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DAVID MARINHO DE LIMA JÚNIOR HOLLYWOOD VERSUS TEERÃ: O USO POLÍTICO DE UMA IMAGEM DA REVOLUÇÃO IRANIANA PRODUZIDA NO GOVERNO BUSH (1989-1993) Volume único Monografia apresentada ao Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em História. Orientador: Prof. Dr. Renato Luis do Couto Neto e Lemos Co-orientador: Prof. Ms. Murilo Sebe Bon Meihy RIO DE JANEIRO 2010

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Monografia sobre a construção dos estereótipos relacionados ao Islã no cinema estadunidense do início da década de 1990, que buscava na Revolução Iraniana de 1979 uma justificativa para a incipiente política externa que se baseia até hoje na ideia de "Choque de Civilizações".

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DAVID MARINHO DE LIMA JÚNIOR

HOLLYWOOD VERSUS TEERÃ: O USO POLÍTICO DE UMA IMAGEM DA REVOLUÇÃO IRANIANA PRODUZIDA NO GOVERNO BUSH (1989-1993)

Volume único Monografia apresentada ao Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em História.

Orientador: Prof. Dr. Renato Luis do Couto Neto e Lemos Co-orientador: Prof. Ms. Murilo Sebe Bon Meihy

RIO DE JANEIRO 2010

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DAVID MARINHO DE LIMA JÚNIOR

HOLLYWOOD VERSUS TEERÃ: O USO POLÍTICO DE UMA IMAGEM DA REVOLUÇÃO IRANIANA PRODUZIDA NO GOVERNO BUSH (1989-1993)

Monografia apresentada ao Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em História.

Aprovada em: Rio de Janeiro, _______ de ______________ 2010.

___________________________________________________ Renato Luis do Couto Neto e Lemos, Doutor em História Social, Professor História /UFRJ.

___________________________________________________

Murilo Sebe Bon Meihy, Mestre em História Social, Doutorando / Universidad Autónoma de Madrid

___________________________________________________ Marcelo Badaró de Mattos, Doutor em História Social, Professor de História /UFF.

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Ao sorriso de Larissa

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AGRADECIMENTOS

Sou muito grato ao professor Murilo Sebe Bon Meihy pelo encorajamento e pela força

que sempre me deu, mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas pelos alunos do curso

noturno, indicando caminhos e me auxiliando sempre que preciso com a paixão de quem acredita

no que faz. Mais que um co-orientador um amigo. Agradeço também aos professores Renato

Lemos e Marcelo Badaró pela contribuição fundamental ao trabalho.

Serei sempre grato aos meus pais, Mônica e David, por tudo que sempre fizeram e

seguem fazendo por mim, todos os exemplos e valores que herdei me acompanharão por toda a

vida, refletindo no meu trabalho e nas minhas realizações. Agradeço a toda minha família, que

sempre se fez muito presente na minha vida, em especial minha avó Antonia que marcou muito

minha forma de ver o mundo, com todo amor e carinho que sempre me dedicou, sendo um dos

maiores exemplos de dignidade humana que eu já encontrei.

Agradeço à Larissa por toda candura, dedicação, compreensão, paixão e carinho que

jamais pensei que pudesse existir em uma só pessoa. Sem você esse trabalho estaria incompleto,

pois faltaria a parte de mim que encontrei em você.

Agradeço aos amigos que enchem de alegria minha vida e que sei que vão me

acompanhar sempre, pois sem eles não sei para onde ir: Felipe, Luiz, Eduardo, Diego, Marcelo,

Rafael, Vítor, Guto, Rafaela, Alexandre, Carla, Ademir, Aline, Bárbara, Gerson, Arnaldo,

Claudinha, Leonardo, Maria Beatriz, Alisson, Cecília, Sandro, Maria Cristiane, Thiago, Gabriel,

Maíra, André, Ricardo, Rodriguinho, Maria Fernanda, Guilherme, Felipe Foureaux e Janei.

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"O cristianismo teve de esperar por Constantino antes de poder parar de dar a outra face. O Islã nunca confrontou um dilema filosófico dessa natureza." Tariq Ali

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RESUMO

LIMA JUNIOR, David Marinho. Hollywood versus Teerã: o uso político de uma imagem da revolução iraniana produzida no governo Bush (1989-1993). Rio de Janeiro, 2010. Monografia (Graduação em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Durante os governos dos presidentes Ronald Reagan (1981 – 1989) e George H. Bush

(1989 – 1993), os Estados Unidos da América vivenciaram um longo período de hegemonia

política conservadora. Durante esses doze anos em que o Partido Republicano esteve no poder, a

mídia norte-americana foi fortemente influenciada por seu projeto político, difundindo o

militarismo e o conservadorismo característicos da política externa norte-americana no período.

O cinema se transforma em um importante veículo através do qual se elegem os inimigos a serem

combatidos pelos Estados Unidos, muitos blockbusters são produzidos na era Reagan ressaltando

a ameaça comunista, mas com o fim da União Soviética, já no governo Bush, a vaga de inimigo

prioritário é preenchida pelo Islã.

Palavras-chave: governo Bush – Revolução Iraniana – cultura da mídia

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ABSTRACT

LIMA JUNIOR, David Marinho. Hollywood versus Teerã: o uso político de uma imagem da revolução iraniana produzida no governo Bush (1989-1993). Rio de Janeiro, 2010. Monografia (Graduação em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

During the administrations of presidents Ronald Reagan (1981-1989) and George H. Bush

(1989-1993), the United States of America experienced a long period of conservative political

hegemony. During these twelve years that the Republican Party was in power, the U.S. media

was strongly influenced by their political project, spreading militarism and conservatism, which

were characteristic of U.S. foreign policy at that time. The movies becomes an important vehicle

through which they elect the enemies to be fought by the United States, many blockbusters are

produced in the Reagan era emphasizing the communist threat, but with the end of the Soviet

Union, at the Bush administration, the spot of priority enemy is filled by Islam.

Keywords: Bush administration – Iranian Revolution – media culture

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO____________________________________________________________08

2 DO GOLPE À REVOLUÇÃO: O IRÃ E SUA RELAÇÃO COM O OCIDENTE _____11

3 MÍDIA E IMPERIALISMO: CINEMA EM TEMPOS DE HEGEMONIA

CONSERVADORA _________________________________________________________30

3.1 CULTURA DA MÍDIA ___________________________________________________32

3.2 ORIENTALISMO E CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES _________________________38

4 UMA ANÁLISE DO FILME NUNCA SEM MINHA FILHA _____________________ 45

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO DE PRODUÇÃO DO FILME ______________________46

4.2 SINTAXE NARRATIVA __________________________________________________47

4.3 ATORIALIZAÇÃO ______________________________________________________52

4.4 INTERPRETAÇÃO SEMÂNTICA _________________________________________54

5 CONCLUSÃO ____________________________________________________________65

ANEXO ___________________________________________________________________68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS __________________________________________69

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1 INTRODUÇÃO

A República Islâmica do Irã é vista hoje como uma das maiores ameaças à paz mundial.

Pouco antes da invasão do Iraque, o presidente norte-americano George Walker Bush (2001-

2009), declarou que o Irã, juntamente com o Iraque e a Coréia do Norte, fazia parte de um

suposto “eixo do mal”. A eleição de Mahmoud Ahmadinejad em 2005 para o cargo de presidente

do país agravou a situação. Político conservador e com discurso afiado, Ahmadinejad é famoso

por suas declarações polêmicas, tal como a de que o Holocausto judeu nunca existiu. Defensor do

programa nuclear iraniano, o presidente é motivo de um freqüente mal-estar na comunidade

internacional.

O Irã é um país islâmico com muitas especificidades, podemos começar pelo fato de 85%

de sua população ser xiita. Tal proporção não ocorre em nenhum outro país islâmico, já que a

vertente sunita é majoritária, calcula-se que apenas entre 10 e 15% do total de muçulmanos são

xiitas1. Outra especificidade é a composição étnica, apesar de comumente confundido, árabe não

é sinônimo de muçulmano, e o Irã é um excelente exemplo. Apesar de ser um dos maiores países

islâmicos, a maioria dos iranianos é de origem persa e não árabe, e a língua falada no país

também é o persa.

As relações entre os Estados Unidos da América e o Irã são conturbadas de longa data. A

Revolução Iraniana de 1979 derrubou o governo do Xá Reza Pahlevi, que era apoiado pelos

norte-americanos, e lançou as diretrizes que iriam predominar por toda a Guerra Fria, tais como a

independência em relação às duas superpotências da época e a identificação dos Estados Unidos e

1 O xiismo é uma vertente do Islã que se originou na luta pela sucessão de Maomé. O primo do profeta, Ali, reivindicou a herança de sangue para chegar à liderança da comunidade islâmica. Perseguido e brutalmente executado, Ali se tornou um mártir da causa islâmica e seus seguidores fundaram a vertente xiita, que vem do árabe Shiah i-Ali (Partidários de Ali). Informações obtidas em: ZACCARA, Luciano. Los enigmas de Iran: sociedad y política em la República Islámica. 1ª ed., Buenos Aires: Capital Intelectual, 2006

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Israel como os principais inimigos do Irã2. Essas diretrizes não foram lançadas aleatoriamente,

elas estão ligadas a um golpe promovido pelos EUA em 1953, quando o Xá havia sido conduzido

ao poder. A trajetória da relação entre EUA e o Irã é o tema do primeiro capítulo do presente

trabalho.

A idéia de que o Irã é uma ameaça ao mundo não foi difundida somente após a eleição de

Mahmoud Ahmadinejad, a Revolução Iraniana já havia gerado no Ocidente a insegurança de não

poder manter um governante alinhado com os seus interesses no poder. O baque foi grande,

principalmente para a maior potência ocidental, os EUA, porém, à época da Guerra Fria o maior

inimigo a ser combatido era o comunismo. Com a queda do Muro de Berlim (1989) e a efetiva

dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (1991), o imperialismo norte-

americano volta suas atenções para um novo inimigo prioritário: o Islã.

Nesse novo contexto a Revolução Iraniana vai servir como matriz para a produção dos

estereótipos necessários para fomentar uma imagem distorcida da cultura islâmica. Da mesma

maneira que o cinema norte-americano durante a Guerra Fria permeou no imaginário político

ocidental a figura do comunista “sanguinário” e “malvado”, no mundo pós-guerra o muçulmano

ocupa o lugar do comunista e a cultura estadunidense se apropria de uma tradição que havia

servido muito bem ao colonialismo europeu: o Orientalismo3. O segundo capítulo versará sobre o

papel do cinema na reprodução desses estereótipos, assim como será discutido o peso da cultura

da mídia no projeto de dominação imperialista norte-americano.

No terceiro capítulo será analisado o filme Nunca sem Minha Filha (Not without my

daughter, 1991), que retrata uma família onde o pai é iraniano e a esposa é norte-americana. O

2 ZACCARA, Op. Cit. 3 O conceito de Orientalismo de Edward Said parte do principio que o Oriente é uma invenção do Ocidente. Toda categoria criada para definir o oriental passa necessariamente pelo filtro dos valores ocidentais, que se colocam em uma escala evolutiva superior ao objeto de sua análise. O conceito será melhor trabalhado no capítulo 2. SAID, Edward. Orientalismo – O Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

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casal mora nos EUA com a filha pequena e vivem felizes apesar do preconceito sofrido pelo

marido. Tudo muda quando a família visita Teerã. A peça é emblemática e ilustra muito bem a

confecções de estereótipos baseados na Revolução Iraniana.

O presente estudo tem sua relevância justificada em duas vias. Primeiro por examinar a

construção de uma imagem orientalista da Republica Islâmica do Irã, muito disseminada até os

dias de hoje pela mídia norte-americana, possibilitando o apoio da opinião pública a uma possível

intervenção junto ao Irã. Segundo porque não se trata de uma construção que se aplica

exclusivamente ao Irã. O modo como o Ocidente vê o Oriente tende a generalizações, e as formas

preconceituosas e limitadas de se representar o Irã são extensíveis a todo o Mundo Islâmico.

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2 DO GOLPE À REVOLUÇÃO: O IRÃ E SUA RELAÇÃO COM O OCIDENTE

Desde a eleição de Mahmoud Ahmadinejad para o cargo de presidente do Irã em 2005, o

país voltou a ter lugar de destaque nos veículos de comunicação da mídia ocidental. Seu

posicionamento polêmico, que tem como diretriz um forte sentimento anti-sionista e

antiestadunidense, é noticiado como um retorno às origens da Revolução Islâmica de 1979. Seu

governo é repudiado pelos Estados Unidos e por outros países alinhados com a potência norte-

americana.

Mas o que seria esse possível retorno às origens revolucionárias? Porque a figura dos

aiatolás4 parece tão ameaçadora? De onde vem esse sentimento tão agudo contra a figura da

maior potência capitalista contemporânea? O anti-sionismo é uma questão com a qual o Ocidente

está mais familiarizado, mas seria este o motivo de tanto ódio em relação aos estadunidenses?

Afinal, a causa palestina já chamou a atenção do mundo para o impacto da criação do Estado de

Israel na comunidade islâmica como um todo, assim como para a política militarista dos

israelenses na região do Oriente Médio com amplo apoio dos Estados Unidos.

Sem dúvida esse é um dos muitos fatores que tornam essa potência um dos Estados mais

odiados pela opinião pública ao redor do mundo, principalmente nos países islâmicos, mas não é

o único motivo pelo qual as relações entre os E.U.A. e a República Islâmica do Irã foram

cortadas após 1979. Ao contrário do que se supõe a origem de tanta aversão não está relacionada

ao movimento revolucionário estritamente. Esse processo na verdade apenas reacendeu uma sede

de justiça ligada a agressão sofrida décadas antes, mais precisamente no ano de 1953.

4 O termo vem do árabe ayat Allah e significa “o sinal de Deus”. É um título concedido na tradição xiita ao estudioso considerado capaz de adaptar a lei sagrada dos muçulmanos às condições contemporâneas.

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Desde o início do século XX, com a descoberta dos ricos poços de petróleo iranianos em

1908, a Grã Bretanha passou a exercer efetivamente seu domínio sobre o país, através da Anglo-

Persian Oil Company, empresa da qual o governo britânico era sócio majoritário. Assim como

em toda a extensão de seu império colonial, a grande potência de outrora passou a intervir

diretamente nos assuntos internos do Irã, país que chamavam à época de Pérsia, e todos os

governantes que se seguiram desde então mantinham uma relação de dependência com o Império

britânico e seus interesses coloniais.

Em 1921, após o fim da Primeira Guerra Mundial, o país encontrava-se em caos. Os

governantes da dinastia Qajar5, via de regra violentos, incompetentes e corruptos, haviam deixado

o Irã a beira da desintegração. Tal desintegração não interessava aos britânicos, uma vez que

outro país, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), também possuía interesses na

região, e seria muito mais prática a manutenção de um novo líder que não se opusesse à empresa

colonial e fosse capaz de manter a unidade territorial.

Nesse contexto surge a figura de Reza Khan, herdeiro de uma tradição familiar militar,

conhecido por ser impiedoso com os inimigos e que compartilhava com o resto da população

iraniana um profundo desprezo pelos governantes da dinastia Qajar. Reza era integrante da

brigada cossaca, um dos poucos regimentos bem treinados do país e que se tornou peça

fundamental na articulação executada pela Grã-Bretanha para substituir os Qajar.

O apoio militar de Reza Khan ao golpe planejado pelos ingleses lhe rendeu grande apreço

por parte dos mesmos. Uma das exigências após o golpe era de que ele fosse nomeado

comandante da guarda cossaca. Dois anos depois o mesmo seria nomeado primeiro ministro. Sua

ascensão ao poder chegou ao limite previsto pelos britânicos em 1925, quando Reza Khan passou

5 Dinastia que dominou o Irã entre 1794 e 1925.

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a se autodenominar como Reza Shah Pahlevi e foi proclamado Xá do Irã. O governo centralizado,

forte e sob as mesmas estruturas podres do antecessor havia sido criado para o júbilo dos bretões.

Após consolidar seu poder, o novo Xá tentou limitar a influência inglesa, mas sem

nenhum sucesso efetivo. Uma das medidas adotadas por ele abolia a denominação da Anglo-

Persian Oil Company uma vez que o termo “persa” era usado apenas pelos estrangeiros para se

referir à população do Irã, sendo assim a empresa passou a se chamar Anglo-Iranian Oil

Company. Uma medida estritamente simbólica que não melhorou em nada o tratamento que era

dispensado aos trabalhadores iranianos, assim como em nada alterava a maneira como a Grã

Bretanha explorava o petróleo iraniano sem que os mesmos tivessem ao menos o direito de

auditar os livros da empresa6.

O governo de Reza foi marcado por um surto de modernização do país, construiu

rodovias, monumentos, fábricas, portos, hospitais e etc, a exemplo de outros líderes do Oriente

Médio como Ataturk7, na Turquia. No entanto, a modernização que Pahlevi ambicionava estava

em sintonia com os padrões ocidentais; a preservação de determinados aspectos da cultura

iraniana e das tradições milenares de seu país não estava na agenda. Qualquer resistência era

remediada com violência, jornais eram censurados, sindicatos eram fechados e seus opositores

perseguidos, assassinados ou exilados. Seu plano de modernização não incluía as organizações

tribais, que foram desarmadas e afastadas do poder, assim como tribos nômades foram

condenadas à miséria, sendo obrigadas a formar assentamentos improdutivos. Dessa forma o Xá

colocava em prática sua estratégia para eliminar os integrantes não desejados no seu projeto de

6 KINZER, Stephen. Todos os homens do Xá: o golpe norte-americano no Irã e as raízes do terror no Oriente Médio. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 7 Mustafá Kemal Ataturk liderou o processo de independência da Turquia após a desintegração do Império Turco-Otomano. É reconhecido por promover reformas econômicas, políticas e culturais em seu país, tendo o Ocidente como referencial.

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nação iraniana. A população tinha medo, a corrupção permanecia e era, agora, controlada pelo

Xá.

A situação na qual era mantido o Irã interessava aos britânicos. O perigo de desintegração

havia passado e os interesses de sua empresa de petróleo, que abastecia sua temida marinha de

guerra, estava garantido. Porém havia uma tendência pessoal do novo Xá que preocupava os

ingleses. Uma simpatia muito grande pelos governos da Alemanha e da Itália, que marcavam seu

caráter autoritário, pesou contra Reza a partir do inicio da Segunda Guerra Mundial. Tanto a Grã-

Bretanha quanto a União Soviética tinham sérias razões para temer que o Irã servisse de base de

operações das potências do eixo. A vasta fronteira do Irã com os soviéticos e a dependência dos

britânicos em relação ao petróleo iraniano tornaram a manutenção de Reza Shah Pahlavi no poder

insustentável para os aliados. Em 1941, após expressar publicamente sua simpática pelo nazismo,

ele foi forçado a abdicar em nome de seu filho, Mohamed Reza Shah Pahlavi, na época com vinte

e um anos de idade, um governante que estava muito longe de ter o carisma e, principalmente, a

força de seu pai.

Com o enfraquecimento do colonialismo no pós-guerra, houve uma forte ascensão do

movimento nacionalista nas regiões dominadas pelas antigas potências coloniais em declínio, e

no Irã não foi diferente. Com a saída de Reza Shah do cenário político, o movimento de atuação

política dos trabalhadores, que era duramente reprimido, voltou com força total. Os partidos

políticos e as organizações sociais voltaram à ativa. O Majilis, o parlamento iraniano, voltou a

funcionar livremente sem a interferência do autoritarismo de Reza.

Nesse contexto ressurge uma figura conhecida dos iranianos, mas que havia sido

convenientemente condenada ao ostracismo pela força de Reza Shah: Mohamed Mossadegh.

Esse importante político, de orientação liberal e educação ocidentalizada, volta à cena após vinte

anos de exílio. Ele defendia que o povo do Irã deveria governar seu próprio país, algo absurdo

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para os britânicos. Era um ardoroso crítico da autocracia e pregava o respeito às leis acima de

tudo. Estudou nas melhores instituições da Europa e cultivou grande apreço pelas instituições

democráticas liberais ao molde ocidental. Era, enfim, a figura mais forte do nacionalismo

iraniano e que não podia mais ser ignorada na conjuntura do pós-guerra.

Em 1943 Mossadegh volta ao Irã para concorrer nas novas eleições para o Majilis. Com

mais votos do que qualquer outro candidato, ele retomou sua antiga cadeira e deu início ao

projeto nacionalista, travando uma luta pela conduta ética no campo político iraniano. Os

inimigos se multiplicaram assim como sua base de apoio popular. Sua figura passou a centralizar

os interesses de vários setores progressistas da sociedade iraniana naquele momento, desde os

mulás8 insatisfeitos com o projeto de “modernização”, aos socialistas preocupados com as

condições de trabalho impostas pela agora chamada Anglo-Iranian Oil Company. Em 1949

formou-se uma coalizão chamada Frente Nacional, composta por partidos políticos, sindicatos

trabalhistas, grupos cívicos e outras organizações, que escolhem Mossadegh como líder.

Consolidava-se assim uma oposição como o colonialismo inglês jamais havia experimentado. As

pressões para um acordo mais justo pela utilização do petróleo iraniano aumentavam, mesmo

assim havia uma recusa em negociar9.

A intransigência dos britânicos começou a colher seus frutos efetivamente em 1951,

quando a Frente Nacional lançou uma campanha pela nacionalização da Anglo-Iranian. Mesmo

utilizando os velhos truques aprendidos ao longo de uma vasta experiência colonial, sabotando os

adversários e indicando políticos pró-britânicos a cargos chave no governo, a Grã Bretanha não

conseguiu controlar a situação. Nem o Xá conseguiu impedir que em março do mesmo ano a

nacionalização fosse aprovada pelo Majilis, deixando os bretões literalmente escandalizados.

8 Na tradição xiita, são os responsáveis por cuidar das mesquitas. 9 KINZER, Op. cit.

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Mossadegh agora era um herói nacional, ele próprio havia redigido o projeto de lei da

nacionalização e o defendeu a todo custo até o final. O Xá não tinha mais como medir forças com

ele e cedendo a pressões internas nomeia-o primeiro ministro. Agora o jogo havia se invertido,

eram os ingleses que se viam obrigados a lidar com a intransigência que partia do novo governo.

Este não aceitava negociar em hipótese alguma com os britânicos a reversão da nacionalização.

Pela primeira vez em muito tempo o Irã era liderado por um homem voltado para os interesses

nacionais e com legítimo apoio popular.

Iniciou-se então uma campanha britânica com o intuito de minar o governo de

Mossadegh. Os ingleses acusaram o Irã diante da comunidade internacional de roubar sua

propriedade. Posicionaram navios de guerra no Golfo Pérsico para intimidar o novo governo, e

por fim impuseram um embargo que arrasou a economia iraniana. Mesmo assim o apoio ao

primeiro ministro não se dissolveu na velocidade em que os britânicos imaginavam. A velha

potência decadente não conseguiria bancar uma intervenção militar e seus desdobramentos, a

saída encontrada era tão inescrupulosa quanto a primeira alternativa, porém um tanto mais

covarde. Tiveram início as articulações para um golpe de Estado, e os britânicos não estariam

sozinhos nessa empreitada. Outra potência estava interessada em aumentar sua área de influência

no mundo e começar seu próprio império.

O envolvimento dos Estados Unidos da América na questão iraniana pode ser justificado

por várias vias que se somam. Ao contrário do que Stephen Kinzer defende10, não é possível

entender a intervenção unicamente pela via do anticomunismo praticado por republicanos

malvados. Obviamente havia o interesse estratégico de manter o Irã ao lado do bloco capitalista,

tendo em vista seu posicionamento importante no Oriente Médio com sua vasta fronteira junto a

União Soviética, que poderia se transformar em uma porta de entrada para os comunistas na 10 KINZER, Op. cit.

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região. Mas havia também o interesse econômico em controlar as vastas reservas de petróleo do

país, assim como havia a necessidade de assegurar que o Irã estaria aberto às pretensões norte-

americanas na região. Manter o Irã sob controle fazia parte do projeto de construção de

hegemonia capitalista na Guerra Fria, assim como de consolidação dos Estados Unidos como

superpotência. Tal projeto não era exclusividade de republicanos, democratas compartilham do

mesmo ímpeto imperialista, porém certamente mais cautelosos. As palavras de Noam Chomsky

evidenciam a diretriz imperialista norte-americana:

A base política norte-americana da Guerra Fria é delineada com clareza considerável nos documentos internos de planejamento. Com uma primazia econômica e militar sem precedentes, os EUA se preparam para se tornar a primeira potência verdadeiramente global. (...) Durante a guerra, os planejadores norte-americanos desenvolveram o conceito de “Macroárea” – uma região entendida como “estrategicamente necessária ao controle mundial”, subordinada às necessidades da economia norte-americana. (...) Quando foi ficando claro que a Alemanha seria derrotada, o conceito de macroárea se ampliou, a fim de incluir também, tanto quanto possível, a massa terrestre eurasiana. Esses planos gerais foram aplicados a determinadas regiões com muita sistematicidade11.

O império britânico já havia buscado apoio norte-americano, mas o governo do democrata

Harry Truman não interveio ao gosto dos mesmos. A nova conjuntura no pós-guerra exigia que

as potências coloniais, em franco declínio, aprendessem a fazer concessões, coisa que a Grã

Bretanha não estava disposta a tolerar. Todos os esforços de Truman se basearam na conciliação

diplomática, opção deveras inviável devido à rota de colisão estabelecida entre a intransigência

colonial britânica e o nacionalismo iraniano. Para o colonialismo europeu, os povos sob seu jugo

ainda tinham muito a agradecer pela “civilização” que lhe fora imposta, sem levar em conta toda

a violência do domínio colonial e a submissão reservada aos não-ocidentais. O nacionalismo que

ressurge no pós-guerra na região do Oriente Médio é uma reação a essa imposição e demonstra a

disposição dos povos subjugados em reagir a essa dominação.

11 CHOMSKY, Noam. Contendo a democracia. Rio de Janeiro: Record, 2003. p 65-66

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Um dos argumentos utilizados para defender a nacionalização da Anglo-Iranian Oil

Company foi o de que os norte-americanos haviam fechado um acordo com os sauditas dividindo

os lucros provenientes da exploração do petróleo na base de cinqüenta por cento, algo que os

britânicos jamais consideraram e que deixava os estadunidenses em posição privilegiada.

Mossadegh não cultivava aspirações à esquerda, tratava-se de um líder forte e com respaldo

popular que lutava para tirar o Irã de qualquer jugo estrangeiro. Toda cautela de Truman era

justificável.

Em 1953, o embargo imposto pelos britânicos começava a minar o apoio massivo a

Mossadegh. Os segmentos mais abastados da sociedade iraniana se ressentiam da crise imposta

pelo embargo. Setores do exército, que nunca esteve sob total controle do primeiro ministro,

também davam sinais de insatisfação com a crise econômica. Da mesma forma, os mulás estavam

descontentes com o secularismo declarado de Mossadegh, muitos deles retirando seu apoio ao

governo. Mas o apoio popular ainda era forte, afinal a maior parte da sociedade iraniana já vivia

em condições bem precárias e não sentiu o baque da crise econômica. O partido Tudeh12 (que

significa massas em persa), de orientação socialista e ligado aos soviéticos, também manteve seu

apoio ao governo de Mossadegh.

No mesmo ano Dwight Eisenhower sucedeu Truman na presidência dos Estados Unidos,

provocando uma mudança drástica na política norte-americana em relação ao governo

nacionalista do Irã. Atendendo aos apelos britânicos, ele aceita cooperar para a derrubada do

governo de Mossadegh. Pela primeira vez na História, a Central Intelligence Agency (CIA),

criada em 1947, viria a intervir diretamente em um governo estrangeiro, papel que desempenharia

12 Surgido em 1942, foi o primeiro partido político do Irã fundado por iniciativa iraniana independente. Era formado por setores progressistas da sociedade, configurando inicialmente um partido bastante heterogêneo. A partir de 1944, a facção pró-soviética passa a ser hegemônica e o partido se volta para o marxismo, lançando uma campanha para organizar as massas empobrecidas do país.

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constantemente durante toda a Guerra-Fria. Em junho, agentes da CIA atravessavam a fronteira

do país pelo Iraque e em conjunto com agentes britânicos colocaram em prática a ação proposta

para derrubar o primeiro ministro. Tinha início a Operação Ajax13.

Intensificava-se assim o bombardeio contra Mossadegh. Aproveitando a resistência ao

secularismo do primeiro ministro, alguns mulás entraram na lista de pagamento dos golpistas.

Seu trabalho era minar o apoio nas mesquitas e nas ruas. Os “colaboradores” infiltravam-se nas

organizações sociais e nos jornais, todos bem pagos em dólar norte-americano. Turbas violentas

eram incitadas contra o governo. As manchetes dos jornais de maior circulação eram elaboradas

diretamente de Washington. A insatisfação contra o governo nacionalista sempre existiu, toda

sociedade possui uma parcela conservadora, mas a intervenção estrangeira transformava a

insatisfação de uma minoria em algo generalizado.

Em agosto de 1953, com o Xá fora do país, os descontentes somados a homens chave do

exército promoveram um levante sob a égide da CIA. O golpe chega ao seu desfecho e

Mossadegh é preso acusado de traição. A longa campanha propagandística promovida pelos

norte-americanos e pelo serviço de inteligência britânico com a finalidade de desmobilizar o

apoio ao primeiro ministro alcança seu objetivo. A última esperança de resistência eram as

células do Tudeh infiltradas no exército, mas estas revelaram não ter força suficiente para tal

empreitada. O Xá, que cooperava com a Operação Ajax do exílio, é reconduzido ao poder.

Segundo Karen Armstrong, por mais que houvesse insatisfação com o governo nacionalista-

secular, um ponto não dá margem para discussões, sem a intervenção estrangeira o golpe jamais

teria ocorrido14. Tariq Ali expressa bem o que o sucesso do golpe representou para o Irã: “O

13 KINZER, Op. cit. 14 ARMSTRONG, Karen. Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p 263.

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Ocidente trouxe de volta o governante novo-rico e destruiu a única chance que o Irã poderia ter

tido de avançar com as próprias pernas”.15

Agora o Irã se tornou um aliado norte-americano privilegiado. A exploração do petróleo

passou a ser controlada por um consórcio formado majoritariamente por estadunidenses e

britânicos que dividiam o lucro na ordem de cinqüenta por cento com o governo iraniano. Mas

era Washington que ditava as regras agora e os Estados Unidos não demonstraram nenhuma

intenção em mudar a maneira tacanha como o Irã era tratado. Várias táticas britânicas foram

mantidas, tais como “... uso da força no mercado do petróleo, influência indevida sobre o

monarca, exigências de imunidade diplomática, concessões comerciais e uma atitude

condescendente para com a população local”.16

Com a chegada do imperialismo norte-americano, uma pequena parcela da população se

beneficiou do boom econômico propiciado pelo fim do embargo e pela injeção de capital

estrangeiro na economia iraniana, mas para a grande maioria da população a miséria continuou a

vigorar. Em pouco tempo as classes alijadas do poder perceberam os interesses envolvidos no

golpe e se ressentiram por terem abandonado Mossadegh, passando a reconhecer nos Estados

Unidos os responsáveis pela ditadura do Xá. O clima de descontentamento era grande, o governo

do Xá era autocrático e não estava disposto a permitir que qualquer tipo de oposição se

fortalecesse. Seu alvo principal eram os comunistas e todos os que a eles se associavam, o Tudeh

jamais recuperou a força que tinha antes de 1953.

O caráter cruel do regime se acentuava ao longo da década de 1950. Como se tornou

praxe em todos os países em que os EUA intervinham ao longo da Guerra Fria, foram montados

mecanismos de repressão no Irã com a finalidade de garantir que o Xá pudesse governar sem

15 ALI, Tariq. Confronto de fundamentalismos – Cruzadas, jihads e modernidade. Rio de Janeiro: Record, 2005. p 189. 16 ARMSTRONG, Op. Cit. p 263

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muita interferência interna. Em 1957, com a colaboração da CIA e da Mossad17 israelense, foi

fundada a Savak (Sazeman-e Ettela'at va Amniyat-e Keshvar), a temida polícia secreta do Xá.

Utilizando-se de métodos brutais, que combinavam técnicas de tortura e execuções, a polícia

secreta iraniana passou a perseguir os opositores do novo regime, disseminando o medo entre os

intelectuais e ativistas políticos, tanto seculares quanto religiosos.

Na década de 1960 teve início uma série de reformas propostas pelo próprio Xá que

ficaram conhecidas como a Revolução Branca ou Revolução Xá-Povo. As reformas incluíam

concessões à classe trabalhadora, na forma da garantia de alguns direitos básicos e de um tímido

aumento na participação dos lucros gerados pela exploração do seu trabalho. Incluía também uma

introdução à reforma agrária, combatendo as formas semifeudais de distribuição de terras ainda

existentes no Irã. E por fim incluía a ampliação do acesso à instrução através de investimentos em

educação. Em tese o projeto de modernização proposto seria um sucesso, o Ocidente

comemorava o embrião de um novo aliado e o início da transformação de uma civilização

islâmica em uma civilização ocidental. Nas palavras de Murilo Meihy:

Esse plano pode ser entendido como a expressão direta do projeto de nação que Reza Pahlavi almejava construir no Irã. Em seus variados aspectos, os termos da Revolução Branca revelavam a ambição do Xá de inserir seu país no hall das grandes potências ocidentais, impondo ao povo iraniano um modelo de nação moderna, laica e comprometida com os padrões de desenvolvimento capitalista. À revelia de qualquer propósito transformador da sociedade iraniana, a Revolução Branca não produzia nenhuma proposta social “revolucionária”, apenas almejava conduzir um conjunto de reformas que evitasse profundas mudanças sociais e garantisse o domínio da monarquia sobre o cenário político18.

O grande problema é que essa escala evolutiva em direção à civilização ocidental só

existe do ponto de vista do próprio Ocidente. Desde o colonialismo europeu este modelo é

17 Serviço secreto do governo de Israel que atuou em diversos países durante a Guerra Fria. 18 MEIHY, Murilo Sebe Bon. Por Devoção à República: Nação e Revolução no Irã entre 1978 e 1988. 170 f. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, RJ, 2007. p. 35.

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imposto a outras culturas que por muitas vezes não possuem meios para resistir à ocidentalização.

Não se tratava simplesmente da troca de um modelo ultrapassado por um moderno e indefectível,

tratou-se de uma imposição, como foi em 1953. Não foi uma opção do povo iraniano a derrubada

de Mossadegh, e o Xá estava prestes a perceber a importância da tradição islâmica e da vontade

do povo na sociedade iraniana.

As reformas se revelaram um fracasso. Em primeiro lugar porque aumentou ainda mais o

caráter autocrático do regime, uma vez que o Xá dissolveu o Majilis para agilizar suas reformas

sem a interferência da oposição. A reforma agrária não surtiu efeito, gerando o declínio da

agricultura e propiciando um êxodo rural que quase dobrou a população de Teerã entre o final da

década de 1960 e o início da década de 1970. As reformas trabalhistas obviamente estavam longe

de fomentar condições dignas de trabalho e o aumento significativo de trabalhadores urbanos

fazia crescer ainda mais a insatisfação. A tentativa de ampliar o acesso dos iranianos à educação

se limitou às elites e se revelou como uma forma de educá-los ao modo ocidental, rivalizando

com o ensino oferecido nas madrasas, escolas cujo ensino era de cunho religioso e voltado para a

cultura islâmica.

A insatisfação só crescia. As reformas eram insuficientes, e mesmo com um crescimento

considerável do Produto Nacional Bruto ao longo da década de 1960, os beneficiados eram

poucos. O desenvolvimento industrial e agrícola propiciado pelas reformas favorecia uma

minoria rica que floresceu no período, contando com a ajuda de uma generosa injeção de capital

norte-americano. O abismo entre essa elite urbana ocidentalizada e a grande maioria de pobres

trabalhadores tradicionais foi acentuado pela Revolução Branca do Xá. A população rural não

teve acesso algum aos benefícios gerados pelas reformas, e os trabalhadores urbanos, alijados de

condições dignas de vida, foram obrigados a conviver com uma elite ocidentalizada que gozava

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de uma posição privilegiada graças ao golpe de 1953, uma humilhação ainda muito recente e viva

na memória do povo iraniano.

Mesmo sob forte repressão, as manifestações contra as reformas e contra o regime do Xá

não deixavam de acontecer. Era comum que essas manifestações acabassem em banho de sangue,

a Savak não exitava em abrir fogo contra manifestantes e executar seus líderes. Porém, a

violência contra os iranianos ganhava um significado bastante específico, considerando que na

tradição xiita o martírio pode ser visto como um ato de fé e atuação política no mundo, e a cada

massacre essa crença era renovada. Cada vez mais o povo se encorajava para enfrentar a ditadura

do Xá e a instabilidade aumentava ao longo da década de 1970.

Os liberais e os socialistas, na clandestinidade, estavam por trás de muitas movimentações

nas cidades. Mas boa parte da mobilização e das ações contra o governo era organizada pelos

líderes religiosos. Um em especial ganharia muita importância neste processo, o aiatolá Ruhollah

Khomeini. Exilado em 1963 na Turquia e posteriormente no Iraque, Khomeini era um dos

principais clérigos xiitas críticos do regime do Xá. Foi o primeiro a ter coragem de se posicionar

publicamente contra o governo, em represália a madrasa onde lecionava foi invadida, resultando

no fuzilamento de vários estudantes. Desde então o clérigo desempenhou papel fundamental no

processo revolucionário, reunindo em torno de si grande mobilização popular, algo ainda maior

do que os partidos tradicionais conseguiram à época da Frente Nacional sob liderança de

Mossadegh.

A violenta reação em relação às manifestações contra o Xá parecia incentivar novas

manifestações. Diante da proximidade do colapso do regime, ressurgia a Frente Nacional e o

Tudeh se tornava cada vez mais ativo, ainda que clandestino. Contudo, estas organizações

políticas seculares estavam muito distantes dos pobres e dos iletrados, limitando-se basicamente

aos círculos intelectuais e urbanos. Sabendo que jamais conseguiriam galgar tamanho apoio

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popular baseados numa doutrina estritamente secular, os partidos de oposição aliaram-se aos

líderes religiosos formando uma frente que as forças do Xá não conseguiriam reprimir.

Assim sendo, em fevereiro de 1979 triunfava a Revolução Iraniana. O Xá já havia fugido

do país, os presos políticos foram libertados e as multidões tomaram as ruas. A esquerda e os

liberais seculares da Frente Nacional comemoraram ao lado dos clérigos xiitas, entoando junto

com a multidão nas ruas o grito de “Deus é grande!”. Para as lideranças seculares o cunho

religioso do movimento seria simplesmente útil para a mobilização, o próximo passo seria

decidido entre liberais e esquerdistas que disputariam a hegemonia política em uma nova

sociedade iraniana onde a religião estaria delegada ao plano privado individual. Para eles, os

clérigos não teriam como sustentar um projeto revolucionário, já que a laicização seria o “fluxo

natural da História”. A intelectualidade ocidental também aplaudia o novo modelo revolucionário

de coalizão entre forças seculares e religiosas em perfeita harmonia para um fim comum. Eles

não poderiam estar mais enganados.

A Revolução Iraniana foi, em primeiro lugar, uma revolta contra um governante apoiado

pelo Ocidente e todo um projeto por trás dele, que remonta ao processo iniciado com o

colonialismo europeu. O presidente democrata norte-americano Jimmy Carter, que desempenhou

papel chave no processo revolucionário iraniano, declarava seu total apoio ao regime do Xá,

apesar de teoricamente pressionar o governo iraniano por uma maior abertura política e pelo

respeito aos direitos humanos. Nada avançou nesse sentido e nem por isso Carter deixou de

prestar solidariedade ao Xá durante as movimentações revolucionárias.

A tradição islâmica era subestimada dentro e fora do Irã. Para o Ocidente era o signo do

atraso, para os seculares iranianos era ferramenta política útil. Porém nos subúrbios das cidades e

no campo, o Islã militante era signo de união, luta e resistência. O envolvimento das lideranças

religiosas no processo revolucionário foi fundamental para a mobilização maciça das classes

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oprimidas, fugindo a um padrão marxista estabelecido com a Revolução Russa de 1917, onde a

religião sempre esteve na contra-mão do processo.

O sentimento do povo iraniano não se baseava apenas no antiimperialismo ou em uma

necessidade de substituir as instituições autocráticas estabelecidas com o regime do Xá. Havia

um grande ressentimento relativo ao golpe de 1953 e a tudo o que havia se desenrolado desde

então. A permanência do domínio estrangeiro, representada pelo imperialismo norte-americano

em continuidade ao colonialismo britânico, gerava uma profunda resistência à “ocidentoxicação”.

Tudo o que vinha do Ocidente representava uma forma de dominação, as tentativas do Xá de

impor o modo de vida ocidental representava a maneira como o Ocidente intervinha no Irã. A

resistência a este modelo era generalizada entre as massas do Irã, pois essa era a resposta para a

condição em que eles se encontravam.

Os grandes inimigos que permeavam o imaginário político das massas iranianas eram os

Estados Unidos e seu mais novo aliado, e braço armado no Oriente Médio, o Estado de Israel. A

potência imperialista era considerada por Khomeini como o “Grande Satã” por tudo que passou a

representar desde 1953, porém cabe aqui esclarecer que esse título na tradição xiita não possui a

mesma conotação maniqueísta que possui na tradição cristã ocidental. Satã para os iranianos não

seria a personificação do mal, trata-se na verdade de “... uma criatura ridícula, cronicamente

incapaz de apreciar os valores espirituais do mundo invisível”.19 A alcunha de Grande Satã era

uma forma de ridicularizar os E.U.A. diante dos valores da cultura islâmica e do discurso

antiimperialista que marcou a revolução.

O Estado de Israel representava a maior derrota sofrida pelo Islã contemporâneo. O

secularismo que regia os estados árabes nacionalistas, encabeçados pelo Egito de Gamal Abdel

19 ARMSTRONG, Op. cit. p 337.

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Nasser20, se mostrou ineficaz em rechaçar a criação do braço ocidental no Oriente Médio, que foi

a fundação de Israel. Essa derrota foi interpretada como um castigo pelo abandono do Islã

original. A religião seria o caminho da união e da força de toda comunidade para além da

fronteira nacional. Os Estados árabes nunca se recuperaram completamente da Guerra dos Seis

Dias21 e o secularismo perdurou cambaleante no mundo islâmico. Apesar de o Irã não ser um país

árabe, o efeito da criação de Israel, tal como foi arranjado à época e com todos os

desdobramentos seguintes, envolvendo a causa palestina e a destruição de países onde a

população muçulmana era majoritária, atingiram os iranianos através da humilhação infligida à

comunidade islâmica. O historiador norte-americano John Esposito sintetiza bem esse impacto:

“The ignominious defeat of Arab forces and Israel’s movement of its capital to Jerusalem

symbolized both Muslim military failure and that of the West as an ally”22.

No Irã, o Islã era a fonte da força das mobilizações como uma resposta a tudo o que era

imposto pelo Ocidente. Tanto que um dos marcos da Revolução foi o retorno de Khomeini em 1°

de fevereiro de 1979, quando, voltando do seu exílio na França, de onde incitava e organizava

inúmeras manifestações contra o Xá, foi recebido como herói. Em pouco tempo começa a se

configurar o desfecho da revolução. As alas seculares começam a ser alijadas do processo. Com

amplo apoio popular, Khomeini centraliza o poder e promove um retorno do Irã ao que ele

entendia ser o verdadeiro Islã. Ainda em fevereiro ele propõe um referendo onde é aprovada por

uma esmagadora maioria a fundação da República Islâmica do Irã, extinguindo de vez a

20 Líder nacionalista egípcio defensor do pan-arabismo, que seria a união de todos os povos árabes contra o domínio colonial no pós-guerra. Sua maior realização foi a nacionalização do Canal de Suez em 1956. 21 Guerra ocorrida em 1967, quando os israelenses aniquilaram as forças árabes em apenas seis dias. As conseqüências da guerra incluíram um aumento considerável do território de Israel, que a partir de então incorporou as Colinas de Golã, a Cisjordânia e a península do Monte Sinai, além de aumentar drasticamente o número de refugiados palestinos. 22 ESPOSITO, John L. Islam – The straight path. New York: Oxford University Press, 1988. p 159.

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monarquia. A shariah (شریعة) 23 passou a ser o preceito básico da lei iraniana, logo nos primeiros

meses as execuções se estenderam dos homens fortes do Xá, como os diretores da extinta Savak,

aos que eram considerados moralmente inaceitáveis, como os homossexuais e as prostitutas. Os

infiéis também passaram a correr risco de vida, marxistas começaram a ser perseguidos e

executados por serem ateus. A volta de Khomeini frustrou as expectativas de uma guinada à

esquerda ou à direita configurando-se como uma outra via, a via do jacobinismo islâmico.

Apesar de parecer uma catástrofe aos olhos do Ocidente, assim como para parte da

intelectualidade e para toda a elite iraniana, o apoio popular era inegável. Num momento em que

todas as esperanças da comunidade islâmica encontravam-se frustradas, o Islã deu a força e a

unidade para que os muçulmanos do Irã reagissem a décadas de submissão e imposição

ocidentais. Foi uma vitória que reacendeu o ânimo de uma civilização subjugada pelo

colonialismo e humilhada pelo imperialismo. A Revolução Iraniana se consolidou com a face

sisuda de Ruhollah Khomeini, mas não se pode ignorar esse processo como uma demanda

popular.

Os norte-americanos apoiaram o Xá até o último minuto, ainda assim, com a derrota de

Reza Pahlavi, o maior receio deles não se concretizou, o Irã não havia caído nas mãos dos

soviéticos. Porém, a República Islâmica não estava aberta a relações com o Ocidente,

principalmente com o país que representava todas as mazelas iranianas em sua história recente. A

situação de agravou quando Jimmy Carter aceitou conceder asilo político ao Xá, considerando

que o mesmo se encontrava doente e carente de cuidados delicados. A atitude gerou reação

imediata em Teerã, em quatro de novembro de 1979, um grupo de estudantes invadiu a

embaixada norte americana fazendo cerca de sessenta reféns, entre diplomatas e funcionários. O

grupo exigia a extradição de Reza Pahlavi para que ele fosse julgado por seus crimes. Os Estados 23 O conjunto das leis islâmicas provenientes principalmente do Corão e da Suna.

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Unidos não aceitaram extraditar o Xá deposto e insistiram em mediar a situação. O impasse se

prolongou e os dois países cortaram efetivamente relações diplomáticas.

Carter buscou de todo jeito solucionar o impasse. Uma tentativa de resgate através de uma

operação secreta se revelou um grande fracasso, prejudicando bastante a imagem do democrata,

não somente no cenário internacional como em seu próprio reduto político. O governo norte-

americano propõe ainda um embargo econômico ao Irã com o apoio de seus aliados mais

próximos, com a finalidade de forçar a libertação dos reféns, mas nem assim foi possível

esmorecer o ímpeto revolucionário. Diante da incapacidade de resolver a Crise dos Reféns, tal

como ficou conhecido o episódio, Jimmy Carter ficou desmoralizado e perdeu as eleições

presidenciais para o republicano Ronald Reagan. Em 20 de janeiro de 1981, mais de quatorze

meses após o início da crise, Khomeini ordenou a libertação dos reféns, no dia exato da posse do

novo presidente dos Estados Unidos. Um incômodo recado foi deixado, o antigo aliado

incondicional aos interesses imperialistas no Oriente Médio agora interferia diretamente nas

eleições presidenciais da maior potência ocidental.

A Revolução Iraniana marcou definitivamente a maneira como o Ocidente passou a

encarar o Islã militante. Até então, os muçulmanos encontravam-se subjugados e sob o controle

vigilante do imperialismo, uma vez que o nacionalismo árabe havia sucumbido ao poderio militar

israelense. Essa revolução injetou novo ânimo à civilização islâmica, principalmente aos países

de maioria islâmica que mantinham comunidades xiitas em seu território (Líbano – Hizbullah,

por exemplo), dessa vez sem reconhecer as fronteiras nacionais. Não importava se sua

nacionalidade era árabe, persa ou indonésia, o Islã político estava acima de tudo. A unidade da

comunidade islâmica renasce como única alternativa capaz de resistir efetivamente ao Ocidente e

suas imposições. Os Estados Unidos buscaram conter o avanço dos ideais revolucionários

islâmicos apoiando o Iraque em uma investida contra o Irã, dando início à guerra Irã x Iraque em

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22 de setembro de 1980. O modelo de governo secular de Saddam Hussein era mais próximo do

gosto ocidental, e o próprio alimentava o temor de que a revolução se expandisse às terras

iraquianas, uma vez que 60% da população do país era xiita24, ameaçando seu governo

autocrático implementado após um golpe de Estado em 1968. Eleito o mais novo amigo dos

EUA, Saddam investe contra os revolucionários xiitas. Ainda que, oficialmente, os Estados

Unidos não tenham apoiado a invasão no primeiro momento, o suporte prestado ao Iraque foi

amplo durante toda a campanha25.

Apesar da preocupação com o avanço islâmico e da condenação do Islã como um grande

perigo à civilização ocidental, a maior ameaça ainda era a União Soviética. O bloco socialista

também era uma barreira de contenção ao avanço islâmico e representava uma ameaça muito

maior aos interesses do Ocidente capitalista, como no caso da resistência talibã aos soviéticos em

1979, com apoio dos EUA. A saída do Irã da zona de influência estadunidense foi um forte baque

sentido pelo imperialismo norte-americano, mas estava sob controle enquanto durasse a guerra

com o Iraque. A era de hegemonia republicana na política dos Estados Unidos, inaugurada com a

derrota de Jimmy Carter, vai presenciar o nascimento de uma nova conjuntura internacional e a

necessidade de eleger um novo inimigo para legitimar suas pretensões imperiais, com o apoio

imprescindível da mídia ocidental.

24 KARSH, Efraim. The Iran-Iraq War 1980-1988. New York: Osprey Publishing, 2002 25 KARSH, Op Cit.

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3 MÍDIA E IMPERIALISMO: CINEMA EM TEMPOS DE HEGEMONIA

CONSERVADORA

De 1981 a 1993 os Estados Unidos da América estiveram sob a hegemonia política do

Partido Republicano, durante os governos contínuos de Ronald Reagan (1981-1989) e George

Herbert Walker Bush (1989-1993). Neste período específico, as diretrizes republicanas do

conservadorismo e do militarismo, ficaram marcadas como símbolos patentes da política norte-

americana. A política externa não escaparia ilesa a essa era de hegemonia conservadora, e já no

início do governo Reagan a postura diplomática estadunidense demonstrou-se mais agressiva,

acentuando uma tendência iniciada no governo Carter, como observa Chomsky:

Pelo fim de 1978, o governo Carter caminhava para um programa de militarização da economia, e os acontecimentos do fim de 1979 – a Crise dos Reféns e a invasão russa do Afeganistão – foram explorados para ajudar a superar a “síndrome do Vietnã” e lançar as bases de uma atitude mais agressiva e confrontacionista. (...) O programa de Reagan mantém e acelera consideravelmente as tendências que se manifestaram no fim do mandato Carter26.

No Oriente Médio se acirravam as tensões com a União Soviética através do apoio norte-

americano ao movimento Talibã, do então desconhecido Osama Bin Laden, que resistiu à

presença soviética no Afeganistão. O apoio ao Iraque de Saddam Hussein, na guerra contra o Irã,

chegava ao ponto de os Estados Unidos serem coniventes com o uso de armas químicas,

proibidas desde a convenção de Genebra em 191427. Em 1983 os Estados Unidos invadiram a

ilha caribenha de Granada para impedir a instituição de um governo alinhado com Cuba. Dentre 26 CHOMSKY, Noam. Rumo a uma nova Guerra Fria – Política externa dos EUA, do Vietnã a Reagan. Rio de Janeiro: Record, 2007. p 33. 27 A conivência norte-americana se deu pelo fato de ser de domínio público o uso de armas químicas na guerra e os Estados Unidos não terem condenado tal uso, mas sim tentado justificá-lo através de alegações vazias, como a de que esse seria um recurso último, portanto legítimo, na luta contra os radicais islâmicos. Cf. POWER, Samantha. Genocídio: a retórica americana em questão. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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as empreitadas imperialistas, uma ganhou destaque no segundo governo Reagan, foi o escândalo

que ficou conhecido como Irã-Contras. Em 1986 tornou-se público um esquema envolvendo a

CIA, que vendia armas secretamente para o Irã em troca de apoio à libertação de reféns

estadunidenses no Líbano. Os recursos obtidos com as transações eram utilizados para financiar

os Contras, grupo paramilitar que combatia a Revolução Sandinista da Nicarágua28. A opinião

pública ficou escandalizada, pois o discurso oficial era de total apoio ao Iraque na guerra e de

demonização dos xiitas iranianos.

A crise do Irã-Contras é emblemática e introduz duas questões a serem abordadas e

desenvolvidas ao longo deste capítulo: uma é que nesse momento o inimigo prioritário é o

comunismo, uma vez que foi mais importante combater a Revolução Sandinista do que acelerar o

fim da guerra Irã x Iraque. Mas como foi preenchido o vazio deixado pela grande ameaça

comunista com o fim da União Soviética, que ocorreu ainda no governo Reagan? A outra questão

é o papel da cultura da mídia como parte do aparato de dominação e construção de hegemonia

capitalista. Mesmo com a tamanha repercussão negativa do episódio, Ronald Reagan concluiu

seus mandatos mantendo a imagem de presidente popular, embora Noam Chomsky afirme que:

“Desde os primeiros dias da era Reagan, demonstrou-se repetidamente que as histórias da

popularidade sem precedentes desse governante, infindavelmente vendidas pela mídia, eram uma

fraude” 29. Deve-se lembrar que Jimmy Carter (1977-1981) perdeu as eleições para Reagan

justamente por conta de um problema envolvendo o Irã, a Crise dos Reféns. Por qual motivo esse

novo episódio não esgotou o prestígio republicano, permitindo a eleição de Bush logo em

seguida?

28 A Revolução Sandinista ocorreu em 1979 e, com amplo apoio popular, pôs fim ao governo de Anastásio Somoza, cuja família estava no poder desde 1930. Os revolucionários implementaram uma série de reformas sociais que desagradaram aos norte-americanos. Estes passaram a disponibilizar uma quantidade muito grande de recursos para fortalecer uma oposição combatente ao governo sandinista. 29 CHOMSKY, Noam. Contendo a democracia. Rio de Janeiro: Record, 2003. p 105.

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3.1 CULTURA DA MÍDIA

Como explicita Chomsky, a mídia desempenhou papel chave nesse período de hegemonia

republicana, uma vez que os meios de comunicação tiveram grande importância na difusão dos

projetos reaganistas. Segundo Douglas Kellner:

Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade.30

Não se trata simplesmente de manipulação, no sentido de negar aos indivíduos a

capacidade de serem agentes do processo. Trata-se de uma forma de veicular determinadas

informações de modo a torná-las mais atraentes utilizando-se do espetáculo para tal. Dessa forma,

a imprensa, o rádio, e principalmente o cinema, dentre outras formas de veiculação da cultura da

mídia, contribuíram para dar suporte ao governo Reagan, assim como para a legitimação de sua

política externa.

A cultura veiculada pela mídia almeja sempre atingir o grande público, ela é massificada e

marcada por sua finalidade comercial. Deve estar sempre em conexão com os problemas e

preocupações de sua época para atingir seu propósito industrial de alcançar os indivíduos em

larga escala. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial a humanidade presenciou avanços

tecnológicos significativos que impactaram diretamente nos meios de comunicação. O radio, a

televisão, o cinema, a indústria fonográfica e a imprensa se modernizaram aceleradamente,

alcançando cada vez mais espaço e importância no mundo do pós-guerra.

30 KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001. p 09.

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33

Nas sociedades contemporâneas é impossível que as relações sociais escapem ao alcance

da mídia. Nas palavras de Kellner:

(...) as situações locais, nacionais e globais dos nossos dias são articuladas entre si por meio dos textos da mídia; esta, em si mesma, é uma arena de lutas que os grupos sociais rivais tentam usar com o fim de promover seus próprios programas e ideologias, e ela mesma produz discursos políticos conflitantes, muitas vezes de maneira contraditória.31

Analisando por esse prisma, podemos reconhecer que a mídia não é exclusivamente

instrumento de construção hegemônica das classes dirigentes. Trata-se na verdade de um campo

de disputa entre diferentes forças, progressistas ou conservadoras, que veiculam seus projetos

através dos textos midiáticos. Por outro lado não podemos ignorar que, pensando a sociedade de

consumo do Ocidente, cada vez mais a mídia desempenha um papel decisivo na construção de

valores vinculados aos interesses capitalistas, como o individualismo e a competição. Sua relação

com o grande capital, ou seja, com os grupos que detém propriedade sob os setores produtivos e

com especuladores financeiros, não passa incólume. Esses grupos possuem um projeto que, por

mais que não seja homogêneo, converge com a manutenção de seus privilégios enquanto classe

dominante. O dono de uma rede de notícias pode determinar quais manchetes irão para o ar em

um telejornal, assim como um grupo de investidores pode escolher patrocinar a produção de uma

peça cinematográfica específica por considerar ser importante disseminar uma visão particular de

mundo. Não é objetivo do presente trabalho reduzir a análise da cultura da mídia aos conflitos de

classe, mas não é possível dissociar as formas de produção, reprodução, distribuição e veiculação,

intrínsecas a esse campo, das relações comerciais da cultura e do entretenimento de massa. O

campo de disputa está aberto, porém a correlação de forças é assimétrica.

31 KELLNER, Op. Cit. p 32.

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34

O veículo da cultura da mídia escolhido para ser analisado mais especificamente, no

período dos governos Reagan e Bush, é o cinema. Os filmes de Hollywood podem ser

considerados como uma das formas mais eficazes de difusão de informações, uma vez que as

produções possuíam um longo e massificado alcance. O cinema norte-americano era consumido e

adorado dentro e fora dos Estados Unidos. Diversas partes do mundo, sob influência ocidental

capitalista, faziam fila nos cinemas para cultuar as últimas novidades estadunidenses.

Superproduções marcaram esse período, tal como os filmes Rambo I, II e III (1982, 1985 e

1988), e Top Gun (1986), que são conhecidos como verdadeiros blockbusters. Multidões foram

assistir e esses filmes ao redor do mundo acreditando se tratar de entretenimento puro e simples,

como se fosse possível descolar qualquer produção cultural do contexto político no qual ela é

produzida.

A eleição de Ronald Reagan para a presidência dos Estados Unidos não representou um

surto conservador e militarista apenas no campo político, nas palavras de Laura Navarro: “Un

cambio político que se reflejó también en el cine, com um deslizamiento ideológico bastante

pronunciado y la resurrección del ciclo de guerra fría y de rearme moral, ...” 32. A produção

cinematográfica da era Reagan entrou em sintonia com a política de Estado e desempenhou a

função de construir uma imagem mais atraente para o conservadorismo. Douglas Kellner aponta

que:

A cultura da mídia, assim como os discursos políticos, ajuda a estabelecer a hegemonia de determinados grupos e projetos políticos. Produz representações que tentam induzir anuência a certas posições políticas, levando os membros da sociedade a ver em certas ideologias “o modo como as coisas são” (...) Os textos culturais populares naturalizam essas posições e, assim, ajudam a mobilizar o consentimento às posições políticas hegemônicas.33

32 NAVARRO, Laura. Contra el Islam – La visión deformada del mundo árabe em Occidente. Espanha: Editorial Almuzara, 2008. p 166. 33 KELLNER, Op. Cit. p 81.

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35

Filmes como a trilogia Braddock (Missing in action), que projetou a carreira de Chuck

Norris entre os anos de 1984 e 1988 se somam à já citada trilogia Rambo para enaltecer a figura

do herói individualista veterano da Guerra do Vietnã 34. A superação do trauma gerado com a

derrota no sudeste asiático foi um tema recorrente desse período, essas duas trilogias servem

justamente para demonstrar o quanto o tema interessava ao público, a ponto de o retorno

financeiro propiciar o incentivo necessário para a produção de várias seqüências. As duas

trilogias servem também para ilustrar um padrão de herói popular no período. O homem tipo

“machão”, musculoso e bom de briga se torna referencial de masculinidade através desses filmes.

Mais do que referenciais de masculinidade, os personagens vividos por Chuck Norris e Sylvester

Stallone, em Braddock e Rambo respectivamente, são máquinas de matar.

Ambos os personagens retornam ao Vietnã para resolver assuntos pendentes e enfrentam

heroicamente os inimigos comunistas. Mais do que superar nas telas dos cinemas o peso da

derrota, esses filmes difundiam o militarismo e o recurso à violência, naturalizando e legitimando

esse comportamento. Existia ainda o apelo em ressaltar os comunistas como inimigos “malvados”

e “sanguinários”, o que justificava todos os esforços do governo norte-americano para conter o

avanço comunista ao redor do mundo.

Cabe mencionar outros dois filmes produzidos no período que confrontavam os ideais

militaristas do governo Reagan, Platoon (1986) e Nascido para Matar (Full Metal Jacket, 1987).

Dirigidos por Oliver Stone e Stanley Kubrick, respectivamente, são filmes que criticam a

presença norte-americana no Vietnã e denunciam as conseqüências devastadoras que o conflito

gerou nos indivíduos envolvidos. O primeiro reflete as experiências do próprio diretor na guerra,

34 Guerra que teve início no Vietnã em 1959 entre o norte socialista e o sul capitalista. Em 1965 os Estados Unidos intervieram diretamente no conflito a favor do Vietnã do Sul, porém, diante do fracasso de sua missão, foram obrigados a se retirar do país em 1973. Em 1975 a guerra chegou ao fim com a vitória do Vietnã do Norte, que reunificou o país sob o nome de República Socialista do Vietnã. A derrota teve grande peso para os norte-americanos, que acreditavam na infalibilidade do seu gigantesco poderio militar.

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traduzindo toda a violência da situação. Stone rompe com a tendência de produzir heróis,

relatando ações covardes e desumanas perpetradas por soldados norte-americanos durante a

guerra. Kubrick, em Nascido para Matar, problematiza o processo de desumanização intrínseco

às guerras. O personagem principal da trama ostenta no capacete o símbolo da juventude hippie,

associada ao lema “paz e amor”, e ao mesmo tempo a mensagem Born to Kill. Longe de estar nos

padrões de herói de filme de guerra, ele personifica o paradoxo da política militarista de buscar a

paz por meio da guerra.

As duas produções foram sucesso de crítica nos Estados Unidos. Platoon ganhou quatro

prêmios da academia norte-americana de cinema, incluindo melhor filme, e foi indicado para

outros quatro. O filme Nascido para Matar não foi agraciado pela academia estadunidense, mas

foi indicado para o prêmio de melhor roteiro35. Ambas as produções tiveram grande repercussão e

bilheteria, o que caracteriza a presença de ideais contra-hegemônicos no campo da mídia

cinematográfica norte-americana.

É difícil, porém, apontar outro filme de Hollywood que tenha seguido uma tendência mais

crítica e tenha alcançado a mesma repercussão. A quantidade de filmes que se alinhavam com o

discurso reaganista, como os que já foram citados neste trabalho, era maior do que os que o

contestavam, e se reproduziam em maior escala, originando seqüências que potencializavam o

retorno financeiro, onde o compromisso com a qualidade da peça cinematográfica ficava em

segundo plano. O lucro era o fim determinado e a lógica de mercado prevalecia, favorecendo uma

postura mais agressiva na difusão desses filmes, que conquistavam inevitavelmente um maior

alcance devido à escala de reprodução industrial.

Todos os filmes que possuem um discurso alinhado com o governo Reagan citados no

presente trabalho, além de disseminar valores vinculados ao republicanismo estadunidense, 35 Foi utilizado como fonte o site Internet Movie Database: www.imdb.com, último acesso em 09/12/2009

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alimentam no imaginário político dos espectadores as ameaças que devem ser combatidas pela

“sobrevivência” dos Estados Unidos. Sobre a utilização da propaganda no jogo democrático,

Noam Chomsky afirma que: “Também é necessário insuflar a população para que ela apóie as

aventuras no exterior. (...) As pessoas não vêem motivos para se envolver em aventuras externas,

assassinatos e torturas. Portanto, você tem que atiçá-las. E para que sejam atiçadas, amedrontá-

las” 36. Uma parte considerável do cinema norte-americano reproduzia no imaginário político a

sensação de insegurança necessária para justificar uma política militarista e intolerante.

Essa capacidade que a mídia possui de difundir determinados valores e eleger os inimigos

a serem perseguidos é chamada por Chomsky de fabricação de consenso. Com o fim da União

Soviética, um novo consenso em relação ao principal inimigo dos norte-americanos se tornou

necessário:

Anteriormente, em meados dos anos oitenta, quando alguém estava sonolento, ouvia a mesma cantilena: os russos estão chegando. Mas ela deixou de funcionar e outras tiveram que ser criadas, como foi pelo aparato de relações públicas de Reagan nos anos oitenta. Daí, então, o terrorismo internacional, narcotraficantes, árabes enlouquecidos, ou Saddam Hussein, o novo Hitler, pronto para conquistar o mundo. Os monstros continuam a surgir, um após o outro.37

Mais do que narcotraficantes, o projeto imperialista reconheceu nos muçulmanos a

principal ameaça às suas pretensões, uma vez que os mesmos representavam entraves à

hegemonia política e econômica dos norte-americanos no Oriente Médio, pois controlavam a

maior parte do petróleo produzido no mundo38, assim como não aceitavam se submeter

36 CHOMSKY, Noam. Controle da mídia: os espetaculares feitos da propaganda. Rio de Janeiro: Graphia, 2003. p 27. 37 CHOMSKY, Op. Cit. p 38-39. 38 É importante ressaltar o peso do boicote promovido pela OPEP (organização dos países exportadores de petróleo), que em 1973 aumentou astronomicamente o preço do barril de petróleo em resposta ao apoio ocidental à Israel na guerra do Yom Kipur, gerando uma grave crise de desabastecimento em todos os países ocidentais. Os membros da

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estritamente ao modelo de modernização imposto pelo Ocidente. Essa mudança de inimigo

prioritário começou a refletir no cinema, como no caso de Top Gun, uma das principais peças

reaganistas:

(...) o “inimigo” voa em MIGs, avião soviético, mas não é identificado como russo, embora os pilotos dos MIGs tenham estrelas vermelhas no capacete; contudo, visto ser aquela a época em que Reagan bombardeou a Líbia, para deleite de seus confrades conservadores, seria possível considerar que os inimigos são as nações árabes que usavam MIGs soviéticos, pois nenhuma ideologia anti-soviética específica é expressa no filme.39

A cultura da mídia desempenhou papel fundamental na construção da hegemonia

conservadora nos Estados Unidos na década de 1980, legitimando a política externa norte-

americana fundada no ímpeto imperialista. A difusão de estereótipos também foi fundamental

para o projeto conservador em andamento, uma vez que fomentava o medo e o preconceito nos

espectadores, naturalizando o conflito e descrevendo-o como inevitável.

3.2 ORIENTALISMO E CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES

O cinema norte-americano possui uma capacidade ímpar de popularizar estereótipos,

principalmente nos filmes baseados na dicotomia entre bem e mal, característicos do período

estudado. O bem é freqüentemente associado ao Ocidente, com suas grandes virtudes e apreço à

democracia liberal representativa. O mal é sempre o “outro”, o não-ocidental, aquele que é

traiçoeiro e amoral, incapaz de apreciar os valores ocidentais “superiores”. A mídia desempenha

papel essencial nessas construções, como afirma Laura Navarro: “(...) los medios de

OPEP à época eram, e são ainda hoje, quase todos países islâmicos, e o boicote reforçou o papel dos muçulmanos como ameaça ao Ocidente. 39 KELLNER, Op. Cit. p 105.

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comunicación de masas, como agentes socializadores privilegiados em la época actual,

condicionan em gran medida nuestra imagen del mundo y, por ende, nuestros esteriotipos y

prejuicios.”40

Antes do fim da União Soviética já havia produções anunciando o próximo inimigo

prioritário a ser eleito pelo imperialismo. O filme Águia de Aço (Iron Eagle, 1985) já apresentava

um discurso marcadamente antiárabe, reduzindo a definição dos mesmos a terroristas perversos.

O filme foi produzido, segundo Douglas Kellner, com patrocínio israelense, o que justificaria a

abordagem profética que se estabeleceria como padrão após o declínio soviético. A obra rendeu

uma bilheteria considerável, prova disso foi a sua seqüência produzida em 1988, Águia de Aço II

(Iron Eagle II). Neste segundo filme os norte-americanos lutam lado a lado com os russos contra

uma ameaça maior, os árabes no Oriente Médio.

Em seu livro Orientalismo – O Oriente como invenção do Ocidente, Edward Said versa

sobre a associação entre conhecimento e poder. Na obra, Said expõe como os especialistas, ou

seja, os intelectuais, vão legitimar determinado projeto através da produção de um discurso que

vai permear a produção cultural do período em questão. Partindo do colonialismo europeu, o

autor demonstra como o Oriente foi transformado em objeto de estudo do Ocidente, e como as

interpretações ocidentais passaram a legitimar o projeto de dominação colonial europeu. A

construção de estereótipos e a depreciação da cultura árabe-islâmica através de um etnocentrismo

exacerbado eram marcas da produção cultural colonialista européia.

Com o declínio do colonialismo no pós-guerra e a ascensão do imperialismo norte-

americano, a tradição orientalista manteve sua continuidade, uma vez que as pretensões

estadunidenses não eram tão diversas daquelas cultivadas pelas potências européias de outrora. A

40 NAVARRO, Op. Cit. p 21.

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necessidade de dominar e controlar os não-ocidentais continuava a mesma. Dentre as

permanências da tradição orientalista, em sua fase mais recente, vale a pena destacar:

(...) a diferença absoluta e sistemática entre o Ocidente, que é racional, desenvolvido, humanitário, superior, e o Oriente, que é aberrante, não desenvolvido, inferior. (...) o Oriente é eterno, uniforme e incapaz de se definir; portanto, supõe-se ser inevitável e até cientificamente “objetivo” um vocabulário altamente generalizado e sistemático para descrever o oriente de um ponto de vista ocidental. (...) o Oriente é no fundo algo a ser temido ou controlado, pela ocupação cabal sempre que possível.41

Todos os dogmas orientalistas citados acima são facilmente detectáveis na relação entre o

Ocidente e o Islã até os dias de hoje. Os noticiários costumam vincular sempre a imagem do

muçulmano ao fundamentalismo religioso, em oposição ao moderno Estado laico ocidental. A

figura do radical islâmico é utilizada para associar o Islã a algo arcaico e medieval, com todo o

preconceito que o termo pode carregar. A maior falha da civilização islâmica é comumente

definida, por especialistas da área, como uma incapacidade de incorporar o modelo ocidental, tal

como podemos verificar na obra de alguns reconhecidos orientalistas atuais, tais como Bernard

Lewis:

Era ruim o bastante para os muçulmanos se sentirem fracos e pobres após terem sido ricos e fortes durante séculos, perderem a liderança que tinham passado a encarar como seu direito, e serem reduzidos ao papel de discípulos do Ocidente.42

E Samuel Huntington:

(...) os esforços simultâneos do Ocidente para universalizar seus valores e instituições, para manter sua superioridade econômica e militar e para intervir nos conflitos do mundo muçulmano geram um intenso ressentimento no meio dos muçulmanos.43

41 SAID, Edward. Orientalismo – O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p 401-402. 42 LEWIS, Bernard. O que deu errado no Oriente Médio? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p 175. 43 HUNTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997. p 265.

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Esses são apenas alguns exemplos que ilustram como o Ocidente enxerga o Islã, como se

estivesse olhando para trás no tempo, ou ainda, como se seu modelo fosse o fim natural a ser

atingido, ou imposto, a todas as civilizações, especialmente nos anos finais da Guerra Fria. Essas

imposições foram veemente rejeitadas em boa parte do mundo islâmico, como no Irã, e esse

rejeição é convertida em ameaça pelos orientalistas. Não se admite que os muçulmanos, assim

como todos aqueles que são identificados como não-ocidentais, possam seguir seu próprio

caminho sem se apoiar no Ocidente como referencial civilizatório, e caso tentem fazê-lo,

precisam ser combatidos.

O orientalismo é a forma etnocêntrica pela qual o Ocidente interpreta os não-ocidentais.

Tal interpretação se insere em um contexto político que implica uma dinâmica de dominação que

se mantém diante do imperialismo norte-americano, porém um tanto mais midiática do que à

época do colonialismo europeu. Essa tradição, que remonta ao antigo império britânico, ganhou

bastante espaço com o fim da União Soviética. O modelo civilizatório islâmico se converteu na

última barreira a ser transposta em busca da hegemonia planetária pelos ocidentais.

Neste contexto populariza-se a tese desenvolvida por Samuel Huntington, segundo a qual

Francis Fukuyama estaria errado ao afirmar que o fim do comunismo seria o fim da História44,

partindo do princípio de que a humanidade chegaria ao ápice de seu desenvolvimento. Para

Huntington, a supremacia ocidental ainda enfrentaria outro inimigo, o Islã. O choque de

civilizações seria inevitável. O autor defende que a civilização ocidental, fundada sobre o

cristianismo, é incompatível com a civilização islâmica. Segundo Huntington:

As causas desse padrão ininterrupto de conflitos não estão em fenômenos transitórios como o fervor cristão do século XII ou o fundamentalismo

44 Tese defendida por Francis Fukuyama segundo a qual com o fim da disputa entre o capitalismo e o comunismo, a humanidade vivenciaria um período de profundo desenvolvimento baseado na supremacia ocidental. FUKUYAMA, Francis. O fim da História e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

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muçulmano do século XX. Elas decorrem da natureza dessas duas religiões e das civilizações nelas baseadas.45

A civilização islâmica não seria apenas inconciliável com o Ocidente, mas também uma

ameaça direta. “O Islã é a única civilização que pôs em dúvida a sobrevivência do Ocidente...” 46.

No campo das Relações Internacionais, Huntington se insere na tradição denominada “realista”,

segundo a qual as relações entre os estados são necessariamente conflituosas e não se submetem a

qualquer valor moral, prevalecendo sempre a razão de Estado47. Essa interpretação é elevada pelo

autor ao nível das civilizações, já que afirma a impossibilidade da coexistência entre o Islã e o

Ocidente, afirmando que o primeiro representa necessariamente uma ameaça ao segundo, sendo

necessário que uma das partes estabeleça sua hegemonia sobre a outra para que a estabilidade

seja alcançada.

Não é objetivo deste trabalho negar a existência de conflitos, mas sim de apontar que tais

conflitos não devem ser confundidos com embate natural entre dois projetos civilizacionais

divergentes. Em primeiro lugar, o choque não se dá somente ao nível das diferenças culturais, ele

é provocado pela presença impertinente do Ocidente no mundo islâmico. O imperialismo norte-

americano, em continuidade ao colonialismo europeu, não defende apenas a cristandade, defende

interesses econômicos e políticos, e estabelece uma relação de dominação com as outras

civilizações. Em segundo lugar, os ataques que o Ocidente alega sofrer dos muçulmanos não se

originam simplesmente da necessidade de destruir a civilização ocidental. Trata-se de uma reação

a agressões perpetuadas pelo Ocidente, tal como foi a fundação do Estado de Israel em 1948 e

sua expansão militarista pelo Oriente Médio, assim como o golpe de 1953 no Irã. O que os

45 HUNTINGTON, Op. Cit. p 263-264. 46 HUNTINGTON, Op. Cit. p 263. 47 Mais detalhes ver: JACKSON, Robert; SORENSEN, Georg. Introdução às Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.

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orientalistas chamam de ressentimento pode ser entendido também como uma resistência ao

projeto imperialista e ao expansionismo israelense.

A idéia do choque de civilizações aporta no cinema norte-americano e vem substituir a

tradicional oposição entre capitalismo e comunismo. O orientalismo se manifesta através das

imagens produzidas sobre o muçulmano, como afirma Laura Navarro:

(...) el estudio de las representaciones cinematográficas de los árabes y musulmanes también nos permite avanzar em la comprensión de los complejos mecanismos mass-mediáticos através de los cuales se perpetúa el proyecto orientalista.48

Não existe a necessidade de distinguir entre muçulmano, árabe, xiita ou sunita49. Os

estereótipos servem para todos os povos islâmicos. O grande problema não é o fundamentalismo

religioso ou um Estado em particular, é o Islã como civilização, englobando todas as suas

variações culturais em uma única ameaça.

Já no governo de George H. Bush, o cinema norte-americano se engaja especificamente

no projeto islamofóbico. O esgotamento do inimigo soviético leva a busca de um novo caminho

para sustentar as bilheterias, e é nesse momento que a busca pelo exótico oriental volta a vigorar.

O Islã passa a representar o novo entrave para o estabelecimento da hegemonia ocidental, e se

torna o novo monstro necessário para a fabricação do consenso em torno da necessidade de

expandir as fronteiras do império, legitimando até mesmo intervenções militares, tal como foi a

Guerra do Golfo50 contra seu antigo aliado Saddam Hussein. Muitos estereótipos produzidos no

48 NAVARRO, Op. Cit. p 89. 49 É importante ressaltar que nem todo árabe é muçulmano, assim como nem todo muçulmano é árabe. Assim como existem significativas diferenças entre a tradição xiita e a sunita. 50 A Guerra do Golfo teve início em agosto de 1990, quando tropas iraquianas invadiram o Kwait. Há quem considere esta guerra a segunda guerra do Golfo Pérsico, identificando a guerra Irã x Iraque como a primeira. Uma vez que não há consenso quanto a essa nomenclatura, optei por distinguir as duas guerras levando em consideração as especificidades de cada uma para o melhor entendimento do presente trabalho.

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período estão diretamente ligados ao processo revolucionário iraniano, tal como será

demonstrado no próximo capítulo.

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4 UMA ANÁLISE DO FILME NUNCA SEM MINHA FILHA

Tendo em vista a presença do orientalismo na sociedade norte-americana, inclusive na

produção cinematográfica, o presente capítulo tem por objetivo analisar o filme Not without my

daughter (Nunca sem minha filha, 1991). A finalidade é demonstrar, através de uma análise mais

detalhada de uma produção do cinema, os elementos que ilustram o orientalismo freqüente do

cinema no período, assim como a construção de estereótipos e da noção do Islã como ameaça.

A metodologia utilizada para a análise é composta pelas seguintes etapas, seguindo a

proposta de Ciro Cardoso 51: contextualização histórica da obra, ressaltando os elementos

políticos e o local de produção, de modo a situar a própria interpretação dos elementos

subentendidos no filme. Sintaxe narrativa do filme, que o historiador retira do método de Claude

Bremond, com o objetivo de acompanhar os principais acontecimentos da trama, organizando a

estrutura lógica e resumindo o texto, além de situar o leitor que teve acesso à análise, mas não à

obra. A sintaxe narrativa incorpora ainda a seqüência narrativa, buscada pelo autor em Todorov,

que marca os momentos-chave para a narrativa, procurando os enclaves que levam a uma

mudança ou intervenção no momento seguinte. Em seguida a atorialização, que procura

compreender o que cada personagem representa na obra, e por fim a interpretação semântica dos

temas subjacentes à narrativa. Neste último tópico a interpretação é incorporada por meio do

diagnóstico crítico, conceito utilizado por Douglas Kellner na análise de filmes em Cultura da

Mídia 52.

51 CARDOSO, Ciro Flamarion. Narrativa, Sentido, História. São Paulo: Papirus, 1997. __________. “Uma proposta metodológica para análise histórica de filmes.” Texto inédito cedido pelo autor. __________. “Um conto e suas transformações: ficção científica e História.” In: Tempo. Rio de Janeiro, 2004. nº 17. pp. 129-151. 52 KELLNER, op.cit.

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4.1 - CONTEXTO HISTÓRICO DE PRODUÇÃO DO FILME

A queda do muro de Berlim, em 1989, marcava o declínio do poder soviético e a

incapacidade do mesmo de rivalizar com a superpotência norte-americana. O capitalismo parecia

haver triunfado, quando em 1991 foi oficialmente declarada extinta a União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas. O grande inimigo havia sido derrotado e celebrava-se nos Estados Unidos

o triunfo do capitalismo e do modo de vida ocidental sobre o “fantasma” do comunismo.

O mundo havia mudado, não estava mais baseado na oposição entre as duas grandes

potências do período que ficou conhecido como Guerra Fria. Tratava-se de um mundo multipolar,

onde emergiam novas potências econômicas, como o Japão e a recém unificada Alemanha.

Porém, os EUA estavam longe de perder o posto de maior potência do planeta, mantendo assim

grande influência sobre o mundo.

Mesmo sem os soviéticos no caminho, o projeto imperialista norte-americano ainda

encontrou empecilhos para sua total execução. A construção da hegemonia ocidental esbarrava

agora em outro modelo de sociedade, que se negava a se submeter e também controlava boa parte

de um dos recursos mais caros ao progresso capitalista, o petróleo. A civilização islâmica estava

subjugada há séculos, desde o colonialismo europeu, e já havia sofrido diversas intervenções do

imperialismo norte-americano no pós-guerra, tal como descrito nos capítulos anteriores.

Alguns Estados com população majoritariamente islâmica eram abertamente

antiestadunidenses, como era o caso do Irã e da Síria, outros se ressentiam do apoio irrestrito dos

norte-americanos ao sionismo expansionista do Estado de Israel e ao conservadorismo saudita.

Não demorou até que o Islã militante fosse eleito o mais novo inimigo prioritário do projeto

imperialista, em substituição ao comunismo. Os EUA voltavam seus esforços na política externa

para os países árabes e islâmicos, o que culminou na primeira Guerra do Golfo em 1991.

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Neste contexto o filme Nunca sem minha filha foi produzido, baseado no livro homônimo

de 1987, que supostamente narra acontecimentos reais passados com uma norte-americana no ano

de 1984 e subseqüentes. Quatro anos mais tarde, quando do lançamento do filme, já não havia

mais a necessidade do apelo ao inimigo comunista, e os consumidores do cinema norte-

americano seriam apresentados a um novo inimigo: o muçulmano, e no caso específico do filme,

ao Irã da Revolução.

4.2 - SINTAXE NARRATIVA

O filme Not Without My Daugther (Nunca Sem Minha Filha), de 1991, tem como enredo

a luta de uma mulher para escapar da autoridade de seu marido muçulmano sem perder a custódia

de sua filha. A mulher é Betty, personagem interpretada por Sally Fields, casada com o médico

Moody (Alfred Molina) e mãe de Mahtob (Sheila Rosenthal), que se vê em séria crise quando seu

marido, iraniano radicado nos EUA há duas décadas, decide voltar ao país de origem com a

família. A partir de então a trama se desenvolve no choque entre os valores ocidentais de Betty e

o progressivo retorno de Moody aos hábitos islâmicos, que leva à dissolução da família. Partir do

Irã, no entanto, não é tão simples quanto Betty deseja, já que ela se encontra sob o jugo do

marido e lhe deve obediência. Sem ter a quem recorrer, sua única opção é deixar o Irã divorciada,

mas para isto teria que abrir mão de Mahtob, alternativa inadmissível à personagem, que segue

durante todo o restante da trama na busca pela liberdade e da fuga acompanhada da filha.

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Assim, a produção tem a seguinte seqüência narrativa, bastante simples e didática:

Situação inicial: A vida tranqüila da família nos EUA.

Perturbação da situação inicial: O preconceito sofrido por Moody nos E.U.A. e a necessidade

de rever a família no país de origem, o Irã pós-revolucionário.

Desequilíbrio, crise: O desejo de Moody de permanecer no Irã contra a vontade de Betty, que

intencionava regressar para os EUA.

Intervenção na crise: A busca pela ajuda na embaixada suíça e nas figuras de Ellen e Hamid.

Novo equilíbrio: Betty, depois de inúmeras tentativas e alguns anos passados, consegue deixar o

Irã acompanhada de sua filha.

Em linhas gerais, a trama é bastante linear e pode ser dividida nos seguintes momentos:

Parte I: Vida nos EUA

A família vive o sonho americano, numa casa à beira do rio se reúne ao sol, depois de

uma pescaria. O pai e a filha demonstram uma relação de profundo afeto, e o marido é

extremamente carinhoso com a esposa. Bem empregado num hospital da cidade, Moody declara

seu amor aos EUA enquanto conversa com a esposa Betty, mas apesar disso manifesta seu desejo

de ir ao Irã visitar a família. Betty resiste, alegando ter medo do país, mas seu marido Moody a

convence, jurando sobre o Corão que garantirá a segurança da família. A esposa, diante disso,

cede.

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Parte II: Chegada ao Irã

Num cenário de caos e confusão a família chega ao Irã. A câmera percorre de maneira

confusa o entorno, com as múltiplas imagens do Aiatolá Khomeini espalhadas pela região, bem

como de grupos armados que transitam incessantemente. Saindo do aeroporto a protagonista

Betty é surpreendida com a obrigação de utilizar o véu, sob pena de ser cerceada de maneira

violenta. A guarda revolucionária a reprime, e os personagens alegam que cada parte do corpo

feminino exposta é uma punhalada no coração dos mártires, Betty então se espanta com a

maneira como cada muçulmano é “primitivo”. Circulando pela cidade de Teerã a protagonista

sente desconforto contínuo com as manifestações religiosas e com a violência, postas lado a lado.

Ao chegar à casa da cunhada, as cenas enfatizam as refeições com separação entre homens e

mulheres nos ambientes da casa.

Parte III: A mudança de Moody e o conflito de Betty

Aos poucos o personagem de Moody se aproxima mais dos familiares e do Islã, e na

narrativa esta aproximação o torna grosseiro e sempre mais dogmático com relação ao

comportamento da esposa e da filha. Neste momento Moody revela a Betty que foi demitido do

hospital onde trabalhava nos EUA Diante disto, a esposa sugere o retorno, mas vê o marido

impondo empecilhos. Autoritariamente ele confessa seu desejo de permanecer no Irã, já que nos

EUA sofria freqüentemente com o preconceito e a falta de oportunidades por ser iraniano. A

esposa tenta persuadi-lo, afirmando que nos EUA há oportunidade para todos, mas sua tentativa é

mal sucedida: agredida fisicamente por Moody, Betty é alertada de que ele é um muçulmano, o

Irã é seu lugar e sua esposa lhe deve respeito e obediência. Betty vai então em busca do apoio da

família, alegando que sendo religiosos deveriam forçar Moody a cumprir a promessa feita sobre o

Corão, mas é novamente agredida pela turba violenta de islâmicos, em uma cena bastante caótica.

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Sofrendo, a personagem implora diálogo com o marido, que chega perto de ceder, mas é

interrompido pela irmã muçulmana e volta à frieza das cenas anteriores.

Conversando com os familiares, Moody, já transfigurado pela tradição islâmica, se

lamenta por não ter estado no Irã no período da Revolução, momento em que o Islã estaria sendo

finalmente vitorioso. Na cena seguinte a protagonista reza com a filha uma oração cristã,

desejando ajuda para sair do Irã.

Parte IV: Os planos de fuga

Sob as orientações da mãe, em uma conversa escondida pelo telefone, Betty inicia a busca

por ajuda, recorrendo ao Serviço de Apoio a Americanos, na embaixada suíça. O socorro falha,

no momento em que ela é esclarecida de que o matrimônio a transformou numa cidadã iraniana,

logo, qualquer tentativa de se ausentar do país deveria passar pela autorização do marido. A

personagem, ao ser questionada sobre os motivos que a levaram a viajar para o Irã, se mostra

indignada com os rumos que a relação com seu marido tomava, pois acreditava que ele “era um

americano”.

Ao retornar à casa, Betty é sucessivamente agredida pelo marido, que a ameaça de morte.

Um corte se dá no filme e meses depois Betty aparece mais conformada, na festa de aniversário

de sua filha. Dizendo ter recordado quão bom pai Moody era, se compromete com o marido a

fazer a situação dar certo. Para isso pede apenas que a família se mude da casa de Ameh Bezorg,

irmã de Moody, onde ela era mal quista e sempre vigiada. Moody aceita e o casal se transfere

com a filha para a casa de outro casal de parentes que possuem um filho pequeno. Lá conhecem

um tio mulá de Moody, que aconselha que Betty freqüente aulas sobre o Corão. Nas aulas ela

conhece Ellen, mais uma americana de marido iraniano, convertida e aparentemente conformada

com sua situação, mas claramente infeliz. Apesar de conformada com a própria situação, Ellen

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aceita ajudar Betty na tentativa de fugir do Irã. Neste momento do filme Betty descobre que

existe a possibilidade de divórcio, mas tal escolha implicaria em abrir mão da custódia da filha.

Betty afirma que para ela isto não era uma opção. Numa feira, com Ellen, a protagonista conhece

Hamid, comerciante que cultiva grande admiração pelos EUA, tendo inclusive um filho que

estudou em uma universidade do país. Hamid se solidariza com Betty, e se dispõe a ajudá-la.

Parte V: O socorro

Betty planeja às escondidas encontros com Hamid para articular sua fuga com Mahtob.

Enquanto isso, Moody se solidariza com a infelicidade da filha, mas se mantém firme na idéia de

que o Islã dará à menina os verdadeiros valores. Em todos os momentos que pode, reafirma para

a esposa que ela está em constante observação. Enquanto isso, vestígios da guerra atingem à

família, e um bombardeio ocorre na escola de Mahtob. Betty cobra a segurança que Moody havia

lhe prometido, e este afirma que toda a culpa da violência é dos EUA

Ainda na escola as mães se compadecem com a situação de Betty, e se propõe a ajudá-la,

na medida do possível. Em termos práticos esta ajuda se traduz apenas em deixá-la sair sem que

ninguém saiba durante o horário de aula de Mahtob, momentos em que Betty se encontra com

Hamid para esquematizar sua escapada. Em um destes encontros, Betty é descoberta pelo marido,

que a agride novamente, e também à filha. Como castigo Moody a mantém trancada sozinha no

apartamento, afastando-a da filha. Tempos depois o marido se arrepende e, após um bombardeio

próximo de onde Betty estava, retorna para a casa com a filha. Temendo o marido, Betty torna-se

a esposa exemplar, mas às escondidas permanece desejando regressar ao seu país de origem

Meses depois volta a se encontrar com Hamid, que lhe oferece os planos de fuga. Enquanto

conversam dentro de um carro, Betty assiste chocada ao recrutamento forçado de meninos de

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doze anos de idade para o exército iraniano. Hamid manifesta seu pouco apreço pelo regime de

seu país.

Voltando à casa Betty encontra as mulheres da família de seu marido assistindo à

televisão, onde imagens dos soldados beijando o Corão são intercaladas com discursos de

Khomeini. É o momento em que a protagonista vê a oportunidade de fugir com sua filha. A cena

é marcada pela alternância entre a fuga desesperada e as figuras do líder da Revolução e dos

soldados. Betty encontra Hamid e coloca em prática os planos de fuga.

Depois de inúmeros contratempos, Betty, sob música plácida, finalmente consegue

atravessar a fronteira com a Turquia. Na Embaixada americana a bandeira dos EUA se mostra

entre as árvores flamulante, e a protagonista aliviada diz à filha que finalmente estavam em casa.

4.3 – ATORIALIZAÇÃO

Como parte fundamental da análise do filme, se faz necessário apontar alguns

personagens importantes para a trama e suas principais caracterizações. As relações entre os

personagens da narrativa têm, segundo a classificação de Tzvetan Todorov, o predomínio da rede

do eu, “que trata das relações diretas entre os indivíduos (personagens, atuantes) e o mundo tal

como representado no relato (mundo físico, sobrenatural, social etc)” 53. Dentre os personagens

centrais da produção destacam-se:

Betty Mahmoody – protagonista do filme, a personagem é a típica norte-americana,

exemplar mãe e esposa cristã. Sacrifica-se durante toda a trama pela família, desde o momento

em que cede e aceita ir ao Irã até todo o sofrimento passado para conseguir deixar o país na

53 CARDOSO, op. cit. p. 47.

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companhia da filha. Seus ideais e confiança na “América” nunca são abalados, e sua força se

encontra justamente aí. A dona-de-casa é a própria personificação do American Way of Life.

Moody – marido de Betty, o médico residente nos EUA durante vinte anos passa por

transformação drástica durante a trama. Em seu período de vivência norte-americana incorpora os

valores e o comportamento que estimam o respeito ao ser humano e à família, é extremamente

carinhoso e respeitoso com a esposa e a filha, calmo, sereno e batalhador. Ao retornar para o Irã,

no entanto, uma veia traiçoeira e mesquinha toma conta do personagem. Autoritário e violento,

passa a ser inconstante, desonesto e rude. Moody incorpora a própria visão do muçulmano e suas

relações com os EUA, na impossibilidade de confiança, de progresso, de diálogo e de

convivência pacífica.

Mahtob Mahmoody – filha de Moody e Betty, Mahtob é o pivô de todo o sofrimento da

mãe, que não pode abandonar à própria sorte a nova geração. Desde muito pequena já traz em si

o ideário do que seriam valores principais do cidadão norte-americano, tais como a aversão à

violência e o amor à terra natal. Durante toda a trama é a grande companheira da mãe, cúmplice

confiável que jamais cede às pressões do pai muçulmano violento. Sensível a tudo o que acontece

na família, a jovem americana de apenas cinco anos de idade auxilia a mãe na luta contra o

controle arbitrário de Moody.

Ameh Bozorg – irmã de Moody. É a personagem que convence a família a ir para o Irã,

por meio de chantagem. Ortodoxa, a personagem é a encarnação da tirania do Islã, do controle

feminino à “adoração” do Aiatolá.

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Hamid – comerciante iraniano, o personagem representa a classe média elitizada dos

tempos do Xá. O tipo é anti-revolucionário, vê com críticas as manifestações religiosas e nutre

enorme admiração pelos EUA, local escolhido pelo seu filho (morto provavelmente na Guerra

Irã-Iraque) para realizar os estudos superiores. Esteticamente bastante diferente dos demais

personagens do filme, é mais “ocidentalizado”, veste-se sempre com terno e gravata, comporta-se

serenamente sempre, mesmo nas cenas tensas em que combinam a fuga de Betty ou quando

assiste aos horrores da Revolução. Sem este admirador dos EUA Betty não poderia sair do Irã.

Parentes e amigos iranianos de Moody – os demais personagens do filme relacionados à

família ou ao convívio social de Moody representam, via de regra, a mesma função: promover o

caos e a confusão, uma vez que são sempre desorganizados e agressivos. Quando não estão

promovendo o caos, desempenham o papel de reprimir Betty por seu comportamento ocidental,

ainda que recatado, reafirmando a tradição e o dogmatismo.

4.4 - INTERPRETAÇÃO SEMÂNTICA

O filme começa no ano de 1984, quando o simpático e amoroso médico iraniano, cansado

dos preconceitos sofridos em seu trabalho, convence a esposa norte-americana a visitar seus

parentes em Teerã, juntamente com sua filha de cinco anos, Mahtob. Logo no início, Betty

expressa o seu medo de visitar o Irã alegando ser um lugar perigoso. Em nenhum momento do

início da trama é citada a guerra Irã x Iraque, que já havia terminado há três anos quando do

lançamento do filme. Tal perigo mencionado pela protagonista parece ser inerente ao lugar, como

se o Irã fosse um lugar perigoso por natureza. A mesma faz seu marido jurar sobre o Corão que a

segurança dela e da filha serão garantidas.

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A chegada a Teerã serve para ilustrar bem a oposição entre civilização e barbárie que

permeia o imaginário norte-americano e a tradição orientalista. A comitiva que aguarda o casal e

sua filha age de maneira bastante efusiva, cantando e abraçando seu ente querido. O caos do

centro da cidade, em uma mistura de movimento desordenado de transeuntes, carros velhos, fotos

do Aiatolá Khomeini e homens barbudos armados por toda parte, fazem um contraste gritante

com o cenário anterior, que era a casa do casal nos Estados Unidos, um lugar calmo e bonito,

onde árvores e um pequeno lago passavam a sensação de tranqüilidade e representava a

felicidade dos dois.

Já em Teerã, o filme mostra uma seqüência de comportamentos iranianos retratados como

exóticos. A irmã de Moody presenteia Betty com um chador54, e ele avisa a mulher que é muito

importante que ela use, uma vez que nos novos tempos a vestimenta passou a ser obrigatória, e

ainda diz que na época do Xá não era obrigatório, mostrando como o momento anterior à

revolução era mais civilizado e respeitava os estrangeiros. Quando eles chegam na casa na qual

ficarão hospedados, um animal é sacrificado e o sangue jogado na passagem como forma de boas

vindas. A norte-americana assiste a tudo como se não estivesse fazendo nenhum tipo de juízo de

valor em relação aos acontecimentos, se eximindo de qualquer responsabilidade sobre os

acontecimentos que se seguiriam.

A irmã de Moody fica sempre de mau humor perto da cunhada, evidentemente em

reprovação aos seus hábitos ocidentais, uma vez que no momento em que Betty se submete ao

marido e adota as vestimentas tradicionais islâmicas ela se torna mais simpática. Ainda nos

primeiros momentos na capital iraniana, eles são interceptados por um veículo com homens e

mulheres armados que observaram que Betty não havia coberto toda a cabeça com o lenço que

vestia, deixando alguns fios de cabelo à mostra. Houssein, primo de Moody que os acompanha 54 Vestimenta islâmica própria para mulheres que cobre a cabeça e o corpo deixando apenas os olhos à mostra.

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quase todo o tempo, alerta de forma rude e apaixonada que cada fio de cabelo feminino que não

era coberto representava um punhal no coração de seus mártires. Dessa maneira o filme já

começa a desenhar o discurso de que o comportamento ocidental por si só já é suficiente para

ofender a cultura islâmica, vale a pena ressaltar que em nenhum momento se faz a distinção entre

o xiismo predominante no Irã e a tradição sunita, predominante na maior parte mundo islâmico, o

que possibilita generalizar esses estereótipos para o Islã como um todo.

Os parentes de Moody o criticam por esse parecer “americanizado” e, em uma manhã ao

acordar para as preces matinais, se inicia uma transformação no comportamento do personagem.

Ao ser indagado por Betty se não poderia ficar mais um pouco na cama, ele responde

agressivamente que sua família era descendente direta de Maomé e que merecia respeito55. Daí

por diante ele passa se comportar cada vez de forma mais agressiva e intolerante, ressaltando

sempre que suas ações estão de acordo com o “verdadeiro” Islã. Dessa maneira o filme expõe seu

principal argumento, que é o de que ao entrar em contato com suas antigas origens, Moody

retoma um comportamento primitivo, supostamente inerente ao Islã. Durante os vinte anos em

que o personagem morou e trabalhou nos Estados Unidos, ele nunca deu sinais de ser violento ou

de ser muito religioso. Ao entrar em contato com sua família e os costumes islâmicos o mesmo se

transforma e passa a agir de maneira completamente diversa da que costumava nos EUA. O

problema, portanto, não são os indivíduos, mas sim a cultura islâmica como um todo.

Quando se aproxima a data marcada para o regresso aos EUA, Moody começa a criar

empecilhos para que o casal retorne, alegando que se faz necessária uma autorização do governo

e que esta demora três dias para ser emitida. Ele nega que sabia da exigência até então, porém,

diante da insistência da esposa para que fossem ao aeroporto tentar resolver o problema, Moody

informa seu desejo de permanecer no Irã. No dia anterior ele havia contado à Betty que fora 55 00h27min

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demitido do hospital onde trabalhava pouco antes de saírem e que não quer voltar a sofrer

preconceitos. Ela responde dizendo que nos Estados Unidos “existem leis”56, e que eles podem

recorrer da decisão do hospital, como se no Irã não houvessem leis e o muçulmano não as tinham

em consideração na hora de tomar suas decisões.

A cena em que Moody afirma para Betty que decidiu permanecer no seu país marca

definitivamente a transformação do personagem, a partir de então ele deixa de ser tudo o que era

nos Estados Unidos, como se o contato com seu país natal o tivesse transformado em outra

pessoa. Ele se torna extremamente autoritário. No momento em que a mulher se nega a ficar ele a

esbofeteia e com o punho cerrado diz que, por estarem no Irã, ela deve se submeter à vontade

dele57, e que eles devem permanecer por lá com a finalidade de criar a filha do casal pelas regras

do “verdadeiro” Islã. A norte-americana fica aterrorizada.

Além de violento e intransigente, o personagem encarna também um velho estereótipo

orientalista muito utilizado para descrever os povos árabes e islâmicos, que é a imagem do

oriental como pouco confiável. Em um momento de total desespero, Betty suplica à família de

Moody para que intervenham na decisão, alertando que ele jurou sobre o Corão que nada

aconteceria às duas, ela e a filha. Nesse momento, ela pede para que ele confirme a história e

Moody alega que se ele não tivesse feito a promessa ela não teria aceitado visitar o Irã. O avô e

chefe da família, Baba Hajji, afirma veementemente em persa e outro parente traduz que: “Alá o

perdoará”. Todos começam a gritar em persa e em meio ao caos Betty cai em prantos. Tal

situação serve para ilustrar como o filme associa o próprio Islã à ardilosidade, nesse momento da

trama é revelado que o personagem iraniano havia ludibriado sua esposa para levá-la ao Irã,

ressaltando o caráter traiçoeiro do mesmo.

56 00h30min 57 00h34min

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Outro ponto relevante do filme são os momentos que remetem ao governo do Xá Reza

Pahlavi. Nos Estados Unidos associa-se a imagem do governo do Xá a um momento de progresso

bem divergente do que a população iraniana achava, tal como demonstrado no primeiro capítulo.

Moody afirma que quando o Xá partiu foi a primeira vez que os iranianos puderam dizer “Essa é

nossa fé, é nosso modo de viver. É assim que somos.”58. Ele afirma isso no momento em que

Betty está deprimida e é mantida cativa na casa de sua família, depois de toda seqüência de

agressões e surtos autoritários do iraniano, e leva o espectador a associar os valores da Revolução

Iraniana ao comportamento de Moody.

A primeira tentativa de Betty para voltar aos Estados Unidos é quando sua mãe a orienta

por telefone a procurar o serviço de atendimento à “americanos” na embaixada suíça. Lá

chegando ela é informada que por ter se casado com um iraniano e estar no Irã ela deve se

submeter às severas leis sobre as mulheres59. Ao ser indagada sobre o motivo de ter aceitado

visitar o Irã, Betty afirma que não sabe, e completa dizendo que confiou no marido e que

considerava ele um norte-americano.

Explicita-se assim que a personagem não era desprovida de preconceitos como se tentou

demonstrar no início da trama, não era a tolerância que fazia com que ela acreditasse no marido,

mas sim o fato de não associá-lo à sua cultura de origem. Revelar tal preconceito a essa altura da

história legitima sua aplicação, naturalizando essa maneira de ver o Islã. Os muçulmanos

ocidentalizados seriam “do bem”, enquanto aqueles que mantém suas tradições representariam o

mal, tal como se demonstra no filme.

Ao retornar do consulado suíço, Betty é novamente agredida por Moody, que dessa vez

ameaça a mulher de morte caso tente fugir novamente. A partir de então ela passa a ludibriar o

58 00h41min 59 00h47min

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marido para que consiga mais liberdade para tentar uma nova fuga. Na cena em que é

comemorado o aniversário de Mahtob, ela se aproxima de Moody e diz querer tentar fazer as

coisas darem certo. Ele acredita e ela o convence a saírem da casa de sua irmã, Ameh Bozorg,

onde Betty era constantemente vigiada. Na cena ela aparece pela primeira vez de camisola, com

as costas a mostra, dando à cena um tom erótico. Betty arranca de Moody a concordância com

suas vontades intercaladamente com beijos, denotando que ele estava se rendendo aos encantos

sedutores da mulher, e não agindo racionalmente, ressaltando caráter primitivo da nova fase do

personagem.

No novo lar, que é a casa de Mammal, um outro primo de Moody cuja presença é

constante, eles recebem a visita de um tio que é um respeitado mulá, e que pode auxiliá-lo a

conseguir um novo emprego. A figura deste tio contrasta com todos os outros personagens

iranianos que aparecem até este momento no filme. Ele é afável e tolerante, pergunta para Betty

porque ela está usando o chador, afirmando que se trata de uma tradição persa e que as pessoas

estariam exagerando na obrigatoriedade do seu uso60. Com isso conquista a simpatia de Betty,

logo em seguida pergunta se ela gostaria de assistir aulas sobre o Corão que eram ministradas em

inglês. Ela aceita e nesse momento o mulá lança um olhar de triunfo para Moody e Mammal,

como se tivesse lhes ensinado algo, enquanto come com as mãos. A mensagem que fica

subentendida é que o autoritarismo nem sempre se faz necessário, sendo possível conquistar a

concordância de uma mulher simplesmente com gestos suaves. Nada havia sido alterado na

condição de Betty, porém ela se sentiu mais a vontade com o tio de Moody do que com o resto da

família, ressaltando assim que não importa o quão agradável é o muçulmano, o peso do Islã como

algo retrógrado é o mesmo.

60 00h55min

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Logo em seguida Betty aparece na aula utilizando o chador, e conhece outra norte-

americana casada com um iraniano. Essa personagem, Ellen, é bastante emblemática. Ela é

totalmente submissa ao marido, não demonstrando ter vontade própria em nenhum momento. Ao

ser perguntada se ela se converteu ela responde que sim e complementa: “Eu quis... eu acho” 61.

Ela justifica que a conversão tornou as coisas muito melhores na relação dela com o marido.

Ellen personifica a imagem que se faz no Ocidente sobre a condição feminina no Islã. Ela se

reconhece como submissa e deveria ser feliz assim. Por ser ocidental ela fala com certo pesar,

aceita a condição, mas age como se fosse infeliz, como se algo mais forte a mantivesse presa

àquela situação. Trata-se os relacionamentos como se os casamentos no Islã se resumissem a uma

relação de dominação estrita da figura masculina sobre a feminina.

Em uma conversa com Ellen, durante um jantar entre os dois casais, Betty pergunta,

quando elas se vêem a sós na cozinha, se o marido de Ellen era violento. Ela responde que não

nos Estados Unidos, dando a entender que ele só era violento no Irã, ressaltando a mesma idéia

ilustrada pela transformação de Moody, a de que por mais civilizados que eles parecessem,

quando entravam em contato com sua cultura de origem eles se transformavam em seres

primitivos. Ellen complementa que o fato de eles não parecerem violentos fora dos países

islâmicos é um preceito da própria religião62. O Islã não seria, portanto, confiável, mas sim algo a

se temer, pois mesmo quando parece sob controle ele representa uma ameaça em potencial.

Ainda na cena em que as duas norte-americanas conversam na cozinha, Betty pede a

ajuda da nova amiga, alegando que precisa contar a ela uma coisa que a mesma não pode revelar

ao seu marido. Ellen fica desconcertada, mas aceita ouvir. Betty então conta e ela que pretende

fugir do Irã com sua filha. Ellen alerta a amiga que coisas terríveis podem acontecer, inclusive

61 00h57min 62 01h00min

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que ela pode ser executada e tenta desencorajar Betty. Irredutível, Betty entrega a ela uma carta

que gostaria que fosse entregue na embaixada suíça. Algumas cenas depois Ellen aparece, no

local das aulas sobre o Corão, brutalmente espancada na companhia do marido. O mesmo grita

com Betty e afirma que ela não deveria desobedecer Moody. Ellen afirma que teve que contar

tudo ao marido, que joga a carta em cima de Betty. Mesmo tendo sucumbido às suas obrigações

quanto esposa muçulmana, Ellen não foi privada das agressões. A violência é um dos aspectos

mais ressaltados durante o filme para descrever a sociedade islâmica.

Na primeira vez em que consegue sair de casa sozinha, Betty busca auxílio para fazer uma

ligação para a embaixada suíça na loja de outro personagem importante para a trama, Hamid. É

ele quem apresenta Betty a uma mulher que passa a ajudar na arquitetura da fuga. Hamid lembra

fisicamente o Xá, com um jeito parecido de arrumar os cabelos e suas vestimentas ocidentais. É

ele quem apresenta a solução para o problema de Betty, suas aparições são sempre acompanhadas

de um ar nostálgico sobre os tempos de Reza Pahlevi no poder. Este personagem serve para

ressaltar o caráter retrógrado da Revolução Iraniana em contraste com os tempo de

ocidentalização do Xá.

Betty passa a acompanhar a filha na escola onde estuda, ficando com outras mulheres

durante o horário de aula. Ela encontra nessas mulheres uma maneira de conseguir se livrar por

um tempo do autoritarismo do marido, uma vez que elas se solidarizam com a situação de Betty e

prometem não contar caso ela queira desfrutar de mais liberdade. Ela aproveita esse tempo para

visitar Hamid e armar sua fuga.

Em determinado momento, Moody chega mais cedo na escola e percebe a ausência da

mulher, ocorre então mais uma seqüência de agressões brutais, na qual Betty é levada da escola à

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força63. Sob ameaças de morte, ela consegue se desvencilhar do marido e foge. Buscando ajuda

da embaixada suíça ela retorna à escola para buscar a filha. As mulheres que antes eram

solidárias, agora reconhecem os direitos do pai, e se negam a deixar que Betty leve sua filha da

escola, afirmando que só o pai pode levá-la. Mais uma vez o peso da tradição islâmica exerce um

papel opressor, ressaltando a autoridade masculina e a submissão das mulheres.

Após o episódio, Moody pega a filha e abandona a mulher presa em um apartamento. Para

completar o processo de desumanização do personagem, e sua conseqüente islamização, ele

interroga a própria filha, com a finalidade de descobrir os motivos das escapadas da mulher. Cada

vez o personagem se torna mais agressivo com a criança, forçando a intervenção de sua irmã para

ajudar Mahtob64.

Sozinha em seu cativeiro, Betty presencia mais um bombardeio e Moody surge com uma

lanterna e Mahtob nos braços. Ela, assustada, corre em busca de abrigo nos braços do marido. O

filme faz um corte de seis meses e mostra Betty feliz em família comemorando mais um

aniversário da filha. No entanto, logo em seguida ela aparece em contato com a figura

ocidentalizada, agora não somente nas vestimentas, mas também nos modos, já que os dois

conversam enquanto saboreiam chá à moda britânica. Nesse momento ocorre um dos diálogos

mais emblemáticos do filme. O novo amigo explica para Betty a origem da palavra paraíso:

“Aliás, “paraíso” é uma palavra persa” e complementa : “Difícil crer que a idéias de paraíso tenha

conexão com o Irã” 65. Devido ao lapso de tempo, Betty agora desfrutava de uma relativa

liberdade, ela estava cumprindo devidamente seu papel de esposa devotada para ludibriar Moody

e consegui realizar sua fuga juntamente com a filha.

63 01h16min 64 01h21min 65 01h26min

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No meio tempo em que ela arregimenta sua fuga algo inesperado acontece. O pai de Betty

fica doente nos EUA e Moody surpreendentemente concorda que ela vá visitá-lo. Ela aproveita a

chance para pedir ao marido que ele deixe ela ir com Mahtob, o que ele nega e começa a se tornar

agressivo novamente por suspeitar do pedido da esposa. Nesse momento ele revela outra razão

por trás de sua benevolência, ele deseja que ela vá aos Estado Unidos também para vender todas

as propriedades do casal no país, fechando assim, definitivamente o ciclo de mudança para o Irã.

A nova possibilidade atrapalha Betty, uma vez que os planos de fuga precisariam de mais

alguns dias, e ela se vê diante de uma escolha, ou ela vai sozinha e volta para tentar fugir

novamente com a filha ou ela arrisca tudo e antecipa os planos da fuga. Um novo diálogo com o

ocidentalizado Hamid ajuda a que Betty tome sua decisão: o personagem a lembra que se trata de

um país atrasado, que no tempo em que ela estiver fora podem até arranjar um casamento para a

pequena Mahtob, e para complementar a cena, algumas caminhonetes com grupos armados

abordam um grupo de crianças que brincam na rua66. É explicado que se trata de recrutamento

pra lutar na guerra, ainda que não especifiquem em nenhum momento de que guerra se trate. A

seqüência revela o quão é perigoso um país islâmico para uma criança, cativando na personagem

a urgência de levar sua filha do país.

Moody havia agendado a passagem de Betty para três dias antes do necessário para a

fuga. Diante disso ela foge de casa com a filha na véspera em que seu marido havia marcado a

viagem. A cena em que Betty sai de casa com Mahtob é marcada por uma trilha de redenção,

onde cenas do Aiatolá Khomeini são intercaladas com soldados beijando o Corão67. Enquanto ela

corre pelas ruas com a filha as imagens são exibidas, demonstrando que elas estavam fugindo de

66 01h30min 67 01h33min

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tudo o que aquelas imagens representavam. Todo o atraso, toda violência e toda a opressão

simbolizados no filme.

Desde então Betty permanece escondida com a filha esperando o momento certo para dar

continuidade à sua fuga. Em um último diálogo com Moody por telefone, este tenta dissuadi-la de

fugir, lançando mão mais uma vez do seu autoritarismo, porém em vão, já que Betty agora estava

segura na companhia de pessoas ocidentalizadas e solidárias com sua causa. O diálogo é uma

tentativa de despistá-lo e manter a polícia longe. Em seguida é dado início ao longo trajeto de

fuga, passando por vários momentos de tensão nos pontos de controle nos arredores de Teerã.

Ao sair de Teerã, Betty e Mahtob encontram um grupo de pessoas, que ao julgar pelas

roupas e por viverem nas montanhas parecem curdos, mas nada é mencionado sobre suas origens

no filme, afinal a idéia é de que os estereótipos sirvam para os muçulmanos como um todo. Esses

personagens apresentam gestos rudes e desonestos, um rouba os pertences de Betty e chega a

tentar abusar dela sexualmente. Repreendido por outro, ele desiste. Ao final da jornada, Betty

atravessa a fronteira com a Turquia, já sem o chador e com a filha nos braços, ela avista a

bandeira norte-americana no consulado turco e com uma música de triunfo ao fundo fala para

Mahtob: “Estamos em casa filha, estamos em casa”.68.

No filme é possível identificar ao longo de toda a narrativa diversos aspectos orientalistas

e que evidenciam o caráter antiislâmico da produção. Em todo o momento o Irã e seu povo são

retratados de forma caricatural e estereotipada, prevalecendo sempre a oposição em relação à

personagem norte-americana e o seu modo de vida quando ainda estava nos Estado Unidos. A

peça associa-se a política de estado norte-americana e propõe uma visão demonizadora do Islã,

favorecendo os interesses imperialistas no Oriente Médio e no mundo islâmico como um todo a

partir do contexto político internacional do fim da Guerra Fria. 68 01h51min

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5 CONCLUSÃO

Diante do exposto ao logo de todo trabalho é possível concluir que as relações entre

Estados Unidos e Irã marcaram também as relações mantidas entre os EUA e o Mundo Islâmico

como um todo. Baseando-se nos estereótipos alimentados pela Revolução Iraniana, a cultura da

mídia norte-americana fomentou sob o mundo ocidental a imagem do Islã como ameaça e do

muçulmano como uma figura atrasada e vil.

A cultura exerce papel fundamental nessas construções, legitimando a ação política do

Estado, ao fomentar na sociedade as necessidades que não são inerentes a ela. A construção de

inimigos no imaginário político é parte do processo de fabricação de consenso, artifício que

caracteriza o jogo democrático através do controle exercido pela mídia.

O cinema norte-americano é consumido no mundo inteiro como simples peça de

entretenimento, mas é impossível dissociar determinado discurso ou conjunto de idéias do

contexto onde são produzidos. Logo, o cinema reflete o pensamento de determinado setor da

sociedade e converge, ou não, com interesses das classes que controlam o Estado. De qualquer

forma, não pode ser tratado como entretenimento puro e simples. No entanto, é muito comum que

os espectadores tenha essa impressão, absorvendo acriticamente os valores e idéias embutidos na

peça cinematográfica.

Durante o período de hegemonia conservadora nos EUA, vários filmes foram produzidos

com o intuito de difundir os ideais republicanos identificados com a extrema direita norte-

americana. Com o colapso da União Soviética, houve um redirecionamento dos esforços

midiáticos para a criação de uma nova ameaça, o Islã. E para tal recorreu-se à tradição que muito

havia servido ao colonialismo europeu, o Orientalismo.

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Disseminando uma visão muito particular dos muçulmanos, o cinema norte americano

contribuiu indubitavelmente para legitimar ações militares como a Guerra do Golfo, assim como

para fomentar a paranóia da “eterna ameaça” vinda do Oriente. A presença das forças ocidentais

no Mundo Islâmico reforçam uma agressão suportada desde que e Europa construiu sua

hegemonia sobre os povos islâmicos. A resistência ao modo de vida ocidental é traduzida pela

mídia norte-americana como uma postura primitiva, imbuindo o império novamente com o velho

“fardo do homem branco”.

As relações particularmente conflituosas entre o Irã e os Estado Unidos forjam a matriz de

boa parte dos estereótipos lançados sobre a comunidade islâmica como um todo. O radicalismo

religioso, a intransigência, a opressão sobre as mulheres, são aspectos freqüentemente ressaltados

pela mídia ocidental sobre a situação no Irã, porém esses padrões não são limitados aos xiitas

iranianos. É freqüente que essas noções se estendam indiscriminadamente por todos os países

muçulmanos, assim como para todos os árabes. Enfim, tudo o que remete a civilização islâmica é

reduzido a um grupo de características negativas aplicáveis ao Islã como um todo.

Munido de todo o aparato midiático, o imperialismo se traveste de entretenimento e utiliza

o espetáculo para justificar suas empreitadas. Cada vez menos a sociedade ocidental observa

criticamente seus produtos culturais, como se tudo se resumisse à superficialidade e ás

efemeridades do consumo. Ao não efetuar a leitura crítica dos textos culturais veiculados pela

mídia, a sociedade deturpa o ideal democrático, que se revela refém dos setores que controlam a

mídia. Ao tomar por entretenimento determinado posicionamento político claro, o cinema tem

um relevante papel no contexto da construção de hegemonia conservadora, fomentando a

concordância da sociedade norte-americana com a política de Estado no período dos governos

Reagan-Bush.

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O filme “Nunca sem minha filha” ilustra bem a maneira como o Irã é representado nos

estados Unidos, assim como também introduz a questão do papel do Islã no mundo atual. Essa

imagem marcou o período do governo Bush e deixou plantadas as sementes que semearam no

imaginário político das gerações que cresceram nos cinemas, a imagem do Islã como ameaça,

fomentando no mundo de hoje a idéia de que o conflito se faz necessário e que a civilização

islâmica é um mal a ser superado. Tal verdade só se realiza na tentativa de atender aos anseios do

imperialismo norte-americano.

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ANEXO I: FICHA TÉCNICA

NUNCA SEM MINHA FILHA

(Not without my daughter)

Origem: Estados Unidos da América

Duração: 116 min.

Data de estréia: 11/01/1991

Idioma: Inglês e persa

Direção: Brian Gilbert

Produção: Harry J. Ufland, Mary Jane Ufland e Anthony Waye

Roteiro: David W. Rintels

Estúdio: Pathé Entertainment e Ufland

Distribuição: Paris Vídeo (Brasil)

Fotografia: Peter hannan

Edição: Ofer Bedarshi e Terry Rawlings

Trilha sonora: Jerry Goldsmith

Personagens e intérpretes principais:

Sally Field: Betty Mahmoody

Alfred Molina: Moody

Sheila Rosenthal: Mahtob

Roshan Seth: Houssein

Sarah Badel: Nicole

Mony Rey: Ameh Bozorg

Georges Corraface: Mohsen

Mary Nell Santacroce: Avó

Ed Grady: Avô

Jonathan Cherchi: Mammal

Soudabeh Farrokhnia: Nasserine

Michael Morim: Zia

Sasson Gabai: Hamid

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