na tradio romana, importando ao mesmo sentido evolutivo, varivel:

A expresso direito civil tem variado de significao no tempo e no espao. Para o direito romano, que considerava o direito em funo de suas condies peculiares, direito civil era o direito da cidade, destinado a reger a vida dos cidados independentes e, rigorosamente, correspondia ao direito quiritrio(...)

Afirmou que no medievo a vida civil romana persistiu informando as instituies de direito privado, amalgamando-se tradio do direito cannico, de modo que direito leigo e eclesistico teriam vivido aproximao histrica. Ao historiar as codificaes, Caio Mrio da Silva Pereira identificou prottipos de cdigos em toda a antigidade, na Babilnia, em Atenas, em Esparta, em Roma, observando:

velhssima a tendncia codificao. Da antigidade remota vem o famoso cdigo de Hammurabi, que liga sua existncia do povo babilnico, retratando tanto ou mais do que os monumentos arquitetnicos o teor de sua civilizao. Momento brilhante da civilizao helnica o que se prende coordenao jurdica, realizada por Licurgo em Esparta, e especialmente por Slon em Atenas. Dos romanos nos ficou de primeiro a Lex XII Tabularum, to impregnada do esprito cvico daquele povo, que todos deviam conhec-la, o que levou Ccero a lamentar como sintoma de decadncia que as crianas de seu tempo no soubessem recit-la de cor(...).

Orlando Gomes identicamente percebeu sentido evolutivo no direito, vinculando o direito civil, como faz-se tradicionalmente, tradio romanstica:

Numa classificao filogentica do Direito, a evoluo parte do direito ariano, prolongando-se pelo direito grego, romano e medieval, para chegar ao direito moderno, tal como concebem e praticam os povos ocidentais. O estudo histrico do direito civil inicia-se no direito romano, quando mais no fosse porque continua a ser o substrato do direito privado dos nossos dias. Dele se diz que foi a razo escrita.

Ainda, desconsiderando o ambiente histrico e romntico que matizou a formao da Alemanha no sculo XIX, escreveu Orlando Gomes:

O povo alemo renunciou a seu direito nacional, para se submeter ao direito romano, velho de mil anos. O fenmeno singular. A adaptao processou-se, todavia, mas s se compreende, ligando-se a recepo ao nascente movimento individualista, que se harmonizava ao esprito do direito romano.

Clvis Bevilqua pulverizou sua obra com referenciais romanos. Exemplificando, caso de diminuio de capacidade:

No direito romano, capitis minutio maxima importava em aniquilamento da personalidade. O condenado morte incorria, a princpio, nessa perda de personalidade, mas essa conseqncia da condenao pena ltima desapareceu no perodo imperial.

Tambm, e apenas exemplificando, Clvis Bevilqua ilustrou tema de capacidade:

O direito romano distinguia os furiosi e os dementes ou mente-capti, distino correspondente loucura completa e parcial ou monomania. O direito justianeu, porm, desprezou esse ponto de vista da forma da enfermidade para atender, exclusivamente, a insanidade mental, em suas conseqncias jurdicas, declarando incapazes os loucos e dando-lhes curadores.

Constata-se assim vrios usos da histria por parte do direito civil. justificativa da codificao como evoluo que aponta a racionalidade. fio condutor de fatos que acenam para a perfectibilidade das opes normativas atuais. interminvel fonte de referenciais explicativos na tradio romana. recurso retrico que d vida s explicaes dos institutos. comprovao da factibilidade entre direito pblico e privado. indicativo de evoluo. Qual previsto por Walter Benjamin, a histria matiza salto de tigre que faz do passado uma presa de nossos tempos.

10. DIREITO COMERCIAL

Essas concepes podem ser tambm verificadas em mbito de direito comercial. que modelos originrios de troca teriam evoludo, suscitando relaes comerciais complexas, que informam a vida contempornea, marcada pelo sistema capitalista. Fran Martins, a propsito de relaes comerciais pretritas, observou:

No se pode, com segurana, dizer que houve um direito comercial na mais remota antigidade. Os fencios, que so considerados um povo que praticou o comrcio em larga escala, no possuam regras especiais aplicveis s relaes comerciais. Na Grcia comeavam a aparecer alguns contratos, que mais tarde so aceitos no direito comercial, como o cmbio martimo (...).

Aspectos da prtica comercial de nossos dias, como bancos e depsitos, tambm seriam sentidos na antigidade. Segundo o mesmo Fran Martins:

Um antecedente dos banqueiros surge com os trapezistas (trapezitai), pessoas que se encarregavam de receber depsito de particulares. Mais tarde, sabendo-se, inclusive, que o templo de Delos, em certa poca, fazia emprstimos a particulares e s prprias cidades. Conquistada Alexandria, o sistema rudimentar de bancos se espalha pelo Egito.

O autor cearense tambm fez a necessria citao nas leis de Rodes, citao que tem espao garantido em obras de direito comercial:

Foi, porm, o comrcio martimo o que mais se desenvolveu nessa poca. As cidades situadas margem do oceano floresciam e uma srie de usos e costumes passou a regular as transaes dos comerciantes. A ilha de Rodes possua vrios desses usos, chamados leis rdias, que mais tarde, por disposio de Coracala, foram aplicadas a todo territrio romano.

O modelo romano fora invocado por Fran Martins:

(...) as regras relativas aos contratos e s obrigaes do direito romano serviram de base aos contratos e s obrigaes comerciais, quando o direito comercial comeou a tomar forma, na Idade Mdia. Ainda hoje essa parte do direito comercial se rege pelas normas do direito civil, com pequenas restries.

O aludido autor centrou-se tambm na vida econmica do medievo ocidental, referindo-se s cruzadas (que facilitaram o intercmbio comercial), s proibies cannicas (que condenavam a agiotagem), aos mercados e feiras (centros dos mercados terrestres). Teriam ento nascido os primeiros institutos de direito comercial, como a letra de cmbio, os processos de falncia, o seguro martimo, as vendas condicionais. Fran Martins abordou o cdigo comercial napolenico de 1807, assim como tambm suas influncias.

Dlson Dria invocou uma evoluo histrica do direito comercial e sua evoluo tambm no Brasil. A propsito de questes historiogrficas anotou:

(...) so falhos os conhecimentos que sobre as legislaes dos povos antigos tm chegado at ns, fato que se explica, em grande parte, em virtude de a escrita, que de fundamental importncia revelao das fontes histricas, s haver aparecido muito tempo depois do surgimento das civilizaes. Mesmo os documentos que chegariam aos nossos dias teriam sido danificados parcialmente, se no pela ao do tempo, pela mo do homem.

E a propsito do direito martimo anotou, por exemplo:

Alm do Cdigo de Hammurabi, os historiadores do Direito reportam-se ao Cdigo de Manu, dos hindus (sc. XIII a.C.) como monumento legislativo da antigidade, que traria no seu bojo algumas regras sobre Direito Martimo.

Dlson Dria tambm pranteou os gregos, atitude tradicional em nossa historiografia jurdica:

J entre os gregos prevalecia o uso sobre a lei escrita. Com efeito, no possuam os gregos uma legislao comercial, sendo o comrcio entre eles feito base de normas usuais e costumeiras. Aos gregos se deve, no entanto, a criao e desenvolvimento de muitos institutos jurdicos, como o Nauticum Foenus que, segundo algumas verses, se traduzia no fato de os capitalistas, ento proibidos de cobrar juros, financiarem arriscadas expedies martimas. Se o navio retornasse inclume, os capitalistas, financiaram arriscadas expedies martimas. Se o navio retornasse inclume, os capitalistas participavam da venda das mercadorias trazidas ou recebiam juros altssimos, que compensariam eventuais prejuzos.

Dlson Dria transitou pelo direito romano, observando que a tradio romanstica vivera carncia de direito comercial. Atinge a idade mdia, quando,

Alm dos naturais bices que o regime feudal impunha ao desenvolvimento do trfego mercantil, prejudicava-o tambm a falta de uma legislao que estimulasse o seu incremento.

No que toca ao mundo moderno Dlson Dria relevou o papel da formao dos estados nacionais no desenvolvimento do direito comercial, assim como indicou intensa atividade legislativa na Inglaterra e na Frana. J quanto ao direito comercial em fase mais contempornea, Dlson Dria apontou o cdigo comercial napolenico de 1807 como marco mais significativo, sustentando essa opinio com Waldemar Ferreira, no deixando de observar no entanto que o texto (...) j nasceria ultrapassado, apresentando graves lacunas.

Rubens Requio deixou tambm algumas pginas em tema de formao histrica do direito comercial e principou suas consideraes escrevendo:

O direito comercial surgiu, fragmentariamente, na Idade Mdia, pela imposio do desenvolvimento do trfico mercantil. compreensvel que nas civilizaes antigas, entre as regras rudimentares do direito imperante, surgissem algumas para regular certas atividades econmicas. Os historiadores encontram normas dessa natureza no Cdigo de Manu, na ndia; as pesquisas arqueolgicas, que revelaram a Babilnia aos nossos olhos, acresceram coleo do Museu do Louvre a pedra em que foi esculpido h cerca de mil anos o Cdigo do Rei Hammurabi, tido como a primeira codificao de leis comerciais.

O autor paranaense reconheceu, todavia, cindibilidade normativa estrutural entre modelos antigos e modernos:

Mas essas normas ou regras de natureza legal no chegaram a formar um corpo sistematizado, a que se pudesse denominar de direito comercial. Nem os romanos o formularam. Roma, devido organizao social estruturada precipuamente sobre a propriedade e atividades rurais, prescindiu de um direito especializado para regular as atividades mercantis.

Rubens Requio concebeu um direito comercial como disciplina histrica dos comerciantes (conceito subjetivo) e tambm como disciplina dos atos do comrcio (conceito e objetivo). Formatou assim a trajetria dos colgios e corporao de mercadores quanto ao aspecto subjetivo, a par de certa evoluo normativa, atrelada s codificaes, no que pertine ao aspecto objetivo. Quanto a uma histria do direito comercial no Brasil, Rubens Requio mencionou as influncias dos direitos cannico e romano sobre as ordenaes, a importncia do Visconde do Cairu e caractersticas da vinda da famlia real para o Brasil, a Lei da Boa Razo e a plausibilidade do uso do direito comercial estrangeiro no Brasil, atingindo o Cdigo Comercial brasileiro de 1850, em relao ao qual anotou:

Esse diploma, at hoje elogiado pela preciso e tcnica de sua elaborao, teve como fontes prximas o Cdigo francs de 1807, o espanhol de 1829 e o portugus de 1833. Foi compilado, como registrou os autores, em grande parte do Cdigo portugus (...)

Em seu curso sobre a lei de quebras, Rubens Requio tambm historiou a insolvncia. Assim:

No Egito, em poca remota, foi admitida a escravido por dvidas, o que no durou muito tempo. A execuo se fazia sobre os bens do devedor, mas, como muitas vezes fossem insuficientes, era permitido que, falecendo o devedor sem solver suas dvidas, pudesse o credor tomar o cadver como penhor, dessa forma, os parentes e amigos, a resgatar o cadver, pagando-se a dvida.

Adiantando-se na antigidade clssica, Rubens Requio observou que:

Mais importante, na pesquisa histrica, o conhecimento das condies da execuo das dvidas na Grcia, dada a influncia do antigo direito helnico compilado pelos decnviros na Lei das XII Tbuas. Naquela civilizao clssica, a regra importava na servido pessoal do devedor ao credor, pela falta da satisfao da dvida.

Tambm o direito romano foi lembrado, em jogo dialtico com nossos tempos:

O primitivo direito romano refletia, porm, a barbrie do princpio de que o corpo do devedor respondia pelas suas dvidas. No se exigia a interveno do Estado, pois o credor tinha o poder de, fazendo justia pelas prprias mos, sujeitar o devedor inadimplente. A partir da Lei das XII Tbuas se delinearam a execuo singular e a execuo coletiva, sendo esta a grande contribuio do direito romano no nosso instituto.

Para Rubens Requio a deplorvel situao do devedor j fora ultrapassada ainda em mbito de desenvolvimento normativo romano:

O rigor desumano da execuo felizmente no perdurou. No ano de 428 ou 441 a.C., no se precisando bem a data, surgiu a Lex Poetelia Papiria, pela qual foi abolida a manus injectio. Ela tornava o devedor inadimplente, independentemente de julgamento ou confisso, nexus, submetido ao credor. Fortalecia-se, pelas novas regras, a atuao do magistrado, prescrevendo a execuo extrajudicial que, como vimos, o direito primitivo admitia. Os bens do devedor e no o seu corpo, passam a constituir a garantia dos credores.

Rubens Requio apreendeu traos de represso penal no modelo falimentar medieval, mitigados pelo individualismo e pelo utilitarismo de flagrados pela economia liberal, pelo que criticou a intolerncia e a severidade com o que o cdigo francs de 1807 tratava o comerciante falido. Em mbito de direito falimentar no Brasil, Requio caracterizou o devedor (quebrado) no modelo das ordenaes, a confisso da quebra (norma a seguir pelo comerciante honesto porm infeliz em seus negcios), a Lei da Boa Razo, atingindo a matria (quebras) em nosso cdigo comercial de 1850.

Atente-se tambm que o direito comercial oxigenado por prticas, usos, costumes, como consignado por Carvalho de Mendona em seu prestigioso tratado. Tem o direito comercial grande eficcia histrica, alm, naturalmente, de historicidade aqui aventada.Direito e histria efetivamente suscitam uma relao equivocada. Como adereo retrico imprescindvel, juristas argumentam com a fora do que consideram como relevantemente histrico, de modo a se demonstrar o direito atual como fruto de uma evoluo linear, mostrando-se nosso tempo como civilizado, perfeito e bem elaborado. Ao legislador caberia a tarefa de apreender seu tempo, dimensionando-o normativamente, oferecendo solues normativas que se propem a regular um mundo supostamente carente de conflitos, de pluralidades e de ambiguidades. BIBLIOGRAFIA

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Idem. Ibidem. p.11.

Idem. Ibidem. Loc. Cit.

Idem. Ibidem. p.12.

Idem. Ibidem. p.1