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ção de um bom conjunto de conhecimentos e equipa-mento sofisticado.

A PRAXIS DA HOLOGRAFIA

Na sua execução prática, a captação de um hologramanão é muito diferente da de uma fotografia convencio-nal, com uma importante excepção. Quando se pretendetirar uma fotografia a um objecto é necessário ter à dis-

posição uma máquina fotográfica -isto é, um filme e uma lente (objec-tiva) que cria sobre o filme umaimagem do objecto. É preciso umafonte luminosa - o Sol (quer per-mitindo que o raios solares ilumi-nem directamente o objecto, querutilizando a luminosidade difusa emdias cobertos) ou uma lâmpada deflash. Em qualquer dos casos, parteda luz que ilumina o objecto é poreste difundida em direcção à objec-tiva, cuja posição define o ângulosegundo o qual se constitui (nofilme) uma perspectiva do objecto(Fig. 1a). É frequente colocar afonte luminosa de modo a que aradiação directa não incida na objec-tiva. Com efeito, só os fotógrafosparticularmente competentes se arris-cam a tirar uma fotografia em quetambém figure o Sol como objectofotografado. Todos conhecem bemas dificuldades em construir umafotografia em contra-luz... Fala-seem sobreexposição, em filme quei-mado, em dinâmica reduzida, parareferir a extrema dificuldade que háem harmonizar as irradiâncias extre-mas associadas à fonte luminosa e ao

s princípios da holografia foram descritos porDennis Gabor em 1948. Todavia, a falta defontes luminosas com as propriedades adequa-

das - a coerência, que será referida oportunamente -fez com que só em l960 Leith e Upatnieks pudessemobter o primeiro holograma.

Os hologramas são vulgarmente conhecidos como“fotografias tridimensionais (ou 3D)”. Os filmes de fic-ção científica, as exposições em que têm circulado, osmúltiplos dísticos, emblemas, etc.,vulgarizaram o holograma emborapouco tenham contribuído para elu-cidar a sua estrutura, construção eaplicações. Com um étimo sugestivo(holo, de integral, global, e grafia,de desenho) os hologramas e a holo-grafia despertam a imaginação maisdormente e fazem-na passar rapida-mente para os domínios da civiliza-ção do inimaginável. E, de facto, osactuais progressos da óptica e a suainterface com a informática permi-tem prever uma descontinuidadeimportante na forma de encarar eutilizar a holografia. Uma décadamais será talvez suficiente...

É meu objectivo, neste texto,apresentar a física da construção eutilização dos hologramas. A holo-grafia utiliza todos os conceitos daóptica ondulatória: interferências,difracção e coerência; põe exigênciasdrásticas sobre os materiais em queum holograma pode ser registado;exige alguma colaboração de especta-dor. Tem por isso todos os ingre-dientes para poder ser consideradauma técnica complexa embora sedu-tora, cuja execução exige a deten-

A Holografia permite registar e utilizar as características tridimensionais reaisdos objectos. As suas utilizações têm-se desenvolvido em Metrologia, naconstrução de elementos ópticos diversos e na visualização de objectos

artísticos. Na década de 90, realizar-se-ão, seguramente, novas e significativasaplicações da Holografia.

HOLOGRAFIA:Física e aplicações

JOSÉ MANUEL REBORDÃO

José Manuel Rebordão licenciou-se emFísica na Universidade de Lisboa edoutorou-se em Óptica na Universidade deEstrasburgo (1983). Investigador do Labo-ratório Nacional de Engenharia e Tecnolo-gia Industrial (LNETI) e professor convi-dado na Faculdade de Ciências de Lisboa,publicou nos últimos anos um considerávelnúmero de trabalhos consagrados quer àÓptica fundamental quer às suas aplicaçõesa uma larga gama de questões com impor-tância tecnológica.

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objecto que se pretende preservar na memória ópticaque um filme fotográfico constitui.

E a excepção é esta: em holografia é necessário que afonte luminosa se encontre sempre no campo, isto é, éfundamental que o material sensível à luz (o filme), sejatambém iluminado directamente pela fonte luminosa(Fig. 1b). Se um dia vier a existir uma “máquina holo-gráfica”, (assim como hoje existe a máquina fotográfica)que dependa da luz solar - o que não parece possívelactualmente - o hológrafo (ex-fotógrafo) teria unica-mente que alterar um dos elementos da sua praxis:incluir sistematicamente o Sol no lote de objectos aholografar. Todavia, uma máquina holográfica pas-siva - isto é, não incluindo o seu próprio sistema deiluminação (por oposição a activa, que o incluiu) - nãoparece realizável, aos olhos da ciência actual.

Quando se visualiza um sistema de constituição dehologramas em ambiente laboratorial (Fig. 2) parecemexistir muitas mais diferenças. Existem, com efeito, massão menores e derivam fundamentalmente de, por causadas exigências de coerência, ser ainda necessário utilizarlasers para construir hologramas. Se existissem materiaisholográficos ultra-sensíveis e obturadores que tornassemfáceis exposições de pico-segundos, talvez não fossenecessária a sofisticação do equipamento normalmenteutilizado em holografia.

A FÍSICA DA HOLOGRAFIA

Como se traduz de facto a necessidade de utilizar naconstrução de um holograma a luz difundida peloobjecto e a luz directa proveniente da fonte luminosa?

No contexto da óptica geométrica (Caixa l), os con-ceitos básicos são os de raio luminoso e de intensidade,e a situação seria descrita nos termos seguintes: a irra-diância no plano do filme, isto é, a potência por uni-dade de área, é igual à soma das irradiâncias associadasao objecto e à fonte; consequentemente os contrastes doobjecto são alterados pela luz directa, com eventual des-truição da sua imagem visível. Em óptica geométrica,como os raios luminosos são independentes entre si, apresença de um segundo feixe de raios luminosos nãoafecta as propriedades do feixe objecto.

No paradigma da óptica ondulatória, a sobreposiçãode dois campos luminosos na mesma região do espaçodá origem a fenómenos de interferências (Caixa 2).A densidade de energia electromagnética no espaçodepende por igual do campo luminoso associado aoobjecto (onda objecto) e do campo óptico associado à

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Fig. 1 - a) Construção de uma fotografia e b) construção de um ho-lograma. A ausência de uma objectiva em b) não é fundamental. A in-terferência entre o feixe difundido pelo objecto e o feixe directo dafonte luminosa constitui a principal característica da holografia.

Fig. 2 - Sistema de constituição de hologramas. DF - divisor de feixe;M - espelho; L - lente. O objecto é neste caso iluminado segundo duasdirecções distintas, unicamente para melhorar a sua visibilidade. Ageometria do sistema é, no essencial, definida pelos espelhos M1 eM2, pelos divisores de feixe DF1 e DF2 e pela posição do filme e doobjecto. As lentes L1, L2 e L3 permitem iluminar objectos extensos oufilmes com dimensões significativas.

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Os conceitos correntes sobre a luz enquadram-se quasetodos no paradigma da óptica geométrica: a luz é carac-terizada por uma intensidade e propaga-se segundo raiosluminosos, quase sempre rectilíneos. Uma característicada luz é todavia estranha a este paradigma: a cor.

A teoria electromagnética utilizou os fenómenos lumi-nosos como um significativo domínio de previsão e dejustificação da teoria. A luz passou a ser consideradacomo uma onda electromagnética com frequências carac-terísticas no domínio óptico do espectro. Como tal deve-ria ser caracterizada por: um comprimento de onda,manifestação espacial da periodicidade inerente à suagénese (cargas eléctricas em oscilação); uma frequência,manifestação temporal da mesma periodicidade e quetraduz a cor; uma amplitude, medida da quantidade deenergia transportada pela onda; uma polarização, remi-niscente de uma oscilação das cargas eléctricas segundodirecções bem definidas em cada instante; uma fase,com informação relativa ao ciclo de geração da onda eque constitui um relógio no interior de um períodocompleto, tal como um cronómetro sempre activo desde aemissão, associado portanto à própria história da propaga-ção (Fig. A).

Caixa 1 - A LUZ COMO ONDA ELECTROMAGNÉTICA

Caixa 2 - AS SITUAÇÕES DE INTERFERÊNCIA EM HOLOGRAFIA

A luz é uma onda electromagnética, isto é, um campoelectromagnético que se propaga. A fonte dos camposluminosos são átomos, iões ou moléculas. Quando váriasfontes, dependentes ou independentes entre si, geramondas electromagnéticas que se propagam na mesma regiãodo espaço, a densidade de energia electromagnética resul-tante não é simplesmente igual à soma das densidades deenergia individuais, ao contrário do que acontece no para-digma da óptica geométrica (em que as irradiâncias sesomam). A quantidade que se combina aditivamente nãoé a irradiância mas sim o campo; os fenómenos que assimse manifestam têm o nome genérico de fenómenos deinterferência.

As fontes monocromáticas são fontes extraordinaria-mente regulares, que manifestam facilmente as suasperiodicidades fundamentais. O resultado da sobreposiçãodos campos gerados por várias destas fontes, supostas cor-relacinadas, revela periodicidades particularmente úteis nodomínio espacial, porque associadas a distribuições esta-cionárias da densidade de energia electromagnética. Dasobreposição de campos electromagnéticos decorrem poisfiguras de interferência, cuja forma - isto é, geometria edensidade das superfícies de igual irradiância - dependeda posição relativa das fontes luminosas interferentes.Diz-se normalmente que uma situação de interferências éestável se a posição das superfícies de igual irradiância semantiver no tempo.

Quando duas fontes pontuais e monocromáticas inter-ferem, a figura de interferências tem a forma de hiperbo-lóides de revolução cujos focos coincidem com as fontes.Como a Figura B revela, a distância entre superfícies deinterferência de irradiância máxima, por exemplo,depende da posição do ponto de observação relativamenteàs duas fontes. Note-se que a figura é significativa do sis-tema de franjas de interferência que se estabelece quandose realiza o holograma de um objecto pontual. A densi-dade de superfícies de irradiância extrema (máxima oumínima) é tanto maior quanto maior for o ângulo entre

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as direcções que unem a zona de observação com ambosos focos (ângulo que pode variar entre 0° e 180° -obtendo-se nesta situação uma densidade máxima).

Que acontece quando se introduz um desfasamento deuma das ondas em relação à outra? Qual é, aliás, o signi-ficado deste desfasamento? Suponha-se, por exemplo,que se inibe a oscilação das cargas eléctricas de uma dasfontes luminosas durante um intervalo de tempo inferiorao período de oscilação. Para um observador fixo numadada posição do espaço, o instante em que a densidadede energia é mínima, por exemplo, é retardado da mesmaquantidade. Todavia, no mesmo instante de observação,a densidade é mínima noutros pontos do espaço. Doponto de vista do sistema de franjas de interferências,ocorre uma translação global de todas as superfícies deinterferência, cuja forma se mantém todavia invariante.Esta translação, alterando a posição das superficies de irra-diância constante (relativamente ao holograma) deformaligeiramente a figura de interferências registada nosuporte fotossensível. Note-se que uma ligeira variação daposição de uma das fontes produz exactamente o mesmoefeito (Fig. C).

Deste modo, se durante a exposição do holograma umadas fontes (objecto ou referência) se deslocar, o sistema defranjas translada-se e o holograma sofre o mesmo pro-blema da fotografia de objectos em movimento: apósrevelação, poderá ser difícil reconhecer o objecto fotogra-fado... É esta a razão pela qual é fundamental garantira estabilidade mecânica de uma montagem de holografia.Qualquer variação indevida da posição da fonte de refe-rência ou do objecto - considerado como uma colecçãode objectos pontuais - pode degradar seriamente o holo-grama, reduzindo o contraste das franjas (na melhor dashipóteses) ou, pura e simplesmente, eliminando-as total-mente.

Como se deve orientar um holograma relativamente àssuperfícies de irradiância constante para se construir um

holograma de reflexão (em volume) ou de transmissão?Sempre que, no essencial, tais superfícies intersectem per-pendicularmente a película fotossensível, obtém-se umholograma de transmissão; quando as superfícies de irra-diância constante forem, no essencial, paralelas à emul-são, obtém-se um holograma de reflexão, sendo aindanecessário que a espessura da película seja suficiente paraconter um número significativo de superfícies de irradiân-cia extrema (Fig. D). No primeiro caso, o objecto e afonte de referência encontram-se do mesmo lado relativa-mente ao plano da emulsão, no segundo caso, em ladosopostos. Note-se que nos hologramas em volume, a dis-tância entre as superfícies de igual irradiância é maisreduzida, o que significa que estes hologramas são bemmais sensíveis às vibrações mecânicas da montagem que oshologramas de transmissão, o que levanta frequentementeproblemas práticos importantes.

Note-se, para finalizar, que o espaçamento entre super-fícies de igual irradiância é tanto menor quanto maior foro ângulo entre os dois feixes interferentes. Este facto,combinado com a resolução finita de qualquer meio deregisto holográfico, põe uma limitação importante aoângulo entre dois feixes e deve ser sempre encarado seria-mente. Não há nenhuma razão de princípio para queuma película fotográfica normal - com uma resoluçãotípica de cerca de 100 linhas por milímetro - não possaser utilizada para registar um holograma. Uma tal pelí-cula obriga de facto a reduzir o ângulo entre os dois fei-xes, dificultando a reconstrução da imagem holográfica,isto é, não permitindo a separação fácil entre a ondadifractada pelo holograma e o feixe de reconstruçãodirecto.

É claro que quando a estrutura de uma das ondas inter-ferentes é complexa, as superfícies de igual irradiância nãosão hiperbolóides de revolução e têm perfis bem maiscomplicados. Os princípios físicos subjacentes são todaviaos mesmos.

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fonte luminosa (onda de referência). Esta interferênciaentre ondas luminosas traduz-se na existência de máxi-mos e mínimos locais da densidade de energia electro-magnética no espaço tridimensional; a posição precisadestes extremos depende das relações de fase entre asondas interferentes e da forma das frentes de onda.A forma da onda de referência é normalmente fácil decontrolar. A forma da onda objecto depende do objecto,e a estrutura das frentes de onda difundidas peloobjecto é, no mínimo, tão complexa quanto a do pró-prio objecto.

Neste paradigma da óptica ondulatória pode-se poisconstruir uma primeira definição um pouco mais formalde um holograma: um holograma é o registo fotográficode uma secção plana do volume de interferências entreuma onda objecto e uma onda de referência.

Qualquer registo fotográfico é feito num material sen-sível à luz. São inúmeros os materiais com estas proprie-dades. Todos eles necessitam de uma energia mínimadepositada por unidade de área para que a distribuiçãode algumas das suas propriedades físicas traduza real-mente a distribuição da energia electromagnética que sedeseja memorizar. Tal como em fotografia, é fundamen-tal que o objecto, a holografar se mantenha estáveldurante a exposição. O objecto agora é um sistema defranjas de interferências de forma complexa, em que osmáximos e mínimos se sucedem no espaço com distân-cias típicas da ordem do comprimento de onda. Em quecondições é plausível garantir uma tal estabilidade?

As ondas electromagnéticas estão associadas à emissãode fotões durante a desexcitação dos sistemas quânticos.A cada fotão (paradigma quântico) corresponde um tremde ondas (perspectiva ondulatória clássica) cuja duraçãoé, no essencial, determinada pela vida média dos estadosenvolvidos na transição quântica, isto é, de micro--segundos, na maior parte dos casos de mili-segundosocasionalmente. A luz natural, mesmo quando monocro-mática, é constituída por miríades destes trens de ondasemitidos pelos átomos, iões ou moléculas em que, dealgum modo, se provocou a passagem para um estado

excitado, e dos quais se espera a desexcitação e conse-quente emissão de luz. Estes trens de onda são indepen-dentes entre si, isto é, não existe qualquer correlaçãoentre os fotões emitidos por átomos distintos, e as fasesrelativas entre os trens de onda emitidos são arbitrárias.

São pois estas as ondas macroscópicas que interferemnuma situação de holografia, e cujo sistema de franjasde interferência se deve registar. Um tal sistema altera-secontinuamente, todos os pico-segundos, e nenhummaterial fotossensível tem sensibilidade suficiente para secontentar com a energia depositada durante um tãocurto intervalo de tempo (Fig. 3).

Esta instabilidade do sistema de franjas é consequên-cia da incoerência (temporal) da fonte luminosa. O pri-meiro holograma nasceu quando foi possível dispor deuma fonte coerente que, por oposição à situação ante-rior, permitisse constituir franjas de interferência estáveisdurante o tempo exigido para o registo num materialfotossensível adequado.

O laser (Caixa 3) foi a primeira fonte de que se dispôscom essas propriedades de coerência. Porquê? Porque omecanismo fundamental da desexitação dos átomos, iõesou moléculas não é a emissão espontânea mas sim aemissão estimulada. Aqui, um fotão já emitido poralgum átomo, interagindo com um átomo ainda exci-tado, estimula a emissão da energia que este tem emexcesso, desencadeando a pronta libertação de um fotão;o fotão assim emitido é todavia rigorosamente idênticoao fotão estimulante, isto é, tem a mesma frequência,direcção de propagação, polarização e... fase. Isto signi-fica que o trem de ondas associado a um fotão emitidopor emissão estimulada é coerente com o trem de ondasassociado ao fotão estimulante, ou seja, são trens deondas indiscerníveis descritos pela mesma função deonda. Do ponto de vista de futuras interacções e partici-pação em situações de interferências, nenhuma desconti-nuidade terá ocorrido. Em particular, matendo-se asrelações de fase entre os feixes interferentes durante otempo necessário à criação da imagem latente numsuporte fotossensível, as franjas de interferência mantém-

Fig. 3 - A amplitude, fase e frequência da luz natural variam de um modo não determinista quando se passa de um trem de ondas para outro.

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Caixa 3 - O LASER

O laser é uma fonte luminosa monocromática, coerente, di-reccional e intensa. A palavra “laser” é um acrónimo para “LightAmplification by Stimulated Emission of Radiation”, expressãoque traduz integralmente a física subjacente ao seu funciona-mento.

Os sistemas quânticos num estado excitado podem perder aenergia em excesso emitindo fotões. Esta emissão pode ser es-pontânea ou estimulada. No segundo caso, qualquer fotão coma energia adequada que interaja com o átomo, ião ou molécula,desencadeia a emissão de um novo fotão, provocando destemodo a desexcitação dosistema; o fotão assim emi-t ido tem a mesma f re-quência, polarização, di-recção de propagação e fasedo fotão estimulante - éportanto descri to pelamesma função de onda(Fig. E).

Quando de algum modose garante que a populaçãodo estado inicial de umatransição laser seja supe-rior à do estado terminal- isto é, quando se criauma inversão de popula-ções - os primeiros fotõesemitidos espontaneamentepodem desencadear a emis-são estimulada de outrosfotões. Quando o meio ac-tivo, seja ele sólido, lí-quido ou gasoso, se en-contra no interior de umacavidade ressonante, isto é,um par de espelhos per-pendiculares a um eixocomum, os fotões emitidosao longo do eixo podem de-sencadear inúmeras emissõesestimuladas, sendo no en-tanto necessário garantir, deum modo independente, amanutenção da inversão depopulações. Este bombea-mento pode ser de naturezaóptica, electromagnética oumecânica, constituindo poisum mecanismo concorrentecom os mecanismos deemissão. Consoante o tipode dinâmica que se estabe-lece entre o s mecanismos deexcitação e de desexcitação,assim um laser pode fun-cionar em regime contínuo oupulsado. A cavidade de-termina igualmente a po-

tência que um laser pode fornecer. Um dos espelhos é apenasparcialmente reflector, permitindo a saída de alguns fotões parafora da cavidade ressonante mas possibilitando também que, coma probabilidade complementar, alguns fotões não a abandoneme contribuam, durante algumas oscilações adicionais ao longo doeixo, para a amplificação luminosa a que o acrónimo se refere(Fig. F).

No interior da cavidade ressonante encontram-se pois fotõesindiscerníveis entre si, com relações de fase bem determinadase descritos pela mesma função de onda ou - em termos da

óptica electromagnética -ondas estacionárias cujasfrequências são determi-nadas pelo comprimento dacavidade. As frequênciasque deste modo podem os-cilar constituem um con-junto discreto, cuja inten-sidade relativa é deter-m inada pe l a r i s ca defluorescência típica do meioactivo para o par de estadosentre os quais se desenvolvea dinâmica entre a absorção(por bombeamento) e aemissão estimulada - é estaa razão última da monocro-maticidade normalmenteelevada da radiação laser(Fig. G).

Em holografia utilizam-senormalmente lasers querad iam no v i s íve l , deHe-Ne, árgon, krípton erubi, com riscas desde o azul(árgon) até ao vermelho(He-Ne, rubi). Os lasers derubi funcionam tipicamenteem regime pulsado, masqualquer laser pode ser feitofuncionar em regime pul-sado, mediante a intro-dução, no interior da pró-pria cavidade ressonante, deum sistema que impeça aoscilação e portanto retardea avalanche de emissões es-timuladas que um únicofotão pode provocar nummeio onde se tenha estabe-lecido previamente uma in-versão de populações. Os la-sers pulsados são aliás fun-damentais para a realizaçãode hologramas de objectoscuja imobilidade é difícil degarantir (organismos vivos,por exemplo).

Fig. G - (a) Numa cavidade ressonante apenas sesustêm ondas estacionários com comprimentos deonda bem definidos. (b) Estas ondas têm de seralimentadas por fotões emitidos pelos elementosdo meio activo, no interior da risca de fluorescênciatípica do material. (c) Todavia o ganho só equili-bra as perdas próximo do centro da risca. Destemodo, a monocromaticidade extrema da radiaçãolaser é devida à discretização imposta pela cavi-dade ressonante e redução do número de modos,limitados ao centro da risca.

Fig. F - Esquema muito simplificado de um lasersólido: MA - meio activo; M1 - espelho totalmen-te reflector: M2 - espelho parcialmente reflector; F- flash. O flash é responsável pela criação da in-versão de populações no meio activo. Apenas osfotões emitidos no interior do ângulo α tem algu-ma probabilidade de oscilar no interior da cavi-dade ressonante (definida por M1 e M2) e desen-cadear a génese de outros fotões por emissãoestimulada. Todos os demais abandonam de ime-diato a cavidade. O flash é alimentado por a fon-te de energia exterior.

Fig. E - Absorção, emissão estimulada e emissãoespontânea.

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-se estáveis, isto é, as superficies de máximos e de míni-mos de energia electromagnética mantém-se invariantesno espaço. O hológrafo pode ficar tranquilo: o objectoestá enfim em repouso!

Uma fonte coerente permite pois em princípio cons-truir um holograma. Que forma tem este? A respostadepende do tipo de material fotossensível utilizado, dasua geometria e do tipo de processamento a que foisujeito (químico - o mais frequente - ou electromag-nético).

O sistema de franjas de interferência entre as ondasobjecto e de referência é um sistema não localizado, istoé, ocupa todo o espaço em que as ondas se sobrepõem.Quando é intersectado por um filme sensível plano, opadrão registado depende da orientação do filme relati-vamente às superfícies de interferência (Fig. 4). Por umlado, quando o filme se orienta perpendicularmente (noessencial) às superfícies de interferência, a sua espessuranão é um factor relevante e exige-se apenas que a reso-lução espacial seja suficiente para registar como distintasfranjas de interferência contíguas. Por outro lado,quando as superficies de interferência são essencialmenteparalelas à película sensível, é importante que a suaespessura seja suficiente para permitir o registo emvolume de um número significativo de tais superfícies.Estes dois casos correspondem a hologramas planos ehologramas em volume, respectivamente, estão associa-dos a geometrias distintas, e podem ser reconstruidos de

modos completamente diferentes. É conveniente recordarque os materiais não condutores são permeáveis a cam-pos electromagnéticos e que a inserção de um filme sen-sível no volume de interferências não perturba significa-tivamente as características do sistema de franjas,podendo no entanto alterar as distâncias típicas entresuperfícies de interferências. Todos os elementos sensí-veis são pois utilizados, encontrem-se próximo da super-fície do filme ou distribuídos em volume. O hologramaé uma estrutura tridimensional, embora se possa com-portar como bidimensional em função da posição dofilme relativamente às superfícies de interferência.

À formação da imagem latente segue-se um processa-mento que converte finalmente a distribuição da densi-dade da energia electromagnética em variações locais dadensidade óptica ou da espessura óptica, consoante osmateriais utilizados. Por exemplo, nos filmes holográfi-cos à base de prata, o holograma tem a forma de umfiltro de amplitude com uma função de transmissãorapidamente variável, em correspondência com o sistemade franjas registado: transmissão máxima nas zonas emque se intersectou uma superfície sobre a qual a interfe-rência foi destrutiva, e mínima sobre zonas de interfe-rência construtiva, tal como um negativo fotográficohabitual. Nos materiais em que o crómio ocupa o papelfundamental é o índice de refracção local que é modu-lado, e o holograma reveste a forma de um objecto defase, impondo em qualquer onda que sobre ele incidavariações rápidas da fase, através de alterações locais dasua velocidade de propagação. Em materiais foto-resis-tivos, os hologramas são ainda filtros de fase, mas nestecaso é a espessura local que é modulada pela energiaincidente. Em resumo: de um modo geral, um holo-grama é um filtro óptico tridimensional em que a trans-missão em amplitude ou a transmissão em fase variamrapidamente, com distâncias típicas de variação daordem da dezena ou centena de nanómetros, isto é,inferiores ao comprimento de onda da radiação mono-cromática utilizada (Fig. 5).

É esta estrutura fina que obriga a que o processo dereconstrução da imagem holográfica, quando se iluminao holograma por radiação luminosa - nalguns casosmonocromática, noutros não - seja encarado como umprocesso de difracção (Caixa 4). Por outras palavras, areconstrução de um holograma consiste na obtenção deuma onda difractada a partir de uma onda de reconstru-ção que tipicamente se assemelha à onda de referênciae que, embora não tenha necessariamente a mesma cor,incide no holograma segundo um ângulo, muito seme-lhante.

Neste processo de difracção é agora importante saberse o holograma se comporta de facto como um objectodifractante bidimensional ou tridimensional, isto é,como um objecto delgado ou espesso. Não é apenas ateoria necessária para descrever o processo que difere: noprimeiro caso, a reconstrução deve ser feita com luz

Fig. 4 - O volume da emulsão fotossensível intersecta as superfíciesmais perpendiculares (a) ou mais tangencialmente (b). Neste últimocaso, é importante que a espessura da emulsão seja significativa pa-ra conter secções importantes das superfícies de interferência. (a) dáorigem a hologramas de transmissão, apenas visíveis com luz mono-cromática, e (b) a hologramas por reflexão, que se podem reconstruircom luz branca.

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monocromática; no segundo caso, o holograma tem umcomportamento semelhante ao de um cristal e, parauma dada geometria de iluminação, apenas é difractadacom eficiência significativa a radiação com comprimentosde onda bem definidos: o holograma comporta-se entãocomo um filtro espectral de largura de banda muitoreduzida.

A difracção é um fenómeno tipicamente ondulatório emanifesta-se sempre que, de algum modo, algum obs-táculo se opõe à livre propagação de uma onda noespaço. A estrutura de uma onda difractada (por umobjecto) é bem mais complexa que a da onda original:não só a sua amplitude local é modulada pelas proprie-dades de absorção do objecto difractante, como a formadas superficies de onda se altera radicalmente. Note-sealiás que o conceito fenomenológico de difusão (da luzpor superfícies materiais) - e que permite a visão damaior parte dos objectos - tem como base ondulatóriaa difracção. Com efeito, no contexto da construção doholograma, o feixe objecto não é mais do que o feixedifractado pelo objecto; é esta onda difractada, de estru-tura complexa, que interfere com a onda de referênciadando assim origem às franjas de interferências que seregistam no suporte fotossensível. Quando mais tarde aonda de reconstrução ilumina o holograma, sofre porsua vez difracção e transforma-se: o resultado destatransformação é a onda originalmente difractada peloobjecto e que serviu para a construção do holograma. Oholograma comporta-se assim como uma rede de difrac-ção, cuja estrutura permite reproduzir integralmente aonda difractada pelo objecto original. Não há, em prin-cípio, diferença entre estas duas ondas! Mas então,sendo absolutamente idênticas, devem produzir osmesmos efeitos visuais: a percepção da imagem holográ-

fica em nada difere da percepção do objecto original,nas condições de iluminação em que se encontrava naaltura em que foi holografado.

Esta afirmação tem um alcance muito vasto. Quandoum objecto real é iluminado por uma onda luminosadifunde luz num leque de direcções mais ou menos alar-gado, consoante a sua textura superficial. Qualquerobservador que capte parte desta luz difundida é capazde criar uma imagem do objecto, segundo uma perspec-tiva que é função da geometria definida pela fonte deiluminação, objecto e espectador. Quando a posição doobservador se altera, a perspectiva criada é outra e, se oobjecto for tridimensional as características da imagemvariam igualmente. São aliás as pequenas diferençasentre as perspectivas recolhidas pelo olho direito e peloolho esquerdo (paralaxe) que garantem o funcionamentodos mecanismos de estereoscopia e suportam parte signi-ficativa da capacidade de visão tridimensional.

Quando se afirma que um holograma permite recons-truir integralmente a frente de onda difundida peloobjecto a holografar, está de facto a afirmar-se que rodarem torno de um holograma provoca sensações visuaisequivalentes a rodar em torno de um objecto real(Fig. 6). A frente de onda difractada tem toda a infor-mação necessária para recriar uma imagem completa doobjecto original e que se traduz por uma forma (atravésda configuração das superfícies de igual fase), e por con-trastes locais (que determinam a distribuição de amplitu-des sobre cada superfície de onda).

Em resumo: um. holograma é basicamente umamemória para famílias de frentes de onda. Obtém-sefazendo interferir a família de frentes de onda que sepretende memorizar com uma onda de referência eregistando uma secção plana do sistema de franjas de

Fig. 5 - O holograma é constituído pelas franjas mais finas visíveis na figura. As franjas de menor frequência resultam normalmente de reflexões in-ternas na própria placa holográfica ou de padrões de interferência e de difracção parasitas.

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Caixa 4 - DIFRACÇÃO

A difracção é um fenómeno que se explica unicamentecom base na teoria electromagnética da luz. Os fenómenosde difracção são todavia fáceis de observar e ocorrem sempreque algum obstáculo se opõe à livre propagação da luz. Oleitor já observou certamente uma lâmpada de ilumi-nação pública através da seda de um chapéu-de-chuvaaberto ou das cortinas de uma janela. Num e noutro caso,a luz emitida por uma fonte afastada - e que por isso sepode considerar quase pontal - passa através da rede du-plamente periódica do tecido, é difractada, captada peloolho e vai convergir na retina. O resultado visual é um sis-tema de pontos luminosos nos nós de uma quadrícula, nemtodos com a mesma intensidade e cuja orientação no es-paço se relaciona com a do próprio tecido (Fig. H).

Não é aqui o local indicado para explicar a função realdo sistema óptico visual na formação das figuras de di-fracção. Todavia, se se aceitar que um sistema óptico nãoacomodado foca na retina a imagem de objectos no infi-nito, isto é, trens de ondas planas, então a cada um dospontos luminosos da figura de difracção de uma trama rec-tangular está associada uma família de ondas planas quese propaga segundo uma direcção que lhe é específica.Daqui se conclui portanto que a difracção da luz pela tramarectangular se traduz através da constituição de múltiplasfamílias de ondas planas depois do objecto difractante,quando iluminado por uma única família de frentes deonda provenientes de uma fonte afastada. Este comporta-mento não é explicável pela óptica geométrica, que pre-viria a constituição de uma sombra geometricamente se-melhante ao objecto interposto entre a fonte e o observador(Fig. J).

Em condições de iluminação pré-definidas, cada objectotem uma figura de difracção característica. Objectos sim-ples tais como aberturas circulares ou poligonais, matrizesregulares de aberturas de forma arbitrária, redes lineares,etc., são objectos cujos espectros de difracção se podemgerar com alguma facilidade.

No processo de difracção, um objecto altera a forma dafrente de onda que o atravessa. As consequências desta al-teração dependem essencialmente da relação entre as di-mensões características do objecto difractante e o compri-mento de onda da radiação incidente. Quando este é muitomais pequeno do que aquelas, os efeitos de difracção nãosão facilmente perceptíveis; quando ambos são da mesmaordem de grandeza, abre-se um mundo de fenómenos deimportantes aplicações em óptica, nomeadamente em me-trologia e em holografia.

As simetrias do objecto difractante traduzem-se normal-mente em simetrias equivalentes do espectro difractado.Um objecto não periódico de estrutura complexa pode to-

Fig. J - Uma rede de difracção, de período a, dá origem a váriasordens de difracção que se propagam ao longo de direcções dife-rentes. A separação angular entre as várias ordens é tanto maiorquanto menor for a.

Fig. H - Espectro de difracção de uma trama quadrada.

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davia dar forma a uma onda não estruturada - uma ondaplana, por exemplo - e transformá-la numa onda de es-trutura arbitrariamente complexa. É o que se passa aliásna reconstrução de imagens holográficas. A figura de in-terferências registada no holograma é um objecto cuja trans-missão varia de ponto para ponto; esta verdadeira rede dedifracção pode alterar radicalmente a forma das superfíciesde onda do feixe de reconstrução, fazendo com que, apóspropagação, o campo luminoso associado ao objecto holo-grafado seja reconstruído.

Em óptica ondulatória, o modelo mais geométrico quepermite abordar o mecanismo da propagação da luz baseia--se no princípio de Huyghens. Cada ponto de uma super-fície de onda geométrica constitui a fonte de ondas esfé-ricas fictícias que se propagam com a mesma velocidadeda onda principal, e a envolvente de todas estas ondas fic-tícias permite obter a posição da onda principal, alguns ins-tante mais tarde (Fig. K). O princípio de Huyghens ex-plica porque razão as ondas esféricas e as ondas planas, porexemplo, mantêm a sua forma com a propagação. Permitetambém compreender que uma frente de onda parcial-mente bloqueada por um objecto (difractante) possa as-sumir formas complexas, que pouco têm a ver com a suaforma inicial.

Em óptica electromagnética, Fresnel generalizou o prin-cípio de Huyghens, substituindo as superfícies de onda geo-métricas por superfícies de igual fase, e a operação de en-volvente pela operação de sobreposição, isto é, de interfe-rências. Não é fácil todavia aplicar formalmente o princípiode propagação, nem prever de um modo expedito a formadas frentes de onda após propagação ou após difracção porum obstáculo.

Os mesmos princípios são, no essencial, válidos para ob-jectos bidimensionais e tridimensionais. Neste último casosurge o conceito de difracção em regime de Bragg, na qualse assume que o processo de interferências subjacente à pro-pagação só é construtivo para certas geometrias que satis-façam a chamada condição de Bragg. Tudo se passa comose as várias superfícies que estruturam o volume do holo-grama - e que representam superfícies de igual absorçãoou de igual índice de refracção - funcionassem como es-pelhos, as inúmeras ondas reflectidas (uma por superfície)interferissem, e esta interferência só fosse construtiva aolongo de determinadas direcções. Como a forma das su-perfícies no interior do volume da emulsão pode ser arbi-trária, a direcção ao longo da qual a interferência é cons-trutiva pode variar de ponto para ponto do holograma, parauma dada posição do observador. Pode-se pois afirmar queo objecto a holografar modula a forma do feixe objecto,a onda objecto modula a amplitude do feixe de referênciae que a onda de reconstrução, difractada pelo holograma,permite separar a moduladora da portadora.

Fig. L - Difracção em regime de Bragg. A interferência entre as com-ponentes “reflectidas” pelos vários planos (de iões, num cristal, oude igual índice de refracção para direcções bem definidas, só en-tão dando origem a feixes difractados).

Fig. K - Princípio de Huyghens.

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interferências que assim se constitui. A informação érecuperada - isto é, reconstrói-se a imagem holográ-fica - fazendo difractar a onda de referência pela redede difracção no interior da emulsão. É esta, em síntese,a física da holografia. Os detalhes associados à constru-ção e reconstrução de um holograma são inúmeros - oleitor encontrará alguns dos mais importantes no texto,outros nas caixas de apoio e a grande maioria na biblio-grafia.

A REALIZAÇÃO DE HOLOGRAMAS

Como se implementam os princípios descritos na sec-ção anterior? Para realizar um holograma são necessáriosum laser, alguns espelhos e lentes, um espelho parcial-mente reflector (logo também parcialmente transmissor),um material fotossensível e, obviamente, o objecto aholografar.

Foi já referida a necessidade de estabilizar o sistemade franjas de interferência durante a exposição do holo-grama. Isto significa, entre outras coisas, que a posiçãorelativa entre os vários elementos ópticos não podevariar. Exige-se assim rigidez aos suportes mecânicos, demodo a eliminar quaisquer movimentos (vibrações)durante o tempo necessário para que o filme acumule aenergia necessária. Utiliza-se pois uma base de grandemassa que efectivamente garanta o desacoplamentomecânico entre o exterior e a montagem holográfica.Quando não se dispõe de uma mesa com tais caracterís-ticas, é necessário utilizar amortecedores que, de algummodo, filtrem as frequências mais elevadas associadas aosruídos habituais em ambiente laboratorial (Fig. 7).

O mesmo laser deve ser fonte da onda de referênciae da onda objecto. Utiliza-se para tal um espelho par-cialmente reflector que permite obter dois feixes cujaintensidade relativa deve ser facilmente controlável. Umdos feixes, depois de eventualmente expandido por len-tes, vai iluminar o objecto. Este difunde e parte daradiação difundida propaga-se em direcção ao filmefotossensível que tem dimensões finitas: está criada aonda objecto. O outro feixe segue um percurso indepen-dente, e depois de expandido por uma lente, incidedirectamente na emulsão fotossensível: é o feixe de refe-rência. Como se viu já, na região de sobreposição entreos dois feixes forma-se um sistema de franjas de interfe-rências, do qual se regista uma secção plana (Fig. 8).

Alguns detalhes são todavia importantes na definiçãode toda a geometria. Em primeiro lugar, a diferençaentre os comprimentos dos dois ramos de um tal interfe-rómetro - contados a partir do espelho parcialmentereflector - não deve ser superior ao chamado compri-mento de coerência do laser; não existem com efeitofontes luminosas perfeitamente coerentes, isto é, comum comprimento de coerência infinito. Os lasers maispopulares de He-Ne têm um comprimento de coerênciada ordem da dezena de centímetros apenas. Comoregra, deve-se procurar que os dois ramos tenham com-primentos tão próximos quanto possível, embora estaregra possa ser difícil de satisfazer com objectos extensos.Uma das funções de alguns espelhos aparentemente inú-teis sobre uma mesa de holografia é precisamente essa(legenda da Fig. 8). Note-se que à medida que os com-primentos dos dois ramos se aproximam um do outro,se aumenta a probabilidade de fazer interferir partes domesmo trem de ondas na zona do filme.

Em segundo lugar, o ângulo médio entre os dois fei-xes não pode ser arbitrário e é função da resolução daemulsão fotossensível seleccionada - a definição desteângulo é outra das funções dos sistemas de espelhos.Com efeito a densidade de superfícies de interferência étanto maior quanto for o ângulo entre as ondas objectoe referência. Cada material tem uma resolução caracterís-tica: as emulsões de prata de cerca de 3000 linhas pormilímetro, os materiais foto-resistivos de cerca de 1000,

Fig. 6 - Imagem holográfica de um objecto tridimensional.

Fig. 7 - São visíveis na figura uma mesa de granito (4.5 toneladas) so-bre a qual se montam os sistemas ópticos. um maciço de betão bemcravado no chão do laboratório, e um dos seis amortecedores que de-sacoplam efectivamente a mesa das vibrações exteriores.

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Fig. 8 - Geometria de construção de hologramas.

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Fig. 9 - Geometria de reconstrução de hologramas.

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a gelatina dicromatada de cerca de 6000. Em hologra-mas delgados, quando ambos os feixes incidem domesmo lado da emulsão, o ângulo típico pode variarentre 20° e 50°; em hologramas em volume, quando osfeixes incidem em faces opostas do filme fotossensível, oângulo pode ser de 180°.

Em terceiro lugar, os dois feixes devem normalmenteter intensidades diferentes; numa emulsão à base deprata, por exemplo, a razão entre os feixes deve ser daordem de 3:1 a favor do feixe de referência. A razão deser de uma tal falta de equidade relaciona-se com a não--linearidade do suporte fotossensível. Em termos muitosimples, é útil garantir que o perfil da densidade deprata sólida na emulsão seja, tanto quanto possível,semelhante ao perfil da distribuição de energia electro-magnética no volume de interferências. Deste modoobtém-se uma imagem holográfica única e tão luminosaquanto possível. Este objectivo apenas justifica um dese-quilíbrio entre feixes, não o peso atribuído ao feixe dereferência. É ainda conveniente garantir que os feixesdifundidos por algumas partes do objecto não funcio-nem como feixes de referência para outras zonas doobjecto. O reforço do feixe de referência permite garan-tir que tal não acontece significativamente, isto é, queo chamado ruído de intermodulação é desprezável.

Finalmente, em quarto lugar, é importante nãoesquecer que um objecto pode despolarizar parcialmenteuma onda electromagnética e que só interferem ondascom uma componente de polarização comum. Este factopode justificar o reforço do feixe objecto para além doslimites anteriormente expostos. Um outro factor damesma ordem relaciona-se com a possível existência dezonas polidas no objecto, que funcionam como espelhose que, em muitos casos, não reflectem em direcção àplaca holográfica - e portanto essas zonas aparecemescuras na imagem - ou, pelo contrário, reflectemdirectamente para a placa e destróem a razão (média)entre as intensidades das ondas objecto e de referência.

Estas precauções são necessárias para a execução de umholograma. Quando tiverem sido também suficientespode iniciar-se a fase de reconstrução da imagem holo-gráfica: bloqueia-se o feixe objecto, posiciona-se o holo-grama já processado na mesma posição, iluminado pelofeixe de referência e... tudo se passa como se se visuali-zasse o objecto original através de uma janela de dimen-sões limitadas (Fig. 9).

Na realidade, a reconstrução da imagem holográfica ébem mais tolerante que a construção do holograma eadmite variações, com excepção de algumas das aplica-ções em metrologia. O holograma pode ser lido numagama muito extensa de posições. É verdade que a ima-gem holográfica deixa de ser idêntica à imagem doobjecto real, mas na maior parte dos casos as diferençasnão são perceptíveis. A cor do feixe de reconstruçãopode variar - a principal consequência é uma alteraçãodas dimensões da imagem, afectadas por um factor de

escala igual à razão entre os comprimentos de onda deconstrução e de reconstrução. No caso dos hologramasem volume, a reconstrução pode inclusivamente ser feitacom luz branca: os hologramas em volume comportam--se basicamente como cristais e, para uma dada direcçãode visualização, apenas são difractadas as componentesmonocromáticas que satisfazem a chamada condição deBragg. A imagem é vista com uma cor bem definida,variável com a posição do observador, para uma direcçãode iluminação dada.

Muitos factores podem contribuir para a luminosidadeda imagem, isto é, para a eficiência de difracção (dofeixe de reconstrução pelo holograma). No entanto, emtodas as situações em que a imagem se destina a ser“lida” pelo sistema visual humano, a eficiência de difrac-ção não será talvez a variável mais importante. A bandaespectral e a banda angular são, em muitos casos, carac-terísticas tão ou mais importantes do que a eficiência dedifracção. A banda espectral representa o intervalo decomprimentos de onda em que a difracção ocorre comeficiência suficiente; a banda angular traduz a tolerânciade posicionamento do holograma relativamente à geo-metria inicial. Estes dois conceitos são de facto muitoimportantes em hologramas em volume reconstruídoscom luz policromática.

APLICAÇÕES DA HOLOGRAPIA

A holografia permite o registo e a reconstrução defrentes de onda. Que se pode fazer com ela? Muitoresumidamente, as principais aplicações da holografiaencontram-se actualmente em sistemas de visualização,em metrologia óptica e no fabrico de elementos ópticosholográficos.

A visualização tridimensional terá talvez sido levadamais a sério pela escola soviética de holografia, queregistou em hologramas obras de arte, objectos de joa-lharia, etc., com uma qualidade e dimensões apreciáveis.Neste domínio utilizam-se normalmente hologramas visí-veis em luz branca e que actuam por reflexão. (Ver, nacapa desta revista, algumas perspectivas diferentes daimagem holográfica de um objecto tridimensional). Esteshologramas são feitos, por exemplo, em duas fases: aprimeira é convencional, e a imagem holográfica éreconstruída com luz laser - necessário sempre que oobjecto se encontre a alguma distância da película fotos-sensível. Na segunda fase faz-se um segundo hologramaem que se utiliza como frente de onda objecto a ondareconstruída pelo primeiro holograma e escolhendo umageometria que permita que o plano do segundo holo-grama intersecte a região do espaço onde se forma aimagem (real) do primeiro holograma (Fig. 10). Namaior parte dos casos, o segundo holograma actua porreflexão, o que permite a sua leitura com luz branca. Asimagens que assim se obtêm são normalmente irizadas e

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a cor varia com o ângulo de observação. É todavia possí-vel reduzir a saturação das cores observadas e obter ima-gens esbranquiçadas, controlando adequadamente o pro-cessamento químico.

As variantes do processo de formação de hologramaspara efeitos de visualização tridimensional são inúmeras.Surgiram recentemente os primeiros hologramas emcapas de livros, como elemento publicitário de efeitossurpreendentes. A reprodução em massa é aqui assegu-rada de um modo muito semelhante à cunhagem demoedas. Recorde-se que a figura de interferências regis-tada num holograma é responsável pela modulação espa-cial de uma das propriedades ópticas do suporte sensí-vel: absorção ou espessura óptica. Há duas maneiras demodular a espessura óptica: modulando o índice derefracção ou a espessura física da emulsão, isto é,criando um microrrelevo superficial que representa, àsua maneira, a distribuição da densidade de energiaelectromagnética na região de interferências. Considere--se pois este último caso: é possível depositar ummetal - tipicamente níquel - em quantidade sufi-ciente para construir um cunho manipulável. Este cunhotem um relevo complementar do holograma de base.Actuando sobre um material que se deixe cunhar, trans-ferindo por sua vez a figura de franjas de interferência,constitui-se um holograma que difracta a luz de ummodo muito semelhante ao holograma inicial.

Muitas especulações têm aparecido relativamente àtelevisão holográfica. Algumas experiências foram feitasmas os problemas persistem e são ainda basicamentedois. Em primeiro lugar, é necessário transmitir à fre-quência vídeo toda a informação necessária para repro-duzir o holograma num terminal de recepção. A largurade banda do sistema de transmissão deve ser gigantesca,pois um holograma contém muito mais informação doque uma simples cena bidimensional o que se com-

preende facilmente, por se tratar do registo não de umaúnica perspectiva mas de múltiplas perspectivas deobjectos tridimensionais. Em segundo lugar, o holo-grama deve ser reconstruído no posto de recepção, comum feixe luminoso adequado. Para além dos problemasrelativos ao ângulo de observação, é necessário umsuporte óptico com resolução suficiente para reproduziras delgadas e densamente distribuídas franjas de interfe-rência do holograma e que, além do mais, deve ser rees-crito cerca de trinta vezes por segundo. A tecnologia doscristais líquidos e de outros dispositivos electro-ópticosou magneto-ópticos não permite ainda a massificação detais equipamentos.

As utilizações da holografia em metrologia óptica têmsido estudadas intensivamente em condições laborato-riais. O atraso no desenvolvimento de suportes fotossen-siveis adequados - isto é, dispensando o tratamentoquímico e permitindo o acesso à informação em temporeal - é o principal responsável pela difícil introduçãodestas técnicas em meios industriais. Neste tipo de apli-cações, o holograma funciona de facto como umamemória para uma família de frentes de onda de refe-rência num contexto de situações interferométricas. Eminterferometria tradicional, as frentes de onda de refe-rência são tipicamente planas ou esféricas, e são feitasinterferir com ondas apenas ligeiramente diferentes. Eminterferometria holográfica, uma frente de onda arbitra-riamente complexa, registada holograficamente, podeconstituir a onda de referência e ser comparada comuma nova frente de onda. Por exemplo: pretende-semedir a deformação de um objecto corn a temperaturaou uma tensão aplicada. As frentes de onda associadasao objecto não perturbado podem ser registadas numholograma. Este holograma, depois de processado e colo-cada na posição original, permite obter uma imagemholográfica que se encontra exactamente na posição doobjecto. Se o objecto real for também iluminado, oobservador vê simultaneamente o objecto real e a ima-gem holográfica, captando duas famílias de frentes deonda que são coerentes entre si e que, portanto, interfe-rem. Se qualquer perturbação térmica ou mecânica afec-tar o objecto, a sua forma altera-se e a geometria dasfrentes de onda por ele difractadas varia. Surgem entãofranjas que traduzem essa variação e que se podem rela-cionar, embora nem sempre de um modo muito directo,com a deformação sofrida (Fig. 11).

O fabrico de elementos ópticos holográficos (EOH) étalvez uma das aplicações tecnologicamente mais promis-soras da holagrafia. Os EOHs são, por exemplo, espe-lhos ou lentes em que as relações de conjugação não sãodeterminadas pela equação dos planos conjugados massim pela geometria de construção de um holograma. Éassim possível, por exemplo, construir um espelho holo-gráfico em que o ângulo de reflexão não é igual aoângulo de incidência. O princípio de reflexão nos EOHsé a difracção, o que significa que a selectividade espec-

Fig. 10 - Cópia de hologramas. O feixe objecto do holograma cópiaé a imagem real gerada pelo primeiro holograma.

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tral tipica da difracção em volume se aplica a este tipode elementos ópticos. Assim, um espelho holográficopode reflectir eficientemente numa janela espectralmuito reduzida mas ser completamente transparentepoucos nanómetros ao lado. Constituem-se assim EOHssintonizáveis e particularmente eficientes. Os espelhosholográficos constroem-se com base em hologramas emvolume; as frentes de onda que se fazem interferir sãonormalmente planas ou esféricas tal como a onda dereconstrução (Fig. 12). Os EOHs têm tido aplicação nofabrico de dispositivos que permitem fundir imagensdistintas no mesmo canal de visão (“head up displays”):é o caso de um piloto (de avião ou de automóvel) que,sem desviar a vista do exterior, tem interesse em visuali-zar a informação escrita em ecrãs vídeo estrategicamentecolocados, utilizando a fosforescência no verde, porexemplo. Com um espelho holográfico que reflicta efi-cientemente a luz verde e que seja transparente no restodo espectro, não bloqueando portanto a visão do exte-rior, o piloto consegue visualizar simultaneamente todosos elementos de informação de que necessita. Um talespelho pode ainda possuir potência óptica, isto é, fun-cionar como lente para uma certa gama de comprimen-tos de onda. As imagens escritas nos ecrãs podem assimser colocadas no infinito, libertando o piloto da necessi-dade de exercitar intensamente o seu mecanismo de aco-modação visual, nem sempre tão rápido quanto as velo-cidades elevadas do veículo o deveriam exigir.

PERSPECTIVAS FUTURAS

É talvez no domínio dos materiais holográficos que seirão registar progressos mais significativos neste fim demilénio. A perspectiva que hoje se começa a desenharnitidamente é a de uma holografia dinâmica, em oposi-ção a uma holografia estática. Que novo conceito é este?

Em qualquer processo de registo da energia luminosacria-se uma imagem latente da distribuição de energiaelectromagnética, que se transforma, após processa-mento, num campo de variação de uma das proprieda-des físicas (macroscópicas) do meio de registo. O proces-samento químico reveste pois a forma de um mecanismode amplificação que permite a leitura do holograma porum feixe de reconstrução. Esta amplificação tem umcusto temporal significativo e tem sido responsável pela li-mitação da holografia a objectos estáticos ou a sequên-cia de objectos estáticos.

Será sempre necessário amplificar a imagem latente?Não existirão materiais ópticos em que a imagem latenterepresente ela própria uma modulação suficiente doíndice de refracção do material, por exemplo, e difrac-tem com eficiência um feixe de reconstrução?

Nos últimos anos têm sido estudados numerososmateriais ferroeléctricos, desprovidos de centro de sime-tria, cujo índice de refracção varia de um modo propor-

Fig. 11 - Interferograma holográfico em tempo médio. Durante a ex-posição, a membrana vibra com uma frequência de cerca de 2 kHz.Nos nodos de vibração da membrana o objecto é estável e a imagemholográfica é brilhante. Nos pontos em que a amplitude de vibraçãodo objecto é máxima (ventres) surgem franjas escuras. (Holograma efotografia realizadas por J. C. Pereira Ferreira L. M. Monteiro Lopes).

Fig. 12 - Espelho holográfico. Comporta-se como um espelho planomas é selectivo do ponto de vista espectral. Perante um feixe inci-dente de luz branca, a componente verde é inteiramente reflectida ea componente com a cor complementar (vermelho) é inteiramentetransmitida.

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cional ao campo eléctrico aplicado. Nestes materiais,também designados por cristais foto-refractivos - doisexemplos são o BaTiO3 e o LiNbO3 - as cargas eléctri-cas assumem novas posições de equilíbrio estáveis que,de algum modo, memorizam o campo eléctrico apli-cado. À nova distribuição de cargas corresponde umnovo campo de índices de refracção, o que se traduznuma variação das propriedades de transmissão do cris-tal. Para registar um holograma num cristal foto--refractivo é necessário realizar o acoplamento entre qua-tro ondas: as ondas objecto e referência, a onda dereconstrução e a onda difractada - daí a expressão “fourwave mixing” normalmente associada a este processo. Aspossibilidades abertas por esta forma de holografia dinâ-mica são inúmeras, mas talvez se venham a intensificarno domínio da filtragem ou, de um modo mais geral,em aplicações de computação óptica. Muitas operaçõessão com efeito implementáveis através de filtros de fasecolocados em planos especiais de um processador óptico.Ao nível de reconhecimento automático de objectos em

cenas bi ou tridimensionais, as vantagens deste filtrospodem ser diversas. Note-se que as técnicas de “fourwave mixing” deslocam os problemas para outra área: deque modo traduzir num sistema de franjas de interfe-rências, gerado por um número finito de feixes, a infor-mação desejada? As técnicas de modulação da forma dasfrentes de onda não são ainda banais, e a simulaçãorápida dos efeitos de difracção devida aos própriosmoduladores - que afectam seguramente a geometriadas franjas - não é ainda hoje fácil.

Uma outra área de evolução será seguramente a dasmemórias ópticas reutilizáveis, para aplicações digitais.Importa com efeito encontrar meios passíveis de acumu-lar quantidades significativas de informação para utilizarcomo memórias de massa, desde que o utilizador possa,com rapidez, alterar o seu conteúdo. Os materiaismagneto-ópticos surgem actualmente como os mais pro-missores, embora as exigências de reutilização continuema levantar problemas. Refira-se que os materiaismagneto-ópticos, com os quais se têm realizado protóti-pos de discos ópticos, têm sido sujeitos a gravações pon-tuais com feixes laser devidamente focados - não tempois estado em causa a utilização da codificação holográ-fica da informação tridimensional, pressuposto para oregisto não de dados digitais mas sim de cenas tridimen-sionais, de bibliotecas de objectos ou de ambientes. Estedeverá pois ser um domínio de desenvolvimento futuro.

Foquei aqui essencialmente algumas evoluções (deseja-das!) que deverão vir a ocorrer no domínio dos meios deregisto holográfico. A experiência tem mostrado que asaplicações se desenvolvem sempre mais rapidamente queprevisto. A holografia não se caracteriza apenas por per-mitir o registo tridimensional da informação: é tambémum registo de alta resolução e foi esta característica quedeterminou a sua utilização em câmaras de bolhas noCERN, para registar trajectórias de diâmetro muito redu-zido e de importância teórica fundamental. Será todaviaatravés dos seus aspectos mais espectaculares que a holo-grafia sairá para fora dos laboratórios, embora não sejaplausível vê-la transformada, a curto prazo, numa activi-dade tão banal como a fotografia.

O autor agradece ao Professor Moreira Araújo os comentários muito úteis com os quais contribuiu para este texto.

AGRADECIMENTOS

Geral

E. Hecht, Optics, (Addison Wesley 1987, Fundação Calouste Gulbenkian,1989, no prelo)

Sobre HOLOGRAFIA

R. Collier, C. Burckhardt, L. Lin, “Optical Holography”. Academic Press.1971

H. J. Caufield, “Handbook of Optical Holography”, Academic Press, 1979

H. M. Smith, “Holographic Recording Materials”, Springer Verlag, 1977

M. Wenyon, “Understanding Holography”, David & Charles, 1978

J. Kasper. S. Feller, “The Complete Book of holograms - how they workand how to make them”, J. Wiley, 1987

Sobre O LASERJosé Salcedo, “Os Lasers”, Colóquio/Ciências nº 1, Fevereiro de 1988(ver Bibliografia referida neste artigo)

SUGESTÕES DE LEITURA

Em Portugal têm-se desenvolvido actividades em holo-grafia no Laboratório de Física da Universidade do Porto(Prof. O. Soares) e no grupo de Óptica do LaboratórioNacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, LNETI(o autor).

O grupo da Universidade do Porto tem desenvolvidoaplicações em metrologia óptica, utilizando técnicas de ho-lografia interferométrica - dupla exposição, tempomédio - com aquisição automática dos sistemas de franjase respectivo processamento, em aplicações de ensaios in-dustriais e em biomedicina; utiliza ainda holografia elec-trónica Moiré para detecção de deformações térmicas, defissuras e de fracturas em materiais biomédicos e industriais.

O grupo do LNETI tem-se dedicado principalmente aodesenvolvimento de hologramas em gelatina dicromatada,nomeadamente de espelhos e de lentes holográficas, in-cluindo alguns esforços na compreensão de aspectos teó-ricos ligados à estrutura destes materiais. Em colaboraçãocom a EID - Empresa de Investigação e Desenvolvimentoem Electrónica, realizou alguns trabalhos na área daduplicação de hologramas em suportes não convencio-nais - polímeros e níquel. Durante o ano de 1988, ad-quiriu alguma experiência em holografia interferomé-trica - técnica de tempo médio. Em 1989, a aquisição deum laser de corantes permitirá reforçar a componente demetrologia óptica.

Caixa 5 - A HOLOGRAFIA EM PORTUGAL