Hotel da loucura

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Disciplina: Relações Espaço, Objetos, Ensino e Saúde. Data: 26/09/2012. OcupaNise: Hospital psiquiátrico ou Hotel da Loucura? Aluna: Angela Barban Morelli Resumo: O presente trabalho pretende abordar os conceitos de ambiente saudável e promotor de saúde, debatidos em disciplina oferecida no curso de pós- graduação em Ciência, Arte e Cultura na Saúde do Instituto Oswaldo Cruz. Tomando como objeto de analise a transformação do terceiro andar da Casa do Sol, localizado dentro do Instituto Municipal Nise da Silveira, em Hotel da Loucura e sede do II Congresso Espetáculo-oficina da Universidade Popular de Arte e Ciência. Introdução O Instituto Municipal Nise da Silveira, é uma instituição de saúde mental com forte herança histórica no tratamento da loucura. Inaugurado em 11 de junho de 1911, acompanhou os processos de transformação no tratamento das doenças psiquiátricas. Sendo palco da implementação de técnicas inovadoras que reformularam as bases de como se tratar a doença e o doente mental. Tais inovações são pautadas principalmente na pesquisa que a doutora Nise da Silveira desenvolveu durante sua permanência na instituição, abrindo caminho para a disseminação das ideias que consolidaram o Movimento da Luta Antimanicomial. Nos dias de hoje, tal movimento constituiu a Reforma Psiquiátrica Brasileira, com leis que regulamentam as novas formas de tratamento e a criação de novos dispositivos de cuidado, além de toda uma mudança na compreensão da loucura e de sua representação social. O Instituto está localizado em Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, é formado por um complexo de prédios e habitações cada qual com uma função especifica e determinada. O prédio que trataremos de descrever nesse trabalho

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Angela Morelli, arte-educadora , performer e poeta, graduada em Belas Artes/Licenciatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-graduada em Ciência, Arte e Cultura na saúde pela Instituto Oswaldo Cruz (IOC-FIOCRUZ).

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Disciplina: Relações Espaço, Objetos, Ensino e Saúde.

Data: 26/09/2012.

OcupaNise: Hospital psiquiátrico ou Hotel da Loucura?

Aluna: Angela Barban Morelli

Resumo:

O presente trabalho pretende abordar os conceitos de ambiente saudável e

promotor de saúde, debatidos em disciplina oferecida no curso de pós-

graduação em Ciência, Arte e Cultura na Saúde do Instituto Oswaldo Cruz.

Tomando como objeto de analise a transformação do terceiro andar da Casa

do Sol, localizado dentro do Instituto Municipal Nise da Silveira, em Hotel da

Loucura e sede do II Congresso Espetáculo-oficina da Universidade Popular de

Arte e Ciência.

Introdução

O Instituto Municipal Nise da Silveira, é uma instituição de saúde mental com

forte herança histórica no tratamento da loucura. Inaugurado em 11 de junho

de 1911, acompanhou os processos de transformação no tratamento das

doenças psiquiátricas. Sendo palco da implementação de técnicas inovadoras

que reformularam as bases de como se tratar a doença e o doente mental. Tais

inovações são pautadas principalmente na pesquisa que a doutora Nise da

Silveira desenvolveu durante sua permanência na instituição, abrindo caminho

para a disseminação das ideias que consolidaram o Movimento da Luta

Antimanicomial. Nos dias de hoje, tal movimento constituiu a Reforma

Psiquiátrica Brasileira, com leis que regulamentam as novas formas de

tratamento e a criação de novos dispositivos de cuidado, além de toda uma

mudança na compreensão da loucura e de sua representação social.

O Instituto está localizado em Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, é formado

por um complexo de prédios e habitações cada qual com uma função

especifica e determinada. O prédio que trataremos de descrever nesse trabalho

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denomina-se Casa do sol e dentro deste funciona hoje em dia o Núcleo de

Atenção a Crise, ou seja, o remanescente dos hospitais psiquiátricos, e que

ainda cumpre a função de isolar e tratar o paciente em crise psíquica.

Composto de cinco andares, este edifício tinha o seu terceiro andar desativado,

sendo este mesmo o escolhido para ser arena do Ocupa Nise e sede do II

Congresso Espetáculo-oficina da Universidade Popular de Arte e Ciência.

O Ocupa Nise, também chamado de Hotel da Loucura (Madness Hotel),

começou suas atividades para receber o II Congresso, que teve inicio no dia 9

de Julho de 2012, recebendo de várias partes do país, durante 21 dias,

profissionais e estudantes das áreas de saúde, cultura e arte, assim como a

equipe de funcionários do Instituto e os pacientes, chamados pela equipe de

saúde de clientes. É necessário deixar claro nesse texto que ao dizer

‘recebendo’ este termo sintetiza diversas formas de convivência promovidas

pelo local, sendo estas; visitantes que passam o dia ou algumas horas,

pessoas hospedadas no Hotel da Loucura, que dividiam quartos e

permaneceram por tempo integral nas atividades do congresso e os próprios

clientes que tinham total liberdade de ir, vir e estar.

O ambiente que transformado, transforma.

A nossa analise começa com a implementação do Ocupa Nise no terceiro

andar do prédio, e que está baseada no conceito de afeto catalisador,

desenvolvido pela Doutora Nise da Silveira onde:

“uma relação afetiva, em ambiente criativo, acolhedor, é capaz de restaurar a

expressão do paciente que passa a expressar seus conteúdos”.

O terceiro andar estava a algum tempo fora de uso pelo Núcleo de Atenção a

Crise, e justamente por ser o antigo hospital psiquiátrico e ainda constituir (no

quarto andar) atividades de internação, foi destinado pelos organizadores do

congresso como local para a transformação afetiva proposta pelo evento.

Este possuía condições iguais a dos outros andares que reforçavam o pouco

apreço pela potência afetiva que um ambiente pode ter como promotor de

saúde. A cor das paredes era cinza claro, onde se via algumas partes.

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descascando pela humidade, o chão de cerâmica vermelha, ladrilhos de

madeira ou azulejos brancos fortalecia o monotonia do lugar.

Imagens tiradas do corredor e quartos antes da reforma do Ocupa Nise.

A reforma começa uma semana antes da inicio das atividades do congresso,

onde os agentes do Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde1, limpam, pintam e

decoram o ambiente para receber os hospedes do Hotel da Loucura.

Fotos da transformação do terceiro andar pré-evento.

1 http://nccsrio.blogspot.com.br/2012/07/dia-9-comeca-o-ii-congresso-da.html

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Esta atividade transformadora, apesar de ter sido iniciada pré-congresso, teve

continuidade durante todos os 21 dias em que o evento ocorreu. Onde sempre

havia tintas, pinceis, colas, recortes e outros materiais para quem quisesse

intervir e acrescentar algo a decoração. Foram disponibilizados tapetes,

esteiras, colchonetes, cortinas, e outros móveis e objetos, muitas vezes

improvisados e criados espontaneamente para corresponder à demanda do

Hotel.

Dessa forma, o Hotel da Loucura possuía um hall de entrada, a sala de

convivência (com palco e equipamentos de som), cozinha e refeitório, quartos

dos hospedes, sala de descanso, banheiros, biblioteca e um ateliê de artes

plásticas permanente.

Hall de entrada e sala de convivência.

Refeitório e imagem da mesa de lanche (em funcionamento permanente)

debaixo da janela que dava para cozinha.

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Corredor de quartos dos hospedes com banheiro no final e sala do descanso.

Biblioteca e Ateliê de Artes Plásticas.

Como se vê nas imagens, o ambiente foi completamente transformado de um

local inóspito e muitas vezes ‘sinistro’(como colocam os próprios agentes de

saúde e clientes) para um ambiente leve, alegre e acolhedor, onde o apreço

pela criatividade e expressividade se percebe em todos os ambientes.

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Conclusão

“Seja bem-vindo senhor artista/cientista/cidadão, ao II Congresso

Espetáculoficina da Universidade Popular de Arte e Ciência, no qual o

programa é não ter programa, a resposta é a perguntação, de uma hora para

outra o relógio deixa de bater para ouvir o acelerado batimento do coração de

cada alma humana. Ria, grite, corra, filme, leia, declame, chore, ame, tire todas

as máscaras, seja você. Você sabe quem é você?”

Essa é a proposta do Ocupa Nise e do II Congresso Espetáculo-oficina da

Universidade Popular de Arte e Ciência que se constituiu na implementação do

conceito de promoção de saúde, através da formação de uma zona

independente de trocas simbólicas, livres de preconceitos, onde todos tinham a

liberdade de estar e se expressar. Conviver é uma palavra chave, e durante os

21 dias em que decorreram as atividades, todas as fronteiras que limitassem a

relação afetiva sincera foram diluídas e enfraquecidas. Conviviam profissionais

de saúde, gestores, pacientes, artistas, educados, ou seja, uma infinidade

pessoas com suas diversas bagagens de vida e que ali tinham liberdade para

se expressar e relacionar, possibilitando a todos serem brincantes.

Esse universo de trocas e curas se estabelecia cotidianamente em rodas de

música, dança poesia, nas atividades de artes plásticas, e principalmente na

comunhão desses tantos atores já descritos acima. Com isso o ambiente criado

para receber tal projeto, não poderia se limitar em paredes cinza, já que

mesmo com as paredes coloridas, do inicio ao fim do evento rotineiramente as

pessoas pintavam, intervinham e mudavam o espaço ao gosto de sua criação,

sendo nítida a flexibilidade com que este espaço se compôs.

“Aqui a poesia rege a vida”, foi a frase de um dos participantes do Hotel da

Loucura, enquanto se ouvia ao fundo o coletivo cantar; “sem culto a culpa,

Ocupa Nise. Vindo de dentro pra fora”. Esta realidade tão estranha quanto

verdadeira gerou o “Auto da Paixão da Doutora Nise da Silveira”, espetáculo-

brincadeira que narra os desafios da doença do preconceito, a arte e a loucura

e continua em funcionamento com oficinas duas vezes na semana, dentro do

Ocupa Nise. É importante salientar que o Ocupa Nise é um espaço físico,

social-afetivo de criação em tempo real, e que muitas vezes mesmo sem

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recursos ou apoio, aqueles que compõem esse projeto estão a todo o momento

se movimentando e gerando um ambiente novo, fértil e saudável. Rompendo

muitas vezes com o que é tão comum para nossa sociedade fragmentada,

estabeleceu-se um lugar de comunhão da arte, ciência e cultura propondo e

vivendo saúde.

Bibliografia

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