Hitler e churchill segredos da liderança- andrew roberts

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Hitler e churchill segredos da liderança- andrew roberts Rosane Domingues -UNIP

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O premiado historiador Andrew Roberts analisa nesse livro o fenômeno da liderança política e militar a partir das atuações de Adolf Hitler e Winston Churchill – dois líderes antagônicos, tanto no que representavam quanto no modo como comandavam, mas cujas lideranças também tinham pontos em comum. Atento a diferenças e semelhanças, o autor investiga os bastidores das atuações desses dois estadistas e considera o modo como eles se avaliavam um ao outro como líderes e de que maneira isso afetou o desfecho da Segunda Guerra Mundial, chegando a conclusões fascinantes, provocadoras e tão relevantes hoje quanto foram antes e durante o conflito.Roberts formula questões pertinentes sobre nossa necessidade de sermos liderados e, ao fazê-lo, nos força a reexaminar o modo como encaramos aqueles que tomam decisões por nós.Ilustrado com mais de 40 fotos, várias delas pouco conhecidas, esse livro revelador foi escrito em grande parte para acompanhar a série inglesa “Secrets of Leadership”.

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Introdução

“Mantenho os olhos abertos e o que eles me mostramme faz pensar. O futuro é inescrutável mas aterrador;deveispermanecerleaisamim.Quandoeujánãopuderrefrearecontrolar,jánãosereioguia.”

Savrola,deWinstonChurchill

“Comopodemcempessoasserguiadasporumaúnica?”Essa foiumadasperguntasparadissertaçãonomeuexamede ingressoàUniversidadedeCambridge e, embora hámuito ela me fascine, só ao cabo de vinte anosinalmenteencontreitempoparatentarresolvê-la.Trata-se,noentanto,deuma pergunta que reside no cerne da história e da civilização. Se umapessoa não fosse capaz de comandar outras cem, não teria havidonenhuma guerra, mas tampouco teria havido catedrais, a exploração doespaçoouorquestras ilarmônicas.A capacidadequeumapessoa temdefazeroutrascemcumpriremsuasordenséoalicercesobreoqual todooesforçohumanocoletivosefunda,paraobemouparaomal.Sendoassim,comoissoacontece?Seria razoável esperar que, tendo a política e a sociedademudado de

maneira tão fundamental ao longo dos séculos, omesmo tivesse ocorridocoma natureza da liderança.Desde que as sociedades agrárias irmadasem obrigações feudais foram suplantadas no Ocidente por democraciasapoiadas em instituições representativas, deveríamos ser regidos porimperativos diferentes e conduzidos por apelos amotivosmuito diversospara a ação. O assombroso, contudo, é que, mesmo numa era que seconsidera tão so isticada quanto cínica, em tempos de perigo a liderançainspiradaaindasefundaemamplamedidanasuspensãodacrença.Essevernáculoinalteráveléevidenteapartirdasmodi icaçõesmínimas

que ocorreramna linguagemda liderança. Ler oDiscurso do Funeral dePériclesde431a.C.(“Atenascoroaseus ilhos”),odiscurso“Entrenósnãopodesmaismorar”deCícerocontraousurpadorCatilinaem63a.C.,ouodiscurso “O clamor de toda a Inglaterra” pronunciado por John Pym em

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1642,écompreenderqueoestoquedeemoçõeshumanasaqueoslíderesrecorremélimitadoe,demaneiranotável,constante.Seouvíssemosessestrês oradores hoje, icaríamos provavelmente tão comovidos quanto seusespectadores na época. Esse estoque de emoções pode ser saqueado,plagiado,masacimadetudoaprendido.Opropósitodestelivroéexaminarcomoduaspersonalidadesabsolutamenteopostaspilharamessepequenoléxico, às suas diferentes maneiras, para ganhar o prêmio que, comoambossabiam,sóumdelespoderiaalcançar:avitórianaSegundaGuerraMundial.Em 1941, quando quis ilustrar o espírito de resistência ao nazismo, o

diretor de cinema Sir Alexander Korda contratou Laurence Olivier parafazeropapel-títuloemHenriqueVdeShakespeare.Afaladoreidiantedabrecha emHar leur era diretamente análoga aos discursos queChurchillestavafazendonaqueleano,emboramaisdetrêsséculososseparassem.Averdadeira liderança nos comove de uma maneira que estáprofundamente enraizada em nossos genes e psique. Se os fatoressubjacentes à liderançapermaneceramosmesmospor séculos, não seriapossível aprender essas lições e aplicá-las a situações felizmente muitodistantesdaquelasdevidaoumortede1939-45?A liderança — como a coragem e até a sinceridade — pode estar

completamenteseparadadosconceitosdebememal.AdolfHitlerfoitantocorajoso como sincero ao promover suas crenças, por mais abomináveisque elas fossem. Estudar as qualidades de liderança somente de pessoascujas ações aprovamos seria privarmo-nos dos exemplos de alguns doslíderesmaisin luentesdomundo.Semdúvidaomaiorcriminosodenossotempo, Osama bin Laden é, não obstante, um líder e merece queinvestiguemos como conseguiu persuadir tantas pessoas a provocartamanha destruição. Assim como o marechal-de-campo Montgomerymanteve uma fotogra ia emoldurada de Erwin Rommel em sua caravanadurante toda a campanha do deserto, deveríamos tentar estudar astécnicasde liderançadenossos inimigospara sermos inalmente capazesdederrotá-los.Nosso mundo ainda é, de maneira reconhecível, aquele que nos foi

legado pelo arranjo pós-Hitler de 1945. As grandes potências,descontando-seofatodeaRússiaeaEuropaOrientalteremselivradodocomunismoem1989-91,sãobasicamenteasmesmasdaocasiãoemqueasNaçõesUnidasforamfundadasemSãoFranciscoao imdaguerra.Excetona época da implosão da Iugoslávia—que não levou a qualquer con lito

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foradaregião—,nenhumafronteiraeuropéiafoialterada.SecontarmosaCoréia comoumaaçãodepolíciadasNaçõesUnidas, nenhumaguerra foitravada diretamente entre quaisquer Grandes Potências, a não ser daChina com a Índia em 1959. Assim, as seis últimas décadas alteraram aEuropamenosquequalquerperíododetemposemelhantedesdea IdadeMédia. A descolonização já estava em curso antes queWinston Churchilldeixasse o cargo em 1955, e se ele voltasse à Terra hoje os chefes doestado-maior não demorariam muito para instruí-lo sobre a atualdisposição do planeta. Hitler — o Satã que não podemos apagar damemória—precisaria que lhe explicassemHiroshima eNagasaki,mas oresto lhe seria bastante compreensível. A inal, ele previu em seu bunkerque, com sua morte, os vencedores inais seriam os Estados Unidos e aRússiae, emboraa reuni icaçãodaAlemanha fosse talvezempolgá-loporalguns momentos, o fato de ela ter ocorrido de maneira tão pací ica edemocrática o deixaria devidamente enfurecido. Os acontecimentos de1939-45aindacon iguramnossomundocomsuasliçõeseseuslegados.Arelevância permanente de Hitler e Churchill para nossas vidas éincontestável; Saddam à parte, o Ocidente desfruta hoje aqueles “amplosplanaltos ensolarados” que Churchill nos prometeu e Hitler tentou comtantoafincodestruir.O fato de Churchill ser ainda reconhecido como a personi icação da

liderançacorajosafoiindelevelmentesalientadonaesteiradosataquesdaAl-Qaeda aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. Naquelemomento de dor e a lição, os americanos retornaram muitas e muitasvezes ao exemplo dele para exprimir seus sentimentos mais profundosacercadesuaperda, seudestemoredeterminação.Churchill surgiumaisumavezcomouma iguradevultonoquepodeserchamado—segundootítulodeumdeseuspróprioslivros—“acrisemundial”.EmseudiscursoEstadodaUniãode2001,opresidenteGeorgeW.Bush,discursandosobresuasreaçõesaosataquesaosEstadosUnidos,disse:“Nãovacilaremos,nãoesmoreceremos, não cederemos e não fraquejaremos.” Tratou-se de umecoconscientedopronunciamentoqueChurchillfezpelorádioaosEstadosUnidos em fevereiro de 1941, em que declarou: “Não cederemos e nãofraquejaremos; não afrouxaremos ou nos cansaremos.” Em seu discursoaos aturdidos sobreviventes do Pentágono no dia 12 de setembro, umamanhã depois que tantos de seus camaradas haviam sucumbido, osecretáriodeDefesadosEUADonaldRumsfelddisse:“Noápicedoperigopara sua própria nação, Winston Churchill falou da ‘hora mais gloriosa’

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( inest hour) para ela. Ontem, os Estados Unidos e a causa da liberdadehumana foram alvo de ataque.” Rumsfeld voltou ao tema de Churchillváriasvezesposteriormentee,emagostodoanoseguinte,disseatrêsmilmembrosdoCorpodeFuzileirosNavaisdosEUA,naCalifórnia,quehaviaparalelos diretos entre o relativo isolamento diplomático dos EUA arespeito da projetada guerra contra o Iraque e a posição solitária deChurchill contraoapaziguamentodaAlemanhanadécadade1930.Tudoque li sobre os “anos de ostracismo” de Churchillme leva a concluir queessesparalelosrealmenteexistem.LevadoapercorrerassalasdoGabinetedeGuerradurantesuavisitaa

Londres em 2001, o presidente Bush quali icou Churchill como “um doslíderes realmente fascinantes”, e pediu à Embaixada Britânica emWashington que guarnecesse o Salão Oval com um busto dele esculpidoporEpstein.1 (RonaldReagan já tinhapenduradoum retratodeChurchillnaSaladeGuerradaCasaBranca.)Hoje éChurchill que,37anosapósasuamorte,estáajudandoa fornecerumvocabulárioeovernáculoparaoespíritoderesistênciadestemidaqueosEstadosUnidosdesejamprojetarsobre o resto do mundo. OBoston Daily Record declarou: “WinstonChurchill e suas palavras são interminavelmente citados e aprovados”, equando Bush visitou a área devastada do Ground Zero em Manhattan,izeram-secomparaçõescomasexcursõesqueoprimeiro-ministrofaziaaoEast End durante a Blitz para levantar o moral. Enquanto se preparavaparaaguerracontraoIraque,opresidentedeuasaberqueestavalendoum livro intituladoSupreme Command: Soldiers, Statesmen and LeadershipinWartime[Comandosupremo:soldados,estadistaseliderançaemtempode guerra] do acadêmico americano Eliot A. Cohen, que tem um capítulodedicado à relação de Churchill com seus chefes do estado-maior. 2 (Numnívelmaismundano,ocomedianteJimCarreymencionouChurchillaodoarseu nada mundano cheque de um milhão de dólares para o fundofilantrópicocriadoparaasfamíliasdasvítimasdo11desetembro.)Na cerimônia carregada de emoção para promover grande número de

bombeiros de modo a preencher os postos de seus colegas tombados, oprefeitoRudolfGiulianicitouChurchille foi louvadopeloWashington Postcomo “Churchill com um boné ianque”. (Uma imagem nada absurda, defato,jáqueolíderbritânicogostavadeusarbonésechapéusexcêntricoseporvezesexóticos.)QuandovisitouaGrã-Bretanhaemfevereirode2002,oprefeitoGiulianideclarouaAliceThomson,doDailyTelegraph:“RecorriaChurchillparaquemeensinassecomorevigoraroespíritodeumanação

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agonizante. Depois do ataque costumava conversar com ele. Durante ospiores dias da Batalha da Inglaterra, Churchill nunca saiu de DowningStreetdizendo: ‘Nãoseioquefazer’,ou ‘Estouperdido’.Elesaíacomumadireçãoeumpropósito,mesmoquetivessedeforjá-los.”3“Mesmoquetivessedeforjá-los.” Umadastesesdestelivroéquedurante

grandepartedotempoentreotérminodaretiradadeDunquerque,em3dejunhode1940,eainvasãodaRússiaporHitler52semanasmaistarde,em22dejunhode1941,Churchilltevedefatoderecorrerregularmenteàimpostura. A despeito de toda a sua esplêndida oratória durante esseperíodo,elenãosabiade fatocomoseriapossívelderrotaraAlemanha.Oembuste é por vezes um elemento crucial da liderança, mas como sãoPaulo escreveu em sua primeira epístola aos Coríntios, “Se a trombetaemitir um som incerto, quemseprepararápara abatalha?”A certezadeChurchill se propagou entre o povo britânico, ainda que, em 1940, fossedi ícil compreender, com base em qualquer análise racional concebível,comoseriapossívelganharaguerra.EmboraanteseespecialmentedepoisdaguerraChurchilltenhatidoem

certasocasiõesumdesempenhodecepcionanteemalgunsdosaltoscargosdeEstadoqueocupou,naquelesmesesvitaisde1940-41eduranteorestodo con lito, até1945, levou a cabo façanhas extraordináriasde liderança.Nocernedetudoissoestavaumlogrotãotremendamenteaudaciosoque,se osacontecimentos não tivessem provado que estava certo, ele teriaprovavelmentesearriscadoaum impeachment.(Éclaroque,seoseventostivessem provado que estava errado, e a Grã-Bretanha tivesse sidoinvadida com sucesso, a punição pelo Parlamento teria sido a menor desuaspreocupações.) Este livro examinará esse logrodeboa-fé bemcomooslogrosmalévolospraticadosporseuantagonista.

Oparadigmaclássicodaliderança

Ao longo de toda a história, provou-se relativamente fácil para os líderesencontrar pessoas dispostas amatar por eles; o que lhes tem sidomuitomais di ícil é encontrar pessoas dispostas a morrer por eles. As pessoascriadas nos países ocidentais modernos, racionalistas-cristãos, em geralexigiram pelo menos uma possibilidade marginal de sobrevivência, masissonão as impediude se engajar voluntariamente, em tempode guerra,em operações e unidades que envolviam taxas de sobrevivência

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baixíssimas.AalternativaqueoHenriqueVdeShakespeareofereceuparao rompimento das defesas de Har leur foi, a inal de contas, “fechar amuralha com nossos ingleses mortos”, e ambas as guerras mundiais doséculo XX viram pessoas disporem-se a aceitar taxas elevadas de baixas,sobretudonocorpodosoficiaisdeinfantarianaPrimeiraGuerraMundialeno Comando de Bombardeiros na Segunda GuerraMundial. Isso foi umaespécienobresacrifício;oqueomundoviunodia11desetembrode2001foiexatamenteoavessodessaimagem.QuandoOsamabinLadenestavaestimulandoseusseguidoresacometer

o suicídio, os métodos que usou parecem ter sido, em essência,indistinguíveisdaquelesusadosnostemposmedievaispelosAssassinosoupeloMádiecalifanoSudãonasdécadasde1880e1890.Parecemtertidotambém estreita semelhança com os usados com os pilotos camicasesjaponesesde1944-45. Churchill, que lutou contra o califa e presenciou adestruição inaldeseuexércitoemOmdurmanem1898,teriareconhecidoimediatamenteoquedescreveu(numcontextomuitodiferente)como“umfaquir de um tipomuito conhecido noOriente”. A natureza desse tipo deliderança carismática pseudo-religiosa — também exibida pelo líder deseita Jim Jones quando convenceu mais de 900 de seus seguidores acometer suicídio na Guiana em 1978— parece escapar à compreensãoocidental moderna. Grigori Rasputin e alguns dos líderes das primeirascruzadasparecem ter gozado algodomesmopoderde sedução—Hitlercertamente tinha— e é preciso compreender isso para que a presenteameaçaaoOcidentepossasersuperada.SeoestilodeliderançadeBinLadenéessencialmentehitleristaemseu

vernáculoeemseusantecedentes,eGeorgeW.Busheseusconselheirosmais gabaritados voltam-se para Churchill à procura de inspiração, nãopoderia aguerra contra o Terror ser vista, de forma legítima, como umaretomadadaSegundaGuerraMundialporprocuração?Acreditoquesim,eadicotomiaentreas técnicasde liderançacarismáticasdeHitler versusastécnicasdeliderançagenuinamenteinspiradorasdeChurchillseráumdostemascentraisdestelivro.Poisossegredosdeambosostiposdeliderançapodem ser aprendidos quase de cor e controlados em bene ício dequalquerpessoaatentaàhistóriaeàexpressãoeficaz.AlanBullock,emsuabiogra iaconjuntadeAdolfHitlereJosefStálin,que

temporsubtítuloParallelLives [Vidasparalelas]demonstroucomomuitasdas técnicas totalitárias dos nazistas foram copiadas dos bolcheviques.Obviamente a combinaçãodos talentos satânicosmas inegáveis deAlbert

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Speer, Joseph Goebbels e da cineasta Leni Riefenstahl tornaram oscomíciosnazistasmuitomaisimpressionantesvisualmentequeasparadasnaPraçaVermelha, tão caras aopolitburo soviético.Mas ahabilidadeemorganizarespetáculosdeambososregimesequivaliaapoucomaisqueumevento deshow business produzido por meio de microfones, efeitos deiluminação,fumaçaeespelhos.Naquela bela e sutil crítica à técnica ditatorial, o ilmeOmágico de Oz

produzidoporHollywoodem1939,oatéentãoapavorantemágicorevela-se um charlatão mirrado que é mantido ocupado atrás de uma fachadaimponente,puxandoalavancasqueproduzemchamasebarulhosfuriosos.Hitler, Stálin, Mussolini e Franco, o ilme sugere, na realidade nãopassavammuitodisso, se pelomenos as democracias ocidentais tivessemcoragem, decência e intelecto para enfrentá-los sem medo. No entanto,apesar de tudo o que descobrimos sobre suas inadequações pessoais,esses homens foram responsáveis pelo massacre de tal número deinocentes que o século XX icará manchado para sempre como, naexpressão de um eminente historiador, “a Era da Infâmia”. 4 Na vida real,em vez de voar de volta para o Kansas em seu balão, o mágico teriafuziladooEspantalho,oHomemdeLata,oLeãoCorajosoeDorothy(esemdúvidaTotóparacompletar).“Um homem não pode darmais triste prova de sua própria pequenez

que a descrença em grandes homens”, escreveu Thomas Carlyle em OnHeroes,Hero-WorshipandtheHeroicinHistory[Sobreosheróis,seucultoeopoemaépiconahistória],masnãoseráocontráriomaisverdadeiro?Nãoh ápathos em nossa busca constante de líderes, quando ainda nãoaperfeiçoamosaartedeserseguidoresmaduros,descrentesdaatribuiçãode qualidades super-humanas a pessoas que sabemos perfeitamenteseremapenasdecarneeossocomonós?Umademocraciamaduradeveriase envergonhar desses acessos periódicos de culto do herói, assim comouma mulher madura se acanha ao lembrar da paixonite que alimentouquando adolescente pelo capitão do time de beisebol da escola. “Um dosanseios mais universais de nosso tempo”, escreveu o pensador políticoamericano James MacGregor Burns, “é uma avidez por liderançairresistívelecriativa”.Umaavidezquemuitasemuitas vezes conduziuaodesastre, como quando a França clamou pela liderança de Napoleão em1799, a Rússia se voltou para Lênin em 1917 e ampliou seu erro comStálin menos de uma década depois, e não menos de 13 milhões dealemães votaram em Hitler em 1932. “Não nos deixaremos enganar de

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novo”cantouTheWhonacançãopolítica“Wewon’tgetfooledagain”.Masofatoéquenosdeixamos,muitasvezes.Comosir IanKerhaw,oúltimoemelhorbiógrafodeHitler,mostrouem

1987 em seu livroThe “Hitler Myth” [Hitler, o mito]: “A disposição paradepositar toda esperança na ‘liderança’, na autoridade de um ‘homemforte’, não era em si mesma, é claro, peculiar da Alemanha. A promoçãoporelitesameaçadaseaaceitaçãopormassasansiosasdeliderançaforteeautoritária,quasesemprepersoni icadanuma igura ‘carismática’, foi(eainda é) experimentada por muitas sociedades em que um sistemapluralista fraco é incapaz de resolver fraturas políticas e ideológicas e épercebidocomoestandonumacrise inal.”Longedeser, comoacreditavaCarlyle, um sinal de grandeza — ou de ausência de pequenez — aglori icação da liderança exercida por “grandes homens” talvez sejaapenasumsinaldacondiçãodeTerceiroMundodeumpaís.Filósofos anarquistas, e alguns pensadores libertários modernos,

sustentaram com convicção que o problema subjacente é a própriaexistênciadoconceitodeliderança,pelomenosnumaescalanacional.Essaparece ser tambémuma queixa dos que protestam contra a globalizaçãotomando de assalto qualquer cidade corajosa (ou audaciosa) o bastantepara sediar uma reunião de cúpula de “líderes mundiais”. Fosse ahumanidade capaz de se organizar de tal modo que um só homem nãopudessedeterpoderabsolutosobreumacentena,elesalegam,estaríamostodosemmelhorsituação.Assimcomomarxistasortodoxosacreditamqueo Estado “desapareceria” após a implosão do capitalismo por força dacontradiçãointerna,anarquistascomoPierreProudhoneMikhailBakunina irmaram que um dia a própria necessidade de líderes políticosdesapareceria por completo. Mas, embora tenha ganhado algum terrenodesdeaguerra,emespecialnosEstadosUnidosduranteadécadade1960enoiníciodadécadada1970,essatesecontinuatãoutópicacomosempre.A mais rápida vista-d’olhos no mundo moderno mostra-nos como os

“líderes mundiais” estão mais ubíquos e em evidência hoje que emqualquermomento desde 1945. Os líderes passaram a personi icar seuspaíses na imaginação popular e, mesmo na era da integração européia,mantiveramumperfilpúblicomuitomaisnotáveldoqueteriasidopossívelpreverapenastrintaanosatrás.Ain luênciaquelevouaesseaumentodaimportânciadoslíderesmundiais—senãonecessariamentedopoderrealde que dispõem—não parece fadada a desaparecer no futuro próximo.Isso se deve em grande parte ao aumento exponencial da velocidade e

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penetraçãodatecnologiadainformação,medianteaqualmaispessoasemmais lugarespodem tomar conhecimentomuitomaisdepressadas coisasqueestãoacontecendo.Sendoosprincipaisporta-vozesdeseuspaíses,oslíderes mundiais tiraram pleno proveito desse desenvolvimento parapromoverseusperfiscorporativos.Longede signi icarquepassamos a considerar cadaquestão commais

cuidadoparadebatermaisconscienciosamenteoqueestáacontecendo,arevolução das comunicações e da informação signi icou que delegamos,levianamente, um número crescente de responsabilidades de tomada dedecisãoaosnossos líderes.Adisputade2002entrea ÍndiaeoPaquistãopela Caxemira foi reduzida na mídia mundial a um impasse entre oprimeiro-ministroVaypayee e o presidenteMusharref, e saber seOsamabin Laden estava ou morto ou ativo foi considerado uma questão maismerecedoradenotíciasquea libertaçãodopróprioAfeganistãodoTalibã.Em1780owhig JohnDunning,membrodoParlamento,propôsàCâmaradosComunsumamoçãosegundoaqual“a in luênciadaCoroaaumentou,estáaumentandoedeveriaserdiminuída”.Omesmopodeserditohojedainfluênciadoslíderesmundiais.Os líderes tendem a se tornar uma partemaior, nãomenor, de nossas

vidas cotidianas porque a política está sendo cada vez mais simpli icadapela mídia, e não há melhor maneira de simpli icar uma questão queconcentrar-se na personalidade de um único líder, ou,melhor ainda, naspersonalidadesdedois líderesantagônicos.Anecessidade, sobo sufrágiouniversal, de agradar ao que é efetivamente o mínimo denominadorintelectualcomumdoeleitorado—pelomenosentreaquelespropensosavotar — conduziu inevitavelmente ao rebaixamento indiscriminado dospadrões relativos à persuasão, um processo que os próprios políticosajudameestimulamcomentusiasmohojeemdia.Aquiestáumaúnica frasedoepílogododiscursodeWilliamGladstone

que pôs abaixo o orçamento de 1852 para inanciamento do dé icit deBenjaminDisraeli(ecomeletodooministériotóri):

Voltoosolhoscompesarparaosdiasemquemesentavamaispertodemeusnobresamigosdoladoopostoaesteemqueagorameencontro,esinto ser meu dever usar aquela liberdade de expressão que, estoucerto, os ingleses haverão de tolerar, quando vos digo que se derdesvossa anuência e vossa elevada autoridade a esse princípio muitofalaciosoeperniciososobreoqualoesquema inanceirodogovernose

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funda — podeis recusar meu apelo agora — podeis acompanhar onobrecavalheiro,oministrodasfinançasatéolobby;masminhacrençaé que virá o dia em que lamentareis esse voto— àmedida que suasconseqüênciascedooutardesedesdobrarem—lamentareisessevotocomamargura,mascomumpesartardioeinútil.5

Talvezesta tenhasidoumadas frasesmais longasdaobrado“ Grand OldMan”, mas seria possível imaginar alguém na política modernapronunciandoalgo semelhante? Frases de três palavras, sem verbo;declarações intelectualmente permissivas inseridas numa reportagem detelevisão;referênciasabordõesdofuteboloudenovelas—édissoqueéfeitaaoratóriapolíticamoderna.O vocabulário da política clássica, envolvendo discursos repletos de

alusõesliteráriaseclássicas,simplesmentenãoéapropriadohojeporqueodeclíniodospadrõeseducacionaistornouimpossívelparagrandepartedoeleitoradocompreendê-lo,mesmoqueoprópriopolíticotenhaexpedienteintelectual para proferir discursos do calibre necessário. O grandeadvogado e políticowhig lorde Brougham disse: “A educação torna fácilconduzir um povo, mas di ícil forçá-lo; fácil governá-lo, mas impossívelescravizá-lo.” É terrível pensar que o contrário também poderia ser ditoacerca da educaçãode iciente que está sendo imposta aos eleitorados deamanhã.Isto não é simplesmente esnobismo reacionário— não tenho nenhum

desejo de imitar aPrincesse de Petitpoix emConingsby de Disraeli, quesentia ser seu dever na vida “vingar a causa das dinastias decaídas e deuma nobreza degradada” — mas o fato é que Gladstone, Disraeli,Rosebery, Balfour e lorde Salisbury acreditavam na política como umprocesso de elevação e, em seus discursos, buscavam conscientementequase tantoeducarquantopersuadir.Poucos lídereshojeestão imbuídosdomesmo propósitomoral em seus discursos, e os que estão constatamserimpossívelnãosoararrogantes.Comademocracia veio a demagogia e, comoAristóteles previu, nãohá

nomundo um tipo de governomais cínico que uma perfeita democracia,porque ela não pode admitir a possibilidade de seu soberano, o povo,algumavezestarerrado.Aculpapelosmalessociaisé lançadahojesobrelíderes políticos como raramente ocorria sob o regime das antigasoligarquias. Com a condenação vem a crença subconsciente de que oslíderessãocapazesdemudartudo,atéanaturezahumana.Essasuposição

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absurdanunca é tão evidentequantonas cerimôniasde “encontro comopovo”doprimeiro-ministro,emqueTonyBlairécomfreqüênciasolicitadoa transformar em lei medidas que em tempos anteriores seriamapropriadamente con iadas aos bispos, para que as implorassem atravésdaprece,ouemalgunscasosaossantos,medianteaintervençãodivina.OParlamento teria facilidade em estabelecer por lei que todos devem serafáveis e bons, escreveu lorde Salisbury num de seus ensaios SaturdayReview na década de 1860, ou que a gravidade não deveria provocar aquedaocasionalde faxineirosdospeitorisdas janela,mashá limitesparaseuverdadeiropoder.Em tempo de paz, é durante as campanhas para eleições gerais que a

liderança políticamoderna está emmaior evidência. Esses sempre foramperíodos irritantes, detestáveis para qualquer pessoa com não mais queumresíduodeorgulhooudignidadehumana.Aeleiçãobritânicade1992viuumpontoparticularmente baixonesse aspecto, quando as discussõesse reduziram a acusações de aumentos de impostos “duplamentecalamitosos” e o governo acusou a oposição de contar“porkies” (gíriacockneyrimadaparalies,mentiras).ComosirMaxBeerbohmcompreenderiatudoisso?ConsideresuaRede

Lecturede1943sobreLyttonStrachey:“Este,aoquedizem,deveráseroséculodohomemcomum.Gostodepensarquenamanhãde1ºdejaneirodo ano 2000 a humanidade estará livre para desprender as suas mãos,erguer-se dos seus joelhos e buscar à sua volta uma outra forma de fé,talvezmais racional.” Já deixamos essa data para trás, e não há nenhumsinal visível de coisa alguma que não amesma genu lexão. SeThe End ofHistoryandtheLastMan [O imdahistóriaeoúltimohomem]deFrancisFukuyamaestá corretoaopreverapredominânciaglobalpermanentedasocial-democracia,nuncahaverá.“Asguerrasentrepovosserãomaisterríveisqueasguerrasentrereis”,

advertiu Churchill em seu discurso à Câmara dos Comuns sobre oorçamentodoExércitoem1901.Pois,comoeleescreveuemseuromanceSavrola, “a galantaria cavalheiresca não está entre as característicaspeculiares da alvoroçada democracia.” 6 Churchill, o paladino dademocracia, destacou esse problema quando, numa tarde brumosa denovembro de 1947, teve um longo devaneio sobre seu pai enquantopintavaemseuateliêemChartwell, suacasadecampo.Talvez tenhasidomais uma visão, já que lemos, em sua própria descrição manuscrita doincidente: “Tive de repente uma sensação estranha. Virei-me comminha

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paleta na mão e ali, sentado numa poltrona de espaldar reto de courovermelho, estava meu pai”, que na realidade morrera 52 anos antes.Durantea“conversa”dosdois,o ilhodisseaopai,queforaofundadordoqueeraentãochamadoaDemocraciaTóri:“Nãotivemosoutracoisasenãoguerrasdesdequeademocraciaprevaleceu.”7Não só a democracia norteou as guerras mais sangrentas da história,

como algumas delas— a do Vietnã e a do Golfo, por exemplo— foramtravadas especi icamente em seu nome. Quando se luta por uma idéia enão por um objetivo geográ ico particular, como a Silésia ou a Alsácia-Lorena, é quase impossível transigir. As guerras da democracia têmtendido a se tornar guerras sem quartel; como uma religião secularmoderna, a democracia requer rendição incondicional. Ela desdenha acontemporização demaneiramuito parecida com a dos combatentes dasoito guerras religiosas por que a França passou entre 1562 e 1595. Ainsistência na rendição incondicional da Alemanha nas guerrasmundiaisprolongou os dois con litos, ao passo que guerras anteriores, do séculoXVIII, eram questões dinásticas limitadas que em geral terminavamquando uma província era tomada e se tornava possível assinar umtratadodepaz.Churchillreconheceuesseproblemaesóconseguiuevitara guerra contra a Espanha de Franco em maio de 1944 ao chamar aatençãodaCâmaradosComuns:“Hátodaadiferençadomundoentreumhomemque o derruba comumgolpe e umhomemque o deixa empaz.”TivesseaGuerraFriade1946-89emalgummomentoeclodidoemguerradireta entre superpotências, provavelmente só teria terminado apósdestruição maciça, porque a democracia, como lorde Salisbury disse docristianismo militante, não conhece meio-termo quando defrontada comoposiçãoresoluta.

Oparadigmamodernodaliderança

Já que o padre Peregrino Laziosi, que viveu em Siena no século XIII, é osanto padroeiro dos tumoresmalignos, é ele, presumivelmente, que velasobreoaumentodonúmeroderelações-públicasnomeadosporindicaçãoque infestam o Estado britânico para assegurar que os líderes semantenham tão afastados quanto possível do povo que lideram. O sr.Wharton, emThe Prime Minister [O primeiro-ministro] de Trollope, “eraum tóri da escola antiga, que detestava conchavos, abominava

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profundamente a classe de políticos para os quais a política era umapro issãoenãoumaocupaçãode fé”.Os líderesatuaisnaGrã-BretanhaenosEstadosUnidos—detodosospartidos—sãocadavezmaisatraídospara a política como uma pro issão, não levados a ela por um sensoverdadeiro de responsabilidade pública, e têm cada vez menos“hinterlândia”,oclichêcorrenteparainteressesexternosnão-políticos.Esse processo foi ruim para a natureza da liderança, uma vez que os

políticosmodernos consideram quase impossível renunciar por questõesdeprincípioouporinfrações,jáquenãotêmoutrolugarparaondeir.Emjulho de 1954, quando renunciou por causa da compra compulsória deterras em Crichel Down antes que qualquer pessoa tivesse realmentesugerido que deveria fazê-lo, sir Thomas Dugdale, o ministro daAgricultura no governo de Churchill em tempo de paz, retornou às suasatividades tradicionais, mal voltando os olhos para sua carreirainterrompida. Hoje osministros tendem a se agarrar ao cargo até seremameaçadosdedemissão.Esseéumdosespetáculosmenosedi icantesnapolíticaesolapamaisaindaorespeitodopovoporseuslíderes.Isto não é a irmar que os líderes do passado erammenos ambiciosos

que os dos nossos dias, pois evidentemente não eram. Como disse oprimeiro-ministro britânico lorde Rosebery na biogra ia que escreveu deseu amigo e adversário político, lorde Randolph Churchill: “O homemambiciosoqueé capazdeobservar semdesgotoa ascensãoouo sucessode um contemporâneo émuitomais raro que o cisne negro.” 8 Isso não émais que a irmar que os líderes de ontem tendiam a reconhecer quandoseutempoestavaclaramenteencerrado,eafastar-se,deumamaneiraqueé bastante estranha a políticos como David Mellor e Stephen Byers, decujas mãos foi preciso arrancar lenta e penosamente as funçõesministeriais. No século V a.C. Confúcio disse: “Não há espetáculo maisdeleitável que ver um velho amigo cair de um telhado alto”,mas o maldisfarçadoSchadenfreude que muitos outros políticos — especialmentecolegas de partido — manifestaram diante dessas duas renúnciaspenosamenteprolongadastendeuaenojaropovo.Hámuitoqueospolíticosvêmsendoseduzidosparaogozodocargopor

seuspróprios atrativos, sem considerar aonde ele poderia levar.Quando,emjulhode1834, lordeMelbourneestavaconsiderandosedeviaassumircomoprimeiro-ministro, tal qual lhe foraoferecidopelo reiGuilherme IV,seunotoriamente francosecretárioparticularTomYoungexclamou: “Ora,comosdiabos,umcargocomoessenuncafoiocupadopornenhumgrego

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ou romano: e mesmo que dure só três meses, terá valido a pena ser oprimeiro-ministro da Inglaterra.” “Por Deus, é verdade”, respondeuMelbourne. “Eu vou!” Assim fez, e foi primeiro-ministro por um total deseisanose255dias.Aambiçãopersenãoémácoisanumlíder,desdequeesteja aliada a talento genuíno, como estava no caso de Melbourne. Mascomo Alistair McAlpine, o ex-tesoureiro do Partido Tóri, constatou noPartido Conservador de JohnMajor: “Não há lugar nem para sentimentonemparaprincípiosnasvidasdosexcessivamenteambiciosos.”JohnAdair,oprimeiroprofessordeestudossobre liderançadomundo,

expressasucintamenteaimportânciadomomentoedolugarnaliderançaaodizer:“Édi ícilserumgrandelíderemLuxemburgoemtempodepaz.”Para se alçarem ao grau de grandeza que alcançaram respectivamente,Napoleão precisou do Terror, César precisou das Guerras Gálicas eChurchill precisou dos nazistas. (A respeito de Churchill, contudo, cabeobservar que, tivesse ele morrido em abril de 1940, antes de se tornarprimeiro-ministro,játeriasidouma iguraimportantenapolíticadoséculoXX.)Umdospersonagensdas“LampittChronicles”deA.N.Wilsonenfatizasucintamentea importânciadaoportunidadehistórica ao comentar sobresua própria vida desperdiçada: “Eu nunca ‘ iz’ coisa alguma: é di ícil ver,depoisdeSuez,oqueseteriapodido‘fazer’,mesmoquefôssemosfeitosdamesma ibra moral dos velhos pioneiros do Império.” 9 Enoch Powellexpressou esse sentimento quase niilista damelhor maneira, em termospolíticos,aoa irmar,depoisdeSuez,queoImpérionãofaziamaissentidoeaComunidadeBritânicanãoeraumsubstitutológico.Em1927ojornalistaamericanoHeywoodBraunescreveu:“Assimcomo

toda convicção começa como um capricho, assim todo libertador faz seuaprendizado como um excêntrico. Um fanático é um grande líder queapenasacabadeentrarnumasala.”10Oslíderespodemsurgirantesdeseutempo,eseestenãoestivermaduroparaeles,podemseresquecidos,pormais carismáticos ou inspiradores que sejam pessoalmente. Os líderesprecisamde seu JoãoBatistamais do que eles próprios, seus partidáriosouahistóriaoadmitirãodebomgrado.OliverCromwellprecisoude JohnPym, o general Franco precisou do general Mola, Gamal Abdel Nassercontou com o general Neguib, e RonaldReagan precisou de seu BarryGoldwaterparaabriremseuspróprioscaminhosparaopoder.TonyBlairteveoraroluxodeterdoisJoãoBatistasemNeilKinnockeJohnSmith,quetornaramsuasidéiasmaispalatáveiseseucaminhomaissuave.Oprocessoémuitasvezespenosoparaa imagemdesão João,como foi

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claramente para o próprio Batista. Eles raramente obtêm oreconhecimentoquemerecemetendemalembraraabadessadelPilaremTheBridgeofSanLuisRey[ApontedeSanLuisRey],deThorntonWilder,que “era uma dessas pessoas que permitiram que suas vidas fossemerodidas porque se apaixonaram por uma idéia… antes de seuaparecimento predeterminado na história da civilização”.Muitas vezes “oprecursor” não é um colega político, mas um intelectual, alguém cujospensamentos tornampossívelparao líderdizere fazercoisasque teriamsido inconcebíveis mesmo apenas uma geração mais cedo. MargaretThatcher,porexemplo,precisouqueasidéiaseconômicasdeFriedrichvonHayek, Milton Friedman, sir Keith Joseph e Enoch Powell fossemdisseminadas em larga escala antes de poder empreender suas vastasreformas de livre mercado na década de 1980. Ela reconhececopiosamente essas dívidas intelectuais, mas muitas vezes os líderesgostamdedara impressãodequeelaboraramsuaideologia inteiramenteporcontaprópria.Entretanto,comoHeinedeclarouem Sobreahistóriadareligião e da iloso ia na Alemanha: “Observem isso, vocês, orgulhososhomensdeação.Vocêsnãopassamdos carregadores subconscientesdoshomens de idéias…Maximilien Robespierre nadamais foi que amão deJean-Jacques Rousseau, a mão ensangüentada que extraiu do útero doTempo o corpo cuja alma Rousseau criara.” Nem Hitler nem ChurchillforamprecedidosporumvultodeJoãoBatista;nãoforamoscarregadoressubconscientesdeninguém.

HitlereChurchill:suapermanenterelevância

Para tentar estimar o poder que a Segunda Guerra Mundial continua aexercer sobrenós, reuni vários recortesde jornalduranteduas semanasem março de 2000, um período escolhido inteiramente ao acaso,separandotudooqueserelacionassecomaSegundaGuerraMundial,umevento de seis anos de duração que, a inal de contas, terminara 55 anosantes.Nesses14dias,IsraeldivulgouosdiáriosdeAdolfEichmann;provasconclusivas de parte a parte começaram a ser apresentadas no processopordifamaçãoDavidIrvingversusDeborahLipstadtePenguinBookscomrelação ao Holocausto; por im, e com evidente relutância, o pretensoFühreraustríaco JörgHaideracusouHitlercomoohomemmaisperversodo século, um lugar que até então reservara para Churchill e Stálin; foiproposto que o quarto plinto em Trafalgar Square, vazio, fosse ocupado

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por uma estátua compósita de “Mulheres na Guerra”; reivindicações deindenização por obras de arte pilhadas pelos nazistas, ou sua restituição,foramestimadasentre800milhõese2,5bilhõesdelibras;noticiou-sequeLeni Riefenstahl, de 97 anos, sobrevivera à queda de um helicóptero noSudão, e estava prestes a ser representada por Jodie Foster num ilmesobresuavida;apontamentosmanuscritosdeumdiscursofeitoporHitlerao Reichstag em 1939 foram arrematados por 11.800 libras num leilão;Neville Lawrence, o pai de Stephen Lawrence, adolescente negroassassinadoa, comparou as experiências dos jovens negros na Grã-BretanhacomasdeAnneFrank;umhomemvestidocomoHitlerfoipresotentando entrar de penetra na Ópera de Viena; foram publicadosexcelentes obituários de Harold Hobday, que rompeu a represa do Edercom uma bomba de ricochete, e Dominic Bruce, o o icial da RAF que feznadamenosque17tentativasdefugadecamposalemãesdeprisioneirosdeguerra,entreelesColditz;acorrespondênciadarainha-mãeduranteaguerra a respeito do duque e da duquesa de Windsor suscitou grandeinteressedamídia;eoplanodogeneraldaSSWalterSchellenbergparaainvasão nazista da Grã-Bretanha em 1940 foi publicado na íntegra,inclusive com a lista das 2.820 pessoas que seriam presas. Como se vê,mesmomaisdemeioséculodepois,aSegundaGuerraMundialcontinuavaa fazermanchetes. Para nós, soldados britânicos, a guerra está longe determinar.Isto se deve em parte ao fato de que a história do período 1939-45, e

especialmentedo ano transcorrido entre junhode1940 e julhode1941,falaaoprópriocernedapercepçãoqueaGrã-Bretanha temdesimesmacomo uma nação. Tem aspectos que interessam tanto à direita quanto àesquerda. Para a direita, aqueles 386dias emque “ icamos sós”, emboracomoapoioinestimáveldoImpérioedaComunidadeBritânica,etambéma aliança da Grécia, representam a expressão máxima da soberania,provando os bene ícios inestimáveis da independência nacional. Para aesquerda, foi o tempo em que o fascismo como um conceito — nãomeramenteasnaçõesdaAlemanhaedaItália—foiderrotadopelasforçasda democracia tal como representadas pelo que Churchill chamou “aGrande Coalizão”, que incluiu o Partido Trabalhista de Clement Attlee.Michael Foot disse certa vez que 1940 foi um símbolo poderoso demaispara ser con iscado pela direita, e é emparte porque ambos os lados doespectro político se valem ideologicamente dos eventos daquele ano quenosso preeminenteannus admirabilis sobreviveu como um totem tão

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potente. ComoTheTimes escreveunumeditorial em5de junhode1990:“Muitospaíses celebramodia emque sua independência foi conquistadaou seu antigo regime derrubado. Nada disso é aplicável à Grã-Bretanha,umpaíssemumdianacionalpróprio…AGrã-Bretanharememoraumanonacional…Aiconogra iade1940nãopodeestarmuitolongedaquelesquetêmaGrã-Bretanhanasuamente.”HáumatribonaÁfricaOrientalemqueoprincipaldeverdocurandeiro

é prever o que um antigo grande chefe teria feito em qualquer conjuntodado de circunstâncias, e ambos os lados do debate sobre o grau daintegração britânica à União Européia extraíram grande inspiração deWinstonChurchill.Oseuro-federacionistascomoMichaelHeseltinegostamde citar Churchill em defesa do conceito da unidade européia, emboratendam a deixar de acrescentar que o líder da guerra não desejavarealmente que a Grã-Bretanha participasse dela. Sir Edward Heathtambémgostadeponderarqueéparaevitarguerrasfuturascomoaquelaquedisputamosqueocontinentedevese federar.Damesmamaneira,osque se opõem ao projeto Maastricht para a Europa, como o membro doParlamentoBillCasheohistoriadorNormanStone—cujospaismorreramambos na guerra — evocam os resultados desastrosos da tentativa deempurrar a Grã-Bretanha para um super-Estado europeu sem seu plenoconsentimento.É para 1940-41 que somos sempre compelidos a nos voltar quando

procuramosasrazõesporqueosbritânicosseorgulhamdesê-lo.Háumamultiplicidade de coisas que a Grã-Bretanha, sem dúvida, fazmuito bem,mas parece da mesma forma haver sempre outros países que fazemexatamente asmesmas coisasmelhor. É di ícil pensar em ter orgulho daGrã-Bretanhasimplesmenteporcausadapompa,dascorridasdecarro,daindústria da músicapop e da criação do Serviço Nacional de Saúde, atéporqueaAlemanhateveseuprópriosistemanacionaldesaúdemuitomaiscedo. É preciso haver mais alguma coisa, e para muitos é o que a Grã-Bretanha fez mais de 60 anos atrás. Diferentemente de qualquer outrapotência,oImpérioBritânicopermaneceunocampodesdeoinício—comexceção dos dois primeiros dias após a invasão alemã da Polônia— atéqueoDiadaVitóriasobreo Japão(VJ-Day)assinalouo im,eessaéumacausaparaenormeejustificávelorgulho.A sensação de catarse gerada pelos anos de guerra foi tal que tudo o

que ocorreu desde então tendeu a ser percebido como menor, maisseguro, mais trivial, menos magní ico. O período pós-guerra na Grã-

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Bretanha foi também inevitavelmente uma era pós-heróica. A Grã-BretanhadeHaroldWilson,EdwardHeatheJeremyThorpedadécadade1970 simplesmente não podia pretender se comparar em termos deglamour e romantismo à de Churchill, Eden e Montgomery do início dadécada de 1940. Contudo, através de todas as várias tensões que seacumularamnaGrã-Bretanhadopós-guerra—onaufrágiodoImpério,asdesvalorizações periódicas da libra, imigração em massa da NovaComunidade Britânica, a debacle de Suez, o recurso ao FundoMonetárioInternacional,osdistúrbiosdasrelaçõesindustriaisnaBritishLeylandeoInvernodoDescontentamentode1978-79—a lembrançade1940-41foisempreumconsoloeum lembretedeque,porsob todasashumilhações,haviaumagrandenação.Muitas outras nações tiveram sua idade de ouro, seumomento sob as

luzesdaribalta.Atragédiaparticulardeminhageração,adobaby-boom,éessemomentotersidotãorecente.Équaseumareceitadeniilismo,saberque nada pode recapturar aquele período sublimemente heróico. Assimcomo os gregos permanecem orgulhosos, com razão, dos feitos dosateniensesnoséculoVa.C.,osfrancesesseexaltamquandocontemplamoArco do Triunfo (embora ele represente como vitórias batalhas que aFrançadefatoperdeu),osamericanosreverenciamospaisdaConstituiçãodos Estados Unidos, e os mongóis ainda veneram (contrariando ordemgovernamental estrita) a memória de Gêngis Khan, assim também nãopodemos tirar da mente o ano em que, como T.S. Eliot escreveu em seupoema“LittleGidding”,“ahistóriaagoraestánaInglaterra”.Hápoucosindíciosdequeointeressepelaguerraestejadeclinandopelo

simples fato de seus participantes estarem saindo de cena, como ointeresse pelo Partenon na Grécia, por Napoleão na França ou pelaConstituição nos EstadosUnidos tampouco declinou com amorte de seusprotagonistaseautoresimediatos.OprimeiroquartodoséculoXXIveráosveteranosdaSegundaGuerraMundialmarcharemparaforadocampodebatalhadavida,masofascínioeaadmiraçãoporseusfeitosnãomorrerãocomeles.Muito tempodepois que todas a relações pessoais tiverem sidorompidas,ospersonagens,eventoseliçõesdoqueaconteceuentre1939e1945 serão lembrados por gerações futuras. A reintrodução dos doisminutosde silêncionoDia doArmistício é um sinal do interesse redivivoporaqueletempo,edeveneraçãoaele.Semprequedoupalestrassobreaguerra em escolas, ouço repetidamente dos professores que esse é, delonge,operíodohistóricofavoritodeseusalunos.

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AlgunsacreditamqueaobsessãodaGrã-Bretanhapelaguerraéinfantile prejudicial ao nosso processo de maturação como um Estado europeunormal. Sustentam que as feridas já estão em grande parte cicatrizadas,sendo apenas espicaçadas quandohooligans entoam letras xenofóbicascom a música de “The Dambusters’ March” em jogos internacionais defutebol. Mas as manchetes daquelas duas semanas de março de 2000deveriamconvencê-losdocontrário.ComoT.S.Eliot tambémdisseemseupoema “Nascemos com os mortos: Veja, eles retornam e nos trazemconsigo.” Sejam bancos suíços respondendo judicialmente a judeus queexigem reparações, jovens alunos americanos venerando Hitler e depoisdesencadeando terror na Columbine High School, ou platéias a luindo ailmesdeSpielbergcomoAlistadeSchindler ouOresgatedosoldadoRyan ,os ecos da guerra de Hitler continuarão a reverberar incessantemente,talvezdemaneirasquehojemalpodemosadivinhar.Muitos fatores levariam à vitória inal dos aliados e à derrota alemã naSegundaGuerraMundial: entreelesdestaca-seavasta superioridadeemnúmeros e material. Mas a liderança de Hitler e Churchill tambémdesempenhou um papel vital nela. As lições que podemos aprender deseusrespectivoscomportamentosentre1939e1945podemnosajudarnomodo como abordamos os dilemasmuitomenos graves de nosso própriotempo. Que segredos de liderança Hitler empregou para hipnotizar umanação? Se hoje podemos ver tão facilmente sua verdadeira natureza, porqueopovoalemãonãofoicapazdissonaépoca?Porqueasadvertênciasde seu arquiadversárioWinston Churchill não foram ouvidas quando eleestava prevendo justamente o que Hitler estava prestes a fazer? Eleacertouemquase todosos aspectos, e essapresciência temistocleanaé aessênciadaliderança.AocontráriodeHitler,Churchillhaviasidoeducadoeformadoparaexercer liderançadesdeonascimentoe,nãoobstante,elasólhefoiconfiadaquandojáeraquasetardedemais.Porquê?Acreditoqueprecisamoscompreendercomoaliderançafunciona,como

éusadae,comtantafreqüência,mal-usada.Precisamossaberoquefazdealguémumbom líder,mas também comodetectar todos aqueles truquesque pretensos líderes usam para tentar ganhar nossa con iança e apoio.Precisamos saber como identi icar os Führers do futuro, porque de umacoisa podemos ter certeza: da próxima vez, eles certamente não estarãousandoasreveladorasbotasdecanoaltoebraçadeiras.

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aReferênciaaocrimeocorridoemLondresem1993.(N.T.)

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HitlereChurchillaté1939

“Você sabe o quanto posso parecer violento, mas souviolentocomumhomemapenas—Hitler.”

Churchillaseunovosecretárioparticular,JohnMartin

Todos nós conhecemos bem as cenas de vastas multidões bajuladorasfazendo ilas pelas ruas para saudar Hitler em suas várias viagens peloTerceiroReichnadécadade1930.Sãosimuladas,éclaro,masaadoraçãoestampada nos semblantes dos alemães comuns não era. Como pôde umespécime pouco sedutor — com seu bigodinho absurdo, voz irritante eolharfixo—terchegadoamereceressadevoçãofanática?Numamedidararamentevistaforadeumcontextoreligioso,ofenômeno

de Adolf Hitler permitiu a pessoas inteligentes suspender a atividadedaquela parte de seus cérebros que gera a racionalidade. Oministro daDefesa alemão, marechal-de-campo Werner von Blomberg, a irmou queum aperto de mão cordial do Führer podia curá-lo de um resfriado. Omarechal-de-campoGöringdisse:“SeHitlerlhedissessequevocêeraumamulher, você sairia do prédio convencido disso.” Há um sem-número deoutrosexemplosdepessoasinteligentes—tantohomensquantomulheres— que eram fascinadas por Hitler. Como lembrou um dos o iciais maisgraduados de seu estado-maior, generalWalterWarlimont, “Di icilmenteumdosgrandescomandantesdoteatrodeguerra,quandoconvocadoparafazer uma apresentação ou relatório no quartel-general, resistia àpresençaextraordináriadeHitler.”1Churchill, em contraposição, nunca pareceu exercer qualquer tipo de

poder pessoal quase místico sobre os outros. Enquanto Hitler tinhacarisma,Churchillnãotinha.ComoerapossívelqueHitlerdespertassetãomais veneração e adulação que o primeiro-ministro britânico? E por que,apesar disso, foi Churchill que acabou se provando o líder mais bem-sucedido? Seja como for, o que fez de Hitler e Churchill líderes, e quetalentosetécnicaselesempregaramparainduzirmilhõesasegui-los?

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Fizeram-se várias tentativas de comparar Hitler e Churchill. NaspalavrasdeumhistoriadordafamíliaChurchill,JohnPearson:

SobváriosaspectosChurchilleAdolfHitlereramconstrangedoramenteparecidos. Ambos eram homens implacáveis, obcecados pelo podermilitare comacentuadosensodepredestinaçãopessoal.Amboseramautodidatas, intensamente nacionalistas e extremamente agressivosdiante da oposição. Ambos, também, eram personalidades fortementeegocêntricas,oradores impressionantes,atores inatoseconversadoresmagnetizantes,maisdoquecapazesdedominarosquecaíamsobseufeitiço. Ambos… [encontravam] seu relaxamento na pintura, nomonólogo especulativo e em projeções noturnas de seus ilmesfavoritos. Havia até uma estranha semelhança no modo como ambosesboçaram fantasias fortemente autobiográ icas dos caminhos quepretendiampercorreratéopoder,Churchillem[seuromance] SavrolaeHitleremMeinKampf.2

Lamentavelmente, quaisquer percepções proveitosas que esta passagempoderia conter são destruídas quando o autor prossegue a irmando queChurchill“poderiaprovavelmente”teragidodamesmamaneiraqueHitleremsuaascensãoaopoder,quando,defato,aidéiadeChurchillafundando-se até sua gravata-borboleta de bolinhas no sangue de seus inimigospolíticoséinteiramenteestapafúrdia.Oslíderespoderosos,emsuamaioria— certamente não só Hitler e Churchill — são “personalidadesegocêntricas”, “extremamente agressivos diante da oposição”, masenquanto Churchill demovia sua oposição com argumentos e a derrotavacomvotosnoParlamento,Hitlerexecutouseusopositoresa tirosnaNoitedosLongosPunhaiseusouDachaueoutroscamposdeconcentraçãoparase livrardo resto. Churchill jamais teria cogitado recorrer a táticas dessetipo, mesmo que as tensões internas da Alemanha da década de 1920tivessemsereproduzidoemseuprópriopaís.Éverdadequeelecon inoubritânicos sem julgamento sob a Norma 18B em 1940, mas sempreconsiderou isso, em suas próprias palavras, “odioso nomais alto grau”, elibertou-osassimqueopôdefazeremsegurança.Reservavaousodogásparaquando—ese—osalemães invadissemas ilhasbritânicas,emvezdefazerdeleuminstrumentodegenocídiocontracivis.O nacionalismo de Churchill era inegavelmente profundo e bem

articulado, mas nunca se assemelhou ao nacionalismo ressentido,paranóico e cruel que Hitler adotava. Mais do que no “monólogo

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especulativo”, Churchill era realmente exímio no diálogo e nas tiradasespirituosas; logo teria se cansado das platéiasmudas, extasiadas, que oFührerapreciava.Churchillsóera“obcecadopelopodermilitar”emtempode guerra; simplesmente aconteceu que dois de seus períodos no podercoincidiram com as duas guerras mais terríveis da história humana. Emtempodepaz,eleseconcentrouemestabeleceralegislaçãoqueproibiuoemprego de meninos com menos de 14 anos emminas, introduziu aSeguridadeNacional edeuuma tardepor semanade folgapara todosostrabalhadores. Ademais, Churchill pintava para ins de relaxamento eprazer;Hitlerpintavacasasparasesustentaredeixoude fazê-loquandosuanecessidadededinheiroseatenuou.A tentativa de equipararMein Kampf de Hitler ao romanceSavrola de

Churchill foi o mais absurdo dos expedientes de Pearson. Enquanto oprimeiro livroéumprojetoparaabuscade Lebensraum (espaçodevida)no lestepelaAlemanhanazistaeumtratadosobreasuperioridaderacialdos arianos sobre os eslavos,Savrola é um leve melodrama românticosobreumcasodeamorentreamulherdopresidentedeumarepubliquetalatino-européia e o líder da oposição do país, o herói que dá nome aoromance. Escrito em 1897 e publicado em 1900,Savrola contém de fatoalgumas referências à política, entre elas alusões neodarwinistas àsobrevivênciadasmaisaptasentreasnações;elasre letiamopensamentoeugenista da época, com que Churchill concordava, mas qualquersemelhança comMein Kampf termina aí. O livro certamente não esboçouuma fantasia autobiográ ica sobre a ascensão de Churchill ao poder, atéporqueSavrola defende a apaziguamentododitadorMolara, deixa o paísquandoaRevoluçãocomeçae só chegaaopoderemLaurenianoepílogodolivro,emquetodosestãovivendofelizeseassimviverãoparasempre.Em contraste comMein Kampf , Savrola não foi um sucesso comercial,

tendo o próprio Churchill admitido: “Sempre instei irmemente meusamigos a se absterem de lê-lo.” É fácil entender por que, diante de suatrama absurda, a caracterização unidimensional e os clichês persistentes.Ratos abandonam navios que naufragam, pessoas rebaixam-se paraprevalecer, tiros saempela culatra, aheroínaamaochãoemqueoheróipisa,échegadaahora,e “Noamorenaguerra tudoépermitido”.O livroestá cheio também das observações politicamente incorretas que sepoderiaesperardeumaobradeseutempo:oreidaEtiópiatemumrosto“negromas vivo”, a sina de umamulher é a abdicação e a obediência, eacercadoqueépraticamenteoúnicopersonagemdaclassetrabalhadora

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dolivro,“nãoleremosmais,poisahistórianãoseocupadegenteassim”.Oherói,Savrola,éum ilósofode32anos,astrólogoamadoreestadista,queé atraído para a política mais por ambição que por desejo de contribuirparaobempúblico.Empraticamente todasas facetasdesuaspersonalidades,doishomens

não teriampodido sermais diferentes queHitler e Churchill. Este últimoeraumhedonistaconsumado,comenormesapetites.Em1943,naviagemparaaconferênciadeQuebecabordodonavio QueenMary,porexemplo,Churchill comeu uma refeição composta de “ostras, consommé, linguado,peruassado, gelo commelão-cantalupo,queijoStiltonegrandevariedadedefrutas,petitfoursetc.,tudoregadocomchampanhe(Mumm1929)eumLiebfraumilchexcepcional,seguidosporumconhaquede1870.”A relação de Churchill com a bebida é uma questão importante. Ele

costumava dizer que o álcool lhe deramais do que lhe tirara, e todos osquebebem lhe fariamcoro.Emseucaso,porém, comumacompleiçãodetouroque lhe serviubematé suanonadécada, essa era a pura verdade.EmboraHitleracreditassequeChurchilleraumalcoólatraincurável,nãoéissoqueosdadossugerem.Churchillestavaclaramentebrincandoquandorecusouumaxícaradecháporrazõesmédicas,dizendo:“Meumédicomeproibiu de tomar qualquer coisa não-alcoólica entre o café damanhã e ojantar.”Naverdade,comoeleescreveuemsuaautobiogra ia, MyEarlyLife[Meusprimeirosanos:umrostoerrante],“fuicriadoeformadoparateromais profundo desprezo por pessoas que se embebedam”. Seu amigo, oprofessorFrederickLindemanncalculoucertavezque,durantetodaasuavida, Churchill tomara champanhe su iciente para enchermeio vagão detrem,maslevoumaisdemeioséculoparafazê-lo. 3(O“Prof”foiummestredoquehojechamaríamosincorreçãopolítica,tendoumavezperguntadoaumfuncionáriopúblico:“Quepropostaabsurdaéessadeabolirafome?”)AcusaçõesdealcoolismofeitaspelofalecidohistoriadorDavidIrvingem

suabiogra iaemváriosvolumesdeChurchill—otipodehinodeódioqueteria sido escrito caso a SegundaGuerraMundial tivesse sidoganhapelolado errado — papagueia a toada padrão da propaganda nazista.Felizmente, porém, o sr. Irving nos dá em seus livros indícios su icientespararefutarsuasprópriasalegações.Assim,quandodeclaraquenum imdesemanaemChequersemagostode1941oconsumodeálcool(clareteàparte) consistiu de duas garrafas de champanhe, uma de porto, meiagarrafa de conhaque, uma de vinho branco, uma de xerez e duas deuísque,eletambémnosrevelaquantaspessoasestavamconsumindoessa

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bebida. Somente no almoço de domingo estavam reunidos em torno damesadeChurchill: ladyHoratiaSeymour, lordee ladyCranborne, lordeelady Bessborough, “um Rothschild e sua mulher”, um o icial da RAF e o(reconhecidamente abstêmio) primeiro-ministro canadense,William LyonMackenzie King. Se dividirmos a quantidade de bebida consumida pelonúmero de refeições servidas e depois novamente pelo número demembrosdafamíliaeconvidadospresentes(nestecasopelomenosnove),ela deixa de parecer excessiva, especialmente quando se consideram osgenerosospadrõesdehospitalidadereinantesnascasasdecamporicasdaépoca.4 Assim, a julgar pelas estatísticas do próprio Irving, Churchill nãopode ser acusado de alcoolismo, a menos que se a irme que ele tomousozinhotodaaprovisãodebebidasdeChequers.Mas,comosabemospelotestemunhodeváriosdeseussecretáriosparticulares,queospreparavam,Churchillgostavadeseusconhaqueseuísquesmuitodiluídoscomáguaesoda.(O autor Clive Ponting queixou-se também de que Churchill e Eden

tomaram um caro conhaque de 1865 juntos em novembro de 1940.Contudo seria legítimo perguntar: se eles nãomereciam o luxo de tomarum conhaqueexcelenteenquanto lutavampara salvara civilização,quemmerecia? A biogra ia de Churchill do sr. Ponting e o seu livro 1940:Mythand Reality [1940: Mito e realidade] que nega persistentemente oheroísmodaGrã-Bretanhaemsuahoramaisgloriosa,o tornamparecido,maisquequalqueroutracoisa,comosescreventes jácalvosdopoemadeJohn Betjeman “Slough”, que “sem ousar levantar os olhos para ver asestrelas/Arrotavam”.)Hitler,poroutro lado,podeseracusado—ede fato condenado—por

ser antitabagista, abstêmio e vegetariano. Não era um abstêmio totalporque, segundoelemesmodeclarouemseu julgamentode1924apósochamado“Putsch da Cervejaria”, ocasionalmente “ingeria água ou cervejapor causada securadaminhagarganta”.Mais tarde, uma cerveja escuraespecialcomobaixíssimoteoralcoólicode2%foi fabricadaparaelepelacervejariadeHolzkirchennaBaviera.DuranteaSegundaGuerraMundial,Hitlerobservoucertavezquepoucosepodiafazerparaalteraroshábitosdealimentaçãoebebidadopovoacurtoprazo,masquedepoisdaguerra“tratariadoproblema”.Acenava-seaospovosarianos,apósavitória,comamedonhaperspectivadeumReich submetidoabaixos teoresalcoólicoselivredecolesterol.Na vida privada, Hitler era um daqueles vegetarianos fanáticos que às

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vezes difamam essa perversão. Na década de 1920, quando um amigochamadoMimiReiterpediuumacosteletadevitelaàmilanesa,elefezumacaretaedisse:“Não,váemfrenteecomaisso,masnãoentendoquepossaquererumacoisadessa.Nuncapenseiquedesejariadevorar…acarnedeanimaismortos.Cadáveres!”Chamavacaldodecarnede“chádecadáver”e costumava contar uma história que achava engraçada sobre uma avófalecidacujosparentes jogaramseucorponumriachoparaservirde iscapara lagostins.Paraumconvidadoqueestava comendoenguiadefumadaele observou que a melhor maneira de engordar enguias era dar-lhesgatosmortos, e a senhoras que comiam leitões disse: “Ameus olhos issoparece exatamente um bebê assado.” Deixando de lado a grosseria comseus convidados e as imagens mórbidas às quais recorria, a rematadaironia de estar Adolf Hitler a dar lições sobre a estética imoral decadáveresedamorteédeleitável.Uma vez Hitler foi presenteado com uma lagosta por pescadores de

Heligoland,mas ele pretendia proibir o consumo desses animais “feios ecaros” e não gostava de ser visto comendo pratos caros. Durante osprimeirosmesesapósassumiropoder, assinounadamenosque três leisdistintasparaasseguraraproteçãoeo tratamentocorretodosanimais,eem janeirode1936seugovernodecretou: “Devem-sematarcaranguejos,lagostas e outros crustáceos jogando-os com rapidez em água fervente.Quando possível, isso deve ser feito individualmente.” É que, após muitadiscussãoemaltosníveisgovernamentais,asautoridadeshaviamdecididoqueesseeraométodomaishumanodematá-los.Hitlergostavatambémdecaviar,atédescobriroquantosegastavacom

ele e substituí-lo por ovas de peixe, pois a idéia de um líder que comiacaviar era incompatível com sua auto-imagem. Churchill reagiavigorosamente contra esse tipo de gente, e num memorando para lordeWoolton,doMinistériodosAlimentos,em julhode1940escreveu: “Quasetodasaspessoasextravagantesemmatériadecomidaqueconheci,osquepassavamacastanhaseoutrosdogênero,morreramjovensapósumlongoperíodo de decadência senil… A maneira certa de perder a guerra éimpingiraopovobritânicoumadietadeleite,farinhadeaveia,batatasetc.,regadosnasocasiõesdegalacomumpoucodesucodelima.”Hitlereraquasetotalmentedesprovidodesensodehumor,salvoomais

negro, e até as últimas horas de sua vida foi um solteirão incapaz de seentregaremocionalmenteaoutroserhumano.Churchill,emcontraposição,eraumhomemde família,umespíritobenevolenteegozavademerecida

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famaporsuaespirituosidade.Osgostosartísticosdosdoishomenstambémnão poderiam ter sido mais diferentes. Hitler sabia muito sobre músicaclássica em geral e era inspirado pelas obras de Richard Wagner emparticular. Churchill preferia marchas militares, Gilbert e Sullivan, ocomediantedo teatrodevariedadesHarryLaudereascançõesescolaresquehaviacantadoemHarrowelembroucomafetopelorestodesuavida.Quando criança,DianaMosley, primadeChurchill atravésde suamulherClementine, lembra-se de tê-lo ouvido cantar “Soldiers of the Queen” “eoutrasbaladasde sua juventude, enquantomarcavao compassocomsuamãobrancaebemformada.” 5Quandoestavaparticipandodaconferênciade Quebec, Churchill “fez vários membros de sua comitiva, inclusive orabugento [subsecretário permanente do Ministério das RelaçõesExteriores, sir Alexander] Cadogan, participarem de um coro de velhascanções demusic hall”.6 Churchill era um exemplo do gracejo de NoëlCoward emPrivateLives sobreopoderdamúsicapopular;nãosuportavaouviracançãosentimental“KeepRightontotheEndoftheRoad”porqueelaofaziachorar.Praticamente qualquer coisa podia provocar lágrimas em Churchill.

Enquanto muitos líderes modernos lutam com esforço para fabricaremoções genuínas, Churchill — que era essencialmente uma igura daRegência no modo claro como expunha seus sentimentos — eraregularmente dominado por elas. Se George W. Bush ou Tony BlairchorassemempúblicoduranteaguerracontraoTerror, issosemdúvidapoderia abater um grande número de pessoas, mas Churchill era tãonaturalmente lacrimoso que parece ter passado boa parte da SegundaGuerraMundialemlágrimas.“Euchoromuito,vocêsabe”,disseumavezaseusecretárioparticularnopós-guerra,AnthonyMontagueBrowne.“Vocêvaiterdeseacostumarcomisso.”Osecretáriologoofez,inclusivequandolágrimasrolarampela facedoprimeiro-ministroaocontemplara listadosmortos na guerra no Boodle’s Club em St. James’s. Como osecretárioparticularanteriordeChurchill,sir John(“Jock”)Colvilleexplicou, issoera“partedeseucaráterenatureza,elenãotinhamedodeseremotivo.”Churchillchorouaoserinformadodequeoslondrinosestavamfazendo

ilaparacompraralpisteparaseuscanáriosduranteaBlitz;depoisdoseudiscurso “Sangue, trabalho, lágrimas e suor”; no batismo de seu neto exará,Winston; anteos aplausosdespertadospor seuanúncio,naCâmarados Comuns, do ataque àmarinha francesa emOrã; ao percorrer o EastEnd durante a Blitz em setembro de 1940; no inal da visita à Grã-

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BretanhadoenviadoamericanoHarryHopkins;aosaberdossofrimentosda França ocupada em junho de 1941; 7 ao assistir o ilme de AlexanderKordaThat Hamilton Woman a caminho de Placentia Bay; no serviçoreligioso a bordo do HMSPrince ofWales, quando lá;8 durante a paradaapósabatalhadeElAlamein;aoreceberosresultadosdaeleiçãogeralde1945;9 durante o discurso de John Freeman em resposta ao GraciousSpeech em 1945; na primeira reunião Alamein no Royal Albert Hall, aoencontrar os que haviam sido feridos na batalha;10 no funeral de sirStafford Cripps, e em muitas outras ocasiões. Em 1952, por ocasião dofuneral do rei Jorge VI, o duque de Windsor escreveu para a duquesa:“EsperoverBebêChorãomaisumavezantesdeembarcar”,observando:“Ninguémchorounaminhapresença.SóWinston,comodecostume.”ParaumaristocratadoséculoXIXerainteiramenteantibritânicodemonstrarosprópriossentimentosassimdemodotãoaberto,masemépocasanterioresissoforacomumeerainteiramentechurchilliano.(Anthony Montague Browne continuou servindo ielmente a Churchill

até a morte deste em janeiro de 1965, sacri icando sua carreiradiplomática. Foi a ele que coube registrar a morte na prefeitura deKensington, tendo escolhido “estadista” em vez de “aposentado” como aocupação do falecido. Antes que o caixão fosse fechado, o gato malhadoJock, de que Churchill gostava muito, entrou no quarto, pulou dentro docaixão, espreitou o rosto imóvel e foi embora, paranuncamais entrar denovo naquele quarto. Além da família, Montague Browne foi o único acaminhar atrás do catafalco no funeral de gala. Ele se lembrou como, nofimdolongodiadenotáveishonrasfúnebresnacionais,voltoudocemitériode Bladon em Oxfordshire “afogado numa onda de doloroso pesar pelobruscodeclíniodaGrã-Bretanha,contraoqual[Churchill] lutaraemvão”.Ao chegar em seu apartamento em Eaton Place, descobriu que ele foraarrombadopor ladrões.NãopoderiahavermelhormetáforadamodernaGrã-Bretanha.)EmborasejaimpossívelimaginardoishomensmaisdiferentesqueHitler

e Churchill, como líderes eles tiveram muito mais em comum do que sepoderia pensar. O atributo-chave que partilharam foi uma tenacidade deobjetivo quase sobre-humana que conservaram durante todos os seuslongosanosdeadversidadeefracasso.AprisãodeLandsbergnaBaviera,ondeHitlerfoipararem1923,eraumlugarameaçador,emboraeletenhasido tratado commuita leniênciaali.Eleacabarade tentar tomaropoder,masseuPutschdaCervejariamalograrapateticamente.Defato,atéosseus

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40anos,AdolfHitlerfoiumfracassosobquasetodososaspectos.Duranteamaiorpartedadécadade1920seuPartidoNSDAP(apelidadoNazista)nãoganhoueleiçõesemlugarnenhum.Naseleiçõesde1929,porexemplo,obtevemeros 2,6% dos votos. Amaioria das pessoas na época via Hitlercomo o líder de brincadeira de um partido de brincadeira,reconhecidamentedesprovidodequalquerfuturopolítico.ChurchilltinhaplenacompreensãodoqueHitlerpassaranessesanosde

ostracismo alemão. Em seu livro de 1937,Great Contemporaries[Contemporâneosilustres],reproduziuumartigode1935emquedisseraque a história da luta de Hitler não podia ser lida sem admiração pelacoragem, a perseverança e a força vital que lhe haviam permitidocontestar, desa iar, aplacar ou sobrepujar todas as autoridades ouresistênciasque lhebloqueavamocaminho,noquechamoude“a longaeextenuante batalha [de Hitler] pelo coração alemão”. (Com louvávelousadia, Churchill chegou a conservar estas — e outras — palavrasgenerosassobreHitlernareimpressãode1941desselivro.)Em contraste com Hitler — que teve na vida todas as desvantagens

necessárias ao sucesso — Churchill teve todos os privilégios que tantasvezespressagiamamediocridade.NasceunopaláciodeBlenheim,bemnoápice doestablishment político britânico. Quando estava na escolapreparatória,seupai,lordeRandolphChurchill,eraministrodasFinanças.Foi-lhe legado um início muito mais fácil que o de Hitler, ilho de umsimplesfuncionáriodaalfândegaaustríaca.Netodeumduque,dequemfoio herdeiro presuntivo até os dez anos, Churchill teve uma promissoracarreiracomoministrodoInteriorantesqueodesastreseabatessesobreele na condição deministro daMarinha (primeiro lorde do Almirantado)naPrimeiraGuerraMundial.Porcausadeumacombinaçãodejulgamentomilitar incorreto e um azar assombroso, o plano que concebeu, acampanha de Gallipoli, foi um dispendioso fracasso, e ele foi obrigado arenunciar ao Gabinete, desonrado. Sua mulher, Clementine, sempre selembroudissocomoopontomaisbaixonavidadomarido,quandoconstaqueeleteriachegadoaté,porumcurtotempo,apensaremsuicídio.MasChurchillnãosedeixouprostrar.Tinhaapolíticatãoentranhadaem

seu sangue que a discutiu com Lloyd George na sacristia enquantoesperava para assinar o livro de registro durante a cerimônia de seucasamento,enãoestavaprestesadeixaressemundo.Em1924tornou-seeleprópriooministrodasFinançase,apóstrabalharporcincoanosnessealto posto, escolheu mais uma vez o ostracismo quando renunciou do

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GabineteFantasmaparaempenhar-seemumacampanhalonga,penosaeemúltima instância condenadaao fracasso contrao autogoverno indiano.SeusapelosparaqueaGrã-Bretanhapusesse imàGuerraCivilRussaeaimpressão de excessiva irritabilidade que causou durante a Greve Geralnão lhe valeram uma melhor reputação; ao contrário, somados ao apoioexcêntrico e aparentemente interesseiro que deu ao rei Eduardo VIIIduranteaCrisedaAbdicação, izeram-nopareceraosolhosdosbritânicoscomoumdefensordaguerraeumrebeldeimperialistairremediavelmentereacionário. Em uma votação acirrada ele escapou de ser destituído porseu próprio eleitorado. Houve, na realidade, a opinião de que, quandoChurchill—depoisdeteranunciadodesastrestantasvezes,comrelaçãoatantas questões diferentes e por um período tão longo — inalmenteencontrou tempoparachamaraatençãoparao tamanhodaLuftwaffe, jánão era levado a sério. Ele próprio escrevera sobre esse fenômeno emSavrola,aodescrevera imprensaanti-MolaradeLaureniaeomodocomo“o pior resultado do uso habitual de uma linguagem enérgica é que,quandoummomentoespecialrealmentechega,nãohácomoenfatizá-la….Eles tinham comparado o chefe do Estado tantas vezes e de modo tãovívidoaNeroe Iscariotes—oqueeraumavantagemparaestas ilustresfiguras—,queeradifícilsaberquetratamentolhepoderiamdaragora.”11Na década de 1930, exceto por uns poucos meses, Churchill foi um

homem do passado. O escritor Christopher Sykes chamou-o “umadesastrosa relíquia do passado” e até seu amigo, o barão da imprensacanadense Max Beaverbrook, o descreveu como um “busted lush” [algocomo uma expectativa frustrada]. Em 1931 foi publicado um livrointituladoThe Tragedy of Winston Churchill [A tragédia de WinstonChurchill].Duranteumadécadaelefoiobrigadoapassargrandepartedeseu tempo na casa de Chartwell no Kent, pintando, assentando tijolos eescrevendoabiogra iadeseunotávelancestralJohnChurchill,oprimeiroduque deMarlborough. Em 1937, quando amembro tóri do Parlamentolady Astor visitou Josef Stálin, o líder russo lhe perguntou sobre asperspectivas políticas de seu velho inimigo. “Ah, ele está acabado”, elarespondeu, uma visão de Churchill a que a maioria dos comentadorespolíticosdaépocateriafeitoeco.Entretanto, como Hitler, Churchill aferrou-se resolutamente às suas

crenças, a principal sendo a de que fora escolhido pela Providência parasalvar seu país. Apesar da hostilidade e da zombaria generalizadas,continuouaadvertirsobreaameaçadoataquenazista.Issocomeçoucedo;

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em março de 1933 denunciou “a agitada insurgência de ferocidade eespírito belicoso” que estava então se alastrando na Alemanha nazista.Quando Hitler ocupava o cargo de chanceler havia apenas dois meses,Churchill chamou a atenção para “o tratamento impiedoso dasminorias”na Alemanha, e o modo como o país “abandonara suas liberdades paraaumentar seu poder”. Em particular, enfatizou a rápida expansão daLuftwaffe e a fraqueza contrastante da Real Força Aérea (RAF). Aodescrevera“con lagraçãoincalculável”quepoderiaserdesencadeadaporum ataque a Londres com bombas incendiárias, Churchill foi acusado dealarmismopeloprimeiro-ministrobritânicoStanleyBaldwin.Parte do problema era que Churchill não se ajustava a postos

subordinados. A inquietação e frustração gerada por sua inconformidadecomoutrospapéislevarampraticamenteatodosaseequivocarsobresuascapacidades de liderança, mas alguns de seus colegas as reconheceramcedo. O ministro das Relações Exteriores na época da de lagração daPrimeira Guerra Mundial, sir Edward Grey, observou certa vez: “Dentroembreve,graçasaoplenovigorintelectual,Winstonestaráimpossibilitadode ser qualquer coisa num Gabinete senão primeiro-ministro”. AdeterminaçãodeChurchill emergia comoaqualidade vital exigidapara aliderança nacional, mas ele não se adequava bem a nenhuma posiçãosenãoadosumogovernante.Suaenergia,iniciativaementeenciclopédica,quandoexercitadasnoscargossubordinadosqueocupouaolongodetodaa sua carreira, simplesmente despertavam a hostilidade de colegas esuperiores. Muitos de seus pares viram sua mudança para o “NúmeroDez”aem1940comtemoresusto.Anosdepois,oministrodoGabinetedeGuerra sir Ian Jacobescreveu: “Elesaindanão tinhamaexperiênciaouaimaginação para compreender a diferença de um dínamo humano aozumbirnaperiferiaeaoseconduziraocentro.”Embora Churchill tivesse aspirado ao posto na década de 1930, mais

tarde sentira-se enormemente aliviadopor elenão lhe ter sidooferecido,pois isso o deixara inteiramente livre de qualquer responsabilidade pelapolítica de apaziguamento do Governo Nacional. “Asas invisíveis batemsobre mim”, escreveu mais tarde. Durante toda a sua vida, Churchillacreditou que fora escolhido pelo Destino para coisasmaiores e esse foiumfator-chaveemsuaenergia.Certavez,naGrandeGuerra,quandoseuabrigo antiaéreo foi rebentado por um projétil alto-explosivo momentosdepoisdeeleodeixar,dissetertido“umafortesensaçãodequeumamãoseestenderaparametirarporumtrizdeumlugarfatal”.Longedeserum

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cristãoconvencional,Churchillacreditavanumtipodeprovidênciaquelhereservava um destino especial, embora tivesse condenado semelhanteidéiaemSavrola,quandooheróidizàheroína:“SempreadmireiaaudáciadohomemdepensarqueumPoderSupremohaveriadecolocarcartazesnocéucomosdetalhesdeseusórdido futuro,equeseucasamento, seusinfortúnios e seus crimes estariam escritos em letras de sóis no pano defundo do espaço in inito. Somos átomos irrelevantes … Percebo minhaprópria insigni icância, mas sou ummicróbio ilosó ico, e issome divertemaisqueocontrário.”ComoopróprioChurchilloexpressou,somostodosinsetos,maselegostavadeseimaginarumvaga-lume.Em1931,depoisdeseratropeladoporummotoristaítalo-americanoao

atravessar a Quinta Avenida, ele disse: “Houve um momento… de ummundoemchamas,deumhomemhorrorizado…Nãoentendoporquenãofui quebrado comouma casca de ovo, ou esmagado comouma groselha.”Pode não ter entendido na época, mas tinha suas suspeitas de que oDestinooassinalaraespecialmenteparasalvarseupaís.Porissocontinuouaalertardaameaçadoataquenazistaemtodasasoportunidades.(Numaréplica a Willie Gallagher, o único membro comunista do Parlamento naCâmaradosComuns,Churchilldisseem1944: “Fuidurante11anosumaigura bastante solitária nesta Casa e segui meu caminho com paciência;portantodevehaveresperançaparaonobrecolega.”)Dos nadamenos que 700 artigos que Churchill publicou em jornais—

cobrindo tudo, desde água gelada e sabugo de milho a Mussolini e aascensãodaLuftwaffe,parapublicaçõestãodistintasquantoCosmopolitanePallMallGazette—,umfoiumensaiosobreMoisésquecertamentenãodeixou nos leitores nenhuma dúvida quanto a quem, na crença deChurchill,haveriadeconduzirseupovoàTerraPrometida. “Todoprofetadeve provir da civilização, mas todo profeta tem de ir para o deserto”,escreveu.“Deveterumaimpressãoprofundadeumasociedadecomplexae de tudo o que ela tem para dar, e depois atravessar períodos deisolamento e meditação. É por esse processo que a dinamite psíquica éfeita.”Todaessa iloso iaauto-referentedeviasoarligeiramenteirritanteeridículaparamuitagenteem1932,mas teriaparecidobastantediferenteoitoanosmaistarde,depoisqueadinamite—tantopsíquicaquanto ísica— explodira. Se Churchill teve um modelo político nessa época, foiClemenceau,sobreoqualescreveuemGreatContemporaries (semdúvidademaneira semi-autobiográ ica): “Ele foi derrotado em seu eleitorado doVar, e deixou suas fronteiras sob os sarcasmos e insultos da gentalha.

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Rarasvezesumhomempúblico foimais cruelmenteperseguidoe caçadoem tempo de paz. Dias sombrios, sem dúvida, e os triunfosmaldosos deadversáriosoutroraultrajados!”Anosdepois,porém,em1917: “foinessemomento… que o velho feroz foi convocado para o que foi de fato aDitaduradaFrança.EleretornouaopodercomoMárioretornaraaRoma;desacreditadopormuitos,temidoportodos,maspredestinado,inevitável”.Apósassumiropoder,ChurchillescreveusobreClemenceau(devaneandosobresimesmo):“Elepareciaumanimalselvagemandandoparacáeparalá atrásde grades, rosnando, osolhosdardejando; e tudoà suavolta erauma assembléia que teria feito qualquer coisa para evitar tê-lo naquelelugar, mas, tendo-o posto ali, sentia que devia obedecer.” Seria di ícilimaginarumadescriçãomelhordoPartidoConservadorbritânicoemmaiode1940.A ilha de Churchill, Mary Soames, embora tenha escrito corretamente

queele “tinhauma forte fé subjacentenumDeusProvidencial”, assinaloutambémque“nãoerareligiosonumsentidoconvencional—ecertamentenão freqüentava a igreja com regularidade.” 12 Parece que o dever básicodo Ser Todo-Poderoso em quem Churchill acreditava, mas por quemmanifestavaescassareverência,eravelarpelobem-estar ísicodeWinstonLeonard Spencer-Churchill. Numa ocasião, quando um clérigo visitantequali icou-ode “umpilarda Igreja”, ele respondeu: “Bem,nãomeparecequeissopossaserditodemim.Masgostodepensaremmimmesmocomoum arcobotante.” Gostava dos hinos, comportava-se externamente comoumanglicano,àmaneiradamaioriadospolíticosconservadoresdaépoca,aprovava o papel que a Igreja desempenhava então como um bastião daestabilidade social, e aplaudia a participação que ela tivera nodesenvolvimento do Estado. Ademais, usava o ateísmo dos bolcheviquescontra eles politicamente e embora, nas palavras de seu amigo sirDesmond Morton, “não acreditasse que Cristo era Deus… reconhecia-ocomoomaisexcelentecaráterquejamaisexistiu”.AdmiravaemparticularacoragemqueJesusmostraraemsuamaneirademorrer,umaspectodaíndoledeumhomemquesemprefoisignificativoparaele.Churchill não estava só brincando quando escreveu da Índia para sua

mãe em 1897: “Sou tão presunçoso, não acredito que os Deuses criaramumsertãopotentecomoeuparaum imtãoprosaico”comoamortenumaescaramuça na fronteira noroeste. Quando consideramos quantas vezesChurchill esteve perto da morte durante sua longa vida, é di ícil nãoadmitir que ele talvez tivesse razão (ainda que de maneira um tanto

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blasfema)aosuporque“asas invisíveis”batiamsobreele.A inal,segundoasestatísticas,queprobabilidadeatuarial tinhaumhomemqueviveuseutipodevidademorrer inalmentecomoumnonagenário?Consideremosoque poderia ter acontecido. Ele foi um prematuro de sete meses, depoisquesuamãesofreuumaquedaaocaminharcomcaçadoresnumacaçadana propriedade de Blenheim e em seguida fez uma “di ícil cavalgada depônei” de volta ao palácio. Nem o obstetra londrino nem seu auxiliar deOxford conseguiram chegar a tempo para o parto. Aos 11 anos, quandoestudava em Brighton, Churchill por pouco não morreu de pneumonia,uma doença que voltaria a se manifestar durante e depois da SegundaGuerraMundial.SeufilhoRandolphescreveuqueesseataquede1886pôs“Churchillmaispertodamortequeemqualquermomentodesualongaeaventurosa vida”. Seu outro lerte com a morte foi mais auto-in ligido,quando, aos 18 anos, saltou de uma ponte numa brincadeira deperseguição com o irmão e o primo na propriedade de sua tia ladyWimborne perto de Bournemouth. Com a queda de quase nove metrosnumterrenoduro,rompeuumrime icouinconscienteportrêsdias.“Porumanotiveavidaporum io”,lembrou.DepoisquaseseafogounolagodeGenebra.AshistóriasdesuasproezasemCuba,ondetestemunhouocombatecom

asforçasespanholas,nafronteiranoroestedaÍndiacomatropadecampoMalakand, no ataque do 21º Lanceiros na batalha de Omdurman, etambém ao escapar de um campo de prisioneiros de guerra em Pretóriadurante a Guerra dos Bôeres estão bem documentadas; de fato o lemaregimental dos 21º Lanceiros, “Morte ou glória”, parece sintetizarperfeitamente as opções com queChurchill procurou se confrontar entre1895 e 1900. Mas esse aparente desa io à morte não terminou na suajuventude.Elesobreviveuatéaumaquedadeavião.DepoisdesuarenúnciaforçadadaChancelariadoDucadodeLancaster

em conseqüência do fracasso da campanha Gallipoli na Grande Guerra,Churchillassumiuocomandodo6ºbatalhãodosRealFuzileirosEscocesesna França. O generalato num castelo, muito atrás das linhas daquelecon lito, exercido por tantos o iciais aliados veteranos não era para ele.Volta emeia, quando estava inspecionandouma trincheira ou umabrigo,umprojétilalto-explosivoalemãoaterrissavaalium instanteantesdasuachegadaoulogoapósasuapartida.Embora nunca tenha sofrido uma tentativa de assassinato — uma

curiosa falha numa vida trepidante sob todos os demais aspectos —,

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Churchill claramente cortejou o perigo muitas vezes durante a Blitz,quandocostumavasubirnotetodoprédiodoAlmirantadoparaobservarabatalha aérea, apesar do perigo constante de rajadas de balas, shrapnel,projéteisaltoexplosivosequedasdeavião.Esteveláemcimaemsetembrode1940,omesmomêsemqueopátiodopaláciodeBuckingham,apenasnaoutraextremidadedoMall,foiatingidoemcheio.Churchill,quecaçavaetomou aulas de vôo, levou uma vida que poderia ter sido interrompidaprematuramenteemmaisdeduasdezenasdeocasiõesantesdaconquistadavitórianaSegundaGuerraMundial.Afénaprópriaestrela,noqueelechamavaseu“guardião”e“mãocondutora”,eraumpré-requisitoparaumlíderquedesejavaterotipodeexistênciaativaqueescolheraparasi.O historiador Paul Addison caracterizou as crenças espirituais de

Churchill como “umamistura de ambição,mito histórico e um resíduodeconvicção religiosa”. Se foramesses os ingredientes que sustentaram suaautocon iançaduranteosmesesdedúvidaedesesperoqueseseguiramàcatástrofe de Dardanelos, quem pode acusá-lo por eles? De todo modo,havia uma enorme ambigüidade em suas verdadeiras crenças religiosas.Em junhode1950, numa reuniãodoGabineteFantasma, ele se referiu àvindado“Velho”emsuaajudaemaistardetevedeexplicarquesereferiaaDeus;trêsanosdepois,contudo,apósseuderrame,disseaseusmédicosque não acreditava na imortalidade da alma e que a morte era “veludonegro — sono eterno”. Fora assim que a quali icara em Savrola, meioséculoantes,quandoopresidentedeLaureniaenfrentouamorte“ealémdelanadaviu—aniquilamento—noitenegra,negra”.13EmváriascartasdeChurchill,noentanto,hátambémumaadmissãode

que o Céu de fato existe, especialmente o céu enternecedor que deveriaser entregue a Clementine caso ele viesse a morrer nas trincheiras, deonde escreveu: “Não me pranteie demais. Sou um espírito con iante emmeusdireitos.Amorteésóumacidente,enãoomaisimportantequenosacontece nesseestado de ser… se há algum outro lugar, estarei olhandopor você.” Em seu livroThoughts and Adventures [Pensamentos eaventuras](1932)eleescreveutambém:“QuandochegaraoCéupretendodedicarumaparteconsideráveldemeuprimeiromilhãodeanosàpintura,eassimchegaraofundodamatéria.”Sendo, em suas próprias palavras, “de iciente no sentido religioso” —

tendo perdido especi icamente qualquer fé anglicana que pudesse teradotado por volta dos 23 anos —, Churchill desenvolveu uma crençafundamental, quase pagã, na Sina e noDestino que lembravamuito a de

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Napoleão.MasnãoadeHitler.PorqueHitlerseviucadavezmaiscomooSer Supremo que podia controlar a Providência, algo inteiramente alheioaosistemadecrençadeChurchill(reconhecidotambémcomoegotistaemalto grau). No mínimo, pode-se dizer que Hitler tinha uma fé maisinabalável em sua própria estrela, uma certeza de sua capacidade deconduzir ele próprio o Destino. Acreditava que fora por obra do Destinoque nascera em Braunau am Inn, perto da fronteira alemã, e que nadamenosquea“DivinaProvidência”oenviaraaVienaparaseenvolvercomo sofrimento das massas; e, é claro — exatamente como aconteceu aChurchill —, fora também uma mão invisível que o protegera nastrincheiras durante a Primeira Guerra Mundial, quando tantos de seuscamaradashaviammorrido.Tudoisso,Hitlerraciocinava,deviatersidoarranjadoparaumpropósito,

eesteclaramentedeviasergrandioso.Naalturadoverãode1937eleseacreditavasemdúvidainfalível,declarando:“Quandovoltoosolhosparaoscinco anos que icaram para trás, posso dizer, essa não foi uma obra demãos humanas apenas.” Imagine-se o invencível amor-próprio que épreciso terparadizer aopovoalemão, comoeleo feznumdiscurso: “Éomilagre da era que me tenhais encontrado, que me tenhais encontradoentre tantosmilhões. E eu vos encontrei, essa é a venturadaAlemanha.”NissoeleeraestimuladopeloPartidoNazista:oSSGruppenFührer Schulz,daPomerânia,porexemplo,sódesdenhavaascomparaçõesdeAdolfHitlercomJesus,porque,enquantoCristotinhameros12discípulos,Hitlertinha70milhões.14Hitler invocava também seuSchiksal (Destino) e aVorsehung

(Providência) quando queria simplesmente evitar tomar umadecisão.Defato, só se inclinava a tomar decisões quando isso lhe era imposto pelosacontecimentos ou por seus adversários; do contrário, como disse ohistoriador Karl Dietrich Bracher, sua con iança no Destino era parte daracionalizaçãodesuarepulsainstintivaatomá-las.Hitlerdeclarouquenãofaria um gesto: “Nem que todo o partido tente me compelir à ação. Nãoagirei; esperarei, não importa o que aconteça. Mas se a voz falar, entãosaberei que é chegada a hora de agir.” A crença de ter na mente umreceptordevozeséumconhecidosintomadeesquizofrenia.Sea idéiadeHitler como um Messias nacional tornou-se um novo tipo de fé para aAlemanha nazista, era uma fé em que ele próprio comungavaentusiasticamente.O senso de tudo-ou-nada que Hitler e Churchill ambos adotaram em

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seus anos de ostracismo também era uma conseqüência do fato de quenenhumdosdoistinharecursospróprios,pelomenosatéqueosucessodeseus livros—no casodeHitlerMeinKampf e no de ChurchillThe SecondWorld War [A Segunda Guerra Mundial] — lhes desse segurançainanceira. Embora nunca tenha sido tão pobre como Adolf Hitler foidurante seu período de ostracismo, Churchill viveu durante muitos anosnumagangorraàbeiradaruína.Aspessoastendemasuporque,porserneto de umduque e ter nascido numpalácio, Churchill era também rico,masissoestálongedaverdade.Durantequasetodaasuavida,eporcertoantesdapublicaçãode suasmemóriasda guerra em1948, asdívidasdeChurchill o deixavam com freqüência beirando o vermelho. As despesasacarretadas por seu estilo de vida esplendidamente suntuoso quasesempre consumiam tudo o que ganhava com seu jornalismo e o salárioministerial.Noverãoenooutonode1918,porocasiãodaquartagravidezdesuamulherClementine,suasituação inanceiraestavatãoprecáriaqueseacreditaqueela chegouaoferecer seubebêparaadoçãopelamulherdogeneralsirIanHamilton.Depois de obrigado a renunciar por causa do fracasso de Gallipoli em

maio de 1915, Churchill não voltou a receber seu salário ministerial decincomillibrasporanoatéjulhode1917,quandoLloydGeorgenomeou-oministrodasMunições.Nessemeiotempo,tevedesobrevivercomosoldode o icial do Exército e a remuneração de um membro “menor” doParlamento, numa época em que nenhum dos dois era generoso.Clementinenão tinhaherança algumaa receber epodia contribuirmuitopoucoparaas inançasdafamília.Em1918tinhamtãopoucodinheiroquequando o contrato de aluguel de sua residência londrina em EcclestonSquare venceu, tiveram de se mudar para a casa da tia de Churchill,Cornelia, em Tenterden Street, transversal à Oxford Street. A situação seagravou ainda naquele ano quando Churchill recebeu uma carta doMinistério da Agricultura queixando-se de que a terra de sua casa decampo, Lulleden no Sussex, não estava sendo plenamente cultivada, numperíodoemquetodososproprietáriosdeterrabritânicoseramobrigadosaproduziralimentos. (OservidorpúblicosirMauriceHankey lembroudeterpassadoum inaldetardecomChurchillem1917“perambulandoporsuapropriedadebelaeagreste”.)Emsuarespostaaoministério,Churchillteve de admitir que simplesmente não tinha capital para investir namaquinarianecessáriaparacultivarosolo.Emborasuaatividadejornalísticafosselheproporcionarmaistardeuma

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grande renda, ele escreveu relativamente pouco durante a PrimeiraGuerraMundial,eváriosanossepassariamantesquearendaprovenientedesuahistóriadessaguerra,TheWorldCrisis[Acrisemundial],começassea a luir. Com sua reputação em seu ponto mais baixo após Gallipoli, eletambém não podia recorrer ao generoso grupo de amigos ricos queocasionalmente o livrariade apertos durante os anos do ostracismo de1931-39equeemcertaaltura lhedeuumcarroDaimlerdepresentedeaniversário. Apesar de toda a sua genialidade em outras áreas, Churchilleraumespeculador inanceiroinepto,que,em1929,perdeuoequivalentea250millibrasde2002numúnicodiadaQuebradeWallStreet.Assim,tantoHitlerquantoChurchillconheceramtemposdi íceis,embora

não se possa compará-los, já que Hitler não tinha amigos do tipo que oajudariam inanceiramente a ponto de lhe comprar um Daimler. Os doishomens, contudo, tinham em comum uma tenacidade, uma crençainquebrantável em sua missão, não importa o que os outros dissessemdeles,eemgrandeparte foi issoque lhesvaleuseguidoresdepoisqueascircunstâncias políticas mudaram. Hoje pensamos em Hitler e Churchillcomolíderespoderosos,mastendemosaesqueceroquantosuaascensãoao poder parecia improvável ao povo na época. Ambos haviam sidofracassos, Hitler na década de 1920 e Churchill na de 1930. Como entãopuderamsetornarlíderesdeseuspaísesdepoisdeumtempotãocurto?

Criaçãodomitonacional

HitlerusouseutemponaprisãodeLandsbergparaescreverumlivro,oumelhor,paraditarumlivroaseusacólitosRudolfHesseEmilMaurice,quetambém estavam cumprindo pena por sua participação noPutsch daCervejaria. Ele soa como uma obra proferida por um homem a andar deumladoparaoutronumaceladecadeia, revelandoas frustraçõesdeseuconfinamentoemsuafúriadeambulatória.MeinKampféumlivropavorososob todos os aspectos: uma mistura adulterada, desfocada, dehipernacionalismo maníaco, darwinismo distorcido e anti-semitismorepulsivo.AtécertopontocomoKarlMarx,quereduziuahistóriaàmerahistória da luta de classes, a história da humanidade segundo Hitler nãopassa de uma luta racial, e os males do mundo são atribuídos a umaconspiração internacional judaico-bolchevique. A subjugação de povospretensamente inferiores, como os eslavos, é proposta como a receita da

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salvação alemã.Mein Kampf encerra também, entretanto, o segredo daimpressionanteascensãodeHitleràposiçãodeFührerdaAlemanha.A criação de uma lenda nacional abrangente é epicentral para a

formação de um movimento político moderno. Para Hitler, tratava-se doDolchstosslegende (o mito da punhalada pelas costas). Segundo essaexplicaçãopara aderrotadaAlemanhanaGrandeGuerra, a rendiçãodenovembrode1918ocorreranãoemdecorrênciadeperdasinsustentáveisno campo de batalha, muito menos da má estratégia de homens comoHindenburg ou Lundendorff,oumesmo da incompetência do kaiser,masporque uma conspiração sinistra de socialistas e judeus havia traído ohonestoecorajosoVolk(povo)alemãoapartirdedentro.Essaanálise,queos historiadores são unânimes em considerar desprovida de méritohistórico positivo, foi martelada nos ouvidos dos alemães em todas asoportunidadesdisponíveispelosnazistas.Vez por outra Hitler contava a história germânica desde o tempo de

Armínio,oheróigermanoquedesa iouo ImpérioRomano,passandopeloimperadorBarba-RoxaeFredericooGrande,criandoumpassadoheróicomíticopara todaaAlemanhaquepodiaservigorosamentecontrapostoàshumilhações do Tratado de Versalhes de 1919, por ele atribuídas àpretensapunhaladapelas costas.Na verdade, é claro, a derrota ocorreraporque as tropas alemãs foram apunhaladas pela frente pelas tropasbritânicas, francesas, americanas e canadenses, não pelas costas pelosjudeus.Até não-nazistas passaram a acreditar implicitamente no

Dolchstosslegende,comobálsamopsicológicoperfeitoqueproporcionavaauma nação orgulhosa sem experiência de derrotas. Numa biogra iapublicadaem2002veioàtonaque,nadécadade1920opríncipedePless,umdosmais importantesaristocratasdaAlemanha,ouviudeseupaiqueelejantarananoiteanteriornaPariserPlatzemBerlimcomaricaan itriãjudiaFrauVonFriedländer,equeelalheteriadito:

Talvezvocêsnãocompreendamquequaseganharamaguerraporquenós os estávamos ajudando no mundo todo e que foi só por nossacausa,osjudeus,queascoisaspioraramtantoparavocêsdepois.Comose lembram, em 1917 Balfour fez sua famosa declaração em queprometeu, anós judeus,umapátrianaPalestina.Atéentãoestávamosdoladodele,porqueokaisernosprometeraumapátria,masdepoisdadeclaração de Balfour foi decidido que deveríamos tomar partido dos

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Aliados. Foi o que izemos, e todo o poder de nossa organizaçãomundial trabalhou nesse sentido. Vocês não compreendem, é claro, ograndeerroquecometeramaquinaAlemanhaenaÁustriaaopermitirque judeus fossem o iciais comissionados em seus exércitos, porqueissonosdeuapossibilidadedeobterinformaçãoemtodososníveis,atée inclusive o do estado-maior, e descobrir o funcionamento do seumaquináriomilitar,oquenuncateríamosconseguidodeoutramaneira.Passávamos essa informação para os Aliados. Assim eles sempresabiamcommuitaantecedênciaquaiseramseusplanoseondeecomoopróximomovimentomilitaraconteceria.

Segundo o príncipe de Pless recordou, “meu pai icou extremamenteperturbado. Não conseguia se conformar com o fato de que seus amigosjudeus,queconheceraanosantesdaguerraequehaviam ingidoserleaissúditosalemães,amigos iéisedefensoresdokaiser,estavamnarealidade,o tempo todo, dispostos a trabalhar contra ele se seus líderes políticosassimordenassem.”15Searistocratascultospodemtersedeixadoenganarpor mentirase teorias conspiratórias tão absurdas, quanto não deve tersidomaisfácilparaasmassasalemãsmenosletradas?Por mais repugnantes que suas crenças centrais nos pareçam hoje,

Adolf Hitler ofereceu uma visão clara emMein Kampf : a de umReich(Império) alemão que um dia dominaria a Europa. Para um povo que seconsideravaoprimidoporinfluênciasfunestas—porabsurdasquefossemasteoriasportrásdelas—, issoprovou-seirresistível.EmseulivroHitlerescreveu:

Se hoje a nação alemã, con inada numa área inaceitável, enfrenta umfuturolamentável,issonãoéumditamedoDestino.Revoltar-secontraesse estado de coisas não é tampouco uma afronta aoDestino…Ou aAlemanhaseráumapotênciamundialounãohaveráAlemanha.Eparaserumapotênciamundialelaprecisadaquelamagnitudequelhedaráaposiçãonecessárianomundodehoje,evidaaosseuscidadãos.16

Poucagentelevouessavisãoasérionaquelemomento.Masaconvicçãode Hitler era tão inquebrantável que ele não permitiu que nada odetivesse. Tinha um profundo senso de missão. “Os judeus nãopromoveram o dia 9 de novembro de 1918 impunemente”, disse ele aoministrotchecodasRelaçõesExteriores,FranzisekChvalkovsky,emjaneirode 1939. “Esse dia será vingado.” Essa teoria conspiratória distorcida e

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paranóica exibia o que os psicólogos contemporâneos diagnosticariamcomo os principais sintomas de uma psicopatia. No entanto, Hitler teriasidoumpsicopatadequemuitopoucagenteouviriafalar,nãotivessesidoacrisedocapitalismoconhecidacomoaQuebradeWallStreet.Quando a bolsa de valores americana veio abaixo em Nova York em

outubro de 1929, tudo mudou drasticamente para Hitler. Logo depois aGrandeDepressãoatingiuaEuropa,trazendoemsuaesteiradesempregopara milhões e inquietação social generalizada. Em maio de 1928 osnazistashaviamganhado2,6%dovotopopularesóumadúziadecadeirasnoReichstag,masnaalturadesetembrode1930—quandoaAlemanhatinhacincomilhõesdedesempregados—elesganharam18,3%dosvotosemaisdeumacentenadecadeiras.NomêsseguinteaodaConferênciadeLausanne — que, em junho de 1932, encerrou os pagamentos dereparações pela Alemanha impostos pelo Tratado de Versalhes — osnazistas ganharam 37,4% dos votos. Nessa eleição, os partidosantidemocráticos tiveram a maioria dos votos; pela primeira vez nahistória, um Estado grande e moderno votara deliberadamente contra ademocracia. Agora que a Alemanha estava dilacerada por crises, Hitlersubitamente ganhou aquilo de que todo líder de sucesso precisa:seguidores.Seismesesdepoiseleeraochanceler.Churchill também tinha uma visão forte, inabalável: a de um Império

Britânico poderoso fundado em valores civilizados. Durante a década de1930,noestúdioquetinhaemsuacasadecampoemChartwell,Kent,eleescreveumuitosdiscursosadvertindodosperigosqueaAlemanhanazistarepresentava para a Grã-Bretanha e omundo. Este é um excerto de umquefezparaoCityCarltonClubemsetembrode1935,quandoasameaçasitalianasàAbissínia(aEtiópiaatual)setornavamcadavezmaisincisivase,naAlemanha,asleisdeNurembergestigmatizaramosjudeuse izeramdasuásticaabandeiraoficialdoReichdeHitler.

A Alemanha está se rearmando numa escala gigantesca e comvelocidadesemprecedentes.Todaa forçaeopoderdonazismoestãosendo concentrados em preparações bélicas por terra, mar e ar. Anaçãoalemã,sobaditaduradeHerrHitler,estágastandoesteanopelomenosseisvezesmaisdoquenósnoExército,naMarinhaenaForçaAérea somados. As inanças alemãs são um orçamento de guerraperpétuo. Admiro o notável povo alemão, mas o rearmamento daAlemanha, organizado e conduzido como é agora, deve parecer a

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qualquerpessoacomalgumsensodeproporçãoofatomaisimportanteeassustadorhojenomundo.17

Reconhecendo que a política exterior expansionista de Hitler acabariafatalmente por signi icar guerra, Churchill pediumuitas emuitas vezes àGrã-Bretanha que empreendesse um programa abrangente derearmamento pesado. Poucos lhe deram ouvidos. Ele foi denegrido oracomo“belicosoemilitarista”,oracomoum“lobosolitário”,ouainda—peloDailyExpress emoutubrode1938—como“umhomemque temamenteimpregnadadas conquistasdo [primeiroduquede]Marlborough”. 18 Foranesse mesmo mês que o governo Chamberlain decidira não entrar emguerra com a Alemanha por causa do plano de Hitler de desmembrar aTchecoslováquia, decisão que foi delirantemente aplaudida pela grandemaioria dos britânicos. A visão de Churchill estava claramente em totaldessintoniacomaépoca.Foi somente em 15 demarço de 1939, depois que os nazistas haviam

invadido e ocupado o resto da Tchecoslováquia que ocorreu ao povobritânicoqueChurchilltalveztivesseestadocertootempotodoacercadasverdadeirasintençõesdeHitler.Compreenderamque,tirandoproveitodaindecisãodaGrã-BretanhaedaFrança,aAlemanhaestavadeterminadaadominar a Europa. Finalmente, após meia década de advertências, umnúmerocrescentedepessoassedispunhaaaderiràvisãodeChurchilldeumaaliançapoderosadispostaadefenderaliberdade.Assim, tanto Hitler quanto Churchill ganharam adeptos graças a uma

visãoaqueseaferraramresolutamente.Umaposiçãovisionáriaassiméachavedaverdadeiraliderança,eéparticularmentepoderosaseoslíderesa sustentamemmeioàadversidade, comoHitler eChurchill izeram.NaspalavrasdeRonaldReagan:“Apossar-sedeumavisãoemantê-la,essaéaprópriaessênciadaliderançabem-sucedida—nãoapenasnosbastidoresdecinemaondeaaprendi,masemtodaparte.”AdeHitler,éclaro,erafantasticamentefunesta,masnãofoiassimqueo

povoalemãoaconsiderounaépoca.Emboraparanóssuasidéiaspareçaminteiramenteabomináveis,muitosalemãesacreditaramqueelerealmentelhesofereciaumpanoramafulgurantedeumfuturomelhor.Emsuamaiorparte,semdúvida,essavisãoeradefinidapelascoisasaqueeleseopunha,nãopelasquedefendia.Eleeracontrárioaosocialismo,aobolchevismo,aoTratadodeVersalhes, ao liberalismo, aos judeus, às grandes empresas, àdemocracia e ao conservantismo aristocrático de estilo antigo,

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remanescentedaépocadosGuilhermes.Dizeraquenosopomosémuitomais fácil (e em geral mais e icaz em política) do que dizer o quedefendemos,eHitlerlevouessaverdadeanovosapogeus.

Oratória

“A força que sempre desencadeou as maiores avalanches religiosas epolíticasnahistórianãofoioutra,desdetemposimemoriais,senãoaforçamágica da palavra”, Hitler escreveu. Para ele as palavras eram“marteladas” que tinham o poder de “abrir as portas dos corações daspessoas”. Ele admirava a oratória arrebatada do primeiro-ministrobritânico David Lloyd George, sobre a qual disse: “Os discursos desseinglês [sic] foram as atuações mais maravilhosas, pois atestavam umconhecimento absolutamente espantoso da alma das amplas massas dopovo.”Notocanteàpropaganda,osnazistasforampioneiros, introduzindoamplavariedadedeidéiasinovadoras.Porexemplo,inventaramosbrevesperíodos reservados para fotos num evento, e não se pode negar que oscomíciosdeHitlereramespetáculosimpressionantes,envolvendodezenasdemilharesdepessoasmarchandoexatamentenomesmopasso.Contudo,a despeito da extravagância visual desses comícios, era no seu episódiocentral — sua oratória — que Hitler sabia que devia se superar. Paratanto, tal como Churchill, ele não delegava a ninguém a redação de seusdiscursos.Nenhumdosdoishomensrecorriaàs falangesdeescritoresdediscursosqueospolíticosdehojetantoapreciam.Emsuasatuaçõespúblicas,Hitlerusavaovelhotruquedoshowbusiness

de fazer as pessoas esperarem por ele para fomentar a exaltação e aexpectativa, tanto antes de fazer sua aparição quanto depois de já tersubido aopalanque. Costumava estudar seupúblico, segurando seu cintomilitar com o lema,Gott Mit Uns” (Deus conosco) gravado na ivela, porvezesporatémeiominutoantesdecomeçarafalar.Iniciandodemaneirarelativamentepausadaecomumavozbaixa,profunda,erasóno inalquevociferava e berrava da maneira tantas vezes vista em cinejornais.Costumavatambémfalaremmeioaosaplausos,assimqueelescomeçavamadeclinar,eterminarcomfrasesmaiscurtasemaiscontundentes.Váriasdessas técnicas, muito diferentes das habitualmenteusadas nasdemocraciasocidentaisdadécadade1930,tornaram-sepráticapadrãonaoratóriaatual.

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Tenacidade e carisma apenas não teriam feito de Hitler o Führer daAlemanha. Ele precisou ainda vender a simesmo e à sua visão. Para terêxito, os líderes devem ser capazes de levar a si mesmos e às suasmensagens ao povo, e o principal meio sempre foi — e provavelmentesempreserá—o showdodiscursopolítico.Adespeitodetodaafacilidadedecompreensãodapalavraescrita,dasimagens,dasmensagensdetextoedoslinksdevídeo,nadaétãopersuasivo,tãopoliticamentepoderosocomoaoratóriadireta.Atéhoje, apesarde todososestratagemasmodernosderelações públicas oferecidos pela televisão, o rádio, a Internet e amultimídia, continuamos julgando nossos líderes fundamentalmente porsua capacidade de nos comovermediante sua oratória. Políticos que nãofalambemempúblicoraramentefazemgrandeslíderes.Hitler e Churchill entraram ambos para a história como oradores

extremamentemarcantes,masé surpreendentequeaoratórianão tenhasidoumdomnaturaldenenhumdosdois.Emboraambostenham,por im,revelado talento, precisaram de trabalhar muito arduamente paradesenvolvê-lo.Hitlergostavaqueaexpectativaemtornodesuasapariçõespúblicas fosse intensi icada por um ato de aquecimento. Num discursopara operários na fábrica Dynamo, da Siemens, em Berlim a 10 denovembrode1933,esseatofoiencenadoporseuministrodaPropaganda,dr. Joseph Goebbels. Esse discurso, proferido apenas novemeses depoisque Hitler se tornara chanceler, proporciona uma ilustração perfeita dométodosinistromasmagistralcomqueoFührerconseguiacriarumsensodecomunhãoentreeleeseupúblico.MereceserconsideradocomalgumaatençãopoisrevelaosváriosmétodosqueHitlerusavapara jogarcomasemoçõesdeumpúbliconãonecessariamentefavorávelaele.“Compatriotas alemães, meus trabalhadores alemães”, começou Hitler,

“se hoje estoume dirigindo a vocês e amilhões de outros trabalhadoresalemães, tenho mais direito de fazê-lo que qualquer outro.” Emborasoubesse muito bem que, provavelmente, muitos naquele públicomajoritariamente da classe trabalhadora tinham simpatias esquerdistas,emmenosdeumminutoeleosganharacomumareferênciaaseuserviçonas trincheiras durante a guerra, algo por que muitos deles tambémhaviampassado.“Outroraestiveentrevocês.Durantequatroanosemeio,estive no seu meio. E à custa de dedicação, aprendizado— e, tenho dedizer,fome—fuilentamentegalgandoosdegraus.Nomeuíntimo,semprecontinueisendooque foraantes.”Essareferênciaà faltageneralizadadealimentossofridapelaAlemanhaem1918-19 foiumgolpedemestre,um

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dosmuitosnessediscurso.Ele continuou: “Não estava, porém, entre aqueles que trabalhavam

contraosinteressesdanação.Tinhaaconvicçãodequeodestinodanaçãodeviaencontrar representação, para que um terrível dano para todo opovo,maiscedooumaistarde,pudesseserevitado.Issomedistinguiadosoutros.”EmseguidaveioaataqueaoTratadodeVersalhes.AorestringiraAlemanhaaumExércitodecemmilhomens,semblindadosouaviação,eaumaMarinhasemnaviosdemaisde10.000toneladas,osAliadoshaviamtentado proteger-se de uma Alemanha ressurgente após a GrandeGuerra.19 Apesar de ser muito menos severo que os termos que aAlemanha planejava impor ao resto da Europa, se vitoriosa, o tratadodissolveuoestado-maioralemão,estipulouaocupaçãodaRenâniaatéqueseus termos fossemaceitos,exigiureparações inanceirasecontinhaumacláusula que culpava a Alemanha por iniciar deliberadamente a guerra.Embora cada uma das cláusulas do Tratado de Versalhes fosse em siperfeitamente razoável, em conjunto elas valeram a Hitler seumelhor (edefatooúnico)argumentopolíticoracional.Comoeleoexpressouemseudiscurso na Siemens: “A teoria de que vitorioso e vencido devempermanecer em sua posição legal para sempre, essa teoria levou a umnovo ódio no mundo, à perpetuação do desastre, à incerteza, àdescon iança num lado e à fúria no outro.” Era um ódio e uma fúria queHitler passaria a década seguinte fazendo tudoque estava em seupoderparainsuflaredepoisdesencadear.Hitler entendia muito pouco de economia, mas sabia que seus

espectadores provavelmente entendiam ainda menos. Assim, foi para osaspectosfinanceirosdeVersalhesquesevoltouemseguida.

O mundo não foi paci icado, como se explicou na época, mas, aocontrário, o mundo foi mergulhado num regateio incessante e numadiscórdia incessante. E a segunda tese foi igualmente louca: que éprecisodestruirovencidotambémsobopontodevistaeconômico,detalmodoqueovitoriosotenhaumaeconomiamelhor.Umateorialouca,masquepercorrecomoum iovermelhotodooTratadodeVersalheseque dá lugar inalmente ao fato de que, durante dez anos, elestentaram,porumlado,oneraraeconomiadeumgrandepovocomumfardo insuportável e, por outro, destruí-la tanto quanto possível,eliminar todas as suas oportunidades. Sofremos as conseqüênciasdisso. O modo como, para cumprir suas obrigações econômicas, a

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Alemanha foi cada vez mais forçada a se jogar nos mercadosexportadoressobquaisquertiposdecondições,omodocomoadisputacompetitiva internacional começou aqui e omodo comodívidapolíticafoigradualmentetransformadaemdívidaseconômicas.

Do ponto de vista econômico isso era tolice, até porque os Aliados jáhaviam começado a minorar o peso da dívida alemã, que foi tambémsigni icativamente reduzida pela Grande Depressão. Mas como retóricafuncionava, e era só isso que importava para Hitler quando passou paraoutro de seus tópicos preferidos: os judeus. O objetivo principal dodiscurso era defender o rearmamento sem consideração às restriçõesinternacionais. Era óbvio queisso prejudicaria a posição internacional daAlemanha, mas Hitler deixava claro que pretendia assumir aresponsabilidade:

O con lito entre as pessoas e o ódio em seu meio estão sendoalimentados por partes interessadas muito especí icas. É umapanelinha internacional pequena, sem raízes, que está lançando aspessoas umas contra as outras, que não quer que elas tenhampaz. Éuma gente que está em casa tanto em lugar nenhumquanto em todaparte,quenãotememlugaralgumumsoloemquetenhasidocriada,uma gente que vive hoje emBerlim, amanhã emBruxelas, depois emParis, e então de novo emPraga ouViena ou Londres e que se senteemcasaemtodaparte.

Nessaalturaumhomemnaplatéiagritou:“Os judeus!”Sempararparatomar conhecimento dele, ou disso, Hitler continuou: “Eles são os únicosque podem ser quali icados de internacionais, porque operam seusnegóciosemtodaparte,masopovonãoospodeseguir…Deumacoisaeusei sobre os que hoje agitam contra a Alemanha, sobre essa panelinhainternacional que difama de tal maneira o povo alemão: nenhum delesjamais ouviu o zunido de uma bala passando.” Na verdade, é claro, osjudeustinhamumexcelenteregistrodecombatenastrincheirasduranteaGrandeGuerra, comoatéaSS tevedeadmitirquando,naConferênciadeWannsee que planejou a Solução Final em 1942, Reinhard Heydrichordenouque “veteranosgravemente feridose judeus comcondecoraçõesde guerra (Cruz de Ferro da Primeira Classe) fossem aceitos nos guetosdosidosos,emvezdeser“evacuadosparaoleste”.20Em seu discursoSiemensstadt, Hitler em nenhummomentomencionou

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realmenteosjudeus,maseraóbvioparatodosaquemestavasereferindo.Não era preciso que o idiota nopúblico gritasse o nome. Certa vezHitlercomentou que, se os judeus não existissem, “teríamos de inventá-los. Éessencial ter um inimigo tangível, não um meramente abstrato”. 21 NoEstado nazista, esperava-se que todas as classes estivessem unidas nachamadaVolksgemeinschaft (comunidade do povo). Nada gera maisunidade que um inimigo comum; o ódio aos judeus constituía assim aespinha dorsal do poder de Hitler. Ao não mencionar abertamente osjudeus em sua fala, Hitler criava mais um laço entre ele e o público,atraindo-oparasuaconspiraçãodeformatácita.A arenga na fábrica Dynamo continuou, e a essa altura Hitler estava

realmentegritando:

Elesdeveriamverqueestasminhaspalavrasnãosãoodiscursodeumchanceler, que por trás delas está todo o povo como um só homem,homem por homem, mulher por mulher. O que está unido hoje é oprópriopovoalemão.Porséculoselebuscousuasinanadiscórdia,comresultados terríveis. Penso que é tempo de buscar nosso destino naunidade,detentarrealizá-locomoumacomunidadeunidaeindivisível.E na Alemanha eu sou a garantia de que essa comunidade nãofavorecerá um lado apenas. Podem ver em mim o homem que nãopertenceaclassealguma,acastaalguma,queestáacimadetudo isso.Nadatenhosenãoumvínculocomopovoalemão.

Essa proclamação pelo líder de não pertencer a classe alguma e de seucompromisso com a comunidade foi saudada com vivas e aplausos,enquantoohinodoPartidoNazista,acançãodeHorstWessel,eraentoado.O povo alemão, Hitler estava enfatizando, era completamente distinto

dosjudeus.Transmitiressesensodadiversidadedosnão-alemãeseratãoimportante quanto enfatizar a identidade da própria raça ariana. 22 Oilósofo britânico Bertrand Russell acreditava que “poucas pessoasconseguemserfelizesamenosqueodeiemalgumaoutrapessoa,naçãooucredo”, mas por que Hitler odiava os judeus? É uma pergunta bastantedireta,ecentralparaahistóriadoséculoXX,masaindanãohánenhumaresposta de todo satisfatória para ela. Várias teorias diferentes forampropostas, atribuindo o ódio de Hitler à sí ilis que ele teria contraído deuma prostituta judia, ao fato de ter sido enganado pelomédico judeu dr.Eduard Bloch, que tratou sua mãe de um câncer de mama, até à suaexpulsão da Academia de Artes Visuais de Viena por professores

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supostamente judeus.Maspoderia haver uma respostamais sinistra queessas, tão ingenuamente monocausais? Seria possível que Hitler, em seuíntimo, não tivesse de fato nada contra os judeus, tendo apenas atinadoquedemonizá-losseriaumajogadapolíticacompensadora?Num livro recente e inovador intituladoHitler’s Vienna: A Dictator’s

Apprenticeship [A Viena de Hitler: o aprendizado de um ditador], ahistoriadora Brigitte Hamann chegoumesmo a a irmar que, durante suapermanênciaemVienade1908a1913,Hitlerdefatoapreciavaosjudeuse sedavabem comváriosdeles. Suaspesquisas investigaram cada cantodeViena,desdeos livroscontáveisdodr.Blochatéasorigensraciaisdosexaminadores da Academia de Artes Visuais. Com tudo isso, conseguiurevolver profundamente a psicopatologia do Führer, com resultadosfascinantes.MuitodoqueHitlerescreveuemMeinKampfsobreosanosquepassou

emVienarevela-seexageradooufalso.Oqueéincontrovertível,contudo,éque, embora tivesse conhecido judeus e convivido com eles durante seuperíododepenúriacomopintorefanáticoporópera,Hitlerfoibemtratadoporelesenãolhesmanifestounenhumsinalclarodehostilidade.Durantetodos os tediosos e intermináveismonólogos que teceumais tarde sobreseus dias de agruras emViena,Hitler nuncamencionou ter tido umamáexperiênciacomumjudeuali.Épossívelatédeclararquealgunsdosseusmelhores amigos eram judeus, como Josef Neumann e Siegfried Läffner.Longe de lhe ter sido inculcado por seu pai rude e bêbado, ou por suasorigens provincianas austríacas, seu anti-semitismo parece ter sidoabraçado muito mais tarde, provavelmente como uma manobra de todocínica para melhorar suas perspectivas políticas após a Grande Guerra.Pobre, tímido, sem talentos, um completo assexuado, introvertido,socialmente invejoso e monomaníaco, o jovem Hitler, quando morou emViena,era“umestrangeiroinseguronumagrandemetrópole”,comodissemais tarde Albert Speer. Em vez de alterar sua personalidade para seadaptar ao meio, como a maioria das pessoas normais teria feito, Hitlerensimesmou-secadavezmais,culpandoosvienensespornãooestimaremdevidamente.Foram os ressentimentos mesquinhos dessa época infeliz passada na

capitalaustríacaquede inirammuitasdaslinhasgeraisdoqueviriaasero nazismo. Tudo o que era preciso para criar as condições necessárias àproliferação do bacilo de suas idéias era uma imensa guerra européia.Imediatamente, um ano apenas depois que Hitler deixou Viena, veio o

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cataclismodeagostode1914.Oditadortinhacumpridoseuaprendizadoe,depois que o anti-semitismo fora cinicamente adicionado a seu credo,estavaprontoparaatacar.Poucadiferençafaz,éclaro,seoanti-semitismodeHitler nasceudeuma aversãopessoal, de erros percebidos oude seuoportunismopolítico,masestaúltimapareceseraopçãocorreta.O escritor Frederic Raphael tem uma nova e interessante teoria que é

umainterpretaçãopsicológicadaversãodequeomédicojudeudamãedeHitler a teria enganado e/ou diagnosticado erroneamente. Segundo suatese:

Seodr.BlochfoiincapazdecurarocâncerdeFrauHitleréimprovável—paranãodizer impossível—quealguémnaquelaépocaopudesseter feito. Nem Hitler diz isso. Que “Adi” amava sua mãe é fora dedúvida; o mesmo pode ser dito de Proust, que, entretanto, numfamigeradoartigopublicadonoFigaro,defendeuomatricídioalegandoque, a inal de contas, todo mundo anseia às vezes por matar a mãe.SeráastuciosodemaissugerirqueHitler,vendoossofrimentosdesuamãe,desejou(muitohumanamente)queelesterminassem,masqueaoterem im comamorte dela, sentiu-se tão culpado que transferiu seudesejovergonhosoparaomédico judeu,que lheserviuassimdebodeexpiatório?23

Provavelmenteémesmo“astucioso”demais,atéporqueHitlerpodemuitobem ter sido um dos milhões de nós que nunca quisemos fazer mal àsnossasmães,mascertamentenãoémaisduvidosoquemuitasdasteoriasmonocausaisproduzidasparaexplicaroHolocausto.Algumaspessoas consideramquenãoapenasé irrelevante saberonde

Hitler contraiu seu anti-semitismo, como é também moralmente erradoinvestigar a questão muito a fundo. A irmam que isso favorece pessoasque,comoDavid Irving,assumema idéiaoposta.ComooescritorecríticoJonathanMeadesassinaloucomargúcia,há

uma escola de charlatanismo cujos adeptos brigões tentam explicarHitler inventando histórias folclóricas de traumas psicossexuais oudando crédito a elas: a mãe de Hitler foi supostamente tratada oudiagnosticada de maneira indevida por um médico judeu e morreu;Hitler pode ter contraído sí ilis de uma prostituta judia — essasespeculações são odiosas porque procuram tornar o judeu individualculpado pelas abominações que sua raça teve de sofrer. Há,

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inevitavelmente, teoriasdotestículoúnicoedesevíciassatânicas.Háahistória absurdadeHitler ainda criança tendo seupênismordidoporumacabraemcujabocaestavatentandourinar.24

Esta última teoria, se verdadeira, explica muito sobre Hitler maspresumivelmentenãosobreseuanti-semitismo.EmesmoqueHitler fossemonórquido, issonãoexplicaporque13milhõesde alemãesvotaramnoNSDAP em 1932, já que não sabiam que lhe faltava um testículo (o que,aliás,nãoeraocaso).OinteressantenãoétantooquemoveuHitler,masoque levou o povo o alemão a abandonar a democracia e apoiar um lídercujo revanchismo era proclamado tão ruidosamente em todas asoportunidades.Em seu discurso na fábrica Dynamo da Siemens foi somente em

passagenscuidadosamenteescolhidasqueHitler seentregouauma fúriacompletamente calculada e bem ensaiada. Em geral, não vociferava nemespumavaduranteseusdiscursos,emborasejamostradonesseestadonamaior parte dos ilmes que vemos. Reinhard Spitzy, secretário particulardo ministro alemão das Relações Exteriores Joachim von Ribbentrop,lembrouque,certavez,quandoHitlerterminavaumbomalmoçocomseustaff,umcriadoentrounasalaparaanunciarachegadadeumdiplomatabritânico:

Hitlerdeuumpulo,talasuaperturbação.“GottimHimmel!Nãoodeixeentrarporenquanto—aindaestoudebomhumor.”Eentão,diantedosolhos de seustaff, induziu em simesmo, sozinho, uma ira arti icial—seurostoescureceu,arespiração icoupesadaeosolhosdardejavam.Emseguidapassouà sala contígua e representouparaopobre inglêsuma cena tão barulhenta que cada palavra era audível da mesa dealmoço. Dez minutos depois voltou, a testa molhada de suor. Fechoucuidadosamente a porta atrás de si e disse com uma risadinha:“Senhores,precisodechá.Eleachaqueestoufurioso!”25

Líderes têm de ser atores, e Adolf Hitler compreendia issomuito bem,ainda que ele próprio fosse um tanto canastrão. No princípio de suacarreira, estudou as atuações de um comediante bávaro chamadoWeiss-Ferdl para aprender como cativar um público. Tal qual um ator, Hitlerensaiava incessantemente suas poses e gestos diante do espelho em seuquarto miserável na Thierschstrasse de Munique. Existem tambémfotogra ias dele fazendo omesmomuitomais tarde em sua carreira. Foi

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nasruasenascervejariasdeMuniquequeHitlercomeçouapraticarseuo ício inicial de agitador político, por vezes falando para platéias que nãopassavamdeumadúziadepessoas.Aliaprendeuemquemedidaoefeitoque conseguia produzir sobre o público dependia do planejamento epreparo cuidadosos do material. Qualquer pessoa que tenha tentado sedirigir aumpúbliconoSpeakers’Corner,noHideParkemLondres sabecom que rapidez essa experiência endurece uma pessoa intelectual eemocionalmente, em especial quando é preciso lidar com importunoscasuaisefrancosopositores.Hitler examinava pessoalmente a acústica das cervejarias de modo a

poder alterar o tom e o volume da voz de acordo com ela. Certa vez,cometeuoerrodefazerumdiscursonumamanhãdedomingo.Opúblico,comoele odescreveumais tarde, estava “frio comogelo”.Dali emdiante,passou a preferir programar seus discursos para a noite, quando seuspúblicos erammais receptivos à suamensagem. Como escreveu emMeinKampf, “Parecequedemanhãeduranteodiaamentehumanaserebelacontra qualquer tentativa que outrem faça de lhe impor sua vontade ouopinião. À noite, no entanto, sucumbe facilmente ao domínio de umavontademais forte.” (Atores pro issionais con irmamesse ponto de vista;por alguma razão, as platéias sãomuitomais receptivas nos espetáculosnoturnosqueemmatinês.FoiprecisoumamentesingularcomoadeHitlerparatirarproveitopolíticodessefenômeno.)Efeitos teatrais como música marcial, mares de bandeiras, ileiras

cerradasdemembrosdastropasdeassaltoe,emespecial,umailuminaçãodramática— por vezes usando re letoresmilitares, por vezes tochas emchamas seguradas nasmãos— eram usados nas assembléias e comíciosparaaumentaraindamaisareceptividadedopúblico,eosnazistasforampioneirosnousoderecursosdepropagandaquesetornaramcorriqueirosnaarenapolíticadehoje.OcontrastecomChurchillnãopoderia sermaiscompleto.Elefezpoucoscomíciosenãoempregavanemrelações-públicasnem efeitos especiais. Era na Câmara dos Comuns que preferia falar, oupelo rádio, quando a audiência isicamente presente era em comparação,pequena.Con iavanopoderdapalavrafaladaenopoderdepersuasãodomelhor argumento. Não foram truques demagógicos que izeram dele omaisnotáveloradordoséculoXX,masseuexcepcionaldomínioda línguainglesa. Como escreveu emMy Early Life: “Eu faria todos os meninosaprenderem inglês; depois faria os mais inteligentes aprenderem latimcomoumahonraegregocomoumprazer.Masaúnicacoisapelaqualeu

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os castigaria seria por não saber inglês. Eu os castigaria duramente porisso.”Churchill não era um orador nato; poucas pessoas o são. Após uma

experiênciadesastrosaaos30anos,tentandofazerumdiscursoàCâmaradosComunsinteiramentedecor,abandonouessaprática.Defato,chegavaà svezes a passar de dez a 14 horas preparando um único discurso,ocasionalmente ao som de música marcial tocando no gramofone,trabalhandoeretrabalhandoatéquepor imoconsideravaperfeito.Comoseu amigo lorde Birkenhead dizia de brincadeira: “Winston passou osmelhoresanosde suavidaescrevendodiscursosde improviso.”Churchilldizia que o melhor conselho que jamais recebera sobre oratóriaparlamentar viera de Henry Chaplin, político tóri e ex-ministro doGabinete,quelhedissera:“Nãotenhapressa.Expandasuaargumentação.Se tiver alguma coisa a dizer, a Casa ouvirá.” Foi um conselho de queChurchilltiroubomproveito,e,ocasionalmente,umefeitodevastador.EmSavrola, Churchill descreveu a gênese do notável discurso que o

heróiproferiunaprefeituradeLaurenia.Otrechopareceumaexplicaçãotão manifestamente autobiográ ica do processo de criação de uma falapolíticaquemereceserrepetidonaíntegra:

Seudiscurso—ele izeramuitos e sabiaquenão sepodeobternadadebom semesforço. Essasproezasde oratória feitas de improviso sóexistiamnasmentesdosouvintes;as loresdaretóricaeramplantasdeestufa. Que havia então a dizer? Sucessivos cigarros haviam sidoconsumidosmecanicamente.Emmeioàfumaçaeleviuumdiscursoquepenetraria fundooscoraçõesdeumamassa;umpensamentoelevado,uma igura de linguagem, exprimidos naquela dicção correta que écompreensível até para os menos letrados e comove o mais simples;algoparaelevarsuasmentesdaspreocupaçõesmateriaisdaexistênciaeparadespertar sentimento. Suas idéias começarama tomara formade palavras, a agrupar-se em frases; ele murmurava para si mesmo;aliterava instintivamente.As idéias sucediam-seumas às outras, comoum regato lui celeremente e a luz cambia em suas águas. Pegou umpedaço de papel e começou a tomar notas às pressas com um lápis.Aquelaeraumaidéia importante;nãopoderiaa tautologiaacentuá-la?Rascunhouumafrase,riscou-a,poliu-aeareescreveu.Osomagradariaaos seus ouvidos, os sentidos desenvolveriam e estimulariam suasmentes. Que jogo! Seu cérebro continha as cartas que ele tinha de

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jogar, e omundo, o prêmio pelo qual jogava. Enquanto trabalhava, ashoras passavam. A criada, ao entrar com seu almoço, encontrou-osilenciosoeabsorto;jáoviraassimantesenãoousouinterrompê-lo.Acomida não provada esfriou sobre a mesa, enquanto os ponteiros dorelógiogiravamcomvagar,marcandoopassouniformedotempo.Logoele se levantou, e completamente dominado por seus própriospensamentoselinguagem,começouaandarpelocômodoempassadascurtas, falando para simesmo emvoz baixa e com grande ênfase.Derepenteparoue,comestranhaviolência,suamãodesceusobreamesa.Eraofimdodiscurso.26

A “capacidade retórica”, escreveu Churchill, “não é nem inteiramenteinata, nem é inteiramente adquirida, mas cultivada”. Ele era umperfeccionista, não um orador nato, e em 1940-41 o resultado foicertamente a perfeição. As cadências dos discursos que Churchill feznaquele ano deviam muito às horasem que, como um jovem hussardosubalterno estacionado na Índia quase meio século antes, estudara asobrashistóricasdeGibboneMacaulay.Churchillcriousuaprópriasíntesedas frases grandiloqüentes e de maior eco do primeiro e do espíritomordazdosegundo.Suaoratóriafoitambémin luenciadapelaretóricadoinal do período vitoriano de William Gladstone, do político irlandês-americanoBourkeCockrane seuprópriopai, lordeRandolphChurchill, ooradorpolíticomaishipnóticodeseutempo.Oestilorebuscado,àmodaantiga,deChurchillnãoimpressionavatodos.

Alguns o achavam falso, outros, pomposo, outros ainda zombavam delecomo umamistura de canastrão com artista demusic hall. Houve até ummomentoduranteos“anosdegafanhotos”bdadécadade1930,emqueaCasadosComunsosilenciouaosgritosquandoeletentoufazeradefesadorei EduardoVIII durante a CrisedaAbdicação.De fato, foi só a partir de1940,naqueletestesupremodopovobritânico,quearetóricadeChurchillseelevouàalturadosperigosdomomentoparacriarabelezasublimedosseus melhores discursos de guerra. A derrota na frente ocidental, aretirada de Dunquerque, a Queda da França, a batalha da Inglaterra, aBlitz, a ameaça de invasão — produziram todas discursos e frases queviverãoenquantoviveralínguainglesa.No verão de 1940, os discursos de Churchill eramquase tudo o que o

povo britânico tinha para sustentá-lo. Com Hitler no controle da Europacontinental de Brest a Varsóvia, nem os chefes de estado-maior tinham

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qualquer plano lógico para chegar à vitória. Com a Rússia e os EstadosUnidos fora do con lito, tudo o queGrã-Bretanha podia fazer era resistir,rezando desalentadamente para que alguma coisa acontecesse. Nãopodendo de fato apelar para a razão em suas declarações de certeza navitóriafinal,Churchilltinhadeapelarparaocoração.Semdispordemuitoemmatériadealentoouboasnotíciasparaopovo

britânico,Churchillassumiuumriscopolíticoaoescolherdeliberadamenteenfatizar, no lugar deles, os perigos. Três dias apenas após tornar-seprimeiro-ministro disse à Câmara dos Comuns: “Nada tenho a oferecersenão sangue, trabalho, lágrimas e suor.” Não tentou nenhuma evasivadiante da natureza da empreitada a enfrentar, enquanto suas palavrasvarriamumadécadadeapaziguamento,dúvidaederrotismo,queeleumavez chamara de “as longas, arrastadasmarés de inação e rendição”. Semhesitar,situouocon litonocontextoásperodeumalutamaniqueístaentreobemeomal,averdadeeamentira,ocertoeoerrado.Era issoqueosbritânicos ansiavam por ouvir. Ao sair da Câmara dos Comuns elecomentou com o amigo Desmond Morton: “Aquilo tocou os sujeitos, nãofoi?”27O efeito foi certamente extraordinário. Como a escritora Vita Sackville-

Westdisseaomarido,oministrodaInformaçãoHaroldNicolson.“Umadasrazõesporque icamosemocionadoscomessasexpressõeselisabetanaséquesentimosportrásdelastodooendossomaciçodopoderedadecisão,comoumagrandefortaleza:nuncasãopalavrasquesedizsópordizer.”Amenção da Inglaterra elisabetana é elucidativa, pois Churchillarregimentou os serviços do passado para levantar o moral britânico,convocandoosfantasmasdeDrakeeNelsonparaassinalaraopovoqueaGrã-Bretanha enfrentara perigos como aqueles antes e saíra vitoriosa. Amensagem subliminar era a de que o faria novamente. Ele não tinhaescrúpulos em adaptar frases de sucesso para uso em seus discursos,fossemelassuasoudeoutrem;porexemplo,suafamosafrasesobreaRAFnabatalhadaInglaterratalveztenhadevidoalgumacoisaàdeclaraçãodesirJohnMooresobreatomadadaCórsegaem1793:“Nuncatantofoifeitoportãopoucoshomens.”Isaiah Berlin, no ensaio publicado sob o títuloMrChurchill in 1940 [Sr.

Churchill em 1940], empenhou-se emmostrar como o primeiro-ministrobritânico adquiriu “uma imaginaçãohistórica tão sólida, tão abrangente aponto de envolver todo o presente e todo o futuro na moldura de umpassado rico e multicolorido.” Churchill esperava de seus ouvintes pelo

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menosumconhecimentobásicodahistóriabritânica; nuncaosdepreciouou foi condescendente com eles adaptando seu estilo às exigênciaspercebidasdasmassasmodernas.NaspalavrasdeBerlin, “oarcaísmodeestiloaqueosdiscursosdosr.Churchillduranteaguerranoshabituaramsão ingredientes indispensáveis do tomelevado, a vestimentado cronistacerimonioso,queasolenidadedaocasiãoexigia.”Nodia11de setembrode1940,Churchilldiscursouparaanaçãopelo

rádiosobreaprobabilidadedeumainvasãoalemã,dizendo:

Não podemos saber quando eles tentarão vir; não podemos saber aocertoserealmenteofarão;masninguémdeveriafecharosolhosparaofato de que uma invasão maciça, em grande escala desta ilha estásendopreparadacomtodaameticulosidadeeométodoalemães,edeque ela pode ser iniciada agora — na Inglaterra, na Escócia ou naIrlanda,ouemtodasastrês.

Esse discurso foi transmitido das profundezas das Salas do Gabinete deGuerra, um complexo subterrâneo emWhitehall à provade bombas comescritórios e alojamentos secretos. Ele havia sido construído pouco antesda guerra para abrigar o núcleo central do governona eventualidade deraides aéreos. Churchill fez esse discurso pouco depois dos primeirosbombardeios sobre Londres, sabendo que, mesmo que Hitler tivessedecididonãoinvadir,osbombardeirosdaLuftwaffetenderiamacontinuaraterrorizandoascidadesbritânicas.FoiassimqueeletransmitiuaconvicçãodequeaGrã-Bretanhapoderia

enfrentaroquequerqueviessepelafrente:

Portanto,devemosencararapróximasemana,aproximadamente,comoum período muito importante em nossa história. Ela se equipara aosdias em que a Armada espanhola chegava ao Canal, e Drake estavaterminandoseujogodebowls;ouquandoNelsonseinterpôsentrenóseaGrandeArmadadeNapoleãoemBoulogne.Lemos tudosobre issonos livros de história; mas o que está acontecendo agora tem umaescalamuitomaioremuitomaisconseqüênciasparaavidaeo futurodomundoesuacivilizaçãoqueessesdiasheróicosdopassado.

Churchill fazia as pessoas sentirem que não estavam sós nessa luta:estavammarchandocomahistória.Elepróprioumhistoriador,estavaemperfeitas condições de situar o impasse da Grã-Bretanha em 1940

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diretamente em seu contexto histórico. Para um povo que aprendia naescolasobreasproezasdeDrakeeNelson,issotinhaumefeitoeletrizante.Churchilljápediraheroísmodopovobritânicoaoinvocarofuturomilênio,comaspalavras: “Tratemosdeenfrentarnossosdeveres,edenosportarde tal maneira que, se o Império Britânico e a Comunidade Britânicadurarempormilanos,oshomensaindadirão:‘Aquelafoinossahoramaisgloriosa’.” Agora ele recorria aomilênio anterior, equiparando a situaçãocomade1588,quandoa InvencívelArmada investiracontraa Inglaterrade Elisabeth I, e a de 1804, quando Napoleão ameaçara invadir a Grã-Bretanha.Comoprimeiro-ministro, certavezencaminhouummemorandoa R.A. Butler no Ministério da Educação: “Sabe como tornar as criançasmaispatrióticas?Conte-lhesqueWolfetomouQuebec.”Issonãofuncionavaapenascomcrianças;mobilizandoahistóriaaseu favoreleestimulavaaspessoas a se verem a simesmas como parte de um longo contínuo, algoque, como o sugere o enorme sucesso dos livros sobre as GuerrasNapoleônicasduranteaSegundaGuerraMundial,eramuitoeficaz.No contexto da política e da sociedade atuais, grande parte da

argumentaçãodeChurchilledovocabulárioemqueeraexpressadaeram,semdúvidaclaro,muitopoliticamenteincorretos.ClivePontingqueixou-sedo modo como Churchill referia-se continuamente à “nossa própria vidabritânica, e à longa continuidadedenossas instituiçõesedo Império”, emvezde“expressarumavisãodofuturodestinadaaatrairumademocraciamoderna”. Isso ocorria porque, para Churchill, estava claro que a naçãobritânica estava lutando fundamentalmente antes por sua própriaidentidadeesobrevivência,queporquaisqueridéiasutópicasdedecênciae democracia, muito menos de igualdadee fraternidade. Por isso eleapelavaparaacrençaantiga,tribal,queopovobritânicoalimentavaentão,baseada sobretudo nas façanhas de seus antepassados e no orgulho porseuêxitoimperial.Realmenteessanãoémaisumtipodelinguagemaqueapolíticapossarecorrer,masnaépocaajudouanossalvar.Há aqueles, como o falecido lorde Hailsham — ele escolheu o fórum

singular do programaDesert Island Discs, da Radio 4, para revelar essateoria— que vêem no surgimento deWinston Churchill como primeiro-ministro em maio de 1940, horas antes de Hitler iniciar suaBlitzkriegsobre o Ocidente, uma prova da existência de Deus. Não sendo teólogo,pre iro endossar a opinião do locutor americano Ed Murrow sobre ofenômeno Churchill em 1940: “Ele mobilizou a língua inglesa, e enviou-apara a batalha.” A página impressa não é o meio correto para esses

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discursos, certamente. Para sentir um arrepio na espinha às palavras deChurchilléprecisoouvirgravações.Sóelaspodemtransmitirosrosnados,ossúbitosrugidosleoninos,asfraseslíricas,avozmoduladapelocharutoeo conhaque, o puro desa io vindo direto das vísceras, a insistir na não-rendiçãonumaguerraatéamorte.Churchillsofriadeumalevegagueiraedeumceceio,queafetavamsuas

falasempúblico.Comoseupai,tevedi iculdadeempronunciaraletra“s”avida toda. Quando rapaz, tentava remediar o problema ensaiando frasesdi íceiscomo“TheSpanishshipsIcannotseefortheyarenotinsight” .Maistarde, durante o circuito de conferências que fez nos Estados Unidos,começouacurarseuceceioea inibiçãoqueele lhecausava.Masemboratenha lutado arduamente para superá-lo nunca controlou por completoseu defeito de fala. “Os que o ouviam falar na meia-idade e na velhiceconcluíam que ele dominaramais a inibição que o defeito”, brincoumaistarde seu ilhoRandolph.O ceceiodeChurchill éperceptível até emseusdiscursosmais famosos, que inspiraramanaçãodurante a guerra, o quelevou detratores a supor — erroneamente — que estava pronunciandomalaspalavrasporcausadabebida.28O estratagemaSiemensstadt deHitlerdenão se referir a seus inimigos

diretamente também foi usado às vezes por Churchill. Em novembro de1934, numa fala pelo rádio sobre as causas prováveis de uma futuraguerra, ele chamou a atenção para uma “nação de 70 milhões a poucashoras de distância por ar aprendendo que a guerra é um exercícioglorioso”,numareferênciaclara,masindireta,àAlemanhanazista.Semprequesentiapodermencionarseusinimigosdiretamente,porém,fazia-ocommuitogosto. SuasavaliaçõesdeRibbentropeMussoliniduranteaguerra,em particular, eram cruéis, numa mistura de histrionice com sincerodesdém. Quali icavaMussolini ora como “esse sabujo desquali icado”, oracomo “um lacaio e servo” ou “o mero utensílio para a vontade de seusenhor”. A própria maneira como pronunciava a palavra “nazistas”,prolongando-a para fazê-la soar como “narr-zies”, ilustrava seu desprezoporeles. “Todomundo temodireitodepronunciarpalavras estrangeirascomobementende”,erasuasaudávelmáxima.29Piadas, muitas das quais zombavam dele mesmo, eram uma parte

essencial dos discursos de Churchill. Sómedeparei comumaocasião emque Churchill deixou de entender uma piada. Numa discussão sobre aextravagante autopromoção de Montgomery, Jock Colville, secretárioparticulardeChurchill,interveiodizendoqueogeneralproibiraasbandas

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do 8º Exército de tocar “The British Grenadiers”. Quando Churchillperguntou por que, Colville respondeu que era por causa do primeiroverso:“SometalkofAlexanderH” (ogeneralHaroldAlexandereraorivaldeMontynodeserto.)Osoutrosconvidadosemvoltadamesaexplodiramnumagostosagargalhada,masnamanhãseguinteColvilledescobriu,paraseuhorror,queChurchilllevaraahistóriaasérioeditaraummemorandopara o chefe do estado-maior imperial determinando que a ordem deMontgomery fosse imediatamente anulada. Como Colville lembrou,“quandoexpliquei, constrangido,quesódisseraaquilocomopiada,achoumuitagraça”.Aforaessaexceçãoquecon irmaaregra,ohumoreraparaChurchill uma parte essencial da vida. Ele tinha também enormepropensãoparaa alegoria interessante,divertida, como: “Punir aChinaécomofustigarumaágua-viva.”Ditosespirituosostendema icarassociadosapessoasgenuinamentedotadasdesensodehumor—comoOscarWilde,GeorgeBernardShaweNoëlCoward—,mesmoqueelesnãoos tenhamrealmente pronunciado, e Churchill foi sem dúvida bene iciado por essefenômeno.Hitler, embora fosse supostamente um bom imitador na intimidade,

quase nunca fazia gracejos em público. A imitação, de todomodo, é umaespéciedearti íciodeprostituta,esobosdemaisaspectosseuhumorerado tipo cruel; nada o divertia mais que o embaraço de outras pessoas.Depois da guerra, Albert Speer lembrou a brincadeira cruel queHitler eGoebbels haviam feito com o porta-voz nazista o icial junto à imprensaestrangeira, Ernst “Putzi” Hanfstaengl, cujas ligações pessoais com oFührer incomodavam o detentor do esplêndido título de ministro daPropagandaedaInformação.HitlerdeviamuitoaHanfstaengl;tinhamsidoamigos desde 1923, quando ele emprestara a Hitler os mil dólares comque os nazistas começaram a imprimir oVölkischer Beobachter como umjornal diário. Egresso deHarvard,Hanfstaengl conferira aHitler certo arde respeitabilidadenosprimeirosdiasdomovimento.Nadadisso, porém,pôdeprotegê-lodamalignidadedeGoebbels,que

começou a lançar calúnias sobre o caráter de Hanfstaengl,descrevendo-o comomesquinho, ávido por dinheiro e de honestidadeduvidosa. Certa vez apresentou uma gravação fonográ ica de umacanção inglesa e tentou provar que Hanfstaengl roubara suamelodiapara uma marcha popular que compusera. O chefe da imprensaestrangeira já estavaemumasituaçãodesfavorávelquando,naépocada Guerra Civil Espanhola, Goebbels contou a seus companheiros de

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mesaqueHanfstaengl izeracomentáriosnegativossobreoespíritodeluta dos soldadosalemães que lá combatiam. Hitler icou furioso.Aquele sujeito covarde não tinha o direito de julgar a coragem deoutros eprecisavadeuma lição,declarou.DiasdepoisHanfstaengl foiinformado de que deveria fazer uma viagem de avião; foram-lheentregues ordens lacradas de Hitler, que só deveriam ser abertasdepois que o avião decolasse. Uma vez no ar, Hanfstaengl leu,horrorizado,que seriadeixadoem território espanhol vermelho, ondedeveria trabalhar como agente de Franco. À mesa, Goebbels contoucada detalhe a Hitler: como Hanfstaengl suplicara ao piloto quevoltasse; tudo não devia passar de ummal-entendido, insistira.Mas oavião, Goebbels contou, continuou a voar em círculos durante horassobreo territórioalemão.Por imopilotoanunciouque teriade fazerumpouso de emergência e aterrissou em segurança no aeroporto deLeipzig.SóentãoHanfstaengl…percebeuquelhehaviampregadoumapeçaperversa…Todosos capítulosdessahistória provocaramgrandehilaridadeàmesadeHitler—tantomaisque,nessecaso,HitlerhaviatramadoologrojuntocomGoebbels.30

Como não é de surpreender, pouco depois Hanfstaengl deixou aAlemanhaparaseexilarnosEstadosUnidos.AliatuoualgumasvezescomoconselheirodeRooseveltquandoopresidentequeriaperscrutaramentedeseuprincipalantagonista.Esse tampouco foi um exemplo isolado: Goebbels compreendia como

podia usar o senso de humor do Führer e seu gosto por esse tipo debrincadeira para se promover e neutralizar adversários potenciais. Fazpartedaverdadeiraliderançaperceberquandoseestásendomanipulado,mas ao que parece Hitler não notava a manipulação de Goebbels,provavelmente o nazista mais inteligente do Terceiro Reich. Quando ummembro graduado do partido, Eugen Hadamowski, começou a aspirar auma promoção ao controle do Reichsrundfunk (o sistema radiofônico doReich), Goebbels decidiu armar uma outra peça requintada. Estavareservandoessecargoparaumde seusprópriosamigos,masdescon ioude que Hitler poderia preferir Hadamowski, que ganhara sua gratidãoantes mesmo da subida dos nazistas ao poder, por ter organizado commuitaeficiênciaossistemasdealto-falantesparasuacampanhaeleitoral.AlbertSpeerdescreveuaestratégiacruelmentebrilhantequeGoebbels

concebeuparasolaparsuabêtenoire:

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MandouqueHanke,secretáriodeEstadonoMinistériodaPropaganda,fosse até ele e o informasse o icialmente de que Hitler acabara denomeá-loReichsintendant(diretorgeral)dorádio.Àmesa,HitlerouviuorelatodecomoHadamowski icararadiantecomessanotícia.Comoadescrição foi sem dúvida extremamente colorida e exagerada, Hitlertomou toda a história por piada. No dia seguinte Goebbels mandouimprimir alguns exemplares de um jornal que noticiava a falsanomeação e louvava as qualidades do novo designado de formaextravagante.Descreveu o artigo para Hitler, com todas as suasexpressõesridículas,eencenouoêxtasedeHadamowskiaoleraquelascoisas a seu próprio respeito. Mais uma vez, Hitler e todos à mesagargalharam. Naquele mesmo dia, Hanke pediu ao recém-nomeadoReichsintendant que izesse um discurso num microfone desligado emaisumavezoscomensaisdeHitlerseesbaldaramquandoahistóriafoicontada.

Com a credibilidade de Hadamowski arruinada pelas suas costas (eprovavelmente sem a menor justi icação), Goebbels pôde indicar seupróprio homem para o cargo ainda vacante. Na avaliação de Speer: “Decerto ponto de vista, era aHitler que essas intrigas realmente tapeavam.Até onde pude observar, Hitler de fato não se equiparava a Goebbelsnessasmatérias…MascertamentedeveríamospararparapensarporqueHitler permitia que esse jogo sujo prosseguisse e até o estimulava. Umapalavradedesagradoteriacertamenteinterrompidoessetipodecoisaporumbomtempo.”31Brincadeiras perversas como essas são uma forma de humor muito

pouco elevada, e saber que Hitler participou da humilhação de umfuncionário e iciente e trabalhador simplesmente porque este, ao que sedizia,eraambiciosodemais,revela-nosmuitosobreodesprezoquenutriapelaraçahumanaemgeral.Secomparamosissocomasmagní icastiradase piadas brilhantemente engraçadas de Wiston Churchill, a dicotomia éóbvia. (A gênese da que é talvez a mais famosa piada de Churchill, cujoclímaxé“Easenhoraéfeia,masdemanhãestareisóbrio”,podetalvezserencontrada emSavrola, em que ele escreveu acerca da mulher dopresidente Molara, Lucile: “É di ícil, se não impossível, ignorar uma belamulher;elascontinuambelaseodesdémrecua.”)32Muitas das piadas de Churchill são demasiado conhecidas para serem

repetidas aqui, mas há uma que, por alguma razão, não foi incluída nas

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usuais antologias “Espírito e sabedoria” de seu humor (talvez por serapócrifa). Na década de 1930, depois de fazer uma palestra nos EstadosUnidos sobre os diversos aspectos positivos e bene ícios do ImpérioBritânico, uma americana energicamente antiimperialista fez uma longapergunta sobre a política britânica com relação ao movimento deindependência deMahatmaGandhi, culminando com as palavras: “Então,Sr. Churchill, o que vocês pretendem fazer com seus índios [ indians]?”“Pelomenos,senhora”—diz-sequeograndehomemrespondeu—,“nãooquevocêsfizeramcomosseus”.

HitlerevitaChurchill

Fora Putzi Hanfstaengl quem quase chegara a organizar um encontroentre Hitler e Churchill em agosto de 1932, quando Churchill estava naAlemanhapercorrendooscamposdebatalhadeMarlboroughcomopartedapesquisaparasuabiogra iadeseuilustreancestral.Nomêsanterior,oilhodeChurchill,Randolph,cobriraacampanhaeleitoraldeHitlerparaoSunday Graphic — tendo inclusive voado no suposto avião do Führer deassembléia para assembléia — e estava ansioso para que seu paiencontrasse o homem que, segundo ele já tinha se convencido naquelaaltura, “não hesitará emmergulhar a Europa na guerra assim que tivermontado um exército capaz de fazê-lo”. 33 Hanfstaengl, que conheceuRandolph pormeio de seus contatos com a imprensa estrangeira, jantoucomChurchillnohotelemqueestesehospedavaemMunique.Durante o jantar, Hanfstaengl falou de Hitler “como um homem

enfeitiçado”—quandoa “missão”dele emrelaçãoà “Espanhavermelha”estavaaindamuitos anos à frente—edisse aChurchill que, comoHitlercostumava tomar chá toda tarde naquele mesmo hotel, não teriadi iculdade em articular um encontro dos dois. Segundo asmemórias deHanfstaengl — escritas depois que ele deixou a Alemanha, podendoportanto terem sido fortemente distorcidas—,Hitler não gostou da idéiade encontrar alguém “que sabia ser seu igual em habilidade política” eteria acrescentado: “De todo modo, dizem que esse sr. Churchill é umfrancó ilo apaixonado.” Issomostra queHitler pelomenos já ouvira falarde Churchill naquela altura de sua carreira, e por comentários que fezmaistardeficaclaroquehaviatambémlidopelomenosalgunsdosescritosautobiográficosdobritânico.

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Hanfstaengl manteve a esperança de que numa tarde ou numa noite,durante a estada de Churchill, Hitler — que recentemente recusara ocargo de vice-chanceler na expectativa declarada de que a própriaChancelaria logo lhe seria oferecida—viesse a se sentir su icientementecuriososobreministrodaMarinhabritânicoduranteaguerraparairatéohotel tomarumcafécomele, sua ilhaSarah,Randolph,oproprietáriodoDaily Telegraph lorde Camrose e o professor Lindemam. Naquela noite,durante o jantar, numa discussão sobre a “ampla representação” dosjudeus nas pro issões liberais na Alemanha, Churchill dissera aHanfstaengl: “Diga ao seu chefe que o anti-semitismo pode ser um bomcomeço,maséummauadesivo.”ChurchillnuncateveaoportunidadededizernadaaHitlerdiretamente

porque ele nunca apareceu, mas no dia seguinte Hanfstaengl fez umatentativa inal de convencer o líder nazista a se encontrar com o homemqueumdia—semquenenhumdosdoisosoubesseainda—seprovariasuanêmesis.Hitlercometeuexatamenteomesmoerroquetantosestavamfazendo na política britânica na época; anulou Churchill, dizendo aHanfstaengl:“Detodomodo,quepapelChurchilldesempenha?Eleestánaoposição e ninguém lhe dá ouvidos.” A resposta atrevida de Hanfstaengl,“aspessoasdizemomesmosobrevocê”,tambémnãoofezmudardeidéia.DoisdiasdepoisChurchilleseugrupohaviamdeixadoacidadeparavoltaràInglaterra,tendoHitlersemantidoadistânciaatéquepartiram.Perdeu-se assim um dos encontros memoráveis da história, é possível

que em razão de um complexo de inferioridade da parte de Hitler, masmais provável porque ele aceitava a idéia corrente de que Churchill era“umbusted lush” e nãomerecia seu tempo. Nesse caso, este deveria seracrescentadoà listadoserrosbásicosdecálculodeHitler.É impossível,éclaro, conjecturar o que poderia ter acontecido caso os dois homenstivessem se encontrado, mas se Churchill fosse tentado a transmitir suamensagemsobreoanti-semitismodi icilmente se teriam faladopormuitotempo,outidoumduelode idéias,emparticularporquenenhumfalavaalínguadooutro.Omaisprováveléqueoencontrotivesseseassemelhadoàpesagem de dois adversários antes de uma luta de boxe. Na pior dashipóteses, poderia ter sido uma das grandes decepções da história, comuma troca formal e mutuamente insincera de amabilidadespro forma ealgumasgeneralizaçõessobresuasexperiênciasnaGrandeGuerra.Talvezsejamelhor,portanto,queelesimplesmentenãotenhaacontecido.

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Carisma

Enquanto Churchill nunca realmente projetou carisma,Hitler o irradiava.Churchill tinha uma personalidade impressionante, quemuitos poderiamtomarporcarisma,mascarismaédiferente.Aliderançacarismáticafunda-se nas qualidades quase místicas que os seguidores atribuem a seuslíderes. Essa forma de poder não tem raízes na tradição ou base naautoridade institucional; não reconhece nenhuma constituição e écompletamentedistintadopoderdeumestadistaeleitonumademocracia.Ninguém jamais quis dar a Churchill poderes ditatoriais como os queforam concedidos a Hitler. Embora tenha sido o arquétipo do líderinspirador, Churchill não era encarado como super-humano, etéreo ouexistindo num plano diferente que o resto da humanidade. (Nem todosconcordariam com esta avaliação: o jovem cientista R.V. Jones, que foiconvocadoàSaladoGabineteemjunhode1940paraexplicaraChurchillo sistema de orientação por sinais de rádio da Luftwaffe, revelou que“sempre que nos encontrávamos durante a guerra eu sentia que estavasendo recarregado pelo contato com uma fonte vivi icante de poder”, oque,naturalmente,lhepareciaestimulante.34)Háumsem-númerodeexemplosdepessoasque icavamfascinadaspor

Hitler.Comoele conseguia isso?Emprimeiro lugar,Hitlerdescobriu cedoem sua carreira que era capaz de intimidar e dominar outras pessoasapenas itando-as sempiscar. Isso lhe dava uma aura de determinação ede convicção inabalável. Como na brincadeira infantil de “quem piscaprimeiro?”Hitlerrarasvezespiscavaquando itavaalguémaquemqueriaimpressionar. Isso podia ser estranhamente desconcertante para os quenãotinhamamenoridéiadoqueeleeracapaz.AlbertSpeerlembrouqueuma vez teve um “duelo de piscadelas” com Hitler durante um jantar.Quando Hitler o itou, Speer resolveu tentar sustentar seu olhar. Hitlercontinuoudeolhos ixadosemSpeer,esperandoqueeledesmontasse.Naspalavras de Speer: “Quem sabe que instintos primitivos estão envolvidosnesses duelos entre olhos que se itam… dessa vez tive de reunir umaforça quase inumana, aparentemente para sempre, para não ceder aoimpulsocrescentededesviarosolhos.”35Felizmente,nessemomentoHitlerteve de atender a um pedido da mulher sentada a seu lado e assim foiobrigadoainterromperoduelo.Hitlererafavorecidopelofatodeterosolhosdesuamãe,queeramde

um tom inusitado de azul-claro com uma estranha mescla de um cinza

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esverdeado.Umenormenúmerodepessoasatestaoefeitoestranhamentepoderoso que os olhos de Hitler tinham sobre os outros. O embaixadorfrancês Robert Coulondre pareceu trespassado por eles, e o dramaturgoGerhartHauptmanncontouquetê-losvistofoiomomentomaisimportantedesuavida.MarthaDodd,a ilhadoembaixadoramericano,declarouqueeram“assustadorese inesquecíveis”.A irmãdeNietzsche,Elisabeth,dissedeles: “Buscavam-me… em toda parte.” Ligeiramente projetados e quasesem pestanas, os olhos do Führer exerciam um efeito curiosamentehipnótico, ou pelo menos passaram a fazê-lo depois que a propagandanazista espalhou esse dom. Na criação do carisma, boa parte é auto-sugestão, e se Coulondre, Hauptmann e Dodd não tivessem ouvido falarantesdopoderdosolhosdeHitler,éprovávelquenãootivessemnotado.OcarismadeHitler,éclaro,envolviamaisqueseumeroolhar.Amaioria

daspessoasacreditaquecarismaéumaqualidadepessoalnatural,quesetemou não.De fato, é um traço adquirido, e na verdade uma espécie delogro.Éanossapercepçãoquedotaum líderdecarisma;a inal,ninguémnascecarismático.NenhumadaspessoasqueconheceramHitlercomoumcabonas trincheirasdaGrandeGuerra ou comoumartista frustrado emVienaselembradelecomocarismático,nemcomotendomuitodeumlíder.Ele só adquiriu carisma graças a seus sucessos políticos e seus esforçosincessantes para criar um culto de sua própria personalidade. Hitleralimentou com irmeza essa condição de super-homem infalível até quemilhões se provaram dispostos a aceitá-la segundo a avaliaçãoabominavelmente in lada dele próprio. Seu biógrafo sir Ian Kershawdescreve seu estado de espírito na altura de 1936 como de“autoglorificaçãonarcisista”.36Depoisqueatribuímosumaautoridadeincontestávelaumlíder,ele(ou

ela, de quando em quando) simplesmente adquire carisma, termo quederiva da palavra grega para espírito. Líderes religiosos por vezes têmcarisma — pelo menos aos olhos de seus seguidores —, porque suaautoridade é fundada na fé. No nazismo, como uma religião secular,passava-se o mesmo. O historiadorMichael Burleighmostrou o quanto aideologia nazista tinha em comum com um culto religioso, sobretudo emsua dei icação da igura do Messias.37 A autoridade do Führer eraincontestável, e Hitler enfatizava deliberadamente o carisma que lhe eraatribuídoaocultivaressacondiçãodesuper-homem.Evitavaassociar-seaqualquercoisaquepudesseserimpopularouquepudessefazê-loparecerfalível. Era raro que demonstrasse emoção e mantinha-se resolutamente

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afastado de situações que exigissem a manifestação de sentimentoshumanoscomuns.QuasetodasaspessoasqueconheceramHitlerpessoalmentecon irmam

que era di ícil relaxar na sua presença. Embora um ilme feito por suanamorada Eva Braunmostre que ele era em geral amistoso e cortês emocasiões sociais, calor humano ou afeição genuínos estavam inteiramenteausentes. Ao contrário, Hitler preferia cercar-se de uma aura deinacessibilidade.Nuncadesenvolveuumarelaçãopessoalverdadeira comoutros seres humanos; na verdade, foi por seu cão alsaciano, Blondi, quechegoumaispertodedesenvolverumaamizade.Atépoucashorasantesdeseusuicídio,Hitlerpermaneceusolteiro.Eva

Brauneramantidalongedosolhosdopúblicoesóseucírculomaisíntimoa conhecia. Todas as testemunhas concordam que Hitler nunca mostrouqualquer interesse real por ela; era uma igura de aspecto encantador eumacompanhiaagradável,masnadamais,atésuadecisão inegavelmentecorajosa e devotada de permanecer com ele até o im. Ela quis morrercomo uma mulher honesta, umabunker-frau alemã casada de papelpassado, e ele lhe concedeupelomenosessahonra comoapagapor suadisposição de acompanhá-lo em seu suicídio. Depois da morteprovavelmente se separaram, já que ela não tinha razão alguma paraacompanhá-loemsuaviagemdooutroladodoEstige.

Relaçõespúblicas

Hitlergostavadeserfotografadocomcriançaseanimais;nuncachegavaabeijar bebês, mas submetia-se a todo o resto da super icialidadedegradante das sessões de fotogra ia da políticamoderna. Amanutençãodeumaimagemdesimplicidadeeratalvezumdeseusestratagemasmaise icazes de relações públicas, provavelmente mais e icaz até que osbombásticos comícios nazistas. Joseph Goebbels estava decidido aapresentar Hitler como “o Chanceler do Povo”, ressaltando seus gostossimples e sua proximidade com o alemão comum. Enquanto muitosalemães percebiam as autoridades do partido como igurões —apelidando-osde“faisõesdourados”—,oFührercontinuavasendo,aseusolhos, “um de nós”. É um truque populista de propaganda usado pormuitoslíderesmodernos.(Hojeemdia,sãopoucosospolíticosamericanosque icam de paletó nas cerimônias de encontro com o povo em

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prefeituras.)Emboramíope, Hitler nunca usava óculos em público. Seus secretários

adotavamcaracteresespecialmentegraúdosaodatilografarseusdiscursosporqueeleachavaqueaparecerdeóculospoderiaprejudicarsuaimagemdesuper-homem.38Evitavatambémserfotografadofazendoqualquertipodeexercício ísicopesado.Tampoucopermitiaquesequerseucamareiroovisse senão completamente vestido.Quando, para a profunda reprovaçãodeHitler,Mussolini foi fotografadodecalçãodebanho,oFührerdeclarouque jamais permitiria que isso acontecesse com ele; de fato, expressou omedodeque“algumhábilfalsi icadorpudessecolocarminhacabeçasobreumcorpodecalçãodebanho”!39Sentia-seembaraçadoquandotinhadesedespirdiantedeummédicoenuncapermitiuquefossefeitoumraioXdeseuestômagoirritável.Recusava-setambématerummassagista,comolhesugeriuHeinrichHimmler,ochefedaSS.Gostavadeterseucorpocobertoo tempo todo, emesmonasépocasmaisquentesusava ceroulasbrancas,como icoupatenteapósoComplôdaBomba,quandosuascalçaslheforamarrancadasnotépidodiadeverãode20dejulhode1944.Churchill,porsuavez,nãopodiase importarmenoscomsuaaparência

ísica. Quase nunca insistia em impor sua dignidade pessoal, emborativesse sempre consciência do respeito que era devido ao queocasionalmente chamava de “o primeiro-ministro do rei”. Quando estavadoentenoMarrocosem1944,doiscriadosocarregarammorroacimaparaumpiqueniquenasmontanhasAtlas,usandoa toalhademesacomoumatosca rede improvisada. A completa ausência de decoro envolvida nessemododetransportenãoopoderiaterperturbadomenos.Freqüentementeerapossívelencontrá-lotrabalhandoderoupãoechinelos.Porvezes,comtodanaturalidade, despia-seou tomavabanhonapresençade seu staff edecolegas.Certafeita,chegouaassustaropresidenteRooseveltaosairdobanho, com a piada: “O primeiro-ministro da Grã-Bretanha nada tem aesconderdopresidentedosEstadosUnidos.”Churchill tinhatambémumapredileção pouco carismática por chapéus engraçados e uniformesextravagantes.Foioúnicoprimeiro-ministro,incluindoatéopróprioduquedeWellington,quejamaisusouuniformemilitarquandonocargo.Entreasfotogra ias de Churchill ao lado de Roosevelt, uma o mostra com ouniformede comodorodoarhonorário, outra comouniformede coroneldos4ºHussardos, eaindaoutracomodeElderBrother deTrinityHouse(o órgão que iscaliza o funcionamento dos faróis britânicos). Embora amaioria das pessoas ache esse gosto excêntrico emmatéria de vestuário

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extremamenteencantador,eletendiaafazerRooseveltparecersuperioraChurchill. EmSavrola, Churchill mostrara estar ciente das vantagens douso de roupas simples, ainda que ele próprio não tenha seguido oconselho. Descreveu seu herói entrando no Baile de Gala de Laurenia:“Nenhuma condecoração,nenhumacomenda,nenhumaestrela realçavaotrajedenoitesimplesqueusava.Emmeioàqueleesplendordecor,aquelaprofusão de uniformes vistosos, era uma igura sombria; mas, como oDuquedeFerroemParis,pareciao líderdetodoseles,calmo,con ianteeinabalável.”40Quando se tornou primeiro-ministro, Churchill certamente parecia se

preocuparpoucocomcódigosdevestimenta.Em1940ele inventouoquechamouseu“sirensuit”[trajedesereia],umaroupabaseadaemseutrajede pedreiro,mas feita de veludo, fechada de cima a baixo na frente comumzíper. Embora o staff governamental zombasseda roupa, chamando-adeseu“macacão”,Churchillusou-aatéemalgumasocasiõesformais,pararevistar tropas ou receber dignitários estrangeiros. O traje não foiapreciadonoKremlin,onde,disseele: “Acharamqueeuestava levandoademocracia longe demais.” Isso con irma o queHitler já sabia: que ao sevestir com despojamento um líder pode realmente se tornarmais, e nãomenosvisívelqueosoutros.Os nazistas, é claro, gostavam de se vestir com ostentação. É di ícil

imaginar algo de mais pomposo que o uniforme de gala de HeinrichHimmler, atéque sevejaodeHermannGöring.Apreciadordemedalhas,ele chegou a inventar algumas novas, com a certeza de que seria oprimeiro candidato a recebê-las. O uniforme do próprio Adolf Hitler, noentanto,nãotinhaalamaresdourados,nãotinhadragonas,nãotinhafaixasnemcomendas,apenasaCruzdeFerrodosimplesmasbravosoldadonaPrimeira Guerra Mundial, um distintivo do Partido Nazista e um outropequenodistintivo.Hitlerestimulavaosoutros líderesnazistasa sevestircom ostentação, enquanto ele próprio cultivava o despojamento. Isso eraparte de sua imagem populista como o “Chanceler do Povo”. Estavaenviando ao povo amensagemde que, diferentemente de outros líderes,seu poder era tamanho que não precisava valorizá-lo com uniformesespeciaisouinsígnias.Em1938,quandoviajouaRomaparaumencontrocomMussolini,Hitler

mandou fazer uniformes especiais para todos que o acompanharam. AmissãocoubeaBennovonArent,ocenógrafoecomissárioparao igurinodoReich,cujo talentoparaodesenhodemedalhasvaleu-lheoapelidode

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“funileirodoReich”,dadoporAlbertSpeer.Arenteramaisconhecidoporseus cenários para óperas e operetas, e os diplomatas viajarammetidosem sobrecasacas pesadamente trabalhadas com sutaches dourados. Só oFührerestavavestidocomodecostume, comumuniformesimples.Comoeledisse:“Meuentornodeveparecermagní ico.Assimminhasimplicidadecausanotávelimpressão.”

Umlugarsóparaeles

Parte do carisma inteiramente fabricado de Hitler era resultado dassessõesde fotos coordenadasdemodocuidadosoqueo retratavamcomoum homemamante da simplicidade e da natureza. Para conseguir esseefeito,eranecessárioternãosóumaboamedidadeprivacidadecomoumabase fora da cidade escolhida com acerto. Os líderes precisam estar porvezes isicamente inacessíveis para enfatizar seu poder sobre osacontecimentos, e isso era algo que Hitler compreendia muito bem. AcidadedeBerchtesgadennosAlpesbávarosestá inextricavelmente ligadaaAdolfHitler,cujacasadecampo,oBerghof,foiconstruídaacimadaaldeiadeObersalzberg,nosopédamontanha.Hitlertinhagrandeorgulhodesuaantiga relação com a região, que começara quando izera uma visitaincógnitoaumcolega,opolíticofascistaDietrichEckart,antesdoPutschdaCervejaria.Aolongodosanos,hospedou-seemváriosalberguesdaáreaemais tarde comprou uma casa que se tornou o centro de um enormerecinto para as autoridades nazistas mais graduadas. Martin Bormann,HermannGöringeAlbertSpeer, todoselesconstruíramcasasnaencosta,sobretudo para assegurar seu acesso crucial ao Führer. Ainda existemmaisde2.700metrosdebunkersdeconcretoconstruídosparaelessobaencosta, emboragrandepartedo resto tenhasidodetonadapeloexércitoamericano em 1945 para impedir que o lugar se tornasse um santuáriopara neonazistas. (Foi uma preocupação procedente: o hotel no alto damontanhaGranSasso,na região italianadeAbruzzi,doqualMussolini foilibertadoporpára-quedistasnumgolpeousado, incorporaummuseuquecelebranostalgicamenteaaçãodaunidadedeassaltodaSS.)“Sim, há muitos vínculos entre Obersalzberg e mim”, relembrou Hitler

para seus amigos em janeiro de 1942. “Tantas coisas nasceram lá e seaperfeiçoaramlá.Foiláquepasseiasmelhoreshorasdeminhavida.Foiláquetodososmeusgrandesprojetosforamconcebidoseamadurecidos.Eu

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tinhahorasdeócionaquele tempo,equantosamigosencantadores!”SeépossíveldizerqueofantasmadeHitlerassombraalgumlugar,nãoéaáreaanônimaeachatadadaWilhelmstrasseemBerlim,onde icavaseubunker,masaqueleláemcima,naencostaalpinabávara.O próprio Berghof não era a obra-prima arquitetônica que Hitler a

considerava. Por alguma razão, o Führer detestavamóveis envernizados,preferindopinhobruto.SeubiógrafoNormanStonedescreveuacasacomoumaconstruçãoapropriadaparaumvilãodeIanFleming. Imensasplacasde mármore vermelho a adornavam; pinturas roubadas pendiam nasparedes; havia um vasto e espesso tapete; chamas tremendas na lareira;poltronasdesmesuradasestavamdispostasaexcessivadistânciaumasdasoutras, de tal modo que os convidados tinham quase de gritar suastrivialidades uns para os outros enquanto fagulhas saltavam do fogo aoavançar do crepúsculo.” 41 Por ocasião do qüinquagésimo aniversário deHitler,oPartidoNazistaopresenteoucomummilagredaengenhariacivil,o “NinhonaRocha”,umaconstruçãodepedra1.800metrosacima, aquese chegava pelo meio da montanha e da qual ele podia avistar toda aregião,inclusivesuabem-amadaSalzburgo.A deslumbrante vista panorâmica, contudo, não apaziguou a alma de

Hitler. Paradoxalmente, aquelas lindas vistas parecem só o ter ajudado achegar às suas decisões mais drásticas. Foi durante suas estadas emObersalzberg que tramou para se apoderar do poder absoluto naAlemanha, que lhe ocorreu o famigerado plano Berchtesgaden paradesmembraraTchecoslováquiaequeplanejouainvasãodaRússia.JosephGoebbels, um visitante habitual, queixava-se regularmente em seu diáriodos longos períodos que o Führer passava em Obersalzberg, mas icavasatisfeito ao ver como “a solidão das montanhas” tendia a instigar seuFührer a esforços cada vez mais fanáticos. Hitler estava lá no inal demarçode1933,quandodecidiupromoverumboicotedetodososnegócios,serviços,advogadosemédicosjudeusemtodooReich.UmavistadebelezaestonteantetinhaclaramentesobreHitleroefeitoopostoaoquetemsobreamaioriadaspessoas;emvezdesuavizá-loehumanizá-lo,endurecia-lheocoração e o enchia de sonhos de dominação racial. Havia uma lendasegundo a qual, sob um dos picos mais altos da cadeia de montanhasBerchtesgadener, oUntersberg, jazia adormecido o imperador germânicoBarba-Roxa; não teria sido por acaso, portanto, que a invasão alemã daRússiaemjunhode1941recebeuocodinomede“OperaçãoBarba-Roxa”.No verão de 1933 Obersalzberg tornou-se um local de romaria para

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muitos alemães. Como sir Ian Kershaw escreveu: “Eram tamanhas asmultidõesdeadmiradoresquetentavamavistarochancelerdoReichqueHimmler,comocomandantedaPolíciaPolíticabávara, tevedeestabelecerregrasespeciaisde tráfegoparaaáreadaBerchtesgadeneproibirousodebinóculospelosquetentavamobservar“cadamovimentodoChancelerdo Povo”. No inal, o interesse tornou-se tamanho que foi preciso isolartoda a área durante as caminhadas vespertinas de Hitler para evitar osturistas. Iniciou-se assim a tradição de uma procissão diária em que “atéduas mil pessoas de todas as idades e de todas as partes da Alemanha,movidas por sua devoção a percorrer os caminhos íngremes atéObersalzbergeesperarhoras,aumsinaldosajudantesmarchavamnumacoluna silenciosa, passando por Hitler”. Para um de seus ajudantesmaischegados, Fritz Wiedemann, essa adulação tão desmedida tinhaimplicações quase-religiosas, e sem dúvida ajudava o próprio Hitler a seacreditardotadodepoderesquasesobre-humanos.Era também na Baviera que as sessões de fotos se multiplicavam. Há

fotogra iasdoFührercomotrajetirolêstradicionalapoiadonumaárvore;o Führer com sorridentes e embevecidas crianças louras; o Führerafagando Blondi, seu cão alsaciano; o Führer debruçado sobre projetosarquitetônicos das cidades que pretendia construir; um Führer feliz erelaxado tomando chá com Eva Braun; o Führer como pai de seu povoariano;umFührerenvoltonummantodandoasboas-vindasaoBerghofavisitantes ilustres como David Lloyd George e o duque de Windsor; oestadista trabalhando, confortando os idosos, ou escalando uma encostacobertadeneve.Ter um lugar afastado da cidade onde pudesse pensar, escrever e

receber era importante para Churchill também. A propriedade deChartwell,Kent, foi compradaemsetembrode1922por5.000 libras,umpreçoreduzidoporqueestavapraticamenteemruínase,tendosidolevadaa leilão por um lance mínimo de 6.500 libras, não recebera ofertas.Churchill só teve condições de comprá-la graças à herança de um primoem segundo grau, lorde Herbert Vane-Tempest, que morrera numacidente ferroviário no País de Gales exatamente quando Churchill foranomeadosecretáriocolonial.Churchill teveaindadegastarmais20.000 librasparareformaracasa

duranteos18mesesseguintes,eduranteanoselasugouseusrecursosatalpontoqueClementinesequeixavaconstantementedequeiriaarruiná-los. Tratava-se, no entanto, do exato tipo de retiro de que precisava um

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homemqueporvezessofriademelancolia,comvistasmaravilhosassobreoWalddoKentquesópodiamelevaroespíritodeumhomem.Se Obersalzberg era o lugar mais wagneriano e germânico da Europa

central,nãohácondadomaisquintessencialmenteinglêsqueoKent.Assimcomo a situação geográ ica e os panoramas do Berghof estimulavam ossonhos de conquista de Hitler, o Wald reforçava a determinação deChurchillderesistiraeles.

Arquitetura

Hitler era obcecado pelo poder que tinha a arquitetura de ressaltar suaprópria grandeza recém-descoberta e da Alemanha. Teria feito eco comentusiasmoàargutaobservaçãodeChurchilldeque:“Primeiromoldamosnossos prédios e depois eles nos moldam.” Hitler tinha planosmegalomaníacos de edi icações para Berlim. Enquanto Goebbelsmontavaimensos comícios para celebrar o culto quase-religioso do Führer, Speerrecebeu ordens deHitler para construir uma nova Chancelaria doReich,capazaomesmotempodeimpressionareintimidarosvisitantes,apoucascentenas de metros da Potsdamer Platz em Berlim. Nada resta desseprédiohoje;o localéagora tomadoporumedi íciodeapartamentose—de maneira bastante imaginosa — um jardim-de-infância. Os projetosmostramqueanovaChancelariadeHitlereracercadevintevezesmaiorque a antiga. A data da construção da nova Chancelaria — 1938 — éextremamentesigni icativa,umavezquefoinesseanoqueHitleranexouaÁustria, em março, e os Sudetos, em outubro, alcançando assim dois deseusobjetivosdepolíticaexteriorsemrecorreràguerra.Decididoa levara cabouma imensaexpansão territorial emsuabusca

deLebensraumparaopovoalemão,Hitlerfaziaquestãodecausaromaiorimpactopossívelsobrevisitantesestrangeiros.ComoexplicouaSpeer,queassinalara como o arquiteto de “Germânia”, sua nova capital: “Pretendorealizar conferências extremamente importantes no futuro próximo. Paraisso, preciso de grandes galerias e salões que impressionem as pessoas,especialmente os dignitários menores.” A nova Chancelaria do Reich seestendia por 400metros. Embora seu endereço fosse Voâstraâe 2-6, nãoeraaliqueseencontravaaentrada.Decasopensado,Speerescolheuumlugar aparentemente ilógico para ela na lateral do edi ício, naWilhelmstrasse. Isso signi icava que um dignitário que chegasse tinha de

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transpor275metrosdecorredoressuntuosos,comaimponenteGaleriadeMármore no centro, antes de chegar ao gabinete do Führer. Encantadocom o trabalho de Speer, Hitler comentou: “Na longa caminhada desde aentrada até a sala de recepção eles terão uma prova do poder e damagnificênciadoReichalemão!”O gabinete de Hitler era uma vasta sala de 112 metros quadrados

adornada com lustres pesados e um imenso tapete em cores pastel. Osfrisos de três grandes cabeças adornavam os painéis frontais da imensaescrivaninha do Führer: uma delas era a de Medusa, com cobrasretorcidasdespontandoda cabeça.Namitologia clássica, todo aquele quevia a Medusa caía imediatamente sob seu feitiço e era transformado empedra. Hitler raras vezes trabalhava nesse gabinete; ele lhe serviaunicamentepararecebervisitanteseassombrá-loscomoseucarismaeopoderalemão.Compare-seaissooNúmeroDezdaDowningStreet,umacasageminada

emWhitehall, que em tamanho e estilo nada parece ter de especial, pelomenosvistadefora.RoyJenkinsdescreveu-acomo“umadasmaisfrágeisdas grandes casas de Londres, construída no século XVIII, um períodonotóriopelamáqualidadedaconstrução”.ONúmeroDezéumpoucocomoa Tardis do Dr. Who, com muito mais espaço do que parece possívelquandovistadefora,jáqueelaseesparramapelaáreadascasasvizinhase conecta-se com outras partes de Whitehall através de corredores quenãopodem ser vistos de fora.Nada, portanto, poderia sermais diferentedaimponentíssimamaspoucopráticaChancelariadoReich.Mesmoassim,quasetodaaáreaútildoNúmeroDezteriacabidosónogabinetedeHitler.Não admira que seja quase impossível para um primeiro-ministro

britânico desenvolver o tipo de carisma que Hitler projetava. Antes daguerra, líderes políticos britânicos costumavam andar pelas ruas sem osséquitosdeguarda-costas,conselheirospolíticoseauxiliaresquetêmhoje,e essa acessibilidade, por si mesma, tornava também di ícil para elesadquirir carisma. Até durante a guerra Churchill ia muitas vezescaminhandodeDowningStreetatéoParlamento.Hojeemdia,mesmoemtempo de paz, os primeiros-ministros tendem a ser conduzidos de carropor esses cerca de 280 metros, só se dispondo a transpor essa curtadistância quando— como durante o funeral da rainha-mãe em 2002—esperamauferirumganhopolíticocomisso.

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Acessórios,símbolosemarcas

Hitler e os nazistas eram mestres no uso de acessórios e marcas: seusuniformes, botas de cano alto, o símbolo da suástica, braçadeiras,bandeiras, hinos e a saudação — conferiam todos uma identidadecorporativa característica a seu partido e a seus partidários. Até acaracterística facial mais forte de Hitler, seu esdrúxulo bigodinho deescovadedentes,passouporváriosestágiosdedesenvolvimentoàmedidaque, vez por outra, ele alterava sua largura. Churchill tambémcompreendia o quanto os políticos precisavam demarcas características.Certavez,numensaiosobreosacessóriosdospolíticos—oscolarinhosdeGladstone, o cachimbo de Baldwin e assim por diante — ele escreveu,dissimuladamente:“Nuncalanceimãodenadadisso.”Seráquerealmentepensava que pessoas normais usavam chapéushomburg, gravatas-borboletas de bolinhas, colarinhos altos de ponta virada, e fumavamcharutos Romeo y Julieta daquele tamanho? Ele adotou o sinal do V devitória no verão de 1941 e além disso literalmente dúzias de chapéus:quepes militares e navais, capacetes, um chapéu australiano,homburgs,panamás, cartolas — um dos quais obteve recentemente 10.000 librasnum leilão —,stetsons e até um cocar de plumas de um chefe indígenaamericano. Raramente fumava charutos,mas quando estava prestes a sedirigir para uma ocasião pública, acendia um e aconselhava ao membrotóri do Parlamento que estava do seu lado: “Nunca se esqueça da suamarca!”42Hitler,emcontraposiçãoeraumnão-fumantefanáticoqueconsideravao

fumoa“vingançadohomemvermelhocontraohomembrancoporterlhedado a bebida alcoólica forte”. Foi preciso o Führer para encontrar ummotivo racial até por trás do hábito de fumar. Entre 1933 e 1945, osnazistas instituíram o mais drástico movimento antitabagista, que impôsproibições ao fumo em espaços públicos, restrições no racionamento decigarros para mulheres e desenvolveu a mais re inada epidemiologia dofumodomundo, associandoo cigarro ao câncerdepulmãopelaprimeiravez. Temores de que o tabagismo poderia ser perigoso para o bem-estarísico da raça ariana signi icaram que médicos alemães — metade dosquais pertencia ao Partido Nazista quando a guerra foi de lagrada —lideraramacampanhacontrao fumo.AnúnciosmostravamqueenquantoHitler, Mussolini e Franco eram todos não-fumantes, Stálin e Rooseveltestavam,sempreenvoltosnafumaçadecigarroseChurchillraramenteera

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vistosemseucharuto.43Apesar de todas as campanhas, contudo, o consumo de cigarros na

Alemanha de fato cresceu durante os primeiros anos do domínio nazista,passandode570 cigarrospercapita ao anoem1932para900em1939.(NaFrança,duranteomesmoperíodo,elesubiudomesmonúmeroinicialpara apenas 630.) Os ativistas antitabagistas alemães queixavam-se aoFührerdapropagandade“estiloamericano”quetinhamdecombater,maselerelutavaemagircontraas irmasdecigarrosumavezqueelas,desdecedo, haviam declarado um apoio entusiástico a seu regime, a ponto delançarumamarcaespecial:osSturmzigaretten (cigarroscamisas-pardas).Osfabricantesdecigarrosgeravamtambémumfluxoinestimávelderendapara o Tesouro em perene di iculdade de Hitler, contribuindo com nadamenos de um bilhão de Reichsmarks no ano inanceiro de 1937/38. Naalturade1941osimpostossobreofumoestavamfornecendocercade8%de toda a renda do governo, sendo portanto cruciais para o esforço deguerra.Embora a Luftwaffe e o Correio proibissem ambos o fumo, bem como

muitas fábricas, secretarias do governo e do Partido Nazista, casas derepousoehospitais—eHimmler tivesse impostoaproibiçãode fumaratodososo iciais uniformizadosda SS a serviço—, o consumode cigarroscontinuou a se elevar. Alguns abrigos antiaéreos tinham salas especiaispara fumantes,mas em geral o fumo era proibido neles, assim como nosônibusenos trensem60dasmaiores cidadesalemãsporvoltade1941.Emnovembrodesseano,aoelevarosimpostossobreoscigarrosaosseusníveismaisaltos,osnazistasanunciaram“oiníciodo im”dofumoemtodooReich.Oresultadofoique,emboraonúmerodesoldadosfumantestenhasido maior que nunca (cerca de 87,3%), eles passaram a fumar 23,4%menoscigarros.Em1940-41osalemãesfumaramassombrosos75bilhõesdecigarros,obastantepara formarumblococilíndricode133metrosdealturacomumabasede93metrosquadrados.

Otratocomaspessoas

A seu ver, quem seria melhor no trato com as pessoas — Hitler ouChurchill? Embora se mantivesse isolado e realmente não se importassecommaisninguémalémdesimesmo,Hitlerrealmentezelavaporseustaff,quelhedevotavaumaadoraçãoquaseunânime.Quandomembrosdesua

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equipeadoeciam,eleosvisitavanohospital.Gostavadepresenteá-losemseusaniversáriosenoNatal,chegandoadedicaratençãopessoalàescolhade presentes apropriados. Alguns, como seu camareiro, o viam como umsegundopai.Até sua morte em 2000 aos 83 anos, a secretária favorita de Hitler,

Gerda Christian, conservou lembranças afetuosas do homemque sempre—mesmoapós1945—chamou“oChefe”.Tendopermanecidocomelenobunker até pouco antes do im, ela nunca teve depois uma palavradeselegante para seu “bondoso e justo” ex-patrão. Não há líder tãoperverso que não tenha seus defensores. Era certamente possívelencontrarmoscovitasnoséculoXVIqueselembravamdeIvanVasilievichcomsaudade.Foiumczarcruel,admitiriamentregolesdevodca,maserajustoesuastorturasdeveriamservistasnocontextohistóricoadequado.Ocognome “Ivã oTerrível” foi na realidademais uma expressão respeitosade afeto que algum tipo de crítica. Gêngis Khan provavelmente tinhapartidários que, anos depois, a irmariam que ele fora difamado, queprovavelmentenãosabiadoqueestavasendofeitoemseunome,queforaincompreendido, e quede todomodopelomenos izeraos iaques fugir atempo.Você sempre sabia onde estava, recordariamos transilvanos, comVladoEmpalador.EricHobsbawm, considerado em geral como o nossomaior historiador

vivo — embora só Deus saiba por que, enquanto seus quase-contemporâneoscomoRobertBlake,AsaBriggs,AlanBullock,HughDacre,Antonia Fraser, Paul Johnson e Hugh Thomas ainda estão respirando—,ainda não se cansou de ressaltar que Josef Stálin modernizou a UniãoSoviética,eportantonão teriapodidoserde todoruim.Kim IlSung,FidelCastroeatéPolPot têmseusapologistasocidentais.Éum fenômenobemconhecido que intelectuais e escritores, que não perdem umaoportunidade de proclamar objetividade e ateísmo, são muitas vezes osprimeiros a cultuar o poder sem disfarces, e parece que quanto maisbrutalmenteessepoderéexercido,maisdevotadaéaobediência.O extraordinário culto do heróimanifestado por ingleses inteligentes e

sensíveis a Napoleão, mesmo quando ele mantinha sua Grande ArmadaaportadaemBoulogneem1804,éumexcelenteexemplodessefenômenopernicioso. Em seu livroNapoleonandEnglishRomanticism [Napoleão e oRomantismoinglês],ohistoriadorSimonBainbridgeregistrouoquechamade a “obsessão” que Byron, Hazlitt, Wordsworth, Coleridge e Southeytinham pelo arrojadoparvenu córsico. Também na política, oswhigs

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aproximaram-seperigosamentedatraiçãonaadmiraçãoindisfarçávelquevotavam ao inimigo de seu país. Quando aluno de graduação emCambridge,WilliamLamb—maistardelordeMelbourne—escreveuumaodeemlatimaBonaparte,esuascartasàmãeregistravamalegriaanteasvitórias francesas e pesar pelos êxitos aliados. Ele e Charles James Foxadmiravam a “energia” de Napoleão mais ou menos como escritores earistocratas britânicos admiravam a “energia” da Alemanha nazista nadécada de 1930. O historiador Arthur Bryant chegoumesmo a quali icarHitler de “o Soldado Desconhecido encarnado” em julho de 1939, trêsmeses apenas antes dade lagraçãoda guerra, e não tinha a desculpadeFrauGerdaChristiandeterconhecidoapersonalidadedoFührer.A maneira como intelectuais foram hipnotizados por tiranos no século

XX,comhomenssemdúvidabrilhantescomo Jean-PaulSartreeE.H.Carrapaixonando-se platonicamente por Stálin, teve um efeito terrível sobreseus compatriotas. Faculdades críticas foram sedadas, uma oposiçãopotencial obstruída. O que poderia talvez ser perdoável numa jovemsecretáriaquepoucoviradavidaforado bunkerdeBerliméinteiramenteimperdoávelemescrevinhadorescomoWalterDuranty,ocorrespondented oNew York Times em Moscou na década de 1930, que, emboratestemunhando a política deliberadade Stálin de provocar fome naUcrânia, escrevia favoravelmente sobre o regime bolchevique. Outrojornalista americano, Lincoln Steffens, foi além e, ao regressar da Rússia,declarou,numafrasefamosa:“Viofuturoeelefunciona.”Atéhoje,quandoomarxismo-leninismofoicon inadoà lixeiradahistória—exceto,éclaro,na China, em Cuba e nos departamentos de sociologia doscampi doOcidente—equandofoide initivamentedemonstradoquenãofuncionou,apesar de 70 anos experimentação, os Hobsbawms continuamimpenitentes.Quando os apologistas dos gêmeos Kray não hesitam em a irmar que

elesmantinhamasruasdoEastEndseguras,eosrepublicanosirlandesessustentam que o IRA é e icaz no combate aos pequenos tra icantes dedrogas, nenhumdeles parece corrompidodemais paranãomerecer umahagiogra ia,pormaisenganososquesejamseusfundamentos.Hátambémcerta perversidade na natureza humana que nos faz desejar dizer ocontrário do que dizem todos os outros, ser a criança que denuncia anudezdoimperador.Éclaroque,propriamentedirecionado,esse impulsopode por vezes ser até salutar para a democracia. Mesmo quando aCâmara dos Deputados americana votou pela declaração de guerra ao

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Japão após o ataque de surpresa a Pearl Harbor, uma pessoa — a sra.JeanetteRankin,deMontana—votoucontra.Foiumvotocontra388,elaestavacometendoumaimprudênciaeumerro,masnãofoiintimidadaporsuacorajosaposiçãopaci ista.Sóditadurasexigemunanimidadeabsoluta,e resultados de eleições como o obtido na Coréia do Norte em 1985,quando o Grande Líder declarou ter ganho 100% do voto popular,geralmentesugeremfraqueza,nãoforça.Para Frau Christian houve uma ironia inal. “Não possome queixar do

tempoquepasseicomoFührer”,disseaamigos.“Tínhamosatépermissãopara fumar numa época emque, na Alemanha, isso não era de bom tomparamulheres.”Comoelasómorreuapósumalongaepenosalutacontraum câncer de pulmão, seria possível a irmar que seu chefe cuidou delatambémemseufim.Em contraste com Hitler, Churchill era um patrão severo. Com muita

freqüência deixava de exibir o que descreveu em Savrola como “aquelasmaneirasencantadorasdequepoucosgrandeshomenssãodesprovidos”.No que dizia respeito ao trato com as pessoas, podia ocasionalmente serrude e sarcástico. Seus secretários tinham di iculdade em interpretar oque descreviam como “rosnados inarticulados ou palavras soltas jogadassem explicação”, e muitas vezes ele podia ser agressivo com os que nãoconseguiamcaptar suas intenções. “Ondediabosvocêestudou?”, rosnava.“Porquenão lêalguns livros?”TivesseChurchillexibidoomesmotipodecomportamentonoambientedetrabalhoatual,poderiatalvezserlevadoaum tribunal da justiça do trabalho. Tinha um gênio horrível, embora seugrande encanto geralmente lhe permitisse consertar as coisas depois.Diga-seaseufavor,porém,queeratãoinsolentecomcolegasesuperioresquantocomsubordinados.Quando,comoministrodasFinançasnadécadade1920,Churchill teve

umdesentendimentocomoentãoministrodaSaúde,NevilleChamberlain,consta que ele teria protestado junto ao primeiro-ministro, StanleyBaldwin, andando “pela sala gritando e ameaçando” e lançando-se numa“terrível invectiva”. Chamberlain, que considerava o temperamento deChurchill “infantil e desprezível”, escreveu a Baldwin: “Nempor todas asalegrias do paraíso eu seria membro do staff dele! Mercuriano! Umapalavradesgastada,maséadescriçãoliteraldeseutemperamento!”No verão de 1940, sob a terrível tensão de conduzir o país, Churchill

recebeu de suamulher uma carta que dizia: “Há umperigo real de vocêpassarasermalquistodemodogeralporseuscolegasesubordinadospor

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causa de suasmaneiras rudes, sarcásticas e arrogantes”, e acrescentava,“devo confessarquenoteiumadeterioraçãona sua conduta…vocênãoémais tão gentil quanto costumava ser.” Churchill levou essaspalavras emcontae tentouse corrigirmas, comocostumavadizeroprimeiro-ministroaustralianoPaulKeating:“Liderançanãoéquestãodegentileza.Équestãodeestarcertoedeserforte.”44Em junhode1941, Churchill chegou até a reconhecerpublicamenteos

seusmausmodos,dizendo,numdiscursoàCâmaradosComuns:

Nãomeparecequenenhumaexpressãodedesdémouseveridadequeouvi da parte de nossos críticos tenha sequer chegado perto dalinguagemque eumesmomehabituei a usar, não só oralmente comonuma sucessão de memorandos. De fato, espanta-me que grandenúmerodemeuscolegasaindaconversecomigo.

Ouvirconselhos

OprópriofatodeClementineChurchillterpodidoescreveraomaridoumacarta tão franca era indicativo do casamento sólido, aberto,duradouramente amoroso que tinham. Em16 de abril de 1908 Churchillescreveu, numa carta a Clementine Hozier: “Que satisfação e prazerconhecerumamoçacomtantospredicados intelectuaisereservassólidasde sentimento nobre.” Em 18 de abril de 1964, 56 anos, duas guerrasmundiais e doismandatosdeprimeiro-ministrodepois, e após a trocadevárias centenas de cartas e telegramas, Clementine Churchill estavaescrevendoparaomaridoparadizerqueoslíderespartidáriosgostariamdevisitá-loparaassinalaroencerramentodesuacarreiraparlamentar.Oamorsinceroqueosunia saltavaaosolhos; “a camavaziaémelancólica”,escreveu Churchill quando ela estava fora. É inteiramente incorretosugerir,comoofezoatordeHollywoodKevinCostneremmaiode2001—sem apresentar prova alguma — que Churchill foi alguma vez in iel aClementine.QueClementinepossatertido,naexpressãodeMarySoames,“um clássico romance de férias” com omarchand Terence Philip é ummotivodecontrovérsiahistórica.OsuvenirqueClementinetinhadobrevearroubo foi enterrado noGoldenRoseWalk, emChartwelll, sob o relógiodesol—ocadáverdeumapombaquePhiliplhedeucomacitaçãodeW.P.Kerr:

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HereliestheBalidove.ItdoesnotdotowanderToofarfromsobermen,Thereliesanislandyonder,Ithinkofitagain.45c

(SeChurchilleraumdos“homenssóbrios”aqueosversossereferiam,opoemasetornaaindamaisintrigante.)A despeito desse interlúdio romântico, Clementine Churchill era uma

mulher tirânica e temível.Não tinhamuito tempopara váriosdos amigosmais interessantes de seu marido, como lorde Beaverbrook, BrendanBrackenelordeBirkenhead,maspossuíaavaliosacapacidadedesilenciarhomens comoos generaisDeGaulle eMontgomery com seuolhar ferino,de basilisco. Uma mulher com menos coragem provavelmente não teriasobrevivido ao casamento com um espírito tão inquieto e exigente comoWinston Churchill. Foi sempre em defesa dele que ela pronunciou suaspalavrasmais duras. Num almoço oferecido pelo embaixador francês em1953, ela ouviu por acaso o ex-secretário das Relações Exteriores, lordeHalifax,dizerqueseumaridosetornaraumobstáculoparaoPartidoTóri,e retrucou cruelmente: “Se o país tivesse dependido do senhor,poderíamos ter perdido a guerra.” Em contraste com a relação aberta eigualitária que Clementine tinha com Churchill, Eva Braun, mesmo apósvários anosde relacionamento comHitler continuava a tratá-lo por “meinFührer” e é inconcebível que ela o chamasse de parte para adverti-lo doefeitodeseucomportamentosobreseussubordinados,mesmoqueelelhetivessepedidoqueofizesse.Já se sugeriu que a razãopor que o relacionamentodeHitler comEva

Braun só resultou em casamento quando ele estava com 56 anos edecididoasematarhorasdepoisfoiqueeleerahomossexual.Segundoumlivro publicado em 2001 pelo dr. Lothar Machtan da Universidade deBremen, intituladoO segredodeHitler: a vidadupladeumditador — quetem boa documentação e argumentação, mas em última análise é poucoconvincente—, o Führer era quase tãogay quanto a representação queMelBrooksfazdeleemPrimaveraparaHitler .Machtana irmouqueHitlernão só foi um homossexual promíscuo antes de 1933 e um homossexualseveramente reprimido depois, como promoveu o massacre Noite dosLongosPunhaisemjulhode1934paraacobertaressesegredoculposo.Lamentavelmente, como é quase inevitável em teorias desse tipo, os

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indíciossãonamelhordashipótesesduvidososefragmentários,enapior,mera insinuação. Embora desde a década de 1920 dúzias deautobiografiastenhamsidopublicadascomtítuloscomoFuipilotodeHitler ,FuimédicodeHitler eFuicamareirodeHitler ,ninguémseapresentoucomo sensacionalbestseller, sucesso garantido,Fui amante de Hitler . Aexplicação que o dr. Machtan dá para isso é que entre as 150 pessoasassassinadasnaNoitedosLongosPunhaisestavammuitoscamisas-pardase outros que tinham conhecimento das predileções de Hitler, e que essa“eliminaçãodetestemunhaseprovas”emmassafoiquasetotal.Ateoriadodr.Machtan,noentanto,dálugaramuitasdúvidas.Énotório

queGoebbelsdetestavahomossexuais: teria,debomgrado, servidoaumhomemquesuspeitavadehomossexualidade,epor imsematado, comamulher e seis ilhos, por ele? Generais cuja sexualidade era posta emdúvida tinham suas carreiras arruinadas, e a homossexualidade foitransformada emcrimepunível como campode concentração. Emboraodr.Machtan repita grandeparte da propaganda anti-Hitler da décadade1920 e início da década de 1930 em apoio à sua argumentação, esta éinerentemente suspeita por sua própria natureza, vindo como veio dosmaisobstinadosinimigospolíticosdeHitler.Depois que historiadores e documentaristas de televisão tiraram

postumamente do “armário” iguras como os lordes Baden-Powell,Kitchener eMontgomery, era talvez inevitável que se izessemperguntassobre umhomemque só desfrutou de algo como um casamento forçado.TambémnãofoisóareputaçãodoFührerquefoimanchada.Segundoumex-camarada de Hitler na Grande Guerra, quando este dormia nastrincheiras seus colegas soldados costumavam lhe besuntar o pênis degraxa de bota, uma atividade que o dr. Machtan quali ica de“evidentementeumaocorrênciacomum”noExércitoAlemão.Apessoaquefezestaeváriasoutrasa irmaçõesacercadeHitlerfoium

homem chamado Hans Mend, cujo apelido era “Cavaleiro Fantasma”.Embora tenha mesmo servido na unidade de Hitler durante a guerra,Mend era um pedó ilo chantagista que acabou na prisão por delitossexuaisetinhaumasériedequeixascontraHitlerrelacionadasadinheiro.Ofatodeter inalmentemorridoemDachauétomadocomoindíciodequeHitlerosilenciou,masissotambémpoderiateracontecidoemdecorrênciadesuasoutrasatividades.Sejacomofor,HitlerpermitiuaMendviverpormuitosanosdepoisdeterliquidadoaliderançadoscamisas-pardas,oqueteria sido um curioso descuido se sua preocupação maior tivesse sido

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silenciarosqueconheciamosegredodoseupassado.Longe de ser nova, a acusação de homossexualidade foi regularmente

lançada contraHitlerpor jornais alemães social-democratas e comunistasantes de 1933. O assunto está longe de ser tabu, como a irmou o dr.Machtan, já que muitas das dezenas de milhares de publicações sobreHitler abordaram esse possível aspecto de sua personalidade e, emparticular,anaturezadesuasrelaçõescomRudolfHesseAlbertSpeer.Sedermos crédito ao dr. Machtan, Hitler era um homossexualinsaciavelmente promíscuo e predatório que expressava suas paixonitespor motoristas, colegas soldados, michês vienenses e parceiros casuaisencontradosnarua,masporalgumarazão,dizele,“devemosnoslimitaraconjecturarcomoeemquemedidaarelaçãoentreHitlereSpeertinhaumcaráter homossexual”. O dr. Machtan gostaria até de nos fazer acreditarque ele só se casou com a “masculinizada” Eva Braun— que optou pormorrercomele,emborapresumivelmentesabendoqueeleausavacomomero engodo — para desviar futuros historiadores da pista de seupassadohomossexual.Em 1980, o professor Norman Stone examinou profundamente toda a

questãodasexualidadedoFührerparasuabiogra ia Hitler, e surgiucomuma teoria muito mais plausível que a de um homossexual ativosubitamente transformado ao se tornar chanceler da Alemanha. StonesustentouqueHitlerera“semi-assexuado”,tendoemseusangueapenasametade dos níveis normais de testosterona: “Ninguém sabia o que sepassava pela cabeça de Hitler, e ele nunca revelou nada.” Ademais, épossívelqueaindafossevirgemaos35anos.StoneacreditaqueoúnicoamorverdadeirodeHitler foi aarquitetura,

idéia que envolve seu próprio paradoxo, considerando-se o número debelos prédios que contribuiu para destruir. Homens oumulheres tinhampoucaserventiaparaelecomoseressexuais,poisosexoapenasosreduziaàsuaexpressãomaisvil.Era íntimodeHess,quenãoerahomossexual,ede Röhm, que era, e lhes dava o tratamento familiar “du”, mas issocertamentenãoprovaquejamaistenhasodomizadoqualquerdosdoisoudesejadofazê-lo.Ernst“Putzi”Hanfstaengl,queconheceuHitlermelhorqueninguémnos

primórdios do PartidoNazista, via nele “o tipomasturbatório reprimido”,pelomenosantesque tenhase tornadodoseu interesseexageraracercada sexualidade de seu ex-chefe para os serviços de informaçãoamericanos. Como Hitler provavelmente teve um caso com sua própria

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sobrinhaGeli Raubal, sendo talvez omotivo de seu suicídio em setembrode 1931, de todo modo ele deve ter sido, na melhor das hipóteses,bissexual.“Eraumhomemmuitosolitário,masestavaquali icadoparaumlongo romancecomopoder”, foioveredictodoprofessorStone,de longemaisconvincentequeoapresentadopelodr.Machtan.Mesmo que Hitler tivesse sido homossexual, isso decerto não teria

nenhuma serventia para explicar o que ele fez politicamente, ou omodocomo o fez. Como Richard Evans, professor de história moderna naUniversidadedeCambridge,observouargutamente:“Aúnicacoisadefatoextraordinária emHitler foi seu talento comoumorador empolgante, umtalento que descobriu, quase por acidente, após a Primeira GuerraMundial.Quantoaoresto,eleparecetersidonormalemsuavidaprivada,pouco original em suas idéias e fanático, mas de maneira algumaexcepcionalentreosideólogosdeextremadireitanoódiovisceral,masemúltima análise politicamente motivado, que devotava aos judeus.”46Churchill, por outro lado, foi uma pessoa extraordinária segundopraticamentequaisquercritériosquequeiramosempregar.

Delegaçãoversusintromissão

Churchill era notório por sua tendência ao controle meticuloso e aintromissãonos assuntosdeoutraspessoas.Numnível pro issional, seriachamado hoje um “supercontrolador”. Seu secretário particular duranteseu mandato no Tesouro, Percy James Grigg, lembrou: “Podia facilmenteacontecerqueasminutasdeumaúnicamanhãabrangessemtodaaesferaentre o esboço de um importante documento o icial ou idéias para opróximo orçamento e algum melhoramento desejado no arranjo dosichários ou a impropriedade do fornecimento de fósforos tchecos paraumainstituiçãodogovernobritânicopeloMinistériodeObras.”Todamanhã,aindanacama,Churchillproduziaintermináveisinstruções

e pesquisas sobre tudo o que ocorria à sua fertilíssima e indagadoramente.Assim, por exemplo, nadécadade1920, quando eraministrodasFinanças, um dia antes da hora do almoço ele pediu a seu secretárioinanceiro que examinasse a questão da recusa de aumento nos saláriosdos professores; perguntou ao secretário do Gabinete se era realmentenecessárioaumentaronúmerodesubmarinosbaseadosemHongKong;eindagou ao Ministério das Relações Exteriores sobre o custo dos

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telegramas que recebiam da Pérsia. Esse tipo de controle cerrado criavatensõeseindispunhacontraChurchillantigosfuncionáriosdoTesouro,quenão gostavam de suas tentativas de interferir em matérias com quepodiamlidarperfeitamentenosníveisinferioresapropriados.Comoministro das Finanças, durante aGreveGeral de 1926, Churchill

tentou também dirigir aBritish Gazette, o boletim de propaganda dogoverno, a tal ponto que seu editor tentou desesperadamente mantê-lofora do prédio em que os jornais eram impressos. Mais tarde ele sequeixou ao primeiro-ministro, Stanley Baldwin, que na primeira noite,duranteaprodução,Churchill tentara“forçarumaequiperedatoresalémde sua capacidade” e os “atrapalhara gravemente”. Cinco dias depois,queixou-sedenovo:“Eleseintrometenas pioreshoraseinsisteemmudarvírgulasepontosfinaisatédeixaraequipefuriosa!”Piorainda,parecequeChurchill insistia em mostrar aos encarregados pela impressão comooperarsuasprópriasmáquinas.Hitler lidava com os assuntos de governo de maneira completamente

diferente. Detestava fazer reuniões e ler relatórios e relutava muito emproduzir qualquer coisa por escrito. “Uma única idéia genial”, dizia, “valemais que uma vida inteira de trabalho burocrático consciencioso”.Churchill, emcontraposição, eraum trabalhador incansável,quedeclarouelemesmo: “Descobri quepoderia acrescentarquaseduashoras aomeudia de trabalho passando uma hora na cama depois do almoço.” Esseregime,cujae icáciaoautorpodeatestar,permitiude fatoaChurchillseruma verdadeira peste para seu staff durante a guerra, pois lhe tornavapossível icar de pé até por volta das duas horas damanhã, o que, paraaqueles que não podiam se dar ao luxo de uma soneca à tarde, pareciaexaustivo.Hitler, por sua vez, era bastante indolente. Enquanto Churchill

mergulhava em complexas questões econômicas, ainda que nem semprecomsucesso,Hitlerraramentechegavaaseincomodarcomelas.“Tenhoodomdereduzirtodososproblemasasuascausasmaissimples”,declarouem 1932. Sabia o que queria: rearmamento em massa e nenhumdesemprego. Assim, nomeou o mais eminente especialista em economia,Hjalmar Schacht, ministro da Economia e plenipotenciário doRearmamento e deixou a administração da economia por conta dele.“In laçãoé faltadedisciplina”,disseeleaSchacht, “faltadedisciplinadoscompradorese faltadedisciplinadosvendedores….Vou cuidarparaqueos preços permaneçam estáveis. É para isso que meus camisas-pardas

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servem.”47Suasidéiasdãoàexpressão“economiadecomando”umsentidoaindamaissinistroqueaqueledeclaradamenteestatizantequejátinha.Schacht produziu de fato uma surpreendente melhora da situação

econômica, mas a um preço. Os gastos descontrolados do programa derearmamento deHitler signi icaram que emmeados da década de 1930,depoisdetrêsanosderápidocrescimentoeconômico,aslojasdealimentosda Alemanha estavam icando desabastecidas. Oministro da Agricultura,Richard Darré, icou a lito com a situação. Bombardeou o gabinete deHitler com memorandos e tentou por dois anos inteiros obter umaaudiênciacomoFührer,masemvão.Hitlernãoestavainteressadonoqueconsiderava questões econômicas triviais, que era melhor entregar aosespecialistas.Hitlersóseenvolviapessoalmentequando icavaclaroqueseusplanos

de expansãomilitar estavam em risco. Schacht advertiu que a Alemanhaestavarumandoparaaruína,amenosqueosgastoscomorearmamentofossemradicalmentereduzidos,masGöring,quecompreendiamelhorqueSchachtoqueHitlerqueriaouvir, se gabava: “Não seinadadeeconomia,mas tenho gana.” Quando Schacht estava tentando restringir o programaderearmamento,Göringpercebeuumaoportunidadede,aomesmotempo,agradarseuchefeeampliarsuabasedepoder.Prometeuapresentarum“Plano Quadrienal” que asseguraria tanto comida quanto armas. AssimHitlerdesignou-ocomoplenipotenciáriodoReichparaoPlanoQuadrienale, dentro de poucos meses, Göring nomeara vários especialistas paraquestões econômicas especí icas, que competiam todos com seushomólogosnoministériodaEconomiadeSchacht.Em maio de 1937 Schacht queixou-se a Hitler das intrigas de Göring,

mas o Führer não lhe deu ouvidos. Não queria termais nada a ver comesse assunto e disse a Schacht que tratasse dele diretamente com opróprio Göring. Alguns meses depois, Schacht não viu saída senãorenunciar. Esse foi um exemplo típico domodo como Hitler governava oEstado nazista. Não tinha interesse pelos detalhes da política ou daadministração. O que fazia era ixar objetivos globais e deixar que seussubordinadosseengalfinhassem.Paraumsubordinado,amelhormaneirade lidarcomHitlereraadotar

as táticas do general Walter Model, que costumava evitar quaisquersolicitações ao Führer, sempre lhe aparecia com propostas construtivasque exalavam energia, por vezes ignorava ordens dele que julgava deexecução impossível e freqüentemente lhe apresentava um fato

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consumado, relatando o que já havia feito. Issomuitas vezes funcionava,em especial quando Model conseguia fazer o Führer acreditar quedeterminadaestratégia foraoriginalmente idealizadaporelemesmo,casoem que seu apoio estava assegurado. Model tinha maneiras rudes, masera, sem dúvida leal. Apelidado “o Leão da Defesa” e “o bombeiro doFührer”, porqueHitler o trocava constantemente de uma linha de frentepara outra na tentativa de impedir o avanço do Exército Vermelho em1944-45,Modelacabouporsesuicidara20deabrilde1945.Hitler costumava até estimular a competição entre diferentes áreas do

aparelho estatal, promovendo uma espécie de luta neodarwinista entreministros e acólitos. No extremo oposto da técnica de administração do“jogo em equipe”, Hitler nunca se importava se algumas partes de seugoverno estavam tentando estrangular outras. Assim o ministro dasRelaçõesExterioresJoachimvonRibbentroperadesprezadopeloministrodaPropagandaJosephGoebbels,queporsuavezeradetestadopelochefedo PartidoMartin Bormann, que era odiado pelo o chefe da SS HeinrichHimmler, que era temido por ministro dos Armamentos e ArquiteturaAlbert Speer, que eramalquisto pelo comandante da LuftwaffeHermannGöring, que por sua vez era odiado por Ribbentrop. Mexendo essecaldeirão fervilhante de animosidade estava o Führer, a quem emúltimainstância todos respondiam individualmente. Era uma situaçãopatentemente absurda, mas convinha a Hitler por corresponder às suasidéias darwinistas e assegurar seu poder pessoal, pondo-o na posição deárbitrosupremoentretodasasfacçõesrivais.Comoumaexplanaçãoda técnicadeHitler,AlbertSpeer lembroucomo

ele

deliciava-se fazendo o embaixador [Walter]Hewel, homemde ligaçãodeRibbentrop,transmitir-lheoconteúdodesuasconversastelefônicascomoministrodasRelaçõesExteriores.ChegavaatéaensinaraHewelmaneiras de desconcertar ou confundir seu superior. Às vezes sepostava bem ao lado de Hewel, que tapava o bocal do telefone e lherepetia o que Ribbentrop estava dizendo, enquanto o Führer lhecochichava o que devia responder. Em geral eram observaçõessarcásticas destinadas a despertar as descon ianças do ministro dasRelações Exteriores sobre questões de política exterior, invadindoassimoseudomínio.

Issonãoeramaneiradegovernar.

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Quando a guerra foi de lagrada, em 1939, Churchill foi nomeadoministro da Marinha, encarregado de todo o teatro de operações naval.Imediatamente tornou-se evidente que seu ostracismo político nãodiminuírasua tendênciaaexercerumcontrolemeticulososobre tudo.Deseu gabinete no antigo prédio do Almirantado — hoje chamado a SalaChurchill—,bombardeavatantosubordinadosquantocolegasdeGabinetecom memorandos que abrangiam praticamente todos os aspectos daguerra. Um o icial da Marinha con idenciou a seu diário: “WinstonChurchillestámostrandograndeinteressepessoaletendeainterferirnosassuntos dos marinheiros. Ele é um homem extraordinário e tem umacompreensãoespantosadasituação,masdesejariaquesemantivesseemsua própria esfera.” 48 Churchill reconheceu esse componente de suanatureza, declarando à Câmara dos Comuns três anos mais tarde:“Certamente não sou um daqueles que precisam ser aguilhoados. Naverdade,paradizeromínimo,eusouumaguilhão.”Noseumododever,sua“esfera”comoministrodaMarinhaestendia-se

muito além da responsabilidade pela Real Marinha. Numa carta aoministrodasRelaçõesExteriores,lordeHalifax,a10desetembrode1939,uma semana apenas após tomar posse no cargo, Churchill escreveu quepensavaqueoamigodeHalifaxeembaixadorbritâniconaItália,sirPercyLoraine, “nãoparececompreendernossa irmezadepropósito”,passandoentãoa comentar telegramasvindosdoEgito.Terminou comoque soavacomumaameaça cavalheiresca: “Esperoquenão se incomodeporeu lhechamar a atenção de vez em quando para pontos queme impressionamnos telegramasdoministériodasRelaçõesExteriores, jáque issoémuitomelhor do que levantá-los no Gabinete.” Alguns dias depois ChurchillenviouaHalifaxummemorandoinstando-oaincluiraBulgárianosistemadedefesabalcânico.Nessemeiotempo,estavaescrevendoaoministrosempasta do Gabinete sir Samuel Hoare, a quem chamava “Meu caro Sam”,cartas emque questionava a necessidade de racionamento de petróleo ecarne, restrições aos divertimentos eblackouts,aomesmo tempo em quepropunhaaformaçãodeuma“GuardaInternademeiomilhãodehomenscom mais de quarenta anos”. Também a linha inal dessa carta soavaperigosa: “Ouço queixas constantes de todos setores sobre a falta deorganizaçãonaFrenteInterna.Nãopodemosresolverisso?”Essapropensãoainterferiremtodasascoisasetentarcontrolá-lasnão

é rara em líderes vigorosos, nem é necessariamente negativa. A gestãoengajada pode ser muito e icaz, dependendo porém de como é feita. O

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problemageralcomagestãominuciosaéquequantomelhoresaspessoassãoemsuasfunções,mais lhesdesagradaterdeouvircomoexercê-las.Amaior parte dostaff de Churchill e de seus colegas só se dispunha asuportarsemqueixassuasintromissõesporqueelegeravaavitalidadeeoespíritodelutaqueeramtãodesesperadamentenecessários.Naspalavrasde um de seus secretários, ele era não só “um tremendomaçante” comotambém um “tônico formidável”. 49 Felizmente era o último aspecto queprevalecia.AenergiaeoespíritodeChurchillmaisdoquecompensavamtodosos seuserros ede iciências; compensaramaté aoperaçãoNorueganaprimaverade1940.A idéia da operação fora originalmente do próprio Churchill. Já em

setembro de 1939 ele propusera isolar a Alemanha de alguns de seussuprimentos deminério de ferro lançandominas nas águas da Noruega,que era território neutro. Questões legais e diplomáticas adiaram aoperação por váriosmeses. Quando inalmente, em abril de 1940, a RealMarinha foi enviada para a Noruega, os alemães atacaram primeiro.Plenamente cientes das intenções dos Aliados, ocuparam os principaisportosdaNoruegaantesquea frotabritânicachegasse.Depoisdeváriassemanasdecombate,osbritânicosconseguiramcapturaroportodecisivodeNarvik,somenteparaterdeevacuá-lonodiaseguinte.LogoaNoruegaestavanasmãosdeHitlereamaiorpotêncianavaldomundosofreraumaderrota humilhante. Um dosmuitos paradoxos desse período é que foi adebacle da Noruega que obrigou Chamberlain a renunciar e tornouChurchill primeiro-ministro, embora o ministro da Marinha tivesse tidouma responsabilidade muito mais direta pelas lastimáveis tolices dosAliadosduranteaoperação.Masoslíderessãomuitasvezesjulgadosmaispor seu espírito que por suas ações, e em geral com razão. E Churchillpossuíaumacapacidadecrucial,dequegrandeslíderesprecisamacimadetudo:acapacidadedeinspirarosdemais.TantoHitlerquantoChurchillforamcapazesdeestimularumfortesenso

denacionalismoduranteaguerra.ComoCharlesdeGaulle,quetinha“umacertaidéiadaFrança”,ChurchilltinhaumaidéiaprópriaesólidadoqueaGrã-Bretanhaeraepodiaser,etratava-sedeumaidéiaheróicanascidadesua (muitas vezes super-romantizada) concepção da história britânica.Hitler não tinha uma compreensão instintiva semelhante da verdadeiraíndole do povo alemão e de suas características nacionais inatas. Podiafomentar sua raiva eseu ressentimento,mas essa era a única cantiga deseurepertório,aopassoqueChurchilleracapazdeajustarsuamensagem

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àmudançadostempos.Apesar de toda a conversa de Churchill sobre Trafalgar, Napoleão e

Nelson,Hitleraindaestava longedeseuWaterloo,comoChurchill tevedeadmitirem julhode1940,quandodisseesperarque,em1942, “aguerraassumirá, eu acredito, uma forma diferente da defensiva a que até estemomentoestevepresa”.Estavacorretoemsuaprevisão,éclaro—o inalde 1942 veria as primeiras grandes vitórias aliadas da guerra em ElAlamein e Stalingrado — mas continuava incapaz de fornecer qualquermotivo lógicoparaotimismo.Pedia fé cega, egraçasà sua liderança, seustalentosoratórioseàfaltadequalqueralternativahonrosa,obtinha-a.Hitler também estimulava a crença de que aquela luta presente da

Alemanha era uma extensão de suas lutas gloriosas do passado.Apresentava-se como o descendente espiritual dos grandes heróisgermânicos, ligadoemlinhadiretadesucessãoapostólicaagigantescomoo imperador Barba-Roxa, Otto von Bismarck— que deu nome a um dosmaioresnaviosdeguerraalemães—,eFredericooGrande,cujasproezasfez Goebbels ler para ele enquanto o Exército Vermelhomarchava sobresuachancelariaemabrilde1945.HitlereChurchillpediramgrandesatosdesacri íciodeseuspaíses,uma

forma admiravelmente paradoxal de liderança. Os manuais e livrospublicados pelos gurus da administração ensinam: “O dever fundamentaldos líderes é promover o bem-estar daqueles que lideram. Isso ocorrequando um líder criaressonância—umreservatóriodepositividadequelibera o melhor nas pessoas.” 50 A despeito de todo o medonho jargãoadministrativodestaúltimafrase,ofatoéqueaspessoaspodemsesentirbemfazendosacri ícios,eissopodetrazeràtonaoqueelastêmdemelhor—pelomenosemtempodeguerra.Ospolíticosnãoprecisamsersempreresolutamenteotimistasparaseremqueridospelopovo.Numjantarnodia15 de dezembro de 1940, durante a Blitz, um dos jovens ministrosbritânicos, Richard Law, apontou com precisão essa verdade ao dizer aosecretário particular de Churchill: “O segredo do poder de Hitler foi suareivindicação de sacri ício. O primeiro-ministro compreendeu isso e seusprópriosdiscursos forambrilhantes sobesseaspecto,mas [oministrodoTrabalho Ernest] Bevin pensou que podia levantar o ânimo das pessoasprometendo-lhessaláriosmaioresetemposmelhores.Estavaerrado.”51Esperança foi algo que Churchill nunca pediu ao povo britânico que

sacri icasse.AntesdaentradadaRússiaedosEstadosUnidosnaSegundaGuerraMundial em1941, era impossível prever comoHitler poderia ser

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derrotado—nemopróprioChurchillteriapodidosaberaocerto—,aindaassim,suasfalaspelorádionãodeixavamnenhumadúvidadeque,umdia,issoacabariaporacontecer:

Éumamensagemdealegriaparanossasforçasquelutamnosmaresenoareparanossosexércitosestacionáriosem todosos seuspostosebases,quemandamosdestacapital.Elessabemquetêmatrásdesiumpovoquenãoseacovardaráousecansaráda luta—pormaisduraeprolongadaquepossaser;masque, issosim,extrairemosdocernedopróprio sofrimento os meios de inspiração, de sobrevivência e devitória, conquistada não para nós mesmos mas para todos — umavitória não só para nosso próprio tempo, mas para os longos emelhoresdiasqueestãoporvir.

AforçamotoraportrásdaliderançacarismáticadeHitlereraabuscapelopoder. Churchill demonstrou, no entanto, que líderes não precisam decarisma ou de poderes ditatoriais para inspirar outros. Depois de seencontrarcomHitler,aspessoastinhamaimpressãodequeele,oFührer,era capaz de qualquer coisa. Quando se encontravam com Churchill,porém, saíam com a impressão de serem elas próprias capazes dequalquer coisa. A inspiração genuína supera o carisma criadoartificialmente.

“TrabalharparaoFührer”

Umadas técnicas de liderança deHitler que se provoumuito e icaz foi avalorizaçãodoconceitodenominado“trabalharparaoFührer”,ourealizartarefas que supostamente o agradariam, mesmo que ele não as tivesseautorizado diretamente. Em nenhuma área isso foi mais evidente naAlemanhanazistaquenaguerracontraosjudeus.DepoisqueGöringlevouamelhorsobreSchacht,passoscadavezmaisradicaisforamtomadosparaeliminarosjudeusdaeconomiaalemã.Naalturadeabrilde1938,maisde60%das irmasjudaicashaviamsidoliquidadasou“arianizadas”.Durante1938,apósoAnschlussdaÁustria,aviolênciaantijudaicacresceuemtodooReich.Hitlerconsiderava importanteparasuaposição internacionalnãose associar pessoalmente à campanha antijudaica à medida que elaganhava impulso.A imprensanãoestavaautorizada,porexemplo,a fazernenhuma discussão da “Questão Judaica” com relação a suas visitas a

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diferenteslugaresdaAlemanhaem1938.Em 8 de novembro de 1938, um dia depois de Ernst vom Rath, o

terceiro-secretário na Embaixada Alemã em Paris, ter sido atacadobrutalmente pelo judeu polonês Herschel Grynszpan, líderes locais dopartido instigaram demonstrações antijudaicas epogroms por toda aAlemanha.Nanoitede9denovembro,líderesnazistasencontraram-senaAntiga Prefeitura deMunique para celebrar o décimo quinto aniversáriodo“PutschdaCervejaria”.Nomomentoemqueafestacomeçou,VomRathmorreu de seus ferimentos. Goebbelsescreveu em seu diário: “Explico oassunto ao Führer. Ele decide: deixe as demonstrações continuarem.Afasteapolícia.Porumavezéprecisodeixaros judeussentirema iradopovo.”Goebbelsaproveitouaoportunidadeparamelhorarsuaposiçãojuntoao

Führer, que icara extremamente morti icado com as di iculdadesconjugaisqueoministroenfrentaraemdecorrênciadeseurelacionamentocom a atriz de cinema tcheca Lida Baarova. Ali estava a sua chance derecuperarseuprestígio:“trabalharparaoFührer”numaáreatãodecisiva.Depois que Hitler saiu da Antiga Prefeitura, Goebbels fez um discursoexaltado sugerindo que o partido deveria organizar e promover“demonstrações” contra os judeus no país inteiro. Os líderes partidáriostransmitiram isso imediatamente a seus diretórios locais, e ativistas dopartidoedaSAficaramlivresparaatacarsinagogas,propriedadesevidas.Hitler foi in lexívelemsuadecisãodequeaprópriaSSdevia icar fora

dospogromsdaKristallnacht.Pretendia-sequeas“demonstrações”fossemvistas como uma “explosão espontânea da ira popular”, nas palavras deGoebbels, e o envolvimento da SS lhes teria dado o aspecto de umaoperação organizada. No caso, poucos se deixaram enganar. Apenas seissemanas depois que o acordo de Munique fora assinado, a verdadeiranatureza do regime nazista mais uma vez icou patente para o mundo.Hitler apressou-se em se dissociar dos acontecimentos, mas é claro queGoebbels tivera realmente seu pleno apoio, a despeito do que seusapologistas tenham tentado provar desde então. Num discurso secretopara cem homens mais importantes da imprensa um dia depois dospogroms,Hitler louvouos triunfosdeGoebbelsno campodapropaganda.Alguns dias depois, em 15 de novembro, o diário de Goebbels registravasobreoFührer:“estáemótimoestadoemocional.Absolutamentecontraosjudeus. Aprova por completominhas, e nossas, diretrizes.” De fato nessaalturaHitlerestimulouGöringaencontrarumasoluçãocoordenadaparaa

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“QuestãoJudaica”.Göring aproveitou a oportunidade para conseguir uma injeção de

dinheiroemseucambaleantePlanoQuadrienal.Ascompanhiasdesegurosforam comunicadas de que teriam de cobrir prejuízos, para que seusnegócios exteriores não fossem lesados. Quanto aos judeus, eles eramconsiderados,demaneirabastantegrotesca,responsáveispelosdanosquelhes eram causados. Os seguros eram pagos ao Reich, não aos judeus, eGöringlhesimpôsuma“multadereparação”deumbilhãodemarcos.Em1º de janeiro de 1939, todos os judeus deveriam estar completamenteexcluídosdaeconomia.A necessidade avassaladora que os subordinados deHitler sentiam de

impressioná-lo levou a uma radicalização da conduta nazista. AKristallnachtensinouaomundo,sejánãohouveraadvertênciassu icientes—emespecialporChurchill—,queonazismoeraumcredoperversoquemuito provavelmente envolveria o mundo em guerra. Em termoseconômicos,oPlanoQuadrienaldeGöringerasimplesmenteinsustentáveleodinheirogastoemrearmamentoprecisava ser recuperadodealgumamaneira.Aguerraeraasolução,eeratudooqueHitlerdesejaraotempotodo.Churchill tiverarazão.Nodiaemqueaguerra foideclarada,NevilleChamberlain nomeou Churchill para seu antigo posto de ministro daMarinha.Winstonestavadevolta.

aAlusãoàresidênciaoficialdoprimeiro-ministrobritânico,nonº10daDowningStreet.(N.T.)bEminglês,“locustyears”—aexpressãofoicunhadaporChurchillparadescreverosanosde1931-35,depenúriaeconômicanaGrã-Bretanha.AbaseéumversículodaBíblia:Joel2:25.(N.T.)cLiteralmente:“EisaquiapombadeBali/Denadavaledesgarrar-se/Demaisdoshomenssóbrios,/Maisalém,nohorizonte,existeumailha,/Pensoneladenovo.”(N.T.)

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HitlereChurchillapartirde1940

“Aguerraéagoraumacoisabestial,perdeu todooseuglamour. É uma mera questão de funcionáriosapertandobotões.”

ChurchillaomembrodoParlamentoRobertBernaysnasaladechádaCâmaradosComunsnadécadade

1930

Já desde o primeiro mês da guerra, durante o período conhecido como“Guerra Relutante” ou“Sitzkrieg”, enquanto outros pregavam cautela,Churchillestavadefendendoaação,nãosóemseupaíscomonoexterior.Sua con iança nas medidas anti-submarinas da Grã-Bretanha provou-seinfundada.OcargueiroHMSCourageousfoitorpedeadonocanaldeBristolem setembrode 1939.Nomês seguinte, um submarino alemãopenetrouas defesas de Scapa Flow e afundou o couraçado HMSRoyal Oak. Nosprimeiros novemeses da guerra, a Grã-Bretanha perdeu uma tonelagemde 800.000 para um número relativamente pequeno de submarinos eminas magnéticas do inimigo. No inal da primavera de 1940, porém,ChurchillsustentavapublicamentequeaRealMarinhareduziraalinhadefrentedaforçadossubmarinosalemãesamenosdeumadúziadenavios.Se essa estimativa estivesse correta, a Marinha teria liquidadopraticamente a maior parte de toda a linha de frente da força alemã.Infelizmente não era assim, e Churchill teve de providenciar atransferência para o serviço ativo do diretor da Guerra Anti-submarina,quesemprelhediziaaverdade.No dia 20 de janeiro de 1940 Churchill falou pelo rádio às nações

neutras, exortando holandeses, belgas e escandinavos a “unir-se aosimpérios britânico e francês contra a agressão e a iniqüidade”. Isso sóserviu para encorajar Hitler a empreender uma ação preventiva. Osregistros captados de conferências de Hitler revelam que, no início de1940,eleaindaconsiderava“amanutençãodaneutralidadedaNoruegaamelhorcondutaparaaAlemanha”,masqueemfevereirojáconcluíra:“Os

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ingleses querem aportar lá e quero chegar antes deles.” Sua decisãode initiva de determinar um ataque à Noruega foi tomada poucos diasdepoisdeChurchillordenaraocontratorpedeiroHMSCossackpenetraremáguas norueguesas e abordar o navio alemãoAltmark para libertarprisioneiros britânicos. Churchill tirou proveito desse sucesso e o eventofoimuito alardeado. O governo norueguês protestou contra a violação deseu território,mas sua aceitaçãopassiva serviu para convencerHitler deque a Noruega era de fato cúmplice da Grã-Bretanha, o que se tornou oestopimdaaçãopreventivaqueeleentãoordenou:ainvasãodaNoruega.Na noite de 9 de abril de 1940, Churchill estava saboreando um bom

jantar na casa de seu colega de Gabinete, o ministro da Força Aérea sirSamuel Hoare. Estava de excelente humor. Um projeto que acalentavahavia muito, o lançamento de minas em águas norueguesas, estavainalmente em andamento e ele esperava interromper com isso asimportações de minério de ferro que a Alemanha fazia da Escandinávia,vitais para ela. Hoare registrou em seu diário: “Winston muito otimista,encantado com o lançamento de minas e certo de ter levado a melhorsobreosalemães. Saiuplenamente con iantee feliz às10h30.” 1 Ao voltarpara o Almirantado, no entanto, Churchill descobriu que fora elemesmo,não os alemães, que havia sido minado. Havia informações de que umagrande força naval alemã estava rumando para a Noruega. Na manhãseguinteosnazistastomaramoportonorueguêsdeNarvik,deimportânciacrucial, e dentro de poucas semanas toda aNoruega estava nasmãos deHitler.Eduard Dietl, o comandante alemão, tinha apenas 2.000 soldados de

infantaria leve e 2.600 marinheiros com que se opor a 24.500 soldadosaliados, inclusive a 6ª Divisão norueguesa — diante disso, o que deraerrado?2 Os alemães haviam recebido excelente informação sobre asintenções britânicas. Os projetos de Churchill haviam sido revelados porninguém senão ele mesmo. Numa conferência secreta com adidos deimprensa neutros no dia 2 de fevereiro em Londres, ele insinuara umasérie de pistas que logo chegaram ao conhecimento do serviço deinformaçõesalemão.Atéo inaldemarçode1940a imprensamundialsefartara lentamente de especulações sobre os projetos dos Aliados para aEscandinávia e as descon ianças aumentaram ainda mais quando sedescobriu que o sobrinho de Churchill, Giles Romilly, fora enviado paraNarvik.Em contraposição, nem uma só palavra do audacioso plano de Hitler

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vazara. Ele criara uma unidade ultra-secreta dentro do Alto Comandoalemão, a Oberkommando der Wehrmacht (OKW), sob sua supervisãopessoal. Nomeara o general Von Falkenhorst responsável pelospreparativos para o “Exercício do Weser”. Para conservar o máximo desigilo,essesoldadode inícionãorecebeunenhummapaparaajudá-loemsuamissão.Aalternativaque lherestoufoicomprarelemesmoummapadebolsoBaedekerdaNoruega;emseguidafechou-senumquartodehotel,retornando à tarde comos planos paramostrar aHitler, que os aprovouimediatamente. O Führer não mencionou uma palavra sobre o esquemanem mesmo para Ribbentrop. Ele foi empreendido com muito sucesso,resultado de sigilo, ousadia e espírito de aventura. O próprio Hitler oquali icou como uma das “operações mais atrevidas” da história militarrecente,ecomrazão.Em contraposição, a Grã-Bretanha tinha uma estrutura governamental

pesada, que tendia a obstruir operações desse tipo. Churchill teve deconsultaroGabinete,oMinistériodasRelaçõesExteriores,osfranceses,osDomínios e outros órgãos importantes — e levar em conta a opiniãomundial — antes de poder violar a neutralidade escandinava minandoportos.Nãohavia nenhuma autoridadeúnica de quemele pudesse obtercomrapidezpermissãoparaumaoperaçãocomoessa.Com tantaspartesenvolvidas na tomada de decisão, não espanta muito que os alemãesestivessemperfeitamenteinteiradosdasintençõesbritânicas.Os poderes ditatoriais de Hitler tornavam muito mais fácil para ele

manter seus planos secretos do que para a liderança britânica. SeuGabinetenão se reuniadesde1938 enãoo faria pelo restoda guerra. Eenquanto as preocupações doministro das Relações Exteriores britânico,lorde Halifax, contribuíammuito para adiar a ação aliada, seu homólogoalemão,Ribbentrop, fora inteiramenteexcluídodoprocessodetomadadedecisão.Esse sigilo estavaemconformidade comaOrdemBásicanº1doFührer, penduradaem todososGabinetesmilitares: “Todosdevemsaberapenasonecessáriopara levaracabosuasobrigações,emesmo issonãoantesdoqueforpreciso.”Durante a campanha na Noruega, entretanto, Hitler manifestou um

nervosismopreocupante.Numataquedepânicono tocanteàsituaçãoemNarvik,oFührermandouomarechal-de-campoWilhelmKeitel rascunharumaordemparaa forçaque láestava:deveriamretirar-separaaneutraSuécia e fazer-se con inar.Oque salvoua situação foi a ação imediatadeumo icialrelativamentemenor,queestavasubstituindoseuchefedurante

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uma licença médica. Quando o tenente-coronel Bernhard von LossbergrecebeuamensagemdeHitleraocomandanteemNarviknoescritóriodoOKWemBerlim,procuroudeimediatoKeiteleomarechal-de-campoJodlerecusou-se terminantemente a enviar a ordem do Führer. Ela re letia,disseele,omesmonervosismoque izeraaAlemanhaperderabatalhadoMarnenaPrimeiraGuerraMundial,oquelevaraaquatroanosdeguerradetrincheiraseàderrotafinal.Jodl deixou claro que não tinha poder para cancelar a ordem, mas

encontrouummeiodecontornaroproblemaenviandoumoutrotelegramapara o comandante em Narvik, cumprimentando-o por sua recentepromoção, enquanto as ordensdeHitler foram rasgadas.Nodia seguinteJodl explicou ao Füher que o telegrama não fora enviado porquecontradiziaamensagemcongratulatóriaqueacabaradesertelegrafada.Ostaff militar de Hitler estava assim compensando a fraqueza do própriochefe.A tentativadestedevoltaratrásnocasoda campanhanaNorueganão foi tampouco um incidente isolado; a mesma coisa aconteceria nacampanhafrancesaduranteoverãode1940. Umexameatentodosucessonotóriodaguerra-relâmpagonoOcidenterevelaaomesmotempoaforçaeadebilidadedaliderançamilitardeHitler.NadasintetizamelhoramentalidadedosAliadosantesdemaiode1940

que as palavras “Linha Maginot”, o nome dado à intricada linha deforti icações francesas na fronteira com a Alemanha. Construída entre ofinalde1920einíciode1930,ebatizadaemhomenagemaAndréMaginot,que servira por longo tempo como ministro da Defesa da França, eraconsiderada o mais avançado sistema de forti icações da época eimpenetrável ao ataque alemão. Na realidade, essas forti icaçõescontinhamassementesdamais ignominiosaderrotamilitarqueaFrançajamais sofrera em sua longa história de subjugação e capitulação. O AltoComando francês esperava que uma guerra com a Alemanha seria umarepetição da guerra de trincheiras da Primeira GuerraMundial. A LinhaMaginot era basicamente uma linha de frente oriental de concretoreforçado. Foi um caso exemplar demá liderança; o que oAlto Comandofrancês deixou de compreender é que a história raramente se repete demaneiraexataeque líderesque seaferramàs receitasdopassadoestãoquase ao certo fadados ao fracasso. Como Churchill disse brincando naCâmaradosComunsem1944aoserexortadoaevitaroserrosde1914-18: “Tenho certeza de que os erros daquele tempo não se repetirão;provavelmentecometeremosoutros.”

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Quando se preparavam para seu ataque à França, os nazistas eramclaramente inferiores em números e apetrechos. Os Aliados tinhammaishomens, mais armas, mais e melhores tanques. Mas o Exército alemãotinha uma vantagem inestimável: líderes melhores. Seus comandantesreconheciamqueascircunstânciasmilitareshaviammudadoporcompletodesde 1918. A campanha polonesa demonstrara a velocidade e o poderdestrutivo que um ataque combinado dePanzers e caças de mergulhoStukapodiaalcançar.EnquantooAltoComandoalemãosepreparavaparadesencadear no Ocidente essa nova forma de guerra, apelidada“Blitzkrieg” (guerra-relâmpago), o Parlamento britânico estava envolvidonuma crise política generalizada, com uma proporção signi icativa daCâmara dos Comuns revoltada contra o primeiro-ministro NevilleChamberlain.

Churchillassumeopoder

Entre 7 e 10 de maio de 1940, um sensacional golpe parlamentarsubstituiu Neville Chamberlain, o então primeiro-ministro em tempo deguerra,porWinstonChurchill,naépocaministrodaMarinha.Chamberlain,que fora umadas autoridadesmais graduadas responsáveis pela políticapré-guerra de apaziguamento, havia presidido o Governo Nacional demaioriatóriportrêsanoseaindagozavadeconsiderávelapoiodoPartidoConservadoredopaís.Umaexplosãoespontâneadecóleradiantedomaudesempenho da Força Expedicionária Britânica na recente campanhanorueguesa, contudo, estava prestes a se manifestar na Câmara dosComuns.Comaaproximaçãodo feriadodePentecostes,concordou-sequeo debate que ocorre tradicionalmente por ocasião do recesso doParlamento teria por tema a questão da derrota militar na Noruega e acondução geral da guerrapelo governo até aquelemomento. SemqueosmembrosdoParlamentodeWestminster soubessem,Hitler sepreparavapara desencadear suaBlitzkrieg no Ocidente, e quando eles se reuniramnanoitedeterça-feira,7demaiode1940,umainvasãoalemãcompletadaHolanda, Bélgica e França estava por acontecer dentro de apenas 55horas.Poucos esperavam, ou mesmo ninguém, que o Governo Nacional de

NevilleChamberlainfossecairemconseqüênciadodebate,muitomenosopróprioprimeiro-ministro.Este,momentosantesdoiníciododebate,disse

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a lorde Halifax que duvidava que ele “fosse ter muita importância”. Nãoobstante, uma extraordinária combinação de fatores — entre ele osdiscursosin lamadosdepessoasrespeitadas,afaltadeapoiodemembrostóris no Parlamento, um desempenho pessoal desastroso do primeiro-ministro, incessantes intrigas e acordos nos bastidores e um discursoinusitadamente enfadonho de Winston Churchill — signi icou que, apósdois dias de debate, uma nova disposição instalou-se em Westmister,forçandoChamberlainadeixarocargo.ComumaminúsculacâmaraMinoxecontrariandoasregrasdaCâmara

dos Comuns, um membro tóri do Parlamento, John Moore-Brabazon,discretamente tirou algumas fotogra ias desfocadas do que passaria daliemdianteaserchamadoo“DebatedaNoruega”.Porelaspodemossaberque,quandoChamberlainselevantouparadefenderodesempenhodoseuministério,acâmaraeasgaleriasestavamapinhadas.Oprimeiro-ministrotevedi iculdade emminimizar a declaração complacente que izera dia 4deabrildequeHitlerhavia“perdidooônibus”,equeforaseguida,dentrode apenas quatro dias, pelo ataque daAlemanha àNoruega, forçando asforçasbritânicasaevacuaropaísapartirde2demaio.Enfrentando apartes regulares da bancada trabalhista, Chamberlain

des iou uma longa, justi icatória e pouco inspiradora defesa de seugoverno e de si mesmo. “De minha parte tento seguir um cursointermediário”,dissenumafrasetípicadetodoodiscurso,“nemsuscitandoexpectativas indevidas que provavelmente não se realizarão, nemdeixando as pessoas arrepiadas com a projeção de quadros de absolutodesalento.” Isso estava muito longe da liderança leonina em tempo deguerradequeaGrã-BretanhagozarasobosdoisPitts,lordePalmerstoneDavidLloydGeorge.Ao lhe responder, Clement Attlee, o líder da oposição e do Partido

Trabalhista, desferiu alguns golpes pesados contra o planejamento, aorganização e a execução das operações na Noruega, a irmando que ogoverno fora totalmenteincapaz de aprender as lições das táticas deBlitzkrieg de Hitler tal como empregadas contra a Polônia no outonoanterior. “A guerra não está sendo empreendida com su iciente energia,intensidade,agressividadeeresolução”,disse,acrescentadocomsarcasmoqueChamberlain“perderatodososônibusdapaz,mastomaraobondedaguerra”. Em seu discurso, Attlee proclamou sua con iança de que a Grã-Bretanhavenceria a guerra inalmente,maspara isso, disse, “precisamosternotimãopessoasdiferentesdasquenosconduziramparaela”.

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Depois dele sirArchibald Sinclair, o líder do Partido Liberal, chamou aatenção para o modo como “as bazó ias complacentes e infundadas deministros contrastam deploravelmente com os golpes duros, rápidos, dasforças alemãs”. Até aí, tudo era previsível. Com umamaioria tóri de 249obtidanaeleiçãogeralde1935,ogovernotinhapoucoatemerseodebateprosseguisse em linhas estritamente partidárias. Mas depois de umdiscurso pró-Chamberlain do tóri sir Henry Page Croft, um brigadeiroimperialista,edeumacontestaçãoesmagadoradomembrotrabalhistadoParlamento coronel Josiah Wedgwood, que atacou o “otimismo fácil” deCroftepreviuumainvasão“fulminante”daGrã-Bretanha,afrágilfachadadaunidadepartidáriasofreusuaprimeirarachadura.O almirante-de-esquadra sir Roger Keyes, membro conservador do

ParlamentoporPortsmouth, levantou-seemseuuniformenavaldegala,aque não faltavam seis ileiras de medalhas, e quali icou a condução dacampanha na Noruega como uma “história chocante de inépcia, que, euasseguro, aCâmara jamaisdeveria terpermitidoqueacontecesse”.Vindodo herói do lendário ataque a Zeebrugge de 1918, suas idéias tinhamgrande in luência. Dos muitos relatos desse dia feitos na época pelosespectadores em seus diários e em sua correspondência, quase todosmencionamopodereaautoridadedodiscursodeKeyes.Decertomodo,oalmirante conseguiu isentar seu amigo Churchill de qualquerresponsabilidadepessoalpeladerrotadaNoruega,emboraelativessesidoquase inteiramente conduzida pelo Ministério da Marinha. “Todo o paísestá esperando que ele ajude a vencer a guerra”, disse a respeito deChurchillantesdesentarsobmuitosaplausos.PoucodepoisLeoAmery,conservadorilustreeex-ministrodoGabinete,

levantou-se para desferir uma outra martelada nos ministros e naliderança partidária do governo. De estatura diminuta e sem dotesnaturaisdeorador,Amerytinhacontudoumprestígioespecialporqueeraumdos representantesdeBirmingham, a cidadenatal deChamberlain, eforaelepróprioministrodaMarinha.Àmedidaquesua ilípicaavançava,Amery percebeu que o ânimo da Câmara estava com ele; diante disso,decidiu assumir o risco de encerrar seu discurso usando as mesmaspalavras empregadas por Oliver Cromwell ao dissolver o LongoParlamento em 1653: “Estiveste sentado aqui por tempo demais paraqualquerbemque tenhas feito.EmnomedeDeus,parte!”Oefeitofoi tãodramáticoquanto foi esmagador sobreo governoe considera-seque issoconvenceuváriosmembrosdoParlamentoavotarcontraChamberlain.

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Oliver Stanley, o ministro da Guerra, fez o que pôde para salvar asituação, e umpar demembros doParlamento iéis aoGovernoNacionalfoi tambémemdefesa dele,masno inal doprimeiro dia de debate icouclaro,apartirdaintervençãodeummembrotrabalhista,queoqueestavaemjulgamentonãoeraapenasaconduçãodacampanhanaNoruega,masaexistênciadoprópriogoverno.Quandoo trabalhistaHerbertMorrison abriuo segundodiadoDebate

da Noruega, na quarta-feira, 8 de maio de 1940, o destino do GovernoNacionaldeNevilleChamberlainestavadefatopendente.Noprimeirodiaas coisas haviam corrido desastrosamente para osministros e era óbvioqueumcorposigni icativodepartidáriosdoGovernoNacional, sobretudoaqueles que haviam se oposto à política de apaziguamento na década de1930—mas incluindo tambéma tradicionalcoletâneadepretendentesacargos frustrados, ex-ministros afastados, rebeldes e dissidentes— iriamaproveitar essa oportunidade para tentar remover Chamberlain votandocom os trabalhistas e os liberais. A presença de vários dos membros doParlamentomaisjovenstrajandouniformesmilitaresfoivistacomodemauagouro para o governo, considerando-se o ânimo enraivecido queprevalecia nas forças armadas ante o que fora visto como incompetênciaadministrativa. Mais inquietante ainda para os líderes da bancada dogoverno era o número demembros do Parlamento usualmente leais queestavam cogitando ou de se abster ou de se ausentar por completo davotaçãofinal.Morrison a irmou que “todo o espírito, o ritmo e a disposição de pelo

menos alguns ministros foram errados, inadequados e inconvenientes”,citandonominalmenteopróprioChamberlain,sirJohnSimon,ministrodasinanças, e sir SamuelHoare,ministrodaForçaAérea.Anunciou tambémqueoPartidoTrabalhistasolicitaraumadissensãoformalno imdodebateque,disseeleaosmembrosdoParlamento,“indicariadeummodogeralseelesestãosatisfeitoscomaconduçãodosnegóciosouseestãoapreensivoscomrelaçãoaisso”.NessaalturaChamberlain levantou-separaaceitarodesa io,maso fez

demaneiramuito imprudente.Mencionando “meusamigosnaCâmara”,oprimeiro-ministro declarou: “Aceito o desa io. De fato, vejo-o com bonsolhos. Pelomenos veremosquemestá conosco e quemestá contra nós, epeço aos meus amigos que nos apóiem nolobby esta noite.” Isso foicompreensivelmente classi icado como um apelo lagrante à lealdadepartidária estrita num momento de grande perigo nacional e, como era

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inevitável,otirosaiupelaculatra.Sir Samuel Hoare, o arquipaci icador da década de 1930, falou em

seguida e foi implacavelmente fustigado por uma série de apartes doalmirante Keyes, do líder trabalhista Hugh Dalton e de nadamenos queseteoutrosmembrosdoParlamento.ComoministrodaForçaAérea,HoarefoiobrigadoadeclararqueaRAF“nãoerasu icientementegrande”,umaobservação comprometedora da parte de um governo que estivera nopoderdurantequasetodaadécadaanterior.EmseguidafalouDavidLloydGeorge,queesperara18anospelachance

de se vingar dos homens que o haviam afastado do cargo de primeiro-ministroem1922.Comsuafamosaeloqüênciagalesaeareputaçãodeser“ohomemquevenceua[Grande]Guerra”,sustentouqueaGrã-Bretanhaestava numa posiçãomuito pior do que em 1914, e culpou Chamberlainpessoalmenteporsuaincapacidadede“despertar”e“mobilizar”oImpérioBritânico.Foiumataqueinsolente,movidopeloressentimentopessoal,masde extrema e icácia. Quando ummembro tóri do Parlamento o aparteou,respondeucomsarcasmo:“Osenhortemdeouviristo,sejaagoraoumaistarde. Hitler não responde às interpelações do líder da bancada.” Acercada garantia que Chamberlain dera à Polônia e aos países neutros, disse:“Nossasnotaspromissóriasagorasãolixonomercado.”QuandoChurchill jáestavaprontoparaassumirplenaresponsabilidade

portudoqueocorreranaNoruega,LloydGeorgefezumadasobservaçõesmaissigni icativasdetodoodebate,empregandoumapoderosametáfora:“O cavalheiro verdadeiramente honrado não deve permitir que oconvertam num abrigo antiaéreo para impedir que os estilhaços atinjamseus colegas.” Seudiscursodevastadormencionouopedidode sacri íciospela vitória que Chamberlain izera à nação, e concluiu: “Nada poderiacontribuirmaisparaavitóriadoquefazereleosacrifíciodocargo.”Outras iguras importantes da época, como Alfred Duff Cooper (que

renunciara ante o acordo de Munique) e o ex-ministro do Trabalho sirStaffordCripps,tambémfalaram,ehouveaindaumaintervençãodojovemmembro do Parlamento Quintin Hogg (o futuro lorde Hailsham), mas aCâmaraestavaesperandoqueChurchillencerrasseodebate.Nãofoiumade suas performances memoráveis. Ele se descontrolou, acusando otrabalhista Emanuel Shinwell, também membro do Parlamento de“esconder-se num canto” e enfureceu o Partido Trabalhista com suaszombarias. Seu apelo inal — “Deixemos rixas pré-guerra morrerem;deixemos as contendas pessoais serem esquecidas, e guardemos nossos

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ódiosparaoinimigocomum”—,passoucompletamentedespercebido.Na moção “Que esta Câmara seja agora suspensa”, a Câmara dos

Comunsdividiu-seem281votosa favore200contra,umamaioriade81paraogoverno,muitomenordoqueeranormalemtempodepazsobuma“threelinewhip” .aOsrebeldeshaviamincluídoladyAstor,RobertBoothby,Harold Macmillan,Quintin Hogg, John Profumo, o general Spears, lordeWolmer, Harold Nicolson, Leslie Hore-Belisha e, é claro, Leo Amery e oalmirante Keyes. Nesse meio tempo, ocorreram cenas de desordemquando dois dos rebeldes, Harold Macmillan e o conde Wintertonpuseram-se a cantar “Rule Britannia!” até serem silenciados por tórisfuriosos.MembrostrabalhistasdoParlamentogritaram“Osenhorperdeuo ônibus!” para Chamberlain. No total, 41 governistas haviam votadocontra Chamberlain e cerca de 50 haviam se abstido. Sem dúvida ogoverno sofreraperdas, equandoChamberlain saiu iradodoplenáriodaCâmara dos Comuns depois do anúncio do resultado, sua sobrevivênciacomo primeiro-ministro estava claramente em grave risco. Churchillesforçara-se para ajudar o primeiro-ministro, mas felizmente para eleaquilonão foraobastante.Mostrara, contudo, a lealdadenecessáriaparanão ser suspeito de traição pelos conservadores que continuavam, empeso,afavordeChamberlain.Embora numericamente o Governo Nacional de Chamberlain tivesse

vencido o Debate da Noruega na noite anterior por 81 votos, isso foiconsiderado uma derrota moral porque em geral a maioria era bemsuperioraduzentos.Namanhãdequinta-feira,9demaio,osnegociadoresdogovernotentaramavaliaragravidadedasituação,aomesmotempoemque tentavam limitarodanodamaneira consagradapelo tempo: fazendoacordos. Primeiro os líderes da bancada tentaram descobrir junto aosrebeldes que haviam votado contra o governo ou se abstido na noiteanterior qual era o preço pela recuperação de seu apoio. Depois osecretário particular parlamentar de Chamberlain, lorde Dunglass (maistarde o primeiro-ministro sir Alec Douglas-Home), levou algunsparlamentares in luentes ao Número Dez para que expressassem suasqueixaseparadeixarclaroqueChamberlainestavadispostoasacri icaroministro das Finanças, sir John Simon, e o ministro da Força Aérea, sirSamuelHoare,parapermanecernocargo.Naquela manhã Chamberlain encontrou-se também pessoalmente com

Leo Amery para lhe oferecer a Chancelaria ou o Ministério da RelaçõesExteriores, o que Amery recusou com irmeza. Às 10h15, parecendo ter

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compreendido que talvez fosse preciso renunciar, Chamberlain mandouchamarseugrandeamigoecon idente,oministrodasRelaçõesExteriores,lordeHalifax.NesseencontroosdoishomensconcordaramqueospartidosTrabalhistaeLiberal tinhamdeser incluídosnogoverno.Comoeramuitoimprovável que o Partido Trabalhista ingressasse num governo lideradopor Chamberlain, o primeiro-ministro perguntou a Halifax se ele sedisporia a formar umministério, no qual Chamberlain se comprometia aservirsobseucomando.ComoHalifaxescreveuemseudiário,“apresenteitodos os argumentos em que pude pensar contra mim mesmo”,principalmente o da “di ícil posição de um primeiro-ministro incapaz defazercontatocomocentrodegravidadenaCâmaradosComuns”.Talvez signi icativamente, parece que Chamberlain não a irmou que as

regras poderiam ser mudadas para permitir a um nobre ter assento naCâmara dos Comuns em situações de emergência, embora hoje se saibaqueele izerasondagenssecretasjuntoaosprocuradoresdogovernoparaaveriguar como isso poderia ser realizado.3 Em vez disso, fez a dúbiaprevisão de que, de todo modo, podia-se esperar pouca oposição naCâmaradosComunsjáquesetratariadeumgovernodecoalizão.Todo o teor da conversa deixou Halifax com dor de estômago. Ele não

esperara nem planejara a transferência da che ia do governo para simesmo. Quando voltou ao Ministério das Relações Exteriores depois doencontro das 10h15, disse a seu subsecretário, Rab Butler, que embora“sentisse que podia fazer o trabalho”, Churchill é que estaria de fatodirigindoaguerra, eassimelemesmo “se transformariaempouquíssimotempo numa espécie de primeiro-ministro honorário” e seria portantopossivelmente menos in luente para conter Churchill do que secontinuassecomoministrodasRelaçõesExteriores,herdeiroaparenteeomaispoderosoministrodoGabinete.Quanto ao Partido Trabalhista, então reunido em sua conferência

partidária anual emBournemouth, Butler tivera duas conversas na noiteanterior com Hugh Dalton e Herbert Morrison, e ambos queriam queHalifax soubesse que seu partido ingressaria num governo liderado porele;Daltonacrescentouque“Churchilldevecontinuartratandodaguerra”.Attlee havia dito também a Brendan Bracken, amigo de Churchill, que oPartidoTrabalhistaestariadispostoaservirsobaorientaçãodeHalifax.Comoapoiodorei,queacreditavaqueanobrezadeHalifaxpoderiaser

“suspensa” em semelhante emergência, do primeiro-ministrodemissionário Chamberlain, da liderança do Partido Trabalhista e da

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grandemaioriadoPartidoConservador,ocargodeprimeiro-ministroeradeHalifax,seeleotivessereivindicado.Elesabia,noentanto,quesuafaltade interesseeconhecimentoespecializadoemassuntosmilitareseraumalacunainadmissívelnumpremieremtempodeguerra.Emjaneirode1942Churchill brincou sobre a situação, dizendo à Câmara dos Comuns:“Quando me con iaram a missão de primeiro-ministro, quase dois anosatrás, não havia muitos candidatos ao cargo. Desde então o mercadomelhorou.”Antes do encontro decisivo no Número Dez, Churchill almoçou com

Anthony Eden e sir Kingsley Wood, ocasião em que Wood — um ex-chamberlainita leal—aconselhouChurchill a pleitear o próprio cargodeprimeiro-ministro. Churchill lidou admiravelmente com toda a crise,fazendo-se o principal candidato sem parecer de maneira alguma estarsolapando opremier em exercício. Foi exatamente o tipo de liderançapolítica hábil que ele muitas vezes não mostrara num passado cheio deromantismo turbulento; nesse momento, porém, revelou seu sangue-frio,comumefeitoarrasador.Quando Chamberlain, Churchill, Halifax e David Margesson, o líder da

bancada,encontraram-senaSaladoGabineteàs16h30daquinta-feira,9demaio,Halifaxestavanumadisposiçãosinceramenteabnegada.Churchilldeixou uma famosa descrição dessa reunião: “Tive muitos encontrosimportantes em minha vida pública e esse foi certamente o maisimportante.Emgeralfalomuito,masnessaocasião iqueicalado.”Churchilla irmouquesódepoisde“umapausamuitolonga”,quepareceumaiordoqueosilênciodedoisminutosdoDiadoArmistício,Halifax,movidoquasepelo embaraço, disse que sua condição de nobre o desquali icava para ocargodeprimeiro-ministroeChurchillcompreendeuque“eraclaroquearesponsabilidadecairiasobremim—defatojácaírasobremim”.Escritooitoanosapósoevento,orelatodeChurchilldálugaradúvidas.

Ele registrou errado ahora e a datado encontro e até omitiuMargessondeleporcompleto.AhistóriahaviasidocontadatantasvezesporChurchillnesse ínterim que adquirira o exagero que adere a todo caso muitorepetido.Apartirdosrelatoscontemporâneosqueresistiramedaprópriamemória de Margesson, bem como de outros indícios circunstanciais,considera-sequenãohouveemabsoluto “umapausamuito longa”, tendoHalifax na verdade “enfatizado quase imediatamente a maior aptidão deChurchillparaaliderançanaguerra”.Recentemente, porém, veio à luz um novo e convincente indício que

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sugerequehouvedefatoumsilêncio,depoisdoqualChurchilla irmousuaprópriaadequaçãoparaocargo,oupelomenosainadequaçãodeHalifax,o que dá nomesmo. Longe de ter omanto caindo sobre ele, Churchill oagarrou. Em 2001 as cartas e diários de Joseph P. Kennedy, embaixadordosEstadosUnidos emLondres, foramorganizados epublicadospor suaneta.Eles registramumavisitaqueKennedy feznodia19deoutubrode1940aNevilleChamberlain,queestavaentãomorrendodecânceremsuacasa de campo. Após uma ampla discussão sobre a guerra e sobre oterrívelestadodesaúdedeChamberlain,estefalousobreareuniãoapósavotaçãodaNoruega.Kennedyregistrou:

Naocasiãoelequeria tornarHalifaxprimeiro-ministroedeclarouqueserviriasobasordensdele.Edward,àsuamaneira,começoudizendo:“Talvez eunãopossa lidar coma situação, pertencendoàCâmaradosLordes”efinalmenteWinstondisse:“nãomeparecequepoderia”.Eelenãoiriaeaquiloficoudecidido.4

A palavra “Finalmente” com maiúscula indica que um silêncio, ou umalonga discussão, de fato ocorrera, em seguida, com franqueza brutal,ChurchillconcordoucomHalifax“eaquiloficoudecidido”.Háumaoutrainterpretaçãopossível,quesóvaleapenamencionarpara

descartá-la.Éadequeaspalavras“elenãoiria”referiam-senãoaHalifax,mas a Churchill, e signi icavam que este realmente se recusara a servirnumgovernodeHalifaxconduzidoapartirdaCâmaradosLordes.Emboraisso possa corresponder à construção literária da frase de Kennedy,semelhante interpretaçãonãoseajustariaaocontextodasituaçãopolíticada época, porque Churchill teria sido compelido por patriotismo a seintegrarnumgovernodeHalifaxemqueospartidosdeoposiçãoestavamse preparando para servir. Está fora de cogitação que ele tenha tentadoobterocargopormeiodechantagem.Claramente,ChamberlainquisdizerqueHalifax “não iria” ocupar o cargo de primeiro-ministro. O historiadorDavid Carlton propôs também uma engenhosa teoria segundo a qualChamberlainviaChurchillapenascomoumprimeiro-ministro temporário,para fazeraGrã-Bretanhasuperara crisedomomento—depoisdoqueeleosubstituiria,razãoporquepreferiasecretamenteChurchillaHalifax,a quem poderia provar-se impossível removermais tarde. Também essateoria vai longe demais, mesmo que atraia aqueles a cujos olhos nadasuperaanaturezamaquiavélicadospolíticos.Aqui estava a verdadeira liderança: Churchill acreditava ser o melhor

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homem para o cargo e, ao concordar com Halifax, deixou claro que odesejava. Postos elevados como o de primeiro-ministro da Grã-Bretanhararamente caem de uma maneira espontânea no colo das pessoas;Churchillavaliouseumomentoeagarrou-o.Restava ainda para Chamberlain perguntar aos líderes do governo

trabalhista se participariam de seu governo ou preferiam servir sob ocomando de outra pessoa. Quando Attlee e seu vice-líder ArthurGreenwood chegaram ao Número Dez, disseram que consultariam seuscolegasemBoumemouthetelefonariamparacomunicarsuadecisãonodiaseguinte,mas tambémadvertiramChamberlain emparticulardeque eramuitoimprovávelqueoPartidoTrabalhistasedispusesseaservirsobsualiderança. Depois de seu discurso no Debate da Noruega, Attleedi icilmente poderia ter ditomenos que isso. Numa questão de horas, noalvorecer do dia 10 de maio, Hitler desencadeou suaBlietzkrieg noOcidente.O fatodeHitler teratacadonomesmodiaemqueChamberlainrenunciou foiumadas incríveiscoincidênciasdahistória,masnãopassoudisso.NãohánenhumindíciodequetenhaescolhidoomomentopelaGrã-Bretanhaestarnomeiodeumacrisepolítica.AprimeirareuniãodoGabineteapósoataquedeHitleraoOcidenteno

raiardodiaocorreuàs8hdasexta-feira,10demaiode1940.Asnotíciasnão eram de todo inesperadas; de fato, menos de uma semana antesHalifax advertira todas a embaixadas britânicas de que “parece provávelque venhamos anosdefrontar embreve coma força total deumataquealemão sobre nós”. Agora o Gabinete ouviu como a Bélgica e a Holanda,ambas até então neutras, haviam sido invadidas numa tentativa delanquear a Linha Maginot e nocautearassim a França. Até a reuniãoseguinte do Gabinete, às 11h, Chamberlain havia concluído, para suasatisfação,masparaadepoucosoutros,queasituaçãomilitareratãosériaque justi icava inteiramente o adiamentode sua renúncia. “Comopodia ogovernomudarnomeiodeumacrisecomoaquela?”sustentou.FoinessaalturaqueoministrosempastasirKingsleyWood,atéentão

umchamberlainita leal, informouabruptamenteaoprimeiro-ministroque,aocontrário,anovacrisesigni icavaqueeledeviarenunciarde imediato.O ministro da Força Aérea, sir Samuel Hoare, registrou: “Ninguém disseuma palavra no Gabinete, afora eu. Edward [Halifax] completamenteimpassível.”Muitosoutrosministrosemvoltadamesa,sobretudoWinstonChurchilleprovavelmentetambémHalifax,sentiamqueanovaeperigosasituaçãonocontinentetornavadefatooafastamentodeChamberlainmais,

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e nãomenos imperativo. O que amaioria não sabia era que, na véspera,WoodprocuraraChurchillparaexortá-loareivindicarcom irmezaocargodeprimeiro-ministro,poisdocontrário logoseria recompensadoporessarápidaviradadecasacacomoMinistériodasFinanças.Quando a liderança do Partido Trabalhista telefonou de Bournemouth

paradizerqueopartidoparticipariadeumgovernodecoalizão,masnãosefosseformadoporChamberlain,asortedoprimeiro-ministrofoiselada.O decisivo, contudo, é que os trabalhistas não estavam em condições dedecidirquemseriaoprimeiro-ministro.Éinteiramenteequivocadopensar,como alguns políticos entre os quais Roy Hattersley, Julian Critchley,MichaelFooteBarbaraCastlepersistiramemfazerdurantedécadas,quefoi o Partido Trabalhista que tornou Churchill primeiro-ministro. De fato,na época o partido declarou-se igualmente disposto a servir sob aliderança de Halifax; a escolha coube, assim, a Chamberlain e ao rei.Formando uma minoria tão pequena na Câmara dos Comuns, o PartidoTrabalhistasemdúvidanãotinhacondiçõesdefazeroutracoisa.Naquela tarde, Chamberlain fez um último esforço para convencer

Halifaxamudardeidéiaeassumirocargodeprimeiro-ministro,apesardoque parecia ter sido ajustado com Churchill na véspera. Lorde Dunglasstelefonou para Henry “Chips” Channon no Ministério das RelaçõesExteriores; queria que ele pedisse ao subsecretário daquele ministério,Rab Butler, para tentar convencer Halifax a aceitar o cargo. Ao chegar àsala do ministro das Relações Exteriores, Butler foi informado de queHalifax saíra para ir ao dentista e não podia ser contactado. AssimChamberlainfoiaopaláciodeBuckingham,ondeoreiJorgeVIaceitousuarenúncia e, como registrouemseudiário, “disse-lheoquanto, ameuver,ele fora tratado com rude injustiça e que lamentava terrivelmente aocorrênciade todaaquelacontrovérsia”.Quandochegaramaoassuntodeseu sucessor, o rei sugeriu, é claro, Halifax como “o homem óbvio”, masChamberlain lhe disse que Halifax “não estava entusiástico”. O rei nãoexerceu seu direito de pedir a diretamente a Halifax que assumisse ogoverno, embora o apelo pessoal do soberano a um devotado servidorpúblicotalveztivessesidocapazdefazê-lomudardeidéia.Em vez deHalifax, foi Churchill que prestou homenagem a Jorge VI às

18hdodia10demaio.OreinãoqueriamuitoChurchill,possivelmenteemparteporcausadopapelirresponsávelqueeledesempenharaemapoioaseu irmão Eduardo VIII na época da crise da Abdicação. Apesar disso,quando icou claroque seudever constitucional eradesigná-lo, amenizou

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qualquer constrangimento fazendo uma piada. Como Churchill lembrou:“Suamajestaderecebeu-medamaneiramaiscalorosaefezsinalparaqueme sentasse. Lançou-me um olhar perscrutador e indagativo por algunsmomentosedepoisdisse:‘Suponhoquenãosaibaporquemandeichamá-lo?’ Entrando no humor dele, respondi: ‘Sir, não tenho simplesmente amenor idéia.’ Ele riu e disse: ‘Quero pedir-lhe que forme um governo.’Respondiquecertamenteofaria.”Sabendoquesuaprimeiraaçãodeveriaserconvidarostrabalhistaseos

liberais para o que chamou mais tarde sua “Grande Coalizão”, ChurchillpediuaAttleeeArthurGreenwoodqueparticipassemdeumGabinetedaGuerra drasticamente enxugado, de cinco membros apenas, junto comChamberlaineHalifax.Churchillsabiaquedeviatratarigualmentebemosconservadores, como escreveu a Chamberlain naquela noite: “Em grandemedidaestounasmãosdeles.”Às21hChamberlainexplicousuarenúnciaànaçãopelorádio,instando-

a a apoiar seu sucessor. Nossa atual rainha, então com 13 anos, disse àmãe que essa fala a comovera até as lágrimas. Enquanto isso Churchilltrabalhounoiteadentroe,quando foi sedeitar,às3hdamanhãseguinte,estava com “a consciência de um profundo sentimento de alívio.Finalmenteeutinhaautoridadeparacomandartodaacena.Senticomoseestivesse caminhando com um rumo, e que toda aminha vida pregressanãotivessepassadodeumapreparaçãoparaestahoraeestatribulação.”

OpercursodeHitleratéCompiègne

No dia 21 de junho de 1940 Hitler visitou o monumento francês emCompiègne, nos arredores de Paris, que comemorava a derrota daAlemanha na Grande Guerra. O correspondente de um jornal americano,William Shirer, registrou a linguagem corporal do Führer nesse diatriunfante:

Ele salta domonumento e consegue fazer até desse gesto uma obra-prima de desprezo…. Corre os olhos lentamente pela clareira…. Derepente, comose seu rostonãoestivessedandocompletaexpressãoaseus sentimentos, põe todo o seu corpo emharmonia com seu estadodeespírito.Baterapidamenteasmãosnosquadris,arqueiaosombros,planta os pés muito afastados. É um gesto magní ico de desa io, de

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intensodesprezopelo lugar e por tudoque ele representounaqueles22anosdesdequetestemunhouahumilhaçãodoImpérioAlemão.

Uma semana depois, no dia 28 de junho, Hitler fez duas coisas quedestoavamporcompletodeseucaráter:acordoucedoe foivisitarpontosturísticos. Comoqualquer turista alemão aplicado, o Führer se prepararapara a excursão lendo sobre os pontos altos da arquitetura de Paris.Quando o comboio de limusines pretas Mercedes-Benz passou pelaMadeleine rumo ao Arco do Triunfo, ele se deleitou exibindo seuconhecimentodetalhadoparasuacomitiva.Nos Invalides, o Führer contemplou em silêncio o túmulo deNapoleão,

aquele outro conquistador europeu com quem freqüentemente secomparava. A essa altura, Hitler acreditava que suas qualidades deliderançafaziamdele,naspalavrasdogeneralKeitel,“omaiorcomandantemilitar de todos os tempos”. Em apenas dez meses o Exército alemãoconquistara ametade da Europa. Somente os britânicos e seus domíniosimperiais, ao ladoda corajosaGrécia, continuavama resistir bravamente.No entanto, ométodo por trás do sucesso inicial de Hitler como líder naguerra deveria, a seu tempo, tornar-se sua maior fraqueza, e tirandoproveitodeleChurchilldeixariaumexemplopara todososqueaspiramàliderançaemnossosdias.Ao retornar à Alemanha após suaBlitzkrieg vitoriosa sobre a França,

Hitler estava no ápice de sua popularidade. Mas aBlitzkrieg, essa novaforma de guerra, não era uma invenção dele. Não fora Hitler tampoucoquemconceberaoplanooperacionalpara a invasãodaFrança.O créditoporissocabiaadoisgenerais:ErichvonMansteineHeinzGuderian.Desdeo início da década de 1930, Guderian defendia operações rápidas comPanzersplanejadasparapegaroinimigodesurpresa.Combasenasidéiasde Guderian, Manstein desenvolveu o chamado plano “Golpe da Foice”para lanquear as forti icações francesas e tornar irrelevante suasuperioridadenuméricaemhomensearmamentos.Manstein queriamontar um ataque blindado através das lorestas das

Ardenas,umaáreacomumenteconsideradaintransponívelportanques.Obomsensodiziaqueserialoucuratentaratacarporali,masfoiexatamentepor isso que a estratégia alemã teve tanto êxito. As divisões dePanzersdeveriam atacar onde o inimigo menos esperava. Isso lhes permitiriaformar uma cunha entre as forças aliadas, avançando com rapidez até acosta do canal da Mancha — tal qual um golpe de foice. (A metáfora

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originou-secomChurchill.)AmaioriadosgeneraisdoAltoComandodefendiaumaoperaçãomuito

maisconvencionaleimaginavaaprincipal linhadeataquevindodonorte,dosdois ladosdeLiège.AmanobradeManstein,comPanzersatravésdasArdenas, parecia-lhes simplesmente arriscada demais. Manstein foitransferido de imediatoparaumposto insigni icante.MasentãooFührerinterveio.Paraele,osplanossemimaginaçãodoAltoComandodoExército(OKH) pareciam não sermais que “as idéias de um cadete”. 5 O Golpe daFoice deManstein, por outro lado, signi icava um grande riscomas tinhaemseufavoroelementocrucialdasurpresa.AssimHitlerordenouaoOKHaadoçãodesseplano.Foi um caso de liderança inspirada. Hitler percebeu que os planos

operacionaisdoAltoComandoenvolviam,narealidade,umriscomaiorquea manobra à primeira vista temerária do Golpe da Foice, porque umataque convencional vindo do norte era exatamente o que os Aliadosestavam esperando. Líderes de sucesso não se aventuram às cegas;correm riscos calculados por compreender que, por vezes, a coisa maisperigosaquesepodefazerénãocorrerrisconenhum.NãotivessesidopelainiciativaeaousadiadeGuderian,ainvasãoalemã

poderiacertamenteterseatoladonumaguerradetrincheirasaoestilodaPrimeira GuerraMundial. Quando, no terceiro dia da invasão, os Panzersde Guderian tinham chegado ao rio Meuse, Hitler e o Alto Comando doExército deram-lhes ordem de esperar pelas divisões de infantaria queseguiam tão rápido quanto possível. O resultado foi o maiorengarrafamentoqueaEuropajamaisvira;colunasde1.500tanqueseummilhão e meio de soldados formaram uma ileira que se estendia por240km, do Reno até o Meuse. Exatamente quando a lâmina da foicecomeçavaacortarfundo,ameaçandoisolarasforçasfrancesasebritânicasno norte de seus outros exércitos no sul, o Führer começou a ter gravesdúvidas. Estava preocupado com os lancos expostos das pontas-de-lançadosPanzers sob o comando de Guderian. Este, sabendo que cada diaperdido daria aos Aliados tempo para recuar e se reagrupar, decidiu nodia14demaio ignorarasordensdeHitlereavançou,arrastandoconsigooutrasdivisões.A Blitzkrieg alemã de 1940 funcionou porque os Aliados temiam um

retornodoonerosoimpassedaPrimeiraGuerraMundial.Masacrençadequeeventosdopassadoserepetirãodamesmaformaestáquasesemprefadadaaofracasso.EmboratodaacarreiradeHitlertivessese irmadoem

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riscos, quando chegou o momento de pôr em prática o ousado plano deManstein,elerevelouumasurpreendenteinsegurança,talcomonocasodaNoruega.No dia 17 demaio Franz Halder, o chefe do estado-maior do Exército,

registrou em seu diário: “Um dia realmente desagradável. O Führer estáterrivelmente nervoso. Está assustado com seus próprios sucessos, nãoquer arriscar nada e por isso preferiria nos deter.” 6 Guderian recebeuordem de estacionar na altura do rio Oise e esperar que as divisões deinfantaria o alcançassem. Era um enorme erro tático, mostrando que,espantosamente,emboraestivessedispostoacorrerriscoseadotartáticasdeBlitzkrieg,Hitlernãocompreendiadefatocomoelasfuncionavam.Guderian,poroutrolado,tinhaplenacertezadequesóavelocidadeea

surpresa o protegiam de um contra-ataque. Protestando veementementecontraaordemdealto,abdicoudeseucomando.Sóvoltouatrásnopedidodedemissãodepoisdereceberpermissãoparaempreenderumchamado“reconhecimento em força” — seja o que for que isso signi icasse.Guderian decidiu interpretá-lo como uma licença para agir por iniciativaprópria e avançar rumo à costa do canal da Mancha, o que fez a todavelocidade.A forma revolucionária de guerra mecanizada de Guderian provou-se

avassaladora e pegou os Aliados completamente de surpresa. Após dezdias de campanha, as primeiras unidades alemãs chegaram à foz do rioSomme na costa do canal. O Golpe de Foice se completara: os exércitosaliados no norte, inclusive a Força Expedicionária Britânica, estavamcercados. Esse foi o pior dia na história britânica em 400 anos. OsbritânicosestavamprestesaperdersuaForçaExpedicionáriade250milhomens. Nenhum desastre semelhante ocorrera desde que os inglesesperderamCalaisnoséculoXVI.Osucessodaoperaçãogolpedefoicedeveser atribuído, entretanto, não à liderança de Hitler, mas à ousadia einiciativa de Guderian. Tivesse ele seguido à risca as diretrizes deHitler,tudo teria sido“Krieg”, e não“Blitz” — uma guerra-relâmpago sem orelâmpagoe,bempossivelmente,umacampanhacomumdesfechomuitodiferente.Teria Guderian escapado incólume com uma iniciativa como essa se

servisse no Exército britânico? Por suas proezas na campanha francesa,Hitler recompensou-o com uma promoção a tenente-general. Há na Grã-Bretanha a crença persistente de que os alemães eram como autômatos,seus soldados obedecendo ordens cegamente, mas isso é um mito.

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GuderianpôdeusarsuainiciativaporqueestavaagindoemconformidadecomoprincípioalemãodaAuftragstaktik(comandodemissão).

Comandodemissão

Desenvolvido inicialmente pelo Exército prussiano no século XIX e hojeprincípio o icial da Otan, o comando de missão signi ica que o quartel-generalselimitaaestabelecerosobjetivos,deixandoqueoscomandantesem ação decidam sobre a melhor maneira de levá-los a cabo. O critérioinaléosucessoouofracasso—enãoaobediência.OcomandodemissãofoiosegredoportrásdaimpressionantevitóriadeHitlersobreaFrança.Éum princípio decisivo para a liderança e icaz. Os gurus da administraçãochamam-nodelegaçãodepoder: líderes con iamemseus subordinados eapóiam-se em sua iniciativa e opinião abalizada.Umelemento importanteera que todos no Exército alemão haviam sido especi icamente treinadospara ser capazes de assumirem as obrigações de seus superiores naeventualidadedeumaconvocaçãoparaassumiremocomando.Mas se a liderança do Exército alemão era tão e iciente em 1939-41,

como explicar que essas vitórias dos primeiros anos da guerra tenhamsido seguidas por derrotas vergonhosas? A resposta está com o homemqueseautodesignaracomandantesupremodaWehrmacht—AdolfHitler.As falhas fatais de sua liderança já haviam se evidenciado em suaBlitzkrieg contra a França. Ummomento-chave na campanha ocorreu naMaison Blairon, na cidade francesa de Charleville-Mézières nas Ardenas,pertodefronteiradeLuxemburgo,ondeHitlerchegounamanhãde24demaiode1940.Ali icavaoquartel-generaldogeneralGerdvonRundstedt,ocomandantedoGrupoAdoExército,asudoestedasforçasaliadasqueseencontravamcercadas.Todasasdivisõesalemãsde PanzersestavamsobocomandodeRundstedt,que,com64anos,eraumgeneraldavelhaescola.ElequeriaqueseusPanzersesperassempelamaislentainfantaria.Ocomandante-em-chefedoExército,generalWalthervonBrauchitsch,e

seu chefe do estado-maior, general Franz Halder, discordavamenergicamente. Percebiam que, sem pressão constante, as forças aliadastentariam escapar pelo canal da Mancha. Na noite de 23 de maio, VonBrauchitscheHalder transferiramo comandodasdivisõesde Panzers deRundstedtparaoGrupoBdoExércitononordeste.Hitlersó icousabendodessamudançadecomandonamanhãseguinte,quandovisitouRundstedt

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emseuquartel-generalemCharleville-Mézières.Von Brauchitsch e Halder haviam tomado a decisão correta, mas sem

consultar seu Führer. Hitler não pôde tolerar que o Alto Comando doExército agisse por iniciativa própria, como os militares eram treinadosparafazerdeacordocomosprincípiosdocomandodemissão.Agora,queavitóriaerapraticamentecerta,oFührerestavaansiosoparadeixarclaroquequemestavaganhandoaquelacampanhanãoeramseusgenerais,eraele mesmo. Como o Exército era a única força na Alemanha com podersu icienteparadepô-lo, todosos lourospelavitórianoOcidentedeveriamicar concentrados unicamente nas suas mãos. Assim sendo, o Führerrevogoudeimediatoatransferênciadocomandodasdivisõesde PanzerseautorizouRundstedtadarumaordemdealtoaseuGrupodoExército.Foiessa famosaordemdealtoquedeuaosAliadosatréguanecessária

para evacuar 338.226 soldados britânicos, franceses e belgas. Nenhumaoutra decisão da Segunda Guerra Mundial causou maior tempestade deprotestos entre generais alemães que a ordemde interromper amarchaem Dunquerque. Brauchitsch foi à procura de Hitler várias vezes parapedirqueaordemfosserevogada—emvão.OFührerregozijou-secomahumilhação in ligida ao comandante-em-chefe do Exército, que, em suasprópriaspalavras,sentiu-se“imprensadocontraaparede”.Depois que icou claro o grave erro que cometera,Hitler declarou que

poupara intencionalmente os britânicos para demonstrar que não querianenhumaguerra comeles. Seus verdadeirosmotivos, porém, erammuitodiferentes.AdecisãodedeteroavançodosPanzerstiveranadaavercommagnanimidadeemrelaçãoàGrã-Bretanhaenaverdadepoucoavercomqualquerconsideraçãoestratégica.OprincipalobjetivodeHitlerforapôroExército em seu lugar, como estudos históricos modernos mostraramrecentemente.7EmlugardoExército,aForçaAéreadeGöringfoiincumbidadeliquidar

os soldados aliados cercados. Hitler quis também dar à SS de Himmlertempo bastante para se deslocar de modo a participar da ação emDunquerque.ObrigandooExércitoapartilharavitóriacomaLuftwaffeeaSS,Hitlerpodiatercertezadequereceberiaoprincipalcréditoporela.A Luftwaffe fracassou vexaminosamente. Quando Dunquerque foi

inalmente tomada, amaior parte das forças aliadas já fora transportadaatravésdaManchaeestavaemsegurançaparamaisumdiadecombate.Enquanto isso,oFührerganharaumabatalharelativamente fútilcontraoAlto Comando do Exército. Esse foi apenas o primeiro de muitos erros

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graves cometidos por Hitler na guerra. Seu empenho em expandir eproteger sua base de poder,mesmo à custa do tirocíniomilitar, ajudou aprepararoterrenoparasuaderrota inal.Maistarde,seuajudantemilitar,majorGerhardEngel,explicaria:“AlgumasdecisõesdeHitlernadatinhama ver com raciocínio de guerra. Eram tomadas unicamente parademonstrar ao chefe do Exército que quemestava no comando era ele emaisninguém.”8

Churchillsemmeiaspalavras

É di ícil entender como o novo adversário de Hitler, Winston Churchill,pôdeterserecusadoatentarnegociarapazcomosnazistasquandotodaaForçaExpedicionáriaBritânicahaviasidocapturadaemDunquerque.Domodo como as coisas se passaram, Churchill transformou o resgate doexércitoaliadonumtriunfoqueelevouomoralnaadversidade.O fatodeestar certo com relação a Hitler e aos nazistas levara Churchill para aDowning Street emmaio de 1940,mas para permanecer lá ele precisouinventarum tipo inteiramentenovode liderança—umqueabolisse come icácia a lógica e izesse apelonão àmente,mas ao coração. Pois apuraverdade era que, embora tivesse de dizer ao povo britânico que erapossívelvenceraguerra,elepróprionãotinhaamaisvagaidéiadecomoisso poderia ser conseguido. Numa série de discursos estimulantes, fezvárias a irmações sobre como a guerra poderia ser ganha, uma maisimprovávelqueaoutra.Churchill implorava— como apenas líderes notáveis o podem fazer, e

somente em ocasiões excepcionais — ao povo que, em vez de calcular,sentisse. Caso se provasse que estivera errado, teria sido obrigado aenfrentar a ira do povo por aquele grave engano. No primeiro discursoquefezcomoprimeiro-ministronaCâmaradosComuns,nodia13demaiode 1940, foi desconcertantemente sincero ao admitir que “nada tinha aoferecer senão sangue, trabalho, lágrimas e suor”. Mas, continuando,ofereceumuitomaisquandodisse: “Os senhoresperguntamqualénossoobjetivo?Posso respondercomumapalavra:vitória—vitóriaaqualquerpreço, vitória, pormais longa e árdua que a estrada possa ser; pois semvitórianãohásobrevivência.”Quando voltou a falar publicamente, seis dias mais tarde, os alemães

haviam penetrado as defesas francesas no norte da Linha Maginot e o

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povo britânico precisou mais uma vez conter seu ponto de vista paraconseguir imaginar que lhe seria possível triunfar inalmente. ChurchillofereceuesperançaparaoExércitofrancês,dizendo:“Podemosolharcomcon iança para a estabilização da linha de frente da França e para oengajamento geral das massas, que permitirá que os atributos dossoldados franceses e britânicos sejam contrapostos diretamente aos dosseus adversários.Deminhaparte, tenho inabalável con iançanoExércitofrancêseemseuslíderes.”Na verdade essa con iançanãopermaneceu inabalável porque, apenas

dez dias depois, a Força Expedicionária Britânica estava sendo evacuadadas praias de Dunquerque. Mas ao mostrar ele mesmo uma coragemindomável, Churchill de fato incitava os britânicos — que durante osúltimos vinte anos haviam sido zelosos apaziguadores da Alemanha ehaviam acatado o acordo de Munique tão entusiasticamente quanto ohaviam rejeitado— a serem heróicos. Seus discursos supunham que osbritânicos estavam, na realidade, ansiosos pelos próximos ataques àpopulaçãocivil.

Haverá nessa ilhamuitos homens, e muitasmulheres, que, quando osofrimento se abater sobre eles, encontrarão consolo, e até algumorgulho—no fatode estarem tomandopartenosperigosquenossosmoçoscorremnalinhadefrente—soldados,marinheiroseaviadores,Deusos abençoe—edeestaremdesviandodeles aomenospartedacargaquetêmdesuportar.Nãoseráhoradefazeremtodososesforçosmáximosaseualcance?

Ao trataropovodessamaneiramesmoantesqueo territóriobritânicotivesse sido alvo de ataque, Churchill transformava pessoascompreensivelmente nervosas e amedrontadas em heróis. Mesmo quenem todos partilhassem sua con iança na vitória inal, as pessoas nãoicavampropensasadisseminaroderrotismoexpressando seus temores.EssefoiumatosupremodeliderançadapartedeChurchill.ComoeledisseàCâmaradosComunsnodia4dejunhode1940:

Pelo que sabemos, Herr Hitler tem um plano para invadir as ilhasbritânicas. Issofoicogitadomuitasvezesantes.QuandoNapoleão icouaportado em Boulogne durante um ano com seus barcos de fundochato e suaGrandeArmada, alguém lhe disse: “Há ervas amargas naInglaterra.” Há certamente muito mais delas desde que a Força

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Expedicionária retornou … Ainda que grandes regiões da Europa emuitos Estados antigos e famosos tenham caído ou possam cair nasgarrasdaGestapoede todooodiosoaparelhodo regimenazista,nãofraquejaremos nem fracassaremos. Prosseguiremos até o im,lutaremos na França, lutaremos nosmares e oceanos, lutaremos comcrescente con iança e crescente forçano ar, defenderemosnossa ilha,custe o que custar, lutaremos nas praias, lutaremos nas zonas dedesembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nosmorros;jamaisnosrenderemos.

“Noites longas e sombrias de provações e tribulações nos esperam”,advertiunumafalaespecialmentemelancólicapelorádio.“Nãosógrandesperigos comomuitomais infortúnios, muitas falhas, muitos erros, muitasdecepções serão certamente nosso quinhão. A morte e a dor serãocompanheiras de nossa jornada, a constância e a bravura nossos únicosescudos. Devemos estar unidos, devemos ser destemidos. Devemos serin lexíveis.” Um homem que logo reconheceu a estratégia por trás dafranquezasoturnadeChurchillfoiJosephGoebbels.“Seuslogandesangue,suor e lágrimas o entrincheirou numa posição que o torna totalmenteimuneaoataque”,escreveuochefedapropagandanazistanumartigoderevista intitulado“TruquesdeChurchill”. “Eleécomoomédicoqueprevêque o paciente vai morrer e que, a cada vez que a condição dele piora,explicacomplacentementequepreviraisso.”Aoprepararopovoparamásnotícias, Churchill negava aos nazistas o pleno valor de propaganda desuas vitórias. Eles não tinham como destruir o moral nacional se osbritânicosjátinhamouvidoopiordopróprioprimeiro-ministro.Em seu discurso à Câmara dos Comuns para explicar a evacuação de

Dunquerque, Churchill sabia que tinha de acenar com alguma esperança—portênuequefosse—paraestimularosbritânicosaseguirlutando.Ofatorqueescolheuenfatizarfoiapossibilidade,queparticularmentesabiaser remota a ponto de ser desprezível, de que os Estados Unidosentrassemlogonaguerra.Eleevocouaperspectivadelevaralutaadiante“atéque,nahoramarcadaporDeus,oNovoMundocomtodooseupoderepujança,acorraparaasalvaçãoealibertaçãodovelho”.Apartirdesuaspróprias conversas com o presidente Roosevelt, Churchill sabia que aintervenção militar americana direta não provocada ainda era umapossibilidademuito distante,mas liderar é dar esperança, pormais falsaqueseja.

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O ponto crucial era que, se o povo britânico estava sendo ludibriado,todo ele, salvo uma minúscula minoria, realmente queria sê-lo. Comotrapaceirospro issionaisa irmam,paraqueumatrapaçadêcerto,avítimadeve, ao menossubconscientemente, querer se deixar enganar. Foi issoqueaconteceucomosubconscientecoletivodopovobritânicoem1940-41;acreditavaemChurchillporqueestavadecididoafazê-lo,eporqueaúnicaalternativa—pazcomHitler—erasimplesmenteabomináveledesonrosademaisparaserconsiderada.Noentanto,sealguémtivesseperguntadoacadabritânicose,emtermosracionais,acreditavaquedefatoerapossívelarrastar os EstadosUnidos para a guerra, ou bloquear todo o continenteeuropeu obrigando-o à rendição, ou derrotar a Alemanha por qualquerdosoutrosmeiosqueChurchillpareciaestaroferecendonaqueleestranhoeaomesmo temposublimeperíodode13meses,eles teriam tidograndedificuldadeemexplicarofundamentodesuacrençanavitóriafinal.

Conquistadeplenospoderes

ChurchillaprenderacomodesastredeDardanelosnaGrandeGuerraqueéumerro,comoeledisse,“realizarumaoperaçãodevultoefundamentalapartir de uma posição subordinada”. Escreveu também: “Meu único errofatalfoitentarlevaracaboumgrandeempreendimentosemterosplenospoderes que o possibilitariam alcançar tão facilmente o sucesso.” Comessas lembranças, decidiu apoderar-se exatamente dessa autoridadeirrestritaaochegaraopoderem1940.Não se ganham guerras com evacuações, como Churchill disse, e

tampouco se pode ganhá-las com discursos encorajadores. Um de seusprimeiros passos foi enfrentar a pesada e in lexível estrutura de tomadadedecisãoqueherdaradeChamberlain.Churchillqueixava-se,comrazão,dequetudoera“estabelecidoparaomaiornúmeropelosensocomumdamaioria após a consulta de todos”. Acerca do Comitê de Defesa Imperial,queeraresponsávelporplanosestratégicosmasnãoporoperações,dissequeelerepresentavao“máximodeestudoeomínimodeação”.AsoluçãoencontradaporChurchillfoicombinararesponsabilidadecom

opoderdiretode ação.Nãogostavade comitêspuramente consultivos.Aguerra,dizia,“eramaisparecidacomumfacínoradandoumaporretadanonarizdooutro”. 9Foi igualmente francoaosequeixaraHaroldMacmillan:“Ora, você pode pegar o marinheiro mais valente, o soldado mais

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audacioso, pô-los juntos — e o que você tem? A soma de seus medos.”Macmillanlembrouqueissofoidito“comênfasesibilante”.Em períodos anteriores no governo, comoministro das Munições e no

Ministério Colonial, Churchill organizara os processos de tomada dedecisão com sucesso. Sabia como isso poupava executivos de seremsufocados por detalhes e duplicações. Durante a guerra, suasconsideráveis habilidades organizacionaisforam postas em jogo quandoprocurou reduzir superposições no governo e na administração. Tinhatalento atépara simpli icar a linguagemadministrativa: osVoluntáriosdaDefesa Local tornaram-se a Guarda Interna, os Centros Comunais deAlimentaçãopassaramaserRestaurantesBritânicos,eassimpordiante.Comdezpessoas,oGabinetedeGuerraeragrandedemais,exatamente

comonoiníciodaGrandeGuerra.UmerroeraqueeleincluíaosministrosdastrêsarmaseestimulavaasdiscussõesdoGabineteaseremdemasiadoamplas,muitasvezes estendendo-seà elaboraçãodeplanosoperacionais.Chamberlain tentara resolver isso formando um Comitê de CoordenaçãoMilitar presidido por lorde Chat ield. Este tinha pormissão coordenar osesforçosdas três forças armadas comapolítica traçadapeloGabinetedeGuerra. Tinha a de iciência de ser consultivo, sem controle de qualquerdepartamento nempoder para dar ordens. Em abril de 1940 o órgão foiabolidosobpressãodeChurchill,que,noentanto,logoestavasequeixandode que ele mesmo não tinha “nenhum poder de tomar decisões ouimplementá-las”.Quando se tornouprimeiro-ministro, reduziu oGabinetedeGuerra àmetade, deixando-o com apenas cincomembros. “Os dias demera coordenação tinham terminado para sempre”, escreveumais tardeuma igura graduada. “Agora teríamos direção, liderança, ação — numestalardededos!”10Churchill não parou aí. Imediatamente tratou de obter poderes ainda

maiores, acreditando que, como o expressou, o fracasso estratégico naguerra se devia à “total ausência de umamente diretora e uma força devontade impositiva”. Comandar uma guerra por meio de comitês erabastantepenoso,masparapiorar a situação inexistiaumadistinção claraentre tomada de decisão política e militar. A criação do novo cargo deministro daDefesa—posto que elemesmo assumiu, fazendodo generalIsmay, homem de sua con iança, sua ligação pessoal com os chefes deestado-maior— foi um golpe demestre político e administrativo. A novaestrutura deu a Churchill mais autoridade do que qualquer primeiro-ministro anterior detivera. Ele se situava na linha direta de

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responsabilidade pela criação e execução de planos de guerra, sem noentanto criar umnovoMinistériodaDefesa real, com todosos custos e oaparato burocrático que isso envolveria. Como advertiu Ismay, “Devemoster muito cuidado para não de inir nossos poderes de maneira precisademais.” Mantendo-se lexíveis e nebulosos, esses poderes eram de fatomuito maiores do que se tivessem sido circunscritos por Whitehall,Westminsterou—oqueeramaispoderosoqueambos—porprecedente.Churchill procurou imediatamente reduzir também o número de

comitês. Em particular, incorporou muitas das missões militares e civisbritânicas aos Estados Unidos, que estavam se proliferando mas cujasresponsabilidadesfreqüentementesesuperpunham.Duassemanasdepoisdesetornarprimeiro-ministro,enviouummemorandoaseusecretáriodoGabinete: “Estou convencidode que há um número excessivo de comitêsdeum tipooudeoutroaqueosministros têmde comparecerequenãogeramresultadosigni icativo.Estesdeveriamserreduzidosporsupressãoou fusão.”Desacreditavapor completona tomadadedecisão coletivapormeio de comitês, em que toda a base da administração britânica foracentradaportantotempo.Os novos poderes, contudo, não eram antidemocráticos; Churchill não

assumira uma força autocrática, continuando a trabalhar através doGabineteporquesabiaqueseupoderseassentariafundamentalmentenaCâmara dos Comuns. Esta, em dezembro de 1916, derrubara o entãopremieremtempodeguerraHerbertAsquitheemmaiode1940repetiraoprocessocomNevilleChamberlain.(OhistoriadorquehaviaemChurchilldeve ter se lembrado também do destino de lorde Aberdeen durante aGuerra da Criméia: ospremiers britânicos que iniciavam guerras muitasvezes não conseguiam terminá-las.) “Sou uma cria da Câmara dosComuns”, Churchill diria ao Congresso norte-americano em dezembro de1941.“Fuicriadonacasademeupaiparaacreditarnademocracia.‘Con ienaspessoas’erasuamensagem….Emmeupaís,comonovosso,oshomenspúblicosorgulham-sedeserosservidoresdoEstadoeseenvergonhariamdeserseussenhores.”Naprática,areestruturaçãodosistemaoperadaporChurchillsigni icou

queeleconseguiaaprovarmedidascontroversas;umadessasfoiadeusarbombardeiros pesados como o Lancaster contra vilas e cidades alemãs.Sob Chamberlain, o bombardeio estivera restrito ao lançamento depan letos e ao ataque de alvos navais. Raides aéreos commira em terraestavamproibidos,nãosóportemorderetaliaçãoalemãcomoporrazões

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legaisbastantepeculiares.UmplanodaRealForçaAéreaparaatacaralvosmilitares na Floresta Negra fora rejeitado pelo então ministro da ForçaAérea, sir KingsleyWood, com a palavras: “Os senhores estão cientes deque isso é propriedade privada? Ora, daqui a pouco estarãome pedindoparabombardearEssen!”11Churchill,quenãomanifestavanenhumainibiçãodessetipo,poucosdias

após se tornar opremier autorizouataques a alvosmilitares e industriaisna Alemanha. Quando, três meses mais tarde, no auge da batalha daInglaterra,asprimeirasbombasalemãscaíramsobreocentrodeLondres,Churchillpassouporcimatantodoscomandantesdeestado-maiorquantodoministro da Força Aérea e ordenou que o Comando de Bombardeirospartisse imediatamente para um raide de retaliação sobre Berlim. Essatomada de decisão rápida teria sido impensável sob a estrutura dogovernoanterior.Efoiadecisãocerta.Duranteosquatroanosseguintes,obombardeio estratégico seria o único meio pelo qual a Grã-Bretanhaconseguirialevaraguerraàprópriapátriaalemã.OutrosmétodosqueChurchill usoupara assumir o controledo esforço

de guerra britânico foram seus clichês: seus famososmemorandos, seus“rogos”esua“FazerHoje”.Eletinhaumamenteextraordinariamentefértil.“Winstontinhadez idéias tododia”,costumavadizerseuchefedoestado-maior imperial, lordeAlanbrooke, “só uma delas era boa, e ele não sabiaqual”. Roosevelt fez uma observação muito semelhante, dizendo que oprimeiro-ministrotinhaumacentenadeidéiaspordia,seisdasquaiseramboas (um número muito maior, embora uma percentagem ainda maisbaixa).Nenhum detalhe era insigni icante demais para escapar à atenção de

Churchill. Ele especi icou o número preciso de macacos que deveriamocupar o rochedo de Gibraltar (24), tentou descobrir se armasapreendidas como troféus na Primeira Guerra Mundial poderiam serrecondicionadasparauso,preocupava-se comosanimaisnoZoológicodeLondres durante os bombardeios e tratou de assegurar que rações decerveja chegassem antes aos homens na linha de frente que aos queestavam na retaguarda. Tentou até descobrir se era possível usar cerapara proteger a audição dos soldados durante bombardeios. 12 Váriasdessas solicitações, apelidadas de “rogos” porque costumavam começarcom as palavras “Rogo-lhe investigar…”, traziam também uma etiquetavermelha que pedia “Fazer Hoje”. No dia mesmo em que se tornouprimeiro-ministro, 10 de maio de 1940, por exemplo, além de todas as

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outras emergências criadas pelo ataque do Hitler ao Ocidente, Churchillaventouaidéiadeseconvidaroex-kaiserGuilhermeIIadeixarseuexíliodaHolandae irparaaGrã-Bretanha.(Estaserevelouumadassuasnovemás idéias diárias, segundoAlanbrooke, ou 94, segundoRoosevelt, e nãofoipostaemprática.)PorvezesoestiloativamenteparticipativodeChurchill ia longedemais.

Seu secretário particular Jock Colville lembrou como numa noite emChequers:

Fuiinstruído,comodecostume,atelefonarparaocapitãodeserviçoeo Almirantado e veri icar se havia alguma novidade. Não havianenhuma,eocapitãodeserviçoprometeuligar-meimediatamentecasoalguma coisa do mais ligeiro interesse fosse comunicada. Uma horadepois fui instruído a perguntar de novo, e um capitão de serviço,agastado, lembrou-me da promessa queme izera. Quando, por voltadas 2h, fui solicitado a tentar mais uma vez, apesar de todos osprotestos, o o icial irado, acordado de um sono de poucas horas,despejou em mim todo o vocabulário do tombadilho superior emtempos de crise. Churchill, ouvindo uma falação constante, supôs quenomínimoumcruzadorinimigoforaafundado.Tomouofonedaminhamão e recebeu uma saraivada de expletivos pouco lisonjeiros queclaramente o encantaram. Após ouvir por um ou dois minutos eleexplicouqueeraapenasoprimeiro-ministroeestavacuriosoporsabersehaviaalgumanotícia.13

Churchill escreveu: “Aqueles que estão encarregados dos negócios deEstado supremos devem se postar nos topos dasmontanhas do controle;não devem nunca descer aos vales da ação ísica e pessoal direta.” Noentanto, logo depois de ser feitopremier em 1940, ele avisou também aoseustaff que “umaadministração e iciente e bem-sucedida manifesta-setanto em grandes questões quanto em pequenas”. Em suas primeirassemanascomoprimeiro-ministro,chegouadarordenssobreotamanhodabandeira hasteada na fachada do Almirantado. “Churchill examinameticulosamentecadadocumentoquetemalgumarelaçãocomaguerraenão sepoupao trabalhode indagar sobreopontomais trivial”, escreveuumdeseussecretáriosparticulares.Davaordenssobrecoelhos,instruçõespara que a indústria do uísque não fosse afetada e chegava a alterar oscodinomesdeoperaçõesmilitaresindividuais.Hitler também se envolvia com as minúcias da condução da guerra,

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tendo em certa altura proibido pessoalmente as corridas de cavalo emBerlim,mashaviaumadiferençadecisivaentreeleeChurchill:asordensdoFührereramquasetodasemitidasporseusecretárioparticular,MartinBormann, e não assinadas por ele. O próprio Hitler quase nunca redigiaalgo, o que lhe permitia negar sua responsabilidade se as coisas dessemerrado,ousefosseminfamesdemaisparaseremvinculadasdiretamenteaele.“Nuncaponhaporescritoumaordemquepodeserdadaverbalmente”era a sua máxima. Isso lhe permitia (e a seus apologistas, embora comigual falta de credibilidade) negar sua responsabilidade por seus crimes,inclusiveopróprioHolocausto.Por outro lado, Churchill não tinha nenhum problema em assumir

responsabilidade.Defato,em21deabrilde1944,eledeclarouàCâmarados Comuns: “Não tenho nenhuma intenção de passar o resto de meusanos explicando, desdizendo e menos ainda desculpando-me por coisaalgumaquedissenopassado.”Noanoseguintefoimaislonge,dizendo:“Sesou acusado desse erro, posso apenas falar como M. Clemenceau numacélebreocasião:‘Talvezeutenhacometidovárioserrosdequeossenhoresnão tiveram conhecimento.’” Quando a Segunda Guerra Mundial foide lagrada,Churchilljáseacostumarahaviamuitoàcensura,atéàcalúnia,e já desenvolvera uma carapaça de rinoceronte para críticas. Qualquerpessoa que tivesse voltado à política ativa depois da debacle de Gallipoliprecisava ser paquidérmica. Como ele escreveu em relação a um outroassunto emMy Early Life, “Todos jogaram a culpa em mim. Percebi quequase sempre o fazem. Suponho que é por pensarem que serei o maiscapazdesuportá-la.”Churchill não entendia, é claro, por que devia arcar com culpa

desnecessariamente.EmcontrastecomHitler,preferia,naverdade,queascoisasfossempostasnopapel.ComosuamulherClementineaconselhouaogeneralsirLouisSpears:“Elemuitasvezesnãoescuta,ounãoouveseestápensando em alguma outra coisa. Mas irá sempre considerarcuidadosamenteumpapelemtodasassuasimplicações.Nuncaseesquecede nada que vê por escrito.” A mensagem devia ser breve, porém, einteiramente relevante. Em julho de 1940, Churchill emitiu o seguintememorandoparaosecretariadodoGabinetedeGuerraeemgrandeparteobservou-odurantetodaaguerra:“Que iquemuitoclaroeentendidoquetodas as ordens emanadas de mim são dadas por escrito,ou serãocon irmadas por escrito imediatamente depois, e que não aceitoresponsabilidade por questões referentes à defesa nacional em que se

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considera que tomei decisões, amenos que elas estejam registradas porescrito.”14Como o alto servidor público lorde Normanbrook lembrou, esse

memorandoproduziuumefeitoprofundoeimediato:“Atéentãoprimeiros-ministros que desejavam obter informação ou oferecer conselho a umcolega o haviam feito por carta—omais das vezes por correspondênciatransmitida em seu nome por secretários particulares. Agora, ministrosrecebiam mensagens diretas e pessoais, geralmente comprimidas numúnicoin quarto e enunciada numa linguagem que mostrava, sem deixarmargem para dúvidas, serem aquelas as palavras do próprio primeiro-ministro.”15 Memorandos desse tipo eram geralmente escritos no início enofimdecadadia.Churchillfoiumdosprimeiroslíderespolíticosmodernosareconhecero

valor da estatística e da análise quantitativa. Designou um amigo, oprofessorLindemann,comochefedeseuserviçodeestatística.Estereuniacerca de 20 pessoas, entre as quais economistas, aomenos um cientista,funcionários públicos e o cortejo usual de datilógrafos para produzir osrelatórios. Logo o serviço se provou de valor inestimável para Churchill,que sabia usar bem os dados. “Não pense em desenvolver umaargumentação em defesa de um ponto de vista particular”, escreveu.“Tenhamosantesosfatosfrios.”Consciente de ser uma criatura inusitada, Churchill quis também

assegurar que fosse permitido a pessoas fora do comum prosperar nosserviçosmilitar e civil. Poucas semanas após tornar-se primeiro-ministro,escreveunumacartaaAnthonyEden,ocupantedocargorecém-criadodesecretáriodeEstadoparaaGuerra:“Queremospessoasempreendedoras,e não tipos convencionais.” Cerca de seis meses depois, escreveu aomarechal-de-campo sir John Dill: “Não podemos nos dar ao luxo derestringir designações no Exército a pessoas que não despertaramnenhum comentário hostil em suas carreiras… Chegou a hora deexperimentar todos os homens de força e vigor e de não nos limitarmosapenas aos que são julgados absolutamente seguros por padrõesconvencionais.” Em conseqüência, pessoas que fugiam por completo aesses padrões, como o meio louco Orde Wingate, o homossexual AlanTuring e os acadêmicos excêntricos de Bletchley Park tiveram aoportunidade de dar suas relevantes contribuições para o esforço deguerra. Churchill acreditava em usar o talento onde quer que o pudesseencontrar, mesmo que isso signi icasse procurar além do âmbito dos

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costumeiramentequali icados.NumacartaasirJohnDillsobreobrilhantemas nada convencional general-de-divisão Percy Hobart, Churchillescreveu:“Nãosãosóosbonsrapazesqueajudamaganharguerras.Sãoosdissimuladoseosdesprezíveistambém.”Omelhorexemplodasnomeações inusitadasdeChurchill foipromover

seu amigo lorde Beaverbrook a ministro da Produção de Aeronaves emmaiode1940, sabendoquea ameaçade invasão sópoderia ser repelidapela supremaciaaérea. “The Beaver” era um barão da imprensacanadense; como se suspeitava de que ganhara seu dinheiro por meiosinescrupulosos, tinha uma reputação controversa, mas fora ministro daInformaçãonaGrandeGuerraesuacondiçãodeproprietáriodogrupodejornaisExpressfaziadeleumapotêncianopaís.Churchill era um expoente do que os gurus da administração chamam

hoje “MBWA”—managementbywalkingabout—ougerenciamento comenvolvimento. Visitava constantemente fábricas, silos de armas, torres dere letoreseassimpordiante.Logodepoisdese tornarprimeiro-ministro,foi ao Comando de Caças para ver por si mesmo do que precisavam. Omarechal-do-ar sir Hugh Dowding disse-lhe estar extremamentenecessitado de recursos extras— pilotos, capacidade de defesa noturna,mas acima de tudo demaior número de aviões. O problemamais grave,comoChurchill logodescobriu,eraaescassezdecaças.ChurchillcomeçouamudaressasituaçãodandototalapoioaBeaverbrook.Chegoumesmoanomeá-lo membro do Conselho Privado, desconsiderando as objeções doreiedeoutros.Felizmente, Beaverbrook logo se provou de extrema e iciência. Usava

técnicasopressivas,muitasvezesintimidantesparaconseguiroquequeriae a produção de aeronaves logo aumentou signi icativamente sob suaincitaçãoagressiva.Foramretiradosrecursosdosaviõesdebombardeioeele simpli icou processos burocráticos para conseguir pelo menos umaumento em curto prazo da produção de caças. Seu famoso pedido àsdonas de casa de panelas e frigideiras para serem fundidos contribuiumuito para elevar a consciência e o moral do povo, ainda que pouco dometalproduzidotenhasidodefatoaproveitadoemaviões.Na reunião de 3 de junho, sir Archibald Sinclair, o novo ministro da

Força Aérea, relatou que a Grã-Bretanha estava com um númeroperigosamentereduzidodepilotos.Duranteomêsdemaio,aproduçãodecaças fora decisiva, mas agora o número de pilotos, tanto quanto o deaviões,tornara-seumaquestãovital.ChurchilldisseaSinclairque,durante

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umavisitaaHendon,perceberagrandenúmerodepilotosabancadosatrásde escrivaninhas. “Faça uma limpa completa!” ordenou-lhe no autênticotomdeumdiretorexecutivomoderno.“Mantenha-meinformado.”Na altura de meados de agosto Sinclair havia conseguido mais pilotos

para acrescentar “aos Poucos” de antes; foi ajudado por Churchill,ignorando as queixas da Real Marinha, a ceder ao marechal-do-arDowding pilotos tomados do Fleet Air Arm, a aviação naval britânica. Oresultado da liderança de Churchill foi que o número total de pilotos decaça cresceu apesar das perdas constantes. Os alemães, por outro lado,não izeram nenhuma alteração. A cúpula da Luftwaffe permanecialetárgica;emagosto,Göringchegouasairparacaçaresedivertircomseupessoal.No dia 15 de setembro Churchill, visitou o quartel-general do Grupo II

doComandodeCaçasnoqueveioaser,porcoincidência,odiadecisivodabatalha da Inglaterra. De lá ele observou a batalha aérea crucialdesencadeadaetestemunhouagloriosavitóriadaRAF.Osucessodaquelediasigni icouqueainvasãoefetivamentenãoeramaispossível.Nodia17de setembro Hitler decidiu adiar a “Operação Leão-Marinho” por tempoindeterminado, embora o cancelamento da invasão só tenha sidoo icializadonodia12deoutubro,pretensamenteatéaprimaveraseguinte.Emjulhode1941aoperaçãofoidenovoadiadaporHitleratéaprimaverade1942, “alturaemqueacampanharussaestarácompletada”.Oquedefato ocorreu foi que, nodia13de fevereirode1942, o almiranteRaederteve sua reunião inal sobre o “Leão-Marinho” e levouHitler a concordarcom uma “retirada” completa. Churchill, porém, compreendendo que apercepçãodeumaameaçapermitia forjarumcompromissonacionalmaisforteeeraomeioperfeitoparamanteranaçãoatentaeunida,continuouaalertar de uma possível invasão, mesmo depois que mensagensdecodi icadaspeloprojetoUltra bohaviaminformadodequeoverdadeiroperigopassara.Seosalemãestivessemfeitoainvasão,esealongahistóriadasoberania

daGrã-Bretanhativessesidoencerradaem1940,issoteriaacontecidoemNeasden,nonortedeLondres.EraláqueselocalizavaobunkerparaondeChurchill e outrosministros graduados do governo deveriam se deslocarna eventualidade de uma tomada do centro de Londres pelos alemães, eeraaliqueChurchillterialutadoatéo im.Emsuasprópriaspalavras:“Sea longa história dessa nossa ilha deve inalmente terminar, que termineapenasquandocadaumdenósestivercaídonochão,sufocadonopróprio

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sangue.”ComoeleescreveusobreamortedocorajosopresidenteMolaraemSavrola:“Muitasvezesaconteceque,quandooshomensseconvencemdequetêmdemorrer,umdesejodeseconduzirbemededeixaropalcoda vida com dignidade sobrepuja todas as outras sensações.” 16 Assimpoderia ter sido comChurchill.Mesmo que a família real, as reservas deouro da Grã-Bretanha e a Real Marinha tivessem se retirado paracontinuar a luta a partir de Ottawa, no Canadá, Churchill estavaparticularmentedecididoapôr imemtudoaquilonacapitaldanação.(Seisso lhe teria sidopossível casoo eventoocorresse, é, decerto,umaoutraquestão,sendoimpossívelpreverasexigênciasdeumcenáriorealdepós-invasãoeconsiderando-sequeumprimeiro-ministrovivonoCanadáteriasidomuitomais útil para a causa que ummorto emNeasden.) A famíliareal tinha uma série de residências magní icas — entre as quaisMadres ieldCourt,Worcestershire—nasquais teria se abrigadoemsuatrajetóriarumoaonorteparaembarcarnaEscócia,eédi ícilacreditarqueChurchill não teria se deixado convencer a participar também da fuga,especialmentecasoissolhefosseordenadopelorei.Todosessesplanos,éclaro,erammantidossobrigorososigilo,porqueopropósitoprimordialdogoverno no verão de 1940 era opor-se a qualquer derrotismo, quesolapara tão profundamente a vontade dos aliados continentais decontinuaraluta.

Derrotaroderrotismo

NomeiodaretiradadeDunquerqueemmaiode1940,ChurchilldistribuiuatodososmembrosdoGabineteeautoridadesummemorandoquedizia:“Nesses dias sombrios o primeiro-ministro icaria agradecido se todos osseuscolegasnogoverno,bemcomoasautoridades,mantivessemummoralelevado em seus círculos; não minimizando a gravidade dosacontecimentos, mas mostrando con iança em nossa capacidade e nadecisãoin lexívelde levaraguerraadianteatéquetenhamosquebradoadeterminaçãodoinimigodesubmetertodaaEuropaaseudomínio.”Extinguir o derrotismo, ou, pior ainda, a suposta Quinta Coluna pró-

nazistaquesesupunhaestaroperandodentrodaGrã-Bretanha,eraumamissão fundamental para Churchill quando tentava conduzir a nação em1940. Em seu discurso pós-Dunquerque ele declarou: “O Parlamento nosdeupoderesparareprimircommãoforteasatividadesdaQuintaColuna,

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e faremos uso desses poderes, sujeitos à supervisão e a emendas daCâmara, sem a mais ligeira hesitação, até que estejamos convencidos deque essamalignidade emnossomeio foi extinta domodo e icaz”.Umdoslugares em que isso ocorreu foi em Ham Common, Richmond, onde, em1940-41, uma base secreta da agência de segurança MI5 chamadaLatchmereHouse foiusadaparaaprisionaros40principais suspeitosdeespionagemparaoinimigoecujointerrogatóriosedeumediantemétodosexpressamente proibidos pela Convenção de Genebra. Embora pouco seconheça sobre esse lugar sombrio — porque os arquivos do serviçosecretosobreoassuntosãomantidossobsetechavesatéhoje—,sabemosque foi láqueaMI5desmascaroupelaprimeiravezedepois“converteu”aquelesqueacreditavaestar trabalhandoparaosalemães,comumataxadesucessoquasetotal.Oprocessodereaçãoaoderrotismoemoutraspartesdopaísfoilevado

a cabo com um excesso por vezes absurdo de e iciência, tendo pessoascomunspresas simplesmentepor se queixar dospreçosnas ilas dopão.Chegou-se até a transformar em infração o ato de desencorajar a crençado povo na vitória.17 Em 1940 o crítico literário Cyril Connolly foi presonum hotel em Oxford pela polícia militar porque “parecia muitointeressado”na conversadeo iciaisbritânicospertodele. Seupassaporteemitido em Viena e o cargo de editor de uma revista literária levaram auma investigação por nadamenos que oito policiais, e ele só foi liberadodepois de provar que havia freqüentado tanto Eton quanto o BallolCollege.18 Umhomemde Leicestershire pegou uma pena de dois anos decadeia por dizer numpub que “não conseguia ver como poderíamosganhar a guerra”. Na realidade, porém, isso era algo que tampouco oprimeiro-ministro conseguia ver; em 1940, ele se viu compelido até aa irmar que os povos dominados pela Alemanha se ergueriam contra elaseoinvernofosserigoroso.Emmeadosde junhode1940,duranteaQuedadaFrança,Churchillse

dirigiu aopovopelo rádio,dizendo: “Temos certezaqueno im tudodarácerto.”ComHitlernaposiçãodesenhordocontinenteeuropeudeVarsóviaa Brest e de Narvik a Nápoles, com o pacto de não-agressão selado pelaAlemanhacomaRússiaaindavigorando, coma Itáliaemguerra contraaGrã-Bretanha,e comosnazistas tendoengolido11nações independentesem dois anos, Churchill estava reduzido à posição de Mr. Micawber emDavid Copper ield de Charles Dickens, que esperava contra a esperançaque“algumacoisaacontecesse”.Em18dejunhode1940,noquesetornou

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conhecido como o discurso da “Hora mais gloriosa”, Churchill tentouestabelecerosfundamentossobreosquais,nassuaspalavras,havia“boase razoáveis esperanças de vitória inal”. Mas, além de dizer que osprimeiros-ministros dos domínios haviam aprovado a decisão de seguirlutando,equeosfrancesespoderiamcontinuararesistir—oqueelesdemaneirageralnão izeram—,elepermaneciasemnenhumtipodereceitaracional para a vitória, a despeito do tom magní ico de sua linguagem.A irmou que, na luta homem a homem no ar, os pilotos britânicos eramsuperiores aos alemães equeosEstadosUnidos logo enviariamenormesquantidades de suprimentos e munições; mas essas eram no máximorazões por que a Grã-Bretanha poderia conseguir sobreviver, nãoexplicações sobre como seria possível desembarcar, no continente daEuropa, um exército que tomaria Berlim, derrubaria Hitler e ganharia aguerra.Churchill chegou mesmo a acenar com a possibilidade de que a

Alemanhaviesseadesmoronardemodosúbitoeinexplicável,emrazãodasimplessuperioridadedomoralbritânico,citandooque,segundoele,teriaacontecido em 1918: “Durante aquela guerra perguntávamo-nosrepetidamente: ‘Comovenceremos?’Eninguémeracapazderesponderaisso commuita clareza, atéque, no im,demaneira totalmente repentina,totalmenteinesperada,nossoterríveladversáriodesaboudiantedenós,eicamos tão saciados com a vitória que, em nossa estupidez, a jogamosfora.” Uma derrocada súbita e inesperada do moral alemão não era umplano de guerra plausível. O que Churchill sabia era que o ImpérioBritânico não poderia derrotar a Alemanha por si só; precisavadesesperadamentedealiados.

Embuscadealiados

Mesmo antes de se tornar primeiro-ministro, Churchill alimentara aesperançadearrastarosrelutantesEstadosUnidosparaaguerra.Depoisdeumalmoçocomeleemoutubrode1939,oembaixadorJosephKennedycon idenciouaseudiário:“Simplesmentenãocon ionele.Quasemedeuaimpressãodequeestariaprontoaexplodiraembaixadaamericanaejogara culpa nos alemães se isso pudesse pôr os Estados Unidos na guerra.”Churchill compreendeu, antes de qualquer outra pessoa do governoduranteaguerra,especialmentedepoisdaQuedadaFrança,queaajuda

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americana seria vital, e iniciou um esforço orquestrado de formação decoalizão antes mesmo de se tornar primeiro-ministro e apesar doanglófoboembaixadoramericano.AspropostasquefezaosEstadosUnidosculminaramnumdiscursonaMansionHousea20denovembrode1941,em que prometeu: “Se os Estados Unidos viessem a se envolver em umaguerra com o Japão, a declaração britânica seguiria em menos de umahora.”Hitler, em contraposição, subestimava por completo a importância de

alianças. Tinha um lado pragmático, como o provou o Pacto de Não-AgressãocomaUniãoSoviéticade1939,masessepacto sempre foi vistoapenas como uma medida de curto prazo. Segundo revelou emMeinKampf, “considerações táticas são relevantes”. Uma década depois, aodiscutir a necessidade da Alemanha peloLebensraum, disse: “Isso nãosigni ica que me recusarei a trilhar parte do caminho com os russos, seisso nos ajudar… Mas o faria com o único objetivo de retornar maisrapidamente a nossos verdadeiros ins.” 19 A idéia de permanecer iel aostermos de um tratado assim que ele deixasse de lhe ser vantajoso eratotalmentealheiaaomododepensardeHitler. Seuobjetivo ideológicodeconquistarespaçovitalparaaAlemanhanolestepesavamuitomaisqueasconsideraçõesmoraisoulegaisdeseresinferiores.Assim como subestimavam a importância de alianças, os nazistas só

manifestavamdesprezoporacordosinternacionais.Tratados,paraeles,naexpressão tipicamente escatológicadeGöring, “valiam tantoquantopapelhigiênico”. Em geral, Hitler deixava de consultar seus aliados sobre seuspassos seguintes. Não só rompeu o pacto com a União Soviética, abrindoassimumaguerraemduasfrentes,comodeixoudeinformarseusaliados— os italianos e os japoneses — sobre seus planos para a “OperaçãoBarba-Roxa”. Tratava a Itália com particular desdém, como um parceiroinferior cujos desejos podiam ser facilmente ignorados. Como dissedaquele país: “Mussolini pode ser um romano, mas seu povo é deitalianos.” Não espanta, portanto, que Mussolini tenha decidido, em suasprópriaspalavras, “pagarHitler emsuaprópriamoeda”quandoatacouaGrécia apenas três semanasapós ter sidoaconselhadoporHitler anãoofazeremseuencontronopassodeBrennerem4deoutubrode1940.Épossível que isso tenha tido um efeito funesto sobre a “Operação Barba-Roxa”.ComoaofensivagregadeMussolini foiumfracasso total,Hitler foiforçadoaocuparaIugosláviaemabrilde1941parairemauxílioàItália.Foi mais uma campanha relâmpago, terminada em seis semanas, mas

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provavelmente ela ajudou a adiar a invasão daUnião Soviética. O quantoessas seis semanas de primavera eram vitais tornou-se claro quando seviu que, tivesse tido um pouco mais de tempo, o exército alemão teriaconseguidochegaraMoscouantesdoiníciodoinvernorusso.Na primavera de 1941, Hitler deixou também de informar seu outro

aliado,oJapão,acercadainvasãoiminentedaRússia.Defato,confundiuosjaponeses deliberadamente dizendo-lhes: “A Rússia não será atacadaenquanto mantiver uma atitude amistosa em conformidade com otratado”.20TivesseHitler consultadoos japonesesantesda invasãoalemã,poderia talvez tê-los persuadido a invadir a Rússia simultaneamente. Naguerracivilrussa,forçasjaponesashaviamlutadonaSibéria,eumataqueapartirdoleste,paracoincidircomoataquedeHitlernoOcidente,poderiatersidodevastadorparaomoralrusso.Oquedefatoocorreufoique,emsetembro de 1941, o Alto Comando japonês decidiu adiar qualquer açãomilitarcontraaUniãoSoviéticaparadepois,trêsmesesmaistarde,atacarPearlHarbor sem avisar os alemães, levando os EstadosUnidos a entrarna guerra. Assim, o fracasso de Hitler na formação de uma coalizão deuorigem,decertaforma,aosonhoestratégicodeChurchilldeuma“GrandeAliança”entreoImpérioBritânico,osEstadosUnidoseaUniãoSoviética.Aimpressionante mestria diplomática de Roosevelt assegurou a adoção deumapolíticaaparentementeilógicade“aAlemanhaprimeiro”,ecomissoodestinodeHitlerfoipraticamenteselado.É claro que, durante toda sua vida pública, desde 1917, Churchill

partilharaodesprezodeHitlerpeladitaduracomunistanaUniãoSoviética.De fato, desde a época deSavrola, publicado duas décadas antes darevolução, o principal vilão do romance era Karl Kreutze, umrevolucionário socialista. Churchill havia liderado a convocação de umaintervençãoarmadacontraosbolcheviquesapós1918ealgumasdasmaisnotáveis ilípicasdesuacarreiratinhamsidodirigidascontraossoviéticos,quenelaseramchamadosde“cobrasmortíferas”,“frios,calculistas,cruéis,pacientes”, “o que há demais baixo” e até “a besta semnome”. Churchillnão permitiu, entretanto, que nenhuma dessas idéias do passado oin luenciassemcontraaoportunidadedeunirforçascomaUniãoSoviéticadepoisqueHitlerinvadiuaURSScomumaBlitzkrieg.Nodia22dejunhode1941,Churchillinformouopovobritânicosobrea

“OperaçãoBarba-Roxa”comaspalavras:“Às4hdestamanhãHitleratacoue invadiu a Rússia. Todas as suas formalidades usuais de per ídia foramobservadas com técnica escrupulosa.” Continuando, formulou a diretriz

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segundo a qual: “Todo homem ou Estado que lute contra o nazismo teránosso apoio. Todo homem ou Estado que marche com Hitler é nossoinimigo.”Estava disposto, portanto, a subordinar seus preconceitosideológicos à causamaior. Para seu secretário particular Jock Colville elehavia chegadomesmoa comentar, nanoite anterior ao ataque: “SeHitlerinvadisse o Inferno [eu] faria pelo menos uma referência favorável aoDiabo.”21 Churchill foi capaz de ceder: primeiro fazendo concessões aosamericanos,depoisfazendoumaaliançacomseuantigoinimigoideológico,Josef Stálin. Essa disposição à conciliação em prol do bem maior é umacaracterísticadaliderançainspirada.Falando da corte que fez aos americanos, Churchill disse uma vez a

Colville: “Nenhumamante jamaisperscrutoucadacaprichodesuaamadacomoeuo izcomosdopresidenteRoosevelt.”Em1941,quandoumanovaedição de seu livro de 1937Great Contemporaries foi lançada, ChurchillincluiuneleumartigoelogiosoqueescreverasobreFranklinD.Rooseveltem1934,dizendosobre suapresidência: “É certoqueFranklinRooseveltestará entre osmaiores homens que ocuparam aquela eminente posição.Sua generosa comiseração pelo humilde, seu intenso desejo de maioraproximação à justiça social, conferem-lhe um lugar elevado entre osgrandes ilantropos. Sua serenidade combinada com a diligência emmomentos de crise identi icam-no com famosos homens de ação.”22 Maistardenaqueleano,descreveuRooseveltparaoParlamentocanadenseemOttawa como: “Aquele grande homem a quem o destino assinalou paraesseclímaxdaventurahumana.”Esseintensodesejodelisonjeareencantarosamericanos,eemespecial

o líder deles, foi notado por Harold Ickes, ministro de Roosevelt, quecomentou que Churchill teria festejado Harry Hopkins, amigo erepresentante pessoal do presidente, mesmo que este estivessetransportandoapestebubônica.23Churchilleratambémcapaz,noentanto,defazerasameaçasmaissutis.Considere-searedaçãodamensagemqueenviouaRooseveltatravésdaembaixadaamericanaemLondresnodia15de junho de 1950, pedindo a intervenção americana antes que a Françacapitulasse.

Embora o atual governo e eu pessoalmente jamais deixaríamos deenviara frotaatravésdoAtlânticosearesistênciaestivessederrotadaaqui,épossívelquesechegueaumpontonalutaemqueosministrosatuaisdeixemdeterocontroledasituaçãoeemqueasilhasbritânicas

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poderiam obter condições muito confortáveis tornando-se um Estadovassalo do império de Hitler. Um governo pró-germânico seriacertamente instituídopara fazeraspazesepoderiaapresentaraumanaçãodespedaçadaou famintaumarazãoquase irresistívelparaumainteira submissão ao arbítrio nazista. O destino da frota britânica…seria decisivo para o futuro dos Estados Unidos porque, se ela fossesomadaàsfrotasdoJapão,daFrançaedaItáliaeaosgrandesrecursosda indústria alemã, Hitler teria em suas mãos um poder navalavassalador.Elepoderia,éclaro,usá-locommisericordiosamoderação.Maspoderiatambémnãoo fazer.Essarevoluçãonopodernavalpodeocorrermuito rapidamente e comcertezamuito antesqueosEstadosUnidos tenhamcondiçõesdeseprepararcontraela.Seafundarmos,osenhorpoderá terosEstadosUnidosdaEuropa sob comandonazista,muitomaisnumeroso,muitomaisforteemuitomaisbemarmadoqueodonovo[mundo].24

Pormaisqueospolíticosdeclaremnãoraciocinarcomhipóteses,defatoos que eram conscienciosos tinham de lidar todo o tempo compossibilidades futuras alternativas, e Roosevelt não era uma exceção.“Após ler isso”, escreveu seu leal conselheiro Henry Morgenthau nummemorando ao presidente, “amenos que façamos alguma coisa para daraos ingleses os contratorpedeiros adicionais, parece-me absolutamenteinútil esperar que eles continuem”. O resultado foi o acordo mediante oqual os Estados Unidos deram 50 contratorpedeiros à Grã-Bretanha emtroca de arrendamentos por 99 anos de várias bases militares nohemisférioocidental.Comosevê,osmétodosdeChurchill emrelaçãoaosamericanosnemsempreeramtãosuaveseuntuososcomoseusdetratorestendemapintar.Com o avanço da guerra, Churchill teve de admitir que a estratégia

militarglobalestavasendocadavezmaisdominadaporseusparceiros,osamericanoseosrussos,cujacontribuiçãoemtermosdehomens,dinheiroequantidadesdematerialbélicoeramuitomaiorqueadaGrã-Bretanha.Por um longo período em 1942 e 1943 Churchill alimentou a arriscadaidéia de “tomar a Europa a partir do sudeste” através dos vales dos riosdosBálcãs.Emboraochefedoestado-maior imperial,marechal-de-campolorde Alanbrooke visse essa aventura como pouco mais do que umafantasia, Churchill a considerava uma alternativa realista — e atépreferível — à “Operação Overlord”, a planejada libertação da FrançaatravésdocanaldaMancha.Osamericanostinhamamesmaavaliaçãode

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AlanbrookeeChurchill,rendendo-se inalmenteaessavisão,abandonouaidéia. Havia um intercâmbio constante entre Churchill e os chefes doestado-maior, sobre os quais ele disse em janeiro de 1944: “Eles podemdizer que eu os levo pelo mau caminho, mas a cada curva descobriramfrutasdeliciosasehortaliçassadias.”Àmedidaque a guerraprosseguia, Churchill constatavaque seupapel

era cada vez mais o de aconselhar, e não de liderar — e muito menoscontrolar — Washington e Moscou. É uma posição a que Hitler talvezjamais tivesse se adaptado; enquanto Churchill era um tirano amador,ocasional, Hitler só teria podido ser um tirano em tempo integral. “Quenação pequena somos”, foi a observação de Churchill a respeito daConferência de Teerã comRoosevelt e Stálin em novembro-dezembro de1943. “Láestavaeucomoenormeursorussodeum lado…edooutrooenormebúfaloamericano,eentreosdoisopobreburrinhoinglês.”Apesarde tudo, o burro desenvolveu um meio e icaz de manter sua in luênciasobrea conduçãodaguerra.Eraomesmométodoqueoso iciaisdo staffde Churchill usavam contra ele quando queriam adiar uma de suasmaquinações favoritas ou dissuadi-lo de um plano que julgavamimpraticável — concordavam em princípio no início e depois tentavamafogaraidéianummardeobjeçõesponderadas.Depoisdaguerra,DwightEisenhower,oex-comandantesupremoaliado

dissesobreChurchill:

Passavamausmomentostentandoresistiraseusargumentos.Maisdeumavezeleme forçoua reexaminarminhasprópriaspremissasparameconvencerdenovodequeeuestavacerto—ouaceitarsuasolução.Mas se a decisão lhe era contrária, aceitava-a de bom grado, e faziatudo o que estava em seu poder para sustentá-la com a açãoapropriada. Liderança por persuasão e aceitação sincera da decisãocontráriasãoamboselementosfundamentaisdademocracia.

Churchill usava todas as armas dialéticas e emocionais possíveis paraassegurar que as decisões não fossem contra ele. Segundo o diretor daInteligênciaNaval,almiranteGodfrey,entreelasestavam“persuasão,raivarealousimulada,zombaria,afronta,explosões,caçoada,escárnio,insultoelágrimas”.Eraprecisoumhomemduro,comoerasemdúvidaomarechal-de-campo lordeAlanbrooke, para suportar essesmétodos emuitas vezessuperá-los.

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Otriunfodavontade

ReconhecendoquemuitasdasvitóriasdeHitlertinhamresultadodamaiorforçadevontadedoditador,Churchill resolveumostrarque sua forçadevontadeeraigualmentegrande.Emsuaemissãoradiofônicade14dejulhode1940,declarou:

Posso compreender facilmente que observadores solidários do outroladodoAtlântico, ou amigos ansiososnospaíses daEuropa aindanãoviolentados,semcondiçõesdeavaliarnossosrecursosounossa irmezadepropósito,possamtertemidopornossasobrevivênciaquandoviramtantosEstados e reinosdespedaçados empoucas semanas, oumesmodias, pela forçamonstruosadamáquinade guerranazista.MasHitlerainda não foi confrontado por uma grande nação com uma força devontadecomopoderdasua.

Churchillsabiaquepartedopapeldolíderéconvenceropovoquelideradequetemaforçadevontadenecessáriaparamoldarosacontecimentos,enãosermeramentearrastadoporeles.Ohábitodeprojetarseumaxilarsaliente,quasenumacaricaturadeumbuldogue,enfatizavaisso.Decertamaneira,eleconseguiatambémtransformarsuabengala,queemqualqueroutro idoso poderia parecer um sinal de enfermidade, num poderososímbolo de desa io, como o demonstra demaneira eloqüente sua estátuana Parliament Square deLondres, da autoria de Ivor Roberts-Jones. Eleusavasualinguagemcorporalparatransmitiramesmamensagemquesualinguagemverbal.Durante 1940 e a primeira metade de 1941, embora regularmente

superestimassedemododeliberadoaschancesdevitória,Churchillnuncasubestimouosperigoseasdi iculdades.Essaposição fezdeleoobjetodeum grau de con iança nunca visto antes na política. Quando o perigo erareal, como durante a batalha da Inglaterra no inal do verão de 1940, oprimeiro-ministropareciaquase saborear a longa listade revesesque seabateramsobreaGrã-Bretanhadesdequeassumiraocargo.Sóum líderemcircunstânciasextraordináriasteriapodidotransformaremverdadeiravirtude semelhante série de catástrofes. Num discurso que fez a 20 deagostode1940eleinformou:

Bemmais de umquarto de ano se passoudesde que o novo governochegouaopodernestepaís.Quecataratadedesastresdesabousobre

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nós desde então! O con iante holandês esmagado; seu amado erespeitado soberano compelido ao exílio; a pací ica cidade deRotterdamcomopalcodeummassacremais abominável ebrutalquequalquer coisa na Guerra dos Trinta Anos; a Bélgica invadida edestruída; nossa excelente Força Expedicionária, que o rei Leopoldochamou em seu socorro, detida e quase capturada, tendo parecidoescaparquasepormilagreecomaperdade todooseuequipamento;nosso aliado, a França, fora de combate; a Itália contra nós; a Françatoda em poder do inimigo, todos os seus arsenais e grandesquantidadesdematerialmilitarconvertidosouconversíveisaousodoinimigo; um governo fantoche estabelecido em Vichy que a qualquermomentopodeser forçadoase tornarnosso inimigo;acostaoestedaEuropa,desdeocaboNorteatéafronteiraespanholaemmãosalemãs;todososportos,todososaeroportosnessaimensafrenteusadoscontranós como trampolins para a invasão. Ademais, o poder aéreo alemão,numericamente tão superior ao nosso, foi trazido para tão perto denossas ilhas que o que antes temíamos enormemente tornou-serealidadeeosbombardeiroshostisnãosóchegamàsnossascostasempoucosminutos e de várias direções, como podem ser escoltados porseusaviõesdecaça.

Era uma ladainha aterradora, mas Churchill conseguia de algum modoconverteroprópriohorrordasituaçãonumaestranhaespéciedevirtude.A alegação de que a Alemanha conquistara suas vitórias mediantesurpresa, mentiras e trapaças voltava à tona regularmente em seusdiscursos,mas agora ele parecia estar sustentandoque os britânicos, atéentão crédulos, estavam concebendo seus próprios métodos torpes, e aabsolutasuperioridademoraloslevariaàvitória.Maisumavez,issopodiaparecerinteiramenteilógiconocontextodaguerramoderna,masChurchillcompreendiaque,tantoquantodepuracoragem ísica,armasemunições,era de coragemmoral que os britânicos precisavam em1940, e aplicavatodas as suas habilidades de liderançaà missão de lhes fornecer essacoragem.Eletalveznãofosseohomemcertopara levaraGrã-Bretanhaàpaz em1945, oupara liderá-la novamentenadécadade1950,mas suastécnicas de liderança foram e icazes em persuadir os britânicos aperseverarnos13mesescruciaisentreaquedadaFrançaeainvasãodaRússia por Hitler. Em grande parte, isso foi se deve à total irmeza depropósito, e há certa ironia no título que Leni Riefenstahl escolheu paraseu ilmesobreHitler, Otriunfodavontade, jáque,no imdascontas,foia

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vontadedeChurchillquetriunfou.

Ousodatensãocriativa:ChurchilleAlanbrooke

“Estelivronãodeveserpublicadoemnenhumacircunstância”,escreveuomarechal-de-campolordeAlanbrookenaprimeirapáginadeseudiáriodaguerra, e é fácil entender por quê.25 Como o “mestre da estratégia”, ohomem a quem Churchill implorara para ser o soldado de mais altapatente da Grã-Bretanha, Alanbrooke foi o repositório de todos os maisimportantes segredos de guerra. Mesmo quando foram publicados em1957, como parte de uma autobiogra ia de Alanbrooke, os apontamentosdo diário foram fortemente censurados, tanto por razões de segurançanacionalquantoportemordeantagonizar iguraspoderosascomooentãopresidenteamericanoDwightEisenhowereosantigosprimeiros-ministrosWinstonChurchilleAnthonyEdeneoatual,HaroldMacmillan.Em2001eles forampublicadosna íntegrapelaprimeiravez,eembora

havia muito tempo não fosse segredo que Alanbrooke nem sempreconcordavacomChurchillemassuntosestratégicos,sóentão icoupatenteque,durantegrandepartedaguerra,elemalconseguiasuportartrabalharcomoprimeiro-ministro.(Churchill,poroutrolado,parecenãoterdirigidonenhumamalevolênciarecíprocaaAlanbrooke.)A in luência de Alanbrooke na estratégia global di icilmente pode ser

superestimada.Foiele,maisatédoqueChurchillouoGabinetedeGuerra,queplanejouos estágiospelosquais aAlemanhanazista seriaderrotada.Foi ele que formulou a seqüência decisiva da África do Norte, Itália eNormandia como caminho a seguir rumo a Berlim. Ficou claro queAlanbrooke — antes considerado o militar de alta patente tipicamenteduro, sem senso de humor — era também um homem apaixonado,propenso a acessos de depressão e euforia, e também de fúria contramuitosdoshomenscomquemtinhadetrabalhar,emespecialosgeneraisMarshall,EisenhowerePatton,econtraboapartedoestablishmentpolíticoemilitarbritânico.A abordagem meticulosa de Alanbrooke não raro entrava em choque

comaquelamais aventureiraqueocorrianaturalmenteaChurchill. Era adicotomiaentreojogadordexadrezeodepôquer.Apesardisso,pormuitoque possaterdiscordadodeles,Churchill jamaisdesautorizouseuschefesdo estado-maior. A sombra do desastre de Gallipoli na Grande Guerra

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aindapairava sobre ele, e eraprudenteobastanteparanão se iarmaisemseugênioimpulsivodoquenosargumentoslógicosdeAlanbrooke.Porsuavez,Alanbrookeconsideravaseudever impedirChurchilldeenvolveraGrã-BretanhanumaoutraGallipoli,missão emque foi bem-sucedido aocancelar os planos de Churchill para um ataque aos Bálcãs em 1943 e àSumatraem1944.Embora os memorandos do Comitê dos Chefes do Estado-Maior no

Departamento de Registros Públicos forneçam as linhas gerais e factuaisdo que era discutido e convencionado nas reuniões, os diários deAlanbrooke recheiam a história e registram as brigas explosivas que sedesenvolviam entre os jogadores-chave. Longe de serem as igurasimpassíveis, olímpicas, que apropagandade guerramostra, Churchill e oAltoComandobritânicoporvezessedesesperavam,semsaberquepassodaremseguida,emergulhavamemdiscussõesdurassobreomodocomoaguerradeviaserconduzida.Enquanto Churchill era romântico, impetuoso e inspirador, o chefe do

estado-maior imperial era cauteloso, pessimista, in lexível e comedido.Ambos eram homens combativos, determinados, compulsivos e ansiosospordominar.Atensãopessoalentreelesacabouportrabalhara favordaGrã-Bretanha, assegurando que a estratégia mais ampla combinasse ogêniodeChurchillcomopro issionalismodeAlanbrooke.Eraumarelaçãode trabalho di ícil,muitas vezes exasperante que, não obstante, ajudou avenceraSegundaGuerraMundial,aindaquedepoistenhamalogrado.“Brookie quer o melhor de dois mundos”, comentou Clementine

Churchill quando a biogra ia dele foi publicada em 1957 e Churchillrecebeuumexemplarcomumauntuosa—e,nascircunstâncias,umtantohipócrita — dedicatória. Como Montgomery disse ao autor do livro, ohistoriadorsirArthurBryant,Churchillficou“realmenteirritadíssimo”como livro, a primeira rachadura no edi ício de sua reputação durante aguerra.Teria icadoapopléticosetivesselidooqueAlanbrookeeBryantjáhaviamexpurgadodosdiários.É preciso lembrar, contudo, quemuitas vezes Alanbrooke foi generoso

com Churchill em seu diário, além de ter ressaltado regularmente que oescreveraemtemposdetremendoestresse,muitasvezestardedanoite,eaquilo era uma maneira de descarregar a tensão e evitar assim dedespejarsua irritaçãosobreseuscolegas.Osdiários,portanto, impedirambrigas tão numerosas quanto as que documentaram. Nos principaisdebates estratégicos da guerra, e sobretudo no adiamento da Segunda

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Frente até junho de 1944, quando os Aliados estavam devidamentepreparados,provou-sequeAlanbrookeestavacerto,e foimuitasortequeumhomemadmirávelestivesseláemvezdealgumafiguramaisfraca.O que salvou Churchill desses desatinos militares potencialmente

desastrosos foi que ele respeitava as pessoas que o enfrentavam semmedoenãodouravamapílula.De fato, cabeatribuir-lheograndeméritodeternomeadoAlanbrookeprecisamenteporsaberqueeleoenfrentaria,algomuitodistantedapráticapadrãodapolíticadehoje.Comoogeneralamericano George Patton disse uma vez: “Quando todos concordam,alguémnãoestápensando.”Atéosmelhoreslíderesfracassamquandonãopermitem a outros discordar deles; esse foi um erro que Churchill nãocometeu.OsdiáriosdeAlanbrookeforamumaválvuladeescapeparaumsoldado

quetrabalhavasobumapressãopolíticaemilitarsemparalelonahistória.Quando quebrava mais um lápis ao meio com as palavras “primeiro-ministro,discordoredondamente”,eleestavacumprindoseudevermelhorquequalqueroutrogeneralaliadonoserviçoativo.PartedagrandezadeChurchillresidenofatodeternomeadoAlanbrookee,posteriormente,deteraceitado,aindaquecomrelutância,oseuconselho.Parte da autocon iança implícita de Churchill decorria do fato de que,

numdeseusmaioreschoquescomoschefesdoestado-maior,suaousadiaprovara-se correta. Foi uma decisão muito corajosa reforçar o OrienteMédio em julho de 1940, quando a batalha da Inglaterra ainda estavasendo disputada, implicando no envio de quase metade dos tanquesdisponíveisparaalémdocabodaBoaEsperança.ObiógrafodeChurchillRoy Jenkins acredita que sem essa vitória notável sobre os chefes doestado-maior, “Talvez não se tivesse mantido o Egito em 1941/início de1942, e o deserto Ocidental talvez não tivesse sido o palco da primeiravitória decisiva da Grã-Bretanha em terra no inal desse segundo ano”. 26Compreensivelmente, isso levou Churchill a adotar uma postura maisbeligerantedoqueteriaemrelaçãoaoschefesdoestado-maior.Em conseqüência, foi-lhe ocasionalmente permitido prevalecer sobre o

conselhomaiscautelosoeprudentedoschefes.ComoohistoriadormilitarJohnKeeganescreveu:

Algumasde suas iniciativas resultaramemverdadeirodesastre, comosuainsistência,contraoconselhoamericano,eminvadirasilhasgregasDodecanesoem1943.Elecometeutambémoerromilitarfundamental

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dereforçarofracasso,comonadecisãodedesembarcara18ªDivisãoemCingapuraem1942.Eladesembarcounocativeirojaponês.27

Adotandoastáticasdeadiamentoedeobstruçãoveladadeseuprópriostaff, Churchill conseguiu adiar a “Operação Overlord” até 1944, emboraStálin estivesse pedindo uma segunda frente no Ocidente desde 1942 eRoosevelt pretendesse iniciar a invasão em 1943. Temendo asconseqüências desastrosas de uma invasão fracassada, Churchill insistiuna necessidade de enfraquecersu icientemente os alemães antes de setentar uma operação através do canal daMancha. Com astúcia, atraiu osamericanos para ações diversionárias no Oriente Médio e na Itália,impedindo assim o início prematuro da “Overlord”. Em retrospecto,Churchill estava absolutamente certo. É mais do que duvidoso que umainvasão em 1943 pudesse ter tido êxito, e pode-se a irmar que oadiamento da “Overlord” — após o fortalecimento do propósito da Grã-Bretanha em 1940-41 — foi a contribuição isolada mais importante deChurchillparaavitóriaaliada.

HitlerfaladeChurchill

“FoimuitoesquisitoojeitocomoaInglaterrasemeteunestaguerra”,disseHitleraseusconvidadosnoBerghofnanoitede18deoutubrode1941.“OhomemqueconseguiuissofoiChurchill,aquelemarionetedosjudeusquepuxamoscordões.” 28 Comonãoéde surpreender, Churchill vinha àbailana mesa de Hitler quase com a mesma freqüência com que Hitler nosdiscursosdeChurchillnaCâmaradosComuns,comacrimôniaquaseigualmasnemumapartículadagraça.Nanoitede7de janeirode1942Hitlercomentou com seus homens de con iança: “Nunca conheci um inglês quenão falasse de Churchill com reprovação.Nemum só que não tenha ditoqueeleera louco.”Continuando,a irmouqueChurchillestavaasoldodosEstados Unidos e que era “um jornalista grosseirão”. Em conseqüênciadisso,acreditavaoFührer,“AoposiçãoaChurchillestáganhandoforçanaInglaterra. Sua longa ausência [nos Estados Unidos] a provocou”. Emseguida previu que a Grã-Bretanha talvez saísse da guerra antes do im.Cinco dias depois, na noite de 12 de janeiro de 1942, voltou ao assunto,dizendo:“Churchilléumhomemcomumaidéiapolíticaultrapassada—ado equilíbrio de poder europeu. Ela não pertence mais à esfera darealidade. No entanto, foi por causa dessa superstição que Churchill

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instigou a entrada da Inglaterra na guerra. Quando Cingapura cair,Churchill cairá também; estou convencido disso. As idéias representadaspor Churchill não são do interesse de ninguém, em suma, a não ser dosjudeus.”Antes que o mês terminasse, Hitler estava re letindo sobre como “a

Inglaterra só pode ser viável caso se associe ao continente. Ela deve sercapazdedefender seus interesses imperiais dentroda estruturadeumaorganizaçãocontinental.”Omomentoidealparaissoocorreriadepoisqueo8ºExércitotivesseretomadoBengasi,oquesedeunavésperadoNataleque,naopiniãodeHitler,restabeleceriaoprestígiomilitarbritânico,sendoportanto obviamente “o momento psicológico para pôr im à guerra”. OprincipalproblemacontinuavasendoChurchill,que“nofundoaindaestavapensando na Rússia”. Hitler não percebia que, caso a Rússia triunfassesobre a Alemanha, a Europa icaria imediatamente sob a hegemonia deumagrandepotência.29Essa preocupação com seu adversário estava se transformando numa

espéciedeobsessão,pois,passadasapenas48horas,aomeio-diade2defevereiro,Hitler retornouaoassunto,opinandoque “Churchillé comoumanimal encurralado. Deve estar vendo ciladas em toda parte. Se oParlamento lhe dermaiores poderes, suas razões para estar descon iadopersistirão.EleestánamesmasituaçãoqueRobespierrenasvésperasdesuaqueda. Somente louvores eramdirigidos ao virtuoso cidadão, quandode repentea situação se inverteu.Ninguémmais apóiaChurchill.”QuatrodiasdepoisoFührerpreviuisto:“Diavirá,duranteumasessãosecreta[daCâmaradosComuns],emqueChurchillseráacusadodetrairosinteressesdo Império…muitos de seus opositores já estão deixando escapar várioscomentários desabonadores.” Tentou então uma piada bastante pesada:“Osinglesesnãotirarãonadadestecasoanãoserumaliçãoamargaeumolho roxo. Se no futuro fabricaremmenos uísque, isso não fará nenhummalaninguém—acomeçarporelesmesmos.Nãonosesqueçamos,a inalde contas, dequeelesdevem tudooque está acontecendoaumhomem,Churchill.”Cingapuracaiunodia15defevereirode1942,oquelevouHitleraum

ódio ainda mais intenso, especialmente depois que icou claro queChurchillnãoseriaafastadoporcausadisso.NumjantarcomRommeltrêsnoites depois,Hitler disse: “Churchill é o protótipodo jornalista corrupto.Nãoháprostitutapiornapolítica.Elepróprioescreveuqueéinimaginávelo que pode ser feito na guerra com a ajuda dementiras. É uma criatura

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totalmente imoral, repulsiva. Estou convencido de que tem um refúgiopreparadodooutro ladodoAtlântico.Obviamentenãobuscará abrigonoCanadá. Lá ele levaria uma surra. Vai para junto de seus amigos, osianques.” Na noite seguinte, tendo Speer e o marechal-de-campo ErhardMich como convidados, Hitler discutiu o terrível inverno russo que seabatera sobre os exércitos alemães no Leste: “Sempre detestei a neve;você sabe, Borman, que sempre a detestei. Agora sei por quê. Era umpressentimento”.Churchill achava que Hitler certamente não precisava de um

pressentimento para saber da probabilidade de nevascas intensas naRússiaduranteo inverno.Numdiscursopelo rádionodia10demaiode1942,fezaseguintezombaria:

Depois Hitler cometeu seu segundo grande desatino. Esqueceu-se doinverno russo. Há inverno na Rússia, sabiam? Por muitos meses atemperatura tende a icar muito baixa. Há neve, geada e tudo mais.Hitleresqueceu-sedo invernorusso.Deve terrecebidoumaeducaçãomuitodesleixada.Todosnósouvimosfalardessaestaçãonaescola;maseleesqueceuisso.Nuncacometiumerrotãocrassocomoesse.

Quatro dias depois que Hitler atacou a Rússia, Churchill quali icou-onuma transmissão radiofônica como “Um monstro de perversidade,insaciávelemsuaânsiadesangueepilhagem”.No inal demarço de 1942 os britânicos ainda não tinham derrubado

Churchill, mas Hitler estava começando a temer que Stafford Crippspudesse substituí-lo. Isso levou a uma espantosa explosão do Führer:“Pre irooporcoindisciplinadoque,acada24horaspassaoitobêbado,aopuritano. Um homem que gasta demaneira extravagante, um homem deidadequebebeefumasemmoderação,éobviamentemenostemívelqueobolchevique de poltrona que leva uma vida de asceta. De Churchillpodemos en im esperar que, num momento de lucidez — isso não éimpossível —, compreenda que o império está caminhandoinevitavelmenteparasuaruínaseaguerradurarmaisdoisoutrêsanos.”QuetributoparaStaffordCrippsqueHitleroodiasseetemesseaindamaisque a Winston Churchill, e que ilusão de Hitler acreditar que Churchilljamaissedisporiaa fazeraspazescomaAlemanhadepoisdetudooqueacontecera,mesmoquefosseparasalvaroimpério.Na altura de 27 de junho de 1942, Hitler elaborara um plano de fato

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extraordinário para descobrir as intenções dos britânicos. Durante umafala bombástica sobre o longo tempo que Churchill e Roosevelt estavamdedicando a negociação — do que concluiu que os dois provavelmentehaviam se desentendido—o Führer disse: “O problemade longe omaisinteressante do momento é, que irá a Grã-Bretanha fazer agora?”AcreditavaqueotrabalhodeencontrararespostapertenciaaoMinistériodas Relações Exteriores da Alemanha, sediado na Wilhelmstrasse,acrescentando:“Amelhormaneiradeconseguirissoseriapormeiodeumpequeno lertecoma ilhadeChurchill.MasnossoMinistériodaRelaçõesExteriores, e em particular seus galantes diplomatas, consideram taismétodos abaixo de sua dignidade, e não estão dispostos a fazer esseagradávelsacri ício,aindaqueosucessopudesseprovavelmentesalvarasvidasdeincontáveisoficiaisehomensalemães!”30Como exatamente, em plena Segunda GuerraMundial, mesmo osmais

“galantes” dos diplomatas alemães teriam conseguido in iltrar-se noServiço Territorial Auxiliar e empreender a sedução da mais jovem dastrês ilhas de Churchill — como Sarah e Diana eram casadas, é de sepresumirqueeletivesseemmenteMary,entãocom19anos—nuncafoiexplicado. O pendor de Hitler para manipulações claramente não seestendia àsdo tipoamoroso.OFührer estava tambémmanifestandoumatocante ilusão de solteirão de que um pai con ia à ilha os detalhes daconduçãoprincipaldaguerra. (LadySoamesgarantiu-meter todacertezadequenenhumaoperação“cupido”dessetipofoiarmadacontraela.)Na noite de 1º de julho de 1942, Hitler, que continuava alimentando

esperanças de que Churchill fosse ser derrubado por um golpe interno,declarouaseusconvidados:“ParaChurchilleseusdefensores,aperdadoEgito deve gerar inevitavelmente temores de um considerávelfortalecimentodaoposiçãopopular.Nãodeveríamosperderdevistaofatode que já há 21 membros doParlamento opondo-se abertamente aChurchill.”Suaprecisãofoidemonstradaquando,jánodiaseguinte,numamoçãodecensuranaCâmaradosComuns,enquantoRommel levavao8ºExército de volta a El Alamein, o governo de Churchill ganhou por 475votos a 25. “Nunca iz previsão alguma”, disse o primeiro-ministro aosparlamentares,“excetodizercoisascomoCingapuravairesistir.Quetoloepatifeeuteriasidodizendoqueelacairia!”Hitler voltou a mencionar Churchill uma semana depois, no dia 9 de

julho, ao defender a razoável idéia de que era errado “retratar seuopositor da maneira como Churchill retratara Rommel. O mero nome

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começa de repente a adquirir um valor igual ao das várias divisões.Imaginem o que aconteceria se passássemos a pôr o Timoshenko [ogeneraldoExércitoVermelho]nasalturas;nossossoldadosacabariamporvê-lo comoumsuper-homem.”Emretrospecto, édi ícildiscordarda idéiadeHitlerdequeamiti icaçãodeRommelcomo“aRaposadoDeserto” foiumimensoerrodepropagandadapartedosAliados.Durante a visita de Churchill a Stálin em agosto de 1942,Hitler tentou

novamente perscrutar amente de seu antagonista: “Penso que Churchillestava esperando algum desdobramento importante e foi a Moscou naesperança de retornar com o prestígio do autor de uma grande façanha.Eles tinham tidoalgumprojeto importante emvista, estou convencido:docontrário, por que teriam mandado a frota mediterrânea para o mar?”Evidentemente,épartedodeverdeumlídertentarcompreenderoqueaoposição está pensando, mas Hitler partia de idéias preconcebidas e deequívocos tão negativos acerca de Churchill — que era bêbado, quasesenil, e agia “sob as ordens de seus pagadores judeus”— que não tinhanenhuma possibilidade real de sucesso. “Churchill, a prostituta velha egastadojornalismo”,esbravejounodia29deagostode1942,“éumporcosemprincípios.Umaleituraatentadesuasmemóriasprovaisso;nelaselese desnuda diante do público. Deus ajude uma nação que aceita aliderançadeumaCoisacomoessa!”31

ChurchillfaladeHitler

AscríticasdeChurchillaHitlereram,comoseriadeesperardetalmestredo escárnio parlamentar, muito menos ignóbeis e exibiam umacompreensão do caráter de Hitler que absolutamente não tinhacorrespondência. Em sua atividade jornalística, ele fez várias referênciaspositivas a Hitler na época em que os nazistas pareciam um baluartecontraocomunismoalemão,culminando,em1935,comaobservação:“Osque se encontraram com Hitler face a face num evento público ousocialmente depararam-se com uma autoridade competentíssima, umhomemcalmo,bem-informadoedemaneirasafáveis,comumsorrisoquedesarma, e poucos deixaram de ser afetados por um sutilmagnetismopessoal.” (Churchill teve a coragem moral de manter essa frase nareimpressão deGreat Contemporaries feita em 1941.) Nessa obra eleescreveu também sobre Hitler: “Foi ele que exorcizou o espírito de

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desespero da mente alemã substituindo-o pelo não menos malé ico, masmuito menos mórbido, espírito de vingança.” Quatro décadas antes, emSavrola,ChurchilldescreveraorepulsivosecretárioparticularMiguel,umaespécie de Iago proveniente das “regiões infernais” assim: “Era pequeno,morenoemuito feio,comumrostoenrugadopela idadeepelavidaentrequatroparedes. Suapalidez ressaltava aindamaispor contraste com seucabeloeobigodecurto,ambosdaquelenegrorarroxeadoqueanaturezaéincapazdealcançar.”32Foi do início ameadosdadécadade1930queChurchill compreendeu

—muitoantesdequalqueroutra iguraimportantenapolíticabritânica—que Hitler poderia se transformar numa ameaça ainda maior que oscomunistas.Naalturadejunhode1939eleestavaindagando:

Eleexplodiráomundoounão?Omundoéalgomuitopesadopara seexplodir!Umhomemextraordinárionoaugedopoderpodepromoveruma grande explosão, e ainda assim o mundo civilizado podepermanecer inabalado. Os enormes fragmentos e estilhaços daexplosão podem cair estrondosamente sobre sua própria cabeça edestruí-lo…masomundocontinuará.

Poucoantesdade lagraçãodaguerra,em20deagostode1939,ChurchillestavapintandocomseuprofessorPaulMaze,eenquantotrabalhavajuntoa seu cavalete fazia comentários esporádicos sobre os tamanhos e asforçasrelativasdosexércitosalemãoefrancês.“Elessãofortes,ouçaoqueestou dizendo, são fortes”, disse, antes de cerrar omaxilar, mostrando aMaze a determinação férrea de sua vontade. “Ah, mas com tudo isso,vamosapanhá-los.”33Churchilltinhamuitapráticadetentarsepôrnaposiçãodeseuinimigo

no intuito de adivinhar suas intenções, em especial nos jogos de guerradisputados no Almirantado. Chegara até a assistir, a convite do kaiserGuilherme II, às manobras do Exército alemão antes da Grande Guerra.Assim, no dia 30 de junho de 1940, num encontro em Chequers com ogeneral sir Andrew Thorne para discutir uma possível invasão alemã daGrã-Bretanha, Churchill tentou pôr-se no lugar do Führer, dizendo estar“inclinado a pensar que houvera necessidade de alterar os planos deHitler: H. não pode ter previsto a derrocada da França e deve terplanejado sua estratégia de invasão na suposição de que os exércitosfrancesesestariamresistindonoSomme,oupelomenosnoSena,equeasForças Expedicionárias Britânicas ou os estariam auxiliando, ou teriam

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sidocompletamentedestruídas.”PorissoChurchillnãoaceitavaateoriadeque Hitler era um estrategista consumado que traçara planos para ainvasãodaGrã-BretanhaapósnocautearaFrançanumacampanhadeseissemanas.Estava certo: Hitler não cogitara seriamente de uma invasão das ilhas

britânicas e só ordenara ao pessoal de planejamento do OKW queelaborasse propostas detalhadas para “Leão-Marinho” em setembro,quandojáestavatardedemaisparaaoperação.OgeneralThornesaiudoencontro de Chequers com uma idéia surpreendente, dizendo a Colville:“Winston era mais vital para este país do que Hitler para a Alemanha,porque o primeiro era único e insubstituível enquanto o segundoimplantaraumaescoladelíderes.”DiantedoqueColvillefez“ocomentárioóbvio”: “Hitler pode ser um cabo autodidata e Winston pode ser umestudioso perfeito de táticas, mas no im das contas a Alemanha estáorganizadacomoumamáquinadeguerraeaInglaterramalcompreendeuosignificadodeumaguerramoderna.”34Churchill gostava de personi icar a luta em todas as oportunidades,

chamandoHitler“AqueleHomem”edeclarandoemcertaaltura,acercadeuma das propostas de paz do Führer: “Não pretendo dizer coisa algumaem resposta ao discurso deHerr Hitler, já que nós não nos damos.” Umelemento-chavede suas táticas era a total demonizaçãodeAdolfHitler, aquem — diferentemente do que fazia com Rommel — não atribuíanenhumaqualidadecompensadora.“Eleestátramandoetrabalhando,portodaespéciedemeiosastuciososeselvagens,paraextinguirparasemprea fonteda cultura francesa característicaeda inspiração francesaparaomundo”, disse Churchill sobre Hitler numa fala pelo rádio ao povo daFrança em 21 de outubro de 1940. “Jamais acreditarei que a alma daFrançaestámorta.”Churchill apreciava o uso de imagens fortes ao descrever Hitler, como

emseudiscursonaCâmaradosComunsem9deabrilde1941,depoisqueum golpe de Estado derrubara o governo pró-Eixo na Iugoslávia: “Umajibóia que, depois de ter coberto sua presa com sua saliva asquerosa,tivesse-asubitamentearrancadadeseusanéis,estarianumhumorcordialse comparada a Hitler.” Churchill concentrava-se na pessoa de Hitlerquandoprocurava formaruma imagemdo inimigopara simesmoeparaoutros;eraumaimagemquenuncadeixavadesuscitarsuairaeloqüenteeilimitada.EmChequers no dia 2 demaio de 1941, quando as notícias da guerra

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eramterríveise,segundooregistrodeColville,oprimeiro-ministroestava“mais desalentado do que jamais o vi”, Churchill esboçou para AverellHarriman, o general Hastings “Pug” Ismay e seu secretário particularColville um mundo “em que Hitler dominasse toda a Europa, a Ásia e aÁfrica”.Comessadisposição adhominememfacedoseuinimigo,chegouaimaginarumOrienteMédioemqueSuezestariaperdidoe“anovaordemrobôdeHitlerdominasse”.“ComHitlernocontroledopetróleoiraquianoedo trigo ucraniano, nem toda a perseverança da [população britânica]reduzirá o suplício.” Quando estava nessamagniloqüência sombria, todasasvezesemqueousodaspalavras“nazistas”,“Reich”e“alemães”teriasejusti icado,ChurchillseconcentravanapessoadeAdolfHitler.(Éclaroquetalvezestivesseenfatizandoesse futurocaracterísticodeumpesadelo,naverdade, para convencer Harriman, o enviado de Roosevelt, danecessidadedeajudaimediataegenerosa.)Nodiaseguinte,numamensagempelorádioaopovopolonês,Churchill

voltoua falardeHitleredomodocomo“acadasemanaseuspelotõesdefuzilamentoestãoocupadosnumadúziadeterras.Segunda-feiraelefuzilaholandeses; terça-feira, noruegueses; quarta-feira, francesesoubelgas sepostam contra o muro; quinta-feira são o tchecos que devem sofrer; eagora há os sérvios e os gregos para completar sua repulsiva lista deexecuções.Massempre,todososdias,háospoloneses.”NavésperadodiaemqueHitlerinvadiuaRússia,Churchill—quesabia

que isso ia acontecer pormensagens decifradas pela Inteligência e haviaadvertido os russos,mas fora ignorado— foi provocadopor Jock Colvillequando caminhavam pelo gramado em Chequers depois do jantar.Zombando, Colville disse que o apoio que ele oferecera à URSS era umacompleta reviravolta para um anticomunista tão obstinado. Churchillrespondeuque“tinhaapenasumúnicopropósito—adestruiçãodeHitler— e que sua vida icavamuito simpli icada com isso.” Certamente icava;enquanto Hitler lutava por uma Nova Europa livre de judeus, comLebensraum no leste e domínio germânico perpétuo dos povos eslavos,Churchill pôde — pelo menos até pouco antes do im da guerra —concentrar-senaúnicatarefadeaniquilá-lo.Isso envolvia, é claro, o perigo de supersimpli icações grosseiras

ocasionaisoudecoisapior, comoquandoeledisseàCâmaradosComunsno dia 2 de agosto de 1944: “Os exércitos russos encontram-se agoradiante das portas de Varsóvia. Eles trazem nas mãos a libertação daPolônia.Oferecemliberdade,soberaniae independênciaaospoloneses.”O

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Exército Vermelho estava de fato parado do lado de fora das portas deVarsóvia, mas estava esperando cinicamente que a revolta dentro dacidade fosse esmagada pela Wehrmacht antes de entrar; quando oizeram, não ofereceram à Polônia nem liberdade nem soberania, muitomenos independência. Sua idéia ixa na destruição de Hitler permitiu aChurchillfazerconcessõesatéquantoàquestãopelaqual,pretensamente,aGrã-Bretanhaentraranaguerra.Se Churchill desprezava Hitler sob o ponto de vista pessoal e retórico,

issonãosigni icaqueosubestimassepoliticamente.Nodia5dejaneirode1944, hospedado numavilla noMamounia Hotel emMarraquesh, ele fezumavotaçãonojantar:estariaHitleraindanopodernaAlemanhanodia3desetembrodaqueleano,oquintoaniversáriodade lagraçãodaguerra?Setepessoasemvoltadamesa,entreasquaisomédicodeChurchill,lordeMoran, e o líder tcheco Eduard Benes votaram não. Quatro votaram sim,incluindolordeBeaverbrook,Colvilleeopróprioprimeiro-ministro.Quando chegaram as notícias da morte de Hitler, Churchill fez

precisamente o comentário que seria de esperar de um homem queadmirava a coragempessoal acima de todas as outras virtudes. Na terçafeira, 1º demaiode1945,nomeiodo jantar,Colville levou-lheumacópiadoanúncioqueestavasendoveiculadopelarádioalemã.Eledizia: “HitlerfoimortohojeemseupostonaChancelariadoReichemBerlim…lutandocontra o bolchevismo até seu último suspiro.” O comentário de Churchillfoi: “Bem,devodizerqueeleestava totalmentecorretoaomorrerassim”,ao que Beaverbrook respondeu que aquilo não passava de propagandanazista, e que era que ele não o izera. 35 Embora Beaverbrook estivessecerto,aoconcederaseuinimigoobene íciodadúvidadessamaneira,nummomento como aquele, Churchill mostrou sua grande generosidade deespírito. (Comosesoubedepois,osnazistashaviamretidooanúncioparaque coincidisse com o 1º de maio, uma data importante no calendárioalemão.)Sete anos depois, em maio de 1952 e de volta a Chequers como

primeiro-ministro,Churchill viu-se crivadodeperguntasporMontgomeryquandocaminhavampelacolinaacimadacasa,abrindocaminhoentreaspessoas que faziam piqueniques. De que forma o primeiro-ministrode iniria um grande homem, perguntou o marechal-de-campo(provavelmentequerendoarrancarumelogio):“Hitlereragrande?”“Não”,respondeu Churchill, “cometeu erros demais.” Passaram então a discutirquem poderia ser classi icado como grande, tendo Churchill aceitado

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plenamenteascredenciaisde JesusCristoporque,entreoutrasrazões, “oSermãodaMontanhafoiaúltimapalavraemética”.NavisãodeChurchill,portanto, eram os erros de Hitler e não sua perversidade inata que odesquali icavam para o galardão da grandeza. A inal, ele o incluíra entreseusGreat Contemporaries em 1937, mas isso fora antes que HitlercomeçasseacometeraqueleserrospelosquaisChurchillveioadesprezá-lo. Churchill tambémcometera erros,mas, comoumgrande líder—e aocontráriodeHitler—,aprenderacomeles.

Ousodeinteligênciasecreta

Churchillsemdúvidaaprenderacomofracassodacampanhanorueguesa.Umadesuasprimeirasprovidênciascomoprimeiro-ministrofoiassegurarque seria inteirado das últimas emais importantes informações secretas.Não contente com ler resumos e estimativas, desejou examinarpessoalmente as decodi icações não editadas das mensagens maisimportantes. Quase todos os dias da guerra, “C”, o chefe do Serviço deInformações Secretas, enviava para o Número Dez uma caixa cremecontendo uma seleção dos tópicos mais relevantes. Esses dados “Ultra”eram resultado do sucesso dos poloneses em capturar umamáquina decodi icação Enigma e do pessoal de Bletchley Park em decifrar o códigomilitaralemão.UmbomexemplodacapacidadedeChurchilldemanteramenteaberta

etentarabordagensnãoconvencionaispodeserencontradoemseuamoraoperações especiais.Nada era su icientemente esquisitoparadeixardeser considerado pelo primeiro-ministro na guerra contra o nazismo.Churchillsempreteveumaquedaespecialpeloquechamavadeoperações“divertidas”; durante a vida toda foi fascinado por arapongas e códigos,espionagem emistério. O apelo da guerra não-ortodoxa se ajustava bemcomsuaidéiaestratégicageralparaaGrã-Bretanhaemtempodeguerra:queumengajamentomilitarcontinentaldireto,emgrandeescala,custariamais em termos de vida e recursos que a tomada de um caminho maisindireto.EssahaviasidoarazãobásicaportrásdaaventuraGallipolinaPrimeira

GuerraMundial,econtinuariaaserarazãoportrásdacampanhaitalianae das campanhas propostas para os Bálcãs, no chamado “calcanhar-de-aquiles da Europa” na Segunda Guerra Mundial. No intervalo entre as

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guerras,Churchill foiumfervorosopartidáriodateoriadequeodinheirogasto com espionagem e no confronto de informações raramente eradesperdiçado.Em1909ele colaborouparaa criaçãodaMI5e cincoanosdepois,àsvésperasdaGrandeGuerra,redigiuodocumentoqueinstituíaaoperaçãodoAlmirantadodedeciframento,comocodinomeSala40.Desdeadécadade1890,quandoestavasubordinadoaoMinistériodas

RelaçõesExterioresnacondiçãodesubalternonaÍndia,posteriormenteaotrabalhar como correspondentede guerra emCuba e até em seu serviçoativo atrás das linhas na Guerra dos Bôeres, Churchill cultivou suasligações com a Inteligência britânica. Usou-a de maneira inspirada naGuerraCivilRussaenaguerradossubmarinosapartirde1914-15eatédurante a Greve Geral. Depois da Segunda Guerra Mundial, continuou aser um jogador entusiástico do grande jogo da informação sigilosa, antesdepassaraapreciarseuusonaGuerraFria.Os estreitos vínculos de Churchill com o Serviço de Informações

britânico lhe deram condições de montar uma rede particular deespionagem que lhe foi muito útil durante seus anos de ostracismo. 36Durante a guerra, usandoumagente secreto chamadoAlanHillgarth, eleconseguiu tambémqueváriosdosgeneraismaisgraduadosdeFrancosedeixassem subornar para assegurar a neutralidade espanhola. LordeHalifax tendia a achar desagradável, nas palavras dele, “en iar-lhesenvelopes nos campos de golfe”, mas Churchill se via como agindosimplesmente na grande tradição britânica do suborno, que remontava àdiplomaciadoséculoXVIII.Churchillassegurouquesomente31pessoassoubessemqueosAliados

tinham decifrado o código Enigma, dando ao fato o codinome “Boniface”para induzir o inimigo a pensar que todas as informações provinham deum único agente (necessariamente de nível muito alto). O sigilo foitamanho que uma das pessoas não-informadas sobre o “Ultra” foi HughDalton—odiretordaExecutivadeOperaçõesEspeciais,aquemChurchillderaordemde“IncendiaraEuropa!”.“Em tempode guerra”, disse Stálinprimeiro e Churchill logodepois, “a

verdade é tão preciosa que deveria ser sempre acompanhada por umaguarda dementiras”. O órgão criado para mentir pro issionalmente pelaGrã-Bretanha foi a Executiva Política de Guerra (PWE, Political WarfareExecutive). O autor descobriu recentemente, numa casa emCambridgeshire,umesconderijodepapéis,documentosefotosinéditosdaPWEquelançamumaluznovaefascinantesobreomodocomoosAliados

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planejaramcriarocaosnaEuropanomomentodosdesembarquesdoDiaD em junho de 1944. Esse arquivo rico e até agora não utilizado revelaumacuriosamisturadeingenuidadeeimpiedadequecaracterizouaPWEaolongodetodaasuaexistência,de1938a1945.OspapéissãoosdeDavidGarnett,conservadosporseufilhoRichardem

HiltonHall,Huntingdon.37 Em1945Garnett, ex-diretorde treinamentodaPWE, foi solicitado pelo ministro das Relações Exteriores Ernest Bevin aescreverahistóriasecretadacontribuiçãodadapelaExecutivaaoesforçodeguerraparausonaGuerraFriaemcasodenecessidade.Oresultadofoitão franco— realmente difamatório— sobre tantas iguras de destaqueno governo e nas forças armadas que foi distribuído para apenas quatroiguras, noMinistério da Guerra, no Almirantado, noMinistério da ForçaAéreaenoMinistériodasRelaçõesExteriores,eemseguidarapidamentearquivado. Na capa do texto, lêem-se as palavras: “Este Documento éPropriedade do Governo de Sua Majestade. SECRETO. A ser mantidotrancado.Roga-sequeespecialcuidadosejatomadoparaassegurarosigilodeste documento.” Ele só veio a ser inalmente publicado em 2002,meioséculodepoisdetersidoconcluído.38ÀparteolivrodeGarnett,háseusdocumentosparticulares,queincluem

sua correspondência com grande número de autoridades da PWE. Estarecobre vários aspectos do trabalho da organização não-incluídos nahistória secreta. Escrevendo livremente a ex-colegas sobre suasexperiênciasdeguerra,essasautoridadesrevelarammuitossegredosquede outro modo teriam ido para o túmulo com elas. Exatamente como nocasodesuasorganizações-irmãssecretasMI5,MI6,BletchleyParkeSOE,ocódigo deomertáqueenvolveuoserviçodaPWEduranteaguerra foi talque muitos de suas autoridades mais graduadas consideraram que seudeverdeguardarsilênciosobreasatividadesdaExecutivanãoterminaracomacessaçãodashostilidadesem1945.A PWE foi fundada por ocasião da Crise de Munique em 1938 para

conduzir a guerra de propaganda secreta contra a Alemanha, nas linhasusadas na Primeira Guerra Mundial. Seu propósito era abastecer osalemães de rumores desmoralizantes, por quaisquer meios queaparecessem. Em particular, propaganda radiofônica — que parecia terorigem na Alemanha mas estava de fato sendo transmitida da sede daPWE em Woburn Abbey — era usada para semear desinformação einformações falsas nos lares do inimigo nazista. Junto comsua análogaamericana,oDepartamentodeInformaçãodeGuerra(OWI),aPWEjogou

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nada menos de 265 milhões de folhetos sobre a Alemanha e transmitiucentenas de milhares de horas de todo tipo de propaganda, inclusive ofrancamente pornográ ico, destinado a maximizar a audiência entresoldados rasos alemães. Espalhava também rumores falsos; assim, em1940,divulgouqueosbritânicoshaviamimportadodaAustráliaesoltadono canal da Mancha 200 tubarões assassinos, para devorarem alemãescujasembarcaçõesfossemafundadasnainvasão.NumavisãogeralsecretadopropósitodaPWE,umaltooficial,otenente-

coronel R.L. Sedgwick, escreveu: “O quarto braço de combate, a GuerraPolítica,atacaamente.Asprincipaisforçasqueempregasãooselementosinsatisfeitos em países inimigos ou ocupados por inimigos. Engane seuinimigo, solape seu esforço de guerra, ganhe a guerra das idéias.” Issodevia ser feito por meio de “suborno de jornais, intriga por meio demulheres, lisonjaspessoais,disseminaçãodedissensões internas;opobredeviaserlançadocontraorico,ojovemcontraovelho,osoldadocontraogeneral.” Era preciso espalhar rumores para “enganar e intimidar oinimigo”.Qualquer organização que recorresse aos talentos diversos mas

inegáveis de um naipe como Noël Coward, Raymond Mortimer, FreyaStark, Denis Sefton Delmer, John Wheeler-Bennett, Robert Byron, sirRobert “Jock” Bruce Lockhart, E.H. Carr e Richard Crossman jamaispoderia ter sidoum lugar enfadonhoemque se trabalhar, especialmenteconsiderando a esquisitice de algumas das operações que concebiam.Como entender, por exemplo, o lançamento sobre a Alemanha de umgrande número de pombos-correios mortos com mensagens presas naspatas, na esperança de induzir a Gestapo a pensar que um imensomovimento de resistência alemão estava em estreito contato com aInteligência britânica? Falsi icaram-se também dezenas de milhares detalões de racionamento para criar confusão, e espalharam-se selosexibindo o rosto do Himmler, na esperança de que o povo se rebelassecontraaidéiadetê-locomoseupróximoFührer.Sabemospelaautobiogra iadochefedaunidadedecontra-informação,o

engenhoso ex-jornalista Denis Sefton Delmer, que grande número dearquivosdaPWEfoidestruídodepoisdaguerra.Arecém-divulgada SecretHistory [História secreta] de Garnett, juntamente com o arquivoprovenientedeHiltonHallpermite-nos,maisdemeioséculoapóso imdaguerra, lançar mais luz do que nunca sobre o funcionamento dessaorganizaçãofascinante,dedicada,masatéagoramuitoobscura.

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Foipropostoum“Manualdesabotagem”,comconselhosparaaspirantesàresistênciacontinentesobremaneirasdeajudarosAliadosnoDiaD(ou“Hora Zero”, o codinome bastante transparente que recebeu). Algumassugestõesdesse folhetoeramabsurdasenoestiloHeathRobinson, como:“Conselhos químicos. Laxantes fortes, odores perniciosos, saboresdesagradáveismasinofensivosparaaáguaetc.”Outrosatosderesistênciasugeridos relativamente inofensivos eram chamar o corpo de bombeirossem necessidade, “postar todas as cartas num dia e não postarabsolutamente nenhumano dia seguinte, preencher todos os formulárioso iciaiscomerrosfazer ilaemestaçõesferroviáriasparaperguntarcomochegar a algumadestinação inexistente ou quase desconhecida, telefonarpara a delegacia para se queixar de gritos ouvidos na rua.” É di ícilacreditar que coisas como essas teriam podido perturbar seriamente aWehrmachtnoDiaD.Outras idéiasproduziriamumtranstornomuitomaiorparaosalemães,

comoainstalaçãodebarricadassimuladas,areproduçãocomestênceisdefalsas placas rodoviárias, a perfuração em massa de pneus de carros ecaminhões e o corte de ios telefônicos de campanha. Por im, haviaorientaçõessobreafabricaçãodebombasincendiáriasedicassobrecomodecapitarmotociclistascomumarameesticadoentreárvores,oqualdeviaser sempre “posto num declive de tal modo que, ao ser jogado de seuveículo, o motorista caia na valeta, onde não será visto pelo motociclistaseguinte”.Emdezembrode1943foiproduzidoemgrandeescalaumcartão-postal

que pretendia mostrar Adolf Hitler se masturbando, ou pelo menossegurando seu pênis ereto comum largo sorriso no rosto. Sob a imagemhavia uma citação de seu discurso em Munique em novembro de 1942,cuja tradução é: “O que temos, seguramos.” Um folheto falso foi tambémproduzido, pretensamente pelaOKW, denunciando essa contrafação,masreproduzindo-aporinteiro,paramaiordeleitedosalemãesantinazistas.Odiretor-geraldaPWEtraçouumplanoparainundaraAlemanhacom

“uma quantidade de cédulas de marco alemão dez vezes maior que aexistenteemcertasáreas—particularmenteasdemineração,osSudetos,aÁustria,etc.—deixandoBerlimàmíngua. Isso interromperáo trabalhoem fábricas e minas, esvaziará os estoques de mercadorias nas lojas eproduzirá o caos. Algumas partes da Alemanha consumirão os bens doresto.”Contudo,diantedotemordequeosalemãesretaliassemnamesmamoeda,odiretor-geraldaPWEpropôsamedidaacautelatóriade“recolher

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nossas próprias cédulas em circulação e substituí-las por moedas”. Oscustoseascomplicaçõesinimagináveisenvolvidosnaaplicaçãodetalplanoasseguraramqueelenuncasaíssedopapel.A entrevista de Garnett com o detetive da PWE, M. Berman, em 8 de

janeirode1945, inalmenteelucidaomistériosobreaverdadeiraextensãoda contribuição deNoel Coward para o esforço da guerra secreta: “O sr.NoelCowardfoiochefedoDepartamentoFrancês[daPWE]emParis.Erao elemento de ligação para a propaganda francesa. LordeMoore e lordeStrathallan o auxiliavam.” Um documento “ultra-secreto” sem data, semassinaturaesemcópia intitulado“PropostasparaunirasaçõesdaPWEeda SOE em apoio a umainvasão aliada da Europa ocupada” dava asdiretrizes para o assassinato selecionado de traidores nas horas inaisantesdoDiaD:

Na maioria dos países há provavelmente um “núcleo irredutível” detraidores tão comprometidos por suas traições que morrer lutandoserá sua única alternativa à força. Esse núcleo é potencialmenteperigosonaprópriaHoraZeroenoquelhedizrespeitocomrelaçãoamuitas das atividades que estão sendo planejadas por ou parapatriotas, razão por que medidas especiais contra isso merecem sercontempladas. A liquidação planejada e antecipada, mesmo que numpequenonúmerodecasos,seriaobviamentedamáximaimportância.

Esses traidores, que poderiam ser “seqüestrados ou detidos” e depois“chantageados para se tornarem testemunhas de acusação” deveriamlistarcivisalemães(ououtrosestrangeiros)proeminentesesuasfunções;nomesdepessoasou irmasaserviçodoinimigo;depósitosdearmasesualocalização;nomesdeagentesesubagentesdaGestapo;planosdoinimigopara a eventualidade de uma retirada (i.e., política de terra arrasada);movimentos políticos secretamente apoiados pelos alemães, e assim pordiante. Entre os indicados para empreender a “OperaçãoTraidor doRei”estava a improvável igura do futuro costureiro da família real, HardyAmies.Em agosto de 1941 o brigadeiro Ritchie Calder distribuiu um

memorando “ultra-secreto” intitulado “Notas sobre a sabotagem deferrovias”, em que entrou nos mínimos pormenores sobre as melhoresmaneirasdedestruir trens inimigos. “Paraassegurarresultadosmáximosum trem deve ser descarrilado num canal escavado numa encosta (nãonum aterro em que os destroços podem cair morro abaixo); num túnel

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(onde não há espaço para os guindastes); numa ponte (de modo que otremdespenque, dani icando o parapeito); ou no gargalo de umpátio demanobras(demodoabloqueartodasasoperações).”Aremoçãodecincoadez dormentes na curva de uma linha férrea era o método querecomendavapara a obtençãodesse efeito.Havia outros conselhos sobrecomo estragar trilhosmóveis, sinais, vagões e caixas de eixo— “removatodo o óleo com uma bomba de bicicleta ou derrame petróleo, para ina,água,areia,cinzasoulama”.ParacelebraroprimeiroaniversáriodoDiadaBatalhada Inglaterra,a

PWE pensou em convocar, para 15 de setembro de 1941, um “Dia daTartaruga”, durante o qual os europeus desfeririam “um golpe pelaliberdadeandandodevagar”.“Porquesuarpelosalemães?”,assimseriamexortados.“Vácomcalma.Senormalmentevocêlevaumminutoparairdobanheiroàsuabancada,leveumminutoemeio.Seforaocorreiocomprarumselo,façaissodurar.Inicieumaconversacomofuncionário.Façatudotomarmaistempodoquegeralmentetoma.”Maisumavez,éduvidosoqueisso teria contribuído signi icativamente para pôr o Terceiro Reich dejoelhos.NavésperadoDiaD,A.J.Ayer,o ilósofodeOxford,servindoentãojunto

aoEscritóriodeInvestigaçãoInterdepartamentalemBakerStreet,aprovouum folheto da PWE intitulado “Como viver uma vida clandestina” quesugeria maneiras de sobreviver fugindo da Gestapo. Entre suasorientações,estavam:“Morenoporãodeumamigo,ourefugie-senamatacom um bando de fugitivos. Assuma um disfarce, invente uma história,escolhaumnomecomum—masnãocomumdemais—,escolhaumadatafalsadenascimentoeinventenomesparaseuspais,aprendaausarasuamemória,eevitecomunicar-secomasuafamília.”Entre os papéis de Hilton Hall há uma cópia da carta “ultra-secreta”

escritaemjaneirode1944peloministrodaInformação,BrendanBracken,aogeneralBrooks,daPWE.Nela,atacandooDepartamentodeInformaçãodeGuerra(OWI,Of iceofWarInformation)dosEstadosUnidos,quali icaadiretoriadesseórgãode“incompetente,dissimuladaeirresponsável”.Numparágrafo dardejante, que se tivesse vindo a público teria certamenteabaladoasrelaçõesanglo-americanas,elecontinuou:

Eles não têm nenhuma linha de ação consistente. O conteúdo de suaproduçãofebrildependedeconsideraçõespolíticasamericanas.Ovotopolonês,ovotobáltico,ovotojudaicoeacimadetudoovotoalemãovão

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distorceroqueapolidezmeobrigaachamardeaopiniãodeles.Suasações absurdas acompanhadas por suas explicações gaguejadas lhesvaleram o desdém da maioria dos jornais americanos. Por quedeveríamos desperdiçar tempo valioso com essa organizaçãodecadente e desprezada? Eles vão fazê-lo espojar-se com eles nasujeiraquecriaramnaAméricaequeremreproduziraqui.

Não surpreende que, após essa explosão, Brooks tenha passado aafastaraPWEdoOWI,excluindo-odesuagrandeoperaçãoseguinte,cujocodinome foi Operação Peruca. Esta foi um plano da PWE para fazer osalemãesgastaremtempoeenergia,fornecendo-lhes“provas”dapresençade grande número de espiões aliados no próprio território da Alemanhanazista. Pára-quedas e outros equipamentos foram lançados, mensagensfalsasforamtransmitidasemcódigoMorseantesedepoisdonoticiáriodaBBC, e, num código simples, feito para ser decifrado, foi enviada umamensagemquedizia: “Vamosnos encontrar segunda-feira às9h30na4ªiladaplatéiadocineUfa.”ComohaviaumcineUfaemquasetodacidadealemã,esperava-sequeissoocupasseimensasquantidadesdeefetivosdaGestapo.De330pombosvivoslançadossobreaAlemanha,cincovoaramdevolta

para casa com mensagens escritas pelos alemães que os haviamencontrado. Um que retornou em abril de 1945 trazia a seguintemensagem: “Nãohánenhummilitaremnossaaldeia,Hellensen.Atéondesei,Lüdenscheidnãoserádefendidaporquehámuitoshospitaisnacidade.Os porcos do Partido [Nazista] fugiram todos, usando roupas civis.Também sou criador de pombose lhes envio minhas saudações. Bomcombate.”Comoseriadeesperar,nãotraziaassinatura.Ninguémapreciavaeapoiavamaisessesmétodosheterodoxosdefazer

guerradoqueChurchill,quetinhaumamenteincrivelmenteinventiva.Umde seusprojetos favoritos foi a criação, “parausoemáguasnórdicas”, de“um dispositivo para transformar icebergs, adornados com massa demadeiracongelada,embasesaéreas insubmergíveis”. 39 Seucodinomeera“Habacuc”, tal qual o profeta bíblico que prometeu “uma obra que nãoacreditaríeis,sefossecontada”.Churchilltestouaidéiaemsuabanheira;omodelo de umHabacuc foi tambémmontado no lago Patricia no Canadá.Isso logo provou a total inviabilidade do projeto: para transformar umiceberg num porta-aviões do tamanho requerido teriam sido necessáriosoitomilhomenstrabalhandosobtemperaturasárticas.

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Outra idéia defendida por Churchill foi a de portos lutuantes, a seremusados sob o codinome “Mulberry”, na Operação Overlord, a planejadainvasão da Normandia pelomar. Mais uma vez, a banheira do primeiro-ministro foi usada para a prova. Mais tarde o general Ismay recordou acena: “Churchill sentado num roupão multicolorido”, cercado por seusconselheiros, com um almirante sacudindo a água da banheira com asmãos para simular o efeito de ondas e um brigadeiro esticando umabainhain lávelatravésdaáguaparamostrarcomoelaamorteciaasondas.Como Ismay re letiu, era “di ícil acreditar que aquilo era o Alto Comandobritânico estudando amais estupenda e espetacular operação an íbia daguerra.”Espantosamente,osportosMulberryfuncionaramerevelaram-semais tardeuma importantecontribuiçãoparaaOperaçãoOverlord, tendopermitido aos Aliados escolher zonas de desembarque distantes dasprincipaisplataformasefortificaçõesalemãs.

Demissões

Além de não descartar idéias extravagantes, por mais inviáveis quepossam parecer à primeira vista, uma outra regra-chave presente emguias de administração reza que um bom líder deve saber escolher aspessoascertasparaos lugarescertos.Mas issoéapenasmeiaverdade;éigualmente importante que os líderes saibam demitir as pessoas certas.Quandoelesnãoconseguiamcorresponderàssuasexpectativas,Churchilleracapazdeserrudeatécomgrandesamigos.BobBoothby,porexemplo,havia sidoumdosmais leaisaliadosdeChurchillnaCâmaradosComunsdurante a luta antiapaziguamento, pelo que este, quando primeiro-ministro, o recompensou inicialmente com o posto de subsecretário noMinistério dos Alimentos. Entretanto, quando pouco depois Boothby seenvolveunumahistória sórdida conhecida como “O caso do ouro tcheco”,Churchill descartou o velho amigo de maneira humilhante. Sugeriu aBoothby, em particular, que “ingressasse num pelotão de desativação debombas” e declarou no Parlamento: “Há caminhos de serviço abertos emtempodeguerraquenãoestãoabertosemtempodepaz;ealgunsdessescaminhospodemsercaminhosdehonra.”BoothbyingressoudevidamentenumaesquadrilhadebombardeiodaRAF,emboranuncatenhaperdoadooamigopelafaltadeapoio.Outro amigo chegado, Alfred Duff Cooper, o único ministro que

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renunciou por causa do Acordo de Munique, foi nomeado ministro daInformação. Quando icou claro que não era particularmente adequadopara o cargo, Cooper caiu no desfavor da imprensa, que logo passou aatacá-lo com crescente agressividade. Essas críticas centravam-se no queos jornalistas chamavam os “Bisbilhoteiros de Cooper” — informantesgovernamentais que, segundo os jornalistas, tinham a incumbência deavaliaroestadodomoralpúblicoeinformaroMinistériodosresultados.OSundayPictorial promoveu uma “votaçãoDuff Cooper” exibindo uma fotomuito pouco lisonjeira dele e incluindo um cupom com os dizeres: “Eleganha 5.000 libras por ano para ser ministro da Informação. Você achaquedevecontinuarnocargo?”Nãofoinecessárianenhumavotaçãodessetipo para mostrar a Churchill que seu amigo devia ser substituído, eCooper foi despachado numa missão ao Extremo Oriente. Embora maistarde Churchill o tenha nomeado para postos importantes, havia naverdade sacri icado um amigo a quem começara a ver como um riscopolítico.FoiumainjustiçaparacomDuffCooper,homeminteligentíssimoetalentoso, além de político de coragem, mas Churchill tinha de sepreocuparprimordialmentecomosinteressesdeseugovernoeporissooamigotevedesair.Essetipodeimpiedadesedavacomfacilidadeaindamaiorquandoseus

alvos não eram amigos pessoais. O áspero tratamento dispensado ao reiLeopoldo III da Bélgica foi um bom exemplo. Churchill precisava de umbodeexpiatórioparaaderrotade1940noOcidente,eapessoaidealeraomonarca belga, que se rendera aos alemães no dia 28 demaio, o dia emque começou a retirada de Dunquerque. Churchill culpou Leopoldopessoalmentepela rendição, declarandonaCâmaradosComuns em4dejunho:“Derepente,sempréviaconsulta,comomínimoalertapossível,semo conselho de seus ministros e num ato pessoal, ele enviou umplenipotenciárioaoComandoAlemão,entregouseuexércitoeexpôsnossoflancoemeiosderetirada.”Averdade,contudo,équeChurchillhaviasidoprevenidoporseuamigo,

almirante sir Roger Keyes, o o icial de ligação com o rei da Bélgica, e,segundo este, não havia feito objeção. Como Keyes mostrou em váriasocasiões:

Por ocasião de sua rendição, o Exército belga já perdera suacompetência, estando à beira do completo colapso. O rei Leopoldoavisara várias vezes que suas tropas estavam no seu limite, e

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assinalara seumedodeumacatástrofe iminente.Estavaacimade seupoderpedirconselhoaseusministros,poisesteshaviamfugidodopaísno dia 25, após esforços baldados para convencer o rei a abandonarseu exército e acompanhá-los. O lanco leste da BEF (ForçaExpedicionária Britânica) já estava amplamente exposto antes darendição e o comandante-em-chefe britânico [lorde Gort],compreendendonodia25queosbelgasestavamàbeiradocolapso,equeaúnicamaneiradepouparaBEFeraevacuá-la,abandonandooreibelga à sua sorte, iniciara a partir dessemomento seus preparativospararesguardarseucaminhoparaomar,emborasemcomunicarsuasintençõesaoreiLeopoldo.

Quandoditadapor razõesdeEstado, contudo, a transformaçãodo rei embode expiatório tornou-se uma necessidade política absoluta e Leopoldopassou o resto de sua vida à sombra da condenação leviana feita porChurchill na Câmara dos Comuns. Em 1947, Leopoldo não foi convidadopara o casamento da princesa Elisabeth, praticamente o único excluídoentreosmembrosdecasasreaiseuropéiasnão-alemãs.Outro exemplo da implacabilidade de Churchill nessa época foi sua

ordemdequeosferidosfossemasúltimaspessoasaseremretiradasdaspraiasdeDunquerque. 40Issofaziatodoosentidodopontodevistamilitar,é claro, já que havia necessidade de homens saudáveis para defender aGrã-Bretanhaepensava-sedeinícioquesóseriapossívelrepatriar45.000homens,masdetodomodofoiumaordemextremamentecruel.Omesmotraço semanifestou quando ele obteve, em junho de 1940, permissão doGabinete de Guerra para usar gás mostarda no sul da Irlanda caso osalemães desembarcassem lá, com o argumento de que, embora osmembrosdastropasdeassaltofossemestarmunidosdemáscarascontragases, provavelmente esse não seria o caso dosmilhares de cavalos quetrariam consigo. O gás deveria ter sido usado também contra os alemãesnas praias no sul da Inglaterra na eventualidade de uma invasão, comconseqüências incalculáveis não só para a população civil das cidades nacosta sul como para os que moravam mais no interior, caso o ventosoprassenaqueladireção.Lideraréescolher,eporvezesasdecisõesqueChurchillfoiforçadoatomareramcapazesdecausarcalafrios.Hitler,éclaro,erano inaldascontasmuitomaiscruelqueChurchill.Um

exemplohorripilantefoiaexecuçãodaquelescorajososo iciaisdoexércitoque tinham tramadocontraeleem1944.Forampenduradosemganchos

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na prisão Plötzensee em Berlim até morrerem estrangulados. Hitlerordenara: “Quero que morram pendurados, como carcaças de carne.”Algunsdeleslevaramaté20minutosparaasfixiar-se.MasenquantoissomostraafacetamaisvingativadeHitler,documentos

encontradosnoBundesarchivemBerlim—queporacasofoiamoradadadivisão SS Leibstandarte, a qual fornecia a Escolta SS do Führer, suaguarda pessoal — revelam que ele era surpreendentemente capaz deperdoarosquelheeramleaismasincorriamemdelitos.Hitlergostavadacompanhia dehomensque tinham,naspalavrasdeAlbert Speer, “o rabopreso”.OGauleiterKarlHankedissesobreele: “Ébomqueosassociadostenhamfalhasesaibamqueosuperiortemconhecimentodelas.Éporissoque o Führer troca tão raras vezes seus assistentes. Pois achamais fáciltrabalhar comeles.Quase todos têmo seudefeito; issoajudaamantê-losnalinha.”Condutaimoral,ascendênciajudaicaremotaoua iliaçãorecenteaoPartido,tudoissocontavacomorabopreso.ParaosserviçosqueHitlertinhaemmente,emparticularaempreitada

daSoluçãoFinal,planejadanaConferênciaWannseeem20de janeirode1942, era importante que seus acólitos mais graduados não fossem emabsolutohomens íntegros.AlbertSpeerobservouo talentodeHitlerparaavaliarosdefeitosdepersonalidadedeseusassistentes.

Ele conhecia os vícios e os desejos secretos dos homens, sabia o queelesconsideravamsersuasvirtudes,conheciaasambiçõeseosmotivosocultos por trás de seus amores e ódios, sabia onde podiam serbajulados, onde eramcrédulos, onde eram fortes e onde eram fracos;sabiatudoisso…porinstintoesensibilidade,umaintuiçãoquenuncaoenganounessasmatérias.

O fato de desprezar tanto o próximo ajudou Hitler enormemente. Sabiaque, nos crimes que cometeria, precisava de cúmplices moralmentecomprometidos, malformados, absolutamente leais, e, quando encontravaum em que sabia poder con iar — como Bruno Gesche, o chefe de suaguarda pessoal — continuava agarrado a ele quando já o devia terdemitidohámuitotempo.Os arquivos do Partido Nazista e da SS sobre Gesche revelam que ele

tinha um problema crônico de bebida. Em 1938 teve de prometer aHimmlerqueseabsteriadeálcoolportrêsanos.Em1942,contudo,Geschevoltouaseembebedaratalpontoquesacousuapistolaparaameaçarum

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colegao icialdaSS.HimmlerimpôsoutrostrêsanosdeabstençãoaGeschee o enviou para a frente oriental. Os documentos do BundesarchivmostramqueHitlernãodesamparouseuantigoguarda-costas.Depoisquefoi ferido, Gesche— embora sendo um alcoólatra e representando umavulnerabilidade—foichamadodevoltapara icaraoladodeHitler,enãodemorou a recair nos seus velhos hábitos. Em20 de dezembro de 1944,Himmlerescreveu-lhe:

1. O senhor voltou a ameaçar um camarada com uma pistola quandoembriagadoedeutirossempropósito.[…]4. Vou lhe dar a oportunidade de servir na Brigada Dirlewanger etalvez limparoopróbrioqueo senhor lançousobre simesmoe sobretodaaSS,mostrandosuacoragemperanteoinimigo.5.Esperoqueseabstenhadoconsumodeálcoolpelorestodesuavida,sem nenhuma exceção. Se sua força de vontade foi a tal pontodestruídapelo álcoolque jánãoécapazdetomarsemelhantedecisão,esperoqueapresenteseupedidodedesligamentodaSS.

Geschesófoi inalmenteafastadodaEscoltaSSdoFührerquatromesesantesdo imdaguerra— isso apósdarmostrasdurantemuitos anosdequeeraumbêbadocrônico.ArazãodetodaessaindulgênciaporpartedeHitler foi que Gesche era o que os nazistas chamavam um “velhocombatente dos anos de luta”: ingressara no PartidoNazista já em1922.SomenteumdosvelhoscamaradasdeHitlerdesseperíodoteriasesafadoapósaprontartanto.O caso do comandante da Luftwaffe, Hermann Göring, foi um outro

exemplo,muitomaisproeminente,daimprudentelealdadedeHitleraseusamigos.Caçadorapaixonado,Göringpassava tanto tempoemsua casadecampo, Carinhall, quanto no Ministério da Aeronáutica. Como chefe daForça Aérea alemã, ele foi praticamente um desastre. Muitas e muitasvezes, prometia mais do que podia cumprir. Em Dunquerque, a vastamaioriadastropasaliadascercadasconseguiuescaparatravésdaMancha,emboraGöringtivessegarantidoqueaLuftwaffeseriacapazdeliquidá-lossozinha. Ele prometeu também que nem um só bombardeiro britânicoatingiriaaAlemanha;seumofizesse,declarou,elesechamariaHerrMeier(ou João da Silva, poderíamos dizer). Quando um número crescente decidadesalemãsfoireduzidoaentulho,osalemãespassaramcadavezmaisasereferir(aindaqueemsegredo)aGöringcomo“HerrMeier”.Em Stalingrado, a promessa de Göring de que poderia suprir o 6º

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Exército cercado com uma ponte aérea encorajou a Hitler a dar umaordemdealtoquandouma fugaainda teriasidopossível.De fato,apenasuma pequena porcentagem dos suprimentos chegou. Qualquer líderresponsável teria banido um fracasso renitente como Göring de seucomando, mas não Hitler. Como Gesche, Göring estivera com o PartidoNazista desde 1922. Sofrera um ferimento grave na virilha no Putsch daCervejaria. Isso e sua lealdadepessoal erammais signi icativos namentedo Führer que a sucessão de asneiras cometida por Göring comocomandante-em-chefe da Luftwaffe.Hitler só se voltou contraGöring nosúltimosdiasdaguerrae,mesmoentão,porteracreditado,erroneamente,que Göring estava se preparando para lhe usurpar o poder. Mandouprendê-lo, expulsou-o do Partido e exonerou-o de todos os seus cargos.ParaHitler,pessoaleideologicamente,alealdadeeramaisimportantequeacapacidadeeodesempenhoprofissionais.Enquanto podia contar com a lealdade de seustaff, Hitler era por sua

vez leal a ele.Oquenão era capazde reconhecer éque lealdade apenasnãobastava.UmlídercomoChurchilleracapazdesubordinarquasetudo—fossemsuasconvicçõesideológicasouatéseussentimentospessoais—àmetaúnicaqueestabeleceraparasimesmoeparaseupaís:avitória.A designação porHitler de Joachim vonRibbentrop para umposto tão

crucial noReich quanto oMinistério dasRelações Exteriores foimais umexemplodeseudesejodeterumasseclaquetinha“orabopreso”emvezda pessoa mais competente disponível. Diferentemente de Göring eGesche, Ribbentrop entrou tarde na política, ingressando no PartidoNazistasomenteem1932,comonúmerode iliaçãonada impressionantede1.119.927membros.Haviaadquiridoapartícula“von”pagandoumatiadistanteparaadotá-loenquantoseuspaisaindaestavamvivos.(Maistardequebrouapromessaenãofezospagamentos.)Apesar do tempo que passara nos Estados Unidos antes da Grande

Guerra,Ribbentropsubestimougravementeopoderdopaísemdezembrode1941,quandoaAlemanhalhedeclarouguerra.Esseerrodecálculolhepôs uma corda no pescoço de modo tão certeiro quanto os pracinhasamericanos que se apresentaram voluntariamente para esse serviço emNuremberg quatro anos depois. Em maio de 1945, quando os Aliadosinterrogaram a tia por a inidade de Ribbentrop sobre seu paradeiro eperguntaram que amigos o poderiam estar abrigando, ela lhes dissehonestamentequeelenãotinhanenhum.Suaignorância, incompetênciaecompleta vacuidademoral o deveriam ter desquali icadopara o posto de

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ministro das Relações Exteriores mesmo no Terceiro Reich, mas paraHitlerimportavammenosquesualealdade.Defato,asúltimaspalavrasdeRibbentrop antes que o alçapão de Nuremberg se abrisse foram: “HeilHitler!”Alémde conservaraspessoaserradaspor causade sua lealdade,uma

das razões do fracasso de Hitler como líder foi demitir alguns de seusmelhorescomandantesporcausadesuaaparentedeslealdade.Guderian,opioneirodaBlitzkrieg, foi afastadodurantea campanharussaem1941,só para ser reconvocado em 1943. Erich von Manstein, o arquiteto dabrilhanteoperação“GolpedaFoice”contraaFrançafoidemitidoem1944.UmdoscomandantesmaisgraduadosdeHitler,marechal-de-campoGerdvonRundstedt, foiexoneradoereadmitidonadamenosquequatrovezes.Mais cedo ou mais tarde, quase todos os generais de patente mais altaforam substituídos, por mais capazes e experientes que fossem, porqueHitlernãoconfiavanosoficiaisalemães.Duranteaguerra,nadamenosque35marechais e generais-de-campo foram afastados por Hitler, commaisfreqüênciapor faltade lealdadedoqueporalgumaincompetênciamilitarrealouaparente.Churchilltambémgostavadacompanhiadosquetinham“orabopreso”.

Seumaioramigo,quemorreutragicamenteantesdecompletar50anosem1930,F.E.Smith, lordeBirkenhead,eraalcoólatra.MaxBeaverbrooktinhareputação de desonesto. Brendan Bracken também tinha um passadonebuloso e pesava sobre ele a suspeita de deixar persistirdeliberadamenteorumorinfundadodequeerafilhoilegítimodeChurchill.Averell Harriman teve umaffair com a mulher de Randolph, ilho deChurchill, mas não foi socialmentepunido por isso pela família Churchill.Aindaassim,háummundodediferençaentreocasodeHitler—emqueasfalhasdavamlugaraumaespéciedechantagem—eodeChurchill,emque eram relevadas na certeza de que aquelas pessoas que mais seaproximamdaperfeiçãomoralsãomuitasvezesunsrematadosmaçantes.Uma pessoa podia ser culpada de praticamente quase qualquer coisa epermanecer no círculo de Churchill, mas não de covardia ou de tolicerecalcitrante.Hitler relevava a estupidez até um estágio surpreendente, certamente

muitomaisdoqueChurchill.Emboranenhumdosdoistivessefreqüentadouma universidade, Churchill em geral se dava bem com acadêmicos, aopasso que Hitler os desprezava. Dos 50 Reichleiters e Gauleiters queformavam a elite da liderança nazista, somente dez tinham formação

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universitária completa. Alguns tinham freqüentado cursos universitáriosporalgumtempo,masamaiorianuncaforaalémdaescolasecundária.Embora a maior parte de seus generais apoiasse fervorosamente a

política expansionista dos nazistas, Hitler tinha pouca con iança em sualealdade ideológica e pessoal e por isso recorria ao suborno deslavado.Como se sabe, não é raro na história militar que generais sejamespecialmente recompensados depois de uma guerra. O ancestral deChurchill, duque deMarlborough, recebeu a propriedade de Blenheim, eWellington foi aquinhoado comStrat ield Sayeporumanação igualmentegrata.Ogovernosódeixoudepagar5.000librasporanoaosdescendentesdoalmiranteNelsonquandoClementAttleefoiprimeiro-ministro.Hitler,entretanto,foiexcepcionalmentegenerosocomseuscomandantes

enquantoaguerraaindaestavaemcurso.Umgrandenúmerodegeneraisemarechais-de-camporecebeuchequesde250.000Reichmarks—cercademeiomilhãode libras emdinheirodehoje—assinadospessoalmentepelo Führer. Outros receberam enormes terrenos e casas magní icas. Apropriedade de Glebokie no oeste da Polônia foi um presente do Führerpara o general Heinz Guderian. Embora um ato como esse pareçademonstraragenerosidadedeHitler,naverdadeilustrasuaespertezaaoassegurarlealdademediantesubornodescarado.Glebokie pertencia a um aristocrata polonês que durante a Grande

GuerraserviranoExércitoalemãocomoajudantedogeneralHindenburg.Apesardisso,osnazistasopuseramnaprisãoeenviaramsuafamíliaparaumcampode trabalhos forçados.Aoqueparece, o generalGuderiannãose preocupou com o legítimo dono da propriedade que Hitler lhe deu.Depois da guerra, nunca se cansou de manifestar seu desagrado pelosnazistas,masesqueceu-seconvenientementedequenãotiveraquaisquerescrúpulosemseacumpliciarcomabrutalpolíticadeocupaçãodeHitler.Quando os o iciais que tramaram contra Hitler buscaram a adesão deGuderian,eledeclinou.O que fez foi, depois que o complô fracassou, aceitar participar do

infame“TribunaldeHonra”contraesseso iciais,queoscondenoutodosàmorteporviolaçãodeseujuramentoaoFührer.ApropriedadenaPolôniadeve certamente ter pesado em sua decisão de permanecer leal. Adespeitodosprotestosfeitospelocorpodosoficiaisapósaguerradeteremlutado pela honra de sua pátria, muitas vezes o que estava em jogo eramesmodinheiro.Hoje diríamos que, com seus presentes,Hitler “molhavaasmãos” de generais. Erampagamentos destinados amanter as pessoas

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leais, ainda que a verdadeira lealdade não possa ser comprada nemvendida.NoExércitobritânico, as coisas eram levadas aooutro extremo.Depois

daguerra,lordeAlanbrookeviu-setãoempobrecidoquefoiobrigadoapôrsua casa à venda e mudar-se para a casinha do jardineiro anexa.Ornitólogo entusiástico, Alanbrooke teve até de vender seus livros sobreobservaçãodepássaros.Elenão icouarrasado,noentanto,comodeclíniode sua fortuna material, já que não esperara que o país lhe desse umapropriedade magní ica. Vivia sua vida segundo um código do dever quenãotinharelaçãoalgumacomrecompensafinanceira.Churchillnão tinhaqualquerrazãoparadescon iardocompromissode

seus generais com a causa pela qual lutavam,mas isso não signi ica quesempre acreditasse na sua competência pro issional. Nos três primeirosanos da guerra, tentou muitas vezes interferir nas ações de seuscomandantes no campo de batalha. Em agosto de 1940, por exemplo,redigiu pessoalmente uma ordem para o comandante-em-chefe para oOrienteMédio que se estendia a questões táticasminuciosas, chegando aconter instruções para o posicionamento estratégico dos soldados até onível de batalhão. Na Guerra do Deserto, em várias ocasiões Churchillimpeliu comandantes a ofensivas precipitadas e malpreparadas, muitasvezes com resultados desastrosos — pelo menos até que generaisdeterminadoscomoHaroldAlexandereBernardMontgomeryoensinaramaconfiarneles.AlexanderrecebeuocomandodoOrienteMédionoverãode1942,com

Montgomery como comandante do 8º Exército, que enfrentava o AfrikaKorpsdeErwinRommel.Atéentão,aGrã-Bretanhaexperimentaraapenasderrotashumilhantesnasmãosda“RaposadoDeserto”eChurchillestavaansioso para ver algumas vitórias. Exatamente como izera com seusgenerais anteriores na Guerra do Deserto, como Auchinleck e Wavell,tentouintrometer-senoscomandosdeMontgomeryeAlexandereinsistiupara que “capturassem ou destruíssem” o Afrika Korps de Rommel “oquanto antes”. Alexander, contudo, deu-lhe uma resposta fria, dizendovigorosamenteaoprimeiro-ministroquenãosemetesse.ComoElAlameinmostrou,Montgomerytambémnãoodesapontaria.AbatalhadeElAlameinnãofoiummomentodecisivoapenasnaguerra,

mastambémnaliderançadeguerradeChurchill.Finalmenteeleaprendeua con iar em seus comandantes no campo de batalha e a deixar queizessemseutrabalhosemsuaconstanteinterferência.Certamentenãofoi

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fácil para ele deixar de se intrometer. Fora um soldado, tendo cursado aRealAcademiaMilitaremSandhurst,eviramuitaação,maisrecentemente,na Primeira GuerraMundial. Teria gostadomuito de estar pessoalmenteno comando, em todos os momentos e em todos os lugares. Antes decompletar 25 anos, havia escrito dois livros,TheMalakand Field Force [Ahistóriada tropade campoMalakand] eTheRiverWar [A guerra luvial],em que procurara dar ao Alto Comando britânico o bene ício de suaexperiêncianaÍndiaenoSudão.Churchill não era o grande comandante militar que seu ancestral

Marlborough fora. Suas qualidades de liderança excepcionais eram porvezes prejudicadas por uma impressionante falta de discernimento. Comfreqüência seu pensamento militar era alimentado por uma visãoromânticadaguerracomoumaaventura,nãoporumaapreciaçãorealistade detalhes práticos. Um de seus esquemas favoritos, por exemplo, erauma invasãodaEuropaocupadapelosnazistasapartirdaNoruega,umaidéia a que retornou reiteradamente ao longo da guerra. A cada vez, oschefes do estado-maior eram forçados a preparar planos operacionaisdetalhados para esse esquema, ainda que apenas para provar quesemelhanteempreendimentoestavacondenadoaofracasso.É fascinante ver como os estilos de liderança de Churchill e Hitler se

desenvolveramduranteocursodaguerra:enquantoChurchillpassouaseenvolver cada vezmenos coma conduçãomilitar do con litonodia-a-dia,Hitler foi se tornando cada vezmais um superadministrador. Isso foi emgrande parte conseqüência das vitórias do Exército alemão nos doisprimeirosanosdaguerra.EnquantoesseêxitoconvenciaHitlerdequeeleeraumgêniomilitarinfalível,asderrotasbritânicaslembravamaChurchillqueelepróprionãooera.Desde omomento emque o exército alemão fora detido nas portas de

Moscou, Hitler passara a se envolver cada vez mais com detalhesoperacionaiseatécomquestõestáticasqueoscomandantesnocampodebatalha teriam podido decidir muito melhor. Era a própria negação doprincípio do comando de missão que dera tanto sucesso às primeirascampanhasBlitzkrieg.Hitlertinhaumacrençatãoexageradaemsimesmoque,umdia,quando

assobiava uma música clássica e uma secretária sugeriu que havia seenganadonamelodia,retrucou:“Eunãoassobieierrado.Foiocompositorquecometeuumerronestapassagem.”41Àmedidaqueaguerraavançava,porém, ele se esqueceu de que muitas vezes fora a iniciativa de

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comandantesindividuaisquelhehaviavalidosuasprimeirasvitórias.Enquanto a guerra se arrastava no Leste, Hitler fez cada vez mais o

papel de um comandante de divisão em vez do de um comandante-em-chefe. Concentrar-se em interferir em operações individuais de seuscomandantesnocampodebatalhaamilharesdequilômetrosdedistânciapermitia-lhe esquecerpor algum tempo a penosa realidade da situaçãoglobal. “Um dia desses cancelei um ataque que iria nos proporcionar umganhoterritorialdequatroquilômetros”,gabou-senumareuniãocomseustaff, “porque a operação nãome parecia valer o que custaria”. SeHitlertivesse tido um cérbero como lorde Alanbrooke, nunca lhe teria sidopermitidoenvolver-seemdecisõestãodetalhadas,masapróprianaturezado Estado nazista tornava isso impossível. A situação deteriorou-se tantoque na altura de 1945 o general Günther Blumentritt queixou-se de queumplanodeHitler

chegou-nos… com os mínimos detalhes. Estipulava as divisõesespecí icasquedeveriamserusadas…Osetoremqueoataquedeveriater lugar era especi icamente identi icado e até as estradas e aldeiaspelasquaisas forçasdeveriamavançarestavam todas incluídas.Todoesse planejamento fora feito emBerlim a partir demapas em grandeescala, e o conselho de generais… não foi solicitado, tampoucoencorajado.42

O contraste com os princípios do comando demissão que fora tão útil aHitlernoOcidenteem1940nãoteriapodidosermaisacentuado.EnquantoChurchillhaviasimpli icadooprocessodetomadadedecisão,

Hitler operava um sistema de dividir para reinar que assegurava queninguém além dele podia pretender uma visão abrangente da situaçãoestratégicadaAlemanha.Masafragmentaçãodocomandoeaconfusãoderesponsabilidades que disso resultavam tornava quase impossível aliderançamilitare iciente,comooDiaDmostraria.O“MurodoAtlântico”,aforti icação de Hitler na Normandia, fora projetada para impedir umataque aliado através daMancha. Não funcionou, é claro,mas o fracassoalemão deveu-se fundamentalmente não à falta de armamentos, mas àfalta de liderança. Quatro anos depois da vitória sobre a França com aBlitzkrieg,osistemadecomandoalemãoencontrava-senumestadocaótico.A técnicade liderançaquehaviaajudadoHitler a reforçar sua imagem

dolídercarismático, incontestável,emtemposdepazprovou-sesuaruína

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na guerra, quando ele se desviou do processo de tomada de decisãoracional—aindaquecínicoesinistro—deseusprimeirosanos.Essefoiocaso,emparticular,depoisqueamarémudouemnovembrode1942,mêsquemarcatantooafastamentodeRommelapósElAlameinquantoocercodo exército alemão que sitiava Stalingrado. Hitler começou a introduzirnovasinformações,especialmentenotíciasdesanimadoras,emseupadrõesjáestabelecidosdeesperançasecrenças.Asprovasdequesuaestratégiaestavafracassandoeramminimizadas,eelenãofoicapazdeaceitarqueaguerraestavasendoperdidanemmesmoquandorecebeuumrelatóriodeAlbert Speer que continha efetivamente as palavras: “A guerra foiperdida.”43Nodia20dejulhode1944aoposiçãoalemãaHitlerfinalmenteconseguiufazerumsérioatentadoàsuavida.

AresistênciaaHitler

Um novo mito sobre a Segunda Guerra Mundial está prestes a serincorporado ao cânone liberal. Está surgindo agora a teoria de que osbritânicos,alémderesponsáveispeloscamposdeconcentração(iniciadosna Guerra dos Bôeres), por oprimir a Alemanha de Weimar (como oeconomista John Maynard Keynes sustentou convincentemente em seulivroAs conseqüências da paz), e é claro pelo bombardeio chamado“genocida” deDresden eHamburgo, foram também culpados de não darapoio ativo à resistência alemã, que se viu assim na impossibilidade dederrubarHitler.A publicação em 1996 deTramando a morte de Hitler pelo eminente

historiador alemão JoachimFest levou a argumentaçãomais longe até doque o haviam feito as obras anteriores de Patricia Meehan,TheUnnecessary War [A guerra desnecessária] (1992), e de Klemens vonKlemperer, A resistência alemã contraHitler (1993). Herr Fest culpou demaneirainequívocaogovernobritânicoporsua“faltade lexibilidade,suahostilidade, sua cegueira e uma obtusidade política que, para todos osefeitos, representou uma aliança com Hitler”. A irmou que “ospropagandistas nazistas e os porta-vozes aliados uniram forças numacoalizãodefacto”paradenegriraresistênciaalemã.Várioscríticosdolivrocensuraram Churchill e o ministro britânico das Relações Exteriores pornãoteremdadomaisapoioaosquetramavamcontraHitler,eumeditorialno jornalTheTimes chegou a a irmar que “nós também talvez desejemos

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reconsiderar nosso histórico de guerra” por causa de nossa “políticaequivocada”, só explicável porque “líderes britânicos estavam lutando aguerraerrada”.Noentanto, longede teremagidode formarepreensívelcomocegosou

estúpidos, Churchill e Eden tinham razões sólidas, de fato politicamenteirrefutáveis para seguir sua posição de “absoluto silêncio” em relação àresistência alemã. Como Fest, Meehan e Klemperer reconheceram, nãohavia uma única entidade de resistência com a qual o governo britânicoteria podido negociar deixando as outras de lado. Havia poucasuperposição entre os opositores comunistas, cristãos e militares doregimedeHitler.Mesmodentrodaquelescírculosquepodiamrepresentargenuinamente uma ameaça ísica direta à vida de Hitler, havia grandesdivergênciasquantoaoresultadopretendido.As idéiasdocondeHelmuthvon Moltke para a democracia do pós-guerra, por exemplo, envolviameleições apenas para conselhos locais, não para um parlamento nacional.Claus von Stauffenberg e Karl Goerdeler queriam que a Alemanharetornasse às suas fronteiras de 1939, que evidentemente incluíam aRenâniaremilitarizadaearegiãodosSudetosnaTchecoslováquia.Outros,como o político Ulrich vonHassell, consideravam desejáveis as fronteirasimperiais que a Alemanha tivera em 1914, incluindo porém partes daPolônia, o próprio país cuja independência fora o motivo inicial da Grã-Bretanha e da França para entrar em guerra em 1939. A possessão daAlsácia-Lorenaeraumoutropontodecontrovérsia.Alémdisso, após junhode1941, asdecisões sobreaçõesdepaz jánão

dependiam apenas da Grã-Bretanha. Uma vez que a União Soviética e, apartir de dezembro de 1941, também os Estados Unidos estavam naguerra,era inconcebívelqueaGrã-Bretanhaentrasseemnegociaçãocomquaisquer alemães sem a ciência de seus aliados, especialmente depoisque o presidente Roosevelt insistira, em janeiro de 1943, na rendiçãoincondicional da Alemanha como uma precondição para a paz. Como umdos funcionários graduados do Departamento Alemão do Ministério dasRelaçõesExteriores, sirFrankRoberts,oexpressouemsuaautobiogra ia,Dealing with Dictators [Lidando com ditadores]: “Se Stálin tivesse aimpressão de que estávamos em contato com generais alemães, cujoprincipalobjetivoeraprotegeraAlemanhacontraaRússia, talvez tivessesido tentado a ver se não poderia chegar a um acordo com Hitlernovamente.”A postura do governo britânico foi resumida de forma sucinta por sir

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D’Arcy Osborne, o enviado britânico ao Vaticano, que, quando informadopelopapaPioXIIdequegruposderesistênciaalemães“con irmavamsuaintenção, ou seu desejo, de promover uma mudança de governo”,respondeu: “Por que não vão em frente?” É questionável também queapoio verdadeiro os Aliados teriam podido fornecer. Provavelmente osmilitaresalemãesnãotinhamnecessidadedeapoiologísticoemtermosdofornecimentodebombasouri les,eapoiomoraleradepoucavaliaprática.Qualquerpromessa sobre a atitudedosAliadospara comumaAlemanhapós-Hitler teria dependido necessariamente da con iguração política dopaís,queteriapodidoenvolveraténazistasdealtoescalão.Detodomodo,ser visto como apoiado ou in luenciado de alguma forma pelos Aliadospoderia ter sido catastró ico para qualquer grupo alemão de oposiçãoempenhado em formar um governo pós-Hitler com o apoio de patriotasalemãescomuns.Os responsáveis britânicos pela tomada de decisões conheciam o

su iciente a classe dos o iciais prussianos entre 1914 e 1918 para termuita féemseucompromissocomqualquercoisaqueseaproximassedademocracia. A seu ver, o militarismo prussiano era quase tão poucoatraente quanto o nazismo rematado; os alemães nacional-conservadoreseram praticamente indistinguíveis dos nacional-socialistas. É possívelcompreenderporqueEdenteriaditoqueosautoresdoatentadoabombade julho “tinham suas próprias razões para agir como o izeram e comcertezaoqueosmoveubasicamentenão foiumdesejodeajudaranossacausa”,pormaisdesagradávelqueissopossasoaremretrospecto.Namedidaemqueosgeneraisalemãeseramumaentidadehomogênea,

não um grupo de indivíduos em competição emuitas vezesmutuamenteantagonistas, sua cumplicidade ao empreenderumadas campanhasmaisimorais da história era total. Em 1939, na Polônia, aWehrmacht apenascoadjuvou os crimes da SS, mas na altura de 1941 estavam em totalcumplicidade.Quasecertamente,não foiporcoincidênciaqueasderrotasnaRússiaeoComplôdaBombaseseguiram.Ogovernobritânicopodeserperdoado por suspeitar que, se a Rússia tivesse sido derrotada, ou se osAliados tivessem sido repelidos na Normandia no mês anterior, não seteria atentado contra o homem que viera sendo seguido cegamente pelopovoalemãoaolongodevitóriasdeinícioincruentas,edepoissumamentesanguináriasde1938a1942.Emboraosquearmaramocomplô fossemsemdúvida,naspalavrasde

Churchill, “osmaiscorajososdoshomens”,não icaclaroseospartidários

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da Resistência falavam por muitos outros alemães além de si próprios,mesmo em 20 de julho de 1944. SeHitler tivessemorrido no Complô daBomba, teria sido sucedido não por um governo neo-democrata-cristão,mas provavelmente por Heinrich Himmler, que controlava a SS. ComoBormanneraummeroburocrataeain luênciadeGoebbelsdependiaemgrandepartedofalecidoHitler,Himmlerteriasevalidodesuaformidávelbasedepodere,muitopossivelmente,setransformadononovoFührer.Ascoisastampoucoteriamsidodiferentesseovice-Führer,HermannGöring,tivesse ascendido ao trono nazista. Como escreveu o historiador PeterHoffmann: “Göring teria buscado arregimentar todas as forças do Estadomediante um apelo aos ideaisvolkisch e nacional-socialistas, prometendoser ielàherançadeHitlereredobrarosesforçosnocombateao inimigoatésuaimobilização.”SeGöringouHimmlertivessemassumidoocontrolee não cometido as muitas asneiras perpetradas por Hitler nos últimosmeses da guerra, a Alemanha nazista poderia até ter durado mais.Ademais, o soldado alemão comum teria sem dúvida continuado a lutarobstinadamenteparaprotegersuapátria(eahonradesuamãe)contraotruculentoExércitoVermelho.UmHitlerassassinado teria também fornecidoanovaDolchstosslegende

ideal depois que a Alemanha fosse derrotada. Com certeza se teriaa irmado que— exatamente quando estava prestes a lançar suas armassecretas arrasadoras para destruir os exércitos aliados, que passara umanoatraindopropositalmenteparaaAlemanha—Hitler foraassassinadoporumgrupodearistocratas, liberais,cristãosecosmopolitascujatraiçãoera evidente, já que estavam trabalhando em aliança com a Inteligênciabritânica. Essa teria sidoumapoderosa receitade revanchismoque teriaressoadonaAlemanhaquaseatéosdiasdehoje.Emseulivrode1947,TheLastDaysofHitler [OsúltimosdiasdeHitler],

oeminentehistoriadorHughTrevor-Roperquali icouaResistênciaalemãde “uma criatura tão mítica quanto o centauro e o hipogrifo”. Mas, querfosse elaounão realmente tãograndee in luentequanto sustentamseusdefensoresnopós-guerra—ébemprovávelquetenhainchadoumpoucodepoisdaguerra,comoaconteceucomomaquifrancês—,restaofatodequeosbritânicostinhamboasrazõesparasuspeitardequeseuscontatosentre a Resistência eram agentes duplos. Em novembro de 1939, doiso iciaisdaMI6foramseqüestradosemVenlo,nafronteiradaHolandacomaAlemanha, por agentes daGestapo que se apresentaram comohomensdaResistência.Festnãomencionaoincidente,masMeehanreconheceque

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ele teve “conseqüências sérias e duradouras”, tornando o Ministério dasRelaçõesExteriorescompreensivelmentedescon iadoemrelaçãoafuturosavanços.Sob essa luz, a manifestação inoportuna de sir Alec Cadogan, o

subsecretáriopermanentedoMinistériodasRelaçõesExterioresbritânico— “Como de costume, o Exército alemão conta conosco para salvá-los doregime nazista”—, torna-se facilmente explicável. Depois que o líder daResistência Karl Goerdeler pediu que Danzig continuasse alemã,concessõescoloniaiseumempréstimode500milhõesdelibrassemjurosantesdetentardeporHitleremdezembro,Cadoganfoi igualmenteferino.“Entregamosamercadoria”,escreveu,“eaAlemanhadáaspromissórias”.O ministro das Relações Exteriores concordou. Sobre a questão dos queNeville Chamberlain batizou de os “jacobitas de Hitler”, lorde Halifaxqueixou-se:“Osalemãessemprequeremquenósfaçamossuasrevoluçõesparaeles.”AjulgarpelolivrodeHerrFest,poucacoisamudou.“O assassinato”, disse Benjamin Disraeli apenas duas semanas após a

mortedeAbrahamLincolnem1865,“nuncamudouahistóriadomundo”.Estavacerto?ConsiderandooefeitomalignoquealiderançadeHitlertevesobreopovoalemãoentre1933e1945,teriasidojustificávelassassiná-lo?Documentosdivulgadosem2000noDepartamentodeRegistrosPúblicos,em Kew, mostraram que a “Operação Foxley”, os vários planos daInteligência britânica para matar Hitler, chegaram a ser bemdesenvolvidos mas sua execução foi impedida por uma decisão políticasuperior.DiscutirseoassassinatodeHitlerteriaounãomudadodrasticamenteo

curso da guerra é ir ao cerne do antigo debate: é a história movidafundamentalmente pelo que T.S. Eliot chamou de “forças vastas,impessoais” — tão poderosas que indivíduos, por mais que pareçamin luentes, estão de fato ao sabor das ondas da história —, ou, comoThomasCarlyleacreditava,grandeshomensdeterminamporsimesmosoqueacontecenahistóriadahumanidade?SeNapoleão tivesse sidomortonocercodeAcre,ouseHitlertivessesucumbidoaocoquetelletaldeantrazebazucasda“OperaçãoFoxley”,seriaomundoumlugardiferente?Os governos americanos pós-guerra, ou pelomenos suas comunidades

de informação, parecem ter-se aferrado à teoria do “grande homem”,autorizandoatentadosàvidadeFidelCastro—numaocasiãonotória,comcharutosexplosivos—emissõesdebombardeiocontraocoronelGadda iem1986eSaddamHusseinem1991.EmboraosEstadosUnidos tenham

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visto tantoumnúmerodesmedidodepresidentes (quatro)quantooutrasiguras públicas comoMartin LutherKing,Huey Long, Robert Kennedy eMalcolm X tombarem nas mãos de assassinos, continuam sendo a maischauvinista das nações, dispostos a aprovar um ataque especi icamentedestinado a um líder inimigo, de umamaneira queWellington condenoucomo ignóbil quando se sugeriu que ele disparasse um canhãodiretamente sobre Napoleão durante o estágio inicial da batalha deWaterloo. Em contraposição aos americanos, a Grã-Bretanha tem sidobastantecircunspecta;jásemencionouqueacarreiradopolíticobritânicoJulian Amery nunca prosperou realmente depois de ele ter defendido oassassinatodealgunsdesordeiroscoloniaispelaMI6.44O assassinato como linha de ação tende a ter efeitos muito diferentes

quandolevadoacaboemdemocraciasrepresentativascomhierarquiasdepoder estabelecidas do que em países feudais, tribais ou ditatoriais.Enquantooassassinatodeumpresidente—McKinleyouJohnKennedy—oudeumprimeiro-ministro—SpencerPerceval—resultasimplesmentena sua tranqüila substituição por um representante, que em geral estádesa iadoramente decidido a levar adiante amesmapolítica, a situação édiferentequandooindivíduomortopersoni icaanação.Quandoépossívelabreviarumaguerraoupromoverumamudançasigni icativadegovernomedianteumataqueadhominem,comoaSaddamHussein,édi ícilrecusartalação.OsassassinatosdehomenscomoJeanPaulMarat,oczarAlexandreII,o

arquiduque Franz Ferdinand, o almirante Darlan, Reinhard Heydrich,HendrikVerwoerd,BenignoAquino,opadreJerzyPopieluszkoeogeneralZiaul-Haqtiveramtodosamplasconseqüênciaspolíticas—emboramuitasvezes opostas às que os assassinos pretendiam— porque tiveram lugarempaísesnão-democráticos.Osda imperatrizElisabethdaÁustria,doreiHumberto I da Itália, de Jean Jaurès, deMahatma Gandhi, do presidenteDiemdaCoréiadoSul,deOlofPalme,deIndiraGandhiedeRajivGandhi,tendo ocorrido em países com instituições representativas de fato, nageneralizaçãotipicamenteatrevidadeDisraeli,não“mudaramomundo”.Podemos supor com bastante segurança que a morte súbita de Hitler

nas mãos da Executiva de Operações Especiais, por qualquer dasesplêndidas manobrasà la James Bond que tivesse sido inalmenteescolhidaparaa“OperaçãoFoxley”, teriamudadoocursodaguerra,masparamelhorouparapior?EraprecisoqueosAliadosvencessemaguerra,maseraprecisotambémqueelafosseperdidademaneiracompreensível

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e pessoal, pelo próprio Hitler. Seu suicídio no bunker após o completocolapso de seus sonhos tinha de ser o último capítulo do conto, o pré-requisitodecisivoparaaAlemanhadecente,democráticaeamantedapazqueconhecemoshoje.Antesdejunhode1944,aAlemanhain ligiramuitomaisdanosaoresto

domundodo que padecera deles o ajuste de um armistício combase nafalácia demonstrável de que a guerra fora iniciada e era conduzida pelavontadedeumhomem,enãoatravésdoapoiodevotadoeentusiásticodopovoalemão,nãoteriaproduzidoomaislongoeduradouroperíododepazqueaEuropaconheceuemmeiomilênio.Umanaçãoqueempreenderanadamenosquecincoguerrasdeinvasão

nos75anos transcorridosdesde1864precisava ter seu instintobelicosoextintodesuaalma.Somenteoshorroreseahumilhaçãode1944e1945teriam podido levar isso a cabo. Se tivessem sido poupados daquelacalamidade inal, escapando de algum modo do Ano Zero por causa daOperaçãoFoxley,osalemãesnãoseriamosdemocrataspací icosquesemdúvida são hoje. A cena medonha de Götterdämmerung tinha de serencenada, com Goebbels lendo uma tradução de Frederico o Grande deThomas Carlyle para Hitler nobunker de Berlim enquanto o ExércitoVermelho se aproximava. Ribbentrop, Kaltenbrunner, Streicher,Rosenberg e os outros podiam ser enforcados em Nuremberg, mas opróprioHitlerprecisavamorrerpelaúnicamãoque tornaria suaderrotaverdadeiramentecompleta—asuaprópria.

DiaD:anêmesisdeHitler

Muito antes que o Dia D realmente ocorresse, os três serviços deinformaçõesdeHitler,rivaisentresi,estavamlhefornecendoinformaçõescontraditórias sobre o momento e o lugar da invasão. Em conformidadecomoprincípiodedividirparareinardoFührer, tantooExércitoalemãoquantooMinistériodasRelaçõesExteriorestinhamsuasprópriasagênciasde informação, assim como a SS de Himmler, que mantinha oSicherheitsdienst (SD). Cada uma dessas três agências operava demodocompletamente independente uma da outra, divulgando com freqüênciaanáliseserelatórioscontraditórios.Osbritânicoseosamericanos,porsuavez, tinham um Comitê Conjunto de Inteligência que reunia e avaliavatodososdadosque chegavam, fornecendoassimaChurchill prognósticos

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resultantesdeumacoordenaçãogeral.Mais grave ainda para a Alemanha era o fato de que o comandante

responsável pela defesa da França, marechal-de-campo Von Rundstedt,não tinha nenhum controle direto sobre muitas das unidades queoperavam na área sob sua responsabilidade. As unidades de defesaantiaérea e as tropas de pára-quedistas estavam sob o controle daLuftwaffe de Göring. As unidades daWaffen SS estavam sob o comandoexclusivodeHimmler.UmGrupodoExércitoeracomandadoporRommel,mas Rundstedt, embora fosse nominalmente seu superior, não tinha odireito de lhe dar ordens. Duas divisões dePanzers inteiras, mantidascomoreserva, estavamsobo controlediretodoAltoComando das ForçasAlemãs(oOKW),queporsuavezsóagiaporordemdeHitler. Issotolheuenormemente a capacidade de Rundstedt de manobrar e icazmenteunidades de combate quando os desembarques aliados começaram nasprimeirashorasdodia6dejunhode1944.RundstedtordenouimediatamentequeosPanzersnareservapartissem

agrandevelocidadeparaocanaldaManchaparajogarosAliadosdevoltano mar antes que eles conseguissem estabelecer um apoio irme nocontinente, só para se ver censurado pelo Alto Comando do Exército (oOKH)pornão terobtidoprimeiroa autorizaçãodeHitler.As reservasdePanzersreceberamordemdealto.MasoFührernãoestavainclinadoadarsua autorização e foi só ao meio-dia que inalmente reagiu à gravíssimanotícia.Nãoéverdadequeestavadormindo,apenasdemorouatomarumadecisão. Quando o fez, os Aliados já tinham se apossado de cabeças-de-ponte nas praias e a superioridade aérea dos Aliados tornara qualquermovimento em grande escala dePanzers durante o dia praticamenteimpossível.ApromessadeChurchilldecombaternaspraiasforacumprida,masele

não foi travado em Brighton ou Dover, e sim praias invadidas daNormandia, que receberamos codinomes de Juno, Omaha, Sword, Gold eUtah.AgoraeraapenasumaquestãodetempoatéquetodaaEuropafosselibertadado jugonazista.Entretanto,quantopior a situaçãomilitar icavapara a Alemanha, mais Hitler se perdia em detalhes, tornando assim ascoisasaindamaiscalamitosasdoquejáeram.Issofoiapróprianegaçãodoprincípio do comando de missão que tornara possíveis os sucessosanterioresdeHitlercomaBlitzkrieg.DepoisqueabatalhadoOdonhaviaeliminadoqualquerchancequeos

alemães pudessem ter tido de dividir as forças aliadas atacando em

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Bayeux,RundstedtavisouoOKWqueabatalhapelaNormardiaestavadefato perdida. O marechal-de-campo Keitel respondeu, desesperado: “Quedevemosfazer?”ArespostadeRundstedtfoidura:“Apaz,seustolos.”Elefoi destituído de seu comando e substituído pelo marechal-de-campoGünthervonKluge.Algunsdiasdepois,RommelenviouumacartaaHitler:“Nossastropasestãolutandoheroicamenteaolongodetodaalinha,masabatalhadesigualestáseaproximandodo im.Ameuver,osenhordeveriatirar as conclusões necessárias.” Kluge apoiou Rommel: “Infelizmente, omarechal-de-campoestácerto.”Hitler, contudo, não queria admitir nada disso, em especial quando a

tentativa frustrada de assassinato de 20 de julho de 1944 revelou aexistênciadeumaampla conspiração contraeledentrodoAltoComando.Sua resposta foi um expurgo implacável das forças armadas: 160 o iciaisforamexecutados,entreelesnadamenosquedoismarechais-de-campoe17generais.OpróprioRommelnãoteveescolhasenãotomarveneno.O Complô da Bomba enfraqueceu Hitler sob outros aspectos além do

político.OgeneralWalterWarlimontdaequipedeoperaçãodoOKH,quefoiferidonaexplosão,registroudequemaneira,posteriormente,

O próprio Hitler tornou-se um homem obviamente doente. Osferimentosquesofreraem20dejulhohaviamsidoinsigni icantes,masparecia que o choque havia trazido à tona toda a maldade de suanatureza, tanto ísica quanto psicológica. Entrava na sala dos mapascurvado,arrastandoospés.Seusolhosvidradossódavamumsinaldereconhecimentoaosquelheestavammaispróximos.Empurravamsuacadeiraparaele,quedesabavanela, curvadoquaseemdois,acabeçaen iadaentreosombros.Quandoapontavaparaalgumacoisanomapa,sua mão tremia. Ao menor pretexto ordenava que se caçasse “oculpado”.

O Führer conservou, no entanto, um aspecto original— o tão propaladoefeitode seuolhar.Umajudante-de-ordensque só viuHitler poucosdiasantes que ele se matasse, recordou como, embora sob todos os demaisaspectosparecesseum“umvelhodoenteesenil…somenteemseusolhoshavia um brilho cintilante indescritível… e o olhar que ele me deu foiestranhamentepenetrante”.WarlimontobservouqueoatentadoàsuavidalevouHitler,comonãoé

de surpreender, a descon iarmais ainda de seus generais após julho de

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1944,oqueporsuavezosdeixoumenospropensosacontradizê-lo:“Seuscautelosos conselheiros deram ao observador próximo a perturbadoraimpressão de que agora estavam sendo guiados não por ponderadasconsideraçõesmilitares,masporumasubmissãosepossívelaindamenosquestionadora que antes.” O resultado foi que Hitler passou a descartarporcompletoadoutrinadocomandodemissãoquetãobemlheserviranaPolônia,naNoruega,nosPaísesBaixosenaFrança(pelomenosantesqueinterviessecomsuadesastrosa“ordemdealto”paraos PanzersdiantedeDunquerque). Em conseqüência, como Warlimont lembrou mais tardesobreesseperíodopós-julho

Hitler conseguiu… rematar seu desastroso método de comando aoproclamar como uma ordem o princípio de que a únicaresponsabilidadede todosos comandantes,mesmodomaisgraduado,eralevaracabosuasordensdemaneiraincondicionaleaopédaletra.Diante do inimigo, um o icial subalterno ou soldado raso não tinhanenhum direito de pôr em questão a sensatez ou a probabilidade deêxitodeumataqueordenadopelo comandantede sua companhia; damesma maneira, o comandante supremo da Wehrmacht não sedispunha a dividir a responsabilidade por suas decisões comcomandantes-em-chefe de Grupos do Exército ou Exércitos. Não lheserapermitidopedirparaseremsubstituídossediscordassemdassuasinstruções.45

Para piorar as coisas, a própria sobrevivência de Hitler ao Complô daBomba serviu apenas para reforçar sua crença em seu destino. ComoWarlimontlembrou:

Eleerapresunçosoobastanteparaconsiderarqueforaa“Providência”que o preservara no dia 20 de julho e agora esperava que outros“milagres” promovessem uma reviravolta na guerra, embora emtempospassados tivesseescarnecidode todo líder inimigoqueusasseessetipodelinguagem.

Enquanto isso, Churchill usava a sobrevivência de Hitler como umaoportunidade para uma de suas críticas mais aniquiladoras. No passadoreferira-seaHitlercomo“essemolequederuasanguinário”eatribuíraasvitórias aliadas na África em parte à “intuição militar do cabo Hitler.Podemos notar o toque de mestre. A mesma obstinação insensata.” Ele

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havia tambémse recusado a equipararHitler aNapoleão, já que “pareceum insulto ao grande imperador e guerreiro compará-lo sob qualqueraspectocomumsórdidochefedecomitêecarniceiro”.Então,emsetembrode 1944, Churchill superou até a si mesmo em matéria de escárnio.PeranteaCâmaradosComuns,disse:

Quando Herr Hitler sobreviveu ao Complô da Bomba… quali icou suasobrevivência de providencial. Penso que de um ponto de vistapuramentemilitarpodemostodosconcordarcomele.Semdúvidaseriaextremamente lamentável se os Aliados fossem privados nas fasesinais da luta dessa modalidade de gênio guerreiro com que o caboSchicklgrubercontribuiutãonotavelmenteparanossavitória.

ComoerafreqüentecomasmelhoreszombariasdeChurchill,estatinhaavantagemadicional,masnãodetodonecessária,deserverdadeira.Trêsmilagres haviam acudido a Grã-Bretanha na guerra, todos eles resultadode erros capitais de Hitler: a “ordem de alto” dada aosPanzers junto aDunquerque em 25 demaio de 1940; a invasão da Rússia no dia 22 dejunho de 1941; e a declaração de guerra aos Estados Unidos feita pelaAlemanha em 11 de dezembro de 1941. Nenhuma dessas decisões tinhacoisaalgumaavercomChurchill,mas,emconjunto,haviamsalvadoasuacausa. Todas tinham partido de uma só mente diretora. A liderança —nessecasoaliderançacatastro icamentemádeHitler—haviasidocrucial.Verdadeirosgrandeslíderescompreendemoquantoévitaldarouvidosàspessoas que discordamdeles. Enquanto Churchill se envolvia em debate,Hitler simplesmente o reprimia. No inal das contas, portanto, embora osEstados totalitários sejam bons para iniciar guerras, as democracias sãomelhoresparavencê-las.

aProcedimentopeloqualoparlamentarquevotacontraaposiçãodeseupartidopodeperderomandato.(N.T.)bOprojetoUltrafoicriadoem1939peloServiçodeInformaçõesbritânicoparadecodificarascifrasalemãs“Enigma”.(N.T.)

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Conclusão

“AhistóriapodeverWinstonChurchillcomooarquitetodadesastrosacampanhadeGallipolioucomooautordediscursos xenofóbicos, mas esta noite nós oconsideramossimplesmentecomoChurchilloEuropeu.”

RadioTimes,novembrode2001

“A Escola SecundáriaWinston Churchill emHarare, noZimbabue, vai se tornar Escola Josiah Tongogara, emmemóriadocomandantedoexércitoguerrilheirodosr.Mugabe na década de 1970…. A Escola PrimáriaWarren Park passará a ser Escola Primária ChenjeraiHitler Hunzvi, imortalizando o principal demagogo doregime.”

DailyTelegraph,fevereirode2002

“Vídeo escolar sobre a guerra dá 14 segundos aChurchill.”

Manchetedejornal,2001

Que dirão as pessoas de Adolf Hitler e Winston Churchill quandoestivermos todos mortos há muito tempo? Enquanto pessoas queperderam parentes para a guerra de Hitler ainda vivem, enquanto oscontornospolíticosdomundoemquevivemospermanecemdelineadosemgrande parte pelo arranjo pós-Hitler, é impossível ser verdadeiramenteobjetivocomrelaçãoaHitlereChurchill.Que idéia,porém, terãodelesaspessoas comuns em 2145 ou 2245, quando ambos estarãocronologicamente tão distantes de nossos descendentes quanto hojeestamosdefigurashistóricascomoNapoleãoeWellington?Amaioria de nós gosta de acreditar que Hitler será sempre como um

outro Vlad o Empalador, Átila o Huno ou Ivã o Terrível — um tiranosanguinário e odiento e nada mais que isso. Nas palavras de sir John

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Keegan:“ElepertenceàcompanhiadeGêngisKhan,Tamerlão,StálineMaoTsé-Tung,todosmegalomaníacosdesumanos.Esseshomensestão,comooscarolas não têm di iculdade em acreditar, em aliança com o Diabo. QueDeus dê repouso às suas almas.” 1 Embora em cerca de 50 anos algumasbiogra ias e documentáriosde televisão revisionistas possamocasionalmente ter tentado reabilitar o Führer, o julgamento daposteridadeparecedecidido.Algunspensadoreseminentes,porém,comoohistoriador americano John Lukacs, não têm tanta certeza. Lukacsidenti icou várias áreas em que o revisionismo de Hitler já fez algumavanço(reconhecidamentemuitolimitado),etemequeissoaumentecomocorrerdotempo.A inal,NapoleãodeixouseismilhõesdemortosportodaaEuropa após duas décadas de guerras de conquista, e no entanto nãofaltamintelectuaiseescritoresparaadmirá-lohoje.Lukacs acredita que Hitler deveria ser reconhecido como “o maior

revolucionáriodoséculoXX”—superioratéaLêninemsuacapacidadedetirar partido da política do descontentamento das massas e depoiscanalizá-la — e que essas idéias de triunfalismo nacionalista aindapoderiam representar uma ameaçano futuro. Seuprincipal temor é que,se a civilização ocidental for minguando, e depois ameaçar desaparecerporcompleto,asfuturasgeraçõesseconfrontarãocomumperigo.Duranteuma maré crescente de barbarismo, a reputação de Hitler poderiaaumentar aos olhos das pessoas comuns, que poderiam passar a vê-locomoumaespéciedeDiocleciano, umúltimo e belicoso arquitetodeumaordemimperialdesejável.2Felizmenteessedesfechoestálongedeserumaperspectiva imediata, e se a civilização ocidental vier algum dia a sedissolveremtalgrau,oestadodareputaçãodeAdolfHitlerestaráentreosúltimosdostemoresdenossostetranetos.OpróprioChurchilldissealgumacoisanessesentidonaCâmaradosComunsem25de junhode1941: “Seganharmos, ninguém se importará. Se perdermos, não haverá ninguémparaseimportar.”Na introdução deste livro, tentei traçar uma distinção entre o líder

carismático do tipo de Adolf Hitler e o líder inspirador como WinstonChurchill.Quandovemosummágicoexecutandoseus truquesnuma festadecrianças,metadedenós ixaosolhosemsuasmãos,tentandodescobrircomoaeleasfaz,enquantoaoutrametadedaplatéiaassisteaoespetáculosimplesmente pelo que ele é, saboreando a sensação de se espantar. Oscéticos naturais seguirão um líder inspirador, mas verão o lídercarismáticocomadevidadescon iança.Napolítica,portanto,oceticismoé

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umareaçãosaudávelquedeveriaseralimentadaeencorajada.AverdadeéqueHitlerexerceumuitomaispodersobreasimaginações

e as psiques do que Churchill jamais o fez. Hitler atrelou duas dasmaispoderosas, ainda que repreensíveis, emoções humanas — a inveja e oressentimento — às rodas de sua biga, e elas o conduziram por umcaminho espantosamente longo. Na esteira da derrota da Alemanha e daÁustrianaGrandeGuerraedotratamento—aseusolhosabusivo—querecebeu no subseqüente tratado de paz de Versalhes, induzir no povoalemão uma autocomiseração sem limites foi uma facilidade patética. Defato,Hitlerfoioriginalmenteapenasumdograndenúmerodepolíticosdeextremadireitaempenhadosemconseguirisso.Emcontraposição,neminvejanemressentimentotinhamqualquerlugar

na constituição psicológica de Churchill. O autor John Julius Norwichlembrade iraocinemacomseuspais,Alfrede ladyDianaDuffCooper,eWinstonChurchill:“Lembro-medeum ilmesobrecamponesesirlandeses,duranteoqualelevoltaemeiacomentava: ‘Coitadodocavalo’.Depois,noimdo ilme,declarou:‘Inveja—omaisestérildetodososvícios.’”Ainvejaque os alemães alimentavam das potências vitoriosas de 1918, ecertamente de suas colônias e riqueza, mas sobretudo da sua própriavitória,fezdelesvítimasfáceisparaAdolfHitler.

OsexperimentosdeMilgrameAsch

“A arte da liderança”, escreveu Tony Blair em 1994, “está em dizer não,não em dizer sim. É muito fácil dizer sim.”3 Dois experimentos famososrealizadosnosEstadosUnidosalgunsanosatrás—osprojetosMilgrameAsch — ilustram o quanto é fácil para as pessoas dizer sim e têmimplicações muito perturbadoras para o modo como vemos amaleabilidade da natureza humana. No experimento conduzido em 1963pelodr.Milgram,voluntáriosforamsolicitadosaaplicartestesnumhomemque estava amarradonuma cadeira e comumeletrodopreso aos pulsos.Osvoluntárioseraminformadosqueoexperimentoestavasendorealizadopara testar a tolerância humana à dor. O homem fora solicitado amemorizar um texto, e se o repetisse corretamente, o voluntário deveriasimplesmentenãofazernada.Seelegaguejasseouerrasse,porém,deveriabater num interruptor sobre um reostato que administrava um choqueelétrico ao homem sentado na cadeira. Esses choques tornavam-se

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progressivamentemaisfortesàmedidaqueoserrosaumentavam.Naverdade,éclaro,nãohaviacargaelétricaalguma,eohomemestava

representando quando gritava de dor. Os voluntários, no entanto, nãosabiam disso, e nada menos que 65% deles obedeceram cegamente àsinstruções recebidas, chegando a administrar choques de até 450 volts,que teriamconstituídoumadose letal.Osgritosdedordohomemnãoosimpediram de levar o experimento adiante. Como Brian Masters oformulou em sua autobiogra ia,Getting Personal, o experimento deMilgram “demonstrou, acima de qualquer dúvida, que almas tímidas,bondosas e decentes podem se tornar monstros se lhes é fornecida aoportunidade”.4Alémdissoháas implicações igualmentepreocupantesdoexperimento

deAsch,emqueseapresentavaatrêspessoasumatelacomtrêslinhaseseperguntavaqualeraamaislonga.Maisumavez,semqueosvoluntáriossoubessem,asegundaeaterceirapessoaeramdefatoexperimentadores.Era perfeitamente óbvio qual era a linha mais longa; não havia dúvidaquantoàrespostacerta,mesmoparaalguémcomapiordasvistaseamaisreduzidainteligência.Depoisdealgumasrodadasemquetodosescolhiamas linhas corretas, os dois experimentadores começavam a escolher amesmalinhaerrada,umaqueeraidenti icávelepatentementemaiscurtaque a de fato mais longa das três. No início o voluntário protestava eapontava a verdade, mas, com assombrosa rapidez, passava a seguir aopiniãodosoutrosdois.OsexperimentosdeMilgrameAschmostramcomque facilidadeaspessoaspodemser conduzidas, tanto a agirdemaneiracruel como— ao icarem a litas— a desacreditar da evidência de seusprópriosolhos.5Conduzir pessoas a cometer crimes horríveis, como Hitler fez na

Segunda Guerra Mundial, e depois negar todas as provas deles, não foiportanto uma tarefa tão árdua quanto poderia parecer à primeira vista.Um trabalho acadêmico feito pelo historiador Christopher Browning daPrincetonUniversitysobreofamigeradoBatalhão101,quefoiresponsávelpor milhares de mortes na Solução Final na Polônia, mostra comorespeitáveiscidadãosdeclassemédiaeoperáriosdeHamburgotornaram-sematadoresgenocidas.Parecequeapressãodospareseumapropensãonaturalàobediênciaeàcamaradagem—maisqueoanti-semitismoouumfervor nazista — transformava pessoas inteiramente comuns emassassinosdemassa.6As lições são tão aplicáveis aos nossos dias quanto a 1941-45, quando

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nos lembramos de relance do que aconteceu na década de 1990 emlugares como Ruanda e a antiga Iugoslávia. Como pôde um povo tãocivilizadoquanto os alemães ter perpetrado o crimemais horripilante dahistóriahumana?A conclusão centraldeBrowning—dequemuitomaisdoquemeroanti-semitismoimpulsionouoinfameBatalhão101acometeratrocidades na Polônia durante a guerra — foi criticada por DanielGoldhagenemseucontroverso livrode1966,Hitler’sWillingExecutioners[OscarrascosvoluntáriosdeHitler].Segundo Goldhagen, os recrutas do Batalhão 101, que não eram

selecionadosdenenhummodopor seu ardornazista—masquede fatoingressavam ali em grande parte para evitar o serviço no exterior —,mataram mulheres, velhos e crianças judeus “por prazer”, porque se“divertiam” em suas “caças ao judeu”, em que seu “anti-semitismodemonológico”setraduzianuma“sededematarjudeus”.Oanti-semitismo,sustentou o autor, estava tão entranhado na cultura, na sociedade e nahistória alemãs queHitler e oHolocausto não forammais que resultadosinevitáveis. Tudo o que Hitler precisou fazer para que o genocídioocorresse foi fornecer a liderança necessária. 7 Os primeiros anos dadécada de 1940 propiciaram — na expressão batida das histórias dedetetive—motivo,oportunidadeemétodo.Nasdécadasde1920e1930,entretanto, os judeus alemães estavam muito mais bem integrados àAlemanhaqueosdamaioriadasoutraspartesdaEuropae,comoKeeganmostrou,“em1918oReichdokaisercontrolavatodosos shtetlsdaEuropa,mas não molestava seus habitantes em absoluto”. A verdade teria sidoentão,defato,comoMiltonHimmelfarbaexpressoumemoravelmente,que“NãotivessehavidoHitler,nãoteriahavidoHolocausto”?Nessecaso,teráaliderançadeHitlersidooaspectoprincipaldatragédia?O Batalhão 101 representava um apanhado da sociedade alemã e

nenhumde seusmembros foi coagido amatar judeus ou a participar dequalquer atrocidade. Browning acredita que o Holocausto nada teve depeculiarmente alemão, exceto talvez no respeito exagerado pelaautoridadeenadisposiçãoparacumprirordens,eque,aforaumnúmerorelativamente pequeno de nazistas fanáticos, poucos alemães aprovavamem geral o que estava acontecendo “lá no Leste”. Apesar disso, nuncareprovaram com vigor; em sua vasta maioria, os alemães foram apenasindiferentes e não queriam ser informados sobre os detalhes. Quandoexortados especi icamente a ajudarno genocídio, porém, entre80 e90%dos membros do Batalhão 101 concordaram semmaiores queixas. Após

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algummelindre inicial, “tornaram-se carrascos cada vezmais e icientes”.Somente12dos500membrosdobatalhão recusaram-sede fato a atirarem1.800judeusnasmatasquecercavamaaldeiapolonesadeJozefowem13 de julho de 1942. Durante o restante desse massacre que durou 17horas— intercaladascompausasparacigarroseumalmoço—cercade45 membros, se ausentaram por várias razões. Os 85% restantessimplesmente foramadianteno serviçodeatirar emmulheres e criançasjudiasaqueima-roupa, embora soubessemcomperfeiçãoquenão teriamsofrido nenhum castigo caso se tivessem recusado. “No início atirávamosemqualquerparte”,umdelesselembrou.“Quandomirávamosmuitoalto,ocrâniointeiroexplodia.Oresultadoerammioloseossosvoandoportodaparte.Porisso,fomosinstruídosaapontarabaionetaparaopescoço.”As transcrições de interrogatórios feitos na década de 1960 permitem

penetrar profundamente na atitude mental desses matadores. Osrelatóriosconstituemuma leituraarrepiantemas indispensável,àmedidaqueas autoridades analisamosmotivosdoshomensque, porumgrandenúmeroderazõespsicológicasbastantecomplexas,deixaram-seconverteremassassinosgenocidas.Amaioriadessasrazões—guerra,brutalização,“segmentação”, “banalização”, desejo de adequação e assimpor diante—não terminam nas fronteiras da Alemanha nazista. Orgulhamo-nos daconvicção de que o Holocausto jamais teria podido ocorrer na Grã-Bretanha; na verdade, porém, havia sem dúvida bastante gente naInglaterraem1939-45queteriatrabalhadoemcâmarasdegás, tivessemelas sido instaladas em Argyll, Cardiff ou num condados em torno deLondres.

Responsabilizar-se

Líderes assumem responsabilidade. Quando as coisas se voltavam contraChurchill ele não hesitava em assumir culpa pessoal por elas. Em seusdiscursos em sessões secretas do Parlamento, admitia de pronto tercometido erros. Hitler, em contraposição, culpou constantemente outraspessoas quando a guerra começou a se conduzir mal para ele; primeiroseus generais e depois todoopovo alemão, que terminoupor considerarindigno de seu gênio. Essa dicotomia é bem expressa pela disposição deChurchill a visitar ruas destruídas por bombardeios em toda a Grã-Bretanhaparalevantaromoral,coisaqueHitlerserecusavasemrodeiosa

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fazernaAlemanha.Naverdade,elemandouinstalarcortinasemseucarro.EssedistanciamentodoinfortúniodeseupovofoisemdúvidaumerrodeHitler, que provavelmente teria sido recebido com adulação mesmo em1944. Seu temor de ser associado a imagens de fracasso e derrotasigni icava que perdia oportunidades para fotogra ias que Churchillaproveitava com entusiasmo. Quando, em 8 de setembro de 1940,Churchillcomeçouachoraranteavisãodeumaruaarrasadano lestedeLondres, ouviu-se umamulher do lugar comentar: “Vejam, ele realmentese importa”, e a multidão o aclamou espontaneamente. 8 Contribuía paraisso, é claro, o fato de Churchill ser autêntico em sua preocupação, nãovendo as pessoas com osmesmos olhos de Hitler, comomeras unidadesdescartáveisemseuplanomestreglobal.Lamentavelmenteparaele,Hitlernãotinhaconselheiroscapazesdedemovê-lodesuasidéias.Líderesbem-sucedidos cercam-se de dissidentes construtivos: Churchill tinhaAlanbrooke, Stálin tinha o marechal Antonov, Roosevelt tinha o generalGeorgeMarshall. Hitler, é claro, não acatava um aconselhamento objetivodessetipode“homemalgum”.Hitler viajoumuito pouco durante a guerra, apenas para sua “Toca do

Lobo” na Prússia oriental, e quatro vezes à França— uma vez para seencontrar com Rundstedt, uma vez a Paris para se regozijar emCompiègne, uma vez para visitar o marechal Pétain e Pierre Laval emMontoireeumavezparaseencontrarcomogeneralFrancoemHendaye.Mesmo antes da guerra não fora propriamente umviajante, nunca tendovisitadoaGrã-Bretanha,osEstadosUnidos,aÁfricaouoExtremoOriente.Algumas de suas tolices estratégicas— especialmente sua declaração deguerra aos Estados Unidos em dezembro de 1941— teriam podido serevitadas se ele tivesse sido aventureiro em anos passados e tivesse tidoumaoportunidadededescobrirporsimesmocomoeraorestodomundo,aforaaAlemanha.Churchill,aocontrário,eradelongeoprimeiro-ministrobritânico mais viajado na história: durante os primeiros quatro anos daguerracobriunadamenosque180milquilômetros,passando33diasnomare14noar.IssolhedavaumaperspectivaestratégicaglobaldequeamentedoFührercareciaporcompleto.

Ahoradepartir

Parte da arte da liderança está em saber quando parar, mas, tal como

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todos os outros primeiros-ministros britânicos do século XX — comexceção de lorde Salisbury e Harold Wilson —, Winston Churchillpermaneceu tempodemaisnocargo.Como foraocasodemuitosdeseuspredecessores, também ele se deixava convencer demasiado facilmenteporargumentos sobresuaprópria indispensabilidade,muitoemboraelesestivessem sendo apresentados por um número cada vez menor depessoas.Noverãode1954,umvelhoamigo jornalista lhedisse:“Umbomnúmerodeseusamigosconservadoresestãodizendoqueseriabomparaopartido que você não demorasse a renunciar”. O primeiro-ministro olhoupara ele, depois correu os olhos pela ala da Câmara dos Comuns ondeestavamsentados,antesderesponder:“Sabe,quandoolhoparaestasalaerememorominhalongauniãocomessaCasa,achoqueelaéumótimopub.E quandoolhoparaos rostosnaCasa, pergunto-meporquedeveria sairdessepubantesquealguémdiga ‘Tempo,por favor!’comumaênfaseumpoucomaiorqueadessesmeusamigoscomquemvocêtemconversado.”9ChurchilldeveriaterfeitocomoCincinatoeGaribaldiedeixadoapolítica

ativa no momento de seu triunfo em 1945. Poderia ter se recolhido aChartwell para construir muros, escrever livros, pintar quadros edesfrutar da canonização secular global. Pois, na altura de 1945, amaiorhistória de aventura do século estava obviamente terminada e a amenache ia do governo de 1951-55, com seu apaziguamento do PartidoTrabalhista, sua esclerose política, seus reveses na política exterior e suaatmosferageraldenostalgiaecomplacêncianãofoiemabsolutoaquilodeque uma Grã-Bretanha exausta e empobrecida precisava. Como RonaldReagan em Reykjavik no im de sua carreira, mas com muito menossucesso,Churchillaspiravaporumaconferênciadecúpulacomosrussosque lhe valesse a alcunha pouco habitual para ele de “Paci icador”.DiferentementedeReaganelenãofalavaemnomedeumasuperpotência,eaconferêncianãoaconteceu.Quando Churchill e Reginald Maudling, seu conselheiro do Diretório

CentralConservador,sentaram-separaescreverodiscursodolíderparaaconferência partidária de 1947, Maudling foi percebendo pouco a poucoque Churchill não havia lido realmente a Carta de Direitos Industrial, adeclaração fundamental da política do partido em todos os assuntosreferentes à economia. Assim, passou-lhe um parágrafo que resumia osdispositivos do documento no tocante à centralização, altos níveis deemprego, sindicatos fortes, recusa à privatização, igualdade para asmulheres, maiores gastos em formação de mão-de-obra, conselhos de

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produção conjunta e esquemas de parceria entre indústria, governo esindicatos. Churchill disse que havia muita coisa ali com que nãoconcordava. “Bem, sir,” respondeu o pobre ghost writer , antevendoproblemasecomeçandoa icaratrapalhado,“issofoioqueconferênciadopartidoadotou”.“Estábem,”respondeuChurchill,“entãodeixeficar.”Oministério1951-55não foiahoramaisgloriosadeChurchill.Quando

voltou para Downing Street, ele levou consigo pilhas das etiquetasvermelhas“FazerHoje”quepregavaemdocumentosimportantesdurantea guerra. Elas forampostas numa gaveta e lá icaram, sem jamais seremusadas.Adesatençãoaodetalhe,afaltadeinteresseporquestõesinternase econômicas e a pura indolência com relação à política foram osproblemas que a ligiram o governo ameno de Churchill. Um sinal danatureza esclerótica desse ministério é que, embora o primeiro-ministrotenha sofrido um derrame no verão de 1953, o Gabinete jamais se deuconta de que algo de desagradável acontecera. Nas poucas ocasiões emque o primeiro-ministro interveio nos assuntos dos seus substitutos foiparapiorarascoisas.O apaziguamento da crescente militância sindical só serviu para

“alimentarocrocodilo”e introduzirnaeconomiaa in lação induzidapelossalários. Pouco antes do Natal de 1954, o ministro das Finanças, R.A.Butler, recebeu um telefonema de Churchill em que este lhe disse queresolvera o problema da ameaça de greve dos ferroviários. “Em quetermos?” indagou o temeroso Butler. “Ora, nos deles, é claro,companheiro!”respondeuumsatisfeitopremier.EssefoiumleitmotivparaumministérioquenãocontribuiuparaobrilhodareputaçãodeChurchill.Sua imagemmaisduradouradeve ser a do enorme ampli icadorque eraprecisopôrno centrodamesadoGabineteparaqueoprimeiro-ministrooctogenário e vários de seus colegas mais idosos do tempo da guerrapudessem ouvir o que estava sendo dito. A inal, Churchill já era umaposentadoidosoquandoassumiuogovernopelaprimeiravezem1940.Quando inalmenteseaposentouemabrilde1955,Churchillmaldeua

seu sucessor, Anthony Eden, tempo su iciente para se instalar no cargoantesdeterdeenfrentaraCrisedeSuez.“Muitagentedizqueeudeveriater-me afastado depois da guerra, e ter me convertido numa espécie deestadistavenerável”,disseeleaojovemcientistaR.V.Jonesem1946,“mascomo poderia? Lutei a minha vida inteira e não posso abandonar a lutaagora!”10 O que mudara fora a qualidade de seus inimigos; depois deêxtase de lutar contra Hitler em 1945, tinha de se contentar com

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adversários muito menos fascinantes, tais como uma força de trabalhopouco quali icada, uma economia excessivamente regulamentada esindicatoscadavezmaismilitantes.Comseu lugarnahistóriaasseguradopeloVE-Day, oDiadaVitórianaEuropa,Churchill poderia ter resistidoàtendência dos primeiros-ministros do século XX de permanecer no cargotempo demais para o bem de seus próprios partidos. Mas como eleescreveraemSavrola:“‘Veemente,elevadaeousada’erasuadisposição.Avidaqueviveueraaúnicaquejamaispoderiaviver;tinhadeseguiratéofim.”11

Churchillcomohistoriador

A primeira coisa que Churchill fez quando por im se aposentou foipublicar sua grande obra de história anglo-americana, na qual vieratrabalhandoirregularmentedurantedécadas.Líderesquedesejamdeixarumamarca duradoura na história precisam ser grandes escritores, alémdegrandeoradores,eoPrêmioNobeldeLiteraturarecebidoporChurchillfoimerecido.“Emprincípio,euestariadispostoacomeçaraescreverUmahistóriadospovosanglófonos, suasorigens,suasdisputas,seus infortúniosesuareconciliação,pela importânciade20.000 libras”, escreveuWinstonChurchill aNewmanFlower, o diretor administrativodaCassell&Co. em30deoutubrode1932.Oprojetodemandariacincoanos,eleesperava.Noentanto, em razão dos acontecimentos extraordinários que se abateramnãosósobreChurchillcomosobreosprópriospovosanglófonos,essaobraemquatrovolumessóveioaserpublicadaumquartodeséculodepois.Foi durante os primeiros meses do período de oposição interna tóri,

chamadoseus“anosdeostracismo”,queChurchillteveaidéiadeescreveruma obra cujo “objetivo era enfatizar a herança comum dos povos daInglaterra e dos Estados Unidos da América como ummeio de fortalecersuaamizade”.Foiumatodeespantosapresciência,poisumadécadamaistardeessesdoispaíses, juntamente comseusdomínios, estariamna linhadefrentedeumalutaparasalvaracivilização.EmboraChurchilltivessesólidasrazõespolíticasparaescreverolivro,a

razão principal e imediata para sua concepção era inanceira. Perdulárioprodigioso semnenhuma fortunaherdada,Churchill dependeuduranteavida inteirade suapenaedosproventos comoparlamentarpara custearseu estilo de vida suntuoso. Agora, tendo se demitido recentemente do

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Gabinete Fantasma por causa da questão do autogoverno indiano, sabiaque não podia esperar nenhumpostoministerial em um futuro próximo.Finalmente, seria preciso uma guerra européia em grande escala paralevá-lodevoltaaoGovernodeSuaMajestade.Assim suaHistóriadestinava-sedesdeo inícioaserumbestseller, como

eleescreveuaumdeseusauxiliares,ohistoriadordeOxfordKeithFeiling,“uma narrativa vívida reunindo os episódios espetaculares epreponderantes e demaneira alguma pretendendo um relato completo”.Esta não se tornaria mais uma história pedantesca e semi-acabada dosbritânicos e sua parentela pelo mundo, mas uma obra ágil de literaturaque começa com a invasão da Inglaterra por Júlio César em 55 a.C. eterminaem1902comavitóriabritânicanaGuerradosBôeres.Embora Churchill tenha contratado vários dos mais eminentes

historiadoresbritânicosparaajudá-loaprepararosoriginais,explicar-lheos períodos da história com que não estava familiarizado e facilitar oprocesso de pesquisaeescritaemgeral, essa foi emgrandemedidaumaobra sua— como as anotações nas várias provas deixam bastante claro.Em 1937, informando sua mulher Clementine da precária situaçãoinanceiraemqueseencontravam,escreveusobrecomoa Históriaestava“exigindo uma imensa quantidade de leitura e de re lexão solitária paraque pudesse ser feita justiça a um tema tão colossal”. As 15.000 librasrestantes de seu adiantamento só seriam pagas depois que entregasse omanuscrito,oqueeleesperavaconseguirfazeremdezembrode1939.Obviamente a ascensão do nazismo iria, com força cada vez maior,

impedi-lo de escrever durante os dois anos seguintes, mas é espantosocomoChurchilleracapazdecompartimentarsuavida,roubandotempodesua campanha contra o apaziguamento de Hitler para avançar em suaescrita.QuandoasnuvensdaguerrapareciamestarseacumulandosobreaTchecoslováquia em agosto de 1938, Churchill escreveu a lordeHalifaxsobreoquantoestava“horrivelmenteenredadocomosantigosbretões,osromanos,osanglos,ossaxônioseosjutos,quandopensaraterescapadodetodos eles para sempre ao deixar a escola”. De fato, o trabalho em suaHistória pode ter sido no mínimo uma útil distração, pois como eleescreveuaumamigoduranteaCrisedeMunique:“Temsidoumconfortopara mim nesses dias ansiosos interpor um milhar de anos entre meuspensamentoseoséculoXX.”Aexpectativadequeapublicaçãoresponderiaporcercadeumterçode

seusrendimentospara1939signi icouqueela lhe forneceusuaprincipal

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ocupaçãodiárianaqueleano, foraapolítica.Umaequipedehistoriadores—algunspagos,outrosnão—continuavaaajudá-loemsuasváriasáreasdecompetência,oraescrevendotratados,oradandoaulasparticularesemChartwell,orarevendoprovassoboaspectodaprecisãofactual.QuandoaHistóriafoi inalmentepublicada,entreesseshistoriadoresestavamalgunsdoshomensmaisnotáveisdapro issão.F.W.(agorasirWilliam)Deakinfoio principal assistente de Churchill; também auxiliando em diferentesmomentoseemdiferentespapéisestavamMauriceAshley,A.L.Rowse,Asa(hojelorde)Briggs,J.H.(maistardesirJack)Plumb,G.M.Young,Alan(hojelorde) Bullock e vários outros acadêmicos altamente respeitados. Esseshistoriadores, lembrou Ashley, em geral controlavam um “exuberante”Churchill o bastante para assegurar que suas declarações pudessem sersustentadasporfatoshistóricos.“Essencialmente”,ChurchillescreveuaAshleyemabrilde1939,“otema

está despontando da evolução da liberdade e do direito, dos direitos doindivíduo, da subordinação do Estado às concepções fundamentais emorais de uma comunidade abrangente. Os povos anglófonos foram osautores dessas idéias, depois os depositários e devemagora se tornar osdefensoresarmados.Assimeucondenoatiraniasobqualquerroupagemedeondequerquevenha.Tudoisso,éclaro,temumarelevânciaatual.”Noentanto,pormaishorasquea “relevânciaatual”de seusprincípiospossater tomado de seu dia nos últimosmeses de paz, Churchill sempreconseguiu de uma maneira ou outra trabalhar sua História, a ponto deestarocupadonarevisãodocapítulo inaldoquartovolumeatémesmonanoiteemqueaAlemanhainvadiuaPolôniaemsetembrode1939.Obviamente,adatadeentregadeseumanuscritocompleto tevedeser

adiada, mas nem a de lagração da guerra fez cessar por completo otrabalho naHistória. A Guerra Relutante encontrou Churchill, que eranessaalturaoministrodaMarinha,tentandoterminarasérie.F.W.Deakin,que ingressara no 63º Regimento Antitanques de Cavalaria deOxfordshire, também estava revisando provas em suas (cada vez maiscurtas) horas de folga, enquanto Allan Bullock preparava uma seção dedez mil palavras sobre o Canadá. “Espero realmente que você consigaavançarcomissoduranteasemana,poisoassuntoédamaiorimportânciaeatensãoaquiémuitogrande”,foiamensagemqueChurchillescreveudoAlmirantadoaDeakinnodia6deoutubrode1939.Em1940,oprojetodeChurchillestavaquasecompleto,masassimtambémestavaodeHitler,eapartir de maio, quando Churchill se tornou primeiro-ministro, a História

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tevedeserdeixadade ladoenquantoaguerradurou,emboraosdireitosde ilmagem tenham sido vendidos para o grande produtor de cinemahúngaro-americanoAlexanderKordapor50.000libras.Foisónaúltimasemanade1945—quandohaviasalvadoacivilização

mas perdido as eleições gerais na Grã-Bretanha — que Churchill tevecondiçõesderetomarotrabalhoemsuaHistória.Aessaaltura,éclaro,ospovosanglófonoshaviamacrescentadoosmaismagní icoscapítulosdesuahistória à narrativa,mas foi decidido não acrescentarmais um volume àobra para incorporar isso. Churchill levou suas provas do livro aoembarcar noQueen Elizabeth rumo aos Estados Unidos, onde faria seuesplêndidodiscurso“CortinadeFerro”,masmalhaviavoltadoquandoumoutro projeto de grande escala veio intervir, retardandomais uma vez apublicaçãodesuaHistória.Churchillconsiderouseudeverescreverseisvolumesdesuasmemórias

deguerraeaproveitouseusanosnaoposiçãoparafazerisso,comoauxíliodeWilliamDeakin.Otrabalhocomeçouem1946eovolumefinal,Triunfoetragédia, também publicado por Cassel & Co., só foi lançado em 1954,quando Churchill era novamente primeiro-ministro, tendo o PartidoConservadorvencidoaseleiçõesgeraisde1951.Maisumavez, ahistóriaatropelaraaHistória.De maneira bastante irônica, parece ter sido o debilitante derrame

sofridoporChurchillnoverãode1953queopropiciouaressurreiçãodoprojeto. Seumédico, lordeMoran,havia sugeridoqueoprimeiro-ministrodeveria “ocupar-se de alguma coisa que acalme sua mente”, ao queBrendanBracken,oex-ministroconservadoregrandeamigodeChurchilldisse: “Então, por quenão terminar aHistória dos povos anglófonos?” Porcasualidade,Brackeneraoproprietáriodarevista HistoryToday ,queforafundada em 1951 e era co-editadapelo amigo Alan Hodge, seu antigoassistente durante a guerra e secretário particular no Ministério daInformação. Hodge era uma espécie de prodígio: tinha apenas 21 anosquando,em1940—apósfreqüentaraLiverpoolCollegiateSchooleoOrielCollege, em Oxford — começou a escrever poesia de vanguarda e acolaborarcomRobertGravesemTheLongWeekend.Co-editandoarevistacomoautorepoetaPeterQuennel,numaparceria

muitoprodutivaquedurouatésuamorteem1979,Hodgeexercitou,comoo expressa o obituário que lhe foi dedicado porThe Times, “umainstrumentalidade erudita, imaginativa e judiciosa”. Publicou também ThePast We Share [O passado em comum] com Quennell em 1960, uma

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históriailustradadaGrã-BretanhaedosEstadosUnidos.Colegaseamigosde Hodge costumavam lamentar que, com sua modéstia natural, ele secontentasse comprojetos em colaboração, em vez de se lançar a escritosindividuaisquelheteriamvalidomaiorrenome.Umexemploperfeitodissofoi o modo como encabeçou o comitê de historiadores que ajudaramChurchillcomsuapesquisafinalparaUmahistóriadospovosanglófonos.Hodge reuniu rapidamente um grupo de acadêmicos e historiadores

para ajudarChurchill, vários dosquais eramosmesmoshomensque lhetinham dado uma mão antes da guerra. “Botarei um ovo por ano”, foi oanúncio de Churchill aMoran, “um volume a cada 12meses não deverásignificartrabalhodemais”.Com79anos,Churchillcomeçouapreparara Históriaparapublicaçãoà

medida que se recuperava de seu derrame. Ao reler suas primeirasprovas, porém, descobriu que desejava remodelar o livrosubstancialmente.Osgrandeseventospelosquaisomundopassaradesde1939haviampostoahistórianumaperspectivamelhorparaele,equeriaqueaobrare letisseasliçõesmaisamplasdahistóriamelhordoqueseusprimeiros rascunhos o haviam feito. “Até agora, após os capítulos deabertura, a história foi classi icada sob os títulos dos reinados dos reis”,escreveuaHodge. “Foiassimqueaprendemosnaescola.Éclaroque issonãoestádeacordocomopadrãoeoestilodaobra.Deveríamospensaremsó usar monarcas para títulos de capítulo quando eles representamalgumafaseimportanteouviradadecisivadahistória.”AMagnaCarta, aGuerradosCemAnos, “AAuroradoParlamento” e a

Guerra das Rosas deveriam doravante receber mais ênfase que meraslistasdemonarcas,poiscomoChurchilloexpressou:“Estamosregistrandoamarcha dos acontecimentos no que pretende ser uma narrativa vívida,contínua.Estamosinteressadossobretudonasmudançassociaisepolíticasà medida que elas se dão, especialmente naquelas que deixaram suasmarcas no dia de hoje.” Churchill brincou com seu amigo lordeBeaverbrook sobre essa releitura de sua grande obra à luz da SegundaGuerra Mundial: “Em geral, penso que pre iro viver em meio ao nossoquinhãodeatribulaçõesdoqueemmeioaquaisqueroutras,emboradevaregistrarmeupesarporaraçahumanajamaisteraprendidoavoar.”AssimcomoestiveratrabalhandocomasprovasnanoiteemqueHitler

invadiu a Polônia em 1939, Churchill as estava revendo pela última vezdoisdiasapenasdepoisderenunciarpelasegundavezàchefiadogovernoem 1955. Dessa vez nenhum acontecimento mundial teria licença para

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interferir. Ele ganhara o Prêmio Nobel de Literatura em 1953 e tinhamuito a que fazer jus, e, como a irmou a amigos, aquele deveria ser seuúltimo empreendimento literário. Ao conversar com o historiador A.L.Rowse, Churchill, quando encontrava-se acamado em Chartwell em julhode 1955, admitiu que andara relendo aHistória que escrevera antes daguerra,mas não estava satisfeito com ela. Havia gente, no entanto, que aleriaporcausadesua“notoriedade”.Realmente havia; a primeira tiragem deUma história dos povos

anglófonos feita por Cassell & Co. alcançou nada menos que 130.000exemplares e uma nova tiragem de 30.000 foi feita menos de um mêsdepois. Dali em diante novas tiragens continuaram a aparecer,ininterruptamente, sobretudodepois queos volumes—publicados entre1956 e 1958 — começaram a receber críticas superlativas dehistoriadores como C.V. Wedgwood, J.H. Plumb, o professor MichaelHowardeoprofessorD.C.Somervell,acadêmicoscujojuízocríticonãoeraobnubilado pela fama ou a importância de Churchill. Até o notórioiconoclasta A.J.P. Taylor escreveu sobre o primeiro volume, The Birth ofBritain [O nascimento da Grã-Bretanha]: “É uma das obras de históriamaissábias,maisempolgantesjamaisescritas.”Churchill merecia plenamente a aprovação crítica maciça que aqueles

volumesatraíramaoserempublicadospelaprimeiravezecontinuaramadesfrutar desde então. Eles deveriam ser lidos em sua própria extensão,tantocomoumagrandeobradeliteratura,quanto—outalvezmaisdoque— como uma obra meticulosamente precisa de história. Pedantesconseguiram localizar raras frases em que a exuberância natural deChurchill e sua sensibilidade para a língua ou para o espírito de umahistóriapodetê-lolevadoalémdaquelaestreitalinhadivisóriaqueseparaa verdade do mito — ele cita (com uma advertência) Alfredo o Grandedeixando os bolos queimar, por exemplo—mas os livros não são nadapioresporisso.

OlugardeChurchillnahistória

“A história,” declarouWinston Churchill em seu panegírico de novembrode 1940 a Neville Chamberlain, “com sua lâmpada oscilante tropeça aolongo das trilhas do passado, tentando reconstruir seus temas, reviverseus ecos e atiçar com pálidos lampejos a paixão de dias passados.”

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Churchill provavelmente teria icadomuito satisfeito com a popularidadeem tornode sua igura e desua reputação.Nunca incontroversodurantesua própria vida, teria sem dúvida enorme prazer em se defenderdaquelesquesãohojevagamentechamados“revisionistas”.Num certo sentido, é claro, toda escrita de história não passa de uma

revisão da versão original, e durante alguns anos após a morte deChurchill em 1965 os escritores que se concentraram nele estavambuscandomeramenterestabeleceroequilíbriodepoisdashagiogra iasdemassa que o haviam enaltecido na década de 1950 e início da de 1960.Desde então, porém, e sobretudo na última década, um novo tom,extremamente crítico, apareceu. Este é mordaz, severo de uma maneiraagressiva e por vezes francamente desdenhoso de Churchill e de seusfeitos.Tudo isso teve um efeito surpreendentemente pequeno sobre a

percepçãopopulardopremierdotempodeguerra.OsanglófonosparecemterumavisãoestabelecidadaglóriadeChurchillquenenhumvolumededebate histórico pode mais alterar. “Churchill tem alguns detratores”,escreveu oSunday Telegraph no qüinquagésimo aniversário do VE-Day,mas“nenhumcausoumuitaimpressãonavisãoqueopovotemdele”.Hojesua popularidade certamente não mostra sinal algum de diminuição. Onúmero de visitantes à sua casa, Chartwell, tem aumentandoconstantementedesdequeelafoiabertaaopúbliconoanoseguinteaodasuamorte; um navio de guerra dos Estados Unidos foi batizado com seunome em 2000, tendo ele sido o primeiro inglês a receber semelhantehomenagem desde o século XVIII (embora fosse, é claro, um cidadãoamericanohonorário);emtermosmaisprosaicos,umpardeseuschinelosdequarto foi arrematado recentementepor10.000 librasnum leilão. Emnovembro de 2002, Churchill ganhou de longe a enquete “GrandesBritânicos”daBBC, com447.423votos e, em1999, sóperdeuopostodeHomem do Milênio para William Shakespeare, uma derrota que teriaaceitadocommuitomais facilidadequeoresultadodaseleiçõesgeraisde1945.Amordacidadedobate-bocaocorridoem1995emtornodacomprados

arquivosdeChurchill comdinheirodaLoteriaNacionalBritânica foi umahomenagemà suapersistente preeminência nopanteãonacional, e outrotributoéomodocomoambosos ladosdodebate sobreoníveladequadode integração da Grã-Bretanha à União Européia tentam se apropriar doseu legado político. Quando o pretenso Führer da Áustria, Herr Jörg

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Haider, criticou Churchill como um criminoso de guerra em pé deigualdade com Hitler, isso recebeu muito mais atenção que seus outrospronunciamentosmaisimediatossobreaampliaçãodaUniãoEuropéia.Nodia1ºdemaiode2000,quandodesordeirospicharam sloganscomunistase anarquistas na estátua de Churchill na Parliament Square, houve umenormeprotestopúblico.Pelo menos no sentido popular, não-acadêmico, o revisionismo de

Churchill é redundante. Da mesma maneira que outros ícones nacionaiscomo Lincoln, Washington e Napoleão — ou seus próprios antagonistasGandhi eDeGaulle—,Churchillestátãoancoradoquenenhumapilhadelivros desmascarando-o terá qualquer efeito apreciável em sua posição.Eles continuama ser escritos, é claro,mas têmomesmo impacto sobre apercepção pública que um al inete espetado no couro de um enormepaquiderme.OqueemGreatContemporaries elequali icoude“odolorosoinquérito da história” reuniu-se para julgar Churchill e o absolveu.Somente em certos círculos históricos e jornalísticos e em certos gruposacadêmicosexcêntricosesseveredictoévistocomdesconfiança.OprimeiroconjuntodecríticosdeChurchillécompostopelosideólogos.

Do autor Clive Ponting, à esquerda, até David Irving, na extrema direita,essaspessoastentaramusarváriosaspectosdacarreiradeChurchillcomo objetivo de defender algumas idéias políticas delas mesmas.Descrevendo Churchill como um homem de personalidade viciosa oumesmo perversa, muitas vezes arrancando citações suas do contexto damaneira mais arbitrária e atribuindo-lhe motivos tão maquiavélicos queteriam chocado a ele próprio, os ideólogos rapidamente perderam asimpatia e esgotaram a paciência dos leitores. Se Churchill é tãoviolentamente repelido por ambos os extremos do espectro ideológico,podemosrealmentesuporqueelenãopodetersidoassimtãomau.Em 2001, admiradores de Winston Churchill deram um profundo

suspirodealívio.Durante14anos,desdeapublicaçãodoprimeirovolumedeDavid Irving sobre ele, haviam esperado para ver quais conspiraçõesinfamesohistoriadordeextremadireitateriaconseguidodesenterrarnascentenasdearquivosaque teveacesso.Noentanto,numhinodeódiode1.063páginasironicamenteintituladoChurchill’sWar:TriumphinAdversity[A guerra de Churchill: triunfo na adversidade] icou claro que ele nãotinhaconseguidoacertarnenhumgolpesigni icativonareputaçãodolíderdaGrã-Bretanhaduranteaguerra.Todasasvelhasacusações foramtrazidasà tona,é claro:queChurchill

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era um alcoólatra grosseiro ementiroso que escondeu dos americanos aintençãodo Japãode atacar PearlHarbor, esteve por trás do assassinatodogeneralpolonêsSikorski (umaliadobritânico),queriaarrasarRoma,eassim por diante, in initamente. Houve até algumas denúncias novas,também sem fundamento; segundo o livro de Irving, Churchill era aindaumexibicionistaquegostavadeseexibirparaestadistasestrangeiros,foioresponsável por ter chegado ao conhecimento dos nazistas que a Grã-Bretanha decifrara seus códigos, e queria que a MI6 assassinasse outroaliadodosbritânicos:ogeneralDeGaulle.Haviaumadúziadenovasacusaçõescomoessas,emsuamaioriarisíveis

se não fossem apresentadas tão raivosamente e acompanhadas por 160páginasdenotasdestinadasadaraimpressãodeembasá-las.Noentanto,quando Irving, por exemplo, a irmou que a então rainha Elizabeth (afalecidarainha-mãe)apoiouapropostadepazfeitaporHitlerem1940,eque a prova dissopodia ser encontrada na Caixa Número 23 dosdocumentos do lorde Monckton na Bodleian Library em Oxford, eu melembrei, a partir do trabalho que eu próprio izera sobreMonckton, queessa caixa especí ica nunca fora aberta para os historiadores. De fato, obibliotecáriodaBodleiancon irmou-meemcarátero icialqueDavidIrvingnãochegaranemaveressacaixa,muitomenosaabri-la.Muitas das a irmações de Irving são completamente contraditórias. Se

Churchill “punhaos interessesdosEstadosUnidos invariavelmenteacimadosdeseuprópriopaísedo império”,porquenãoavisouosamericanossobreoqueestavaprestesaaconteceremPearlHarbor?Ouseas idéiasnotóriasdosr.IrvingsobreAuschwitzestãocorretas—queosjudeusnãoestavam sendo sistematicamente assassinados ali — por que deveriaChurchill ser responsabilizado por não ter ordenado à RAF quebombardeasse o lugar? O sr. Irving insistia em deixar as coisas assim etambém assado em seu livro,masmuitas vezes, acabou não conseguindonemumacoisanemoutra.Apesar do subtítulo do livro, Irving não vê quaisquer traços que

redimam o homem que teve a temeridade de derrotar Adolf Hitler. Aanedotas mais engraçadas de Churchill são menosprezadas como“chacotas”. A necessidade imperativa de se encontrar com o presidenteRoosevelt no iníciode1942para coordenarumaestratégiamilitar globalpós-PearlHarborcontraaAlemanhaeoJapãoéexplicadanaspalavrasdoprimeiro-ministro sobre o “desejo de “semisturar aos níveismais altos”.Eleéacusadodeterganhadoaguerra“apesardesimesmo”.Noentanto,

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sempre que as provas das a irmações de Irving são examinadas emdetalhe por alguém que visitou os mesmos arquivos e manuseou osmesmos documentos originais, elas se provam totalmente insu icientesparajustificarasalegaçõesabsurdasqueelefaz.As citações arbitrárias são em grande número. Quando Irving a irmou

queChurchillqueria“eliminar”DeGaulle,oqueprimeiro-ministrodefatorecomendouaseuscolegasdeGabinete foiqueelesdeveriamconsiderarse deveriam “eliminar De Gaulle como uma força política e enfrentar oParlamentoeFrançasobreaquestão”.TodaateoriadeIrvingsobrePearlHarbor repousava também sobre uma leitura obviamente equivocada dodiáriodesirAlecCadogan.Se o sr. Irving realmente passou, como sugeriu a sinopse feita por seu

editor, 27 anos pesquisando e escrevendo Churchill’s War , desperdiçoumetade de uma vida. Pois com sua longa série de insinuações tolas,sarcásticas,não-comprovadas,oqueelecrioua inaldecontasfoiumaobrabastante patética. Em vez de tentar reconstruir sua reputação histórica,que fora destruída por sua derrota no processo Irving versus Lipstadt ePenguin Books por difamação em 2000, produziu um livro que sóconvenceráosteóricosdaconspiraçãodeextremadireita.QuandoIrvingescrevequeChurchilltinhasangue“parcialmentejudaico,

embora su icientemente diluído”, está sendo nada mais que ofensivo.Quandoa irmaqueChurchill“eraambivalentequantoàssuasverdadeirasrazõesparaestartravandoessaguerraruinosa”,estáignorandoaclarezade dúzias dosmelhores discursos jamais pronunciados na língua inglesa,que explicaram à Grã-Bretanha e ao mundo entre 1939 e 1945, numalinguagemabsolutamentecategórica,porqueaocertoonazismo tinhadeser extirpado para que a civilização humana pudesse sobreviver eprosperar.Quando Irving alega que o duque de Windsor foi obrigado a sair de

Portugalemagostode1940soba “miradeumapistola”britânica,estavasimplesmente escrevendo bobagem. A declaração de Irving de sentir-se“chocado” ante o fato de Churchill ter fechado os olhos para os casos desuanoraPamelaHarrimanbaseia-senumaincapacidadedecompreenderos costumes da classe social da época de Churchill. O suposto desejoalimentado por Churchill de “ver Roma em chamas” é desmentido deforma cabal por suas palavras em mensagem a Roosevelt: “Devemosinstruirnossospilotospara tomar todocuidadopossíveldemodoaevitaratingirqualquerdosprédiosdopapanacidadedeRoma.”

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Um segundo io do revisionismo de Churchill compreende uma críticaque parece estar crescendo em círculos libertários e isolacionistasamericanos.Nolivropublicadoem1999porPatrickBuchanan,ARepublic,Not an Empire [Uma república, não um império], nega-se a Churchill umlugaraoladodosanjos,e,numarecenteconferênciasobrehistória,RobertRaico,historiadordaNewYorkStateUniversity,conseguiudesfecharnadamenos que 32 acusações contra ele. Constatei que sobreviventes da BlitzdeLondrestêmseuspróprioscomentáriosafazersobreaa irmaçãodosr.Raico de que Hitler nunca tivera qualquer intenção de bombardear acidade e que Churchill errara portanto ao defender a formação de umaforte RAF na década de 1930. Segundo Raico, Churchill foi um“criptossocialista”,umeugenista,umcriminosodeguerraeum“títere”deStálin. “Um homem temperamental e um político sem princípios”, assimRaico o descreveu num artigo em apoio à sua tese, “cuja apoteose serveparacorrompertodopadrãodehonestidadeemoralidadenapolíticaenahistória”. Raramente, ao que me parece, os revisionistas libertáriosamericanosbuscamasalvaguardadocomedimentoemsuaspalavras.Embora britânico, o contestatário pro issional Christopher Hitchens

estava escrevendo para um periódico americano, oAtlantic Monthly , emabril de 2002 quando acusou Churchill de ser cruel, grosseiro,manipulador, “incapacitado pelo álcool”, míope e equivocado acerca dequasetudoexcetoosnazistas.ChegouaacusarChurchilldeser“vulgarealarmista” por “vociferar constantemente sobre o assunto” dorearmamento na década de 1930, como se fosse possível ser “alarmista”acercadealgocomoaascensãodeAdolfHitler.Aolongodesuadiatribede19 páginas, intitulada “TheMedals of his Defeats”[As medalhas de suasderrotas], Hitchens a irmou que era “fácil imaginar a RAF ajudando aWehrmacht no Cáucaso”. Na verdade, isso é uma impossibilidade paraqualquer pessoa que não seja um contestatário obsessivo tentandosimplesmenteépater les Churchillians. Só uma incompreensão dosmemorandos do Gabinete de Guerra poderia ter produzido a declaraçãode Hitchens de que em 1940 “Churchill favoreceu mais de uma veznegociações limitadas com Hitler”, quando Churchill estava na realidadeargumentando com o Gabinete de Guerracontra qualquer negociaçãodesse tipo.Hitchens atribui a oposição de Churchill à hegemonia alemã à“pura ambição”, ignorando assim a grande quantidade de seus escritos,discursoseaçõespolíticasdurante40anosemdefesadoconceitodeumequilíbrio de poder na Europa. Até o próprio Hitler reconheceu o

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compromisso de Churchill com essa teoria do equilíbrio de poder, queconsideravaantiquada,masnãonegava(verp.129).Em seu ataque a Churchill por ter ordenado o bombardeio da frota

francesa em Oran, Hitchens ignora que a Grã-Bretanha não teria podidosaber que Vichy não teria entregado sua frota a Hitler— se esse fosserealmente o caso.Devemos ser gratos pelo fato de que Churchill e não oinusitadamente ingênuo Hitchens era o responsável pela segurança daGrã-Bretanhaem1940.Quando,emseguida,eledeclaraacercadoataquede Oran que os “cronistas [de Churchill] preferem menosprezá-lo ou,quando possível, omiti-lo por completo”, está— de forma incomum paraumpolemistatãointeligente—escrevendotolicesfáceisdesecomprovar.O episódio foi discutido por sir Martin Gilbert (em nada menos que 27páginas), Roy Jenkins, John Keegan, John Lukacs, John Charmley, JosephLash, Philip Guedalla, Basil Liddell Hart, William Manchester, JohnRamsden,GeoffreyBest,NormanRose,A.L.Rowse,pormim,e,éclaro,pelopróprioChurchillnosegundovolumedesuasmemórias.Da mesma maneira, a aposentadoria de Churchill esteve longe de ser

“uma humilhação prolongada, esticada, de busca por celebridade e deautocomplacência grosseira”; de fato, os quatro volumes da História dospovos anglófonos foram aclamados por historiadores acadêmicos e, comovimos,continuamtendonovastiragensmaisde40anosdepois.DepoisdevenceraSegundaGuerraMundial,WinstonChurchill tinhapoucasrazõesou necessidade de “buscar” a celebridade. Mas é só quando Hitchensa irmaqueChurchillfoiresponsávelporameaçardeliberadamenteonaviomercanteLusitaniaem1915paraempurrarosEstadosUnidosnaGrandeGuerra, que se começa a duvidar de que o próprioHitchens seja de fatocapazdeacreditarnessastesesabsurdas.Churchill costumava dizer, brincando, que sabia que a história seria

benevolente com ele porque ele próprio a estaria escrevendo. Élamentável, contudo, que pessoas especialmente desquali icadas por suafalta de objetividade venhamescrevendomuita história acerca dele, e hábastante fecundação cruzada entre elas. Notas de rodapé indicam quemuitas das citações que o sr. Raico usa para ilustrar suas acusaçõesprovêm da obra de Irving e Ponting; por sua vez, Raico é citado comadmiração por Buchanan. Várias das alegações de Hitchens parecem sertomadas de Irving. É quase impossível acreditar que essas pessoas estãoempenhadas numa genuína busca da verdade histórica, e não em atacarChurchill pelo efeito de choque (e de vendas) que acompanha o

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aviltamento de semelhante igura totêmica da cultura política anglo-americana.Churchill é um ímã poderoso para os que acreditam em teorias

conspiratórias. A lista de acusações contra ele é tão longa quantoimaginosa. Di icilmente se passa um ano sem que um novo livro sejapublicadoacusando-odeatrairRudolfHessparaaEscóciaoude ter tidoconhecimento prévio do bombardeio de Pearl Harbor ou qualquer outroabsurdo lagrante. Ele foi acusado de arquitetar aQuebra deWall Streetde1929(emqueperdeupessoalmenteumafortuna);umautorsustentoun oPhiladelphia Inquirer que, se Churchill “tivesse sido um pouco maissensato em 1911, ou em 1919, nem a Segunda Guerra Mundial, nem aGuerra da Coréia, nem a do Vietnã, nem a do Golfo Pérsico teriamacontecido, nem tampouco a de lagração do trá ico de drogas e o imensodé icit [americano]”; alguns escritores ainda sustentam que ele preferiudeixarquecidadedeConventryfossedestruídaacorreroriscoderevelarqueaGrã-Bretanhadecifrarao códigoEnigma.A Internet, neméprecisodizer, abriu uma frente inteiramente nova em que os revisionistas deChurchill podem alucinar, poluindo o ciberespaço com um número cadavez maior de fantasias. Durante anos, a excelente revista Finest Hour,publicada pela International Churchill Society, recolheu e refutousistematicamenteessasedúziasdeoutrasalegaçõesdogênero.12Uma terceira fonte, extremamente in luente, de revisionismo de

Churchilléaimprensa.Oseditoresdejornalafirmarãosempestanejarquematérias sobre Churchill proporcionam grandes tiragens, em especialporque osmortos não podem abrir processos por calúnia. Assim, vemosemjornaisrespeitáveisnovasmatériasque,tivessemsidoescritasdurantesua vida, teriam valido a Churchill centenas de milhares de libras emacordosextrajudiciais.Segundoalgunsrecentesartigosdejornal,Churchilleraumviciadoemdrogasqueajudoudeformaincomumsuanoraatrairopróprio ilho. Supostamente, ele ordenou o assassinato de Mussolini edepois tentou recobrar documentos comprometedores relativos a umacordo anglo-italiano secreto que teria tentado articular. Fumar charutosera algo raro para Churchill, ao que nos dizem, mas gostava de tê-losacesosàsuavoltapara“acentuarsuamasculinidade”.Segundo vários revisionistas, ele foi também um plagiador, um

oportunista, um instigador da guerra, um hipócrita, um fantasista, overdadeiro criador do nazismo — engenhosa, esta acusação —, umestrategistamilitar formidável eummentirosopatológico.Alguémchegou

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mesmoaescreverumlivro,quefoi inexplicavelmentecatalogadosegundosua própria avaliaçãocomo não- icção, a irmando de modo explícito queChurchill ajudou Martin Bormann a fugir de Berlim em 1945 e depoisarranjou-lhe,pertodeLondres,umacasaparapassarorestodosseusdiasem conforto.13 Estima-se que o adiantamento oferecido ao autor dessasandice foi da ordemde250mil libras, embora sedigaquenão foi pagopor inteiro porque as incriminações não resistiram ao escrutínio. Muitorecentemente,emsetembrode2002,oembaixadordaArábiaSauditaemLondres, Ghazi Algosaibi, escreveu aThe Spectator para a irmar que, em1917, Churchill deu ordens a soldados para atirar em sufragistas, umaacusação que foi amplamente refutada duas semanas depois pelaInternationalChurchillSociety.14Tudo o que os historiadores podem fazer quando confrontados com

esses absurdos patentes é continuar calmos, retornar aos documentosoriginaiseàsprincipaisautoridades—emgeralamagistralbiogra iaemoitovolumesdesirMartinGilbertacrescidadeseusoutros14volumes—,examinarocontextohistóricoeosdadosdisponíveis,e revelaraverdadedemaneira tão forense quanto possível. Em 95% das ocasiões, Churchillemergeileso.É claro que Churchill não está acima de qualquer crítica. É óbvio que,

com uma carreira tão longa e variada, envolvendo duas mudanças departido, e solicitado a tomar decisões graves, seu julgamento em váriasquestões possa ser legitimamente questionado. Sobre questões como ocercodeSidneyStreetem1910,adebacledeGallipoli,adivisãodaIrlanda,oretornoaopadrão-ouro,aadministraçãodaGreveGeral,onacionalismoindiano, a crise da Abdicação, a escolha estratégica de alvos para osComandosdeBombardeiros,aestratégiadocalcanhar-de-aquilesde1943,a insistêncianarendição incondicionaldaAlemanha,arecusaaajudarosconspiradores de julho, o reconhecimento o icial britânico da culpasoviética pelo massacre de o iciais poloneses na loresta de Katyn e aproposta de bombardeio de Auschwitz, Churchill foi criticado poracadêmicoseminentesepolíticosejornalistasresponsáveis,tantoemvidacomo depois. Tais críticas eram e são bastante justas, embora eupessoalmenteacreditequeChurchillfezaescolhacertaemquasecadaumdessescasos,exibindoumhistóricodebomdiscernimentomelhorqueodamaioriadeseuscontemporâneos.Oqueseestávendoagora,contudo,nãoéumdebatesensatoehonestomasumasériedecríticasacerbasehostislançadasaoprópriopatriotismoeàhonradeChurchill.

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As críticas de longe asmais convincentes à carreira de Churchill, e asmais capazes de arranhar a pintura externa do edi ício do que é hojeconhecidocomosuareputação imaculada,sãoaquelasdivulgadaspelodr.John Charmley, o professorMaurice Cowling e o falecido Alan Clark, quecompõem grosso modo o que poderia ser chamado a crítica nacionalistabritânica tóri. Em janeirode1993, o dr. Charmleypublicou Churchill: TheEnd of Glory [Churchill: o im da glória], dando-lhe seguimento em 1995comChurchill’s Grand Alliance: The Anglo-American Special Relationship1940-1957 [A grande aliançade Churchill: a especial relação anglo-americana1940-57].Ambos eramanálises solidamente fundamentadas ebemescritassobrearesponsabilidadepessoaldeChurchillpelocolapsodopoderbritâniconoséculoXX.Churchilléacusadotambémdeterimpedidoo herói de Charmley, Neville Chamberlain, de levar o apaziguamentoadiante até sua conclusão pretendida, a saber, uma debilitante guerragermânico-soviética em que ambos os antagonistas se batessem até umarmistício,esgotando-semutuamenteedeixandoderepresentar,portanto,qualquerameaçaparaaGrã-BretanhaouparaoOcidente.ChurchilléacusadoaindadeterefetivamentetraídooImpérioBritânico

em favor dos EstadosUnidos por ingenuidade e uma visão exagerada dafraquezabritânicapós-guerra,etambémdedeixarosocialismoentrarnaGrã-Bretanhapelaportadosfundos.Essavisãoéfundamentalmentefalha,porquanto confunde causa e efeito e pouco leva em conta as alternativaslimitadasqueChurchill tinhaem1945.Apesardisso,aescolanacionalistatóriconstituiatentativamaisimportantedearrancarograndehomemdeseupedestalnaParliamentSquare.Valeapena,portanto,examinaratentamenteaa irmaçãodequeaGrã-

BretanhadeveriatercelebradoapazcomaAlemanhanazistaem1940ou1941. (O professor Cowling, ao contrário, acredita que a Grã-Bretanhadevia terentradoemguerra jáem1939.)Longedesalvaro império,nãolevar a guerra até o im teria sido desastroso tanto para a Grã-BretanhaquantoparaumaEuropaocidentaldemocrática,pací icaecivilizadacomoaqueexistedesde1945.Quaisquervantagensqueumtratadotãocovardeteriapodidoproduzirteriamsidomarginais,proibitivamentedispendiosasetalveztambémefêmeras.Desde antes da época da Armada espanhola de 1588 a Grã-Bretanha

manteve a política de se opor a qualquer poder continental hegemônicoque tentasse controlar os portos do canal da Mancha na Holanda e naBélgica a partir dos quais uma invasão do sul da Inglaterra poderia ser

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iniciada.OreiFilipeIIdaEspanha,LuísXIV,NapoleãoBonaparteeokaiserGuilherme II sofreram todos reveses signi icativos emguerras sucessivasprecisamente por causa dessa questão. Ter deixado Hitler num controleincontestedessesportosem1940teriaacarretadodécadasdeperigo,comgastosastronômicosemdefesaeanecessidadedecontínuavigilânciapelorestodadécadaeprovavelmentealémdela.ComaGrã-Bretanhaforadaguerra,Hitlerprovavelmentenãoteriatido

necessidade de atacar de um golpe, ao sul, a Iugoslávia e a Grécia naprimaverade1941.Comofoiexaminadonaseçãoanterior,teriaassimsidocapaz de iniciar sua invasão da Rússia seis semanas antes do que o fez,comdivisões tomadasdaFrança,dosPaísesBaixosedaÁfricabemcomoaquelasquereservaraparaesse imnaAlemanhaenaPolônia.Mesmodomodocomoascoisassepassaram,aWehrmachtchegouquaseàsestaçõesde metrô de Moscou,tomou Stalingrado e submeteu Leningrado a umexcruciantecercodemildias.SeosalemãestivessemforçadoossoviéticosarecuarparatrásdosUrais,HitlerteriasidoosenhordaEuropadeBresta Sverdlovsk. O que aconteceu foi que a aliança da Grã-Bretanha com aRússiapermitiuaosAliados—assimqueainsensatadeclaraçãodeguerrafeitaporHitlerlevouosEstadosUnidosparaocon litocontraaAlemanha—forneceraoExércitoVermelhocincomiltanques,setemilaviões,51miljipese51milhõesdeparesdebotas,auxílioquecontribuiumaterialmenteparasuavitóriafinal.Comoo autor e general-de-divisão John Strawson perguntou acerca de

qualquernegociaçãodepazquepoderiaterocorridoem1941:

TeriaaGrã-BretanhasidodeixadaempossetantodafrotadesuaRealMarinhaquantodesuas frotasmercantes,comabsoluta liberdadenosmares para comerciar e para outros ins? Teria a Itália abandonadosuascolôniasafricanas?TeriamaGréciaeAlbâniasidodeixadaslivres?TeriamRommeleoAfrikaKorpsdeixadoaLíbia?TeriaaGrã-Bretanhaicado livre para manter suas forças armadas em seu nível — nadadesprezívelnaalturade1941—eparautilizá-lasondequisesse forados domínios de Hitler? Que teria a Grã-Bretanha dito à França, aosPaíses Baixos, à Dinamarca, à Noruega e à Polônia? Teria Hitlerconcordado — um acordo a ser submetido a rígidas medidas deveri icação—em sustar a pesquisa e o desenvolvimento de armasV,aviõesajato,novossubmarinos—earmasnucleares?Teriaele,apósasujeição de toda a Europa oriental, inclusive a Rússia, declaradomais

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uma vez que não tinha outras reivindicações territoriais? Teria eleasseguradoa integridadedoImpérioBritânico?Outeriatodaessapaznegociada— a aceitar a fantástica suposição de que ela teria podidojamais se realizar — provado ser simplesmente mais uma Paz deAmiens, a trégua entre a Grã-Bretanha e a França de 1802-1803,duranteaqualNapoleãosepreparoufebrilmenteparaumaretomadadashostilidades?15

A mera formulação dessa série de perguntas põe em relevo asimprobabilidadesdanegociação,comsucesso,deumapazviável,paranãomencionar os perigos inerentes ao ato de deixar Hitler como senhor daEuropa.Tãodesastrosaparaasesperançasbritânicasdeindependênciaalongo

prazo seria a perspectiva em que Stálin derrotaria Hitler e o ExércitoVermelhoavançariaaoestedeBerlimemaisalém,semnenhumexércitoanglo-americanonaFrançaenaAlemanhaparadetê-lo.TerosportosdocanaldaManchacontroladosporStálinnãoteriasidomenosperigosoparaa independência a longo prazo da Grã-Bretanha no inal das décadas de1940e1950doquetê-loscontroladosporHitler.Se a isso for acrescentado o fato de que Hitler estava (ainda que de

maneira intermitente) empreendendo sua própria pesquisa nuclear,enquanto os espetaculares avanços dos Aliados nesse campo eraminformados a Stálinpor seus espiões ocidentais, a necessidade da plenaparticipação britânica numa guerra drasticamente abreviada torna-seóbvia.Sequalquerdosditadorestivessesidodeixado,talvezduranteanos,nocontroledaEuropa, issoteriasidonecessariamentedesastrosoparaasesperanças da Grã-Bretanha de independência genuína e duradoura.HenryKissinger certa vez zombouda guerradedez anos entreo Irã e oIraque:“Éumapenaqueambosnãopossamperder.”Oriscodequeumaguerra nazi-soviética resultasse em algo diferente da mútua derrota eragrandedemaisparaserassumidopelogovernobritânicoem1940.Além disso, a grande justi icativa na busca de encorajar os Estados

Unidosaadotarumapolíticade“Prioridade:Alemanha”nalutaparasalvara civilização teria sido inteiramente arruinada se a Grã-Bretanha tivesseentradoemacordocomHitlerdepoisqueaForçaExpedicionáriaBritânicafoiretiradadeDunquerque.FoinecessáriaaresistênciaobstinadaduranteaBlitzeabatalhadaInglaterraparaconvencerosEstadosUnidosdovalorda Grã-Bretanha como aliado. Embora a Grã-Bretanha tenha de fato

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terminado em dívida com os Estados Unidos depois da guerra, não teriaestado em melhor situação inanceira caso tivesse permanecido emprontidão militar talvez por décadas, esperando pelo momento provávelem que Hitler subitamente revogaria seu tratado de paz e atacaria denovo. A inal, o Führer renegara um a um todos os outros tratados queassinara.Acrescea issoque,porocasiãodaretiradadeDunquerque,aguerra já

estava em cursonomar havia novemeses;marinheiros haviammorrido,navios transportando crianças para o Canadá haviam sido torpedeados eemconseqüênciaosanguebritânicofervia.Fazerumapazmanifestamenteignóbilteriasidodesferirumgolpeesmagadornoorgulhoenaauto-estimaimperiais, e sem dúvida teria causado graves distúrbios internos, fataispara o senso de unidade nacional estimulado desde que os partidos deoposiçãohaviam ingressadonogovernodeChurchill emmaiode1940.AdesmoralizaçãodoReinoUnidoede seus aliados imperiais eraumpreçoalto demais a pagar para escapar dos perigos da Blitz; os únicosvencedoresnapolítica interna teriam sidooPartidoComunista e aUniãoBritânicadosFascistas.No que diz respeito à acusação de que Churchill matou o que mais

amava:naverdade,apósoAtoda Índiade1935o ImpérioBritânico já ialonge no caminho do autogoverno. A Segunda Guerra Mundial acelerouesse processo, sem dúvida, mas o apogeu do império já terminara haviamuitoquandoChurchillchegouaopoderemmaiode1940.Numnívelmaisemocional, que glória teria havidonapossedeum império emprestado àGrã-BretanhapelagraçadeAdolfHitler?TerseladoapazcomHitlerem1940eterassimabjuradoaesperança,

pormaisremotaqueelaparecessenaquelemomento,deumdialibertaraEuropa do nazismo, teria sido condenar o continente ao que Churchillquali icounaquele ano, em palavras célebres, de “uma nova Idade dasTrevas,aindamaissinistraetalvezmaisprolongadapelasluzesdaciênciapervertida”. Di icilmente um judeu europeu teria podido sobreviver aoprocesso de extermínio que começara em basesad hoc na Polônia emsetembrode1939,masseindustrializaraporcompletonaalturade1942,se a possessão inconteste da Europa tivesse sido concedida a Hitler enenhuma invasão aliada tivesse ocorrido em 1944, 1945 ou em algummomento depois. As grandes potências desfrutam no presente seu maislongoperíododepazdesdeo surgimentodanação-Estadono séculoXVI;teriaissorealmentesidopossívelsetivessesidopermitidoaHitlermanter

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osespóliosdesuavitóriaem1940?ChurchillsabiaqueterfeitoapazcomaAlemanhateriasidoabdicarda

própriahonra edahonrade seupaís. Em seupanegírico aChamberlain,após falar da “lâmpada oscilante” da história que tentava “atiçar compálidoslampejosapaixãodediaspassados”,Churchillperguntou:

Quevalortemtudoisso?Oúnicoguiadeumhomemésuaconsciência,o único escudo de sua lembrança é a retidão e a sinceridade de suasações. É muito imprudente caminhar pela vida sem esse escudo,porque somos a todo instante desiludidos pelo fracasso de nossasesperanças e os obstáculos às nossas previsões; com esse escudo,porém, o que quer que as fadas tramem, marchamos sempre nasfileirasdahonra.

Apesardosesforçosimplacáveisdeseusdetratoresrevisionistas,WinstonChurchillaindamarchanessasfileiras.

FIM

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Notas

Introdução

1.ChristopherHitchens,AtlanticMonthly,abrilde2002,p.121.2.DailyTelegraph,29deagostode2002.3.DailyTelegraph,12defevereirode2002.4.Johnson,Napoleon,p.193.5.BrianMacArthur(org.),ThePenguinBookofHistoricSpeeches,1995,p.300-1.6.Churchill,Savrola,p.156.7.Gilbert,WinstonS.Churchill,vol.8,p.369.8.Rosebery,LordRandolphChurchill,p.81.9.A.N.Wilson,WatchintheNight,p.32.10.NewYorkWorld,6defevereirode1928.

HitlereChurchillaté1939

1.Warlimont,InsideHitler’sHeadquarters,p.x.2.Pearson,CitadeloftheHeart,p.243.3.Brendon,Churchill,p.126.4.Irving,Churchill:Triumph,p.62.5.Mosley,LifeofContrasts,p.47.6.Brendon,op.cit.,p.110.7.BBCHistoryMagazine,maiode2001,p.7.8.PatrickKinnanabiografiatelevisivadeChurchilldesirMartinGilbert,1992.9.Ibid.10.CartadeIanWeston-Smith,1ºdemaiode2001.11.Churchill,Savrola,p.50.12.MarySoames,“WinstonChurchill:theGreatHumanBeing”,9thAnnualCrosbyKemperLecture,21deabrilde1991,p.7.

13.Churchill,Savrola,p.226.14.Jablonsky,ChurchillandHitler,p.260.15.Luke,HanselPless,p.73.16.Hitler,MeinKampf,p.740-2.17.RhodesJames(org.),ChurchillSpeaks,p.603.18.DailyExpress,5deoutubrode1938.19.Grint,ArtofLeadership,p.267.20.Roseman,Wannsee,p.113.21.Rauschning,GesprächemitHitler,p.223.22.Grint,op.cit.,p.297.23.Spectator,26dejaneirode2002.

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24.TheTimes,16dejulhode1998.25.Irving,Churchill:WarPath,p.20.26.Churchill,Savrola,p.88.27.Brendon,op.cit.,p.143.28.Jablonsky,op.cit.,p.209.29.TheObserver,5deagostode1951.30.Speer,InsidetheThirdReich,p.151.31.Ibid,p.187-8.32.Churchill,Savrola,p.79.33.Gilbert,WinstonS.Churchill,vol.4,p.446-7.34.Prof.R.V.Jones,“ChurchillasIKnewHim”,10thAnnualCrosbyKemperLecture,29demarçode1992,p.10.

35.Speer,op.cit.,p.155-6.36.Kershaw,Nemesis,p.xvi.37.Burleigh,ThirdReich,p.253-5.38.Overy,Interrogations,p.38.39.Waite,PsychopathicGod,p.42.40.Churchill,Savrola,p.99.41.Stone,Hitler,p.86.42.Irving,WinstonS.Churchill:Triumph,p.xviii.43Proctor,RobertN.,“TheAnti-TobaccoCampaignoftheNazis”,www.freerepublic.com.44.RevistaTime,9dejaneirode1995.45.Soames(org.),SpeakingforThemselves,p.390.46.SundayTelegraph,12dejulhode1998.47.Jablonsky,op.cit.,p.270.48.Gilbert,WinstonS.Churchill,vol.6,p.166.49.Ibid.,p.59-60.50.Goleman,BoyatziseMcKee,NewLeaders,p.ix.51.Colville,FringesofPower,p.319.

HitlereChurchillapartirde1940

1.Gilbert,WinstonS.Churchill,vol.6,p.216.2.Keegan,SecondWorldWar,p.38.3.Roberts,HolyFox,p.201.4.Smith(org.),HostagetoFortune,p.476.5.Engel,HeeresadjutantbeiHitler,p.75.6.BurdickeJacobsen,HalderWarDiary,p.85.7.Frieser,Blitzkrieg-Legende,p.392.8.Engel,op.cit.9.Brendon,Churchill,op.cit.,p.140.10.Hayward,ChurchillonLeadership,p.73.11.Spears,AssignmenttoCatastrophe,p.216.12.Wheeler-Bennett(org.),ActionThisDay,p.50.13.Ibid.,p.52-3.14.Ibid.,p.20.15.Ibid.,p.19-20.16.Churchill,Savrola,p.307.17.HinsleyeSimkins,BritishIntelligence,vol.4,p.47.18.Thompson,1940,p.134-8.

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19.Kershaw,HitlerMyth,p.13-14.20.Jablonsky,op.cit.,p.159.21.Colville,FringesofPower,p.382.22.Churchill,Contemporaries,p.343.23.Brendon,Churchill,p.156.24.Kimball(org.),ChurchillandRoosevelt,p.49-50.25.DancheveTodman(orgs.),AlanbrookeWarDiaries,p.xi.26.Jenkins,Churchill,p.629.27.DailyTelegraph,29deagostode2002.28.Trevor-Roper(org.),LastDaysofHitler,p.95.29.Ibid.,p.264.30.Ibid.,p.505.31.Ibid.,p.630.32.Churchill,Savrola,p.22.33.Gilbert,WinstonS.Churchill,vol.4,p.1103.34.Colville,op.cit.,p.180.35.Ibid.,p.404.36.Stafford,ChurchillandtheSecretService.37.DocumentosdeRichardGarnettemHiltonHall,Huntingdon.38.Garnett,SecretHistoryofPWE.39.Gilbert,WinstonS.Churchill,vol.7,p.455.40.Brendon,Churchill,p.147.41.Jablonsky,op.cit.,p.22.42.Ibid.,p.256.43.Ibid.,p.241-2.44.Conversadoautorem1993comofalecidolordeHume,p.184.45.Warlimont,op.cit.,p.463.

Conclusão

1.JohnKeegan,DailyTelegraph,18dejulhode1998.2.JohnLukacs,HitlerofHistory.3.MailonSunday,2deoutubrode1994.4.Masters,GettingPersonal,p.57-8.5.BryanAppleyard,“LeadersofthePack”,SundayTimes,20dejaneirode2002.6.Browning,OrdinaryMen.7.Goldhagen,Hitler’sWillingExecutioners.8.Jenkins,op.cit.,p.635.9.WillanseRoetter,WitofWinstonChurchill,p.106.10.Jones,op.cit.,p.ii.11.Churchill,Savrola,p.43.12.ParaassinarFinestHour,visitewww.winstonchurchill.orgouescrevaparaPOBox1257,Melshaven,SN1269Q,UK

13.Creighton,Op.JB.14.Spectator,7e21desetembrode2002.15.Strawson,HitlerandChurchill,p.502-3.

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Hitlerem1930.Oolhardiztudo.

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Discursonamão,ChurchillsaideDowningStreetparacomunicaràCâmaradosComunsoafundamentodafrotafrancesaemOrã,a4dejulho

de1940.

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ALigadasDonzelas(algumasmaisparamatronas)cultuaaseuídolosoboolhardeHeinrichHimmler.

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OComíciopelaHonraeaLiberdadeemNuremberg,1936.

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Churchill,comumsobretudodescosturado,consertaumtelhadoduranteseusanosdeostracismo.

Churchillenvergandoseusirensuit,ou“macacão”,emChartwell,1939.

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OministrodasFinançasWinstonChurchill,acompanhadoporseusecretárioparticularBobBoothby,suafilhaDianaeoguarda-costas,

inspetorW.H.Thompson,caminhaemdireçãoàCâmaradosComunsparaapresentarseuorçamentopara1929.

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OgeneralWernervonBlombergacreditavaqueumsimplesencontrocomHitlerpoderiacurá-lodeumresfriado.

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HermannGöringpensavaqueHitlerpodiaconvencê-loatédequeeraumamulher.

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DezmesesapósoacidentenaQuintaAvenida,Churchill,aindaconvalescendo,écarregadoparasuaresidênciaemLondres,emoutubro

de1932.

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UmacoroadelourosparaoFührernaprisãoemLandsberg.

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Hitler,recém-eleitochanceler,emumararaposturasubmissa,aoseencontrarcomseuantigocomandante-em-chefe,presidenteHindenburg,

emPotsdamem21demarçode1933.

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Praga,15demarçode1939:foradoCastelo[Hradschin],oFührerinspecionaastropas,nodiaemqueinvadiuorestantedeumapassiva

Tchecoslováquia.

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OcomedianteWeiss-Ferdl,deMunique,emseucamarimem1930.Hitlerestudouseutiming,formadefalaretécnicas.

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Hitlerbancaocanastrãoparaseufotógrafofavorito,HeinrichHoffmann.

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DaCasaBranca,Churchillfazumpronunciamentopelorádio,1943.

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HitlercomBlondi.

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HitlercomEva,queatéseucasamentoforçadosempreotratavapor“meinFührer”.

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Registroraro:Hitler,queeramíope,usandoóculos.Eletemiaquefotosassimpudessemprejudicarsuaimagemdesuper-homem.

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OFührerfoiumpioneironooportunismopolíticodesedeixarfotografarcomcrianças.

QuandooditadoritalianoBenitoMussolinifoifotografadodecalçãode

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banho,Hitlerreagiucomescárnio.

Churchillnãosepreocupavamuitocomaaparência.

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Hitlervestia-sesobriamenteparaenfatizarsuasimplicidadevis-à-visseusgenerais.

GoebbelsusavaohumorparadissuadiroFührereeliminarseusrivais.

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OarquitetoAlbertSpeereHitleradmiramsuaobranainauguraçãodanovaChancelariadoReich,em1938.

Eraprecisotranspormaisde270metrosdeumaesplêndidagaleriaantesdesechegaraogabinetedoFührer.

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Mesmocomoprimeiro-ministroeemplenaguerra,ChurchillandavaapépelasruasdeLondres,comonesseregistrode26demaiode1940.

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OssecretáriosdeHitlerfumavamemsuaausência.

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Hitlercomdoispapais-noéisnumafestaem1937.

HitlercogitouutilizaroserviçodiplomáticoalemãoparaseduzirMary,filhadeChurchill(àesquerda).Issonuncachegouaacontecer.

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OministrodasFinançasHjalmarSchachtsaúdaobustodoFührer,em1935.

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KingsleyWoodeAnthonyEdenaconselhamChurchillapósumareuniãodoGabinete,horasantesdeelesetornarprimeiro-ministro,em10demaiode

1940.

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OGabinetedeChamberlainemoutubrode1939.Nafiladetrás,daesquerdaparaadireita:JohnAnderson,MauriceHankey,LeslieHore-Belisha,WinstonChurchill,KingsleyWood,AnthonyEdeneEdward

Bridges.Nafiladafrente:lordeHalifax,JohnSimon,NevilleChamberlain,SamuelHoareelordeChatfield.Aofundo,umretratodelordeSalisbury.

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Ogeneral-de-divisãoErichvonManstein,arquitetodo“GolpedaFoice”,quelevouàQuedadaFrançaem1940.

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OgeneralWalthervonBranschitsch,HitlereogeneralFranzHalderàfrentedocomandodemissãono“GolpedaFoice”.

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Omarechal-do-arsirHughDowdingdoComandodeCaças,vencedordabatalhadaInglaterra.

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BobBoothbyfoigrandeamigoeconfidentedeChurchillatéseenvolver,em1941,nahistóriasórdidaconhecidacomo“ocasodoourotcheco”.

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Osmarechais-de-campolordeAlanbrookeeBernardMontgomerycomChurchillnaFrançaem1944.

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Churchillfoioúnicoprimeiro-ministrobritânicoausaruniformemilitar.NaConferênciadeTeerãeleseassemelhavamaisStálindoqueRoosevelt.

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HitlerinspecionaosdanosapósoComplôdaBombade20dejulhode1944,cujaexplosãoojogoupelajanela.

BrunoGesche,ocomandantealcoólatradaSSdeHitler,porduasvezes

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ameaçouusarsuaarmaquandoestavabêbado,maspreservouseuemprego.

Fotoforjadaedepoisdistribuídacomocartão-postalpelaExecutivaPolíticadeGuerra(PWE)britânica.AlegendacitaumdosdiscursosdeHitler:“O

quetemos,seguramos.”

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AlgunslivrosafirmamqueoFührererahomossexual.

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HitlerusandoaCruzdeFerrodeprimeiraclasse,abraçadeiracomasuásticaeoquepepontudo—suasúnicasinsígnias.

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Churchillcomalgunsdeseusacessóriosfavoritos:chapéuhomburg,coletelistrado,gravata-borboletadebolinhaselençonumarranjoelaborado.“Nuncaseesqueçadasuamarca!”,disseelecertavezaumcolegado

Parlamento.

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Listadeilustrações

1.Hitlerem1930.2. Churchill ao deixar Downing Street, para comunicar à Câmara dosComunsoafundamentodafrotafrancesaemOrã(1940.)3.ALigadasDonzelascultuaseuídolosoboolhardeHeinrichHimmler.4.OComíciodoPartidodoReichpelaHonraeaLiberdadeemNuremberg(1936).5.Churchillconsertaumtelhadoemseusanosdeostracismo.6.Churchillenvergandoseu“sirensuit”,emChartwell(1939).7.Churchill,acompanhadoporBobBoothby,sua ilhaDianaeseuguarda-costas, inspetor W.H. Thompson, caminha para a Câmara dos Comuns(1929).8.OgeneralWernervonBlombergcomHitler.9.HermannGöringcomHitler.10.Churchill,dezmesesapósseuacidentenaQuintaAvenida,écarregadoparasuaresidênciaemLondres(1932).11.HitlernacadeiaemLandsberg.12. O encontro de Hitler, recém-eleito chanceler, com seu antigocomandante-em-chefepresidenteHindenburgemPostdam(1933).13. O Führer inspeciona suas tropas fora do Castelo [Hradschin], emPraga,em15demarçode1939,aoinvadirorestantedaTchecoslováquia.14. O comedianteWeiss-Ferdl em seu camarim em 1930; Hitler estudouseutiming,elocuçãoetécnicas.15. Hitler banca o canastrão para seu fotógrafo favorito, HeinrichHoffmann.16. Churchill, na Casa Branca, durante um pronunciamento pelo rádio(1943).17.HitlercomBlondi.18.HitlercomEvaBraun.

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19.FotomuitoraradomíopeHitlerusandoóculos.20.Hitlerposacomcrianças.21.BenitoMussolinidecalçãodebanho.22.Churchillnãosepreocupavamuitocomaaparência.23. Hitler em trajes sóbrios, realçando sua simplicidade vis-à-vis seusgenerais.24.GoebbelscontaumapiadaparaoFührer.25.OarquitetoAlbertSpeereHitleradmiramsuaobranainauguraçãodanovaChancelariadoReichem1938.26.Maisde270metrosdeesplêndidasgaleriasantecedemogabinetedoFührer.27.ChurchillcaminhapelasruasdeLondresem26demaiode1940.28.OssecretáriosdeHitlerfumavamnaausênciadele.29.Hitlernumafestaem1937comdoispapais-noéis.30.ChurchillcomsuafilhaMary.31. O ministro das Finanças Hjalmar Schacht saúda o busto do Führer(1935).32. KingsleyWood eAnthony Eden aconselhamChurchill horas antes deelesetornarprimeiro-ministroem10demaiode1940.33.OGabinetedeChamberlainduranteaguerraemoutubrode1939.34.Ogeneral-de-divisãoErichvonManstein.35. O generalWalther vonBrauschitsch,Hitler e o general FranzHalderdirigemocomandodemissão.36.Omarechal-do-arsirHughDowding,doComandodeCaças.37. BobBoothby, grandeamigoe con identedeChurchill até se envolverno“casodoourotcheco”em1941.38. Osmarechais-de-campo lordAlanbrooke eBernardMontgomery comChurchillnaFrança(1944).39.Churchill,envergandouniformemilitar,naConferênciadeTeerã.40.Hitler inspecionaosdanosapósoatentadoquesofreuem20julhode1944.41.BrunoGesche,comandantedaGuardaPessoalSSdeHitler.42. Foto forjada e depois distribuída pela Executiva Política de Guerra(PWE)britânica.43.AlgunslivrosafirmamqueoFührererahomossexual.

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44.HitlerusandoaCruzdeFerrodePrimeiraClasse,abraçadeiracomasuásticaeoquepepontudo.45. Churchill com alguns de seus acessórios favoritos: chapéuhomburg,colete listrado, gravata-borboleta de bolinhas e lenço num arranjoelaborado.

CRÉDITOSDASIMAGENS:

1,3,4,11,12,13,14,18,21.TheBildarchivPreussischerKulturbesitz2,5,6,16,27,30,32,36,37,44,45.HultonGetty7,8,10,39.Popperfoto9,29,31,38.UllsteinBild15.VollerErnst17,19,20,24,25,26,28,40.TheWalterFrentzArchive22.TheImperialWarMuseum23,33,34.AKGLondon35.HeidemarieSchall-Riacour41.BayerischeStaatsbibliothek42.RichardGarnett