Horizontes

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1 Horizontes da leitura 1 Ester Maria Dreher Heuser Janete Marcia do Nascimento Luciana Alves Pinto Michelle Silvestre Cabral Na medida em que a leitura é para nós a iniciadora cujas chaves mágicas abrem no fundo de nós mesmos a porta das moradas onde não saberíamos penetrar, seu papel na nossa vida é salutar. Proust. Leitura O que é ler? Como se lê? De onde se começa uma leitura? Como se escolhe algo a ser lido? Desde quando começamos a ler? Em que momento se pode afirmar que aprendemos a ler? Até quando se pode ler? O que se pode ler? Quais são os horizontes de uma leitura? Como se criam possibilidades e limites de leitura? Manguel 2 comenta sobre o que o ensaísta canadense Stan Persky disse-lhe, uma vez: “para os leitores, deve haver um milhão de autobiografias”, pois parece que cada leitor encontra, livro após livro, os traços de sua vida. O referido autor sugere ainda que, segundo Virginia Woolf 3 , “anotar as impressões que temos de Hamlet à medida que o lemos, ano após ano, seria praticamente registrar nossa autobiografia, pois quanto mais sabemos da vida, mais Shakespeare faz comentários sobre o que sabemos”. E assim, cada leitura torna-se única para cada sujeito leitor a cada forma de ler. A cada recomeço. Desses horizontes, ocupar-se-ão as páginas seguintes, buscando criar possibilidades de leitura. Intensidades desse ato tão singular. A leitura e seus horizontes. Das possibilidades de ler - Artifícios I - Leitura alfabética - Decodificação Alfabetizar é somente ensinar a ler? Existem muitas teorias/métodos sobre como se desenvolve a leitura. Segundo o princípio da síntese, se aprende inicialmente, a ler as letras do alfabeto; depois unimos as letras e formamos as sílabas; juntando estas, aparecem as palavras. Será isso mesmo? Como se dá esse processo? 1 Oficina a ser desenvolvida com turmas de 1°s e 4°s Anos Anos Iniciais/Ensino Fundamental na Escola André Zenere, no ano de 2012, pelas professoras /pesquisadoras Janete Marcia do Nascimento, Luciana Alves Pinto e Michelle Silvestre Cabral. 2 MANGUEL, 2002, p.23. 3 WOOLF apud ibidem.

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Horizontes da leitura1

Ester Maria Dreher Heuser

Janete Marcia do Nascimento

Luciana Alves Pinto

Michelle Silvestre Cabral

Na medida em que a leitura é para nós a iniciadora cujas chaves

mágicas abrem no fundo de nós mesmos a porta das moradas onde

não saberíamos penetrar, seu papel na nossa vida é salutar.

Proust.

Leitura

O que é ler? Como se lê? De onde se começa uma leitura? Como se escolhe algo a

ser lido? Desde quando começamos a ler? Em que momento se pode afirmar que aprendemos

a ler? Até quando se pode ler? O que se pode ler? Quais são os horizontes de uma leitura?

Como se criam possibilidades e limites de leitura? Manguel2 comenta sobre o que o ensaísta

canadense Stan Persky disse-lhe, uma vez: “para os leitores, deve haver um milhão de

autobiografias”, pois parece que cada leitor encontra, livro após livro, os traços de sua vida. O

referido autor sugere ainda que, segundo Virginia Woolf3, “anotar as impressões que temos de

Hamlet à medida que o lemos, ano após ano, seria praticamente registrar nossa autobiografia,

pois quanto mais sabemos da vida, mais Shakespeare faz comentários sobre o que sabemos”.

E assim, cada leitura torna-se única para cada sujeito leitor a cada forma de ler. A cada

recomeço. Desses horizontes, ocupar-se-ão as páginas seguintes, buscando criar

possibilidades de leitura. Intensidades desse ato tão singular. A leitura e seus horizontes.

Das possibilidades de ler - Artifícios

I - Leitura alfabética - Decodificação

Alfabetizar é somente ensinar a ler? Existem muitas teorias/métodos sobre como

se desenvolve a leitura. Segundo o princípio da síntese, se aprende inicialmente, a ler as letras

do alfabeto; depois unimos as letras e formamos as sílabas; juntando estas, aparecem as

palavras. Será isso mesmo? Como se dá esse processo?

1 Oficina a ser desenvolvida com turmas de 1°s e 4°s Anos – Anos Iniciais/Ensino Fundamental na Escola André

Zenere, no ano de 2012, pelas professoras /pesquisadoras Janete Marcia do Nascimento, Luciana Alves Pinto e

Michelle Silvestre Cabral. 2 MANGUEL, 2002, p.23.

3 WOOLF apud ibidem.

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2

O sistema de escrita alfabético e as convenções para o seu uso fundamentam um

conjunto de técnicas inventadas e aprimoradas pela humanidade ao longo da história: desde os

desenhos nas cavernas, até a descoberta de que, em vez de desenhar aquilo que se fala,

podiam ser representados os sons da fala por sinais gráficos, criando, por meio de tais

práticas, o sistema alfabético.

Dispositivos/Leituras - Produções:

1 - Leitura: Gente tem sobrenome4 e/ou Marcelo, Marmelo, Martelo

5.

Plano de conversação (sugestões)6: De onde provêm os nomes? / Os nomes são

inventados ou encontrados pelos homens? / Poderíamos mudar os nomes das coisas? /

Qual a relação entre os nomes e as coisas que eles nomeiam? / Será que sempre

existiram os nomes e as palavras? / Será que toda a linguagem foi inventada ou

encontrada pelos homens? / Se foram as pessoas que inventaram a linguagem, isso

significa que pessoas que não tinham linguagem puderam inventá-la?

1.1 - Produção: Anagrama7 – Inventar palavras e/ou frases utilizando apenas as letras de

seu nome, aleatoriamente ordenadas. Esta atividade contém a potencialidade da (re)

invenção dos signos, desvelando e instigando forças criativas que podem (ou não) envolver

os participantes.

2 - Leitura: Aventura da escrita - História do desenho que virou letra8.

2.1 - Propor o registro de mensagens/informações através de desenhos individuais (sem

palavras). Pode-se utilizar giz de cera escuro e papel craft amassado para simular os

desenhos nas paredes das cavernas. Após o registro, os desenhos podem ser apresentados

ao grupo, que realizará a interpretação das mensagens.

2.2 - Propor a invenção de códigos/símbolos que substituam as letras do alfabeto, os quais

podem ser utilizados para transmissão de mensagens aos outros participantes. Em seguida,

com o auxílio da legenda, o grupo faz a interpretação das mesmas. Esta atividade pode

4 TOQUINHO; ANDREATO, 1987.

5 ROCHA, 2007.

6 O plano de conversação pode servir de apoio e/ou orientação ao diálogo investigativo. Outra opção seria pedir

aos próprios participantes que façam perguntas ao texto, as quais serviriam ao mesmo objetivo, mas com a

vantagem de proporcionar, mais facilmente, o envolvimento e comprometimento dos mesmos, na medida em

que, enquanto autores dos questionamentos, expressariam diretamente seus interesses e disposições para com o

tema. 7 A palavra anagrama, do grego ana = voltar ou repetir + grama = graphein = escrever.

8 ZATZ, 1991.

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3

ampliar/complexificar a dimensão da linguagem, estimulando a criatividade dos

participantes.

3 - Leitura: Nicolau teve uma ideia9.

Plano de conversação (sugestões)10

: Podemos pensar em alguma coisa para a qual

não existe uma palavra? O que, por exemplo? / Podemos inventar uma palavra?

Qual? / Se usarmos a palavra que inventamos numa frase, a frase faz sentido? /

Qualquer pessoa pode ler a frase e saber o que ela significa? / O que veio primeiro: o

pensamento ou a palavra? / Nós inventamos pensamentos? / Nós inventamos

palavras? / Quando pensamos, pensamos com palavras?/ Para criar algo é

necessário pensar?

3.1 - Propor a utilização de peças/sucatas na criação/transformação de algo novo (objeto,

símbolo, utensílio, etc.). Depois de prontos, expor as criações aos participantes que devem

escolher o objeto que mais lhe despertou interesse (de preferência, outro que não o seu

próprio). Pedir que criem um título/nome para o objeto selecionado e, em seguida,

apresente aos outros as razões que o levaram a tal criação. Pode ser interessante, ainda,

propor um diálogo entre o autor do objeto e o autor do título/nome ressaltando a

multiplicidade de relações possíveis de ser instauradas a partir da experiência.

II - Leitura interpretativa

O ato de ler, pensado enquanto atividade que envolve processos como percepção,

memória, inferência e dedução, pode ser instaurado diante de diferentes/múltiplos tipos de

objetos, implicando descoberta e produção de significados11

. Segundo Barthes12

, "Abrir o

texto, propor o sistema de sua leitura, não é apenas pedir e mostrar que podemos interpretá-lo

livremente; é principalmente, e muito mais radicalmente, levar a reconhecer que não há

verdade objetiva ou subjetiva da leitura, mas apenas verdade lúdica". Neste sentido ainda,

afirma que:

9 ROCHA, 1998.

10 Este plano de conversação foi inspirado na obra de Lipman (1997b, p.153-154).

11 Num contraponto com Corazza (2011) interpretando Deleuze, ler poderia ser entendido aqui como traduzir,

no sentido de ato que permite distinguir entre a descoberta de algo já existente e a invenção do novo, pois a

interpretação nunca é meramente descoberta do igual, cópia do original, mas a possibilidade mesma da produção

da diferença no mesmo. 12

BARTHES, 2004, p.29.

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4

Por certo há uma origem da leitura gráfica: é o aprendizado das letras, das palavras

escritas; mas, por um lado, há leituras sem aprendizagem (as imagens) - pelo menos

sem aprendizagem técnica, senão cultural -, e, por outro, adquirida essa tékhne, não

se sabe onde parar a profundeza e a dispersão da leitura: na captação de um sentido?

Que sentido? Denotado? Conotado? 13

Para Alves, toda aprendizagem começa com um pedido:

Tudo começa quando a criança fica fascinada com as coisas maravilhosas que

moram dentro do livro. Não são as letras, as sílabas e as palavras que fascinam. É a

estória. A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras: quando

alguém lê e a criança escuta com prazer (...) se volta para aqueles sinais misteriosos

chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los – porque eles são a chave que

abre o mundo das delícias que moram no livro14

.

Dispositivos/Leituras - Produções:

1 - Leitura: Luas e luas15

.

Plano de conversação (sugestões): Se conseguimos falar uma palavra que está escrita

em outra língua, isso é uma leitura? Mesmo não sabendo o significado da palavra? /

Seria correto dizer que ler é tentar encontrar significado no que está escrito, ou seria

melhor dizer que ler é criar significado para o que está escrito? / Ler e interpretar

são atos diferentes? Por que?

1.1 - Pedir que cada participante represente através de um desenho algum fato ou

acontecimento (real ou fictício). Após o desenho feito, entregar para um colega que deverá

ler o que o outro desenhou. Estimular o diálogo sobre as possíveis distinções e/ou

similitudes de interpretação entre aquele que elaborou o texto e aquele(s) que o

interpretaram.

2 - Leituras (livros sem texto): As aventuras de Bambolina16

; gibis/tirinhas diversas; curtra-

metragem mudo - sugestão: The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore17

.

Plano de conversação18

(sugestões): Ao olhar o relógio para descobrir que horas são,

realizamos uma leitura do relógio? / Quando o tempo está meio incerto, olhamos para

o céu para saber se iremos levar ou não o guarda-chuva. Isso é uma leitura do

13

Idem, p.32. 14

ALVES, 2001. 15

THURBER, 2006. 16

IACOCCA, 2006 17

MOONBOT STUDIOS, 2011. 18

Este plano de conversação foi inspirado na obra de Wonsovicz (1998, p.54-58).

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5

tempo? / Quando olhamos histórias em quadrinhos sem texto, lemos o que acontece

com os personagens dos quadrinhos?

2.1 - Produção de livro artesanal apenas com imagens/desenhos dos participantes (sem

texto).

2.2 - Sugerir produções textuais (individuais ou coletivas) a partir de textos de imagens. As

produções podem ser apresentadas e lidas em conjunto pelos participantes, permitindo,

assim, contrapor as diferentes criações elaboradas. Além do exercício interpretativo que tal

atividade proporcionará, servirá, também, de estímulo ao diálogo e reflexão sobre a gênese

do significado de um texto.

3 - Leitura: Isto não é19

; vídeo A aranha, o grilo e o jacaré20

.

3.1 – Propor a investigação sobre os elementos implicados no ato de criação21

como, por

exemplo, originalidade, exclusividade, diferença, novidade, entre outros. A atividade se

inicia sugerindo aos participantes que tentem representar, por meio de mímica, diferentes

maneiras de realizar atos cotidianos. Isto exigirá o exercício da criatividade, podendo

servir, ainda, como impulso ao desenvolvimento da investigação. É importante frisar a

necessidade de, após cada representação, se apresentar razões que justifiquem o caráter de

novidade atribuído ao ato22

.

Sugestões de atos a serem representados: Um modo diferente de se sentar. / Um modo

diferente de caminhar. / Um modo diferente de cantar. / Um modo diferente de

cumprimentar alguém. / Um modo diferente de estudar. / Um modo diferente de

escrever.

Plano de conversação (sugestões): Para que uma pessoa crie uma coisa, é necessário

imaginar? / Para que uma pessoa crie uma coisa, é necessário planejar? / Para que se

crie uma coisa a partir de outra é preciso ler? / O que é necessário para a criação? /

Quando alguém cria alguma coisa, essa coisa lhe pertence? / Para que uma coisa que

tenhamos criado seja criativa, é necessário que ela seja diferente?

19

MAGALLANES, 2008. 20

Episódio do Programa Lá vem história da TV Cultura. 21

A proposta desta atividade é ressaltar o vínculo existente entre leitura, interpretação e o conceito de criação.

Tal relação fundamenta-se, sobretudo, a partir da concepção de leitura como ato de tradução (Apud CORAZZA,

2011). 22

Esta atividade e o plano de conversação foram inspirados na obra de Aspis (2001, p.40-42).

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6

4 - Leitura (livro sem texto): A Bruxinha e o Godofredo23

.

4.1 - Solicitar aos participantes que saiam da sala em que se encontram e façam a leitura do

que alguma pessoa esteja fazendo (alguém que se encontre fora da sala: no pátio, rua,

saguão, etc.). Ao retornarem, peça que relatem o que leram.

4.2 - Pedir que um participante faça a leitura do tempo olhando pela janela.

III - Leituras artísticas

Existem diversas interpretações de uma obra de arte, existem, ainda, diversas

possibilidades de novas leituras dessa obra. Ler não é meramente reproduzir. Num paralelo

entre o conceito deleuziano de repetição24

e os conceitos de tradução25

e de leitura, propõe-se

reverter a associação tradicional entre estes e os conceitos de cópia, equivalência ou

semelhança. Ler, deste modo, não se vincula ao ato de imitação do mesmo, mas à criação do

novo, a processos de pensamento que permitem o surgimento da novidade, da singularidade.

Neste sentido, interpretar aquilo que se vê consistiria em exercitar a criatividade. Ler ou,

poder-se-ia dizer, traduzir é criar algo novo que mantém um elo com a fonte que serviu de

inspiração. Conforme Corazza26

: "a tradução 'não consiste na assimilação do outro a si

mesmo, mas uma aproximação da distância, uma transposição de uma cultura estrangeira

através dos expedientes da escritura que transforma, por assim dizer, a primeira, já que a

tradução não é cópia, mas modificação do original".

Dispositivos/Leituras - Produções:

1 - Leituras27

: Érica e os girassóis, Érica e os impressionistas e Érica e a Monalisa28

.

Plano de conversação (sugestões): Quem fez um desenho ou uma pintura, expressa

sentimentos através de seu desenho? / Quando você observa uma pintura ou

ilustração, você a lê? / Você pode ler o rosto de uma pessoa e perceber o que a

pessoa está sentindo? / Várias pessoas podem fazer leituras diferentes de uma

pintura? E de uma história? E de um filme?

23

FURNARI, 1983. 24

DELEUZE, 1988. 25

Tal conceito remete ao universo semântico das teorias da tradução literária no Brasil, que lidam com a ideia de

tradução como um processo criador, conforme apresentado por Corazza (2001, p.59-62). 26

CORAZZA, 2011, p.63. 27

Uma opção para os textos sugeridos seria realizar visita virtual no museus através do Art Project desenvolvido

pelo Google. Disponível em: <http://www.googleartproject.com/pt/>. 28

MAYHEW, 2001a, 2001b, 2001c.

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7

1.1 - Pedir aos participantes que desenhem o seu rosto, podendo para tanto apenas apalpar

a face.

1.2 - Providenciar um espelho para cada participante e pedir que cada um desenhe sua

imagem baseada no reflexo que observa.

1.3 - Solicitar que seja feito o registro, em forma escrita, das sensações, ideias, percepções

e interpretações desencadeadas a partir das diferentes atividades.

2 - Leituras: Dos pés à cabeça e Cores29

.

2.1 - Observação e descrição de objetos, sensações e emoções a partir de imagens,

fotografias, expressões faciais, obras de arte, etc. Solicitar o registro escrito das descrições

(pode-se variar os estilos: narrativos, dissertativos, poéticos, etc.).

3 - Leituras: Para olhar e olhar de novo30

e Diário das invenções: Leonardo Da Vinci31

.

3.1 - A partir da leitura e observação das imagens e dos textos, propor atividades que

estimulem a criação/invenção de novos sentidos e impressões para diferentes imagens.

Exemplos:

Leitura de algumas imagens ou invenções apresentadas nos textos a partir das

impressões que estas causaram aos observadores. Podem ser realizadas sobre base

textual ou artística. Disponibilizar materiais suficientes (tintas, pincéis, papéis,

lápis, etc.) para que os participantes possam escolher como expressar suas

impressões.

Técnica de pintura da própria imagem produzida a partir dos seguintes passos: 1-

Fotografar e imprimir a foto do busto (frente ou perfil) de cada participante; 2 -

Sobre uma folha de transparência, realizar o contorno da foto (rosto, boca, nariz,

orelhas, etc.) com pincel atômico; 3 - Projetar a imagem em cartolina fixada

previamente na parede e contornar com lápis grafite; 4 - Realizar a pintura da

imagem.

29

HOUBLON, 2005a e 2005b. 30

POUGY, 2005. 31

BARK; LAWRENCE, 2009.

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8

Das formas de aprender a ler

Todo o percurso desta oficina leva à constatação da insuficiência de qualquer

teorização fixa e acabada sobre a leitura. Mesmo definições em termos de formas ou de

objetos possíveis/passíveis de serem lidos, acabam sempre em formulações relativas,

incompletas e provisórias. De acordo com Barthes32

,

No campo da leitura não há pertinência de objetos: (...) leio textos, imagens,

cidades, rostos, gestos, cenas, etc. Esses objetos são tão variados que não posso

unificá-los sob nenhuma categoria substancial, nem mesmo formal; apenas posso

encontrar neles uma unidade intencional: o objeto que eu leio é fundado apenas pela

minha intenção de ler; ele é simplesmente: para ler, legendum.

Neste sentido, evidencia-se uma infinidade contextual que circunda a leitura que

não é da ordem do acabamento nem da demarcação. Conforme ainda Barthes33

, embora esta

sempre ocorra no interior de uma estrutura (não há leitura "natural", "selvagem"), sempre a

perverte, pois não lhe fica submissa. Afinal, o ato de ler implica um movimento, uma atuação

do leitor que não apenas "decodifica, [mas] sobrecodifica; não decifra, produz, amontoa

linguagens, deixa-se infinita e incansavelmente atravessar por elas: ele é essa travessia"34

.

Assim, pois, como também em Sartre35

, “o objeto literário é um estranho pião, que só existe

em movimento”, de modo que a potência criadora somente se instaura no momento em que o

leitor se debruça sobre a obra. Para Sarte, produzir se diferencia de criar: o escritor apenas

produz a obra, enquanto o movimento da criação se concretiza a partir da consciência

imaginante do leitor.

Somando-se ao que acima foi exposto, propomos como impulso movente ao

pensar sobre a leitura alguns questionamentos de Corazza36

, "E nós? Criamos quando lemos e

escrevemos? Como? De que maneira? Sob quais circunstâncias? Quando? Onde? Por que?"

Dispositivos/Leituras - Produções:

1 - Leituras: Texto fictício de como Tarzan aprendeu a ler37

, O menino que aprendeu a ver38

e

Jonas e as cores39

.

32

BARTHES, 2004, p.32. 33

Idem, p.33. 34

Idem, p.41. 35

SARTRE, 2004, p.35. Embora Sartre esteja se referindo unicamente à obra literária, parece-nos possível

realizar um paralelo entre este tipo de leitura e aquele no qual propomos pensar aqui (leitura como tradução)

possível de se realizar em relação a todo e qualquer objeto estético. 36

CORAZZA, 2011, p.40. 37

MARTINS, 2003.

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9

1.1 - Produção escrita (texto fictício): como um personagem (a ser escolhido pelo

participante) aprendeu a ler. A invenção do texto deve se orientar pelos seguintes

questionamentos: Quais as condições possíveis para a leitura? / Em que condições

acontece a leitura? / Como e quando surgem os leitores? / Qual a relação do leitor com o

escritor? / É possível tornar-se escritor, sem antes experimentar a leitura?

2 - Leitura: Relato autobiográfico de como Sartre40

aprendeu a ler.

2.1 - Produção escrita (texto verídico): como cada participante aprendeu a ler. O texto deve

orientar-se pelos seguintes questionamentos: O que está implicado no ato de ler? / Como ler?/

Por que ler? / Quando ler?

Referências

A ARANHA, O GRILO E O JACARÉ. Produção: TV Cultura. Programa: Lá vem história.

Intérprete: Bia Bedran. São Paulo: TV Cultura, 1995/1996. Disponível em:

<http://www.youtube.com/watch?v=xfv4U0V2PCk&feature=relmfu>. Acesso em:

08/04/2012.

ASPIS, Renata Pereira Lima. Histórias das ideias do zé: Livro de orientação para professores.

São Paulo: Callis, 2001.

ALVES, Rubem. /O prazer da leitura. /Correio Popular, Campinas, 19/07/2001. / Caderno C.

BARK, Jaspre; LAWRENCE, David. Diário das Invenções: Leonardo Da Vinci. São Paulo:

Ciranda Cultural, 2009.

BARTHES, Roland. O rumor da língua. Prefácio de Leyla Perrone-Moisés. (Trad. Mario

Laranjeira.) - 2. ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2004. (Coleção Roland Barthes)

BERLIM, Regina. Jonas e as cores. Ilustrações de Taísa Borges. São Paulo: Peirópolis, 2006.

CORAZZA, Sandra Mara. "Notas". In: HEUSER, Ester Maria Dreher (org.). Caderno de

Notas 1: projeto, notas & ressonâncias. Cuiabá: EdUFMT, 2011.

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. (Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado.) Rio de

Janeiro: Graal, 1988.

FURNARI, Eva. A Bruxinha e o Gregório. Ilustrações da autora. São Paulo: Ática, 1983.

38

ROCHA, 1998. 39

BERLIN, 2006. 40

SARTRE, 1970.

Page 10: Horizontes

10

HOUBLON, Marie. Cores. Coordenação de imagem Maria do Céu Pires Passuello. (Trad.

Equipe Editorial Companhia Editora Nacional.) São Paulo: Companhia Editora Nacional,

2005a.

______. Dos pés à cabeça. Coordenação de imagem Maria do Céu Pires Passuello. (Trad.

Equipe Editorial Companhia Editora Nacional.) São Paulo: Companhia Editora Nacional,

2005b.

IACOCCA, Michele. Bambolina: (livro de imagem). São Paulo: Ática, 2006.

LIPMAN, Matthew. Issao e Guga: manual do professor “maravilhando-se com o mundo”.

(Trad. Ana Luiza Fernandes Falcone e Sylvia J. H. Mandel.) - 2. ed. - São Paulo: Difusão de

Educação e Cultura, 1997a. (Coleção Filosofia para Crianças)

______. Pimpa: manual do professor “em busca do significado”. (Trad. Ana Luiza Fernandes

Falcone e Sylvia J. H. Mandel.) - 2. ed. - São Paulo: Difusão de Educação e Cultura, 1997b.

(Coleção Filosofia para Crianças)

MACHADO, Ana Maria. Esta força estranha: trajetória de uma autora. São Paulo: Atual,

1996. (Passando a limpo)

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 2003. (Coleção Primeiros

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MAGALLANES, Alejandro. Isto não é. (Trad. Heitor Ferraz Mello.) São Paulo: Comboio de

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MANGUEL, Alberto. Uma História da Leitura. (Trad. Pedro Maia Soares.) São Paulo:

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MAYHEW, James. Érica e a Monalisa. (Trad. Renata Siqueira Tufano.) São Paulo: Moderna,

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Guarulhos: Salamandra, 2007.

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Editorial, 1998. (Coleção Hora dos Sonhos)

SARTRE, Jean-Paul. As palavras. (Trad. J. Guinsburg.) - 4. ed. - São Paulo: Difusão

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