HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como...

40

Transcript of HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como...

Page 1: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise
Page 2: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO LINGUISTICO PARA CRIANÇAS COM SURDEZ NA EDUCAÇÃO INFANTIL

BEATRIZ AMORIM FAVARO1 DENISE ELIZABETH HEY DAVID2

Resumo: Este trabalho prático propõe estratégias para aquisição da linguagem e da comunicação da criança com surdez na educação infantil por meio de histórias infantis antes que inicie o processo sistemático de alfabetização. Ele está centrado na utilização adequada e planejada de atividades para desenvolver as habilidades auditivas, o enriquecimento linguístico e o gosto pela literatura dos alunos com surdez e propiciar aos professores uma base teórica e sugestões de atividades pedagógicas desenvolvidas dentro do contexto das histórias infantis, além de sugestões práticas que podem ser desenvolvidas no ambiente escolar. Para tanto, foram analisadas e selecionadas duas histórias infantis adequadas ao nível escolar do aluno e ao conteúdo pedagógico da escola, propondo estratégias para desenvolver estas histórias, adaptando recursos pedagógicos e avaliando a eficácia das estratégias desenvolvidas. Dentre as estratégias elaboradas destacam-se o teatro de fantoches, dramatizações, vivências e atividades de alfabetização e outras que envolveram os conceitos básicos, tais como noções de classificação, números, cores, tamanho, altura, largura, igualdade, diferença, orientação espacial, oposto, formas entre outros. As histórias selecionadas para a prática favoreceram o processo de imaginação e a construção de um vocabulário mais rico. As crianças participantes apresentaram evidente enriquecimento lingüístico não apenas quanto ao desenvolvimento das habilidades auditivas, mas, também, de leitura e escrita com significado. Por meio das atividades pedagógicas a criança desenvolveu a imaginação e interagiu com seus pais e pares. Portanto, preparou-se para um segundo momento importantíssimo em sua vida que é a aquisição da linguagem falada e escrita, possibilitando assim uma maior interação social.

Palavras-chave: Histórias infantis. Linguagem. Surdez. Enriquecimento linguístico.

1. INTRODUÇÃO

A criança que ouve, quando inicia o processo de escrita, conta com uma

linguagem bem desenvolvida, pois participa dos diálogos entre adultos e outras

crianças. Na criança com surdez, a relação grafia (letras) e som, durante o processo de

aquisição da escrita não têm sentido, tornando comum iniciarem o aprendizado formal

da escrita sem ter estruturado a linguagem verbal oral, mesmo que usem diferentes

recursos para se comunicar (gestos, fala, sinais, expressão). Ela geralmente dá lugar à

1 Professora Especialista em Educação Especial na Área de Surdez. 2 Professora Doutora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

Page 3: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

sistematização da linguagem verbal pela significação, isto é, a criança retém o que tem

significado para ela. Para dominar a língua não basta saber alguns nomes é preciso

entender seu funcionamento e isto só se consegue dialogando.

Linguagem não é somente aquilo que é dito, oralmente, em sinais manuais ou de

forma escrita. Aquilo que se diz, tem significado porque já fez e faz parte de

acontecimentos e situações construídas pelo homem. A linguagem envolve

acontecimentos do mundo que vão formando a história do homem, ao mesmo tempo

em que são formados por ela por meio das relações interpessoais que se estabelecem

entre os seres humanos nos diferentes papéis que ocupam.

Contada ou lida, a história infantil insere a criança num viver-reviver que a ela

chega pela magia das palavras, das ilustrações ao mesmo tempo em que forma seu

imaginário. Exige que a criança recorra ao seu conhecimento de mundo, às suas

experiências em linguagem, que resgate de sua memória experiências. As histórias

infantis se transformam num jogo imaginário, num faz-de-conta e despertam na criança

a necessidade de se expressar e de se comunicar. A fantasia que a criança cria em sua

imaginação, a partir de uma história que lhe é, de alguma forma narrada, é possível por

meio da linguagem. As crianças entram na narrativa que podem ser empregadas de

forma atual para falar sobre verdades, lealdade, bondade entre outros valores

importantes para a vida. Também promovem uma educação libertadora, pois possibilita

o pensar, o indagar fazendo o aluno ter suas próprias conclusões.

Segundo Vygotsky (1987), “a criança que possui um déficit sensorial não se

desenvolve menos que as outras, apenas de forma diferente, apropriando-se do sentido

de maneira própria e inerente a sua dificuldade”. Portanto, todas as crianças são

capazes de adquirir linguagem. A linguagem faz parte da vida do homem e é construída

desde o seu nascimento.

Ainda, para Vygotsky, o verdadeiro curso do desenvolvimento do pensamento vai

do social para o individual. É no significado das palavras que o pensamento e a fala se

unem em pensamento verbal. É no significado, então, que podemos encontrar as

respostas às nossas questões sobre a relação entre o pensamento e a fala.

A linguagem é a manifestação mais clara da função simbólica, e quando se fala

em comunicação, esta não está ligada somente à fala, mas também à linguagem

Page 4: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

corporal, através da qual a criança pode representar diferentes situações, usando seu

próprio corpo (gestos, mímicas, dramatizações, imitações). A criança vai

progressivamente se desenvolvendo e construindo, na interação com o meio, as

estruturas cognitivas que lhe permitirão conhecer o mundo e estabelecer as relações

que lhe permitirão entender esse mundo em suas múltiplas dimensões.

Todas as experiências de brincadeiras da criança são oportunidades para

adquirir e desenvolver a linguagem. O desenvolvimento da linguagem é um processo

ativo, de descobrir o significado da palavra e usá-la de forma adequada à situação e ao

contexto. Quando a criança entra na escola, está inserida em um ambiente estimulador

e verbal onde vai desenvolver a linguagem. Muitas palavras novas aparecem

carregadas de significado. A fim de compensar a falta de informação auditiva, a criança

com surdez explora o mundo por meio da atividade motora e segue o movimento das

pessoas no ambiente tentando compreende-los. Gradualmente desenvolve a habilidade

para compreender a fala por meio da leitura orofacial, utiliza gestos para se comunicar e

com os avanços tecnológicos, as crianças com surdez têm possibilidades de acesso às

informações da linguagem oral por meio da audição: o Aparelho de Amplificação

Sonora (AASI) e o Implante Coclear Multicanal (ICM) que permitem maior interação

num mundo onde a comunicação é basicamente auditiva e verbal.

De acordo com Estabrooks (2004), hoje a criança com surdez tem potencial para

escutar, pois os aparelhos de amplificação sonora individual e o implante coclear

proporcionam a ela o acesso ao mundo dos sons e da linguagem oral. Segundo Pollack

(1970), usar a informação auditiva, recebida por meio destes dispositivos eletrônicos,

favorece a integração bio-psico-social dessas crianças, capacitando-as, à interação na

vida acadêmica e social.

A educação infantil tem como um dos desafios, desenvolver uma prática

pedagógica voltada para atender às necessidades da criança, que já esta vivendo os

processos envolvidos na linguagem escrita, em todos os seus aspectos. Em relação à

alfabetização, o objetivo a ser alcançado não é mais o de desenvolvimento de

prontidões para o ensino fundamental e passou a ser compreendida como um

processo, no qual a educação infantil tem papel ativo e peculiar.

Page 5: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

Alguns estudos já demonstraram o importante papel que a história infantil

desempenha nos processos de aquisição e desenvolvimento da linguagem humana.

Constataram o sucesso alcançado no processo de alfabetização por crianças que, no

ambiente familiar, tiveram um contato substancial com a literatura infantil.

Por meio das histórias, a criança vai construindo seu conhecimento da linguagem

escrita, que não se limita ao conhecimento das marcas gráficas a produzir ou a

interpretar, mas envolve gênero, estrutura textual, funções, formas e recursos

linguísticos. A criança aprende pela experiência a satisfação que uma história provoca;

aprende a estrutura da história, passando a ter consideração pela unidade e seqüencia

do texto; associações convencionais que dirigem as nossas expectativas ao ouvir

histórias; o papel esperado de um lobo, de um leão, de uma raposa, de um príncipe;

delimitadores iniciais e finais (“era uma vez” e “viveram felizes para sempre”) e

estruturas linguísticas mais elaboradas, típicas da linguagem literária.

O uso das histórias infantis na idade pré-escolar é importante para o

desenvolvimento da criança, iniciando-a como um aprendiz de leitor, porque, pelo

simples fato de estar envolvida com a história, a criança desenvolve um esquema de

texto narrativo, percebendo que em todas elas há início, meio e fim, e se envolvem de

tal maneira que, ao contá-las, têm a certeza de que realmente aconteceram, mesmo

que seja de faz-de-conta, desenvolvendo sua memória e imaginação.

É papel da escola, auxiliar na formação de leitores que produzam sentido por

meio de diálogo com diversos gêneros literários (ANDRÉ, 2004. p. 19). Uma educação

que se queira libertadora, humana e transformadora passa, necessariamente, pelo

caminho da leitura. A escola tem, portanto, um compromisso maior que é propiciar ao

aluno o desenvolvimento da sua capacidade de leitura do mundo. A organização de

uma sociedade mais justa e mais democrática, que vise ampliar as oportunidades de

acesso ao saber, não pode desconhecer a importante contribuição política da leitura.

As histórias infantis associadas a atividades didáticas devem promover bons

resultados quanto aos objetivos pedagógicos, e principalmente os cognitivos, pois no

processo de aprendizagem a função educacional de texto literário deve ser explorada,

contudo, tendo em consideração o interesse do leitor e a importância da leitura como

desencadeadora de uma postura reflexiva perante a realidade.

Page 6: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

A literatura infantil contribui para o desenvolvimento infantil, pois resgata o lúdico

na aprendizagem e proporciona um prazeroso contato com a linguagem escrita,

tornando-se uma importante ferramenta para a alfabetização. O professor quando conta

uma história, propicia às crianças seu primeiro contato com a linguagem escrita padrão,

que é diferente da linguagem oral que utilizamos para conversar, além de aumentar o

vocabulário do aluno, já que muitas das palavras que não conhece, virá a conhecer seja

por meio da audição ou ilustrações, estará promovendo o desenvolvimento de

estratégias de processamento e linguagem para o sucesso posterior na escola. Por

meio dos livros ilustrados e com pequenos textos, da história oral, da leitura de histórias

e poesias, a criança entra em mundos diferentes ao da sua realidade como afirma o

Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil: “A ampliação do universo

discursivo da criança também se dá por meio do conhecimento da variedade de textos

e manifestações culturais que expressam modos e formas próprias de ver o mundo, de

viver, de pensar [...] histórias são um rico material para isso” (BRASIL, 1998, p.139).

As vivências dentro do aspecto interacionista no cotidiano da criança com surdez

é diferente da criança que ouve, não apenas porque restringe o acesso às informações

que acontecem através do som, mas, também porque o relacionamento do adulto e de

crianças ouvintes com a criança surda e vice-versa é marcado pela diferença, o que

acaba por perceber mais as dificuldades do que o potencial que a criança apresenta

para se desenvolver, contribuindo assim, na falta de oportunidades da criança

apreender/significar o mundo à sua volta, e que torna importante o envolvimento do

adulto.

A escola tem a função de orientar e propiciar um ensino que atenda as

necessidades educacionais especiais dos alunos com surdez, isto é, os elementos que

permitam a interação social.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

(BRASIL, 1998): A prática da educação infantil deve se organizar de modo que as crianças desenvolvam também a capacidade de utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar suas idéias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva.

Page 7: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

O processo de alfabetização da criança com surdez tem sido penoso devido à

falta de vocabulário significativo que ela apresenta, por outro lado, as histórias que são

contadas ou lidas inserem a criança no mundo imaginário, que chega até ela por meio

da linguagem. Exige que a criança recorra ao seu conhecimento do mundo e às suas

experiências de linguagem. A partir deste contexto:

- Como enriquecer o vocabulário, a comunicação, a linguagem da criança com

surdez antes que se inicie o processo sistemático de alfabetização?

- As histórias infantis podem favorecer a construção do conhecimento da criança

com surdez usuária de Aparelhos de Amplificação Sonora (AASI) e Implante Coclear?

Portanto, promover a aquisição, o desenvolvimento da linguagem das crianças

com surdez e sua utilização espontânea em interações com pares e adultos é o foco

deste trabalho. Desenvolver, também, habilidades de leitura e da escrita significativas,

dentro de práticas lúdicas que caracterize a fase da educação infantil no aspecto do

letramento, e permitir a apropriação dos elementos comunicativos articulados ao

desenvolvimento das habilidades da leitura e da escrita ideográficas por meio de

histórias infantis sem prejuízos léxico-semântico na interação acadêmico social.

Desta forma, o objetivo deste trabalho foi “enriquecer a comunicação e a

linguagem da criança com surdez por meio de histórias infantis”. Para tanto, foram

delineadas e implementadas as seguintes estratégias:

• Analisar e selecionar as histórias infantis adequadas à educação infantil e

ao conteúdo pedagógico da escola especial.

• Propor estratégias para desenvolver as histórias selecionadas.

• Adaptar recursos pedagógicos para trabalhar as histórias escolhidas.

Os aspectos envolvidos na aquisição da escrita e a relevância de oportunidades

que a prática de leitura de histórias infantis pode oferecer pretende-se, então, expor

algumas sugestões práticas que podem ser desenvolvidas no ambiente escolar de

forma a atenuar as respostas para esse desafio.

Portanto, este estudo propõe estratégias para aquisição da linguagem e da

comunicação da criança com surdez na educação infantil antes que inicie o processo

sistemático de alfabetização por meio de histórias infantis.

Page 8: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

2. DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

A linguagem vem sendo estudada por várias áreas do conhecimento, como a

psicologia, a medicina, a pedagogia, a fonoaudiologia, a antropologia e outras, devido

ser uma capacidade essencial do homem. Está presente em quase todas as atividades

humanas; ela reflete capacidades cognitivas, organiza o pensamento do homem e

expressa suas emoções.

A linguagem possibilita a organização do mundo, dos conhecimentos e da

cultura. Tem a função de comunicação entre pares. É um instrumento de mediação que

caracteriza a espécie humana e é fundamental, tanto nas trocas interpessoais, como na

internalização dos processos constituídos nestas trocas. Para que uma comunicação de

fato aconteça não é suficiente que o individuo saiba integrar uma série de competências

de natureza variada, como fonológicas, lexicais, sintáticas ou morfológicas, mas

também é necessário que saiba como usar a linguagem em interação com outras

pessoas.

A escola desempenha um importante papel no desenvolvimento das habilidades

linguísticas das crianças em seu sentido abrangente, como também de suas

habilidades metalinguísticas. Por isso, é importante que as instituições de ensino se

organizem para favorecer o desenvolvimento dessas habilidades no período da

educação infantil, e também durante o ingresso da criança no ensino formal, onde a

atenção maior está nas atividades mais sistemáticas de alfabetização.

Conforme a criança vai usando a linguagem enquanto brinca ou enquanto conta

uma história ou reconta esta mesma história, é importante que ela tenha a oportunidade

para expandi-la. A etapa inicial do desenvolvimento da linguagem da criança com

surdez acompanha as mesmas etapas da criança ouvinte. A linguagem compreensiva é

a base para o desenvolvimento da linguagem na criança. Essa linguagem é aquela que

a criança recebe e entende. Ao desenvolver a linguagem compreensiva, ela

apresentara a linguagem expressiva também. A linguagem expressiva é a linguagem

que usamos para expressar nossos pensamentos e idéias. O desenvolvimento da

linguagem é um processo ativo, de descobrir o significado das palavras e usá-las de

forma adequada à situação e ao contexto. Todas as experiências de brincadeiras, de

Page 9: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

ouvir histórias, recontar histórias são oportunidades para adquirir e desenvolver

linguagem.

Segundo Vygotsky (1999), um organismo não se desenvolve plenamente sem o

suporte de outros de sua espécie, o que afirma que todo conhecimento se constrói

socialmente. Durante todo o percurso do desenvolvimento das funções psicológicas,

culturalmente organizadas, é justamente esse aspecto cultural, social, de interação com

o outro, que desperta processos internos e determina um sistema simbólico-linguístico

dos modos de representação da realidade. Ainda segundo o autor, o pensamento e a

linguagem estão intimamente relacionados na medida em que o pensamento surge

pelas palavras. A significação é a força motriz para essa relação: não é o conteúdo de

uma palavra que se modifica, mas a maneira pela qual a realidade é generalizada e

refletida nela. E são exatamente essas construções de significados que a criança vai

desenvolvendo internamente (como uma linguagem interna, seu modelo de produção

do pensamento) que partem da fala socializada, da fala dos outros que a cercam.

Bakhtin (1992) explicitou teoricamente essa posição dialógica sobre a natureza

da linguagem. Segundo ele, é o diálogo a unidade real da língua. Ao observar as

situações de diálogo produzido interativamente, pode-se perceber que a fala é

"polifônica", que existem numerosas vozes atuando: a voz interna, a voz do outro, a

própria voz...; vozes caracterizadas pelas convergências e divergências presentes no

discurso dialógico, que propiciam diversas mudanças de posição que o sujeito pode

fazer, apreendendo, assim, várias facetas da realidade em que vive e representando-a

internamente de forma mais completa. Essa construção, portanto, baseia-se no que ele

chamou de uma interação socioverbal. A linguagem é a expressão e o produto da

interação social de quem fala com quem fala, acrescida do tópico do discurso.

Na narrativa, a criança organiza sua memória, planeja sua vida e compreende

melhor como funciona o mundo e as pessoas que nele vivem. Constrói também sua

autobiografia por meio das histórias que narra sobre si e seus próximos.

Segundo Bruner (1998), a narrativa é um modo de pensamento que se expressa

discursivamente e se organiza como uma história. A história envolve personagens que

têm intenções e que agem em circunstâncias e consequências que se desenvolvem

num tempo dado, criando o enredo. Segundo o autor, a principal propriedade da

Page 10: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

narrativa é a sua sequencialidade e a necessidade de um enredo que tenha significado.

Esse significado é dado pelo contexto sociocultural em que a narrativa se insere.

No que concerne à cognição, a narrativa propicia o desenvolvimento da

memória, pois não existe lembrança, ou fato, que esteja separado da narrativa sobre

ele. Ao narrar, a memória é construída: propicia também o desenvolvimento da noção

de temporalidade: ao narrar, a criança necessita colocar ordem nos eventos e ajustar

os tempos verbais: passado, presente e futuro. Ao fazer isso, ela começa a

desenvolver, mesmo que de maneira pré-lógica, a noção de seqüência temporal, de

causa e efeito: a utilização de diferentes códigos linguísticos é outra habilidade que a

criança desenvolve por meio do uso da narrativa, uma vez que ela exige e permite que

a criança desenvolva o seu conhecimento sobre os componentes estruturais dos

diferentes tipos de narrativas.

Quando uma criança relata uma história ou um acontecimento, ela atribui

desejos, crenças e interações aos personagens e, assim, desenvolve a teoria da mente,

isto é, a compreensão sobre a mente, sentimentos, desejos e pensamentos próprios e

de outras pessoas.

Para Vygotsky (1987), a interação social tem um papel fundamental desde o

início da vida. A interação com os adultos – primordialmente os pais – e pares, que a

criança entra no mundo conversacional, aprende a narrar eventos passados e contar

histórias. Eles representam a cultura, portanto, o desenvolvimento da criança está

inserido desde o início num sistema de significados culturais que vão se internalizando

e se transformando em significados pessoais. Essa concepção inclui a idéia de que a

interação com os mais experientes membros da cultura constrói uma zona de

desenvolvimento que garante à criança ultrapassar o nível de desenvolvimento atual

dirigindo-se ao nível próximo superior. É a linguagem que propicia essa transformação

e também se constitui como a ferramenta mais importante para as relações

interpessoais. É na interação com o outro que a habilidade narrativa se desenvolve.

A aquisição da habilidade narrativa pela criança é então diferente conforme o

gênero narrativo, isto é, se as crianças estão engajadas em contar histórias a partir de

gravuras, recontos de histórias tipo fábulas, histórias de fantasias ou narrativas de

experiência pessoal.

Page 11: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

Vygotsky (1987), diz que progressivamente a habilidade narrativa que

primeiramente depende quase que totalmente da orientação de um adulto, passa

gradativamente a ser internalizada, tornando a criança autônoma para narrar. Esse

processo Vygotsky chama de passagem do interpsicológico para o intrapsicológico.

Essa autonomia é conquistada bem mais tarde para a narrativa de experiências pessoal

do que para as narrativas de histórias tipo fábulas ou de fantasias ou gravuras. A

criança desenvolve gradualmente o conhecimento específico obtido por meio das

histórias infantis e vai reproduzindo, enquanto que nas narrativas de experiências

pessoais a criança precisa internalizar padrões conversacionais.

Por meio das narrativas de histórias infantis, é possível trabalhar conceitos

necessários para a prontidão na alfabetização como noções de classificação, números,

cores, tamanho, altura, largura, igualdade, diferença, orientação espacial, oposto,

formas entre outros. Estes conceitos são básicos para o desenvolvimento cognitivo de

aprendizagem.

Para Mayrink-Sabinson (1995), o processo de aquisição da linguagem oral e

escrita parte do mesmo processo geral de constituição da relação entre o sujeito e a

linguagem, estabelecida por meio da dialogia entre sujeitos que se constituem em

outros, para seus interlocutores, num movimento contínuo, o qual implica a

internalização e tomada da fala do outro pelo sujeito, ao mesmo tempo em que dela se

distancia para torná-la sua própria.

Especificamente em relação à linguagem escrita, podemos pensar, portanto, que

a criança, mesmo antes de ler e escrever as primeiras letras, já participa ativamente

dos processos envolvidos nessa aquisição. Ela percebe, analisa, formula suas

hipóteses sobre a leitura e a escrita a que está exposta em seu cotidiano.

Segundo Contini (1988), uma criança exposta a um ambiente propício, ou seja,

material escrito e pessoas que o manuseiem, incluindo a própria criança, já estaria

apreendendo seus usos e funções como forma de comunicação antes mesmo dos dois

anos de idade.

Ainda, para Mayrink-Sabinson (1995), o sujeito age sobre as informações que

recebe do ambiente e produz a própria linguagem por meio de esquemas assimilados e

previamente construídos. Assim, podemos dizer que a leitura e a escrita já não podem

Page 12: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

ser encaradas meramente como atos de codificação e decodificação, de identificação

de palavras. Elas envolvem uma gama de outros processos que propiciam a aquisição

deste "novo" código pela criança, mas que está inserida num contexto mais amplo de

aquisições de linguagem que perdura até a fase adulta. E é nesse sentido que aprender

a ler e a escrever implica a constante construção de significado dessas atividades.

O uso das histórias infantis na educação infantil pode ser uma proposta de

realização de atividade pedagógica que vise à promoção da consciência fonológica

(diferenciação entre significados e significantes e atenção aos aspectos sonoros destes

últimos), facilitando assim a compreensão da relação entre a linguagem oral e escrita e

consequente aquisição desta última. Essa forma de contato com a linguagem escrita,

por outro lado, também oferece informações sobre um dos papéis funcionais que ela

pode desempenhar dentro da comunicação.

As histórias são um denominador comum a todas as crianças. E, pode-se refletir

sobre o impacto e a fascinação que as histórias exercem sobre elas, de qualquer raça,

faixa etária e inserção social.

Assim, para que uma história realmente prenda a atenção da criança, deve

despertar sua curiosidade. Mas, para enriquecer sua vida, deve estimular sua

imaginação, ajudando-a em seu desenvolvimento intelectual, propiciando-lhe mais

clareza em seu universo afetivo, auxiliando-a a reconhecer, mesmo de forma

inconsciente, alguns de seus problemas e oferecendo-lhe perspectivas de soluções,

mesmo provisórias.

Muito mais do que um adulto, a criança vive as experiências do tempo presente,

e possui apenas vagas noções do futuro, mesmo assim de caráter imediato. Portanto,

suas ansiedades frente a eventuais problemas e angústias do cotidiano são

supostamente bastante profundas, e é justamente no enriquecimento de seus recursos

internos para enfrentá-las que as histórias infantis são um benefício. "É exatamente a

mensagem que os contos de fada transmitem à criança de forma múltipla: que uma luta

contra dificuldades graves na vida é inevitável, é parte intrínseca da existência humana

- mas que, se a pessoa não se intimida mas se defronta de modo firme com as

opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos, e ao

fim emergirá vitoriosa" (BETTELHEIM, 1980). Segundo o autor, que elegeu

Page 13: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

especialmente os contos de fada e suas relações benéficas para o desenvolvimento

psíquico da criança como objeto de seus estudos, a maioria das histórias tem seu

enredo desenvolvido baseando-se na equação: estabilidade + problema + solução =

estabilidade, e trabalha assim uma série de ansiedades da criança. Especialmente os

contos de fada que tratam de assuntos existenciais, como morte de progenitores,

perigos, o mal e o bem, etc. Eles colocam dilemas existenciais de forma simples e

categórica, o que possibilita à criança experienciar o problema de forma mais essencial

e trabalhar suas angústias com mais nitidez.

3. LITERATURA INFANTIL “Cada ancião que morre é como uma biblioteca que se

queima” (HAMPATE BA, 2012).

As histórias surgiram para transmitir a tradição de um povo. Os adultos e as

crianças se juntavam em torno da fogueira para ouvir histórias. A partir das adaptações

dos contos populares contados por pessoas comuns, surge a Literatura Infantil. Antes

disso, não havia preocupação em incluir a literatura infantil na família ou na sociedade,

porque a infância era totalmente desconsiderada. As crianças participavam, juntamente

com os adultos, da vida política e social.

Quando a infância surge, com conotação sócio-econômica no seio da sociedade

burguesa do século XVIII é que se enfatiza o ser infantil no âmbito pedagógico,

iniciando assim, o interesse da criação de uma literatura específica, onde a adaptação

dos contos populares e folclóricos alavancasse a inserção da criança culturalmente na

sociedade. A Literatura Infantil passa, então, a ser considerada uma vertente da

literatura geral, expandindo da França para a Inglaterra, onde se fortaleceu com a

Revolução Industrial, que marcou o período com renovações nos setores econômicos,

sociais, políticos e ideológicos.

A literatura infantil emerge, atuando na educação da sociedade infantil burguesa.

Em meados do século XVIII, o inglês John Newberry, fundou a Biblioteca Juvenil,

primeira editora de livros para crianças. Neste século, houve, também, outra grande

mudança na sociedade, a escola surge como uma instituição que tinha como objetivo,

Page 14: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

fortalecer a política e a ideologia burguesa. Com o crescimento e a popularização da

escola, a Literatura Infantil adentra o século XIX com grande força. A literatura passa a

ser escrita e reescrita. Pode-se dizer que é nesse momento que a criança entra como

um valor a ser levado em consideração no processo social e no contexto humano

(COELHO, 1985, p. 108).

Algumas obras foram publicadas, no século XVII, durante o classicismo francês e

posteriormente classificadas como literatura infantil, tais como: Fábulas de La Fontaine,

editada entre 1668 e 1694; Os Contos da Mamãe Ganso, de Charles Perrault,

publicado em 1697. Charles Perrault foi um dos primeiros estudiosos a acreditar que a

literatura infantil deveria divertir e ensinar. É considerado o grande precursor da

literatura infantil, apesar de ter negado o gênero ao atribuir a autoria de Os Contos da

Mamãe Ganso, (coletânea de vários contos) como: Pele de Asno, Barba Azul, O Gato

de Botas, A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, Pequeno Polegar,

Cinderela, As Fadas, Pele de Asno a seu filho, por temer ser ridicularizado pela

Academia Francesa de Letras, da qual fazia parte. No entanto, por meio destas obras,

tornou-se imortalizado.

Ao longo dos tempos os contos de fadas passaram por transformações na

medida em que eram recontados, influenciados pelos contextos históricos, culturais e

artísticos. Isto faz com que tenhamos diferentes versões de uma mesma história, como

por exemplo, a história do Chapeuzinho Vermelho (que para Perrault termina com o

lobo comendo a Chapeuzinho Vermelho e a sua avó) e na história dos irmãos Grimm,

tem um caçador que abre a barriga de lobo e salva as duas.

Em 18l5, os Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm Grimm), produzem o segundo

volume dos Contos da Criança e do Lar, reimpressos em 1819. Em 1825 era publicada

uma obra onde condensava todas as histórias. Escreveram seus contos baseados na

memória popular de seu povo, como narrativas de lendas e contos folclóricos, todas

conservadas por tradição oral. Seus contos agradavam tanto os adultos como as

crianças, pois continham o fantástico, a fantasia e o mítico. Em seus contos sempre há

uma mensagem positiva, fortalecendo a concepção de que quem faz o bem recebe o

bem, e quem faz o mal, leva o mal. As bruxas, monstros, lobos e dragões usados nas

histórias serviam como um alerta para as crianças dos perigos da vida. Em suas

Page 15: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

histórias há sempre mensagens de esperança e confiança. Os personagens lutam

pelos seus ideais. Há uma preocupação fundamental com a sobrevivência e as

necessidades básicas do indivíduo. Algumas de suas histórias são: Chapeuzinho

Vermelho, Joãozinho e Maria, A Branca de Neve e os Sete Anões, A Bela Adormecida,

Rapunzel, O Rei Sapo ou Henrique Ferro, Rumpelstilskin, O Ganso de Ouro, Os

Músicos do Bremen, A Gata Borralheira, O Pequeno Polegar e outros.

Hans Christian Andersen retratava em suas obras o cultivo dos valores de seus

ancestrais, revelando o valor de sua raça nórdica com grande patriotismo. Seguia a

linhagem dos irmãos Grimm, porém com obras mais amadurecidas. Teve 168 contos

publicados entre 1835 e 1872, entre eles estão: O Patinho Feio, Os Sapatinhos

Vermelhos, O Rouxinol e o Imperador da China, O Soldadinho de Chumbo, Os Cisnes

Selvagens, A Roupa nova do Imperador, João e Maria, João Grande e João Pequeno,

entre outros.

Outras obras fizeram sucesso e são conhecidas até hoje, como: Alice no País

das Maravilhas, de Lewis Carrol; Pinóquio, de Collodi; Os Três Mosqueteiros, de

Alexandre Dumas; Mogli, o Menino Lobo, de Rudyard Kipling.

Enquanto a Europa lançava seus primeiros livros infantis às vésperas do século

XVIII, no Brasil, a produção e publicação tiveram início quase no século XX, embora

haja alguns registros datados do século XIX. Tudo começou com a implantação da

Imprensa Régia por D. João VI, em 1808, quando algumas obras literárias voltadas

para crianças começaram a ser publicadas, como a tradução de “As aventuras do

Barão Munkausen”. Entre os séculos XIX e XX, a produção de livros infanto-juvenis se

fortaleceu. Devido à nova visão de educação que se estabelecera no país, as traduções

e adaptações de livros firmam-se e surge a necessidade de uma literatura própria que

valorizasse a cultura brasileira.

O primeiro livro lançado no Brasil com grande repercussão no meio escolar foi o

“Livro do Povo”, escrito por Antônio Marques Rodrigues. Nesta mesma linha, foram

lançados: “Método Abílio”, por Abílio César Borges; “O Livro do Nenê”, por Meneses

Vieira; “Série Instrutiva”, por Hilário Ribeiro; entre outros. Logo após esta fase, contos

para diversão da infância começaram a ser escritos por autores nacionais, como

“Contos Infantis”, de Júlia Lopes de Almeida e “Contos da Carochinha” que foi a

Page 16: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

primeira coletânea brasileira de literatura infantil, com o intuito de traduzir, para a

Língua Portuguesa, contos estrangeiros de sucesso, iniciativa tomada por Alberto

Figueiredo Pimentel, conquistando fama por tentar popularizar a literatura no Brasil.

O principal escritor que demarcou a literatura infantil foi Monteiro Lobato. Iniciou

sua carreira na literatura infanto-juvenil com o livro “A Menina do Narizinho Arrebitado”,

publicado por sua própria editora, a Monteiro Lobato & Cia, e com o sucesso desta

obra, logo surgiram outros títulos, que misturavam o real e o imaginário, como os

personagens do famoso e lendário “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, onde os personagens

reais (Narizinho, Pedrinho, Dona Benta, Tia Nastácia, etc.) interagem com personagens

irreais (Emília, Visconde, Rabicó, Saci, etc.) e ambos existem na mesma verdade,

dentro do universo do faz-de-conta, perdurando durante o tempo e fazendo que várias

gerações morem no Sítio.

Outras obras de Monteiro Lobato, publicadas entre 1920 e 1942: “O Saci” –

“Fábulas”– “O Marquês de Rabicó” – “A Caçada da Onça” – “A Cara de Coruja” – “As

Aventuras do Príncipe” – “O Noivado da Narizinho” – “O Circo de Cavalinho” – “A Pena

de Papagaio” – “O Pó de Pirlimpimpim” – “As Reinações de Narizinho” – “Viagem ao

Céu” – “As Caçadas de Pedrinho” – “Emília no País da Gramática” – “Geografia de

Dona Benta” – “Memórias de Emília” – “O Poço de Visconde” – “O Pica-Pau Amarelo” –

“A Chave do Tamanho”, entre outras várias adaptações de contos clássicos da literatura

infantil mundial.

Após Monteiro Lobato, a literatura infantil no Brasil foi contemplada com a

contribuição de novos autores, multiplicando-se, assim, seus valores pedagógicos, com

interesse no desenvolvimento intelectual e na diversão infantil, como algumas obras

lançadas nas décadas de 1980 e 1990: O Menino Maluquinho, de Ziraldo; Marcelo

Marmelo Martelo, de Ruth Rocha; Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque; A Bolsa

Amarela, de Lígia Bojunga Nunes; A Arca de Noé, de Vinícius de Moraes, e muitas

outras.

Page 17: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

4. A LINGUAGEM, A LITERATURA INFANTIL E A CRIANÇA SURDA

Em relação à Educação de pessoas com surdez, o oralismo e o bilinguismo têm

sido foco de discussões e controvérsias e têm influenciado o processo histórico cultural

que tem formatado a concepção sobre surdez.

O Oralismo é uma abordagem que visa à integração da criança surda na

comunidade de ouvintes, dando-lhe condições de desenvolver a língua oral do país

(GOLDFELD, 1997).

Comunicação Total como o próprio nome indica, não exclui técnicas e recursos

para estimulação auditiva, adaptação de aparelhos de amplificação sonora individual,

leitura labial, oralização, leitura e escrita. Pelo contrário, prega uma total liberdade na

prática de quaisquer estratégias que permitam o resgate de comunicação, seja por

meio da linguagem oral, de sinais, da datilologia – ou pela combinação destes modos

(CICCONE, 1990).

Bilingüismo: A língua falada e a de sinais poderiam conviver lado a lado, mas

não simultaneamente. No bilingüismo o objetivo é levar o surdo a desenvolver

habilidades em sua língua primária de sinais e secundária a escrita. Tais habilidades

incluem compreender e sinalizar fluentemente sua língua de sinais e ler e escrever,

fluentemente no idioma do país, ou cultura onde ele vive (CAPOVILLA, 2000).

Todas estas metodologias envolvem a forma de linguagem para mediar o

processo ensino-aprendizagem da criança com surdez.

Quando a criança surda tem acesso, desde o seu nascimento, a uma língua

estruturada que lhe permite fazer um processo de aquisição idêntico ao das crianças

ouvintes, ela irá fazer a apropriação, de igual modo, dessa língua, tornando-se um

falante nativo da mesma e será essa a língua materna (COELHO, 2007). A fase

importante para o desenvolvimento da linguagem da criança com surdez ou não, é a

fase da pré-escola onde a criança é inserida em um contexto estimulante e verbal e

muitas palavras aparecem carregadas de significado.

“A relação com o livro antes de aprender a ler auxilia a criança a torná-lo

significativo como um objeto que proporciona satisfação. Isto ocorre porque, ao tocar,

manusear, olhar, alisar o livro e brincar com suas folhas e gravuras, a criança sente um

prazer similar ao proporcionado por um brinquedo” (ANDRÉ, 2004, p.8).

Page 18: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

A leitura durante a educação infantil tem inicio quando a criança tem o primeiro

contato com textos escritos, ainda antes de ler de forma convencional. Favorece a

expressão de idéias, emoções, sensações e, sobretudo o desenvolvimento de futuros

leitores competentes.

As histórias infantis nos trazem lições implícitas em suas páginas e em meio ao

faz-de-conta nos auxilia como ferramenta para falarmos de temas como a pluralidade

cultural, problemas sociais, discriminação entre outros. O fato de ouvir histórias na

idade pré-escolar é importante para o desenvolvimento da criança, iniciando-a como um

aprendiz de leitor, porque, pelo simples fato de escutar uma história, a criança

desenvolve um esquema de texto narrativo, percebendo que em todas elas há início,

meio e fim, e que se envolvem de tal maneira que, ao contá-las, têm a certeza de que

realmente aconteceram, mesmo que seja de faz-de-conta, desenvolvendo sua memória

e sua imaginação.

Segundo Bamberger (1995), a prática regular da leitura associada à literatura

infantil é a pré-condição para a formação do hábito e facilitador da aprendizagem.

Favorecendo essa maneira e através do desenvolvimento do vocabulário, a prontidão

para a leitura, facilita-se para a criança o começo da alfabetização.

Sendo a sala de aula, um espaço para o desenvolvimento do gosto pela leitura,

torna-se imprescindível um novo diálogo entre o livro e a criança. Não é atribuição do

professor apenas ensinar a criança a ler corretamente (domínio do código que permite

a mecânica da leitura), mas também a compreensão do livro, por meio do estímulo à

verbalização. A partir daí, pode-se falar no leitor crítico. Parece ser desmedido quando

se fala em criança, pois parece que ela é considerada incapaz de assumir uma postura

indagadora. . No entanto, como propõe Bruno Bettelheim (1980), se o livro fornece

condições para a compreensão de seu mundo interior, num primeiro momento, do real

circundante, transcendendo o âmbito familiar – ele também transmite a seu leitor um

conhecimento que possibilita construir uma concepção autônoma e, portanto, crítica da

vida exterior.

“O conto de fadas é a cartilha onde a criança aprende a ler sua mente na

linguagem das imagens, a única linguagem que permite a compreensão antes de

conseguirmos a maturidade intelectual” (BETTELHEIM, 1980, p.197).

Page 19: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

As crianças são leitores que estão em desenvolvimento; sua abordagem da vida

e do texto brota de um conjunto de padrões culturais diferentes dos padrões dos

adultos, um conjunto que pode estar em oposição à oralidade, ou talvez baseado nela.

Portanto, as crianças compreendem os textos, no sentido que os significados que

produzem são seus e privado, talvez até mais do que os adultos.

Na literatura infantil existem características de todos os gêneros, mas o gênero

que tem contado muito é o livro-lustrado. A ilustração altera o modo como lemos um

texto verbal. O livro ilustrado é um livro para os sentidos, encanta aos olhos e ao tato

antes do ato da leitura. Desperta em primeiro lugar, a curiosidade. A capa tem

importância vital para a criança pequena. Descobre-se a história além do texto, pois da

ilustração surgem outras histórias que são estimuladas pelo traçado, pelas formas,

enfim, possibilita o diálogo e a expressão da imaginação.

Os livros infantis podem explorar a relação complexa entre o significado da

imagem e o significado do texto. As palavras, os vocabulários podem interpretar as

imagens e vice-versa. Os livros ilustrados podem cruzar o limite entre o mundo verbal e

não-verbal, assim como, desenvolver a diferença entre ler palavras e ler imagens. O

visual e o verbal se apresentam com grande potencial semiótico/semântico. As imagens

em um livro ilustrado realçam o significado de uma história ilustrando as palavras.

Segundo Sonia Landes (1985), no entendimento dos ilustradores de hoje, os livros-

ilustrados lidam na realidade com dois argumentos, o visual e o verbal; e cada um pode

ser escalonado separadamente para um mutuo reforço, contraponto, antecipação ou

expansão. Sonia Landes diz também que um dos papéis das imagens em um livro-

ilustrado é realçar o significado de uma história ilustrando as palavras.

É ouvindo histórias que a criança aprende a lidar com as emoções, muitas delas

ainda desconhecidas. Conforme Bettelheim (1980), todo conto de fada emite ao

leitor/ouvinte uma idéia importante ao consciente, ao pré-consciente e ao inconsciente

que ajudam a lidar com os problemas comuns ao homem, de qualquer natureza, como

o medo da morte, o medo do abandono, sentimento de culpa, raiva, inveja, entre outros.

As histórias de fadas sempre funcionaram como uma válvula de escape para aflições

da alma infantil e permitiram que as crianças pudessem vivenciar seus problemas

psicológicos de modo simbólico, saindo mais felizes dessa experiência. O conto de fada

Page 20: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

oferece resoluções para estes problemas, pois incentiva a lutar contra as adversidades

e dá a idéia de que a vitória é possível.

Bettelheim (1980), ainda afirma que o educador não deve salientar, nos contos

de fadas, a lição moral e os conteúdos psicológicos que estes pretendem passar,

porque os benefícios do conto de fada acontecem no inconsciente.

O professor precisa conhecer a história, fazendo uma leitura prévia do texto.

Pode contar as histórias usando fantoches, dobraduras, oralmente, com apoio do livro

com ou sem ilustrações, ou livros com ilustrações e sem texto. O ato de contar histórias

permite que a criança pense, ouça, sonhe e perceba a função social da escrita. O

professor pode induzir uma conversa antes de começar a contar a história. Falar sobre

o que se trata a história, o nome do autor, onde se passa a história para que a criança

se situe no tempo e lugar. Para a criança com surdez é necessário mostrar as

ilustrações para que possa acompanhar a história.

“A leitura pelo seu próprio mecanismo de reflexão e percepção, influencia na

formação do indivíduo. Como possibilidade reflexiva, age na ativação da memória e da

criatividade, na expressão oral e escrita, ou seja, os resultados da leitura como prática

diária são cada vez melhores em qualidade e quantidade” (ROCHA, 1987, p.40).

Segundo Ana Maria Machado (2002), a infância é uma fase extremamente lúdica

da vida e que, neste momento da existência humana, a gente faz a festa é com uma

boa história contada. Quando brinca, a criança faz-de-conta. Quando cresce, sonha.

Isto é, fantasia, imagina, finge – cria uma ficção.

Como o objetivo é o de oferecer, pela leitura de histórias, um contato significativo

das crianças com a linguagem escrita, ao selecionar materiais, o professor deve ter sua

atenção voltada para a qualidade da criação, a estruturação da narrativa e suas

adequações à língua materna, procurando não perder de vista o interesse manifestado

pelas crianças. Deve também, ter em mente, ao realizar sua seleção, outros aspectos,

além da aquisição de linguagem, envolvidos no processo de desenvolvimento: o

cognitivo, o afetivo-emocional. Selecionar esses textos envolve, antes de tudo, bom

senso e cuidado especial para adequá-los, inclusive, a situações vividas pelas crianças

em determinadas épocas, podendo-se utilizar histórias que estejam de acordo com as

experiências que elas trazem para a escola.

Page 21: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

Falar os nomes dos elementos ou das pessoas que aparecem na história,

apontando nas ilustrações fica mais claro principalmente para a criança com surdez.

Deve-se motivar a criança para recontar a história com o objetivo de escutar o seu

aluno. A troca de papéis é importante para estabelecer uma relação dialógica. Durante

a história a criança constrói um texto narrativo em sua mente, memoriza e vai recontar a

história de sua maneira, com o que ficou de mais significativo para ela.

Não há necessidade de esperar pela alfabetização formal para que as crianças

se envolvam com a leitura de histórias infantis e a produção de textos. Entretanto, para

que elas se tornem efetivamente leitoras e autoras dos próprios textos, faz-se

necessário que, em algum momento do processo de alfabetização, tenham não

somente adquirido conhecimentos específicos do código alfabético, mas também dos

aspectos lingüístico-discursivos em que ele se insere. Segundo Vygotsky (1999),

ensinar a escrita nos anos pré-escolares impõe necessariamente que a escrita seja

relevante à vida (...) que as letras se tornem elementos da vida das crianças, da mesma

maneira como, por exemplo, a fala. Da mesma forma que as crianças aprendem a falar,

elas podem muito bem aprender a ler e a escrever.

As histórias infantis, consideradas como um processo lúdico neste estágio de

desenvolvimento é importante principalmente para a criança com surdez, que faz o uso

das imagens para significar. A criança começa a usar símbolos que têm importância

para ela. Depois, passa a utilizar símbolos para que algumas pessoas possam

compreender o que quer transmitir. A criança já atua no jogo simbólico: é o jogo do “faz-

de-conta”, que pode ser as histórias infantis, e que possibilita compreender melhor a

realidade. Ela passa a representar, a mostrar sua emoção e seus desejos através da

representação.

A criança tem seu jeito próprio de ler e contar histórias, pois a leitura

compreende muito mais do que decodificar letras e sílabas, implicando em um conjunto

de ações como a interpretação de desenhos e figuras. “A criança que ainda não sabe

ler convencionalmente pode fazê-lo por meio da escuta da leitura do professor, ainda

que não possa decifrar todas e cada uma das palavras. Ouvir um texto já é uma forma

de leitura” (BRASIL, 1998, p. 141). Nesta fase, a criança que tem acesso a materiais de

Page 22: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

leitura e um professor que conta histórias de forma prazerosa, desenvolverá apreciação

pela literatura e terá no professor um modelo a seguir.

É importante que o professor procure diversificar as dinâmicas utilizadas, para

contar histórias, para que a cada dia haja maior interesse por este momento e que a

criança tenha atenção. Pode-se explorar a leitura oral utilizando-se de gravuras de

apoio, da leitura simples, da história espontânea, das dramatizações com as crianças,

com os fantoches, teatro de vara e de sombra, histórias sem texto, entre outros. A partir

da história contada, pode-se partir para diversas atividades como a produção de

desenhos, pinturas, dramatizações, produção de livro coletivo, colagens, sucatas, jogos

de memória, brincadeiras com músicas estimulando a audição, seqüencia da história

por meio de fichas, reconto das histórias pelos alunos, entre outros. Na educação

infantil é possível trabalhar a literatura de várias formas e utilizando material textual

diversificado, ampliando o conhecimento de mundo da criança.

Por meio da literatura, a criança desperta uma relação com diferentes

sentimentos e visões de mundo, adequando assim, condições para o desenvolvimento

intelectual e a formação de princípios individuais para medir e codificar os próprios

sentimentos e ações. Bettelheim (1980), afirma que a criança desenvolve por meio da

literatura, o potencial crítico e reflexivo. A partir do contato com um texto literário de

qualidade, a criança é capaz de refletir, indagar, questionar, escutar outras opiniões,

articular e reformular seu pensamento.

O Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil apresenta a literatura

como uma das atividades fundamentais no processo de aprendizagem e

desenvolvimento da criança. O mesmo relata que a educação infantil, ao promover

experiências significativas de aprendizagem da língua, por meio de um trabalho com a

linguagem oral e escrita, se constitui em um dos espaços de ampliação das

capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas

crianças. Essa ampliação esta relacionada ao desenvolvimento gradativo das

capacidades associadas às quatro competências lingüísticas básicas: falar, escutar, ler

e escrever (BRASIL, 1998, p. 117).

Portanto, pode-se observar que a literatura é uma das atividades fundamentais

para o desenvolvimento da identidade e da autonomia da criança. O fato é que se

Page 23: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

desde cedo a criança estiver em contato com a literatura, a mesma poderá se

comunicar por meio de gestos, sons, faz-de-conta e que mais tarde irá desenvolver sua

imaginação. Através da literatura, as crianças podem desenvolver algumas

capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação e

outras.

Para trabalhar com a literatura, o professor deve torná-la prazerosa, atraente,

criativa para as crianças, a começar pela seleção dos livros, que devem ser adequados

à faixa etária trabalhada, a partir do seu desenvolvimento cognitivo. Para cada idade há

uma característica de leitura:

• Até os 3 anos as histórias devem ser curtas, com poucos detalhes e

personagens. Nesta idade a criança encara a história como se ela fosse real,

tudo tem vida e há comparação com sua realidade e tentativas de explicar e

mostrar como são. Geralmente gostam das que tratam de bichos, brinquedos e

objetos com personagens da vida real como papai, mamãe, vovó, vovô, irmãos.

• Dos 4 aos 5 anos, a criança começa a exigir, pouco a pouco, histórias mais

elaboradas, de simples compreensão, porém, com mais riqueza de vocabulário.

Nesta idade, a criança ainda se assusta facilmente, pois não consegue distinguir,

por completo, realidade e fantasia, por isso, é preciso tomar cuidado com a

entonação de voz. Esta fase é comum a criança criar suas próprias histórias a

partir de ilustrações e imagens. Histórias de fadas, de crianças.

• Dos 6 aos 7 anos, descobre-se um novo momento literário nas crianças, pois é a

fase que a criança começa a aprender a ler, começa a tentar decifrar as

palavras. As histórias continuam curtas, com um vocabulário simples e

conhecido, e devem conter fatos que façam parte do cotidiano, mesmo que de

modo subjetivo. Histórias de crianças, animais, encantamentos, aventuras, fadas

com enredo mais elaborado.

Page 24: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

5. METODOLOGIA

Realizou-se uma pesquisa-ação aplicada em uma escola especial, a “EPHETA”

Instituição Especializada Surdez/Deficiência Auditiva, que tem como principio norteador

o ensino da língua portuguesa escrita e falada.

Segundo Moreira (2006), a pesquisa-ação é uma intervenção em pequena

escala no mundo real e o exame de perto dessa intervenção. Na escola e na sala de

aula é um meio de sanar os problemas diagnosticados em situações específicas,

proporcionando ao professor novas habilidades, métodos para aprimorar sua

capacidade analítica e introduzir abordagens adicionais e inovadoras no processo

ensino-aprendizagem.

A escola Epheta apresenta metodologia própria que desenvolve a partir de dois

eixos: a audição, voz e fala e a produção, leitura e análise lingüística como recursos

para a inserção social do aluno (METODOLOGIA EPHETA, 2000) e está ancorada na

Legislação oficializada pelo Plano Nacional Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva (BRASIL, 2008).

A Escola Epheta, por meio da Metodologia Epheta, desenvolve a Língua

Portuguesa, direcionada para a aquisição das habilidades acadêmicas da leitura e

escrita, que pressupõe o desenvolvimento da linguagem oral, associada às outras

formas de comunicação verbal e não-verbal como o desenho, a expressão e a

linguagem corporal, a tecnologia, entre outras formas, que se complementam e se

suplementam, a fim de possibilitar o processo de interação.

O público deste estudo são crianças usuárias de Implante Coclear e AASI digital.

Os Aparelhos de Amplificação Sonora, nas últimas décadas tiveram um avanço

significativo. O Implante Coclear é um dispositivo eletrônico biomédico de alta

tecnologia, desenvolvido para realizar a função das células ciliadas da cóclea que estão

danificadas ou ausentes, e proporcionar a estimulação elétrica das fibras do nervo

auditivo remanescentes. Com o Implante Coclear, a criança tem a sensação da audição

com qualidade necessária para a percepção da fala. Todos os alunos são estudantes

da escola Epheta e incluídos no ensino regular no contra turno.

Page 25: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

6. APLICAÇÃO - HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO LINGUÍSTICO

Para o desenvolvimento deste projeto foram analisadas histórias clássicas tais

como: O Gato de Botas, A Bela Adormecida no Bosque, Chapéuzinho Vermelho,

Pequeno Polegar, Cinderela, A Branca de Neve e os Sete Anões, Rapunzel, A Gata

Borralheira, O Patinho Feio, O Soldadinho de Chumbo, João e Maria, Alice no Pais das

Maravilhas, Pinóquio, Cachinhos Dourados de Annelore Parot , entre outros.

De Monteiro Lobato foram analisadas as histórias: A Menina do Narizinho

Arrebitado, Sítio do Pica-Pau Amarelo, O Saci, Fábulas, O Marquês de Rabicó, A

Caçada da Onça, As Caçadas de Pedrinho, Memórias de Emília, O Poço de Visconde,

O Pica-Pau Amarelo, entre outras.

Livros de Autores Contemporâneos tais como: O Menino Maluquinho, de

Ziraldo; Marcelo Marmelo Martelo, de Ruth Rocha; Chapeuzinho Amarelo, de Chico

Buarque; A Bolsa Amarela, de Lígia Bojunga Nunes, A Arca de Noé de Vinícius de

Moraes, Bruxinha Zuzu e gato Miú de Eva Furnari, Pedrinho Pintor de Ruth Rocha,

Cadê meu Travesseiro de Ana Maria Machado, A Centopéia que Pensava de Herbert

de Souza – Betinho, e alguns livros de autores estrangeiros como Quando Nasce um

Monstro de Sean Taylor, Série Ernest e Celestine Perderam Simão de Gabrielle

Vincent, Flop de Laurent Cardon entre outros.

A partir dos objetivos deste trabalho, faixa etária, nível escolar, do perfil dos

alunos e suas necessidades foram selecionadas duas histórias porque apresentam

qualidade na criação, na estruturação da narrativa, adequação à língua materna,

riqueza de vocabulário, desenho gráfico relacionado com o enredo da história, fatos que

tratam do cotidiano mesmo que de modo subjetivo, personagens crianças e animais,

falam das aventuras e também porque desenvolvem as habilidades auditivas por meio

da interação e do diálogo.

Os livros selecionados foram:

1- FLOP de Laurent Cardon é um livro que desperta a curiosidade desde a

primeira página, apresenta apenas ilustrações com uma riqueza de conteúdo

expressivo, vocabulário significativo, poesia, criatividade e diversidade de expressão

artística. Os temas abordados no livro são amizade, liberdade e respeito.

Page 26: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

2- CACHINHOS DOURADOS de Annelore Parot é uma história que se passa

dentro de uma casa com uma família. Apresenta riqueza de vocabulário, linguagem e

pensamento. Desperta a memória, a atenção, a imaginação, a observação, e a

reflexão. Os temas abordados foram, a família, a casa, a proteção do lar, as partes de

uma casa, os utensílios, os móveis, entre outros.

As estratégias de ação foram utilizadas para que os alunos vivenciem as

situações das histórias para compreendê-las. Devido à perda da audição dos alunos foi

necessário estabelecer etapas para a apresentação das histórias. Os objetos concretos

foram necessários para a significação dos vocabulários.

Através da literatura, as crianças podem desenvolver algumas capacidades

importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação e outras. Para

tanto, foram utilizados jogos de memória com os elementos da história, dramatizações,

teatro de fantoches, produção de desenhos, brincadeiras com músicas estimulando a

audição, sequência da história por meio de fichas, reconto das histórias pelos alunos,

entre outros

A participação dos pais é fundamental para atingir os objetivos do trabalho. Assim, foi encaminhada para os pais, uma carta de apresentação do projeto (Apêndice

A), orientações sobre o livro trabalhado (Apêndice B). Ainda, foi enviada uma carta

solicitando aos pais para que comentem sobre o livro que seu filho levou para ler em

casa. Algumas cartas recebidas pelos pais estão apresentadas no Anexo 1. De uma

forma geral os pais perceberam a importância das histórias para o desenvolvimento da

fala e compreensão de novos vocabulários de seus filhos. Por meio das narrativas de histórias infantis, é possível desenvolver conceitos

necessários para a prontidão na alfabetização como noções de classificação, números,

cores, tamanho, altura, largura, igualdade, diferença, orientação espacial, oposto,

formas entre outros. Estes conceitos são básicos para o desenvolvimento cognitivo de

aprendizagem. Para tanto, foram elaboradas atividades pedagógicas envolvendo

noções de números, tamanho, quantidade, forma, cores, etc. Exemplos dos materiais

de apoio e pedagógicos utilizados são apresentados nas figuras 1 e 2, e o Quadro 1

apresenta algumas das atividades propostas para ambas as histórias.

Page 27: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

Figura 1 – Material de apoio

Figura 2 – Material pedagógico

Page 28: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

Quadro 1 – Exemplos de atividades elaboradas

Exemplos de atividades do livro FLOP

Exemplos de atividades do livro Cachinhos Dourados

Page 29: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

6.1 ANÁLISE E RESULTADOS DA APLICAÇÃO DO LIVRO “FLOP”

As estratégias empregadas para realização da história “Flop” são detalhadas no Quadro 2.

Quadro 2 – Implementação da História “FLOP” FLOP

Atividade proposta Implementação A história foi contada fazendo uso do livro “FLOP” e objetos concretos que representam parte da história tais como peixinhos, o aquário, o skate, o globo, os balões, as bolinhas de sabão entre outros. Os alunos realizaram a Atividade 1- Desenho da história. Os alunos levaram o livro de história para casa e ficaram com o livro durante uma semana. Os pais foram orientados sobre a atividade.

A atividade foi aplicada com sucesso. Todos prestaram atenção em todos os momentos da apresentação da história. A atividade do desenho foi realizada com atenção dentro das possibilidades de cada aluno.

Dramatização da história com a participação dos alunos. Foram utilizados elementos e objetos que tem na história. Atividades pedagógicas de sistematização da alfabetização e conceitos básicos com elementos da história contada. Atividades realizadas em papel impresso com apoio do material concreto, enfatizando a oralidade e a compreensão da história.

Foi realizada uma visita interativa para uma loja de aquário próximo à escola.

A visita na loja de aquário foi significativa, pois os alunos puderam conhecer o peixe representado na história, entre outros. A dramatização foi realizada com a participação de todos os alunos. Foram utilizados os materiais concretos que compõe a história, como por exemplo, o skate, o globo, o aquário com os peixes de plástico, carrinho de boneca, balões com formato de animais, bolinha de sabão, o chapéu do vendedor entre outros.

Realização de atividade pedagógica (circular as gravuras que lembram a história “Flop”) dando ênfase na oralidade. Revisão da história com uso do livro e fantoches de dedo. Realização de atividade pedagógica (Colocar em sequencia lógica os quadros da história).

Todos os alunos participaram com atenção, principalmente pelo fato de ser utilizados os fantoches como apoio nas atividades. O trabalho com sequência lógica foi realizado com seis quadros mais significativos da história.

Page 30: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

Revisão da história com uso do livro, fichas de sequência lógica, dedoches e objetos que lembrem a história. Jogo de memória com gravuras e palavras escritas da história. Atividade de desenvolvimento das etapas das habilidades auditivas. Discriminar, reconhecer e compreender auditivamente as palavras: flop, menino, mamãe, balão, peixe, água, fonte, e algumas frases mais significativas da história. Os alunos ainda foram incentivados a responder questões levantadas pelo professor sobre a história contada. Atividade de alfabetização com o uso de fichas com as gravuras e nome escrito. Encerramento: atividade lúdica com elementos que compõe a história como brinquedos, dedoches, jogos, fichas, papel para desenhos, fonte, peixes de brinquedos, piscina com água e peixes de plástico representando a fonte, entre outros.

Os alunos entenderam o processo do jogo de memória e participaram com interesse.

Quanto às habilidades auditivas apenas dois alunos necessitaram de pista visual (leitura labial) para desenvolver as etapas desta atividade.

Na atividade lúdica os alunos demonstraram compreensão da história por meio de expressões corporais e orais. Houve a interação com seus colegas de forma espontânea.

Page 31: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

6.2 ANÁLISE E RESULTADOS DA APLICAÇÃO DO LIVRO “CACHINHOS DOURADOS” As estratégias empregadas para realização da história “CACHINHOS DOURADOS” são as detalhadas no Quadro 3.

Quadro 3 – Implementação da História “CACHINHOS DOURADOS” CACHINHOS DOURADOS

Atividade proposta Implementação A história foi contada fazendo uso do livro “Cachinhos Dourados” e objetos concretos que representam parte da história, tais como potinho de mingau de vários tamanhos, cadeiras da sala de aula de vários tamanhos, cama feitas com caixinhas de remédio de vários tamanhos, fantoches dos personagens entre outros. Os alunos realizaram atividade pedagógica (desenho da história). As crianças levaram o livro de história para casa ficaram com ele durante uma semana. Os pais foram orientados sobre a atividade.

Os alunos prestaram atenção e participaram respondendo as questões levantadas pelo professor.

Os alunos realizaram a atividade pedagógica (contar a história de sua maneira fazendo o uso de dedoches dos personagens da história) Atividades pedagógicas de sistematização da alfabetização e conceitos básicos com elementos da história contada.

As atividades pedagógicas foram realizadas respeitando o ritmo de aprendizagem de cada aluno. Algumas crianças realizaram as atividades com facilidade. Os conceitos básicos envolvidos na história foram compreendidos pelos alunos por meio do material concreto.

Revisão da história com uso do livro e fantoches de dedo. Os alunos colocaram os quadros da história em sequência lógica. Atividades pedagógicas de sistematização da alfabetização e conceitos básicos com elementos da história contada.

Houve a interação dos alunos com o professor para contar a história. Todos ajudaram pegando os elementos que compõe a história como as caminhas, os ursos de fantoches, os potes de tamanhos diversos entre outros.

Page 32: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

As atividades pedagógicas foram realizadas com facilidade para alguns alunos. O uso do material concreto foi fundamental para a compreensão da história

Jogo de memória com gravuras e palavras que compõe a história. Atividades que permitem o desenvolvimento das habilidades auditivas: discriminar, reconhecer e compreender auditivamente as palavras e frases que compõe a história.

Encerramento: atividade lúdica com objetos concretos que representam a história como brinquedos, dedoches, jogos de memória, fichas com gravuras da história, papel para desenhos, entre outros.

A atividade com o jogo de memória foi realizada com facilidade, pois os alunos tinham aprendido sobre o jogo na história anterior. O trabalho com as habilidades auditivas foi realizado quanto ao aspecto da discriminação, reconhecimento e compreensão auditiva do vocabulário, palavras, frases e questionamentos levantados pelo professor para verificar a compreensão da história. No encerramento da história todos brincaram com os objetos concretos que compõe a história.

Page 33: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

6.3 CONTRIBUIÇÕES DOS PROFESSORES DO GRUPO DE TRABALHO EM REDE Participaram do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) 11 professores e a

contribuição do Grupo foi importante para o desenvolvimento deste projeto. Os

professores participantes puderam dar sua opinião e despertar para um olhar mais

crítico e humano, percebendo mais as possibilidades do que o limite do aluno de

inclusão, que é possível a interação com o aluno de inclusão e que o professor pode

melhorar sua prática pedagógica a partir deste olhar. Observaram que o aluno de

inclusão faz o professor buscar novos caminhos para mediar o conhecimento e a

importância de identificar e respeitar as diferenças. Pois, quando a escola identifica as

diferenças em sala de aula, possibilita a utilização de recursos e metodologias

diversificadas para garantir o direito de todas as crianças ao conhecimento.

Dentre as contribuições, citam-se três: Professor GTR 1: “A produção aborda a Linguagem como não sendo somente o que é

dito, oralmente, em sinais manuais ou deforma escrita, mas como as diferentes

manifestações e relações e aponta a literatura, através de jogos imaginários um meio

para despertar na criança a necessidade de expressar e de se comunicar, ampliando

possibilidades de interações e conclusões. O material apresenta também, subsídios

para uma prática pedagógica eficaz”.

Professor GTR 2: “As histórias infantis e os contos que tanto favorecem o processo de

imaginação e, futuramente, uma maior facilidade na construção de um vocabulário mais

vasto. Outro elemento fundamental é o lúdico como um todo: brincadeiras, encenações,

representações, músicas, exercícios de coordenação motora etc. Através do movimento

a criança interioriza novas realidades, trabalha com a imaginação, interage e expressa

sentimentos e emoções, constrói novas realidades. Sendo assim, prepara-se para um

segundo momento importantíssimo em sua vida que é a aquisição da linguagem, falada

e escrita, possibilitando assim uma maior interação com o mundo social no qual habita”.

Professor GTR 3: “Importante ressaltar que o papel da escola é auxiliar na formação do

neoleitor, e refletindo sobre o processo de aprendizagem da criança com surdez, faz-se

necessário criar possibilidades de interação social, favorecendo assim a inclusão da

criança com surdez no processo de ensino-aprendizagem, de forma efetiva e

significativa”.

Page 34: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este projeto está centrado na utilização adequada e planejada de atividades

para desenvolver as habilidades auditivas, o enriquecimento linguístico e o gosto pela

literatura dos alunos com surdez na escola Epheta e também pode ser realizado no

ensino regular, pois propicia aos professores uma base teórica e sugestões de

atividades pedagógicas desenvolvidas dentro do contexto das histórias infantis. Pois,

quando a escola identifica as diferenças em sala de aula, possibilita a utilização de

recursos e metodologias diversificadas para garantir o direito de todas as crianças ao

conhecimento. Portanto, é necessário analisar e selecionar as histórias infantis

adequadas ao nível escolar do aluno e ao conteúdo pedagógico da escola, propondo

estratégias para desenvolver as histórias selecionadas, adaptando recursos

pedagógicos e avaliando a eficácia das estratégias desenvolvidas, lembrando que o

professor deve ser um incentivador do interesse da criança pela literatura.

Por meio dos textos pesquisados e analisados foi possível compreender o

trabalho com a literatura e a diversidade de possibilidades que ele nos oferece. A

escola precisa se tornar um espaço de leitura para podermos provocar mudanças no

sentido de caminharmos para uma sociedade letrada, onde as práticas de leitura

aconteçam nos mais diversos contextos sociais, tornando-se uma prática cotidiana.

Sendo a função da escola um local de inclusão, um espaço de aprendizagem e

interação social, que oriente e possibilite um ensino de qualidade que atinja seus

objetivos com todos os alunos que atende. No caso do aluno com surdez, é necessário

um trabalho diferenciado, utilizando recursos que possibilitem a aprendizagem

significativa, e, a literatura pode ser um recurso rico de possibilidades de aprendizagem,

tanto para a criança com surdez como para as demais.

No decorrer das atividades, foi possível observar alguns aspectos quanto ao

desempenho dos alunos como, por exemplo, articular frases típicas das falas dos

personagens, representar e expressar determinados acontecimentos que ocorreram na

história contada, expressar suas ideias oralmente, recontar a história com

características da história contada pelo professor como o nome dos objetos, nome dos

personagens, nome dos lugares, descrição dos personagens, assim como, narrar os

fatos ocorridos na sequência temporal que acontece a história, relatar vivencias em

Page 35: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

diversas situações do dia a dia, fazendo a relação com a história, demonstrando

sentimentos, opiniões, desejos, necessidades, entre outros.

Na história do Flop, os alunos participaram com muita atenção em todas as

etapas da apresentação da história. Os alunos tiveram a possibilidade de fazer uma

visita interativa em uma ‘Loja de Peixes Ornamentais’ e foram orientados pelos

vendedores, que comentaram sobre cada peixe, sua espécie, sua alimentação, habitat,

origem entre outras informações e curiosidades. As características do peixe da história

são de um peixe que havia na loja e os alunos ficaram encantados ao encontrar

exatamente aquele peixe. Esta vivência foi importante, pois foi possível significar a

história adequadamente.

Os jogos de memória, a dramatização da história, o trabalho específico para

desenvolver as habilidades auditivas, o passeio até a loja de aquário foram

fundamentais para que esta atividade obtivesse sucesso.

Foi possível verificar durante o dia a dia na escola que alguns alunos

significaram o vocabulário apresentado na história, algumas palavras escritas no livro

foram lidas com compreensão e alguns alunos conseguiram escrever palavras da

história de forma espontânea e demonstrando conhecimento do significado destas

palavras.

Na história Cachinhos Dourados se passa dentro de uma casa e facilitou a

compreensão dos alunos porque os elementos, objetos, partes da casa, móveis,

utensílios tinham familiaridade com sua própria casa, assim como, a constituição

familiar. Os alunos comentaram sobre o tamanho da cama deles, se a mamãe faz

mingau em casa e a cor do mingau. Relacionaram a mamãe ursa com a sua própria

mãe e o papai urso com seu próprio pai. As crianças relacionaram situações da história

do livro com situações do dia a dia, como relacionar o mingau quente com seu alimento

da escola que também estava quente. Comentários deste tipo, realizados em

momentos fora da sala de aula evidenciam a compreensão dos alunos.

Esta história foi compartilhada com família, pois os alunos contaram a história em

casa e queriam mostrar no livro as gravuras, falar o nome dos objetos, lugares da casa.

O fato da história se passar em uma casa comum, portanto, tornou a história mais

interessante.

Page 36: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

A participação dos alunos foi fundamental para perceber como é importante a

dramatização da história, pois, a criança cria sua própria história a partir da história

contada e o vocabulário que ela utiliza para apresentar a história se torna significativo.

Foi possível perceber que o envolvimento do aluno com as histórias infantis

faz desenvolver a imaginação quando professor que está envolvido com a narrativa se

expressa de tal maneira que o aluno surdo consiga perceber a linguagem e interagir de

forma espontânea, evidenciando que somente por meio da comunicação espontânea a

criança demonstra seu modo de conceber a comunicação e esta por sua vez, somente

se estabelece pelo significado.

A partir das referências teóricas estudadas, encontrei explicações para as

questões levantas para este projeto. Com estas observações, estou convicta que as

histórias infantis exercem papel fundamental no processo de aquisição da linguagem,

da comunicação verbal e da escrita. As histórias infantis promovem a possibilidade do

aluno com surdez fazer o uso da língua de forma compreensiva, dando possibilidade de

diálogo e aumentando o repertório verbal, facilitando desta maneira o inicio da

alfabetização para a criança com surdez na educação infantil.

Espero que este estudo possa contribuir para que os profissionais da

educação possam refletir sobre a linguagem e a comunicação da criança com surdez

no que diz respeito à necessidade da comunicação, para que este aluno possa

ingressar no primeiro ano do ensino fundamental com linguagem expressiva e com

significado tendo a possibilidade de continuar seus estudos de forma que possa

participar da sociedade com autonomia, respeito e sendo sujeito-autor de sua própria

história.

Page 37: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, Tâmara Cardoso. Literatura infantil – Práticas adequadas ajudam a despertar

o gosto pela literatura. Porto Alegre: Revista do Professor, n.78, p. 18-21, abr/jun.2004.

______. Literatura infantil – Práticas adequadas ajudam a despertar o gosto pela

literatura. Revista do Professor, Porto Alegre, n. 78, p. 8, abr/jun.2004.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. E.G.G. Pereira. São Paulo, Martins

Fontes, 1992.

BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. Tradução. Octávio

Mendes Cajado. 6. ed. São Paulo: Ática, 1995.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz na

Terra, 1980.

______. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz na Terra, 1980

p.197.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil. v. 03. Brasília: MEC/SEF, 1998.

______, Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil. v. 1. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL, Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008.

BRUNER, Jerome. Atos de significação. Trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artes

Médicas, 1998.

CAPOVILLA, Fernando C. Revista brasileira de educação especial, v. 6, n.1, Marília,

2000 – Filosofias educacionais em relação ao surdo: do oralismo à comunicação total e

ao bilinguismo – versão ISSN 1413-6538.

CICCONE, Marta. Comunicação total. 2.ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1990.

COELHO, Nely Novaes. A literatura infantil – História, teoria e análise. São Paulo:

Quirón, 2007.

COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infanto-juvenil: das

origens indo européias ao Brasil contemporâneo. 2.ed. p.108. São Paulo: Global, 1985.

CONTINI, J. A concepção do sistema alfabético por crianças em idade pré-escolar. In:

Page 38: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

ESCOLA EPHETA, Metodologia Epheta. Encarte elaborado pela equipe de

profissionais da Escola de Educação Especial Epheta. Curitiba, 2000.

ESTABROOKS, W. Cochlear implants for kids. Washington: A. G. Bell Association,

2004.

GOLDFELD, Márcia. A criança surda: Linguagem e cognição numa perspectiva

sociointeracionista. 2. ed. São Paulo: Summus, 1997.

HAMPATE BA, Amadou. Disponível em:

http://marciadib.blogspot.com.br/2009/06/tradicao-oral-amadou-hampate-ba.html.

Acesso em 20/06/2012.

LANDES, Sonia. Picture boss as literature. Children’s Literature Association Quarterly,

n.10, v.2, Summer 1985.

MACHADO, Ana Maria. Como e porque ler os clássicos universais desde cedo. Rio

de Janeiro: Objetiva, 2002.

MAYRINK-SABINSON, M. L. T. Um evento singular. In ABAURRE M.B.M. Cenas de

aquisição da escrita. Campinas, ABL/Mercado das Letras, 1995.

METODOLOGIA EPHETA. Registro nº 241.105 da Fundação Biblioteca Nacional do

Ministério da Cultura. Curitiba, 2001.

MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

POLLACK, D. Educational audiology for limited hearing infant. Illinois, Charles C.

Publ., 1970.

ROCHA, José Carlos. Políticas editoriais e hábito de leitura. 2. ed. p.40, São Paulo:

Com Arte, 1987.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

______, Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

ZANOTTO, Maria Angélica do Carmo. Recontar histórias – Atividade é importante

para a formação das crianças pré-escolares. Revista do Professor, Porto alegre, n.74,

p. 5-9, abr./jun. 2003.

ZILBERMAN, Regina. A Literatura infantil na escola. 8. ed. São Paulo: Global,

Page 39: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

APÊNDICE A - CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PROJETO LITERATURA PAIS,

A criança que lê e tem contato com a literatura desde cedo, principalmente se for acompanhada pelos pais, é beneficiada em diversos sentidos: ela aprende melhor, pronuncia melhor as palavras e se comunica melhor de forma geral. A leitura frequente ajuda a criar familiaridade com o mundo da escrita. A proximidade com o mundo da escrita, por sua vez, facilita a alfabetização e ajuda em todas as disciplinas. A criança se torna mais criativa. Sou professora do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Secretaria do Estado da Educação e estou iniciando um Projeto de Literatura na turma de seu filho. Também sou professora nesta escola. Serão trabalhadas duas histórias por meio da contação de histórias, atividades pedagógicas em sala de aula, teatro e atividades de desenvolvimento de habilidades auditivas. Seu filho irá levar o livro da história para casa para contar a história para sua família, assim como o caderno de literatura onde serão colada as atividades pedagógicas. Peço que ajudem seu filho a contar a história e incentivem a leitura em casa. Estou à disposição e qualquer dúvida é só escrever na agenda de seu filho. Um grande abraço e desejo muitas leituras. Obrigada Professora Beatriz APÊNDICE B– CARTA DE APRESENTAÇAO DO LIVRO “CACHINHOS DOURADOS” PAIS, Estamos iniciando a segunda história do projeto literatura. A segunda história é “Cachinhos Dourados e os Três Ursos”. Serão recolhidos os livros da primeira história “Flop” e será enviada uma pasta com o segundo livro e o caderno de atividades. Solicitamos que ajudem seu filho a contar a história para a família e sempre comentem sobre o livro, pois este livro apresenta conteúdos importantes para a fase em que seu filho se encontra. Serão trabalhados a partir desta história, conceitos como noções de (grande, médio, pequeno, quente e frio, casa, floresta, partes da casa (cozinha e quarto), cadeira grande, cadeirinha, cadeira média, cadeira quebrada, cama maior, média e caminha, cobertor, lençol, caldeirão, mingau, tigela maior, média e pequena, verbos como dormir, pular, comer, abrir, experimentar, andar, cair, deitar entre outros). A participação da família é fundamental para que a criança adquira o hábito e o prazer de ler livros. O conhecimento do mundo e de si próprio, passa pela literatura. Contamos com sua colaboração. Um grande abraço!!! Professora Beatriz

Page 40: HISTÓRIAS INFANTIS COMO ENRIQUECIMENTO · PDF filehistÓrias infantis como enriquecimento linguistico para crianÇas com surdez na educaÇÃo infantil beatriz amorim favaro1 denise

ANEXO 1 RELATOS DOS PAIS