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ELBEN M. LENZ CÉSAR História da evangelizaçã o do Brasil DOS JESUÍTAS AOS NEOPENTECOSTAIS Ultimato EDITORA^J^ ^

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  • ELBEN M. LENZ CSAR

    Histria da

    evangelizao do Brasil DOS JESUTAS AOS NEOPENTECOSTAIS

    Ultimato EDITORA^J^ ^

  • Sumrio

    Apresentao............................................................. 13

    I. CRISTIANIZAO (SCULOS XVI A XVIII)

    1. Bispo abenoa a armada de Pedro lvares Cabral .............................................................. 19

    2. Dom Manuel I engaveta o desafio missionrio de Pro Vaz de Caminha ............................................. 22

    3. A Europa pega fogo ..................................................... 25

    4. preciso alcanar os no-alcanados da Ilha de Vera Cruz.......................................................... 28

    5. Incio de Loyola envia os seis primeiros missionrios................................................. 31

    6. Calvinistas celebram na Baa de Guanabara o primeiro culto protestante ........................................ 37

  • 7. A escravatura aumenta o nmero de no-alcanados............................................

    8. O "apstolo do Brasil" no menciona a ressurreio de Jesus em seu catecismo bilngue........................................................

    9. Holandeses transplantam para o Nordeste brasileiro a Igreja Crist Reformada ...........

    10. Missionrios no conseguem separar a f crist das crenas indgenas e africanas .....

    II. EVANGELIZAO (SCULO XIX)

    11. Protestantes demoram a vir para o Brasil..... 12. A Bblia chega ao Brasil 40 anos antes dos missionrios protestantes ..............................

    13. Constituio de 1824 probe os protestantes alemes de construir igrejas com torre, sino e cruz ...................................

    14. Missionrios de lngua inglesa espalham-se pelo Brasil......................................................

    15. Missionrio free-lancer vem para o Brasil.... 16. Americano jovem e solteiro desembarca como missionrio no porto do Rio de Janeiro ............................................................

    17. Metodistas comeam em 1835, param em 1841 e recomeam em 1867..........................

    18. General pe fogo na Junta de Richmond.....

    19. Ex-alunos do Seminrio Teolgico de Virgnia vm para o Brasil........................

    20. Ex-padre troca o plpito pela evangelizao pessoal...................................

  • III. PENTECOSTALI2AO (SCULO XX)

    21. Operrio italiano organiza em So Paulo

    a mais fechada igreja evanglica brasileira.................

    113

    22. Missionrios suecos fundam a maior denominao

    evanglica brasileira ............... 117

    23. Tenente-coronel diz que o homem de negcio sonega o fisco e o comerciante sonega a alfndega ...................................................... 123

    24. Gal de Holywood traz o Evangelho

    Quadrangular para o Brasil.........................................

    129 25. Pedreiro pernambucano

    funda em So Paulo a mais aberta igreja pentecostal brasileira....................................................................... 134

    26. Jovem de 26 anos converte-se em So Paulo e funda a igreja pentecostal mais rgida do Brasil............................................................. 139

    27. Nascida nos Estados Unidos em 1967, a Renovao Carismtica Catlica chega ao Brasil trs anos depois................................................. 143

    28. Edir Macedo abandona a umbanda e a loteria e funda a Igreja Universal do Reino de Deus ............ 148

    29. Pentecostais e histricos precisam tomar

    cuidado com o joio no meio do trigo......................... 155

    30. O Brasil deixa de ser campo missionrio para ser agncia missionria ....................................... 160

    40

    44 49

    55

    63 68

    72

    78 82

    87

    90 95

    100

    104

  • Apndice................................................................... 167

    ndice onomstico .................................................... 179

    Bibliografia ...................................................

    ........... 187

    Nota:

    A histria do Exrcito de Salvao encontra-se na 3 parte por uma questo de cronologia, e no porque se trata de uma denominao pentecostal.

  • Apresentao

    As respostas aos desafios catlico de Pro Vaz de Caminha e protestante de Henry

    Martyn

    A Histria da evangelizao do Brasil no adaptao de uma dissertao acadmica. Quer dizer, no um trabalho cientfico. Embora tenha o cuidado de ser rigorosamente fiel s muitas fontes consultadas, o livro que o leitor tem em mos contm uma srie de relatos ao mesmo tempo histricos e edificantes. Estamos focalizando mais os instrumentos humanos dos quais Deus se serviu de uma maneira e outra do que as instituies que eles fundaram ou trouxeram para o Brasil ao correr dos 500 anos de histria, a partir da ocupao portuguesa. Nem todos pensavam e agiam do mesmo modo, quase nunca

    trabalharam lado a lado, no foram unnimes na exegese bblica, cometeram erros de estratgia missionria, tornaram-se culpados de pecados de intolerncia, no levantaram suficientemente suas vozes contra a escravido indgena e africana e outras injustias sociais, nem sempre exigiram arrependimento e converso daqueles aos quais ministravam. Todavia, ningum pode negar que esses missionrios e missionrias, europeus e americanos do norte,

  • 14

    estrangeiros e nacionais, catlicos e protestantes, no-pentecostais e pentecostais, instrudos e iletrados, casados ou solteiros, eram realmente vocacionados, amavam a Deus acima de tudo, deram-lhe suas vidas e trouxeram para c o evangelho de Jesus, promovendo e ampliando o reino de Deus. No estamos contando a histria das igrejas, mas a histria da

    evangelizao do Brasil, desde os jesutas at os neopentecostais, esforando-nos para faz-lo com iseno de nimo. No contamos a histria das igrejas nem dos desdobramentos delas, como, por exemplo, a histria da Igreja Presbiteriana do Brasil, da Igreja Presbiteriana Independente, da Igreja Presbiteriana Conservadora, da Igreja Presbiteriana Renovada e da Igreja Presbiteriana Unida. Cada denominao j tem livros de sua histria. No queremos repetir o que j foi escrito. Contamos s o incio de cada esforo missionrio, mencionando a figura dos pioneiros e o seu trabalho. No foi possvel evitar por completo o ponto de vista evanglico do autor, que est inserido na histria. Faz parte da terceira gerao de um casal que aceitou o evangelho por meio do primeiro missionrio estrangeiro a se fixar no Nordeste brasileiro em 1873. A Histria da evangelizao do Brasil persegue dois notveis

    desafios missionrios, separados entre si por trs sculos. O primeiro desafio catlico: encontra-se na carta de Pro Vaz de Caminha dirigida a Dom Manuel I, o Venturoso, rei de Portugal. O segundo desafio protestante: encontra-se no precioso dirio de Henry Martyn. Os dois desafios so sintomticos: enquanto Caminha, em 1500, talvez com 50 anos, menciona a necessidade de vir de Portugal algum clrigo parabatizar os ndios, Martyn, em 1805, com 24 anos, menciona a necessidade de vir, de qualquer lugar, algum missionrio para pregar "a doutrina da cruz". Os missionrios catlicos esforaram-se para batizar o maior nmero possvel de indgenas, negros e crianas brasileiras, com ou sem catequese suficiente. Anchieta chegou a desenterrar um recm-nascido aleijado sepultado ainda vivo pela me ndia e o batizou.' Os missionrios protestantes esforaram-se para anunciar o sacrifcio vicrio de Jesus ao maior nmero possvel de brasileiros. Grosso modo, possvel dividir a histria da evangelizao do Brasil

    em trs perodos distintos e naturais: nos sculos XVI, XVII e XVIII, os missionrios catlicos cristianizaram o pas; no sculo XIX, os missionrios protestantes evangelizaram o pas; e, no sculo XX,

  • 15

    os missionrios pentecostais pentecostalzaram o pas (com o auxlio dos carismticos catlicos). No incio ocorreu a pr-evangelizao, no sculo seguinte, a evangelizao propriamente dita e no ltimo sculo, a ps-evangelizao. Em todo o mundo, o sculo XVI foi o grande sculo missionrio

    catlico, o sculo XIX, o grande sculo missionrio protestante e o sculo XX, o grande sculo pentecostal. O que vai acontecer no sculo XXI pertence ao futuro, e no

    histria. Queira Deus que seja algo superior, em nmero e em profundidade, ao que foi feito at agora.

    Elben M. Lenz Csar MAIO

    DE 2000

    Nota

    'CAXA, Quircio, RODRIGUES, Pro. Primeiras biografias de Jos de Anchieta. So Paulo: Loyola, 1988. p. 154.

  • I. CRISTIANIZAO

    (SCULOS XVI A XVIII)

  • l.

    Bispo abenoa a armada de Pedro Alvares Cabral

    Religiosidade o que no faltava aos portugueses na poca da "descoberta" do Brasil. O prprio capito-mor da armada de dez naus e trs caravelas, que transportava para a ndia cerca de l .350 homens, era cavaleiro da Ordem de Cristo. Por coincidncia, Pedro Alvares Cabral tinha ento a idade de Jesus quando este morreu (33 anos). A Ordem de Cristo era uma ordem militar e religiosa fundada e instituda pelo papa Joo XXII em Avignon, na Frana, em maro de 1319, a pedido de Dom Dinis, sexto rei de Portugal. Foi essa ordem que financiou, com os tesouros da Ordem dos Templrios, extinta em 1311, a expanso martima portuguesa no final do sculo XV, Na vspera da partida da armada de Cabral, dia 8 de maro de 1500,

    domingo, na capela da Ermita de So Jernimo, margem do no Tejo, em Lisboa, houve uma cerimnia religiosa, na qual o bispo Diogo Ortiz benzeu a bandeira da Ordem de Cristo, passando-a em seguida para Dom Manuel I e este para Pedro lvares Cabral. Estavam presentes a corte, os banqueiros que financiariam grande parte do empreendimento e os capites da frota.

  • 20

    Como acontecia em todas as viagens martimas portuguesas, havia capeles a bordo. No caso de Cabral, vieram oito franciscanos e o frei Dom Henrique Soares de Coimbra, um frade para cada 150 tripulantes. ,' Ao depararem a costa brasileira, chamaram de Monte Pascoal a | pequena elevao isolada (536 metros) que avistaram dos navios, situada a 50 quilmetros do mar, no litoral da Bahia. O nome era apropriado, pois dentro de poucos dias se daria a celebrao da Pscoa. A terra que estava diante deles denominaram Ilha de Vera Cruz. Nas expedies posteriores, fez-se a mesma coisa. Com o calendrio litrgico nas mos, iam batizando todos os acidentes geogrficos do litoral com os nomes religiosos; cabo de So Roque, cabo de Santo Agostinho, rio So Francisco, baa de Todos os Santos, cabo de So Tom, ilha de So Sebastio, porto de So Vicente etc. ! No quarto dia depois da "descoberta", no domingo 26 de abril, Dom Henrique Soares de Coimbra celebrou a primeira missa em territrio brasileiro. Cabral participou da cerimnia carregando consigo a bandeira de Cristo. No dia seguinte, Joo Fars, mais conhecido como Mestre Joo, mdico e astrnomo da armada, desceu terra pela primeira vez (pois estava doente) e, noite, batizou de Cruzeiro do Sul a constelao cujas estrelas principais formam o desenho de uma cruz. E no dia 1 de maio, sexta-feira, para comemorar a paixo de Cristo, frei Henrique celebrou a segunda missa, precedida de uma procisso, tendo frente os estandartes da Ordem de Cristo. Participaram da cerimnia mais de mil portugueses e cerca de 150 nativos. A religiosidade portuguesa da poca inclua uma conscincia

    missionria generalizada e bem arraigada. Antnio Vieira dizia que "os outros cristos tm obrigao de crer a f; o portugus tem obrigao de a crer e, mais, de a propagar"*. O rei Dom Joo III, filho de Dom Manuel I, l pelo ano de 1549, confessou a Tom de Sousa, primeiro governador do Brasil, que a principal coisa que o moveu a povoar as terras descobertas era "para que a gente delas se convertesse nossa santa f catlica"2 Naturalmente, como aconteceu com outras naes catlicas e protestantes, essa conscincia missionria tinha relao com a expanso territorial, com o colonialismo e com o aumento do poder poltico. como explica Charles Boxer: "A aliana estreita e indissolvel entre a cruz e a coroa, o trono e o altar, a f e o imprio, era uma das principais

  • 21

    preocupaes comuns aos monarcas ibricos, ministros e missionrios em geral"3. Embora tenha algum valor, a religiosidade precisa da companhia de

    frutos verdadeiros. Basta lembrar Israel em determinadas ocasies, quando a expresso litrgica era mais visvel do que a obedincia aos mandamentos. Os profetas deixaram bem claro que Deus no suporta "iniquidade associada ao ajuntamento solene" (Is 1.13). O tratamento dispensado ao ndio e ao negro, o desejo de enriquecimento rpido e o concubinato, entre outros escndalos, colocam em dvida a profundidade religiosa dos portugueses que vieram para o Brasil.

    Notas

    ' VAINFAS, Ronaldo. Trpico dos pecados; moral, sexualidade e inquisio no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 26. ^..ibid.

    ^d.Jbid.

  • 2.

    Dom Manuel I engaveta o desafio missionrio de Pro VQZ de Caminha

    O primeiro desafio missionrio em favor do Brasil tem a idade do pas: 500 anos. No foi redigido por nenhum missionrio ou missilogo. da lavra de um nobre que vivia nas cortes de Dom Afonso V, o Africano, Dom Joo II, o Prncipe Perfeito, e Dom Manuel I, o Venturoso, reis de Portugal. Seu nome muito conhecido, por ele ter escrito o primeiro relato da descoberta do Brasil, que ele chama de "adiamento". Trata-se de Pro Vaz de Caminha, nomeado escrivo da feitoria de Calicute, na ndia, em 1499.

    Caminha teria 50 anos quando escreveu a famosa carta dirigida a Dom Manuel I, ento com 31anos. O relatrio pormenorizado de 27 pginas foi escrito obviamente mo, a bordo da nau capitnia da armada de Pedro lvares Cabral, fundeada na altura de Porto Seguro, na Bahia. Embora tenha a data de 1 de maio de 1500, a carta comeou a ser escrita nos dias anteriores.

    Numa linguagem sem rodeios e alicerada nas impresses pessoais que teve dos indgenas, Caminha diz ao rei que ele precisa cuidar da salvao deles e enviar um clrigo para os batizar o mais

  • 23

    breve possvel. Depois de descrever a exuberncia da terra com entusiasmo, o ex-vereador do Porto declara: "O melhor fruto que nela se pode fazer, me parece que ser salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lanar".* Enquanto o missionrio no chegasse, os ndios poderiam ser

    catequizados plos quatro portugueses que ficaram na Ilha de Vera Cruz (dois degredados e dois desertores), embora os degredados (um deles chamava-se Afonso Ribeiro) regressassem a Portugal um ano e oito meses depois (dezembro de 1501), na expedio de Gonalo Coelho. possvel que eles tenham feito mais do que catequizar, pois quando

    Pro de Campos Tourinho, 35 anos depois, assumiu a capitania de Porto Seguro, encontrou ali uma pequena comunidade de mamelucos, tambm chamados de lusndos ou luso-brasileiros, nomes que se do aos filhos de ndio com portugus. O entusiasmo de Caminha pela evangelizao dos indgenas

    assenta-se, em parte, numa impresso demasiadamente otimista e simplista que teve dos nativos por ocasio da segunda missa campal; os ndios ajudaram a carregar a cruz para o local designado e imitaram os portugueses durante o ofcio religioso, ajoelhando-se, pondo-se em p, levantando as mos para o alto e olhando atentamente para o celebrante. Para o escrivo da feitoria de Calicute, o peixe j estava quase na rede. Faltava apenas o clrigo para os batizar! Menos de dois meses depois, a carta de Pro Vaz de Caminha

    chegou a Portugal levada pela nau de Gaspar de Lemos. No h nenhuma indicao de que o apelo missionrio nela contido tenha causado algum impacto em Dom Manuel I ou em qualquer outra pessoa. Nem naqueles dias nem nos anos seguintes, simplesmente porque no se deu publicidade a ela, O documento foi parar nos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, e permaneceu desconhecido por quase 300 anos. Foi o historiador espanhol Juan Bautista Munoz quem o localizou em 1793. A Corografia Braslica, de Aires de Casal, publicou-a pela primeira vez 24 anos depois, em 1817. Embora to urgente e ardoroso, o primeiro desafio missionrio em

    favor da salvao dos naturais do Brasil caiu no esquecimento logo em seguida sua elaborao. Pro Vaz de Caminha morreu naquele mesmo ano, em 16 de dezembro, quando cerca de 300 rabes e hindus atacaram a feitoria portuguesa de Calicute.

  • 24

    Se a carta de Caminha tivesse sido publicada, certamente no seria necessrio esperar 49 anos pela chegada da primeira leva de missionrios estveis, aqueles que vieram com Tom de Sousa, o primeiro governador do Brasil, em maro de 1549.

    Nota

    ' PEREIRA, Paulo Roberto. Os trs nicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999. p. 58.

  • 3.

    A Europa pega fogo

    Enquanto os indgenas do Brasil esperavam o clrigo solicitado em carter de urgncia na carta de Pro Vaz de Caminha, a Europa mudou muitssimo, principalmente no que diz respeito religio. No perodo de 50 anos, de 1500 a 1549, sete papas passaram pelo

    Vaticano: Alexandre VI (1492-1503), Pio III (1503), Jlio II (1503-1513), Leo X (1513-1521), Adriano VI (1522-1523), Clemente VII (1523-1534) e Paulo III (1534-1549). Em mdia, cada um deles reinou sete anos. Com raras excees, esses papas no honraram o nome de Deus nem o cargo que ocupavam. A comear com o papa da "descoberta" do Brasil, Alexandre VI, que se relacionou com uma senhora da nobreza romana, Vanozza de Cataneis, da qual teve quatro filhos, entre eles os tristemente famosos Csar Brgia, que assassinou o marido da irm, e ela prpria, Lucrcia Brgia. Os outros papas eram escandalosamente nepotistas e amantes do fausto e do poder. Os dois que mais prometiam tiveram pontificados muito curtos Adriano VI (21 meses) e Pio III (25 dias). Foi o papa Alexandre VI quem traou a linha de Tordesilhas, sete anos antes da "descoberta" do Brasil, que separava as zonas de influncia portuguesa e espanhola, na esperana de acabar com a disputa entre os dois grandes pases da poca.

  • 26

    Foi nesse ambiente de profunda decadncia doutrinria e moral que surgiram, quase simultaneamente, alguns movimentos espontneos de reforma religiosa em vrios pases da Europa. Na verdade, esses esforos de reforma da igreja comearam bem antes da expedio de Cabral, com Joo Wycliffe (1320-1384), na Inglaterra, e Joo Huss (1369-1415), na Tchecoslovquia. Wycliffe conhecido como a Estrela d'Alva da Reforma. Outra tentativa de reforma, de carter mais regional e mais moral, aconteceu na ltima dcada do sculo XV, com o dominicano Jernimo Savonarola (1452-1498), na cidade de Florena. Tanto Huss como Savonarola foram condenados morte, este aos 46 anos, por ordem do papa Alexandre VI, e aquele aos 43, por ordem do papa Alexandre V. A soma de todos os esforos de reforma da igreja realizados na

    primeira metade do sculo XVI, na Inglaterra, Esccia, Pases Baixos, Frana, Alemanha, Sua e Prssia deu origem segunda grande ciso da Igreja Crist. (O primeiro cisma ocorreu 463 anos antes, com o nascimento da Igreja Catlica Apostlica Ortodoxa, tambm chamada Igreja Oriental.) Trata-se da Reforma Protestante, levada a cabo por homens como Martinho Lutero (1483-1546), irico Zunglio (1484-1531). Filipe Melncton (1497-1560), Joo Calvino (1509-1564) e Joo Knox (1514-1572). A data mais importante da Reforma 31 de outubro de 1517, quando Lutero protestou publicamente contra o abuso na venda de indulgncias, com a afixao de suas Noventa e Cinco Teses porta da igreja do castelo de Wittenberg, na Alemanha, poca do pontificado de Leo X. bom lembrar que Lutero nasceu 17 anos antes da "descoberta" do Brasil e proclamou a Reforma 17 anos depois. Para atender a demanda da reforma interna e, principalmente, para

    fazer frente Reforma Protestante, a Igreja Catlica Romana provocou a sua prpria reforma, conhecida pelo nome de Contra-Reforma, tambm chamada de Reforma Catlica ou Renascimento Catlico. Os trs grandes instrumentos da Contra-Reforma foram a Sociedade de Jesus (1540), a Inquisio Romana (1542) e o Conclio de Trento (a partir de 1545). As duas reformas alteraram profundamente o clima religioso da

    Europa na primeira metade do sculo XVI, renovando a piedade crist dos dois sculos anteriores a 1500, Quando, finalmente, o desejo de Pro Vaz de Caminha foi levado em conta, os seis primeiros missionrios a virem para o Brasil, em maro de 1549, eram da

  • 27

    Companhia de Jesus, fundada nove anos antes. A essa altura, j se fazia necessria a distino entre missionrios catlicos romanos e missionrios protestantes, pois seis anos depois (1555) chegariam ao Rio de Janeiro os primeiros missionrios reformados.

  • 4.

    y

    E preciso alcanar os no-alcanados da Ilha de

    Vera Cruz

    Com a "descoberta" do Brasil, o clero europeu mais sintonizado com a ordem de evangelizao mundial, dada por Jesus, foi obrigado a reconhecer que havia muito mais gente para ouvir o anncio do evangelho do que eles pensavam. Alm dos africanos, indianos, judeus, rabes, chineses e japoneses, havia os indgenas do lado de c do Atlntico. Se fosse missilogo, Caminha bem poderia referir-se a eles usando

    uma expresso muito em voga hoje; os homens que foram vistos pela primeira vez plos tripulantes dos navios mais prximos do litoral eram um povo no-alcanado. Se soubesse que aqueles ndios eram muitos e diferentes entre si, Caminha usaria o plural: povos no-alcanados. Talvez at desenhasse algo parecido com a atual Janela 10/40 aquele retngulo do mapa-mndi onde vivem os povos no-alcanados pelo evangelho, compreendido entre os paralelos 10 e 40 ao norte da linha do Equador, da costa ocidental da frica costa oriental da sia. A Janela Brasileira seria entre a

  • 29

    linha do Equador e o paralelo 30 ao sul do Equador e os meridianos 30 e 70 a oeste de Greenwich. Pouco a pouco os portugueses foram descobrindo que os naturais da

    terra habitavam todo o litoral, do Par ao Rio Grande do Sul, e tambm o interior prximo e distante. Descobriram tambm que eles falavam diferentes lnguas e no tinham todos a mesma cultura. Na verdade eles eram cerca de um milho e meio de habitantes (no clculo mais conservador), divididos em mais de mil etnias, Eram os aimors, apinajs, botocudos, caets, caiaps, canelas, cariris, goitacazes, guaianazes, guaranis, tabajaras, timbiras, tupinambs, tupiniquins, tupis, xerentes e muitos outros. Os indgenas no tinham deuses certos nem dolos, mas eram

    religiosos, danavam, cantavam e submetiam-se aos seus pajs, que exerciam os ofcios de sacerdote, profeta e mdico-feiticeiro. Alguns alimentavam a esperana de uma "terra sem males". Nada sabiam da unicidade de Deus, nem de sua santidade, soberania, amor e graa. Nunca ouviram falar sobre Jesus, sua concepo sobrenatural, seus ensinos, seus milagres, sua morte e ressurreio, sua ascenso e volta. Eram, para todos os efeitos, povos no-alcanados pelas boas novas da salvao em Cristo Jesus. Quase todos os indgenas moravam em tabas (ou aldeias), separadas

    umas das outras por uma distncia nunca inferior a nove quilmetros, mas que poderia chegar a cinquenta. Cada taba possua de quatro a dez malocas (ou ocas), cercadas de varas e cobertas de palha ou folhas. A rea ao redor tinha o nome de retama. Ali os ndios encontravam sua subsistncia, por meio da lavoura, caa e pesca cerca de 400 quilos de comida por dia no caso de uma taba de 400 habitantes. Depois de quatro a cinco anos, eles se mudavam para um lugar mais distante, por causa da escassez dos gneros alimentcios. Havia sempre muito espao e recursos de sobrevivncia. Em cada oca, moravam vrias famlias; pai, me, filhos, genros e noras, mulheres solteiras, parentes idosos, amigos agregados, netos, bisnetos e at prisioneiros de guerra. Os contatos ntimos entre o homem e a mulher eram realizados fora da maloca, no mato ou na praia. No tinham horrios fixos para as refeies nem ajuntavam em celeiros comida para o dia seguinte. O que mais chamou a ateno dos portugueses foi a nudez dos

    indgenas. Caminha se refere a isso umas cinco vezes em sua carta. E a Relao do piloto annimo, outro documento escrito por um

  • 30

    participante da armada de Cabral, menciona duas vezes o mesmo fato. Ambos elogiam a beleza dos ndios e das ndias. Caminha chega a dizer que as moas eram mais bonitas que as portuguesas. A nudez foi interpretada como ausncia de pecado e aquela terra, como "um den no violado", algo semelhante ideia de Cristvo Colombo de que havia atingido o paraso bblico ao descobrir a Amrica, oito anos antes (1492).

  • 5.

    Incio de Loyola: envia os seis primeiros missionrios

    Filho da nobreza basca e consagrado plos pais ao ministrio cristo, Incio de Loyola s se converteu em 1521, aos 30 anos, depois de ler a vida de Jesus e dos santos, e enquanto se convalescia de ferimentos sofridos numa batalha. Em seguida, passou onze meses em orao e jejuns. Em 1534, depois de estudar teologia na Universidade de Paris, onde estudava tambm o futuro reformador Joo Calvino, e de reunir ao seu redor alguns amigos, Loyola e outros seis fizeram votos de pobreza e castidade perptuos. Trs anos depois, aos 46 anos, ordenou-se sacerdote em Roma, onde fixou residncia. Em 1540, o papa Paulo III oficializou a Companhia de Jesus, fundada por Loyola e seus companheiros. Loyola foi eleito o primeiro superior geral da ordem. Aos 52 anos, publicou os seus Exerccios espirituais, fruto de profundas experincias devocionais que teve em Manresa, na Catalunha, 27 anos antes. O ministrio que realizou em Roma era muito original naquela poca; assemelhava-se ao ministrio de Jesus de buscar e salvar o que se havia perdido (Lc 19.10). Loyola abriu uma casa de recuperao para Prostitutas, uma hospedaria para moas novas e instituies para

  • 32 socorrer convertidos do judasmo, nobres empobrecidos e meninos abandonados. Para Loyola, a orao e a atividade deviam reforar-se mutuamente: "Devo orar como se tudo dependesse de Deus e trabalhar como se tudo dependesse de mim"'. Na verdade, principalmente nos ltimos anos de vida, ele foi um mstico e um burocrata ao mesmo tempo.

    Embora Loyola ressaltasse mais a qualidade do que a quantidade, a Companhia de Jesus cresceu rapidamente. Quando morreu, em 1556, aos 65 anos, j havia cerca de mil jesutas em vrios pases da Europa e missionrios na frica, ndia, China, Japo, Brasil e Paraguai.

    Eram contemporneos de Loyola e a ele subordinados os seis jesutas que desembarcaram na Bahia no dia 29 de maro de 1549, na companhia de mais de mil pessoas, entre soldados, funcionrios, colonos, artesos e cerca de 400 criminosos condenados a viver fora da terra natal. Com eles, veio o lisboeta Tom de Sousa, de 49 anos. filho natural de um religioso, para ocupar o cargo de primeiro governador do Brasil. O chefe dos jesutas era Manoel da Nbrega, de 32 anos, membro da Companhia de Jesus desde 1544. Era 26 anos mais novo que Loyola e 15 anos mais novo que Francisco Xavier (1506-1552), um dos companheiros de Loyola e o mais notvel missionrio jesuta, primeiro na ndia (1541) e, depois, no Japo, onde chegou no mesmo ano da chegada de Nbrega ao Brasil.

    Por quase um ano, Nbrega e os outros cinco jovens missionrios pioneiros moraram com os indgenas e, no, com os portugueses. Nbrega demorou pouco tempo na Bahia. Depois de instalar o Colgio da Bahia, foi para a capitania de So Vicente e fundou, em 1554, a aldeia e o Colgio de So Paulo. Quando era provincial da Companhia de Jesus no Brasil (1553-1560), Nbrega escreveu a primeira obra literria produzida no pas: Dilogo sobre a converso do gentio(l 557). Morreu 13 anos depois, na cidade do Rio de Janeiro, aos 53 anos.

    Muitos outros jesutas vieram para o Brasil depois da primeira leva. Os mais notveis so: Jos de Anchieta (1534-1597), Antnio Vieira (1608-1697) e Pedro Dias (1622-1700). Anchieta "o apstolo do Brasil", Vieira, o notvel pregador, e Pedro Dias, "o So Pedro Clver do Brasil".

    Em 208 anos, desde a chegada dos primeiros jesutas (1549) at a sua expulso (1757), o nmero dos missionrios da Companhia de Jesus cresceu de seis (todos estrangeiros) para 474 (pouco menos da metade deles j eram brasileiros).

  • 33 Ao chegar ao Brasil, na segunda metade do sculo XVII, o

    missionrio europeu encontrava muitos desafios pela frente; Muito cho. A extenso territorial do novo campo missionrio era

    enorme. Embora as fronteiras no estivessem demarcadas, alguns anos depois o Brasil seria pouco menor que a Europa toda, quatorze vezes maior que a Pennsula Ibrica e cem vezes maior que o minsculo Portugal. Muitas migraes. As gentes para evangelizar provinham de trs

    grandes migraes; da sia (os indgenas), da Europa (os portugueses e mais alguns europeus) e da frica (os negros que comearam a chegar em 1538). Muitas etnias. Havia uma diversidade enorme de etnias indgenas

    (mais de mil) e africanas (mais de 250), com caractersticas e culturas distintas, em alguns casos, bem diferentes. Havia indgenas pacficos e indgenas guerreiros, indgenas que comiam carne humana em rituais de guerra e indgenas no antropfagos, indgenas que viviam praticamente nus e indgenas que cobriam-se de peles. Havia negros da costa atlntica e da costa indica, de toda a frica subsaariana. Muita distncia. Os indgenas se encontravam totalmente dispersos,

    ocupando o litoral de norte a sul e o interior do pas, de leste a oeste. Eram to numerosos quanto a populao de Portugal. Muitas lnguas. A comunicao era um problema quase

    intransponvel por causa da diversidade de lnguas. At hoje h equipes de missionrios linguistas gastando em mdia 25 anos para traduzir o Novo Testamento para lnguas indgenas. E ainda falta bem mais da metade de tradues a fazer. Quanto aos negros, o problema era menor porque, como escravos, eram obrigados a aprender a lngua dos portugueses. Muita tentao. A dificuldade natural de conviver com respeito e

    castidade com a nudez das ndias era uma situao absolutamente nova para os europeus. Jos de Anchieta explica: "Elas andam nuas e no sabem negar-se a ningum, mas elas mesmas assediam e importunam os homens, metendo-se com eles nas redes, pois consideram uma honra dormir com os cristos"2. A este respeito, o padre Quircio Caxa, o primeiro bigrafo de Jos de Anchieta, diz que os tamios ficavam pasmados "de ver um mancebo [o prprio Anchieta] rodeado de todo fogo babilnico e estar nele sem lhe chamuscar um cabelo"3. Para se livrar "desses ardentssimos perigos

  • 34

    e propinqussimas ocasies, [Anchieta] usava de muita orao e comunicao com Deus", completa Caxa4. Segundo o cronista italiano Francisco Antnio Pigafetta, quando o navio Trndad, no qual se encontrava, entrou na Baa de Guanabara, em 1519, vrios nativos se aproximaram de canoa ou a nado dos navios e as mulheres que subiram a bordo "estavam nuas, eram muito jovens e se ofereciam aos marujos em troca de facas alems da pior qualidade"5. Muitos perigos. Em 1556, o navio em que viajava Pro Fernandes

    Sardinha, o primeiro bispo do Brasil, que tambm fora colega de Calvino na Universidade de Paris6, naufragou no litoral de Alagoas. Os nufragos foram mortos plos caets. Entre 1570 e 1571, quatorze anos depois, o desastre foi muito pior: piratas franceses atacaram dois navios nas proximidades das Canrias, mataram alguns passageiros e jogaram os outros ao mar. Entre os mortos estavam 43 jesutas a caminho do Brasil.7 Dizia-se na poca: "Se queres aprender a orar, faze-te ao mar".8 Muito desconforto. Embora ensolarado e exuberante, o campo

    missionrio no oferecia nenhum conforto, por causa do calor, das doenas tropicais, dos animais selvagens e dos insetos. Certo jesuta contou 45 grilos e 450 pulgas entre a grandssima multido de insetos que perturbavam a missa, o sono, a mesa e tudo o mais. Muito pecado. Os brancos que haviam fixado residncia e os que

    passavam certo perodo de tempo aqui eram, com raras excees, pessoas de baixo padro moral. Bom nmero eram degredados, desterrados e desertores. Outros eram nufragos e colonos, vidos de enriquecimento rpido. Os jesutas diziam que eles se portavam "de acordo com a lei natural"9, cercados de mulheres e escravos. Eduardo Bueno assevera que eles "viviam para alm dos limites, para alm da lei e para aqum da tica"10. O degredado Bacharel de Canania tinha seis mulheres, 200 escravos e um exrcito de mil indgenas e era o maior traficante de escravos da poca. Manoel da Nbrega chamava o misterioso Joo Ramalho de petra scandaliyzti a misso." Eram todos batizados na igreja e "cristos". Alm do baixo padro moral, esses portugueses, ao contrrio dos colonizadores da Nova Inglaterra, vieram para o Brasil sem suas esposas, o que explica em grande parte o concubinato de quase todos. Gilberto Freyre escreveu que o colonizador portugus chegou ao Brasil "hiperexcitado" e aqui encontrou o ambiente propcio para liberar sua sexualidade. Segundo Freyre, seria o portugus, mestio

  • 35

    de europeu com mouro, o grande responsvel pela forte sexualizao da cultura brasileira, mais que o negro ou o ndio. Havia tambm a influncia do culto afro-brasileiro, cujos deuses so louvados por suas proezas sexuais. Xang, por exemplo, tinha 400 mulheres e Oxum uma espcie de deusa do desejo.12 Muita injustia. O sentimento de superioridade tnica do europeu

    aliado ao seu poder econmico e militar causou inominveis barbries, especialmente no Brasil colnia. ndios eram perseguidos, escravizados e exterminados. Depois de um pequeno perodo de recuperao fsica e de engorda, os negros recm-chegados da frica eram separados de seus familiares e misturados entre si para dificultar a comunicao entre eles e evitar uma possvel rebelio. Eles recebiam os famosos trs ps; po (comida), pano (roupa) e pau (castigo fsico). Por qualquer transgresso eram aoitados, acorrentados e torturados. A escravido no Brasil durou exatamente 350 anos (de 1538 a 1888). Muitas desvantagens. Os primeiros brasileiros eram todos

    mamelucos, filhos de pai branco e me ndia. E, como as crianas eram criadas pela me, meninos e meninas de sangue mestio eram educados na cultura e crenas nativas, no na f crist. Para enfrentar to grande e diversificado desafio da Janela

    Brasileira13, seria de bom alvitre o envio de missionrios escolhidos. Era isso que Anchieta solicitava aos seus superiores na Europa. Numa de suas cartas, o "apstolo do Brasil" escreve: "Mais vale um bom na casa de Deus que muitos que lancem a perder a si e aos outros"'4, Todavia, nem todos os missionrios e clrigos que vieram para o

    campo missionrio brasileiro eram de "provada virtude". Alguns deles queimaram seus cabelos no forno babilnico, como escreve Euclides da Cunha: "A mancebia com as caboclas descambou logo em franca devassido, de que nem o clero se isentava"15, De qualquer modo, os missionrios dos trs primeiros sculos

    conseguiram conquistar a Janela Brasileira e transplantaram para aqui a cultura crist. Com rarssimas excees, todos os brasileiros ^o cristos, muito embora a maioria esmagadora seja formada de cristos nominais, sem vida religiosa, sem doutrina e sem salvao, como todos reconhecem,

  • 36

    Notas

    ' In: CSAR, Elben M. Lenz. Prticos devocionais. 4. ed. Viosa: Ultimato, 1 996. p. 22. 2 In: BUENO, Eduardo. Nufragos, traficantes e degredados. Rio de

    Janeiro:

    Objetiva, 1998. p. 177. 'CAXA, Quircio, RODRIGUES, Pro. Primeiras

    biografias de Jos deAncnieto.

    So Paulo: Loyola, 1 988. p. 20.

    ^d.Jbid. 5 In: BUENO, Eduardo. Nufragos, traficantes e degredados. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. p. 13. 6 PRIORE, Mary Dei. Religio e religiosidade no Brasil colonial. So Paulo:

    tica, p. 10. 7\d.,\bd.p. 11.

    8 BUENO, Eduardo. A viagem do descobrimento. Rio de Janeiro: Objetiva,

    1998.p. 10. 9 In: __. Nufragos, ft-aficantes e degredados. Rio de Janeiro: Objetivo, 1 998. p.

    195. 10 BUENO, Eduardo. Nufragos, traficantes e degredados. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998. p. 10. " __. A viagem do descobrimento. Rio de Janeiro:

    Objetiva, 1998. pp.

    17^179. 12 MASSON, Celso, FERNANDES, Manuel. A sexo-msica. Ve('a, p.

    84, 12 fev.

    1997. "Ver captulo anterior, p. 28. ''ANCHIETA, Joseph de. Cartas; correspondncia

    ativa e passiva. So Paulo:

    Loyola, 1984. p, 332. 15 In: HAHN, Cari Joseph. Histria do culto protestante no

    Brasil. So Paulo:

    ASTE, 1989. p. 48.

  • 6.

    Calvinistas celebram na Baa de Guanabara o primeiro culto protestante

    Pouco mais de meio sculo depois da descoberta do Brasil, 38 anos depois da proclamao da Reforma Protestante e apenas 6 anos depois da chegada dos jesutas Bahia, aportou no Brasil uma caravana ecumnica procedente da Frana. Eram nobres, artesos, soldados, criminosos e agricultores, alguns catlicos e outros protestantes, sob o comando do navegador e aventureiro Nicolau Durant de Villegaignon, de 45 anos, ora catlico ora protestante. Os trs navios e os 600 tripulantes e passageiros haviam sado de Hvre-de-Grce no dia 22 de julho de 1555 e chegaram Baa de Guanabara menos de quatro meses depois, em 10 de novembro. Os franceses queriam construir aqui a Frana Antrtica, por razes

    econmicas e religiosas. Em nenhum canto da Frana, ento com 15 milhes de habitantes, havia segurana para os protestantes, l chamados de huguenotes. Um deles, o almirante Gaspar de Coligny, de 36 anos, era muito influente e deu total apoio empreitada de ""legaignon. Conseguiu o patrocnio da expedio com o rei Henrique II, tambm de 36 anos.

  • 38

    Sob o ponto de vista religioso, a Frana Antrtica seria uma experincia indita, j que catlicos e protestantes participariam juntos de uma aventura caracterizada pela liberdade de culto, o que no estava sendo possvel na metrpole. Para os portugueses, o empreendimento de Villegaignon nada mais era do que uma invaso de seu territrio por uma potncia estrangeira. No dia 7 de maro de 1557, um ano e trs meses depois da primeira

    expedio, chegou a segunda leva de franceses: cerca de 300 colonos, catlicos e sem religio em sua maioria. Com eles vieram quatorze huguenotes (nome que se d aos reformados de lngua francesa) de Genebra, enviados por Joo Calvino, a pedido do prprio Villegaignon. Entre estes estavam o doutor em teologia Pierre Richier, de 50 anos, o pastor Guiliaume Chartier, o historiador Jean de Lry e dez artesos. No dia 10 realizou-se o primeiro culto reformado debaixo da linha do Equador. Richier pregou em francs sobre o verso 4 do Salmo 27: "Je demande 1'Eternel et une chose, que je dsire ardemment: je voudrais

    habiter toute ma vie dans Ia mason de 1'Eternel, pour contemplei Ia

    magnficence de 1'Eternel et pour admirer son temple". A cerimnia foi realizada no Forte Coligny, na ilha de Serijipe, hoje Villegaignon. Onze dias depois, 21 de maro, foi organizada a primeira igreja evanglica do Brasil e da Amrica do Sul. Entre os que participaram da Santa Ceia maneira calvinista estava Villegaignon. Isto quer dizer que entre a primeira missa catlica e a primeira celebrao eucarstica reformada houve um espao de apenas 57 anos. O namoro do vice-almirante com os huguenotes durou muito pouco

    tempo. Em outubro de 1557, sete meses depois de ter tomado a Ceia do Senhor em duas espcies (po e vinho), Villegaignon os expulsou da ilha para um local chamado La Briqueterie, hoje Olaria, no continente. Menos de trs meses depois, em janeiro de 1558, Richier e outros genebrinos foram obrigados a voltar para a Europa e l contaram o que havia acontecido e chamaram Villegaignon de "o Caim da Amrica". Nesse mesmo ano, no dia 9 de fevereiro, o homem forte da Frana Antrtica mandou estrangular e lanar ao mar os quatro signatrios de uma confisso de f reformada: Jean de Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon e Andr Ia Fon. Eles faziam parte da delegao de Genebra e eram leigos. Por ser o nico alfaiate dos franceses e por ter voltado atrs, Andr Ia Fon, na ltima hora, foi poupado. Os outros trs tornaram-se os primeiros mrtires

  • 39

    evanglicos do continente. Para no serem mortos, outros huguenotes fugiram para o interior, inclusive Jacques de Balleur, que foi parar em So Vicente, onde foi preso e levado para a Bahia. Em 1567, foi enforcado no Rio de Janeiro por ordem de Mem de S e com a assistncia de Jos de Anchieta, de 33 anos.' A Confisso de F solicitada por Villegaignon, escrita por Jean de

    Bourdel e assinada por ele e plos outros trs, ficou conhecida como Confisso Fluminense. tida como a primeira confisso do gnero da Amrica. Consta de dezessete artigos, quatro deles sobre o "Santo Sacramento da Ceia". No artigo XVI, eles declaram: "Cremos que Jesus Cristo o nosso nico Mediador, Intercessor e Advogado, pelo qual temos acesso ao Pai, e que, justificados no seu sangue, seremos livres da morte, e por Ele j reconciliados teremos plena vitria sobre a morte".2 Sob todos os pontos de vista, a Frana Antrtica ou a invaso

    francesa foi um fracasso. A aventura de Villegaignon durou menos de 11 anos: no dia 20 de janeiro de 1567, os franceses foram expulsos do Rio de Janeiro por Mem de S. Villegaignon morreu em 1575, aos 65 anos, trs anos depois de Coligny, que foi uma das vtimas da matana de So Bartolomeu, na Frana, em 24 de agosto de 1572. Tanto Coligny como Catarina de Medeis, seu maior desafeto e mentora da chacina que acabou com os huguenotes, tinham ento 53 anos. O historiador Jean de Lry, que veio da parte de Calvino para a

    falida Frana Antrtica, publicou, em 1578, o livro Narrativa de uma viagem feita terra do Brasil, tambm chamada Amrica. Esta obra foi imediatamente traduzida para o latim, holands e alemo, e at hoje muito consultada.

    Notas

    A histria do martrio de L Balleur foi escrita por lvaro Reis em 1917, sob o ttulo O Martyr L Balleur. A Confisso Fluminense aparece por inteiro na pgina 65 de A tragdia de Guanabara, escrita em francs por Jean Crespin (1554) e traduzida para o Portugus por Domingo Martins (1 91 7), e na pgina 1 66 de The A/lartyres of Guanabara, de Jonh Gillies (1976).

  • 7.

    A escrovcrturQ aumenta o nmero de no-aiccmados

    Em 1538, onze anos antes da chegada dos primeiros jesutas, o Brasil j era um dos maiores e mais difceis campos missionrios do mundo. Isso porque, alm das vrias centenas de etnias indgenas encontradas no pas, naquele ano comearam a chegar levas e mais levas de africanos na qualidade de escravos. Em 1585, de acordo com Jos de Anchieta, j havia 14 mil negros no territrio brasileiro contra 24.750 brancos.' O nmero de brancos empatou com o nmero de negros quinze anos depois, no alvorecer do sculo XVII, com 30 mil habitantes para cada grupo, nos clculos de Rocha Pombo.2 No final daquele sculo, o nmero de negros e mulatos escravos (1,5 milho) era bem maior que o nmero de brancos (l milho). Em trs sculos e meio de escravatura, de 1538 a 1888, quando foi decretada a Lei urea, 8 milhes de africanos foram trazidos fora para o Brasil, segundo Pedro Calmon e Eduardo Fonseca Jnior.3 Os africanos que aqui aportaram no vieram de um nico pas, no

    vieram apenas da costa atlntica. Muitos procediam de Moambique e outros pontos situados no outro lado da frica,

  • 41

    banhado pelo oceano ndico, inclusive da ilha de Madagscar. Na verdade, eles vieram de quase todos os recantos da frica, de vrias naes, tribos e etnias. Calcula-se em cerca de 250 as etnias s quais pertenciam os escravos importados do continente africano, tais como os ambundos, angolas, balantos, bambas, bantos, bengas, benguelas, benins, cabindas, cacimbas, cacondas, cacumbas, congos, dmbos, egbs, felanis, ganguelas, heroros, iorubas, jingas, mandingas, nagoas, nags, orangas, pepis, quibandos, quimbundos, quiamas, senegmbios, tongas, zuius etc. Eles falavam um nmero enorme de outras lnguas e dialetos.4 O sofrimento do negro comeava em seu prprio continente. Ele

    vinha para o Brasil porque seus ancestrais "estavam do lado mais fraco de uma luta fratricida contra outros negros circunstancialmente mais fortes", como explica Luiz Almeida. Ento, aprisionado e trazido para os portos de embarque, era comprado plos traficantes e embarcado para o Brasil. Cada navio trazia em mdia de 500 a 700 negros, entre homens, mulheres e crianas. Eles eram acumulados nos pores das embarcaes, que serviam a um s tempo de morada, cama e latrina. Muitos morriam durante a viagem por falta de ventilao, higiene e alimentao necessria. Calcula-se que no sculo XVI a taxa mdia de perda pode ter chegado a 25%. Diz-se que 400 mil negros saram da frica e nunca chegaram ao Brasil. Alguns tumbeiros (navios negreiros) tinham mais da metade da carga de escravos lanada ao mar. Os navios que partiam de Angola gastavam em mdia de 35 a 50 dias para aportar no Brasil. De lugares mais distantes e em condies climticas desfavorveis, a travessia podia durar de 5 a 6 meses. Uma vez aqui, os escravos eram automaticamente batizados e

    recebiam nomes portugueses, acompanhados do nome da nao de origem; Antnio Angola, Gertrudes Benguela, Joo Mina, Jos Cobu, Manuel Congo, Maria Crioula, Maria Moambique etc. Depois de "rn pequeno perodo de recuperao fsica e de engorda, eram ^parados de seus familiares e misturados entre si, para dificultar a ^municao entre eles e evitar uma possvel rebelio. S ento eram Postos venda, O comprador tinha o direito de apalpar o negro, ornar-lhe o pulso, examinar a lngua e os olhos e avaliar sua Instituio muscular. O preo variava de acordo com a robustez, a idade e o sexo. O homem valia mais que a mulher e os menores de ^"s valiam mais que os acima de 55. O valor do escravo oscilava

  • 42

    tambm de acordo com as necessidades do mercado. possvel que nunca tenha valido menos de 100 ris nem mais de l .500. Um cavalo valia vinte bons escravos, Uma vez comprado, o escravo era propriedade de seu senhor.

    Poderia ser doado, alugado, vendido, leiloado, hipotecado e trocado. Em algumas fazendas, os escravos mais robustos engravidavam as escravas mais frteis, a mando de seus senhores, para multiplicar seletivamente o nmero de trabalhadores braais e o capital de seus donos.5 Outra vantagem era a quantidade de leite humano para amamentar as crianas brancas da fazenda e vender a sobra para outras mes. Os negros recebiam os famosos trs ps: po (comida para o corpo e para a alma), pano (vesturio para cobrir as partes mais ntimas) e pau (castigo fsico). Dormiam sobre esteiras em miserveis e apertadas senzalas no muito distantes da casa grande, onde moravam os seus senhores, noite, as senzalas eram fechadas para evitar desordem e fuga. Comiam trs vezes ao dia: almoo (s 8 horas), jantar (s 13) e ceia (entre 20 e 21 horas). Trabalhavam o dia inteiro, na casa grande, na fazenda ou na vila. Faziam de tudo. Por qualquer transgresso eram aoitados, acorrentados e torturados. Chama-se bacalhau o chicote de couro com cinco ou sete pontas com o qual se punia os negros. Para proteger e preservar a castidade das futuras esposas brancas, as escravas eram usadas para satisfazer os desejos sexuais de seus senhores. A relao homossexual tambm era possvel. Depois de recapturado, o escravo fugitivo era marcado a ferro com a letra "F", de fujo. A vida til do escravo estendia-se por quinze anos. Para pr fim ao seu sofrimento, no poucos escravos praticavam o

    suicdio, tanto nos navios negreiros como j em terra. Muitos sofriam de banzo, uma espcie de nostalgia provocada pela lembrana e saudade da frica, que os deixava tristonhos, abatidos e apticos. Essa estranha doena levava-os a um tipo de loucura e morte. Nas palavras de Vieira, os escravos "tinham o corpo na Amrica e a alma na frica"6. O nmero de escravos e o nmero de missionrios catlicos

    cresceram na mesma poca. Mas a igreja no enxergou plenamente o sofrimento dos negros nem levantou satisfatoriamente a voz contra essa loucura econmica, social e religiosa, no muito diferente do genocdio praticado contra os judeus 400 anos depois, na poca do nazismo alemo. Por causa disso, a escravido s acabou por completo

  • 43

    em 1888. Alm de ter sido o ltimo pas a extinguir o comrcio e a utilizao de mo-de-obra escrava, o Brasil foi a nao que importou maior nmero de escravos perto de 40% do total de 9 milhes e meio de negros transportados da frica para o continente americano.7

    Notas

    i SCISINIO, Alar Eduordo. Dicionrio da escravido. Rio de Janeiro: Lo Christiano Editorial, 1997. p. 142. 'Id.Jbid. p. 142. ^d.Jbid. p.

    142 e 146. 4 Eduardo Fonseca fala em 280 etnias (In: SCISINIO, Alar Eduardo. Dicionrio da escravido. Rio de Janeiro: Lo Christiano Editorial, 1997. p. 147).

    5 SCISINIO, Alar Eduardo. Dicionrio do escravido. Rio de Janeiro: Lo Christiano Editorial, 1997. p. 290.

    6 In: __. __. 7 SCISINIO, Alar Eduardo. Dicionrio da escravido. Rio de Janeiro: Lo

    Christiano Editorial, 1997. p. 144.

  • 8.

    O "apstolo do Brasil" no menciona a ressurreio de Jesus em seu catecismo

    bilngue

    Tose de Anchieta de fato um dos maiores nomes da evangelizao j do Brasil. Nascido na ilha de Tenerife, a maior das Canrias, Anchieta veio para c como novio em 1553, aos 19 anos, depois de ter iniciado seus estudos na Universidade de Coimbra. S se ordenou padre treze anos depois, em 1566, aos 32. Tem sido denominado de "o apstolo do Brasil", "o Xavier da Amrica" e "o taumaturgo do Novo Mundo". Quando estudante em Portugal, era chamado de "o canrio de Coimbra". Os indgenas deram-lhe o nome de Paye-guassu, isto , "o grande paj". Meio parente de Incio de Loyola, o fundador da ordem dos jesutas.

    Anchieta tinha 12 anos quando Lutero morreu e 30 quando aconteceu o mesmo a Calvino. Alm de uma quantidade enorme de cartas, poemas, dramas e sermes, o jesuta escreveu a Gramtica da lngua mais usada na costa do Brasil e o catecismo bilngue (tupi e portugus) intitulado Dilogo da f, este por volta de 1560, sete anos depois de chegar ao Brasil.

  • 45

    Escrito para doutrinar os colonos portugueses e os indgenas, principalmente as crianas, o Dilogo da f tem 6l6 perguntas e respostas. No obedece ao esquema do velho catecismo Disputatio Puerorum, do sculo XI, no qual o discpulo quem faz as perguntas e o mestre quem oferece as respostas. Ao contrrio e como mais comum, Anchieta coloca a pergunta na boca do mestre e a resposta na boca do discpulo. Em sua Bibliotque de Ia Compagne de Jesus, Charles Sommervogel cita algum que diz que o catecismo de Anchieta o que havia de melhor no gnero catequtico. Percebe-se com facilidade que o autor tinha em mente mais o natural

    da terra do que os portugueses. O catecismo aborda costumes puramente indgenas como "comer gente" (antropofagia), "comer terra ou outra coisa para morrer" (suicdio) e fazer-se feiticeiro "para matar gente ou para benzer". Das 6l6 perguntas, 168 (mais de 25%) invocam os acontecimentos

    da sexta-feira santa, desde a sada de Jesus do cenculo at o sepultamento, Nas sete primeiras, Anchieta deixa claro que Jesus morreu por sua prpria vontade para tornar possvel o perdo de Deus. Depois fala sobre a agonia do Getsmani e dos encontros de Jesus com Ans, Caifs, Pilatos e Herodes. Conta a traio e o suicdio de Judas e a trplice negao de Pedro. Descreve a caminhada de Jesus at o Lugar da Caveira e sua crucificao, no se esquecendo da converso de um dos ladres e dos fenmenos ocorridos ali. No menciona o rompimento do vu do templo. Qualquer cristo reformado poderia pr a sua assinatura embaixo dessas 168 perguntas e respostas, excetuando-se numa nica resposta, a qual diz que Maria cobriu a nudez de Jesus com o seu vu, simplesmente porque esse detalhe no se acha em nenhum dos quatro Evangelhos ou em outra parte da Bblia.' Todavia, causa uma desagradabilssima surpresa a omisso de

    Anchieta quanto ressurreio de Jesus. Nada h sobre o tmulo VWo. sobre as diferentes aparies de Jesus pelo espao de 40 dias, "epois de ressuscitado, nem sobre sua ascenso. No Dilogo da f, a storia de Jesus termina no tmulo de Jos de Arimatia, embora a ultima resposta se diga que "o Senhor Jesus se preparava para iver de novo"2, claro que Anchieta cria na ressurreio gloriosa e Jesus, mas, de fato. no a mencionou em parte alguma de seu ccisrno. Crianas e adultos, nativos, negros e europeus que udavam e decoravam o seu catecismo, anos a fio, ficaram sem

  • 46

    essa informao clara e precisa, que uma das mais importantes e emocionantes colunas do cristianismo; "Se Cristo no ressuscitou, v a nossa pregao, e v, a vossa f" (l Co 15.14).

    Talvez essa omisso, muito provavelmente involuntria, explique em parte a preferncia que o brasileiro, de modo geral, tem pela morte de Jesus em detrimento de sua ressurreio. Sempre h mais comemorao na sexta-feira da paixo do que no domingo da ressurreio. Esse desequilbrio entre a morte e a ressurreio de Jesus tornou lgubre a Semana Santa a tal ponto, que, na entrada de uma pequena cidade mineira, h coisa de 30 anos, havia duas faixas com os seguintes dizeres: "Silncio. Estamos de luto. Jesus morreu,"

    Sobre o declogo, o Dilogo da f apresenta 99 perguntas. Uma delas ; "Quantos so os mandamentos?" Obviamente, a resposta do discpulo "so dez". No obstante, Anchieta se ocupa de oito mandamentos e no cita nem o segundo nem o dcimo. Talvez tenha unido o segundo ao primeiro e o dcimo ao stimo. Ele afirma que vo para o cu aqueles que guardam os mandamentos e para o inferno, aqueles que no os guardam. Beber vinho no pecado, exceto "se o beber muito demasiadamente". Quebra o mandamento quem no paga o dzimo.

    A respeito do mandamento de honrar pai e me, os cristos devem obedecer a seu pai e a sua me, aos tios, aos irmos mais velhos, aos ancios, ao maioral, ao que governa a aldeia e ao sacerdote. A mulher deve obedecer a seu marido e os escravos, a seu senhor. Se o pai ou a me manda os filhos fazerem alguma coisa m, eles ficam desobrigados da obedincia. "A [me] que mata a seu filho na barriga ou [o] faz mover antes do

    tempo", "quem d peonha a outrem para que morra", "o que come terra ou outra coisa para morrer" ou "o que se vinga de seus inimigos", todos quebram o mandamento "No matars". Mas "os que matam gente na guerra" no o quebram. Comete adultrio no s o que est amancebado e o que tem cpula

    com mulher, mas tambm "o que tem tatos, abraos e beijos desonestos" e "quem se enfeita para que o desejem". Em uma das respostas sobre o "No adulterars". Anchieta parece fazer referncia ao homossexualismo: "[Peca] o que se deleita considerando em mulher e diz: 'Assim seja eu o tal'", O alcoviteiro tambm culpado de quebrar o mandamento.

  • 47

    "O que descobre os pecados ocultos dos outros ao que no os sabe" quebra o mandamento que reza; "No dirs falso testemunho contra o teu prximo" ,3 Os indgenas que praticavam a poligamia simultnea ou sucessiva e

    os portugueses que possuam concubinas encontraram no Dilogo da f que o homem s pode ter uma mulher e a mulher s pode ter um homem e que o casamento indissolvel. Nos artigos sobre o casamento, Anchieta declara que a mulher no escrava do homem, mas sua prpria carne, e que possvel pecar algumas vezes os casados entre si e para saber, nesse caso, em que pecam, devem consultar o sacerdote no momento da confisso. Casam-se para ter filhos, "para no andarem amancebados e para viverem s com uma mulher". Anchieta endossa o ensino de Paulo segundo o qual os cnjuges no devem se privar mutuamente (l Co 7. 3-5): "Amando-se muito [os casados] no se furtem certamente um ao outro", O homem no pode tornar a casar "antes da morte da sua consorte". Anchieta toma muito cuidado para o fiel no colocar a culpa de seu

    pecado no demnio. Chama de tentao "ao que o demnio quer que faamos e aos deleites que a carne apetece", mas no o demnio que nos faz cair em pecado: "Esse somente nos persuade, ns mesmos nos deixamos cair, por no nos querermos fazer fortes", Em outras palavras; "O lao arma-se somente e o pssaro que vai comer nele". O Dilogo da f explica aos indgenas, com xito, coisas difceis de

    entender, como a Trindade e as duas naturezas de Jesus, Deus um s, mas no uma pessoa s. Enquanto Deus, Jesus no tem me, nem corpo nem princpio. Enquanto homem, Jesus "filho de Santa Maria, virgem e mulher santssima". Anchieta sabia espanhol porque nasceu nas Canrias, sabia

    portugus porque estudou em Coimbra, sabia latim por causa da igreja e sabia tupi porque tornou-se missionrio no Brasil. Ele foi intrprete de Manuel da Nbrega e de outros jesutas e escreveu a famosa Gramtica tupi. Tudo isso o ajudou a produzir o catecismo bilingue. Como traduzir para o tupi as palavras anjo, demnio e umbo, por exemplo? Anchieta escreveu a7a7Z>eZ'/(santidade voadora) Para anjo, annga (esprito do mal) para demnio e putunus (noite grande) para limbo.4 Sob o ponto de vista reformado, o Dilogo da f tem, obviamente,

    "utrinas que jamais fariam parte de um catecismo cristo, como a

  • 48 intercesso de Maria e dos santos, a transubstanciao, o celibato obrigatrio, o uso de imagens, as indulgncias, o limbo e o purgatrio. No resto, foi um esforo muito vlido. Ainda mais na lamentvel ausncia de pregadores evanglicos, que s vieram para o Brasil em carter missionrio e definitivo 300 anos depois da chegada de Anchieta, em 13 de julho de 1553. Jos de Anchieta morreu no dia 9 de junho de 1597, aos 63 anos,

    numa pequena colina na cidade hoje denominada Anchieta, no Esprito Santo. Seu corpo foi carregado at Vitria, por seus fiis, quase todos indgenas, O mesmo aconteceu 176 anos depois com o missionrio e explorador britnico David Livingstone, que morreu em 1873. Depois de arrancar e sepultar seu corao debaixo de uma rvore em Chitambo, no interior da frica, os nativos secaram o seu corpo at ser mumificado e, ento, levaram-no costa numa viagem de 160 quilmetros, de onde seguiu para ser colocado na Abadia de Westminster. Notas

    ' As perguntas sobre a Paixo esto nas pginas 1 64-1 93 do Dilogo do f, edio de 1988.

    2 ANCHIETA, Padre Jos. Dialogo da f. So Paulo: Loyola, 1988. p. 193. 3 As perguntas sobre o Declogo esto nas pginas 1 96-21 8. 4 ANCHIETA, Padre Jos. Diafogo do f. So Paulo: Loyola, 1 988. p. 44.

  • 9. Holandeses transplantam para o Nordeste brasileiro a Igreja Crista Reformada

    No dia 20 de setembro de 1634 um brasileirinho foi balizado em uma igreja protestante de Recife. Ao redor da pia batismal encontravam-se o oficiante, os pais da criana, o alto conselheiro Servatius Carpentier, os coronis Sigismundo von Schoppe e Chrestofie Arciszewski, o almirante Jan Cornelisz Lichthart e uma senhora da alta sociedade. Estes ltimos eram as testemunhas do batismo. Parecia um encontro internacional, pois entre eles havia holandeses, alemes, poloneses, portugueses e brasileiros. A criana chamava-se Domingos Fernandes Filho e os pais, Brbara Cardosa e Domingos Fernandes Calabar, Esse Calabar era membro da Igreja Crist Reformada, muito estimado plos estrangeiros na orla "tornea que ia de Pernambuco ao Rio Grande do Norte e muito diado plos luso-brasileiros que viviam mais no interior. To odiado ^e, em julho de 1635, dez meses depois do batismo do filho, Calabar 01 apanhado, estrangulado e esquartejado pelas foras de Matias e Albuquerque. Afinal, ele havia passado para o lado dos invasores

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    em 1632, aproximadamente aos 35 anos, dois anos depois da ocupao de Pernambuco plos holandeses.

    Como explicar essa estranha presena protestante no Nordeste brasileiro 130 anos depois da descoberta do Brasil e 63 anos depois da expulso dos franceses do Rio de Janeiro? Ora, a emigrao de protestantes suos e alemes para o Brasil s comearia em 1817, 187 anos depois, e a chegada dos primeiros missionrios protestantes s aconteceria em 1855, 225 anos depois.

    Embora tenha desenvolvido um trabalho missionrio principalmente entre os indgenas, a Igreja Reformada Holandesa se estabeleceu no Nordeste brasileiro no como resultado do anncio do evangelho. Ela foi simplesmente transplantada para c por ocasio da ocupao holandesa, em 1030, e desapareceu em seguida expulso dos invasores, em 1654. Durou menos de um quarto de sculo.

    Fundada em junho de 1621, a Companhia das ndias Ocidentais, a famosa WIC (West Indisch Compagniie), era a irm mais nova da Companhia das ndias Orientais, nascida 19 anos antes. Um dos seus mentores, o flamengo Willen Usselinx, defendia a formao de colnias agropecurias de evanglicos no Novo Mundo, desde a Terra Nova, no extremo norte, at o Estreito de Magalhes, no extremo sul, a exemplo da sonhada Nova Genebra de Joo Calvino. Os holandeses j haviam fundado a Nova Amsterdam em 1614 e os peregrinos ingleses do Mayflower, a Nova Inglaterra em 1620, ambas ao norte de onde ficam hoje os Estados Unidos. Por que no fundar tambm a Nova Holanda aqui no Nordeste? No seria necessariamente uma invaso, argumentava-se. O nome mais ameno poderia ser a colonizao de uma "terra de ningum", embora essa terra, para todos os efeitos, fosse de Portugal, inclusive de acordo com o Tratado de Tordesilhas (1494).

    A Companhia das ndias Ocidentais no era uma companhia religiosa e missionria, como a Companhia de Jesus, fundada em 1534, embora esta tivesse tambm interesses polticos, ao ponto de ser, mais tarde, banida do Brasil e de outros pases. Era uma companhia secular, com o propsito de enriquecer os seus scios. Mas, semelhana dos navegadores e colonizadores dos pases catlicos (Espanha e Portugal), havia tambm propsitos acentuadamente religiosos e missionrios. Um de seus grandes incentivadores era o pastor Godefridus Udemans, conhecido como

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    o grande "apstolo das companhias", autor do livro Leme espiritual do navio mercante, que enfatizava o ofcio divino do comerciante e do navegante mercador. Alm do mais, era preciso fazer guerra Espanha, que, desde 1580, dominava Portugal. Estes trs grandes interesses poltico, econmico e religioso estavam to misturados entre si como o trigo e o joio. A navegao holandesa era um instrumento eficaz na guerra contra a Espanha e na divulgao do cristianismo. Por esta razo, alm de pregar o evangelho aos domingos em Amsterdam, o pastor Petrus Plancius ensinava a arte da navegao aos marinheiros durante a semana. A ocupao do Nordeste brasileiro fazia parte de uma guerra contra a

    Espanha, uma guerra chamada ento de guerra religiosa, guerra justa e guerra mundial. Mundial porque era contra o poderoso Filipe IV, "o rei do planeta" e porque envolvia tropas holandesas, francesas, inglesas, alems, polonesas e outras. A guerra entre Holanda e Portugal terminou, como diz o historiador e pastor reformado Frans Leonard Schalkwijk, "com uma vitria holandesa na sia, um empate na frica e uma vitria portuguesa no Brasil"'. A Companhia das ndias Ocidentais faliu em 1674, exatos 20 anos depois da perda do Nordeste. O perodo ureo do Brasil holands, tanto para os holandeses como

    para os luso-brasileiros, durou oito anos e est compreendido entre janeiro de 1637 e maio de 1644. Coincide com o governo do Conde Joo Maurcio de Nassau-Siegen, membro e frequentador assduo da Igreja Reformada. Quando Nassau se retirou, at os portugueses pediram a sua permanncia. Estes o chamavam de seu "Santo Antnio"; os ndios, de "irmo" e diziam-se prontos a viver e morrer com ele; os judeus lhe ofereceram 3 mil florins por ano para que ele permanecesse no Brasil. Nassau tinha ento 40 anos. Se ele tivesse ficado, talvez o Nordeste brasileiro viesse a falar holands e a maioria da populao se tornasse crist reformada. At o jesuta Padre Antnio Vieira era a favor do parecer que entregava Pernambuco aos holandeses. Em junho de 1645, um ano depois da retirada de Nassau, mais " 200

    soldados holandeses e ndios potiguares mataram o padre "ndr de Soveral e outros setenta fiis durante a missa dominical '"ealizada na Capela Nossa Senhora das Candeias, municpio de ^nguaretama, no Rio Grande do Norte. Trs meses depois ocorreu outro martrio, desta vez a dezoito quilmetros de Natal, envolvendo,

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    entre outros, o lavrador Mateus Moreira. Algumas dessas vtimas foram beatificadas pelo papa Joo Paulo II mais de 350 anos depois, em maro do ano 2000. Os trinta novos santos catlicos no so as primeiras pessoas a morrerem por sua f em solo brasileiro; os trs primeiros eram calvinistas e foram mortos por Villegaignon 87 anos antes, em fevereiro de 1558.

    Na poca de Nassau, o Nordeste tinha 90 mil habitantes: 30 mil luso-brasileiros, 30 mil escravos, 16 mil ndios, 12 mil holandeses e outros europeus, e 1.500 judeus. Alm das etnias indgenas e africanas, havia pelo menos onze nacionalidades europeias. Por terem se refugiado de Portugal para a Holanda, os judeus tinham a facilidade de falar tanto o portugus como o holands. Havia poucas moas holandesas, o que provocou muitos casamentos mistos quanto raa e quanto religio. Holandeses se casaram com luso-brasileiras, com ndias e, em pouqussimos casos, com negras. Uns poucos cristos reformados, casados com portuguesas catlicas, acabaram apostatando da f reformada, isto , deixaram de ser catlicos apostlicos para serem catlicos apostlicos romanos, como se dizia na poca.

    No Brasil holands, dava-se muita importncia f e ? conduta dos fiis. Era o reflexo da Reforma Protestante de 100 anos atrs e de um movimento mais recente conhecido como puritanismo holands. A Bblia era a norma credenti et agendi, isto , norma de f e comportamento. Era preciso tratar os escravos com mais humanidade, era preciso cuidar das vivas e dos rfos, era preciso proteger o meio ambiente, era preciso observar o domingo, era preciso conhecer de perto os dez mandamentos da lei de Deus, era preciso consolar os doentes, era preciso dar alguma liberdade de culto aos no-protestantes, era preciso controlar a taxa de juros, era preciso ter momentos de lazer (pois "trabalhar demais era roubar a si mesmo"2), era preciso aproximar-se da Mesa do Senhor prvia e devidamente preparado etc.

    Para pastorear o rebanho e alcanar esses resultados em uma terra estranha, num clima totalmente diferente e em meio s tentaes da natureza humana, havia pregadores, presbteros, diconos, consoladores, mestres-escolas e proponentes. Os pregadores ou predicantes eram os capeles militares, os pastores das igrejas e os missionrios entre os indgenas. Os presbteros eram leigos que pastoreavam a igreja juntamente com os predicantes. Os

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    diconos davam assistncia social aos necessitados (por causa da luta armada, havia muitas vivas e muitos rfos). Os consoladores trabalhavam nos hospitais, nas fortalezas, nos acampamentos e nos navios, com os doentes, as vivas, os rfos e os condenados morte. Os proponentes eram os candidatos ao ministrio, que adquiriam experincia trabalhando junto com os ministros na qualidade de pastores auxiliares,

    Para disciplinar os oficiais da igreja, era costume cobrar uma pequena multa ao presbtero que chegasse atrasado reunio do consistrio (conselho da igreja) e outra, maior, ao que se ausentasse.

    Ceia do Senhor dava-se a maior importncia possvel. Em preparao, o pastor ou presbtero visitava os membros da igreja e os que pretendiam participar da Mesa do Senhor deviam dar os seus nomes previamente. Havia apenas quatro celebraes por ano.

    Uma hora antes de comear o culto dominical das nove horas, o sino da igreja tocava para chamar os fiis. Como havia poucos bancos, alguns traziam seus prprios assentos. O ministro tirava seu chapu ao subir ao plpito. Os demais homens, s na hora da orao, pois "os homens livres no tiram o chapu para ningum, seno para Deus"3. O sermo durava quase uma hora. tarde havia outro culto, chamado culto de doutrina, no qual era estudado o famoso Catecismo de Heideiberg, de 1563.

    Por considerarem cristos os templos catlicos j existentes, os reformados quase no construram templos em Recife e na zona ocupada. Usavam os templos catlicos depois de retirarem deles as imagens, os altares e os paramentos sacerdotais. No lugar deles, colocavam o plpito (e sobre ele um exemplar da Bblia), a pia batismal e a mesa da Santa Ceia.

    Estima-se em 22 o nmero de igrejas no Brasil holands, todas jurisdicionadas, a princpio, ao Presbitrio de Amsterdam. Essas igrejas e os demais ministrios paralelos eram servidos por 54 pastores e proponentes, 120 presbteros e igual nmero de diconos, e mais de 100 consoladores e mestres-escolas. A proporo era de "m pastor para cada grupo de 222 estrangeiros. Se inclussemos a Populao toda (portugueses, brasileiros, ndios, escravos, judeus e outros europeus), teramos um pastor para quase 1,700 habitantes.

    Um dos problemas que a Igreja Reformada teve de enfrentar foi ^embriaguez, o pecado nacional holands, que afetava inclusive a guns pastores e autoridades civis. Para ajudar a debelar esse mal,

  • 54 mandaram vir da Holanda vrios exemplares do livro L sbrio, do pastor Daniel Souterius. Plos clculos de Frans Leonard Schalkwijk, 17% do trabalho

    pastoral no Brasil holands era dedicado aos indgenas. Entre eles destaca-se o pastor espanhol Vicentius Joachimus Soler, chamado de "o pai da misso evanglica entre os ndios" ou "o apstolo dos brasilianos" (nome que os holandeses davam aos tupis). Outro pastor, o holands David Doreslaer, escreveu um catecismo trilingue para os indgenas (tupi, portugus e holands), publicado na Holanda em outubro de 1641 e chegado ao Brasil em abril do ano seguinte, 82 anos depois de pronto o catecismo bilngue de Jos de Anchieta. O ttulo do livro era Uma instruo simples e breve da Palavra de Deus nas lnguas brasiliana,

    holandesa e portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome

    da Conveno Eclesal Presbteral no Brasil, com formulrios para

    batsmo e Santa Ceia acrescentados. Por problemas burocrticos da parte da igreja holandesa, o Catecismo tupi nunca chegou s mos dos indgenas. A maior parte dos tupis havia sido cristianizada e batizada plos

    jesutas, mas eles geralmente "no podiam dar a razo de sua f nem o fundamento da sua salvao"4. Os ministros reformados no os batizavam outra vez. Todavia, exigiam dos adultos no batizados uma profisso de f em Jesus Cristo antes do batismo. Toda essa bem montada estrutura religiosa acabou de repente com a

    retirada dos holandeses em 1654. A essa altura, a viva e o filho de Calabar j recebiam uma penso da Companhia das ndias Ocidentais.

    Notas

    ' SCHALKWIJK, Frans Leonard. O futuro do passado. Ultimato, Viosa, n. 248, p. 40,set. 1997.

    2 __. /gre;a e Estado no Brasil holands. Recife: FUNDARPE, 1986. p. 45. 3 Id., ibid. p. 115. Id., ibid. p. 250.

  • 10. Missionrios no conseguem separar a f crist das crenas indgenas e

    africanas Com algumas excees, a presena da Igreja Catlica Romana nos trs primeiros sculos da histria do Brasil foi um desastre. So os prprios historiadores e pesquisadores catlicos romanos que o dizem. Basta ler o tomo II/l ai Histria da Igreja no Brasil, da Editora Vozes em parceria com as Edies Paulinas, e o livro Formao do catolicismo brasileiro (1550-1800), do padre belga Eduardo Hoornaert, para se ter uma ideia do problema, Porque dominava sozinha o panorama religioso, a igreja no era forada a enxergar e a corrigir os seus erros. No aspecto quantitativo, ela no tinha nada a perder porque ainda no havia outras opes religiosas dentro do "istanismo, O primeiro grande erro cometido pela igreja em Portugal foi a demora em enviar missionrios para evangelizar os 1,5 milho de indgenas que havia no Brasil na poca da ocupao portuguesa e Padres para pastorear os brancos que vieram para c. Nem sequer enviaram um capelo para dar assistncia religiosa aos degredados. fc yerdade que diversos religiosos franciscanos estiveram aqui por

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    algum tempo antes da chegada definitiva da primeira misso jesuta, em 1549. Foram 50 anos jogados fora, por causa da preocupao de Roma com a Reforma Protestante na Europa e por causa dos interesses de Portugal nas ndias. A situao do clero no incio do sculo XVI era dramtica, O

    problema vinha dos dois ltimos sculos. Foi uma das causas da Reforma Protestante e da Contra-Reforma Catlica. No havia vocao, no havia preparo e no havia moral. O clrigo era um funcionrio eclesistico, sem preocupao com a evangelizao, catequese e converso do povo. O sacerdcio era um meio de vida. No podendo se casar por causa da lei do celibato obrigatrio, o sacerdote simplesmente se juntava com uma escrava. s vezes no havia falta de padres o que faltava era a santidade do ministro. Da a denncia do padre Manoel da Nbrega; "C h clrigos, mas a escria que de l [Portugal] vem"'. Muitos europeus em dificuldade financeira queriam ser padres no Brasil em troca da passagem e meios de subsistncia. No Rio de Janeiro, alguns jovens se faziam frades para no servirem s milcias. Filhas de senhores de engenho se faziam freiras por presso do pai, que desejava proteger e no retalhar o seu patrimnio. Um certo Jos Pires de Carvalho conseguiu colocar suas seis filhas no Convento do Desterro, na Bahia, o primeiro convento feminino do Brasil. Essas irms sem vocao eram chamadas de "encostadas". O casamento da evangelizao com a colonizao atrapalhou tudo,

    Eram duas coisas diferentes, mas uma tomou carona na outra. Isso no aconteceu s no Brasil nem s com as misses catlicas. No sculo XVI e nos trs sculos seguintes, na Amrica, na sia, na frica e na Oceania, o mesmo erro foi cometido por catlicos e protestantes. Manoel da Nbrega escreveu ao rei de Portugal em 1558 que, se o gentio for senhoreado ou despojado, "Nosso Senhor ganhar muitas almas e Sua Alteza, muita renda nesta terra"2. Para os reis de Portugal, evangelizar era sinnimo de aportuguesar. "Atrs do comerciante", lembra Jos Maria de Paiva, "veio o guerreiro e veio o missionrio".3 H uma grande diferena entre os batismos realizados por Joo

    Batista na circunvizinhana do rio Jordo e os batismos realizados plos missionrios catlicos no Brasil colnia. Enquanto no primeiro caso so os batizandos que vo atrs do batizador. no segundo so os batizadores que vo atrs dos batizandos, nas aldeias, nos portos

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    de desembarque de escravos e nas senzalas. O precursor de Jesus dificultava o batismo, exigindo arrependimento e mudana de comportamento (Lc 3.1-14). O missionrio europeu aplicava o batismo com muita facilidade, no necessariamente porque o candidato se tornara cristo, mas para que ele se tornasse cristo. Da o batismo do prncipe indgena Essomeriq, de 13 anos, a bordo do L 'Espoir, pelo prprio comandante do navio, Binot Paulmier, j que o rapaz estava com escorbuto e poderia morrer antes de chegar Frana, no final de 1504. O nmero de indgenas batizados logo no incio muito grande. No perodo de oito anos, entre 1558 e 1566, os jesutas teriam batizado entre 12 e 15 mil ndios. De uma s vez, o padre Euzbio Dias Laos batizou 3.700 naturais. Na prtica e na mente dos indgenas e africanos, o batismo era uma questo de sobrevivncia, um rito de passagem da prpria cultura para a cultura alheia, uma espcie de salvo-conduto para enfrentar a nova situao, exigido e explorado plos colonizadores. Nem sempre havia alegria no cu quando algum era batizado, mesmo em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo, mas certamente havia alegria na corte, porque o batismo quase sempre representava sujeio aos brancos. Esses batismos em massa eram comuns na poca, aqui e em outros campos missionrios, como no Japo, onde os jesutas balizaram mais de 50 mil pessoas entre 1549 e 1575. Missionrios protestantes holandeses seguiram o modelo catlico no Ceilo (atual Sri Lanka) e na Indonsia de tal forma, que no final do sculo XVII havia 100 mil cristos em Java e 40 mil em Ambom. O pior que o missionrio recebia da Companhia Holandesa das ndias Orientais uma recompensa monetria por cada batismo realizado.4 Havia uma distoro do significado do batismo, o que se v nesta carta de Anchieta: "Os que em toda esta provncia foram este ano, pelo trabalho dos nossos, arrancados impiedade e purificados pelo batismo chegam a 2 mil (tal a bondade de Deus!)"5. O que purifica o pecador de seus pecados o sangue de Jesus Cristo, isto , o seu sacrifcio expiatrio (l P 1.17-21; l Jo 1.7), e no o batismo em si, Por incrvel que parea, no havia nem imprensa, nem universidade

    no Brasil nos trs primeiros sculos de sua histria, o que significa dizer que no havia livros. O problema era ^clusivamente portugus, porque em algumas colnias espanholas da Amrica do Sul havia universidades j no primeiro sculo (duas

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    no Peru, uma na Colmbia e outra no Equador). A Bblia era s propriedade dos padres e de mais alguns poucos privilegiados. A censura proibia a posse e a circulao de livros religiosos sem a aprovao da autoridade eclesistica. A consequncia dessa poltica antilivros muito bem denunciada pelo historiador catlico Eduardo Hoornaert: "Um cristianismo sem livros se torna em pouco tempo uma religio sem fundamentao bblica, divorciada da teologia, uma prtica de devoes e cerimnias sem ligao com a vida"6.

    Havia uma guerra de culturas a cultura europeia, a cultura indgena e a cultura africana. Nessa guerra todos saram perdendo. A dominao europeia, que era branca e crist, no conseguiu se impor totalmente, apesar da fora e do poder que tinha. O resultado final foi a mistura das trs culturas maiores, que, por sua vez, j eram produtos de muitas misturas anteriores, especialmente entre os negros. isso que se chama de sincretismo cultural e religioso. O sincretismo inevitvel, mas deveria ser bem conduzido. Hoornaert declara que h o sincretismo verdadeiro e o sincretismo falso;

    [O primeiro] leva cristianizao de uma determinada cultura, isto , consegue transmitir a mensagem essencial da paternidade de Deus, da decorrente fraternidade entre os homens, da ressurreio dos justos em Cristo, da ao do Esprito Santo na histria. [J] o falso sincretismo leva paganizao do prprio cristianismo, faz com que o 'sal da terra' perca seu sabor, consagra a vitria da descrena em Deus Pai, do desespero e do egosmo, muitas vezes sob as aparncias da mais perfeita ortodoxia, da mais santa religio.7

    A igreja no conseguiu manter separadas as crenas amerndias e africanas de um lado e a f crist de outro. Elas se uniram e geraram um cristianismo diferente do cristianismo original.

    Por causa da ausncia de missionrios por meio sculo, por causa do pequeno nmero de missionrios e de padres, por causa da m qualidade moral e espiritual da maior parte dos padres, por causa do conbio da evangelizao com a colonizao, por causa do triunfalismo dos batismos em massa, por causa da inexistncia e escassez de Bblias e literatura religiosa, e por causa do falso sincretismo o sculo XIX recebeu dos trs sculos anteriores um cristianismo deformado, nominal e superficial, sem coerncia e autoridade, baseado mais em festas do que em compromissos, do qual, at hoje, colhem-se frutos muito amargos.

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    Notas

    ' In: HOORNAERT, Eduardo, AZZI, Riolando et ai. Histria da igreja no Brasil. 4. ed. Petrpolis: Vozes, 1992. p. 184. v. 11/1. ? In: PAIVA, Jos Maria de.

    Colonizao e catequese. So Paulo: Cortez, 1 982.

    p. 44. 3 PAIVA, Jos Maria de. Colonizao e catequese. Soo Paulo: Cortez, 1982.

    p.101. 4 NEILL, Stephen. Misses crists. Lisboa: Ulisseia, 1964. p. 229. 5 ANCHIETA, Joseph de. Cartas; correspondncia ativa e passiva. So Paulo: Loyola, 1984. p. 383. 6 HOORNAERT, Eduardo. Formao do catolicismo brasileiro. Petrpolis: Vozes, 1991. p.20. ^d.Jbid.,

    p. 138.

  • II. EVANGELIZAO

    (SCULO XIX)

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    Que missionrio ser enviado para trazer o nome de Cristo a estas regies ocidentais? Quando ser que esta linda terra se libertar da idolatria e do cristianismo esprio? H cruzes em abundncia, mas quando ser levantada a doutrina da cruz?'

    At ento a evangelizao do Brasil estava nas mos dos missionrios e dos padres catlicos romanos, salvo a rpida presena de pastores de lngua francesa no Rio de Janeiro por ocasio da ocupao francesa (1557-58) e a presena um pouco mais demorada de pastores de lngua holandesa no Nordeste brasileiro, por ocasio da ocupao holandesa (1630-1654). A essa altura, ainda no havia imigrantes suos e alemes de f evanglica vivendo no pas. Entre a chegada da primeira misso jesuta (1549) e a passagem de Henry Martyn por Salvador (1805) transcorreram 265 anos.

    O registro histrico de Martyn uma crtica velada ao cristianismo existente no Brasil e, ao mesmo tempo, um veemente desafio missionrio. A cruz, o melhor e mais conhecido smbolo cristo, estava aqui, nas igrejas, nos hospitais, nas escolas, nos morros, nas casas, nas vestimentas clericais, no peito e at na constelao do Cruzeiro do Sul. Mas a cruz sem a doutrina da cruz apenas cristianiza, no evangeliza. Da o dramtico apelo missionrio: "Quando ser [aqui] levantada a doutrina da cruz?"

    Entre o primeiro desafio missionrio em favor do Brasil, da lavra de Pro Vaz de Caminha ao rei de Portugal, e o desafio de Henry Martyn, outros desafios foram feitos. Um deles muito curioso, Aparece em um livro em cuja introduo de dezoito pginas dedicado ao Papa Alexandre^VII, escrito em francs e intitulado Mmoires touchant 1'tablssement d'un misson (Memrias sobre o estabelecimento de uma misso) ,2 O autor do livro tornou-se abade em 1658 e chamava-se Jean Paulmier. Era descendente do prncipe carij Essomeriq, do litoral catarinense, e de Marte Moulin, filha do aventureiro francs Binot Paulmier, que comandou uma expedio ao Brasil em 1503. Fiel s suas origens, o abade solicitava ao papa que enviasse missionrios ao sul do Brasil, onde viviam seus antepassados indgenas.

    Cerca de trinta anos depois da passagem de Henry Martyn pela Bahia, aconteceu um fato surpreendente; o padre Diogo Antnio Feij, ento regente do imprio (1835-37), solicitou ao Marqus de Barbacena (Felisberto Caldeira Brant Pontes Oliveira e Horta), no

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    momento exercendo funes diplomticas em Londres, que providenciasse a vinda de duas corporaes dos Irmos Morvios para trabalhar com os indgenas brasileiros. Ora, os morvios eram protestantes e tinham vrios missionrios nos pontos mais remotos e difceis do globo. Curiosamente, o Marqus de Barbacena era natural de Mariana, Minas Gerais, uma das cidades mais catlicas daquela poca, O convite do Regente Feij no pde ser atendido.

    Henry Martyn morreu em 1812, antes de saber que o sculo XIX seria o grande sculo missionrio protestante, assim como o sculo XVI havia sido o grande sculo missionrio catlico romano. Os missionrios catlicos demoraram 49 anos para atender ao apelo de Caminha e os missionrios protestantes demoraram 50 anos para atender ao apelo de Martyn. Se bem que ambos os grupos fizeram algumas tentativas anteriores, sem, contudo, obter xito permanente.

    Por que as misses evanglicas demoraram tanto a vir para o Brasil? Uma das razes era a ausncia quase total de viso missionria por parte das igrejas protestantes da Europa e da Amrica do Norte nos sculos anteriores, com exceo dos morvios e dos holandeses radicados no Extremo Oriente. Dizia-se ento que o "ide" e o "fazei discpulos de todas as naes" (Mt 28.19) era uma ordem de Jesus a ser cumprida plos apstolos logo aps a descida do Esprito Santo e pronto. As coisas s comearam a mudar com a publicao de um livro de 87 pginas, escrito por William Carey em 1792, sob o pomposo ttulo Investigao sobre a obrigao dos cristos de empregar meios para a

    converso dos pagos. A partir da, vrias sociedades missionrias comearam a se organizar e enviar missionrios para o mundo inteiro. A outra razo diz respeito ausncia de liberdade religiosa no Brasil, descoberto, colonizado, evangelizado e governado por um dos dois pases mais catlicos do mundo de ento (Portugal e Espanha). Alm do mais, havia uma certa preferncia pelo clamor missionrio proveniente da sia e da frica, onde a presena crist era quase nenhuma. Pensava-se que a Amrica Latina, j cristianizada plos espanhis e portugueses, no deveria fazer parte do campo missionrio protestante.

    Alm dos desafios precisos e verbais, como os de Pro Vaz de caminha, Jean Paulmier, Henry Martyn e Diogo Feij, havia os "safios indiretos provocados pelas notcias e relatos de viagem.

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    Lutero tinha 21 anos e estudava filosofia na Universidade de Erfurt quando, no muito longe dali, mais ao sul, em Augsburgo, comeou a circular um panfleto de quinze pginas, escrito em latim, com o sugestivo ttulo Mundus Novas. S naquele ano, 1504, o livrinho atingiu 4 mil exemplares em doze edies. No ano seguinte, quando Lutero desistiu de fazer direito para se tornar monge agostiniano, o Mundus Novus ]3i havia sido traduzido para o alemo, francs, italiano, holands, espanhol e tcheco. bem provvel que os futuros reformadores Martinho Lutero e irico Zwnglio tenham lido este best-sellere. Amrico Vespcio, que narrava a "descoberta" e as maravilhas do Brasil. J que o Mundus Novus contava que a terra descoberta era povoada e que seus habitantes praticavam a antropofagia, era de se esperar que qualquer alma sensvel pudesse sentir-se na obrigao de fazer alguma coisa pela evangelizao dos novos gentios ou pagos.

    Trs anos depois do lanamento do Mundus Novus, o Ginsio Vosgense, uma pequena academia de eruditos nas proximidades de Estrasburgo, lanou em latim outro folheto atribudo a Amrico Vespcio, de 32 pginas, chamado Quatour Americi Vespucc Navigationes (As quatro navegaes de Amrico Vespcio). Em 1507 e 1508 foram vendidos quase 10 mil exemplares na Europa. A essa altura, Lutero j havia sido ordenado sacerdote.

    No Carnaval de 1557, quarenta anos depois da Reforma e onze depois da morte de Lutero, saiu em Marburg a primeira edio do livro Descrio verdadeira de um pas de selvagens, do alemo Hans Staden, que esteve no Brasil duas vezes, em 1548 e em 1550. Esse livro teve mais de 50 edies em alemo, flamengo, holands, latim, francs, ingls e portugus. A primeira edio em portugus ficou pronta em 1892. Ao longo de seus 91 captulos, o livro de Staden, que, na verso portuguesa chama-se Duas viagens ao Brasil, um dos documentos mais preciosos e confiveis da etnografia brasileira. As informaes so valiosas porque o prprio autor passou nove meses aprisionado plos tupinambs em Ubatuba, litoral de So Paulo, e correu o risco de ser comido por eles. Hans Staden era um homem profundamente religioso, talvez luterano, que confiava na graa de Deus e na orao, da qual fazia uso constante para livrar-se de situaes difceis.

    Em 1578, onze anos depois do lanamento da obra de Staden, o pastor calvinista Jean de Lry publicou em francs o seu livro

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    Narrativa de uma viagem feita terra do Brasil, tambm chamada

    Amrica. Logo traduzido para o latim, holands e alemo, o livro de Lry fala sobre Villegaignon, os indgenas, a flora, a fauna e "demais coisas singulares e absolutamente desconhecidas aqui" [na Europa], Lry era discpulo de Calvino e ex-missionrio no Brasil, no tempo da Frana Antrtica, muito estranho que esses dois ltimos livros no tenham

    provocado alguma reao missionria entre os protestantes europeus na poca em que foram publicados e nos sculos seguintes. Pois uma das influncias que despertaram a conscincia missionria de William Carey foram as notcias que circulavam nos jornais da Inglaterra relativas s viagens do navegador britnico James Cook ao Pacfico Sul, de 1768 at o seu assassinato plos nativos do Hava em 1779, aos 51 anos. J o livro Reminiscncias de viagens e permanncias nas provncias

    do sul do Brasil, do missionrio metodista Daniel Parish Kidder, publicado em 1840, mais de dois sculos e meio depois dos livros de Hans Staden e Jean de Lry, provocou algumas vocaes missionrias para o Brasil. Foi o livro de Kidder que trouxe para o Rio de Janeiro, em agosto de 1855, o missionrio escocs Robert Kalley e para Salvador, em agosto de 1882, o missionrio americano Zacarias Taylor, Kalley foi o pioneiro dos congregacionais e Taylor, um dos dois pioneiros dos batistas brasileiros. Na verdade, os olhos dos protestantes s foram desvendados para enxergar o clamor dos campos missionrios no sculo XIX, com 300 anos de atraso em relao aos catlicos romanos. Os trs preciosssimos livros de Hans Staden (Duas viagens ao

    Brasil), Jean de Lry (Viagem terra do Brasil) e Daniel Kidder (Reminiscncias de viagens e permanncias nas provncias do sul do

    Brasil) so atualmente publicados no Brasil pela Editora da Universidade de So Paulo.

    Notas

    REILY, Duncan A. Histria documental do protestantismo no Brasil. So Paulo: ASTE, 1984.p.29.

    BIJENO, Eduardo. Nufragos, traficantes e degredados. Rio de Janeiro: bjetiva, 1 998. p. 97.

  • 12.

    A Bblia chega ao Brasil 40 anos antes dos missionrios protestantes

    Nascido no ano de 1628, em Torre de Tavares, nas proximidades de Viseu, em Portugal, Joo Ferreira de Almeida cedo emigrou para os Pases Baixos e de l para a Indonsia, onde aceitou o evangelho no seio de uma igreja reformada holandesa. Dotado de grande capacidade na rea de lingustica, Almeida tinha 16 anos quando traduziu o Novo Testamento para o portugus, valendo-se da verso latina de Teodoro de Beza (1519-1605) o substituto de Joo Calvino em Genebra , e das verses espanhola, francesa e italiana