HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, … histórias em quadrinhos2, também conhecidas no Brasil como Gibis3 ou...

16
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, PROBLEMATIZANDO A VIDA NA ESCOLA. Beatriz Celeste Martins da Silva 1 1 Graduada em Pedagogia no ano de 2015 na Universidade Vila Velha. E-mail: [email protected]

Transcript of HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, … histórias em quadrinhos2, também conhecidas no Brasil como Gibis3 ou...

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, PROBLEMATIZANDO A VIDA NA ESCOLA.

Beatriz Celeste Martins da Silva1

1 Graduada em Pedagogia no ano de 2015 na Universidade Vila Velha. E-mail: [email protected]

Resumo:

Este trabalho tem como interesse os processos de ampliação de conhecimento gerados a partir

das relações produzidas entre as crianças e as diversas linguagens presentes nas histórias em

quadrinhos, problematizando pensamentos e falas clichês. Conversando com diversos autores

a respeito da história da arte sequencial e como ela se faz presente na história da humanidade

e nos cotidianos da escola sendo intercessora durante o processo de pensar as relações de

gênero, sexo e sexualidades. Apresentando assim a importância da imagem para a vida dentro

e fora da escola e como ela pode compor na ampliação dos sentidos durante os movimentos

ensinoaprendizagem que fluem nos cotidianos escolares, estimulando o pensamento e a

criticidade das crianças. Trazendo para a sala de aula as dúvidas, opiniões e relatos de sujeitos

encarnados.

Palavras chave: Histórias em quadrinhos, crianças, gênero.

INTRODUÇÃO

As imagens nos atravessam durante todos os momentos da vida. Durante a infância o desenho

é um grande aliado na comunicação e expressão infantil. A imagem não verbal está presente

durante nossa trajetória de vida, pois, antes de aprendermos a escrever as letras nos

expressamos através do desenho, muito estimulado na educação infantil e series inicias. Os

quadrinhos então compõem a prática pedagógica estimulando a imaginação e o debate em sala

de aula.

As relações de gênero e as questões sobre sexualidade são assuntos que permeiam os

cotidianos das escolas e a vida dos estudantes, são também assuntos pouco abordados em casa

e em algumas escolas. As histórias em quadrinhos então viriam a potencializar e facilitar essas

conversas, tão necessárias para a constituição de sujeitos que não alimentem o preconceito.

As histórias em quadrinhos2, também conhecidas no Brasil como Gibis3 ou HQs, são um

gênero textual que habitualmente é associado a leitura de lazer. Não muito tempo atrás, “levar

revistas em quadrinhos para a sala de aula era motivo de repreensão por parte dos

professores” (VERGUEIRO; RAMOS, 2009, p. 9), hoje, porém, de acordo com os usos

podem ser valiosos aliados nos processos de ensinoaprendizagens4. As HQs podem e devem

ser entendidas como instrumentos de ampliação do conhecimento durante os processos de

ensinoaprendizagens que permeiam nos cotidianos das escolas e através dessa potente

ferramenta podemos tratar de diversos assuntos em ambiente escolar e provocar movimentos

de questionamento, debate e argumentação durante as aulas.

Quem pode isso, quem pode aquilo?... Brincadeiras de meninas e meninos (que

bobagem).Corredor de gente que circula por ali, que habita o lugar, e este lugar aqui

também.Escolabrincadeirasbrigas onde, nesse corredor que esta em mente agora, e

estava presente ontem e estará já... já..., é a veia curricular por onde pulsa o

sanguevida dessas brincadeiradas que entra nas tais redes de saberesfazeres tecidas

nos corredores passando-pulsando em brigas, conversas e afagos e devires...

Aqui pode, lá não... Brincar disso pode, disso não. Por quê?

Por que sim? Por que não?

Então...

Cadeiradas, é lógico, é coerente.

Se não pode sujar de tinta, suja com cadeiras mesmo (GOMES e FERRAÇO, p.1-2).

Gomes e Ferraço (2013) relatam um momento de vivência da escola, são esses momentos dos

cotidianos em que percebemos que a expansão de sentimentos que as crianças demonstram a

todo tempo nem sempre são de acolhimento ao outro. Os autores então, de forma leve e

poética a partir dessa cena vivida nos cotidianos das escolas apresentam sujeitos que querem

ser aceitos e não rotulados, mas que se percebem bombardeados o tempo todo de rótulos e

clichês.

2 Durante a escrita ao referenciar-me as histórias em quadrinhos termos como HQ’s, quadrinhos, arte sequencial

ou gibis também serão usados. 3 Gibi é o termo usado para publicações de quadrinhos, todas, mas normalmente revistas. 4A opção de escrever algumas palavras juntas, sem espaço entre elas, vem de uma prática adotada inicialmente

por Nilda Alves, e estará presente por toda minha escrita, pois os movimentos que permeiam os cotidianos da

escola estão sempre se tecendo e em movimento.

As crianças são sujeitos encarnados5, complexos, em intercâmbio o tempo todo com o mundo

a sua volta, repletas de singularidades e influenciados pelo meio em que (com)vivem, pré-

conceitos impostos e aprendidos, sujeitos que escapam do currículo e o reinventam, re-

significam exigindo respeito através das cadeiradas.

A cadeirada (violência) muitas vezes é a expressão, a lógica de quem não é ouvido e de quem

não está preparado para (ou não aprendeu há) lidar com as diferenças da vida. Devemos

sempre estar atentos ao discurso do “ser” está sempre relacionado ao órgão sexual, pois esta

ligação direta causa um reducionismo do que é “ser”, somos muito mais que a definição

sexual genética que nasceu conosco. Nossas singularidades nos constituem como o sujeito

encarnado que somos a escola é um local repleto destes sujeitos, um local que pulsa vida e a

forma que o corpo docente se apresenta influência também a personificação das

singularidades e visão de mundo dos discentes.

A lógica das cadeiradas está presente dentro de todos os sujeitos, porém, aqueles sujeitos que

aprenderam “com” a diferença estão preparados para viver e respeitar o outro. Quem aprende

“sobre” a diferença não está preparado para conviver de forma saudável com a realidade

composta por seres diversos repletos de singularidades.

BREVÍSSIMO GIRO HISTÓRICO NA HISTÓRIA DAS HISTÓRIAS EM

QUADRINHOS

Ao falar da arte sequencial que no Brasil conhecemos por Histórias em Quadrinhos, HQs ou

gibis, iniciamos a primeira aparição da arte sequencial na vida do homem, com a ajuda de

Lovetro (2011, p.11) iniciamos essa viagem voltando o pensamento a arte rupestre, pois “essa

linguagem criada no início de nossa civilização é hoje chamada de quadrinhos ou arte

5 Termo usado pela autora Denise Najmanovich.

sequencial”. Na arte rupestre os signos foram criados para difundir as informações pertinentes

às necessidades do povo daquela época. As representações são repletas de significados, que

hoje nos esforçamos para compreender suas mensagens. A imagem em sequência foi um

modo prático a época para transmitir conhecimento.

Temos exemplos de arte sequencial nos hieróglifos egípcios, nos panôs e desenhos

nas igrejas da Via Sacra de Jesus, difundidos na Idade Média, e até nos túmulos de

reis, onde havia sequências de sua dinastia em alto relevo (LOVETRO, 2011, p.11).

As HQs estiveram presentes durante diversos momentos da história da humanidade. Durante a

revolução francesa, foram peças importantes para a difusão de histórias de santos, romances e

outras coisas, já que na época muitas pessoas não eram alfabetizadas e o desenho era

importante colaborador no entendimento das mensagens. No século XV com a invenção da

prensa e por consequência do jornal e da imagem impressa, com tudo sendo produzido em

massa ficou mais fácil difundir ideias e começaram a aparecer imagens criticando a

monarquia vigente.

Nos anos pós-segunda guerra mundial, a indústria cultural estava abalada, como toda a

população do mundo, não apenas nos Estados Unidos da América as pessoas tinham medo de

que a guerra se espalhasse ou que ela recomeçasse. Nesse momento histórico os quadrinhos

tiveram seu boom de super heróis, as pessoas precisavam acreditar em um amanhã melhor e

que alguém escondido entre a multidão cuidava delas.

No Brasil, as histórias em quadrinhos tiveram seu momento a partir da década de 60 com “A

turma do Pererê” de Ziraldo, porém o quadrinho nacional de maior sucesso, reconhecido até

hoje não apenas no Brasil, é a “Tuma da Mônica” de Maurício de Souza.

As HQs estão presentes não apenas nas bancas de revistas, livrarias e tiras de jornal, elas estão

também na internet em páginas criadas nas redes sociais, blogs, ou sites onde o autor divulga

seu trabalho e deixa a disposição a sua obra para apresentar sua opinião, frente a algum

acontecimento ou para compartilhar sua expressão artística.

Desse modo os quadrinhos podem se apresentar como tirinhas ou charges isoladas, mas

também como acontece em maioria histórias ou tirinhas com continuações como uma saga.

GÊNERO TEXTUAL, SEXUALIDADES, ESCOLA E QUADRINHOS.

As HQs são um tipo de gênero textual, Bakhtin nos ensina que “é preciso dominar bem os

gêneros para empregá-los livremente” (2003, p. 284), pois o ato da comunicação é recheado

de signos que variam de significado de acordo com a cultura onde são usados, sem o

conhecimento da cultura que passa pelos signos a comunicação fica prejudicada, incompleta,

pois “os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de transmissão

entre a história da sociedade e a história da linguagem” (BAKHTIN, 2003, p. 268).

Trabalhar as HQ’s na escola é uma grande oportunidade de lidar com a linguagem em suas

várias situações de uso, sendo uma oportunidade riquíssima para falarmos de situações vistas

como tabu pela sociedade. As questões relacionadas as sexualidades e gêneros também podem

e devem ser abordadas usando esse gênero textual como facilitador.

A revista nova escola apresentou uma definição de gênero, sexo e sexualidades com uma

linguagem simples que pode embasar as discussões a respeito do tema em sala de aula:

O sexo é definido biologicamente. Nascemos machos ou fêmeas, de acordo com a

informação genética levada pelo espermatozoide ao óvulo. Já a sexualidade está

relacionada às pessoas por quem nos sentimos atraídos. E o gênero está ligado a

características atribuídas socialmente a cada sexo (SOARES, 2015, p.1).

Este gênero textual como dito anteriormente pode ser usado em diversas situações na escola.

É interessante apresentar as crianças também a oportunidade de criar os próprios quadrinhos

apresentando suas ideias seja como; um protesto, uma crítica ou uma poesia dentre tantas

possibilidades que usam a forma de quadrinhos.

Para além das bancas de jornal e livrarias, a arte sequencial ganhou uma maior visibilidade

nas redes sociais, onde grandes desenhistas se apresentam e estão em constante movimento,

criação e expressão neste vasto campo que é a internet.

Usar esses quadrinhos na escola atrai a atenção, estimula a pesquisa e instiga a fala, deixando

mais claro que a escola e os movimentos de ensinoaprendizagens estão dentro e fora das salas

de aula.

HISTÓRIA EM QUADRINHOS “A PRINCESA E O CAVALEIRO”

Era uma vez...

Rei e a Rainha estavam para ter um herdeiro, mas um anjo travesso chamado Ching

coloca um coração de menina no corpo do menino. Assim nasce a princesa Safiri

num reino que tinha como lei severa que somente um homem poderia suceder o

trono real. Para evitar que o maquiavélico Duque Duralumínio, parente mais

próximo do Rei, colocasse seu filho Plástico no poder, o Rei anuncia o nascimento

de um menino. Ching é enviado à Terra como castigo e tem como missão ajudar

Safiri, enquanto aprende a se comportar melhor.

Safiri tem de aprender a viver como um menino, pois caso seja descoberta seria

condenada a morte. Assim a princesa foi ensinada a se fazer passar por homem e

aprendeu a lutar com espadas e a cavalgar com seu fiel cavalo Opau. Poucas pessoas

compartilhavam o segredo da menina. Seus maiores inimigos eram o malvado

Duque Duralumínio e seu assistente Nylon que tentavam a todo custo provar que

Safiri era uma menina, além do bruxo Satã e a organização Unidade X. À noite

Safiri se ocultava sob o uniforme do Cavaleiro Vingador e saía para combater o mal

(GOMES e FERRAÇO, 2013, p.4)

A HQ “A princesa e o cavaleiro” foi um grande sucesso e deu origem a uma série animada. O

mangá6 foi lançado pela primeira vez em 1953, no Japão, com uma trama envolvente que

relata um dilema que é vivido por muitos sujeitos. Gomes e Ferraço (2013) nos apresentam a

narrativa desse mangá para enfatizarem a desconstrução do pensamento binário e da imagem

clichê sobre os sujeitos que habitam as salas de aula. O mangá apresenta de uma forma bem

lúdica como a constituição do gênero é uma coisa que vem de dentro do sujeito, sendo algo

que nasce com ele e deve ser respeitado.

6 Nome dado as histórias em quadrinhos japonesas.

Assim como este, existem outros quadrinhos que tratam dessa mesma temática e podem ser

utilizados durante as aulas para mediar as conversas e o respeito a cerca de determinados

assuntos que apesar de estarem permeando os cotidianos a escola por diversas vezes finge não

ver e não fala a respeito. Algumas vezes tudo o que precisamos para mudar a visão de alguém

a respeito de alguma coisa é a conversa e a paciência para desmistificar algum assunto,

contribuindo dessa forma para a mudança dos pensamentos clichês a respeito da sexualidade,

gênero e sexo que atravessam a sociedade e habitam os sujeitos.

A escola que educa “sobre” a diferença constrói uma visão de que o diferente está fora, a

margem e não dentro de cada um. Onde estão as crianças trans, as crianças gays, as crianças

lésbicas? Onde estão sendo colocadas as crianças que não se enquadram no padrão

normativo? ELAS ESTÃO NA ESCOLA, todas elas estão lá, e aqui. Será que elas estão

sendo vistas, percebidas, compreendidas? Como estamos acolhendo essas crianças? Como

elas se constituem, se expressam, será através das cadeiradas? Elas estão sendo lembradas,

recebendo apoio? Estas questões devem sempre estar em debate nos cotidianos escolares, caso

contrario a escola será um local desagradável, na vida e na lembrança desses sujeitos.

A escola não está preparada para receber e nem sabe o que fazer com as crianças trans, gays

ou que tenham qualquer expressão de sexualidades que não a binária, normalmente, e quando

digo normalmente ressalto que a palavra vem de norma, algo comumente aceito, então o

padrão que associa o gênero ao órgão sexual é o que normalmente é querem que seja visto no

ambiente escolar.

Logo, sem saber como se defender da crueldade de algumas pessoas os sujeitos que se

identificam com a princesa da história sofrem, de diferentes maneiras. Alguns sofrem calados,

outros gritam ao mundo e tem aqueles que usam as cadeiradas e com elas conseguem ser

notados. Cadeiradas neles... é interessante perceber como a escola não está tão preparada para

receber o diferente.

Apresentar as histórias em quadrinhos como ampliadoras da percepção, evidencia a vida que

pulsa fora da escola e dentro dela, as situações e assuntos que nos transpassam no mundo e

deixa claro que a vida deve sim ser discutida na escola, que pensar a realidade e estimular que

as crianças se coloquem proporciona a elas a possibilidade de se perceberem no mundo e

notarem o quanto a informação que elas tem pode contribuir para a escola e com isso

promover o pensamento crítico e a formação de opiniões.

OS QUADRINHOS NA SALA DE AULA, TESSITURAS E CONVERSAS QUE NÃO

DEVEM SE CALAR.

O gênero textual quadrinhos agrada a todas as idades, mas em especial as crianças, pois elas

sentem mais próximas a sua realidade ou sonhos as histórias e dilemas presentes nas HQs, que

impregnam de significados e subjetividades as enunciações infantis.

Laerte, uma grande desenhista expõe seus trabalhos tanto em jornal impresso quanto nas redes

sociais, seus quadrinhos recheados de vida, posicionamento e criticas sociais são ótimos para

incitar o pensamento das crianças e jovens.

Figura 1 – Meire.

Fonte: Google imagens.7

Durante um projeto de pesquisa para a escrita do meu trabalho de conclusão de curso em 2015

apresentei diversas imagens, entre elas o quadrinho acima para disparar nossa conversa,

naquele dia. Conversamos sobre a relação entre sexo e gênero, antes, porém, solicitei aos

estudantes do 5° ano, de uma escola pública de Vitória, que observassem a imagem e

expusessem seu entendimento a respeito do quadrinho.

O projeto de pesquisa que foi desenvolvido com as crianças teve como objetivo a articulação

linguagem verbal e não verbal, tendo como suporte as histórias em quadrinhos. Estimulando

dessa forma o pensamento crítico, a capacidade analítica das próprias produções e de terceiros

e contribuindo para a interpretação e produção de significado das diversas linguagens.

Transcrição das escritas infântis a partir do quadrinho:

7 Disponível em: https://joaquimleaesdecastro.com.br/2015/12/22/meire-laerte-hq/

Criança 1 - “Ela estava sendo confundida com uma pessoa que ela não era”.

Criança 2 - “Após uma pessoa mostrar um quadro com uma pessoa parecida Meire quebra o

quadro e continua insistindo que o nome dela é Meire”.

Criança 3 - “O cara acha que o quadro é um espelho e fala que a menina é um monte de

homem estranho, ai ela quebra o espelho e joga um vidro e fala: Meire. Ela quebrou o vidro

por ser comparada com vários homens”.

A partir desse movimento da escrita retomamos o encontro e conversamos sobre a questão de

gênero gerando diversas perguntas curiosas a respeito, com a ajuda de diversas imagens, após

algum tempo as crianças decidiram que nem sempre a aparência de uma pessoa representa o

seu interior e quem “nem sempre o sexo que se tem entre as pernas representa o que se tem

entre as orelhas”, como diria um dos meus professores da época da graduação.

As respostas que aquelas crianças me apresentavam sobre os assuntos abordados em nossos

encontros refletiam suas curiosidades e crenças enraizadas neles através da cultura em que

estavam inseridos. Alguns achavam que tudo era “coisa do capeta”, outros já conseguiam

compreender que apenas o gênero e as sexualidades não definem uma pessoa.

Nossos encontros, creio eu, estimularam o pensamento daquelas crianças a respeito das

enunciações que lhes eram incitadas pela sociedade e no quanto uma simples palavra, ou ato

pode ter um significado maior do que eles podiam perceber. Aquela velha frase que diz que

uma imagem vale mais que mil palavras, transforma uma conversa em uma prática didática

que explicita como alguns comportamentos são violências infligidas todos os dias contra

milhares de pessoas.

Figura 2 - Manual do Macho Babaca.

Fonte: Quadrinhos ácidos8

E assim as pequenas violências do cotidiano permeiam os corpos por toda a vida, os clichês,

as tentativas de homogeneização dos seres humanos, da vida. A escola não deve se preocupar

em contribuir na constituição de homens ou mulheres, mas sim sujeitos críticos, honestos,

dispostos a ser diferentes, acolher a diferença e pensar “com” ela, criando assim um mundo

mais plural, que não diminua nenhum corpo e valorize a vida.

Figura 3 - A mulher segundo as propagandas.

8 Disponível em: http://www.quadrinhosacidos.com.br/

Fonte: Site metranca coletivo9

A escola é um local de encontro de culturas e sexualidades, é um lugar onde os corpos viajam,

envolvem-se e interagem. Louro (2000, p.89) afirma que: “A sexualidade não segue as regras

da cultura, mesmo quando a cultura tenta domesticar a sexualidade. Podemos insistir que a

sexualidade é a própria alteridade”.

Muitas crianças experimentam brincando performances que veem nos adultos, a magia que

povoa roupas e adornos é envolvente. E isso pode não ter nenhum significado, sendo apenas

uma curiosidade, na adolescência e vida adulta porém, os pré-conceitos e a cultura bloqueiam

a liberdade de expressão e performance que reside dentro de cada um, dessa forma a roupa e

9 Disponível em: http://coletivometranca.com.br/wp-content/uploads/2014/05/33-AMulherSegundoAPropaganda.png

os adornos tornam-se armas de resistência ou motivo de repressão, por puro

medo/preconceito.

Figura 4 - Performances infantis.

Fonte:Google Imagens10

Ao recordar-me de minha época na escola de ensino fundamental houve, (não me lembro ao

certo o motivo) um dia em que as vestimentas se inverteram, os meninos usaram adornos e

vestimentas que são associadas ao feminino e as meninas trajes associados ao masculino.

Muitas crianças faltaram por motivos familiares (leia-se preconceito) mas os que foram se

divertiram e no resto da semana a vida continuou como de costume. Trago minha experiência

apenas para compor com o pensamento já tecido, o respeito e o amor ao próximo também são

praticas que vivenciamos na escola e essa não se distanciam da vida tendo esta por afirmar

sempre a vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No cotidiano escolar, os sujeitos encarnados transbordam vida, se esgueirando pelas margens

da escola, lutando contra o aprisionamento nas narrativas clichês e contra as violências

10 Disponível em: http://66.media.tumblr.com/1072f022448192a489a714b39c7d6135/tumblr_nyxz0tdC1h1tjlh2ao1_500.jpg

cotidianas. Eles estão vivendo, aparecendo mesmo quando não desejados, colocando a cara no

sol. Nem sempre a escola é pensada por quem está nela, muitas vezes as normas vem de

políticos ou entidades que nunca pisaram na sala de aula, que não conhecem os meninos e

negam toda vida que pulsa por eles e então quando se pensa o currículo vem a cabeça as

normas, os projetos, as propostas oficiais, mas com um leitura sensível das propostas oficiais

também conseguimos interpretar, ver e incitar a vida.

O currículo também são as tessituras de afeto, os movimentos de ensinoaprendizagens e as

redes de saberesfazeres que são tecidas entre os muros da escola, entre as crianças e com elas.

Os movimentos de apoio surgidos entre as crianças para estimular um companheiro que está

sofrendo algum tipo de violência, as práticas de encobrir o amigo, quando ele pode ser punido

pela família ou escola. Os momentos criativos gerados nos movimentos ensinoaprendizagens

entre os sujeitos e os professores. As práticas de apoio e afeto entre os professores e as

crianças. Tudo isso também é parte do currículo é o currículo que não está escrito, mas que é

vivido, são os usos da vida, do currículo e das práticas e são tão importantes quanto os

projetos enviados a escola pelo ministério da educação.

O currículo que é criado na escola entre os afetos, as crianças e os professores são a chave

para eliminar aos poucos as pequenas violências do cotidiano, para que as cadeiradas não

sejam mais necessárias, para que não se questione ou aponte o outro pela sua identidade de

gênero ou sexualidade e para que o corpo seja propriedade de cada um e que seu uso seja livre

de questionamentos.

O desenho é a primeira expressão escrita que a criança usa, os quadrinhos estão presentes na

vida da humanidade desde sempre e são uma forma lúdica e sensível para apresentar questões

cotidianas a escola e por esse motivo a imagem narrativa é uma maneira potente de se

estimular conversas na escola e se desconstruir pré-conceitos e tabus.

REFERÊNCIAS

VERGUEIRO, Waldomiro e RAMOS, Paulo. Os quadrinhos (oficialmente) na escola: dos

PCN ao PNBE. In: VERGUEIRO, Waldomiro e RAMOS, Paulo (orgs.) Quadrinhos na

educação. Contexto, 2009. p. 9-42.

LOVETRO, Jose Alberto. Histórias em quadrinhos: um recurso de aprendizagem. TV

Escola canal de educação. 2011. Disponível em:

<http://www.moodlelivre.com.br/images/stories/pdf_ppt_Doc/181213historiaemquadrinhos.p

df> Acesso em: 15/06/15.

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Ática, 2003.

LOURO, Guacira Lopes. O corpo Educado: Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte:

Autêntica, 2000.

GOMES, Marco Antonio Oliva e FERRAÇO, Carlos Eduardo. SEXUALIDADE E

COTIDIANO ESCOLAR: SOBRE CURRÍCULO E CLICHÊ. Disponível em: <

http://www.uneb.br/enlacandosexualidades/files/2013/06/Sexualidade-e-cotidiano-escolar-

sobre-curr%C3%ADculo-e-clich%C3%AA.pdf > Acesso em: 20/03/2016.

SOARES, Wellington. Educação sexual: precisamos falar sobre Romeo..., Revista Nova

Escola. [on-line]. Edição 279. Abril, 2015. Disponível em: <

http://revistaescola.abril.com.br/formacao/educacao-sexual-precisamos-falar-romeo-

834861.shtml > Acesso em: 17/04/2016.