História do Direito

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História do Direito Do Código de Ur-Nammu à CF-88 Williams Rodrigues Ferreira. FMN-2010. Introdução Os Jusnaturalistas acreditam na existência de um direito cujo conteúdo é estabelecido pela natureza e, portanto, válido em qualquer lugar. Eles afirmam que todas as ações da natureza regem-se por leis imutáveis e válidas desde sempre. Creio que estes estudiosos do direito vêem as leis como fenômenos naturais superiores ao poder do homem, que em todas as normas que cria inspiram-se incoscientemente nas leis naturais. Lógico é que o próprio homem dissertou sobre as características dessas leis, as quais o auxiliam na luta permanente contra sua natureza animal. Sabemos bem que o direito enquanto cultura é só uma pequena parte do vasto conhecimento que o homem sistematizou ao longo da eras, desde aqueles difíceis períodos que fizeram o homem elevar sua fronte e andar ereto. O conhecimento é a mudança do ser por um objeto, daí vemos por que o homem ao evoluir aprendeu tanto e criou ciência; o homem precisava de armas contra o estado de equilíbrio. Entre nossas características culturais únicas, a lógica é talvez a mais nobre invenção humana. Imaginem, por exemplo, a necessidade de recrutamento de bilhões de neurônios, milhares de músculos, imensa capacidade sensorial, visual e auditiva, a espantosa capacidade de memória envolvida para tentar entender o que se passa a sua volta e procurar fórmulas e argumentos para sistematizar e perpetuar o conhecimento. São bilhões e bilhões de neurônios, treinados ao longo de anos de prática, espalhados por todas as regiões do cérebro, e trabalhando em harmonia para produzir um resultado de uma complexidade inimaginável.

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História do Direito

Do Código de Ur-Nammu à CF-88

Williams Rodrigues Ferreira. FMN-2010.

Introdução

Os Jusnaturalistas acreditam na existência de um direito cujo conteúdo é estabelecido pela natureza e, portanto, válido em qualquer lugar. Eles afirmam que todas as ações da natureza regem-se por leis imutáveis e válidas desde sempre. Creio que estes estudiosos do direito vêem as leis como fenômenos naturais superiores ao poder do homem, que em todas as normas que cria inspiram-se incoscientemente nas leis naturais. Lógico é que o próprio homem dissertou sobre as características dessas leis, as quais o auxiliam na luta permanente contra sua natureza animal.

Sabemos bem que o direito enquanto cultura é só uma pequena parte do vasto conhecimento que o homem sistematizou ao longo da eras, desde aqueles difíceis períodos que fizeram o homem elevar sua fronte e andar ereto. O conhecimento é a mudança do ser por um objeto, daí vemos por que o homem ao evoluir aprendeu tanto e criou ciência; o homem precisava de armas contra o estado de equilíbrio.

Entre nossas características culturais únicas, a lógica é talvez a mais nobre invenção humana. Imaginem, por exemplo,  a necessidade de recrutamento de bilhões de neurônios, milhares de músculos, imensa capacidade sensorial, visual e auditiva, a espantosa capacidade de memória envolvida para tentar entender o que se passa a sua volta e procurar fórmulas e argumentos para sistematizar e perpetuar o conhecimento.  São bilhões e bilhões de neurônios, treinados ao longo de anos de prática, espalhados por todas as regiões do cérebro, e trabalhando em harmonia para produzir um resultado de uma complexidade inimaginável.

Quando o Código de Ur-Nammu foi criado o homem já era, por muitas características, igual ao de hoje. As melhorias e os avanços de lá pra cá simplesmente resultados do conhecimento multiplicado.

A História do Direito não é somente a dissertação cronológica dos acontecimentos jurídicos do passado e do presente, mas sim uma abordagem que se ocupa da análise, da crítica e da desmistificação dos institutos, normas, pensamentos e saberes jurídicos. A rigor, não há que se falar em história do direito, com um caráter universalizante. Adotando-se uma perspectiva sócio-antropológica e mesmo historiográfica, o que encontramos são tradições culturais particulares que informam práticas rituais de resolução de conflitos - sejam estas formais ou informais, codificadas ou não, escritas ou não. Pode limitar-se a uma ordem nacional, abrangendo o direito de um conjunto de povos identificados pela mesma linguagem ou tradições culturais. Pode-se falar em história do Direito Romano e suas instituições, do Direito português, do brasileiro, da Common-law, ou se estender ao plano mundial. Sabe-se, por exemplo, que segundo a tradição européia continental, a história do Direito Romano e de suas instituições tem grande importância — menor na tradição anglo-americana e quase nenhuma para os povos de tradição islâmica.

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Código de Ur-Nammu

Ur-Nammu (sentado), concede o governo sobre Khashkhamer a um patesi (sumo sacerdote) de Iškun-Sin. (impressão de selo num cilíndrico), cerca de 2100 a.C.

Como primeira civilização organizada que se tem notícia, os mesopotâmicos foram pioneiros na arte política e jurídica e detêem o status de primeiro povo a produzir um código de leis. Como em todas as civilizações posteriores até o advento do Império Romano sua codificação era simples e baseada em ritos religiosos, com caráter essencialmente patriarcalista. O código de Ur-Nammu tem esse nome em homenagem ao fundador da terceira dinastia de Ur, período ao qual é relacionado. O rei Ur-Nammu “pai de Amurru” fundador da terceira dinastia de Ur 2112-2003 a.C. Por volta de 2100 a.C., expulsou os gútios e reunificou a região da Mesopotâmia que estava sob o controle dos acadianos. Foi um rei enérgico, que construiu os famosos zigurates e promoveu a compilação das leis do direito sumério.

Antigo templo nos arredores da antiga Ur, Mesopotâmia.

O Código de Ur-Nammu (cerca de 2040 a.C.), surgido na Suméria, descreve costumes antigos transformados em leis e a enfatização de penas pecuniárias para delitos diversos ao invés de penas talianas. Considerado um dos mais antigos de que se tem notícias, no que diz respeito a lei, foi encontrado nas ruinas de templos da época do rei Ur-Nammu, na região da Mesopotâmia (onde fica o Iraque atualmente).

O Código de Ur-Nammu foi descoberto somente em 1952, pelo assiriólogo e professor da Universidade da Pensilvânia, Samuel Noah Kromer. Nesse Código elaborado no mais remoto dos tempos da civilização humana é possível identificar em seu conteúdo

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dispositivos diversos que adotavam o princípio da reparabilidade dos atualmente chamados danos morais. Ur-Nammu, que reinou no período que se estendeu entre 2095 a.C. e 2049 a.C. foi antecedido no trono por Uthegal e sucedido no trono pelo rei Shulgi.

Boa parte da comunidade acadêmica é reticente hoje em denominar por "código de lei" o gênero de documento legal produzido na antiga mesopotâmia. O código de Ur-Nammu, não era exatamente um conjunto de leis voltado a regular todas as atividades dos homens, mas apenas um conjunto de sentenças com o objetivo de regular casos excepcionais. O "código" fala sobre crimes tais como fuga de escravos, adultério e falso testemunho, que eram punidos na sua maioria por multas.

Parte ilustrativa do código de Ur-Nammu.

O Código de Ur-Nammu, embora com textos incompletos, também tratava da contenção vingativa através do modelo de compensação econômica, como observa-se nos seguintes textos: "Se um homem, a um outro homem, com uma arma, os ossos de [?] tiver quebrado: 1 mina de prata deverá pagar. [...] Se um homem, a outro homem, com um instrumento Geshpu, houve decepado o nariz (?), 2/3 de uma mina de prata deverá pagar."

Região abrangida pelo domínio da 3ª dinastia, 2112-2003 a.C.As principais deliberações do código de Ur-Nammu são:

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Se um homem comete assassinato, deve ser morto; Se um homem comete roubo, deve ser assassinado; Se um homem viola o direito de outro de deflorar sua mulher, ele poderá matar o

violentador. Se a esposa de um homem o abandona e dorme com outro, ela deve ser escravizada

e ele libertado. Se um homem deflora, à força, a escrava de outro, deve pagar 5 moedas de prata. Se um homem, com um soco, arranca o dente de outro, pagará 2 moedas de prata. Se um homem se divorcia de sua primeira esposa, pagará a ela uma moeda de prata. Se um homem arranca o pé de outro, pagará 10 moedas de prata. Se um homem sequestrar alguém, pagará 15 moedas de ouro.

A lei e a justiça foram conceitos fundamentais na antiga Suméria, que impregnavam a vida social e econômica sumeriana tanto na teoria como na prática. No decurso do século passado, os arqueólogos revelaram, à luz do dia, milhares do tabuinhas de argila representando toda espécie de documentos de ordem jurídica: centradas, atas, testamentos, notas promissórias, recibos, acordos de tribunais. Entre os sumérios, o estudante mais adiantado consagrava uma grande parte do seu tempo ao estudo das leis e exercitava-se regularmente na prática de uma terminologia altamente especializada, bem como na transcrição dos códigos legais e dos julgamentos que tinham formado jurisprudência.

O direito privado sumeriano reconhecia à mulher bastante independência em relação ao marido. O divórcio era admitido por decisão judicial que podia ser favorável a qualquer um dos cônjuges. O adultério era considerado delito, porém não tinha conseqüências se havia a perdão do marido. O repúdio da esposa pelo marido acarretava na indenização pecuniária e só era permitido por razões de ordem legal. Os filhos estavam sob a dependência do pai e da mãe. Admitia-se a adoção. O filho que renegasse seu pai seria vendido como escravo. Por motivos de dividas, os pais podiam vender os filhos como escravos; a esposa, apesar de sua independência jurídica, era responsável pelas dividas do marido.

As leis penais dos sumérios foram as mais clementes da Mesopotâmia antiga. No Código do Ur-Nammu encontramos a substituição da lei do talião por dispositivos mais humanos, que aplicavam multas em vez do penas corporais.

INTRODUÇÃO 11. FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DA PALAVRA "DIREITO" 3

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2. ORIGEM HISTÓRICA 43. LEGISLAÇÕES ANTIGAS 83.1. LEIS DE URUKAGINA 83.2. PAPIRO DE BERLIM 83.3. LEIS OU CÓDIGOS DE UR-NAMUR (2050/2032 A.C.) 93.4. CÓDIGO DE LIPIT-ISHTAR (1875/1865 A.C.) 93.5. CÓDIGO DE ESHNUNNA 93.6. CÓDIGO DE HAMURÁBI 103.7. LEI MOSAICA 143.8. CÓDIGO DE MANU 153.9. BUDA - CRISTO 163.10. ALCORÃO OU CORÃO - MAOMÉ 163.11. HERANÇA DO DIREITO GREGO 174. IDADE MÉDIA EM DIANTE 185. CODIFICAÇÃO MODERNA 186. DIREITO LUSO-BRASILEIRO - BRASIL 206.1. A PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO 206.2. CÓDIGO CRIMINAL DE 1830 206.3. O CÓDIGO DE PROCESSO CRIMINAL - 1832 206.4. CÓDIGO COMERCIAL BRASILEIRO - 1850 216.5. SEGUNDO CÓDIGO PENAL - 1890 216.6. CÓDIGO CIVIL 1916 21

O Código de Eshnunna

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Ruínas de um templo de Eshnunna.

Eshnunna é uma cidade da antiga Mesopotâmia, situada no vale do Diyala. Ela corresponde ao atual sítio de Tell Asmar, explorado na década de 1930 por uma equipe estado-unidense liderada por Henri Frankfort, do Instituto Oriental da Universidade de Chicago. Apesar de estar situada no vale do Diyala, a cidade seguramente fazia parte do meio cultural sumeriano.

A cidade torna-se independente em 2026 a.C., no reinado de Shu-iluya. Seus sucessores expandem o território da cidade, que controla as rotas comerciais entre Elam, a Alta Mesopotâmia e a Suméria. Eshnunna é capturada por Hamurabi em 1756 a.C..

Seu deus principal era Tishpak durante o período amorita.

O Código de Eshnunna, de 1930 a.c., traz uma referência ao nome da cidade e não ao nome de um legislador específico. A cidade de Eshnunna com a queda da terceira dinastia de UR passa a ter significância econômica, sobretudo pela posição geopolítica na antiga Mesopotâmia, e se fortaleceu com os reinados bem sucedidos e sucessivos de Naram-Sin, Dadusha e Ibelpiel II.

As compilações estão em duas estelas, encontradas na cidade que atualmente se chama Tell Armar. Os cripotologos ainda não chegaram a um consenso, mas a maioria define que uma das estelas fora esculpida no reinado de Dadusha, conforme informações de Reuven Yaron.

O Código traz cerca de 60 artigos sobre variadas temáticas, incluindo um sistema de cortes de julgamento, funcionamento do reino e do palácio, escravidão, casamento e divórcio, interferência do poder real no domínio econômico para coibir altas dos preços de alimentos, e serviu de base para a elaboração do Código de Hammurabi. A maior parte das penas é pecuniária, isto é, evita-se a pena de morte na maioria dos casos. Apenas em 5 artigos a pena capital aparece, sendo aplicados para crimes de natureza sexual, para assaltos e também roubos.

Parte do Código de Eshnunna.

Algumas deliberações do Código de Eshnunna:

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Se um barqueiro é negligente e deixa afundar o barco, ele responderá por tudo aquilo que deixou afundar.

Se um cidadão que não tem o menor crédito sobre outro conserva, no entanto, como penhor, o escravo desse cidadão, o proprietário do escravo prestará juramento diante de deus: "Tu não tens o menor crédito sobre mim"; então o dinheiro correspondente ao valor do escravo deverá ser pago por aquele que com ele está.

Se um homem toma por mulher a filha de um cidadão sem pedir consentimento dos pais da moça, e não concluiu um contrato de comunhão e casamento com eles, a mulher não será sua esposa legítima, mesmo que ela habite um ano na sua casa.

Se um cidadão dá os seus bens em depósito a um estalajadeiro, e se a parede da casa não está furada, o batente da porta não está partido, a janela não está arrancada, e se os bens que ele deu em depósito se perdem, o estalajadeiro deve indenizá-lo.

Se um cão for considerado perigoso, e se as autoridades da Porta preveniram o proprietário do animal, mas o cachorro morder um cidadão causando a morte deste, o proprietário do cão deve pagar dois terços de uma mina de prata.

Se é sabido que um boi costuma dar coices e as autorizados levaram o assunto ao conhecimento do proprietário e este não cortou os cornos de seu boi, e se o coiceia e mata um homem, o proprietário do boi pagará dois terços de uma moeda de prata.

No Código de Eshnunna a pena de morte é aplicada para determinados crimes como, por exemplo, o arrombamento noturno praticado contra a propriedade de certa classe de cidadãos, certos raptos, o adultério, o homicídio por negligência, etc. As leis do Eshnunna, para efeito de punição, classificam os delitos em:

     I.            Delitos contra os bens;

     II.            Delitos contra as pessoas;

     III.            Delitos contra bens pessoais