História da ginástica no Brasil: da concepção e influência ......

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63 RESUMO A Ginástica escreve um importante capítulo na história da humanidade e, sobretudo, da so- ciedade brasileira. O objetivo desse estudo foi compreender a importância do papel das insti- tuições militares na sua implantação da ginás- tica no Brasil, e identificar as suas tendências assumidas ao longo do tempo. Concluiu-se que houve forte influência militar com predomínio dos ideários de eugenia e higiene na implan- tação e desenvolvimento da ginástica no País, somente sendo desvinculados nas últimas dé- cadas do século XX. PALAVRAS-CHAVE: Ginástica; Instituições Militares; História do Brasil ABSTRACT Gymnastic has marked an important chapter in the humanity history and, overall in the Brazilian Society The aim of this study is to investigate the role of military institutions in the establishment of the gymnastic in Brazil and identify tendencies. In conclusion, militaries institutions played an important role in the development of the sport due to a predominance of eugenics and hygiene ideals, unlink the background just in the 20 th Century. KEYWORDS: Gymnastic, Military Institutions, History of Brazil Marcelo Gomes da Costa Programa de Doutoramento em Ciências do Desporto na Universidade de Coimbra. Professor do Curso de Educação Física da Universidade Estácio de Sá. Mestre em Ciência da Motricidade Humana, UCB – Mestre em Educação, UNESA João Marcos Perelli Programa de Doutoramento em Ciências do Desporto na Universidade de Coimbra. Professor do Curso de Educação Física da Universidade Estácio de Sá. Professor da Faculdade Mercúrio – FAMERC. Mestre em Ciência da Motricidade Humana, UCB – Mestre em Educação, UNESA Leonardo J. Mataruna-dos-Santos Coventry University, Centre for Trust, Peace and Social Relation - CTPSR História da ginástica no Brasil: da concepção e influência militar aos nossos dias * Gymnastics history in Brazil: from conception and military influence to the present day * Artigo recebido em 2 de abril de 2016 e aprovado para publicação em 4 de maio de 2016. Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 12, n o 23, p. 63-75 – 2016.

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RESUMO

A Ginástica escreve um importante capítulo na história da humanidade e, sobretudo, da so-ciedade brasileira. O objetivo desse estudo foi compreender a importância do papel das insti-tuições militares na sua implantação da ginás-tica no Brasil, e identificar as suas tendências assumidas ao longo do tempo. Concluiu-se que houve forte influência militar com predomínio dos ideários de eugenia e higiene na implan-tação e desenvolvimento da ginástica no País, somente sendo desvinculados nas últimas dé-cadas do século XX.

PALAVRAS-CHAVE: Ginástica; Instituições Militares; História do Brasil

ABSTRACT

Gymnastic has marked an important chapter in the humanity history and, overall in the Brazilian Society The aim of this study is to investigate the role of military institutions in the establishment of the gymnastic in Brazil and identify tendencies. In conclusion, militaries institutions played an important role in the development of the sport due to a predominance of eugenics and hygiene ideals, unlink the background just in the 20th Century.

KEYWORDS: Gymnastic, Military Institutions, History of Brazil

Marcelo Gomes da CostaPrograma de Doutoramento em Ciências do Desporto na Universidade de Coimbra. Professor do Curso de Educação Física da Universidade Estácio de Sá. Mestre em Ciência da Motricidade Humana, UCB – Mestre em Educação, UNESA

João Marcos PerelliPrograma de Doutoramento em Ciências do Desporto na Universidade de Coimbra. Professor do Curso de Educação Física da Universidade Estácio de Sá. Professor da Faculdade Mercúrio – FAMERC. Mestre em Ciência da Motricidade Humana, UCB – Mestre em Educação, UNESA

Leonardo J. Mataruna-dos-SantosCoventry University, Centre for Trust, Peace and Social Relation - CTPSR

História da ginástica no Brasil: da concepção e influência militar aos nossos dias*

Gymnastics history in Brazil: from conception and military influence to the present day

* Artigo recebido em 2 de abril de 2016 e aprovado para publicação em 4 de maio de 2016.

Navigator: subsídios para a história marítima do Brasil. Rio de Janeiro, V. 12, no 23, p. 63-75 – 2016.

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Império, se confundindo com a dos milita-res (CASTELLANI FILHO, 1988). Antes disso, no Brasil Colônia, a prática de atividades fí-sicas se restringia às atividades de origem indígena, como: o arco e flecha; a natação; a canoagem; as corridas a pé, marchas e tou-radas e; a equitação entre os índios e os pri-meiro colonizadores. Ao final desse período, em fins do séc. XVIII surgem algumas im-portantes publicações que caracterizavam o entendimento da Educação Física à época, bem como, a direção para qual apontavam (MARINHO, s/a).

Em 1787, o bacharel Luiz Carlos Moniz Barreto publica, em Lisboa, Tratado de Edu-cação Física e Moral dos meninos de ambos os sexos, uma tradução do seu original, em francês. Neste, que talvez seja o mais antigo documento escrito em língua portuguesa dedicado à Educação Física, temas como eugenia, hereditariedade, alimentação, hi-giene, puericultura, concepção, gravidez e parto perpassavam os sete capítulos dessa obra, “que naturalmente vem ter ao Brasil, atendendo à nossa situação de Colônia”. À essa, outras três importantes publicações se ajuntam: Tratado da Educação Física dos Meninos para o uso da Nação Portuguesa (Lisboa, 1890), pelo Dr. Francisco de Melo Franco, escritor de renome, um ilustre mi-neiro graduado na Universidade de Coim-bra; Tratado da Educação Física dos Meninos para o uso da Nação Portuguesa (Lisboa, 1891), publicado por ordem da Academia Real das Ciências por Francisco José de Al-meida, estabelecendo uma distinção entre movimento e exercício para os padrões da época. Neste, sugere como um dos meios de trabalho físico a Ginástica, junto à luta, o jogo das barras, o jogo da bola, as corri-das, a dança e a equitação, e; no início do séc. XIX, Elementos de Higiene ou Ditames Teoréticos para conservar a saúde e prolon-gar a vida, do Dr. Francisco de Melo Franco (Lisboa, 1819) por ordem da Academia Real das Ciências, com capítulos dedicados à in-fluência recíproca entre o moral e o físico (MARINHO, s/a, p.p. 18-20).

Com a chegada do Príncipe Regente, D. João VI, no Rio de Janeiro, capital do Vice-Reino do Brasil, à época, muitas das transformações, já em curso, começam

INTRODUÇÃO

Um dos importantes componentes da Cul-tura Corporal em nossos dias, perfilando os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997), a Ginástica, que em seus primórdios foi considerada como o próprio significado da Educação Física (TUBINO; GARRIDO; TUBINO, 2007), encontra sua ori-gem no Brasil intimamente ligada às Insti-tuições Militares. Marinha, Exército e Polícia Militar deram o tom inicial da sua sistemati-zação que, fruto das influências culturais, po-líticas, econômicas e científicas, ao longo da sua trajetória história, ampliou o seu acervo de expressões e objetivos sobre a motricidade humana. Atualmente, a Ginástica se faz pre-sente em, no mínimo, cinco campos distintos: Ginásticas de Condicionamento (e Desenvol-vimento Motor, que acrescentamos); Ginásti-cas de Competição; Ginásticas de Conscien-tização Corporal; Ginásticas Fisioterápicas e; Ginásticas de Demonstração (SOUZA, 1992).

No presente posicionamento pessoal, ao revisitar a sua história por intermédio dos re-gistros e fontes bibliográficas acerca do tema, pretendemos descortinar as tendências as-sumidas pela Ginástica ao longo do tempo, como também, compreender e registrar quão importante foi a influência militar em sua concepção, propagação e desenvolvimento. Todavia, não temos a pretensão de assumir uma posição de verdade histórica absoluta, tampouco encerrar discussões em torno de seus delineamentos, mas sim, compreender as características de sua sistematização “utili-tária” (de Condicionamento, Conscientização Corporal e Desenvolvimento Motor), desde a sua acepção pelas Forças Militares, passando por sua introdução e desenvolvimento no am-biente escolar, até a sua penetração nas asso-ciações e clubes, com o seu consequente des-dobramento, crescimento e desenvolvimento para os atuais Centros de Condicionamento Físico (academias de ginástica, estúdios de exercícios físicos e similares).

BRASIL IMPÉRIO, GINÁSTICA, E O IDEÁRIO NACIONAL

A História da Educação Física institucio-nalizada no Brasil se inicia no período do

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efetivamente a ocorrer. Assim, em 1808, ele dá início à criação de instituições significa-tivas, em número e importância: Secretarias de Estado, Supremo Conselho Militar, Fábri-ca de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas, Imprensa Régia, Academia da Marinha, Escola de Medicina, Jardim Botânico, Esco-la de Belas Artes, Biblioteca Real, Arquivo Militar, Casa de Suplicação, Academia de Ciências Física, Matemáticas e Naturais, um banco de depósito, desconto e emissão que viria se tornar o Banco de Brasil, entre tantas outras (MARINHO, s/a, p.21). Dessas, duas possuem grande importância para a Ginástica: a Academia Real da Marinha e a Escola de Medicina. Para efeito de registro, essas e outras iniciativas deram maturidade ao desejo de Independência até que, em 7 de setembro de 1822, D. Pedro de Alcântara de Bragança, já Príncipe Regente do Brasil (nomeado em 1821 por D. João, antes do seu retorno a Portugal) proclama a Indepen-dência do Brasil, às margens do Riacho Ipi-ranga, tornando-se o primeiro Imperador do Brasil: D. Pedro I.

Segundo ARANTES (2008, p.1), os primór-dios da Ginástica no Brasil decorrem da ini-ciativa de D. Maria Leopoldina e Leopoldina, Imperatriz-Consorte do Brasil, esposa de D. Pedro I. De origem austríaca, ao aportar em nossas terras, “trouxe consigo um grupo pequeno, porém, muito importante forma-do por cientistas e pela sua guarda pessoal. Esta guarda pessoal praticava exercícios que foram adotados pelos nossos soldados. A partir deste fato, a prática da gymnástica foi gradualmente ‘ganhando espaços’”.

A criação da Academia Real dos Guar-das-Marinhas na cidade do Rio de Janeiro, em 1808 (atual Escola Naval), inaugurou o estudo superior no Brasil. A formação dos oficiais, que contou com a participação de alunos estrangeiros (franceses, ingleses e portugueses), para além das aulas teóri-cas, incluía aulas práticas das artes do ma-rinheiro, exercícios militares e embarques, e ainda, atividades de caráter formativo, direcionadas à guerra que tinham o senti-do esportivo, como o manejo de armas, a equitação e as instruções pertinentes à pre-paração dos equipamentos e pilotagem de embarcações à vela. “Desse modo, pode-se

atribuir às Forças Armadas, em particular à Marinha do Brasil, o papel precursor do de-senvolvimento dos esportes no Brasil, sobre-tudo quanto ao tiro, à esgrima, ao hipismo e à vela. Estas práticas esportivas ocorriam de forma lúdica ou em exibições e encontros amistosos” (GARRIDO; LAGE in DACOSTA, 2005, p.131).

De acordo com Cancella; Santos (2012, p.3), com o objetivo de atender à demanda dos serviços militares, a prática de ativida-des físicas regulares passou a se fazer pre-sente na preparação militar desde o século XIX. Com o Decreto no 2.163, de 1o de maio de 1858, a Academia da Marinha se transfor-mou em Escola da Marinha e, dentre as re-formulações curriculares experimentadas, estabeleceu novas práticas de preparação: “esgrima, uma vez por semana; ginástica, uma vez por semana; natação, duas vezes por mês e aos domingos, antes da missa” (MARINHO, s/a, p.25 – grifo nosso). Um pouco mais tarde, o Decreto no 4.720, de 22 de abril de 1871, regulamentou a Escola da Marinha, ratificando a Ginástica como prá-tica obrigatória para aos aspirantes (CAN-CELLA; SANTOS, 2012). Posteriormente, o Decreto no 9.611, de 26 de junho de 1885, reuniu a Escola da Marinha e o Colégio Na-val em uma única Instituição, a Escola Na-val, “mantendo os exercícios de ginásticas, a natação e a esgrima” (MARINHO, s/a, p.29).

Decorrente de um processo de moder-nização da Marinha do Brasil, “iniciado em 1906 sob as ações do Ministro da Marinha, Almirante Alexandrino Faria de Alencar reto-mando algumas propostas de seu anteces-sor, Almirante Júlio César de Noronha, foram levantadas necessidades fundamentais per-tinentes ao preparo físico e técnico do pes-soal de bordo decorrentes do processo de modernização da Marinha e da introdução da nova tecnologia a vapor. Nesse contexto, emergiram discussões sobre a necessidade de introdução das atividades ‘gymnasticas’ de forma mais regular na instituição, visan-do à manipulação dos novos tipos de ma-quinário que compunham os navios. Como resultado, Cancella (2011) cita o importante artigo de Alfredo Colonia (COLONIA, 1910) “propondo a criação de uma Escola de Gym-nastica no Corpo de Marinheiros que teria

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como alunos sargentos e cabos em um cur-so com parte teórica e prática, saindo estes diplomados como monitores de ginástica com responsabilidade de divulgar os jogos e a ginástica sueca pelas escolas e navios da Marinha do Brasil” (CANCELLA, 2011, p. 6).

Na esteira desse processo, foram inau-guradas outras instituições militares desti-nadas ao estudo e formação em Educação Física, onde podemos destacar a Escola de Educação Física da Força Policial do Estado de São Paulo e a Escola de Educação Física do Exército (DACOSTA, 2005; CASTELLANI FILHO, 1988; RAMOS, 1982).

Em 1809, o D. João VI cria a Divisão Mili-tar da Guarda Real de Polícia da Corte, “com a finalidade de promover a segurança e a tran-quilidade da população, coibir a desordem e o contrabando”. Em 1831, na Assembleia Pro-vincial da Província de São Paulo, seu presi-dente, o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, sanciona lei criando o Corpo de Municipais Permanentes, fundando aí, a futura Polícia Militar do estado de São Paulo que, poste-riormente, “passou a liderar a doutrina e as práticas das atividades físicas no âmbito das forças policiais” (BOUÇAS; RABELO; LACER-DA in DACOSTA, 2005, p.136). No início do século XX, mais precisamente em 9 de mar-ço de 1910, foi formalmente constituída a Escola de Educação Física da Polícia Militar de São Paulo (EEFPM), a primeira Escola de Educação Física do Brasil (ibid, p.138).

Criada em 1810, a Real Academia Militar formava os oficiais em diversas Armas, bem como engenheiros, geógrafos e topógrafos, onde eram ministrados os cursos de Cavala-ria, Infantaria e Engenharia. Com a Indepen-dência do Brasil, fundiu-se com a Academia Real dos Guardas-Marinhas, formando a Academia Militar e de Marinha. Em função de não ter obtido os resultados esperados, o decreto de 22 de outubro de 1833 separa as duas Instituições novamente, regulando provisoriamente a Academia Militar da Cor-te (MOACYR, 1936). Em 1840, viria se deno-minar Escola Militar, sendo transferida para as dependências do Forte da Praia Verme-lha, a partir de 1858 (DACOSTA, 2005).

A reorganização do ensino militar, em 1860, conduziu o Alferes do Estado-Maior da 2a classe, Pedro Guilhermino Meyer, ao

posto de contramestre de Ginástica da Es-cola Militar (MARINHO, s/a). “No Depósito de Aprendizes Artilheiros situado na Fortaleza de São João, ginástica, esgrima e natação se tornaram obrigatórias” (ALMEIDA, 2010). In-fluenciado pelo grande número de imigran-tes alemães, no Brasil, que continuavam com o hábito regular da prática de atividades gímnicas, bem como, pela influência inicial dos oficiais e soldados prussianos da Guar-da Imperial da nossa Imperatriz, o Método Alemão de Ginástica foi introduzido como o primeiro sistema de Ginástica, no Brasil, baseado nos exercícios sistematizados de Jahn, oficialmente adotado até 1912 (MELO, 1996; CASTELLANI FILHO, 1988; MARINHO, 1982, MARINHO, s/a). De nacionalidade ale-mã, Meyer muito deve ter contribuído para a introdução e desenvolvimento deste.

Na continuidade desse processo de ama-durecimento do Exército Brasileiro (EB), a criação do Centro Militar de Educação Físi-ca (CMEF), no início do séc. XX, possibilitou a sua posterior transformação para Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), por intermédio do Decreto 23.252, de 19 de outubro de 1933, “dando-lhe nova organiza-ção, atualizando seus currículos e amplian-do os seus objetivos” (SOEIRO; PINHEIRO in DACOSTA, 2005, p.129), instituição essa que muito contribuiu para o desenvolvi-mento inicial da Educação Física, no Bra-sil, ampliando seu escopo como Escola de Formação em Educação Física para além do seu efetivo, incluindo membros das Polícias Militares de todo o Brasil e civis (ibid, p.136).

Inúmeras outras corporações militares foram criadas e influenciadas por três essas precursoras. Em todas essas Instituições, por conta de uma política de Estado, os ob-jetivos maiores sempre giraram em torno de um projeto de nação baseado nos ideários de eugenia e higiene.

A imigração, e consequente miscigena-ção de raças, suportava o desejo de melho-ria da raça brasileira. D. Pedro I foi o primei-ro a defender essa tese, endossando a ideia de sua esposa em trazer grupos de colonos alemães, pois enxergava nisso a possibilida-de de promover a eugenia da raça brasileira, como também, uma oportunidade para “im-portação de gente laboriosa, de hábitos euro-

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peus e cultura mais adiantada que a nossa” (MARINHO, s/a, p.39). Contudo, o debate ra-cial da eugenia não se restringia à etnia e ao consequente “embranquecimento” da raça brasileira. Envolvia outras questões, “como constituição física, força individual e coletiva de uma nação” (GÓIS JÚNIOR, 2013, p.143), encontrando na imigração de outros povos europeus – especialmente de alemães e franceses – e na prática da Ginástica, gran-des aliados na direção desse projeto.

A análise da produção intelectual realiza-da, no Brasil, entre o final do séc. XVIII até o início do século XX endossa esses ideários (MARINHO, s/a). Procedendo-se à análise dos manuais e livros estrangeiros, importados e traduzidos, bem como, da produção nacional destes e das teses oitocentistas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ), “insti-tuição que na visão de José Gondra, formulou um projeto de educação escolar para o Brasil, onde se pode notar a presença dos exercícios gymnasticos” (GONDRA, 2000 in CUNHA JU-NIOR, 2008, p.61), os conceitos de eugênico e higienista estão bem demarcados.

Uma das primeiras teses sobre Ginástica no Brasil, intitulada Generalidades acerca da Educação Physica dos meninos, de autoria do médico mineiro Dr. Joaquim Pedro de Mello, data de 1846. Nessa, Mello destacou a importância da prática regular de exercí-cios físicos por intermédio da Ginástica, e teceu críticas à falta de interesse e interven-ção do governo brasileiro sobre a Educação Física Escolar. Consta que sua Defesa de Tese foi presenciada por D. Pedro II, à épo-ca, Imperador do Brasil. Outras duas impor-tantes teses reforçam o pensamento ideário predominante: a de Afrânio Peixoto, médico baiano que fez carreira no Rio de Janeiro, membro da Academia Brasileira de Letras, professor de História da Educação e Reitor da Universidade do Brasil, um dos que bem representava o pensamento em defesa do “embranquecimento” da raça brasileira por intermédio da mestiçagem e; a do médico mineiro João da Matta Machado, um dos principais apologistas de uma Ginástica com mentalidade científica, médica e higie-nista, nas escolas (GÓIS JÚNIOR, 2013).

Associada à oficialização do Sistema Alemão de Ginástica na Escola Militar, a

multiplicação e propagação de inúmeras Sociedades (civis) de Ginástica criadas pe-los alemães e as inúmeras publicações na-cionais e estrangeiras em torno do tema, em especial, a publicação da tradução do Novo Guia para o Ensino da Ginástica nas Escolas Públicas da Prússia, em 1870, por ordem do Ministro do Império, impulsionaram a inclu-são da Ginástica nas escolas primárias da Corte, em meados do século XIX (ARANTES, 2008), com a consequente adoção desse método. Dessa forma, para além de sua pre-sença no âmbito militar e como prática so-cial já estabelecida, a Ginástica alcançava o sistema escolar civil da época.

Em 1837, “um dos anos mais fecundos para as iniciativas educacionais”, o Deputa-do pela Província da Bahia, Antônio Ferreira França, apresenta projeto para criação de uma “sociedade escolar” e, na continuidade, obtém autorização para criação da “escola primária superior”, onde introduz a Ginásti-ca como ‘cadeira’ (disciplina) integrante da instrução primária (MARINHO, s/a, p.23-24).

Nesse mesmo ano, é fundado o Colégio D. Pedro II (CPII) (CARDOSO, 2003), com o objetivo de servir à elite da capital com uma formação diferenciada, que incluía a Ginásti-ca, junto com a Música e o Desenho, como disciplinas de seu currículo escolar, que teve em Guilherme Luiz Taube, ex-Capitão do Exér-cito Imperial, como o primeiro professor de Ginástica, em 1841 (GÓIS JUNIOR, 2013). Alguns anos após a saída de Taube, Pedro Guilhermino Meyer, o mesmo que havia sido alçado anteriormente a contramestre de Gi-nástica da Escola Militar, assumiu a direção das lições de Ginástica do CPII, encaminhan-do uma grande demanda de compra de apa-relhos de Ginástica ao Ministro do Império, consolidando cada vez mais o formato ginás-tico das aulas de Educação Física no colégio (CUNHA JUNIOR, 2008). Coadunamos com a percepção de Cunha Junior de que os milita-res contribuíram para além da direção das li-ções de Ginástica e de Educação Física, mas também na organização didática e na elabo-ração dos recursos materiais, aparelhos e utensílios, utilizados nas aulas.

Sancionada em 1854 pelo Ministro do Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz, a Reforma Couto Ferraz, apresentada por

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este, quando ainda Deputado, na Assem-bleia Geral Legislativa, em 1851, instituiu o Regulamento da instrução primária e secundária do Município da Corte, que tor-nou obrigatória a Educação Física nas es-colas da capital da Corte, estabelecendo a Ginástica como disciplina obrigatória para o ensino primário (LIMA, 2012; MARINHO, s/a). De início, houve resistência popular quanto à prática da Ginástica por parte das meninas, muito provavelmente em decor-rência da associação, dessa, com as insti-tuições militares (LIMA, 2012), o que, muito provavelmente, estimulou a publicação do Decreto no 7.654, de 06 de março de 1880, que baixou novo regulamento para a Esco-la Normal de Municípios da Corte, instituiu para a 5a série princípios de educação físi-ca, intelectual, moral e cívica e esclareceu que para a Ginástica haveria um ‘mestre’ e uma ‘mestra’ (MARINHO, s/a).

Rui Barbosa um entusiasta e defensor da prática escolar da Ginástica, é reconhe-cido por MARINHO como “O Paladino da Educação Física no Brasil” (MARINHO, 1980). Advogado e Político de grande ex-pressão, entre as décadas finais do Impé-rio e as décadas iniciais da República, Rui emitiu Pareceres fundamentais para as Re-formas do Ensino Primário, Secundário e Superior, originários da análise do Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879, “que refor-mava o ensino primário e secundário no mu-nicípio da Corte e o ensino superior em todo o Império” (MORMUL; MACHADO, 2013, p.280), “influindo decisivamente para que a Educação Física encontrasse ambiente fa-vorável ao seu desenvolvimento no campo educacional” (MARINHO, s/a, p.27).

“Em Rui, encontramos o precursor de ideias fundamentais, que, no âmbito da Educação Física, podem ser assim, con-substanciadas: (... c) distinção entre os exercícios físicos para os alunos (ginástica sueca) e para alunas (calistenia), de modo que a mulher praticasse atividades compa-tíveis com as características de seu sexo, a harmonia das formas feminis e as exigên-cias da maternidade futura; d) prática de exercícios físicos pelo menos quatro vezes por semana, durante 30 minutos, devendo ser professada a ginástica exclusivamente

higiênica e pedagógica, sem caráter acro-bático; e) valorização do professor de Edu-cação Física, dando-lhe paridade, em direi-tos e vencimentos, categoria e autoridade, aos demais professores; f) preferência nas nomeações e acessos, aos professores que tivessem habilitação no ensino da ginástica escolar, quando em igualdade de condições com os demais ...]” (MARINHO, 1980, p.164)

Em 1888, Pedro Manuel Borges publica Manual Teórico-Prático de Ginástica Escolar (Elementar e Superior), destinado aos pro-fessores das escolas, liceus e colégios, cujo conteúdo encontrava-se alicerçado no Método Sueco, que começava a dissemi-nar-se nas escolas. Assim, o Método Ale-mão ficou restrito às instituições militares. Junto com Rui Barbosa, Manuel Borges firmou importante posição em defesa da obrigatoriedade da Educação Física nas es-colas (MARINHO, s/a).

BRASIL REPÚBLICA, A PRÁTICA SOCIAL DA GINÁSTICA E A FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA

As reformas educacionais que incluíram a Ginástica na escola no início do Brasil Re-pública (BETTI, 1991), a posterior inclusão da Educação Física na Constituição brasilei-ra, tornando-se obrigatória no ensino secun-dário (RAMOS, 1982) e a adoção dos méto-dos ginásticos oriundos das escolas alemã, francesa e sueca, sob a influência dos mi-litares (MARINHO, 1982) numa perspectiva eugenista/higienista (DARIDO; RANGEL, 2005), contribuíram para a disseminação de uma cultura da Ginástica.

Com a grande imigração alemã para o Rio Grande do Sul (RS) na segunda déca-da do século XIX, em função de um clima mais favorável para sua adaptação, houve a criação de centenas de associações com va-riados propósitos, dentre essas, 47 eram de-dicadas à prática da Ginástica (Turnverein), fenômeno este que se reproduziu em ou-tras regiões do País (TESCHE in DACOSTA, 2005). Suas características originais perdu-raram até o final da quarta década do século XX quando, por força do Decreto-Lei no 383, de 18 de abril de 1838, essas sociedades de Ginástica foram nacionalizadas.

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Após o domínio inicial do Sistema Ale-mão de Ginástica, “a derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a chegada da Missão Militar Francesa ao Brasil contribuíram para que o método alemão per-desse, em nosso país, o caráter oficial que até então gozava, sendo substituído pelo método francês” (MARINHO, s/a, p.40).

A chegada da Missão Militar Francesa (MMF) ao Brasil foi estimulada por duas principais razões: o despreparo do EB e a evolução da Primeira Guerra, na qual a Fran-ça saiu-se vitoriosa. Em sua estada por aqui, a MMF muito contribuiu para a mudança de paradigma metodológico na Educação Física nacional, especialmente nas forças militares, que passaram a adotar o método francês. Como consequência, influenciou na criação da primeira Escola de Educação Física do Brasil, a Escola de Educação Físi-ca da Polícia Militar de São Paulo (EEFPM) (RIBEIRO, 2009). O primeiro curso implanta-do foi o Curso de Esgrima e Ginástica, sob o comando e direção do Capitão da MMF, Del-phin Balancier. Em 1912, o recém-chegado Capitão Louis Lemaitre, diplomado pela Es-cola de Joinville-le-Point, assumiu a Direção do Curso de Ginástica (DACOSTA, 2005).

Outra grande influência para a propaga-ção do Método Francês tem relação com a criação do Centro Militar de Educação Físi-ca (CMEF), destinado a dirigir, coordenar e difundir o novo método de Educação Física militar. Os oficiais da MMF tiveram partici-pação significativa, desde a sua concepção, passando pela seleção e recrutamento até a direção dos cursos para Instrutores e Mo-nitores oferecidos aos oficiais e sargentes do EB (MARINHO, s/a). Posteriormente, o CMEF viria se tornar a Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx).

Conforme Faria Junior (2014), no âmbito civil, a grande reforma experimentada pelo ensino secundário, com a obrigatoriedade da Educação Física para todas as classes, aderiu ao Método Francês, adotado pelo Mi-nistério de Educação e Saúde por intermé-dio da Portaria Ministerial de 1931.

Mesmo tendo sido adotado de forma oficial no Brasil, o Método Francês sofria a concorrência de outros sistemas europeus de Ginástica, principalmente, do Método

Sueco e da Calistenia, bem como, “não se fez sem críticas que partiam da ressalva de que era necessária a criação de um Método Nacional de Educação Física” (ibid, p.18).

Marinho (s/a, p.41) declara que “o pri-meiro brado a favor da implantação da ginástica sueca em nosso país” decorreu dos famosos Pareceres de Rui Barbosa, de 1882. Nestes, postulou argumentos em defesa do Sistema Sueco para o sexo mas-culino e da Calistenia para o feminino. Esta última, posteriormente, seria bastante di-fundida pela Associação Cristã de Moços (ACM), fundada em 1893, no Rio de Janei-ro, a primeira da América Latina. Em 1897, a ACM inicia as suas aulas de Ginástica, baseada no Método Calistênico (HIDAKA; SEGUI in DACOSTA, 2005).

Grande estudioso da Educação Física e da própria Ginástica, Marinho (1982), que fazia parte de um grupo que aspirava a cria-ção e consolidação de um Método Nacional de Educação Física, apresentou a proposta de uma Ginástica Nacional baseada nos movimentos da Capoeira, atividade histori-camente tipicamente brasileira e, epistemo-logicamente, de múltiplo entendimento: um misto de exercício físico, arte, luta e dança. Aspirava, principalmente, a adoção do seu método nas escolas. Inezil criou e divulgou, mas, apesar dos elogios e reconhecimento ao seu trabalho, por motivos diversos, não conseguiu a aceitação e consolidação do seu método.

Para além da formação de Instrutores nas escolas militares, “novos instrutores eram formados também na antiga Escola Normal da Corte”, entre eles, um se desta-caria, Arthur Higgins (MAGALHÃES, 2005, p.91) que, em 1896, publicaria Compêndio de Ginástica e Jogos Escolares, livro adota-do pela Escola Normal e pelo Ginásio Na-cional, ambos na capital. Este estudo, bem como o manual de Pedro Manuel Borges (Manual Teórico-Prático de Ginástica Esco-lar), contribuiu para a disseminação da Gi-nástica Sueca nos escolas civis do Brasil (MARINHO, s/a).

Lima (2012) declara que o ensino da Edu-cação Física nesse período baseava-se nos métodos europeus, em especial, o sueco, o alemão e o francês, que se sustentavam em

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princípios biológicos. “Faziam parte de um movimento mais amplo, de natureza cultu-ral, política e científica, conhecido como Mo-vimento Ginástico Europeu, e foi a primeira sistematização científica da Educação Física no Ocidente” (ibid, p.152).

Com a expansão da atividade física para a sociedade civil, a necessidade de uma melhor formação em Educação Física ficou latente. Conforme Grunennvaldt (2006, p.8), “na década de 1930, as discussões em torno da Educação Física eram acaloradas, época marcada pelas preocupações que persona-lidades, ligadas a instituições educacionais, destinavam ao trato das questões afetas à formação, organização e difusão da Educação Física, num país que pretendia se industria-lizar e que apresentava um contingente po-pulacional bastante heterogêneo, precisando ser organizado à luz do progresso”.

Na Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas à chefia do Governo Provisório, a Educação Física assume status diferen-ciado no Governo Vargas, fazendo parte de ações governamentais sistemáticas, tornan-do-se uma área específica do Ministério da Educação e Saúde (ALMEIDA, 2010). Nessa direção, em 1933, nos primeiros anos da Era Vargas, surge a Escola de Educação Física do Exército (EsEFEx), que pode ser consi-derada como a célula-mãe na formação de profissionais de Educação Física no País (MAGALHÃES, 2005, p.93).

Grunennvaldt (2006) destaca que o VII Congresso Nacional de Educação realizado no Rio de Janeiro, em 1935, foi um momento estratégico, neste sentido. Neste, a Educa-ção Física recebeu destaque, onde uma Co-missão composta por sujeitos da esfera civil e militar foi criada para discutir questões fundamentais ao destino da formação em Educação Física. “As conclusões extraídas das teses sobre a organização de institutos ou escolas de Educação Física do VII Congres-so Brasileiro de Educação apontavam que ficaria a cargo do Governo a criação de uma Escola Normal de Educação Física, anexada à Universidade do Rio de Janeiro, articulada com a Faculdade de Educação, Ciências e Le-tras, a ser criada” (ibid, p.09).

Assim, em 1938, a EsEFEx cria um curso de emergência visando a formação de Ins-

trutores que, ao se formarem, juntaram-se a alguns militares, médicos e destaques es-portivos da época para formar o que seria o primeiro corpo docente da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD) da Universidade do Brasil, criada em 1939 (MA-GALHÃES, 2005), atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Decididamente, a década de 30 foi rica em eventos decisivos para os rumos da Edu-cação Física. Em decorrência do contexto político no cenário internacional, com a as-censão das ideologias fascistas e nazistas, essa década presencia o ‘retorno’ do ideá-rio eugenista, com certa força, visitando as instituições militares de todo o mundo, também no Brasil, que por intermédio do EB experimentou “um movimento em prol do “ideal” da Educação Física que se mescla-va aos objetivos patrióticos e de preparação pré-militar” (LIMA, 2012, p.152).

Com efeito, em seu trabalho, Corrêa (2013) relata que esse ideal está presente em todos os números da Revista de Educação Física do Exército, entre os anos de 1932 a 1939, deixan-do evidente um princípio básico que orientava as suas matérias: “o princípio da cientificidade na promoção de uma nacionalidade racional pelo aperfeiçoamento da raça. Por isso, há uma veiculação ideológica de exaltação à suprema-cia da raça calcada em princípios científicos da ciência moderna” (ibid, p.187).

Em função do contexto bélico dessa dé-cada e do êxito das operações militares nor-te-americanas na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a proposta de treinamento físico militar dos Estados Unidos da América (EUA) ganha evidência, despontando em seu mode-lo o seu método de treinamento fundamenta-do nas bases da Calistenia (RIBEIRO, 2009).

Todavia, o discurso eugenista não con-seguiu se sustentar durante muito tempo, frente aos fortes objetivos higiênicos e de pre-venção de doenças, obviamente, muito mais afins ao contexto educacional (LIMA, 2012).

As escolas de formação em Educação Fí-sica e as ofertas públicas e privadas de cur-sos especiais de treinamento promoveram a consolidação de alguns métodos já desen-volvidos no País, bem como, a apresentação de novas metodologias, produzindo novos conhecimentos e possibilidades de inter-

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venção na área. Na metade do século XX, “a Calistenia fazia parte do currículo da Escola Nacional de Educação Física, considerado “currículo padrão” para as demais Escolas de Educação Física existentes no País” (FARIA JUNIOR, 2014, p.19), assim como, o Depar-tamento de Educação Física do Estado de São Paulo empreendeu iniciativa convidan-do palestrantes internacionais, professores dos países europeus, que trouxeram a Gi-nástica Moderna Sueca, a Ginástica Natural Austríaca e a Ginástica Desportiva Genera-lizada (BARROS, 1998). Desde então, a am-pliação do espectro de métodos ginásticos europeus em solo brasileiro cresceu signi-ficativamente, alcançando os diferentes es-paços destinados à prática da Ginástica.

Praticada nas ACMs e nas Escolas Ame-ricanas, criadas em nosso País, pelos filhos de diplomatas que serviam à ACM e à Mari-nha do Brasil (MB), e inserida na estrutura curricular dos Cursos de Educação Física das Escolas de Educação Física do Brasil, a Calistenia, em seu novo formato metodo-lógico, a Nova Ginástica, ganhou prestígio e penetração nas aulas de Ginástica realiza-das em escolas e clubes sociais (MARINHO, 1953; MARINHO, s/a).

Paralelamente, entre as décadas de 30 e 40, surgiu um novo modelo de espaço destinado à prática de atividades físicas. Inicialmente nominados de ginásios, estú-dios ou escolas, com o passar do tempo, as academias de ginástica, sua denominação atual, (CAPINUSSÚ in DACOSTA, 2005), ab-sorveram os diversos Métodos Europeus de Ginástica, especialmente a Ginástica Sueca e a Calistenia, mais ainda essa última (NO-VAES, 1991).

A Calistenia foi o método que mais influen-ciou a Ginástica praticada nas Academias de Ginástica do Rio de Janeiro. Na década de 70, os exercícios calistênicos tiveram o seu espec-tro de possibilidades ampliado, na medida em que novos recursos de Ginástica foram adicio-nados às aulas. Com o passar dos anos, as aulas de Ginástica foram ganhando um novo formato. Influenciada pelas metodologias de treinamento com pesos (atualmente, comu-mente conhecida como Musculação), esse novo modelo passou à denominação de Gi-nástica Localizada (exercícios realizados com

o peso corporal e com sobrecarga), atividade tipicamente carioca que influenciou o seg-mento de atividades físicas nas Academias de Ginástica de todo o Brasil, até os nossos dias (COSTA, 1996; COSTA, 1998).

Na década de 80, a Ginástica Aeróbica invadiu as terras brasileiras, ampliando as possibilidades metodológicas da Ginásti-ca. Esse movimento decorreu do sucesso do Método Cooper, criado pelo médico Dr. Kenneth H. Cooper, na década de 60. Com a publicação e popularização do seu livro Ae-robics, em 1968, que versava sobre a sua pesquisa desenvolvida com marinheiros norte-americanos. Buscando proporcionar melhorias físicas nas Forças Armadas nor-te-americanas, Cooper acabou dando desta-que às atividades aeróbicas, que acabaram por ganhar a população, que passou a pra-ticar o jogging (corrida) (CEAS e col., 1987).

Com o objetivo de potencializar os resul-tados aeróbicos dos seus alunos, Jack Soren-sen divulga o seu Aerobic Dancing, em 1971, utilizando passos simples coreografados de dança ao ritmo da música, estimulando a continuidade dos movimentos com vistas ao desenvolvimento do componente aeróbico. No final da década de 70, Jane Fonda apre-sentou um programa denominado Workout, que mesclava saltitamentos (exercícios que simulam marcha e corrida, e suas variações de movimentos) com exercícios localizados (NOVAES, 1991). Essas novas metodologias de Ginástica foram absorvidas rapidamente e alcançaram grande sucesso nas Acade-mias de Ginástica dos EUA. Na década de 80, chegaram ao Brasil por intermédio dos grandes Congressos de Educação Física que militavam com este novo mercado, denomi-nado Fitness. Aqui chegando, rapidamente, a Ginástica Aeróbica foi adotada pelas Aca-demias de Ginástica do Brasil, que experi-mentavam grande crescimento a partir deste período, e incorporada como última grande contribuição que representou quebra de pa-radigma na Ginástica.

Posteriormente, novas possibilidades de atividades aeróbicas surgiram, algumas como variações metodológicas da Ginástica Aeróbi-ca, outras, decorrentes da utilização de novos recursos materiais, onde destacamos o Step Training, o Jump, o Cycling Indoor e o Running.

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Como desenvolvimento dos estudos e pesquisas na área de Educação Física e afins, “estimulado pelo movimento em favor da Educação Física como área acadêmica”, iniciado em 1964, nos EUA (BARROS, 1998, p.14), para além das mudanças e contro-vérsias que ocorreram dentro da área, no-vos conteúdos e conceitos foram desenvol-vidos e incorporados na Educação Física e, consequentemente, na prática da Ginásti-ca, ampliando os entendimentos iniciais eugenista e higienista, que carregava, com novas propostas que visitaram sua práxis: esportista, na década de 70; da aptidão físi-ca, na década de 80 e da cultura corporal, na década de 90, até os mais recentes de saúde e bem-estar.

Exceto o ideário eugenista, fortemente marcado pelo objetivo de melhorar a raça e colocar em destaque a sua nação em relação aos outros países, estimulado pelos governos dos países nos quais foram criados esses métodos, fato notadamente observado em muitos dos métodos do Movimento Ginástico Europeu, atualmente, desfrutamos da possi-bilidade multicultural de concepções, fina-lidades e objetivos presentes na Ginástica que, a bem da verdade, pela riqueza histórica e sua presença intimamente relacionada à história da humanidade, deveria ser elevada à categoria de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A História da Ginástica e, consequente-mente, da própria Educação Física institu-

cionalizada no Brasil se confunde com a dos militares. Sua introdução, à época do Impé-rio, dá-se a partir da chegada da Corte Portu-guesa em nossas terras. Em sua permanên-cia no Brasil, D. João VI, o Príncipe Regente, implanta diversas Instituições importantes visando o desenvolvimento da Colônia, em sua preparação para o seu processo de In-dependência, dentre essas, a Academia da Marinha e a Escola de Medicina viriam ser protagonistas no processo de implantação da Ginástica, inicialmente, apenas no âmbi-to militar para, num segundo momento, se inserir no educacional.

Durante mais de um século e meio, os ideários eugenistas e higienistas predomi-naram, contribuindo para a lenta difusão da Ginástica. Apenas a partir da metade do século XX, em função do desenvolvimento científico e tecnológico experimentado, é que a Ginástica desfrutou de um desenvol-vimento mais célere e amplo, ao incorporar novos métodos e ampliar o seu acervo, to-dos aqueles que mereceram posição de des-taque, ainda eram oriundos da esfera militar ou médica.

Por fim, podemos compreender que somente nas décadas finais do século XX, marcadamente pela iniciativa no campo ci-vil, a Ginástica conseguiu se “desvincular” da produção médica-militar para a produ-ção endógena, quer seja, dentro da própria área e realizada por profissionais de Edu-cação Física, para que pudesse atender às suas próprias expectativas conceituais, como também, às demandas decorrentes do desenvolvimento social.

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