Historia Guaira

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1 INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FARROUPILHA CÂMPUS SÃO BORJA CURSO TECNÓLOGO EM GESTÃO DE TURISMO Cláudio Corso da Silva História e Patrimônio Cultural Prof. Msc. Roberto Leal Missões Jesuíticas em Guairá (Paraná) e Rio grande do Sul

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA FARROUPILHA

CÂMPUS SÃO BORJA

CURSO TECNÓLOGO EM GESTÃO DE TURISMO

Cláudio Corso da Silva

História e Patrimônio Cultural

Prof. Msc. Roberto Leal

Missões Jesuíticas em Guairá (Paraná) e Rio grande do Sul

São Borja

2013

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Os homens mais perigosos são aqueles que aparentam muita religiosidade, especialmente quando estão organizados e detêm posições de autoridade, contando com o profundo respeito do povo, o qual ignora seu sórdido jogo pelo poder nos bastidores.

Esses homens chamados "religiosos", que fingem amar a Deus, recorrerão ao assassinato, incitarão revoluções e guerras, se necessário, em apoio à sua causa. São políticos ardilosos, inteligentes, gentis e de aparência religiosa, vivendo em um obscuro mundo de segredos, intrigas e santidade mentirosa. (Edmond Paris 1997, Introdução do Dr. Alberto Rívera1).

1 Dr. Alberto Rivera, ex-sacerdote jesuíta, criado desde os sete anos de idade em um seminário na Espanha, sob extremo juramento e os mais rígidos métodos de indução, treinado inclusive no Vaticano, que resumiu a história dos jesuítas.

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Sumário

.....................................................................................................................................................3INTRODUÇÃO..........................................................................................................................31. 0 ESPANHÓIS, ÍNDIOS, JESUÍTAS E BANDEIRANTES NO GUAIRÁ ENTRE 1500 E 1630.............................................................................................................................................7

1.1 Os espanhóis e os índios no Guairá.............................................................................71.1 1 No que consistia o Guairá.........................................................................................71.1.2 As relações entre Indígenas e Espanhóis..................................................................8

1.2 Os Jesuítas e os Bandeirantes no Guairá...................................................................111.2.1 O desdobramento do trabalho missionário e a fundação das reduções do Guairá, O CONTEXTO HUMANO E SOCIAL..............................................................................111.2.2 Missão por Redução...............................................................................................121.2.3 A Produção e a Representação do Espaço Missional..............................................131.2.4 Poder Coercitivo da Religião..................................................................................141.2.5 O motor da Ação Missionária.................................................................................141.2.6 A Expansão do Espaço Missional...........................................................................14

2.0 FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO BORJA E REGIÃO..............................................153.0 CONCLUSÃO....................................................................................................................19

3.1 Das Missões...............................................................................................................19REFERÊNCIAS........................................................................................................................20

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INTRODUÇÃO

Conforme Ruy Diaz de Guzmán2, que foi o primeiro historiador paraguaio, que

assim define a palavra “Guairá”3, significa no seu entendimento, local habitado por

jovens. Reduzia-se assim, em um local atrativo e densamente povoado, como

província em desenvolvimento.

A conquista espanhola e portuguesa após grande decepção, logrando

expectativas de saques e pilhagens, teve como sua maior riqueza o povo guarani,

procurando o melhor para si através de sues interesses a expansão no território

desconhecido. Responsáveis pela exploração econômica do Guairá, espanhóis e

portugueses, resolveram praticar ações predatórias, a mão-de-obra indígena, era

limitada, por motivos de força de produção, onde os guaranis vêem seu povo perder

a densidade demográfica, e também pelo convívio, aceitação dos algozes

predadores4.do Guairá. O povo guarani era visto como mercadoria descartável,

servindo a produção e sendo assim pelos fatores acima citados, de recomposição

impossível. Os Jesuítas ai alocados, acompanhavam o fator desumano como eram

tratados os guaranis, e nada podendo fazer para reverter a situação do povo

guarani.

O guarani, o 'encomendero'5 espanhol, o mameluco paulista e os Jesuítas,

personagens reais, interagindo entre si, não possuindo uma história definida por in

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Manuscritos da Coleção De Angelis, 1,:209, em CORTESÃO. Jaime. Manuscrttos da Coleção De Angelis:Jesuítas e bandeirantes no Guairá. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1951. (em diante terá como referência MCA 1).3

Derivada do nome de um cacique guarani que habitava em regiões próximas ao Salto do Paraná, "Guairá", Guay - é gente jovem, enquanto ra - corresponde a lugar populoso donde abundam.4 O conceito de economia predatória é emprestado de NOVAIS, F.A. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo, Hucitec, 1989.pg.29.5 Encomendero refere-se aos colonos espanhóis que utilizavam a encomienda para exploração da mão-de-obra indígena. A encomienda trata do modo, definido juridicamente, com que os indígenas eram distribuídos aos colonos. A forma mais usual tomada pela encomienda obrigava o indígena, súdito do rei da Espanha, a trabalhar determinado tempo para um colono para pagar um tributo à coroa espanhola.

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dividualismos, nem conseguindo ser contada a parte, mas apenas como um todo.

Pouco se avançou para a edificação da história do Guairá, região que hoje é grande

parte do Estado do Paraná, mas graças a Romário Martins6, procura em sua obra

reestudar a região, que por sua vez foi marginalizada, e esquecida por muitos

historiadores. Os intereses exarcebados pelos conquistadores, que dominaram e

destruíram o povo local é de natureza estritamente econômica, para bandeirantes e

encomenderos, e religiosa, para os jesuítas, nos aspectos determinantes.

As características do povo e cultura guaranis serão estudadas para que

possamos compreender como se deu a relação dos mesmos para com seus agentes

colonizadores. As atividades econômicas eram basicamente de aprisionamento,

exploração da região e missões jesuíticas, onde o espaço era disputado pelos

agentes colonizadores, muitas vezes conflitantes jáno fim da colonização do Guairá

entre 1628 a 1632, tornando-se uma região praticamente de passagem de

portugueses e espanhóis, aproveitando a segurança de seus caminhos, pelos

guaranis, deixando de ser apenas uma região de trânsito para se tornar produtora de

erva mate, retirando assim, o Guairá do isolamento. No século XVII, tal erva

praticamente sustentou a região, dando a esta, grande importância, gerando um

desenvolvimento econômico. Estas cidades guairaenses, ficavam cada vez mais

sedentas por encomiendas, estas por sua vez cada vez mais limitada pelo

crescimento de inúmeras reduções jesuíticas.

Na definição do padre Antonio Ruiz de Montoya, um dos principais jesuítas do Guairá, "chamamos reduções aos povos de índios que vivendo a sua antiga usança em selvas, serras e vales, em escondidos arroios, em três quatro ou seis casas só, separados a légua, dois, três e mais umas das outras, os reduziu (foram reduzidos) a diligência dos padres à povoações grandes e à vida política e humana, ... " (MONTOYA, Antonio Ruiz de Montoya. Conquista espiritual hecha por los religiosos de la Companía de Jesus en las províncias de/ Paraguay, Paraná, Uruguay y Tape. Bilbao, Corazón de Jesus, 1892.reed., pg 58.).

Os espanhóis viram nas reduções uma ótima vantagem, pois a mesma servia

6 publicado em 1937, com o titulo de "História do Paraná", incluindo em uma narrativa tanto os acontecimentos relativos às cidades guairenhas como a edificação das reduções jesuíticas, "conquistas da fé e da civilização". MARTINS, Romário. História do Paraná. São Paulo, Rumo, 1939.

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de obtenção de mão-de-obra, porém as missões se oporão contra esses interesses

econômicos procurando retirar os indígenas do serviço dos encomenderos, desse

modo proteger os mesmos dos colonizadores, tendo como objetivo ímpar a

conquista espiritual dos indígenas. A partir de 1625 as reduções expandem-se

rapidamente, aumentando muito os conflitos potenciais com os outros agentes

colonizadores. Os bandeirantes pauistas sempre procuraram nesta região, também

conhecida como sertão de carijós a obtenção de trabalhadores para suas lavouras.

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1. 0 ESPANHÓIS, ÍNDIOS, JESUÍTAS E BANDEIRANTES NO GUAIRÁ ENTRE 1500 E 1630

1.1 Os espanhóis e os índios no Guairá

1.1 1 No que consistia o Guairá

O território do Guairá correspondia à região entre os rios Paranapanema (ao

Norte) e Iguaçu (ao Sul), ou seja, correspondia as terras pertencentes à Espanha

mediante o Tratado de Tordesilhas, que havia estabelecido que todas as terras a

Leste pertenciam a Portugal e a Oeste a Espanha. Isso significava que quase todas

as terras do atual Paraná pertenciam à Espanha. Em função do tratado, não existia

uma concordância entre portugueses e espanhóis quanto a divisão das terras do

atual Paraná. Por esse motivo, o fluxo de portugueses e, principalmente, de

espanhóis foi intenso na região. Para se estabelecerem no Guairá a fim de

assegurar o domínio sob a região, os espanhóis fundaram três cidades,

Ontiveros em 1554, localizada próxima a foz do rio Piquiri.

Ciudad Real Del Guairá em 1555, localizada na foz do rio Piquiri próxima ao

município de Terra Roxa.

Villa Rica Del Spiritu Sancto em 1576, localizada no município de Fênix.

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Geralmente são apontadas três razões que determinaram a opção de fundar

vilas no Guairá Uma primeira era de ordem geográfica e estratégica, pois o Guairá

era o meio do caminho entre Assunção e o pretendido porto a ser fundado na costa

atlântica, mais precisamente na Ilha de Santa Catarina ou na Baía de São Francisco.

Em segundo, razões de ordem econômica, os numerosos índios da província eram

yanaconas e mitayos em potencial a ser explorado pela distribuição de

encom1endas. A terceira razão, de natureza política, espelhando muito mais

interesses metropolitanos do que coloniais, interpretava a consolidação do

povoamento espanhol no Guairá como um anteparo a penetração portuguesa em

terras de Espanha, e ainda segundo muitos autores, como uma forma de

salvaguardar as distantes minas de Potosí. Esta última razão é discutível,

contrastando com as comuns ações e decisões tomadas basean.do-se nos

interesses privados dos colonizadores do núcleo assuncenho, pouco preocupados

com os limites e fronteira da colônia quando não refletidos em seus interesses

imediatos. Porém fundamenta-se nas ações do governador lrala, de 1553 e 1556,

procurando afastar os portugueses das terras guairenhas, então sob seu domínio,

"assegurando-as" à coroa espanhola.

1.1.2 As relações entre Indígenas e Espanhóis

Em suas andanças, os europeus fizeram contatos com as populações

indígenas aqui existentes. Primeiro fizeram com os Guaranis no litoral e depois, na

medida em que foram avançando para o interior (pelos vales do rios), com os

Kaingangs e Xoklengs. Para os espanhóis, estabelecer contatos e alianças com os

indígenas era uma forma de atravessar o Guairá por terra (saindo do litoral em

direção ao Oeste) e atingir o Paraguai e às minas de Ouro, localizadas nas

Cordilheiras dos Andes.

A outra opção, muito mais dificultosa, para atingir o Império Inca, ou seja, as

minas de ouro e prata seria contornar todo o Sul até o rio da Prata e subir em

direção ao Paraguai. O 4º governador do Paraguai, nomeado pelo rei da Espanha,

Dom Alvar Nunez Cabeza de Vaca também firmou relações com os índios guaranis

no momento de sua chegada ao litoral de SC em 1541. A viagem de Cabeza de

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Vaca, do litoral de SC em direção a Assunção, renderam importantes relatos e

constitui o primeiro documento que informa que todo o interior do Paraná era

habitado por populações organizadas politicamente.

Para atingir a capital do Paraguai, Assunção, e tomar posse precisou da ajuda

dos indígenas para atravessar todo o Guairá, visto que escolheu fazer o caminho por

terra. O fato dos Guaranis terem ajudado Cabeza de Vaca a chegar à Assunção

demonstra que o relacionamento entre europeus e indígenas não era apenas de

enfrentamento7.

No início de 1597 são divulgadas pelo governador Ramirez Velazco importantes ordenanças em proteção ao indígena, regulamentando o serviço da "mita", instituindo a jornada de quatro dias de trabalho semanal, permitindo que só fossem retirados a quarta parte dos indígenas encomendados, proibindo castigo aos indios, carregamento excessivo em seus trabalhos (na erva por exemplo), encarregando os encomenderos do doutrinamento de seus índios, etc ... (CHAVES,J.C., op.cit, 378)

O modo de servirse os espanhóis dos índios antes das ordenanças (de Alfaro)

era este: os governadores em nome do rei nosso senhor davam cédulas de serviço

pessoal que chamam yanaconas e estes índios os tinham os espanhóis em suas

chácaras ou em pueblo em suas casas com tão grande domínio sobre eles que

diziam que eram seus e como coisa sua os emprestavam e davam a quem queriam,

" ... se davam em dote de maneira que a um davam o filho e a outro a filha e a outro

o Padre e assim os íam repartindo como queriam seus amos ... "; “...de maneira que

para ser verdadeiramente escravos não faltava se não lançá-los e vendê-los a

público pregão, mas em o que é vendas paliadas fartas faziam." Segundo a

legislação colonial espanhola, os yanaconasesta vam atrelados às terras e não aos

proprietários; daí não poderem ser vendidos, e assim não serem escravos.

Independente da legislação que vigorava, parece ter sido as redes de parentesco

que amarrou sociedade indígena aos encomendeiros, situação esta perdurando por

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Em 1591 foi divulgada no Paraguai, em Assunção especificamente, cédula real emitida em 1582 para a proteção do índio, mandando castigar os encomendaras em seus excessos e maus tratamentos, evitando a diminuição e violência praticada aos indígenas tratados muitas vezes como escravos.

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muito tempo.

A evangelização foi em grande parte financiada pelo Estado, e realizou

grandes esforços no Paraguai, por exemplo, região de interesse marginal para

coroa, pela sua pobreza. O Paraguai sempre representou despesas para a coroa.

Dado estas feições que assume a participação do "Estado" na economia paraguaia,

torna-se difícil a aceitação da hipótese de Pastare e da utilização do modelo

empregado para explicar aspectos da economia colonial paraguaia. É interessante

no texto a apresentação dos encomenderos e do Estado como agentes

substancialmente distintos, com interesses muitas vezes contraditórios durante o

processo de integração do indígena na economia colonial e no Estado Mercantilista.

Em geral, os indígenas encomendados permaneciam em aldeamentos, locais

"a escolha" onde as aldeias deveriam ser reduzidas para a cristianização e controle

do estado espanhol. Eram nomeados caciques, alcaides e outros oficiais, e

geralmente eram supervisionados por alguma autoridade religiosa, padres

franciscanos ou seculares (não pertencentes à ordens religiosas). Modificava

essencialmente a organização da sociedade indígena. Tornava-se assim mais fácil a

prevenção de revoltas, a organização da mão-de-obra e a doutrinação religiosa.

Eram portanto uma resposta a crescente instabilidade apresentada nas

relações indígenas-espanhóis. Nestes aldeamentos, o cacique passa a ser

hereditário, reduzindo as possibilidades de representação de interesses dos

indígenas e principalmente objetivando aumentar a estabilidade dos aldeamentos,

evitando revoltas.

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1.2 Os Jesuítas e os Bandeirantes no Guairá

1.2.1 O desdobramento do trabalho missionário e a fundação das reduções do Guairá, O CONTEXTO HUMANO E SOCIAL

No século XVI o Guairá fora passagem e local de trabalho de vários

religiosos, porém a conquista espiritual só adquirirá importância no século XVII. Até

1617 a região do Rio do Prata esteve polarizada administrativamente em torno de

Assunção, que era o núcleo colonial. Contudo, o grande centro comercial da região

era Buenos Aires em função da sua posição estratégica

A política e as atividades de conquista eram exercidas por Criollos e

Mestiços8, visto que a região não havia recebido nenhum contingente expressivo de

imigrantes até a primeira metade do século XVIII. Em relação a sociedade, entre

1617 a 1621, o crescimento demográfico dos índios foi inferior ao dos brancos. Tais

números revelam a eliminação dos índios na região. A diminuição dos índios está

ligada aos conflitos tribais, bem como a exploração conduzida pelos encomenderos.

Frente a essa situação, os missionários “buscavam reunir os índios em

povoados para livrá-los da exploração dos encomenderos e evitar que andassem

dispersos”, (SHALLENBERG, Erneldo. As missões jesuíticas do Guairá, Ed. Toledo

1997, p.172).

O objetivo principal dos padres era “...pacificar a colônia e moralizar os

costumes, dentro dos princípios éticos e cristãos da sociedade ibérica..”

(SHALLENBERG, Erneldo. As missões jesuíticas do Guairá, Ed. Toledo 1997, p.172)

A proteção oferecida pelos padres aos indígenas se opunha aos interesses

dos encomenderos, que travavam conflitos contra a ação missionária e a tornava

impraticável na região do Rio do Prata. A saída encontrada pelos missionários para

desenvolverem mais tranquilamente seus trabalhos foi o Guairá, visto que a região

apresentava grande potencial humano para a obra de colonização e cristianização.

No Guairá havia um grande número de Guaranis e também uma grande

8 Criollos - Elite colonial, descendentes de espanhóis, nascidos na América, grandes proprietários rurais ou arrendatários de minas, podiam ocupar cargos administrativos ou militares inferiores. Mestiços - , de brancos com índios, eram homens livres, trabalhadores braçais desqualificados e superexplorados na cidade (oficinas) e no campo ( capatazes).

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influência dos Criollos (encomenderos) e dos mamelucos9 que, respectivamente,

subjugavam e aprisionavam/traficavam os Guaranis.

Para os encomenderos a apropriação do trabalho dos Guaranis era muito

fácil, pois:

“Havia entre eles um principal e toda gente era „muy doméstica y amiga de

cristianos, y que com poco trabajo verrán em conoscimiento de nuestra santa fé

católica...(SHALLENBERG, Erneldo. As missões jesuíticas do Guairá, Ed. Toledo

1997, p.174)

Toda essa situação (grande número de indígenas e desejo dos colonizadores de

se apropriar dessa mão de obra) foi notada pelos padres que tentavam

“..frear os impulsos dos encomenderos e pacificar os índios

revoltosos através da evangelização”. Desse modo, “A ação

missionária dos jesuítas teve, neste particular, um sentido de

apresentar uma solução humana e evangelizadora para os conflitos

resultantes entre os encomenderos e os índios”. (SHALLENBERG,

Erneldo. As missões jesuíticas do Guairá, Ed. Toledo 1997,p.175).

Os encomenderos reagiram contra a ação missionária no Guairá mediante

ameaças. Mas, por outro lado, a ação dos padres na região ganhou o amparo das

autoridades coloniais da região do Rio do Prata, preocupadas com a preservação

dos índios.

1.2.2 Missão por Redução

A fundação das duas primeiras reduções no Guairá, na região do rio

Paranapanema em 1610 e 1611, Nuestra Señora de Loreto e San Ignacio, se deu

em um período de profunda crise da sociedade guarani. Tal crise foi gerada pela

opressão exercida pelos espanhóis sobre as comunidades indígenas que passaram

a encarar qualquer ação vinda de brancos (mesmo dos padres) com desconfiança.

Na primeira década do século XVIII, portanto, os índios do Paranapanema

apresentaram grande resistência ao trabalho missionário; contestavam a ação dos

9 s.m. Brasil. Indivíduo que possui uma ascendência indígena e branca; mestiço ou filho de branco com índio.

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padres que muitas vezes foram atacados por movimentos organizados pelos

caciques. Mas, por outro lado, para conseguir se infiltrar entre as comunidades e

implantar as “..reduções jesuíticas em meio aos índios, os missionários

aproveitaram-se, portanto, do papel fundamental dos caciques, adaptando-se e

aproveitando as suas qualidades de liderança para que a redução à vida civil e cristã

fosse possível”. (SHALLENBERG, Erneldo. As missões jesuíticas do Guairá, Ed.

Toledo 1997,p.179). Para haver uma redução era necessário determinação do sítio,

que deveria oferecer:

Condiondições de clima, de relevo, de solo e de hidrografia para o

desenvolvimento agropastoril.

Aspectos culturais dos Guaranis (como elementos de caça e pesca e água

suficiente para seus hábitos de higiene).

O papel das reduções era o de defender os índios dos abusos cometidos

pelos colonizadores. Todavia, o autor afirma que as reduções só foram possíveis

mediante tais abusos. (SHALLENBERG, Erneldo. As missões jesuíticas do Guairá,

Ed. Toledo 1997,p.181).

1.2.3 A Produção e a Representação do Espaço Missional

A proposta principal dos padres ao reduzir os índios era a de oferecer a esses um

alívio diante dos abusos cometidos pelos colonizadores. Mas, os padres não

ofereceram de graça esse alívio. O mesmo foi alcançado pelas populações

indígenas mediante a remodelação dos seus antigos modos de vida. Apesar dos

missionários livrarem os índios dos colonizadores espanhóis e dos bandeirantes

paulistas, eles acabaram destruindo seus espaços humano e social.

Nesse sentido, a ação dos missionários foi parecida com a dos colonizadores.

“O que houve, em contraste com os colonos espanhóis, foi que os missionários

transmitiam suas habilidades profissionais..” (SHALLENBERG, Erneldo. As missões

jesuíticas do Guairá, Ed. Toledo 1997,p.183)

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1.2.4 Poder Coercitivo da Religião

Para conseguir transformar os modos de vidas das populações indígenas os

padres utilizaram o poder coercitivo da religião, que inculcava regras de conduta

social e religiosa, tais como: os conceitos do bem e do mal, da recompensa ou do

castigo e do pecado. Os padres também introduziram a ideia de caridade: dar

esmola para amparar os órfãos e viúvas.

1.2.5 O motor da Ação Missionária

O que moveu de fato a ação missionária foi o ideal profético do anúncio do

reino de Deus e a salvação das almas por meio do batismo. As condições de

trabalho dos padres nas reduções e a resistência dos encomenderos. As condições

do trabalho missionário eram limitadas devido à presença dos encomenderos e

preadores, que travavam conflitos com os padres.

Apartir de 1623 as expedições de bandeirantes paulistas na região do Guairá

se intensificaram. Para defender os indígenas dos ataques dos preadores, os

jesuítas decidiram expandir a ação missionária no Guairá, fundando novas

reduções.

1.2.6 A Expansão do Espaço Missional

A partir de 1823, os padres começaram a fundar novas reduções próximas

aos rios Tibagi, Ivaí, Piquiri e Iguaçu. Ao todo foram 12 reduções, além das de Nossa

Senhora do Loreto e de Santo Inácio.

Localização das Reduções:

Vale do Paranapanema:Nossa Senhora de Loreto e San Ignacio.

Vale do Tibagí: San Jose, San Francisco Xavier, Encarnación e San Miguel.

Rio Ivaí: Jesus Maria, San Antonio e San Pablo.

Rio Corumbataí: São Tomé e Sete Arcanjos.

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Rio Piquiri: San Pedro e Concepcióni e no médio Piquiri o santuário de Nossa

Senhora de Copacabana.

O trabalho catequético dos padres jesuítas com os indígenas no Guairá

resistiu até 1630, quando os Bandeirantes destruíram as reduções.

Com o fim das reduções no Guairá as populações indígenas se dispersaram.

Uma parte se dirigiu para o Sul junto com os padres jesuítas e fundaram os Sete

Povos das Missões no RS. Outra parte voltou a ocupar seus antigo territórios.

Sete Povos das Missões:

São Francisco de Borja (1682)

São Luiz Gonzaga (1687)

São Miguel Arcanjo (1687)

São Nicolau(1687)

São Lourenço Mártir (1690)

São João Batista (1697)

Santo Ângelo Custódio (1706-1707)

2.0 FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO BORJA E REGIÃO

Criadas no século XVII, as reduções jesuíticas inovaram e muito a região

formada pelos países que formam a bacia conhecida como Prata, e que fazem

fronteira com o Brasil, através do rio Uruguai. Fizeram-se em torno de 30 aldeias

missioneiras, onde apenas no Rio Grande do Sul, construíram-se sete cidades,

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conhecidas como os Sete Povos.

São Borja foi o primeiro dos Sete Povos das Missões fundada pelo padre

jesuíta Francisco Garcia de Prada, que em homenagem ao então Jesuíta Francisco

de Borja, nascido na Espanha em 1510, à margem esquerda do Rio Uruguai,

quando da segunda fase do estabelecimento das missões jesuíticas no atual

território do Rio Grande do Sul, em meados de 1682, a partir de um grupamento

avançado constituído de índios originários do Povo de Santo Tomé, localizado na

margem direita do Rio Uruguai.

Posteriormente, tivemos a chegada de espanhóis e portugueses. Em 1801

com a conquista de Borges do Canto, São Borja passou ao domínio português.

Assim passou a ser a comunidade mais antiga do Rio Grande do Sul com a

presença de agentes da Igreja Católica, a qual nunca foi interrompida desde essa

data.

Conforme o dicionário Larousse, “redução eram povoações, também

chamadas missões, congregavam milhares de indígenas de diferentes grupos e

troncos linguísticos, onde a cultura indígena era gradualmente substituída pela

europeia imposta pelos missionários”.

Sendo a catequese a principal missão da Companhia de Jesus10 na América,

gradualmente foi transformando o povo Guarani, passando aos mesmos os

elementos da cultura europeia através dos jesuítas. A Praça Missioneira era o centro

da vida comunitária, onde se encontrava a igreja com arquitetura barroca, adotado

pela Igreja Católica como forma de encantar as almas.

Conforme pregava René Huyghe, “se a arte pode seduzir a alma, perturbá-la,

encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão, que isso se faça em

benefício da fé”.

Tal era a dificuldade dos missionários em se aproximar e ganhar a confiança dos índios. Estes “fugiam” dos aldeamentos, onde eram reunidos com objetivos de

10 A Companhia de Jesus foi fundada por um fidalgo basco espanhol, Dom Inácio de Loyola, com a bênção do Papa Paulo Farnese III. Loyola, anterior à fundação de sua Nova Ordem dos Templários primeiramente chamou-a de "Cavaleiros da Virgem Maria, "foi no comando das forças espanholas em uma batalha com as forças francesas em Pamplona, Espanha. um exemplo típico desse "misticismo ativo" e "distorção da vontade". A transformação do cavaleiro-guerreiro em fundador da Ordem mais militante da Igreja Romana foi muito lenta.

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catequização pelos missionários, porque a liberdade era de sua própria natureza, mas também fugiam da dominação pela força. No caso espanhol as tentativas de dominação “militar faziam com que eles buscassem abrigo nas florestas, onde os europeus não tinham condições de penetrar. Mesmo a “conquista espiritual” não chegou a obter maiores êxitos entre esses grupos do Paraguai” (FRANZEN, 1999; p. 210 apud BOGONI, Saul; BONNICI, Thomas. 2009, p. 923-930).

O sistema de oficinas desenvolvido nas reduções, “transformou os Índios em

hábeis artífices metalúrgicos, tipógrafos, escultores, pintores, músicos, ceramistas,

tecelões, fabricantes de instrumentos musicais, entre outras manifestações.”,

(PARIS EDMOND -1997). A riqueza das estátuas missioneiras de São Borja mostra

o nível do desenvolvimento a que chegou São Borja, em relação aos demais.

Eles não deixaram uma forte impressão quando passaram através dos territórios que hoje formam os Estados Unidos. Apenas no século XIX é que começaram a plantar raízes naquela parte do continente. Na América do Sul, a ação dos jesuítas passou por bons e maus momentos. Em 1546, os portugueses haviam convocado os jesuítas para trabalhar nos territórios que possuíam no Brasil; enquanto convertiam os nativos, encontravam muitos conflitos com a autoridade civil e outras ordens religiosas. O mesmo acontecia em Nova Granada. (PARIS EDMOND -1997).

Os Guarani11 foram ensinados a viver em rígida disciplina. A liberdade era

ignorada em detrimento da cultuar passada pelos jesuítas.

[....] Tudo o que o cristão possui e usa, a cabana em que vive; os campos que cultiva; o gado que lhe dá comida e roupas; as armas que carrega; as ferramentas com as quais trabalha; até mesmo a única faca de mesa dada a um jovem casal, quando se casa, é "Tupambac", propriedade de Deus. (PARIS EDMOND -1997).

Não podemos considerar as reduções como um “paraíso”, apesar de

todas as adversidades, os jesuítas foram persistentes. Utilizaram as

dificuldades para fortalecer-se em seus objetivos missionários,

conseguindo superar a resistência indígena, a transformação do seu estilo

11 Escreve-sem”Guarani” no singular e não “Guaranis” no plural pois segundo a “Convenção para a Grafia de Nomes Tribais” assinado pelos participantes da 1ª Reunião Brasileira de Antropologia, no Rio de Janeiro em 1953, para uniformizar a maneira de escrever os nomes das socidades indígenas em língua português: “os nomes tribais, quer usados como substantivos, quer como adjetivos, não terão flexão de gênero e de número, a não ser que sejam de origem portuguesa ou morficamente aportuguesados

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de vida.

Para Sebe

as tarefas da Companhia variavam bastante d lugar para lugar, mas podem ser agrupadas em duas áreas básicas. Na Europa, o cuidado pedagógico, nos colégios ensinando. Nas colônias o missionalismo era o objetivo principal. (1982, p.8 apud Nogueira, Carmen Regina Dorneles 2007 p.29).

As reduções foram uma estratégia de catequização , pois

“reduzindo-os” puderam controlá-los, agrupando-os em comunidade. Para

alcançar o objetivo principal de catequização dos índios, eles tiveram que

encontrar formas de conquistar a confiança dos mesmos, conforme mostra

o relato do padre Montoya.

Em suas crônicas, o padre Montoya faz diversas referências aos índios como “bárbaros” e “selvagens”. Em certo sentido, “redução” também pode ser citada aqui como a “conversão”, já que, a princípio, esta era a intenção dos religiosos no contato com aquela gente que despertava na Europa, desde a chegava de Cristóvão Colombo, verdadeiras fantasias medievais. Montoya não questionava o que era benéfico ou não para o índio, já que revelava em seus registros exclusivamente a preocupação evangelizadora e a conquista de novos fiéis para a religião católica.” (SOUZA, 1971; p. 561 apud BOGONI, Saul; BONNICI, Thomas. 2009, p. 923-930).

Os jesuítas exerciam forte influência enquanto aprendiam a cultura

indígena.

Sob a concepção religiosa, analisada nos tempos atuais, talvez não fosse intenção de Montoya “retratar os índios como uma população de degenerados, com base na sua origem social”, porém é claramente perceptível a utilização de tais referências a fim de “justificar sua conquista e instituir sistemas de administração e instrução” (SOUZA, 1971; p. 561, apud BOGONI, Saul; BONNICI, Thomas. 2009, p. 923-930).

[...] ainda que aqueles índios que viviam de acordo com seus costumes antigos em serras, campos, selvas e povoados, dos quais cada um contava de cinco a seis casas, já foram reduzidos por nosso esforço ou indústria a povoações grandes e transformados de gente rústica em cristãos civilizados com a contínua pregação do Evangelho. (MONTOYA, 1997; p.18-19, apud BOGONI, Saul; BONNICI, Thomas. 2009, p. 923-930).

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3.0 CONCLUSÃO

3.1 Das Missões

É sabido que os jesuítas deixaram suas marcas nas terras em que hoje

vivemos. Ao chegarem os missionários, os indígenas12 estranharam, mas os

receberam com muita cordialidade, cortesia e hospitalidade e por onde passaram

infringiram, domesticaram, subjugaram os povos. Através da mão de obra índia, os

grandes empreendimentos religiosos levantaram templos e construções para

veneração de Deus, e aproximaram-se Dele. Trouxeram o conhecimento, mas sem

repassá-los aos índios, que serviam de meros executores das obras. Os índios

“catequizados” lançavam mão de sua própria cultura, construíam templos e

substituíam os fiéis que a igreja perdia na Europa.

Mas é inegável também que, se num primeiro momento estes dados serviram

para dar aos índios uma existência mais humana, serviram também para torná-los

presas mais fáceis para os bandeirantes paulistas e mesmo os espanhóis radicados

nesta mesma região (Villa Rica do Espírito Santo, Ciudad Real del Guairá) e vítimas

das doenças transmitidas pelo “Outro”, que acabaram resultando no seu próprio mal.

Ao longo dos séculos, desde 1500, outros episódios são registrados em prejuízo dos

primitivos habitantes. De cinco milhões de indivíduos estimados no século 16, o

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou em 1991 pouco mais

de 294 mil. Dados mais recentes estimam para o próximo censo em torno de 734 mil

(um salto de 150%) no alvorecer do século 21. Cultural e socialmente “civilizados”.

12 Indígenas, foi dado este nome devido a um erro de cálculo na navegação das embarcações, assim, os seus capitães achavam que tinham chegado às Índias ocidentais.

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REFERÊNCIAS

BOGONI, Saul; BONNICI, Thomas. As reduções jesuíticas na comquista espiritual

(1639) de Antonio Ruiz de Montoya, sob a crítica pós-colonial. In: CELLI–

COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá.

Anais...Maringá, 2009, p. 923-930

acessado em 13/06/2013 http://www.pph.uem.br/cih/anais/trabalhos/313.pdf.

LAROUSSE, Grande Enciclopédia Delta. Rio: Ed. Delta S.A., 1978.

NOGUEIRA, Carmen Regina Dorneles, O Turismo, o Reencontro e a Descoberta da Região das Missões, São Paulo, 2007 p.29)

PARIS EDMOND A História Secreta dos Jesuítas. Traduzido para o português em

1997 por Josef Sued 21 edição: 2* tiragem / Ano 2000.

SHALLENBERG, Erneldo. As missões jesuíticas do Guairá, Ed. Toledo 1997.

SPINELLI, Teniza. Esculturas Missioneiras em Museus do Rio Grande do Sul - Porto

Alegre: Evangraf, 2008.