Huberto Rohden - Filosofia Cósmica Do Evangelho
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HUBERTO ROHDEN
FILOSOFIA CSMICA DO EVANGELHO
UNIVERSALISMO
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FILOSOFIA CSMICA DO EVANGELHO
Este livro aprofunda e traduz, na mais lcida semntica, temas e reflexes
apresentadas em outras obras do autor, sobre os ditos de Jesus. ROHDEN
analisa e intui, luz de sua prpria experincia direta da realidade, a crescente
necessidade da nossa poca de buscar a unidade com a realidade Csmica.
ROHDEN aponta, com corajosa veemncia, o nico caminho para o homem
libertar-se de sua maior priso o aspecto destrutivo que existe nele mesmo
e passar para a sua nica fonte viva e libertadora: o Cristo interno, presente,
atuante e eterno em cada um de ns.
Nesta FILOSOFIA CSMICA DO EVANGELHO o primeiro de uma coleo
de quatro obras sobre a Mensagem do Cristo ROHDEN quinta-essncia as
palavras de Jesus, e as apresenta numa linguagem distante de qualquer
teologia ritualista.
Ningum deixar de empolgar-se com a gua viva que brota desta suprema
Mensagem.
A presente obra tem, alm de uma imensa promessa de felicidade, tambm
uma funo catrtica para a inteligncia analtica e um convite-desafio para a
intuio metafsica.
Este livro indica o roteiro para a nica coisa necessria e convida o homem
para dela servir-se como a suficiente soluo para sua desesperana e
frustrao existencial.
No se trata de obra linear, mecnica, dialtica com os ingredientes do mito
mas empreende uma descida s dimenses mais profundas dos conflitos
internos do homem e de l emerge com um diagnstico de esperana: o
homem um ser a caminho da luz, feito pouco abaixo de Deus, coroado de
honra e glria. um deus potencial. a suprema coroa da creao. Seu
destino ele prprio, pelo poder do seu livre arbtrio.
ROHDEN, atravs das palavras do Cristo, brada ao homem de todas as
condies: d o passo de coragem de sua vida revolucione-se! Rompa a
periferia do ego milenar! Atinja, pelo poder do prprio Cristo que vive dentro de
cada um o glorioso renascimento pelo esprito.
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ADVERTNCIA
A substituio da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar
aceitvel em nvel de cultura primria, porque favorece a alfabetizao e
dispensa esforo mental mas no aceitvel em nvel de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.
Crear a manifestao da Essncia em forma de existncia criar a
transio de uma existncia para outra existncia.
O Poder Infinito o creador do Universo um fazendeiro criador de gado.
H entre os homens gnios creadores, embora no sejam talvez criadores.
A conhecida lei de Lavoisier diz que na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma, se grafarmos nada se crea, esta lei est certa
mas se escrevermos nada se cria, ela resulta totalmente falsa.
Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer
convenes acadmicas.
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EXPLICAES PRVIAS
O simples tentame de querer fazer filosofia sobre o Evangelho de Jesus Cristo
parecer a muitos uma profanao, quase um sacrilgio.
A razo disto obvia: o Evangelho o reflexo da maior experincia que um
homem j teve de Deus ao passo que qualquer espcie de filosofia comum
um processo intelectual, indireto e, como tal, infinitamente inferior quele
contato intuitivo, direto com a suprema Realidade do Universo.
A experincia do Evangelho vivida e saboreada a filosofia apenas
inteligida, pensada.
O Evangelho representa a mais estupenda verticalidade mstica, uma linha de
luz e fora que vem de ignotas alturas e vai a incgnitas profundezas
enquanto a filosofia, por mais vasta que seja, no deixa nunca de ser
horizontal, e a soma total de todas as horizontalidades intelectualistas no
chega sequer a roar de leve a verticalidade racional ou espiritual.
, pois, matemtica e logicamente, absurdo querer compreender o Evangelho
espiritual mediante um processo intelectual, porquanto, em hiptese alguma,
pode o menor compreender (abranger, abraar) o maior: nunca pode uma
causa pequena produzir um efeito grande; nunca pode um compreendedor
inferior abarcar um compreendido superior.
Por que, pois, escrever um livro e lecionar curso sobre a filosofia csmica
do Evangelho, se este prprio ttulo flagrantemente paradoxal?
A esta sensata objeo passaremos a dar duas respostas, no menos
sensatas:
1) No entendemos aqui, por filosofia, um processo meramente intelectual,
analtico, horizontal; mas sim uma atitude essencialmente racional-espiritual;
no uma inteligncia perifrica de aparncias, mas uma vivncia central da
prpria essncia. A parte intelectiva que, inevitavelmente, acompanha essa
atitude intuitiva no seno o corpo, o invlucro, um simples veculo da alma,
medula e contedo da Filosofia do Evangelho; como a sombra que,
fatalmente, acompanha a luz.
2) No pretenso nossa vazar a alma do Evangelho em captulos e
pargrafos filosficos; o que o leitor encontra nas pginas deste livro no o
principal do assunto; no passa duma ligeira indigitao, como certas flechas
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ou outros marcos beira da estrada e nas encruzilhadas dos caminhos. O
viandante que estacionasse diante de uma dessas setas orientadoras e no
prosseguisse na direo indicada no atingiria jamais o destino da sua jornada,
nem faria jus ao sentido da seta.
Ora, o que passaremos a dizer nestas pginas apenas indigitao do
caminho certo a seguir, mas no apenas indigitao do caminho certo a seguir,
mas no o prprio andar ou seguimento do caminho. Esse andar ou seguir
tarefa eminentemente individual de cada leitor.
A alma do Evangelho uma experincia individual com Deus (que costumamos
chamar verticalidade), e que, se for genuna, ter necessariamente os seus
reflexos sobre a vida tica e social do homem (apelidada frequentemente
horizontalidade). Entretanto, convm no esquecer, nenhuma experincia
individual do mundo divino transmissvel de pessoa a pessoa. O que o
iniciado pode e deve fazer indicar ao profano e ao inicivel o caminho certo a
seguir; mas no pense jamais que possa transferir a seus discpulos a sua
prpria experincia por mais genuna, intensa e ntida que esta seja. O prprio
Cristo, em trs longos anos de convivncia com seus discpulos, no conseguiu
imbu-los da experincia que ele mesmo tinha do Pai celeste e do reino de
Deus. Esta experincia s lhes veio verticalmente, pelo poder do Alto, na
manh do Pentecostes.
Para que algum tenha essa experincia de Deus, tem de crear em si mesmo
um ambiente propcio, tem de realizar no seu interior uma espcie de
atmosfera ou clima em que a delicada plantinha desse encontro com o Infinito
possa brotar e medrar.
Esse ambiente favorvel consiste essencialmente em dois fatores bsicos: f e
vida.
F Deve o homem, antes de tudo, sintonizar com a realidade de um mundo
invisvel, embora ainda no tenha dele experincia direta. Essa f uma
espcie de permanente atitude de humildade, sinceridade, receptividade, um
senso de vacuidade ou nulidade do prprio ego fsico-mental, unido ansiosa
expectativa e certeza de uma plenitude que lhe possa e deva advir de fora.
Esse de fora uma locuo provisria, porque, de fato, a plenitude divina no
vem de fora do homem: vem do mais profundo abismo dentro dele, vem do
ntimo centro do prprio homem, no desse homem perifrico, fsico-mental,
que ele conhece habitualmente, mas vem das incgnitas profundezas do seu
Eu espiritual, divino, que lhe to desconhecido e to longnquo como a
presena da energia nuclear dentro dum tomo no desintegrado. Para o
principiante no h mal em que ele pense que a revelao de Deus e o reino
de Deus lhe venham de fora, das alturas do cu, embora esse cu esteja
dentro dele e essas alturas sejam as mais profundas profundezas do seu
prprio ser. Mais dia menos dia, na sua jornada ascensional, esse homem
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saber no j com surpresa, mas com espontnea naturalidade que esse
fora o seu grande Alm-de-dentro, a quintessncia da sua prpria alma, o
seu Cristo interno, o reino de Deus dentro dele, reino esse que ele tem de
realizar conscientemente em sua vida, clamando sem cessar venha o teu
reino. Como poderia vir o que no estivesse nele?...
Vida F vivida! A f nunca passar a ser experincia direta de Deus se ficar
no terreno meramente intelectual ou terico; indispensvel que ela se
encarne na vida total do homem, ou, no dizer de Santo Agostinho, que se torne
fides quae per charitatem operatur (f que atue pelo amor). Quando o homem
sintoniza toda a sua vida individual e social pelo contedo da sua f, quando
vive o que cr, como se j possusse experincia direta com Deus, ento essa
f concretizada em amor universal desabrochar em experincia imediata do
mundo divino, porque encontrou ambiente e clima propcio ao seu
desenvolvimento.
O crente torna-se, ento, um ciente, um sapiente, um vidente.
J no cr simplesmente sabe!
Enquanto o homem no tem essa experincia direta da Realidade divina, a
sua moral difcil e sacrificial, um permanente carregar a cruz. Sintonizar a
sua vida moral com uma norma apenas crida, mas no vivida como real isto
imensamente difcil e doloroso, pelos menos em muitos casos, como no
preceito de amar os inimigos e fazer bem aos que nos fazem mal.
fora de dvida que essa moral pr-mstica, anterior experincia direta de
Deus, um teste e uma prova de fogo por que o homem tem de passar, o
vasto e doloroso deserto que medeia entre o Egito da velha escravido e o
Cana da futura liberdade; esse Cana para o simples crente um pas
longnquo, no tempo e no espao, ao passo que o horroroso deserto da sua
renncia diria um fato cruciantemente propnquo.
Entretanto, segundo as eternas leis csmicas do esprito, tempo vir em que
essa moral pr-mstica, difcil, se converter numa tica ps-mstica, fcil.
Chegar para o crente sincero o dia em que a amarga medicina do duro dever
moral passar a ser um lauto festim de suave querer espiritual, dia em que ele
saber por experincia que o jugo suave e seu peso leve, e em que
poder dizer com o Mestre: O meu manjar cumprir a vontade de meu Pai.
Quando o homem tiver atingido, atravs de sucessivos estgios evolutivos, as
sublimes alturas dessa gloriosa liberdade dos filhos de Deus, em que o ser-
bom o mesmo que ser-feliz, e o ser-feliz interior transborda irresistivelmente
num ser-bom exterior ento saber ele o que quer dizer Filosofia Csmica
do Evangelho.
Mas, que que entendemos por csmico?
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Csmico sinnimo de univrsico.
Univrsico, em que sentido?
Ningum cair na tentao de considerar o Evangelho como um documento
pr-materialismo. , todavia, opinio assaz generalizada no mundo cristo que
o Evangelho seja a Carta Magna do maior espiritualismo que j apareceu
face do nosso planeta. Por espiritualismo entendem esses telogos uma
doutrina essencialmente alm-nista e visceralmente anti-aqum-nista; o profeta
de Nazar teria ensinado aos homens a desertarem do mundo a fim de
possurem o reino dos cus, entendendo pela expresso reino dos cus
alguma regio distante aps-morte. Houve na igreja crist um perodo clssico
de ascetismo absoluto e radical, quando ser-cristo era idntico a ser desertor
do mundo, habitante de cavernas desnudas e inimigo mortal de todas as
grandezas da civilizao, cultura, cincia, arte e tcnica que a inteligncia
humana havia engendrado. Alis, atravs de todos os sculos at ao presente
dia, continua a persistir essa ideologia negativista, correndo paralela a uma
outra concepo mais positiva do Cristianismo. Ainda nos ltimos tempos, uma
das mentalidades crists mais sinceras, Leon Tolstoi, caiu vtima desse
pessimismo.
Os que advogam essa doutrina espiritualista-asctica-negativa so, em geral
carteres puros e bem intencionados, cuidando manter o Cristianismo em toda
a sua original genuinidade, livre de deturpaes e incrustaes mundanas. Na
verdade, porm, prestam apenas meio servio ao Evangelho, tornando-o
inaceitvel para a grande parte da humanidade e reduzindo o Cristianismo
Csmico a uma seita de piedosos ascetas e msticos, ou a uma confraria de
almas enamoradas do Deus do mundo e inimigas do mundo de Deus.
O Cristianismo to pouco asctico-espiritualista como epicreo-materialista,
O Cristianismo essencialmente csmico, isto , universalista, afirmando
todas as obras de Deus, tanto invisveis e imateriais como visveis e materiais.
Alis, a prpria vida do Cristo genuinamente csmica, o que lhe mereceu, da
parte dos espiritualistas ascticos da poca, a alcunha de comilo e bebedor
de vinho, amigo de publicanos e pecadores; o seu primeiro milagre foi
realizado por ocasio de uma festa de casamento e consistiu na converso de
gua em vinho timo. Esse aparente epicurismo do Nazareno, porm, era
compatvel com a sua profunda espiritualidade mstica, ou melhor, esse
aqum-nismo humano no era seno das manifestaes do seu alm-nismo
divino.
A magnfica frase de Albert Schweitzer O Cristianismo a uma afirmao do
mundo que passou pela negao do mundo resume lapidarmente o que
entendemos por Cristianismo csmico.
Quem afirma o mundo sem o ter negado, materialista e idlatra.
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Quem nega o mundo sem ter a coragem de o afirmar, asceta espiritualista.
Quem afirma o mundo depois de o ter negado e continuando a neg-lo,
internamente, pelo desapego, esse cristo genuno e integral, homem
csmico.
O Verbo se fez carne para que a carne se pudesse fazer Verbo...
O esprito se materializou para que a matria se pudesse espiritualizar...
O Cristianismo, e a vida de todo cristo, uma permanente encarnao do
Verbo e uma constante verbificao da carne, uma contnua descenso do
esprito de Deus ao mundo e uma incessante ascenso do mundo a Deus.
O Cristianismo, e a vida crist, Natal e Pscoa, encarnao e ressurreio,
descida do esprito divino para dentro do homem, e subida do homem para o
esprito de Deus. A manjedoura de Belm e o tmulo vazio do Glgota, a noite
do nascimento de Jesus e a noite do ressurgimento do Cristo eis a mais
breve sntese do homem csmico!
No meio entre esses dois extremos, porm, est a cruz, no apenas como
smbolo de sofrimento, mas tambm, e sobretudo, como emblema da vida
universal, abrangendo com suas quatro pontas o norte e o sul, o leste e o
oeste, a totalidade das coisas que h em todas as alturas e profundezas, em
todas as latitudes dos horizontes. A cruz o smbolo csmico por excelncia.
Quem adora o mundo idlatra.
Quem odeia o mundo desertor.
Quem ama a Deus no mundo e o mundo em Deus homem csmico, crstico.
***
Sendo, todavia, que o Cristo veio redimir uma humanidade profundamente
materialista, era natural que ele insistisse muito mais na necessidade de
recusar do que de usar as coisas do mundo material. Quem est habituado a
abusar do mundo, como todo pecador, tem de recus-lo radicalmente antes de
o poder usar corretamente; porquanto, o Cristianismo uma afirmao do
mundo que passou pela negao do mundo.
E at ao presente dia muito mais importante proclamar o Evangelho do
recusar do que o Evangelho do usar, porque o abusar ainda o grande pecado
original desta humanidade profana. at perigoso recomendar a um abusador
do mundo que use esse mundo, porque ele confundir fatalmente o uso correto
com o abuso incorreto a que est habituado; e o seu complacente egosmo
facilmente lhe far crer que um homem csmico, quando no saiu ainda das
baixadas do homem telrico.
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Isto, todavia, no invalida a nossa tese de que o Cristianismo , em sua ntima
essncia, a religio do uso, ou seja, da afirmao do mundo naturalmente
para os que j se libertaram da velha escravido do abuso das coisas
materiais.
mais fcil recusar radicalmente o mundo do que us-lo corretamente. S
quem perito no recusar que pode ser mestre no usar. O homem csmico
tem de passar pela escola asctica da disciplina espiritual, a fim de atingir a
gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
esta a Filosofia Csmica do Evangelho.
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NO SABEIS QUE DEVO ESTAR NAS
COISAS QUE SO DE MEU PAI?
So estas as primeiras palavras que de Jesus sabemos. E so palavras de
intensa conscincia csmica da parte de um menino de 12 anos!
Ser eterno mistrio para ns, onde, quando e como Jesus alcanou esse
estado de avanada conscincia espiritual; aos doze anos, possui ele uma
noo do reino de Deus muito maior que o mais espiritual dos homens possui
no fim da sua vida terrestre.
Os venerandos mestres espirituais de Israel, encanecidos no estudo dos livros
sacros, tornam-se subitamente discpulos de uma criana que nunca
frequentou escola nem teve mestres humanos.
O homem profano pensa que o iniciado, o homem crstico, tenha descoberto
Deus em alguma parte do universo ou dentro de si mesmo; que Deus lhe tenha
aparecido subitamente, por assim dizer, numa volta do caminho ou por detrs
de algum rochedo do deserto. engano! O homem dotado de intuio
espiritual no descobre Deus em parte alguma do universo nem dentro de si
mesmo ele faz a grandiosa descoberta de que no h nada fora de Deus;
que Deus a nica Realidade, o Um e o Todo do mundo; que Deus o oceano
nico debaixo da pluralidade das ondas, a luz incolor dentro de todas as luzes
coloridas do prisma csmico; que Deus a grande Causa nica em todos os
pequenos efeitos, o eterno Nmero em todos os fenmenos transitrios;
descobre que h um s Ser no meio dos muitos existires, que Deus a
Essncia Universal e nica em todas as existncias individuais.
Dizem os inexperientes que isto pantesmo, e que ningum deve ser
pantesta.
Coisa estranha! Os homens como inquilinos dum jardim de infncia
inventam fantasmas e depois tm medo dos fantasmas por eles mesmos
engendrados. Um desses temerosos fantasmas chama-se pantesmo.
Se por pantesmo se entende que toda e qualquer coisa finita seja idntica a
Deus, sem distino alguma, claro que essa espcie de pantesmo um
atentado lgica e uma negao dos fatos objetivos. Mas se por pantesmo se
entende que Deus est em tudo e tudo est em Deus (panentesmo ou
monismo), que Deus a ntima essncia de todas as coisas e que estas no
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so seno outras manifestaes da nica Realidade Deus neste caso,
pantesmo expresso da verdade objetiva, por menos que os profanos
compreendam esta verdade.
Quando Jesus afirma que ele e o Pai so um; que as obras que ele faz no so
dele, mas sim do Pai que nele est; e quando Paulo de Tarso diz que j no
ele que vive, mas que o Cristo que nele vive no h dvida alguma de que
h em tudo isto uma afirmao de pantesmo, no sentido razovel acima
exposto.
Logo depois de ter dito eu e o Pai somos um, acrescenta o Mestre; Mas o
Pai maior do que eu; por onde se v que o pantesmo de Jesus idntico
ao Cristianismo genuno e esclarecido, em que pese s teologias dualistas do
ocidente.
Desde a sua infncia sabia Jesus que a sua misso peculiar, aqui na terra, era
estar nas coisas de seu Pai, e que s assim que ele podia realizar
eficientemente as coisas que so dos homens.
Ningum pode exercer efeito real e benfico sobre as coisas do plano
horizontal se no se identificar primeiro com o esprito da linha vertical. S uma
tica nascida da mstica que pode redimir o homem de todas as suas
irredenes.
S uma profunda solido com Deus produz e mantm verdadeira solidariedade
com os homens. Ningum pode ser eticamente solidrio sem ser misticamente
solitrio.
O homem espiritual no atua tanto pelo que diz e faz como pelo que .
Estar nas coisas do Pai celeste ser algum, ter realizado o seu verdadeiro e
eterno Eu todo o resto deriva como simples e espontneo corolrio dessa
verdade fundamental.
Ser algum muito mais importante do que fazer algo.
S quem, por dentro, s de Deus, pode ser, por fora, de todas as creaturas
de Deus.
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FOI CRESCENDO EM SABEDORIA E GRAA
PERANTE DEUS E OS HOMENS
Esta nica frase de Mestre Lucas resume dezoito anos da vida de Jesus, mais
da metade da sua vivncia terrestre.
Muito se tem fantasiado sobre esses dezoito anos de silncio dos Evangelhos.
No provvel que Jesus tenha abandonado a Palestina e visitado outras
terras Egito, ndia, Prsia, Tibete para aprender ou para ensinar. Os
nazarenos nada sabem dessa suposta ausncia do jovem carpinteiro; viam-no
todos os dias e estranham a sua sabedoria superior; pois, se nem frequentara
escola...
S aos 30 anos comea Jesus a revelar-se como um profeta e iniciado.
Quem o iniciou nos mistrios do Reino dos Cus? Quem foi o seu guru?
O Nazareno um verdadeiro auto-iniciado. Pelo menos, nada sabemos nada
sabemos duma alo-iniciao, como de praxe no Oriente.
Auto-iniciado cosmo-iniciado cosmo-iniciado, Cristo-iniciado, Teo-iniciado.
provvel que, nesses 18 anos de silncio e solido nas montanhas da
Galileia o jovem carpinteiro tenha realizado a sua auto-iniciao. A profisso do
seu ego humano era a de carpinteiro, mas a vocao do seu Eu divino era
outra. Certamente, o Verbo no se fizera carne para ser carpinteiro, mas para
realizar alguma misso csmica aqui no planeta terra.
Que tarefa era essa?
Era a tarefa magna de cristificar plenamente uma creatura humana, de elevar
mais alta perfeio um ser humano, Jesus de Nazar. Alis, ele mesmo que
afirma aos discpulos de Emas que viera terra para entrar em sua glria. E a
epstola aos hebreus descreve a evoluo ascensional do Jesus humano rumo
ao Cristo divino.
Muitos dos nossos telogos dogmticos no simpatizam com essa ideia da
evoluo de Jesus, tanto mais que confundem a pessoa humana do Nazareno
com a entidade divina do Cristo. E o Cristo, dizem eles, no podia evolver,
porque era Deus, e Deus imutvel.
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At neste ponto esto as nossas teologias em erro. Segundo os livros sacros,
houve evoluo tanto na pessoa humana de Jesus, como tambm na entidade
divina do Cristo.
Mas, se o Cristo Deus?
O Cristo Deus, mas no a Divindade. Ele mesmo insiste nesta diferena
entre o Cristo-Deus e o Pai-Divindade: Eu e o Pai somos um, mas o Pai
maior do que eu. A Divindade maior que Deus.
Paulo de Tarso afirma que o Cristo o primognito de todas as creaturas;
logo, creatura, e toda a creatura evolvvel.
Tambm, ns os homens somos deuses.
A encarnao do Cristo csmico na pessoa humana de Jesus de Nazar no
visava apenas a sublimao mxima de uma creatura humana, mas tambm
evoluo do prprio Cristo. Mais uma vez teve Paulo de Tarso um momento de
suprema inspirao, quando escrevia aos cristos de Filipes: Ele (o Cristo),
que estava na glria de Deus, no julgou dever agarrar-se a essa divina
igualdade; mas esvaziou-se dos esplendores da Divindade e se revestiu de
forma humana, aparecendo, por fora, como homem, servo, vtima, crucificado.
E por isto, Deus o exaltou e lhe deu um nome que est acima de todos os
nomes, de maneira que em nome de Jesus se dobram todos os joelhos dos
celestes, dos terrestres e dos infra-terrestres, e todos confessam que o Cristo
o senhor.
Que isto seno Cristo-evoluo?
A voluntria infra-cristificao aparente produziu uma super-cristificao
verdadeira.
Esta voluntria antidromia rumo s profundezas produziu uma subida s
alturas, o Cristo pr-encarnado se tornou um super-Cristo ps-encarnado.
Paulo, que escreveu as suas epstolas em grego, gosta de duas palavras
sonoras: plroma e knoma, isto , plenitude e vacuidade. O Cristo desceu do
plroma csmico para dentro do knoma telrico; e daqui regressou a uma
plenitude maior do que antes, a uma super-plenitude.
este o grandioso paradoxo do mundo superior; quando o homem sacrifica
voluntariamente a sua liberdade e se escraviza por amor, ento eleva ele ao
supremo znite a sua liberdade. O homem plenamente livre s depois de se
tornar voluntariamente escravo por amor.
Se o Cristo fosse a Divindade, no teria sido possvel essa evoluo. Mas,
como o Cristo Deus, o primognito de todas as creaturas, nada h de
paradoxal nesta evoluo.
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Os nossos telogos tm de superar as suas velhas interpretaes analticas e
abrir-se grande viso intuitiva do Evangelho e dos livros inspirados.
E Jesus foi crescendo em sabedoria e graa perante Deus e os homens.
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FOI JESUS LEVADO PELO ESPRITO AO
DESERTO PARA SER TENTADO PELO DIABO
O episdio da tentao de Jesus representa um znite e um nadir na histria
da humanidade. Um znite, isto , um ponto culminante, quando compreendido
segundo o seu simbolizado espiritual e csmico um nadir, uma cena ridcula,
quando interpretada apenas segundo os seus smbolos materiais. Nunca foi to
verdadeiro o conhecido dito do apstolo Paulo tangente interpretao dos
livros inspirados: A letra mata mas o esprito d vida.
Fui perguntado, um dia, se o diabo, quando tentava Jesus no deserto da
Judia, estava fora do inferno, dessa imensa fogueira em que Deus o
precipitara. Respondi ao ingnuo consulente que, nessa ocasio, estava o
diabo com uns dias de frias e aproveitou o ensejo para se entrevistar com o
misterioso eremita, do qual, poucas semanas antes, fora dito, s margens do
Jordo, que ele era o filho de Deus. Mas o meu consulente percebeu a
pilhria e insistiu em uma resposta real. Ao que lhe tornei que o diabo nunca
estivera no inferno, mas que o inferno estava dentro dele, tambm durante
essa histrica entrevista com Jesus no deserto.
Provavelmente, a maior parte dos meus leitores de hoje compreender to
pouco essa resposta como aquele meu ingnuo interlocutor. Segundo as
nossas teologias correntes, o diabo um determinado indivduo que habita no
fogo eterno; mas que, apesar disto ningum sabe segundo que espcie de
lgica! excursiona constantemente pelo mundo da humanidade a fim de
recrutar adeptos para o seu reino. Os mais ignorantes chegam ao ponto de
identificar esse orgulhoso esprito com aquelas entidades primitivas e covardes
que o Evangelho chama demnios ou espritos impuros.
Entretanto, segundo o texto do Gnesis, espiritualmente compreendido, como
tambm luz do Evangelho, o diabo tambm chamado Satan ou Belzebu
no um determinado indivduo, mas sim uma mentalidade, um modo de
pensar, sentir e agir. Simo Pedro, o pescador galileu, chamado Satan,
palavra hebraica que significa adversrio, coincidindo com seu equivalente
grego Diabolos, isto , opositor. Judas Iscariotes era diabo, embora esse
discpulo de Jesus continuasse a ser o mesmo indivduo humano que dantes
fora.
Judas, era diabo porque no tinha f nas palavras de Jesus.
-
Por que so Pedro e Judas chamados Satan ou diabo? Porque o seu modo
de pensar e agir era, na frase de Jesus relativamente a Pedro, segundo o
homem, e no segundo Deus; uma vez que o pescador galileu se opunha
ideia do sofrimento redentor do Cristo. Nenhum egosta simpatiza com o
sofrimento; mas o altrusta, o homem penetrado de compreenso e amor
universal, aceita espontaneamente qualquer sofrimento.
Quer dizer que esses indivduos humanos no se deixaram guiar pelo elemento
divino dentro deles, pelo esprito, pelo Cristo interno, pelo divino Lgos que
ilumina a todo homem que vem a este mundo e d queles que o recebem o
poder de se tornarem filhos de Deus. E por esta razo que esses homens
so chamados diabo ou Satan, embora continuassem a ser esses mesmos
indivduos humanos.
A mentalidade egostica e anti-espiritual de Satan pode apoderar-se de todo e
qualquer indivduo consciente e livre, humano ou anglico. Por isto, Satan
pode aparecer tanto em forma de homem como de anjo. Todo homem e todo
anjo pode satanizar-se, e pode tambm des-satanizar-se, conforme o uso
ou abuso da sua liberdade.
A parte fsico-mental do homem, o seu ego sensorial e intelectivo,
essencialmente egosta, e, portanto, pecador. O que peca no a alma, esse
sopro de Deus; o que peca a inteligncia associada aos sentidos. A
inteligncia tambm chamada lcifer, isto , porta-luz, mas no a luz.
Enquanto a inteligncia no se ope razo (esprito, alma), ela no Satan,
diabo, mas to somente lcifer; s quando o intelecto se ope razo, ao
divino Lgos, ao Cristo, que ele se torna Satan (adversrio) ou diabo
(opositor).
***
Acabava Jesus de jejuar e orar durante 40 dias e 40 noites, no deserto, e
dispunha-se a iniciar publicamente a sua obra redentora.
Redeno? que isto? Em que consiste? Como se realiza?
Redimir quer dizer resgatar, libertar.
De que modo ia Jesus redimir a humanidade? De que ia ele libertar o homem?
Do Satan do egosmo fsico-mental, base e origem de todos os pecados.
A fim de libertar o homem desse Satan do egosmo, era necessrio invocar um
poder superior, ou melhor, evocar das profundezas do prprio homem uma
fora maior que esse prprio egosmo, um poder que esmagasse a cabaa da
serpente, segundo as palavras do Gnesis; era necessrio erguer s alturas, a
serpente gnea que infligia mordeduras mortferas ao homem. Quando essa
-
mesma serpente rastejante e mortfera fosse sublimada s alturas do esprito
crstico, nasceria vida e sade da prpria serpente, como insinua
misteriosamente o prprio Cristo.
Dispunha-se, pois, Jesus a mostrar humanidade o caminho da redeno, isto
, a abolio do egosmo fsico-mental creado pelo Satan intelectual, e a
proclamao do amor universal, baseado na razo espiritual do Cristo interno
de cada homem. Em Jesus, esse Cristo estava plenamente acordado e cnscio
da sua identidade com o Pai, ao passo que nos outros homens esse Cristo
continuava a dormir o sono da ignorncia e do aparente dualismo separatista
entre Deus e o homem.
Neste momento surge nos caminhos do Nazareno o tentador. Estabelece-se
a grande tentao, ou tenso, entre as duas maiores potncias sobre a face
da terra: o intelecto e a razo, Lcifer versus Lgos, Satan, o anticristo em
conflito com o Cristo. E at ao presente dia no foi solvida essa tenso; as
relaes entre o Lcifer do intelecto e o Lgos da razo continuam tensas, e
at hoje, Satan est levando vantagem sobre o Cristo: a humanidade continua
a guiar-se antes pelo intelecto egosta do que pela razo altrusta. Nada de
redeno!...
O episdio da tentao no deserto o maior drama que j se desenrolou no
cenrio csmico da humanidade, aps o primeiro ato desse mesmo drama
descrito simbolicamente nas primeiras pginas do Gnesis.
de per si indiferente decidirmos se esse drama teve uma projeo externa,
no plano objetivo do mundo material ou se se realizou simplesmente no
mundo interno do Cristo, uma vez que esse mundo interno infinitamente mais
real do que todos os mundos externos. Em qualquer hiptese, a projeo
desse drama interno entre Lcifer e Lgos no cenrio externo nada de real
acrescentaria ao fato, assim como as sombras projetadas por um corpo no
adicionam novo elemento realidade desse corpo. O real o simbolizado o
pseudo-real o smbolo. O certo que entraram em conflito em Jesus como
entram em conflito na alma de cada um de seus discpulos as duas maiores
potncias sobre a face da terra: o intelecto e a razo, Satan e Cristo, o
egosmo e o amor.
Trata-se do problema central da humanidade, e de todos os outros seres
conscientes e livres; trata-se do problema mximo de decidir em que consiste a
redeno do homem: se o homem pode redimir-se a si mesmo pela luz da sua
inteligncia humana ou se deve ser redimido pelo poder do esprito divino,
pelo Cristo que nele habita.
***
-
Atravs de trs estgios, dramaticamente descritos pelo Evangelho, se
desenrola esse duelo entre o Satan do Intelecto egosta e o Cristo da Razo
espiritual.
O Intelecto satanizado est convencido de que a redeno do homem consiste
unicamente na potencializao mxima das luzes e foras intelectuais; que o
homem pode redimir-se a si mesmo e por si mesmo pela cincia e tcnica
elevadas ao mais alto grau, ao ponto de isentarem o homem de todos os males
e cumularem-no de todos os prazeres da vida terrestre. Redeno , para o
intelecto, essencial e unicamente, uma questo de bem-estar no aqum, sem
nenhuma relao com um possvel mundo no alm.
Se tu s filho de Deus, diz cautelosamente o Intelecto satanizado Razo
crstica manda que estas pedras se convertam em po. Redeno, segundo
a filosofia intelectualista consiste no conforto mximo da vida material; se o
homem chegar a conquistar o maravilhoso poder de converter pedras em po,
sem nenhum esforo fsico, mas to-somente pelo poder mgico das foras
mentais, ele um redento e pode ser um redentor para seus semelhantes,
irredentos, ensinando-lhes a magia de crear o conforto universal da vida
terrestre; a plenitude do estmago, a plena satisfao dos sentidos eis o que
para o Intelecto divorciado da Razo a redeno do homem!
Nem s de po vive o homem replica o Lgos mas tambm de toda a
palavra que sai da boca de Deus. Nem s de matria fsica, mas tambm de
energias espirituais vive o homem, porquanto a essncia de todas as coisas
esprito; a matria apenas um derivado do esprito. Este autnomo, aquela
heternoma. O esprito causa, a matria causada. O homem, no seu
estgio de filho prdigo e pastor de sunos, julgava poder fartar-se com as
grosseiras vagens que os porcos comiam, mas verificou que era iluso, que
nem s de alimento material podia ele viver e foi em busca da iguaria
espiritual.
O tentador, evidentemente, ainda no ultrapassou esse estgio primitivo do
filho prdigo, e pretende convencer Jesus de que isto que ser filho de
Deus; viver com fartura nesse horizontalismo material.
Derrotado nesse terreno primitivo do materialismo crasso, o Intelecto satnico
muda de ttica e passa a tentar a Razo crstica com a miragem da magia
mental, sugerindo a Jesus a ideia de se jogar do alto pinculo do templo ao
trio do santurio, vista de grande multido de devotos, a fim de ser por eles
aplaudido como um heri descido do cu e miraculosamente preservado ileso.
Essa acrobacia de magia mental, esse faquirismo exibicionista, a servio da
vaidade pessoal, que o tentador considera como redeno e os seus
discpulos so legio...
-
O Cristo, porm, no aceita esse conceito de redeno, que no passa de
outra forma de egosmo engendrado pelo Satan do Intelecto.
Derrotado em duas investidas, passa o Intelecto terceira e mais alta esfera
dos seus domnios: tenta o Cristo com a suprema fascinao da ambio, do
poder poltico, da inebriante nsia da autoridade sobre todos os reinos do
mundo e sua glria. Afirma o tentador que tudo isto dele e que ele o d a
quem entende afirmao essa perfeitamente exata quando se sabe que a
Inteligncia que est falando, ela, que de fato creou todas as maravilhas da
cincia e tcnica, e, no raro, as oferece como preo da apostasia do Cristo e
da deificao de Lcifer.
E, nestas alturas, o tentador pe uma condio precisa e definida, que revela a
sua ntima natureza: Tudo isto te darei se, prostrando-te em terra, me
adorares. O Intelecto satanizado vive eternamente obsessionado pela ideia de
ele ser Deus, a suprema e ltima realidade do Universo; o seu credo Eu sou
o senhor teu deus, e no ters deuses alheios ao lado de mim.
este o pecado dos pecados, o pecado supremo e mximo: a autodeificao
do Intelecto, a audcia satnica de querer usurpar o trono da Divindade e
sentar-se no templo de Deus como sendo Deus.
O Intelecto exige que a Razo o adore!
Lcifer satanizado no reconhece o Cristo como seu senhor e soberano; exige
dele que se prostre em terra, que se reduza a adorador da Inteligncia
anticrstica e antidivina!
Vai para trs, Satan! (em grego: hypage, submete-te, vai em segundo lugar)
a resposta categrica de Jesus porque est escrito: S a Deus adorars, e
s a ele servirs!
A razo divina do Cristo d ordem ao Intelecto de Satan para se submeter,
ocupar o lugar que lhe compete, no na vanguarda do esprito, mas na
retaguarda do mesmo, no como mandante, mas como servente.
Satan no atendeu ao convite do Cristo de se tornar discpulo dele. Outras
Inteligncias, porm, apareceram no cenrio, os anjos, e executaram a
ordem, servindo a Jesus, consoante a reta ordem das coisas.
O tentador, ao que sabemos, continua na sua impenitncia anticrstica,
procurando redeno pelo egosmo aureolado de todos os fulgores da
inteligncia. E os seus sequazes so legio, aqui na terra e qui em outros
mundos do universo.
S quando a Inteligncia humana se associar s Inteligncias anglicas e,
espontaneamente, servir ao divino Lgos s ento terminar a dolorosa
-
tenso e tentao e despontar sobre a face da terra o reino da Verdade, da
paz e da Felicidade...
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QUEM NO NASCER DE NOVO PELO
ESPRITO NO PODE VER O REINO DE DEUS
Altas horas da noite.
Algum bate porta da casa onde Jesus est hospedado, em Jerusalm.
Entra um venerando rabino da sinagoga de Israel, embuado no seu manto,
com medo de ser reconhecido por seus colegas, que no simpatizavam com
Jesus.
E inicia-se, entre o profeta de Nazar e o rabi de Israel, aquele misterioso
dilogo noturno sobre o renascimento espiritual.
Nicodemos, o visitante, no viera propriamente para ouvir tal coisa. O seu
objetivo era outro. Estava impressionado com os prodgios que Jesus realizava
no meio do povo. Por isto, abre a sua consulta com as palavras:
Mestre, ns sabemos que vieste da parte de Deus para ensinar, porque
ningum pode fazer os prodgios que tu fazes a no ser que Deus esteja com
ele.
Ns sabemos ns, quem? Ele mesmo, mais outros rabinos?
Mestre esta primeira palavra de Nicodemos revela que viera como
discpulo, embora tambm ele fosse mestre em Israel, e Jesus, oficialmente,
no era rabi, como consulente, que, humildemente se senta como discpulo aos
ps de um verdadeiro mestre, que, talvez tivesse apenas metade da idade do
encanecido discpulo.
Mas, no obstante essa humildade, Nicodemos se move ainda no plano
horizontal do fazer algo; parece nada saber ainda da ignota vertical do ser
algum, essa nova dimenso em que se mover todo esse colquio noturno.
Prodgios, milagres, fenmenos isto que impressiona Nicodemos, como
impressiona sempre os homens-ego, mesmo os de boa vontade. Fazer algo,
dizer algo, ter algo...
Jesus, porm, no reage com uma s palavra a essa mania fenomenolgica do
visitante. Silenciosamente, passa a conversa para outra dimenso. E inicia a
sua resposta com um duplo amen, como todas as vezes que procura dar
grande nfase a suas palavras:
-
Em verdade, em verdade (amen, amen) te digo: quem no nascer de novo
pelo esprito no pode ver o reino de Deus.
Nascer de novo? Nicodemos acha to impossvel esse processo de
renascimento que reage com uma pergunta meio pilhrica:
Como pode um homem nascer de novo, quando velho? Ser que pode outra
vez entrar no ventre de sua me e tornar a nascer?
Evidentemente, Nicodemos s pensa em renascimento material, numa
reencarnao fsica. O Nazareno no nega a possibilidade desse fato, mas no
est interessado em fatos, e sim em valores. Pensa como, sculos mais tarde,
escreveu Einstein: Do mundo dos fatos no conduz nenhum caminho para o
mundo dos valores; porque estes vm de outra regio. Que adiantaria se o
homem reencarnasse fisicamente, 10, 20, 100 vezes? Seria apenas um
acontecimento objetivo, produzido por outras pessoas, homem e mulher, mas
no seria uma creao de valores subjetivos, nica condio vlida para ver o
reino de Deus. Fatos fsicos no interessam a Jesus, somente valores
metafsicos. O reino de Deus no algo que acontea ao homem, por obra e
merc de terceiros algo que ele mesmo produz de dentro de si, pelo poder
do livre-arbtrio, pela ntima substncia do seu ser, e no algo que lhe
acontea pelas circunstncias da natureza ou dos outros homens. O reino de
Deus uma autntica creao do Eu espiritual, e no uma fortuita produo de
egos alheios.
O rabino mergulha num longo silncio, afagando pensativamente a sua barba
branca, por fim murmura: Como pode ser isto?...
Responde-lhe o Nazareno:
Como? Tu s mestre em Israel e ignoras isto?
Que que um mestre espiritual deve ensinar seno o caminho para esse
nascimento espiritual? E como pode ele mostrar o caminho aos outros, se ele
mesmo o ignora? E Jesus repete, com grande nfase o que dissera,
acrescentando mais uma palavrinha:
Em verdade, em verdade te digo: Quem no renascer pela gua e pelo
esprito, no pode entrar no reino de Deus.
to misterioso esse binmio gua e esprito que desafiou a argcia de
quase dois milnios. E os telogos de quase todas as igrejas crists
concordaram na interpretao de que Jesus se referia ao batismo feito com
gua e com uma frmula sacramental. O espiritismo entende pela palavra
gua o lquido que envolve o corpo do nascituro, relacionando as palavras do
mestre com um renascimento fsico.
-
Em tempos antigos, na Grcia, era a gua considerada como a matria-prima
de todos os elementos fsicos, que constituem o mundo e o nosso corpo. E,
como o homem integral bipolar, alma e corpo, o renascimento pela gua e
pelo esprito significa o renascimento do homem total, a transformao do seu
Eu espiritual e do seu ego material, transformao essa operada no por
agentes alheios ao seu ser individual, mas por sua prpria individualidade, pela
onipotncia do seu livre-arbtrio, pelo despertamento do seu Cristo interno.
Esse despertamento no depende da matria, mas sim do esprito; quer o
homem tenha corpo material quer no, o seu livre-arbtrio pode realizar esse
renascimento pela gua e pelo esprito, aqui na terra ou em qualquer outra
morada da casa do Pai celeste, em qualquer outra zona do Universo.
Enquanto Jesus e Nicodemos estavam submersos num profundo silncio,
sentados na varanda da casa, passou uma ligeira brisa pelos leques duma
palmeira defronte varanda, e ouviu-se ligeiro sussurro. E o Nazareno,
contemplando as flabelas da palmeira, disse, vagarosamente:
O sopro sopra onde quer; bem lhe ouves a voz, mas no sabes donde vem
nem para onde vai. Assim, tambm acontece com todo o homem que nasceu
pelo esprito.
Tanto no original grego como na traduo latina, h um jogo de palavras que
poucas tradues reproduzem. Sopro e esprito so sinnimos, e tm o mesmo
radical. Em grego pneuma pnei, em latim spiritus spirat. Procuramos imitar
esse jogo em portugus, traduzindo sopro sopra. Na parte do smbolo Jesus se
refere ao sopro ou vento material que agita as folhas da palmeira e produz
ligeiro rudo; v-se o movimento, e ouve-se o rudo, mas no se percebe a
causa invisvel desses efeitos visveis. Na segunda parte da alegoria, Jesus se
refere ao simbolizado, fazendo ver que a causa do nascimento espiritual do
homem to misteriosa como a do movimento e do rudo da palmeira;
ningum sabe da origem desse renascimento, nem sabe o fim do mesmo;
ningum sabe porque um homem renasce pelo esprito, e ningum sabe de
que capaz esse homem; para ele so possveis as coisas mais impossveis
ele capaz at de fazer bem aos que lhe fazem mal, e amar aqueles que o
odeiam. Ningum sabe donde vem esse sopro espiritual e para onde vai esse
sopro... Visvel a tica do homem que sentiu o sopro da mstica mas que
esse sopro mstico? Donde vem? Para onde vai?...
Quando Nicodemos se retirou era meia-noite passada.
Mas nos horizontes da sua alma clareava um novo dia; ainda agora, tnue luz
de alvorada; mais tarde, o znite do sol meridiano. Trs anos mais tarde
reencontramos esse tmido rabino transformado em corajoso discpulo do
Mestre divino. Esse mesmo Nicodemos que, nesta noite, tinha medo de ser
discpulo do Nazareno, ainda alvo de admirao, mais tarde, no Calvrio, tem a
coragem de se professar publicamente amigo do crucificado, de um homem
-
execrado como blasfemo pela autoridade religiosa de Israel, e sentenciado
como um criminoso pela autoridade civil do Imprio Romano.
Realmente, o sopro sopra onde quer... No se sabe donde vem nem para onde
vai...
Houve um renascimento espiritual, sem que interviesse nenhum renascimento
material. Esse renascimento comeou nas trevas da noite, em Jerusalm, e
culminou em plena luz meridiana, nas alturas do Glgota, onde reaparece
Nicodemos e se oferece para sepultar condignamente o corpo do crucificado.
O sopro sopra onde quer...
-
DESTRU ESTE TEMPLO E EM TRS
DIAS O REEDIFICAREI
H um teste infalvel para saber em que plano de evoluo se acha um
homem: s verificar a atitude que ele toma em face de seu corpo, como o
trata ou maltrata.
O homem espiritualmente analfabeto adora o seu corpo como seu Deus.
O homem semi-espiritualizado e asceta odeia e maltrata o seu corpo.
O homem plenamente espiritual, o homem csmico, no adora nem odeia seu
corpo, mas respeita-o, mantm-no em perfeita integridade e funcionamento,
como veculo e maravilhoso instrumento para a sua evoluo superior.
H trs classes de bens externos: os bens de fortuna, o corpo, e o intelecto. A
inteligncia por demais desconhecida s massas para poderem dela fazer o
seu Deus e Soberano; isto privilgio de alguns cientistas. Os bens de fortuna
esto fora do homem, sem contato direto e sensvel com o seu ser vivo. Mas o
corpo dos trs bens externos o mais conhecido e o que est em imediato
contato com cada um de ns, ao ponto de muitos identificarem o seu Eu com o
seu corpo e suas sensaes.
Por isto, essa atitude em face do corpo o melhor teste para se saber da
evoluo de um homem.
Jesus nos deixou, no Evangelho, um episdio maravilhoso neste plano.
***
Aps a purificao do templo de Jerusalm, Jesus interpelado pelos chefes
espirituais, que querem saber em virtude de que autoridade tem ele o direito de
fazer o que fizera. E Jesus lhes responde: Destru este templo, e em trs dias
o reedificarei! Ao que os chefes espirituais replicam: Quarenta e seis anos
levou a construo deste templo, e tu pretendes reconstru-lo em trs dias?
Acrescenta o evangelista: Jesus, porm, falava do templo de seu corpo, e,
depois da ressurreio, os seus discpulos se lembraram disto.
Em todas as escrituras sacras o corpo humano chamado templo de Deus,
templo do esprito santo (universal), habitculo da divindade.
-
Deus, certo, est em toda a parte; a sua onipresena absoluta, universal,
ilimitada. Mas, h certos pontos onde essa onipresente imanncia de Deus se
torna mais perceptvel a ns, s nossas faculdades sensitiva e intelectiva
assim como a vida universal do cosmos se torna mais perceptvel em
determinados focos vitais, como plantas, insetos, animais.
possvel destruir um veculo de vida, algum organismo vegetal ou animal,
mas no possvel destruir a Vida, que essencialmente imortal e universal.
Matar no quer dizer destruir a vida; quer dizer desligar do oceano da vida
universal este ou aquele pequeno veculo individual. A destruio do veculo
torna esse veculo inapto de servir como veculo ou porta-vida, mas no
aniquila a vida por ele manifestada. Morre o veculo, mas continua a viver o
veiculado. Morre o contenedor, continua a viver o contido, ou contedo. Se a
vida csmica fosse a soma total dos seus veculos individuais, a destruio
deste equivaleria destruio daquela o que absurdo e ilgico. Ningum
pode destruir a Vida, s pode destruir os veculos vitais.
O homem comum pode desligar dos seus veculos a vida universal (matar),
mas no pode religar esses veculos com a vida universal (ressuscitar). Essa
impossibilidade de reatarmos com o imenso oceano da vida universal o seu
pequeno veculo individual, o organismo, provm da nossa fraqueza e
imperfeio. No estgio atual da nossa evoluo s podemos desatar, mas no
reatar o vnculo entre o veculo vital e o Oceano da Vida. No temos poder
sobre a Vida Universal, s temos poder sobre os pequenos veculos vitais. Se
tivssemos o poder de religar, como temos poder de desligar, poderamos dizer
com Jesus: Eu deponho a minha vida quando quero, e retomo a minha vida
quando quero; ou ainda: Destru este templo (do meu corpo), e em trs dias o
reedificarei.
Destruir o templo de Deus, o corpo, no o mesmo que destruir o esprito
universal, o arquiteto, que construiu esse templo, em que habita.
A destruio um ato negativo, passivo a construo um ato positivo, ativo.
A construo um sim, uma presena a destruio um no, uma ausncia.
Construir acender uma luz destruir apagar essa luz e chamar as trevas.
Para negar ou apagar serve qualquer agente negativo para afirmar, acender,
requer-se um fator positivo.
***
No parece estranho que Jesus apresente como argumento da sua autoridade
divina de purificar o templo de Jerusalm o fato de ele ser senhor e soberano
do templo de seu corpo?
-
evidente que ele estabelece um paralelo entre o templo material de
Jerusalm e o templo orgnico do seu corpo. Para reunir e argamassar as
pedras daquele santurio morto foram necessrios 46 anos para organizar as
clulas deste santurio vivo foram necessrios poucos meses.
O templo de Jerusalm foi construdo pelo Deus do Universo externo, atravs
de mos humanas o templo do corpo humano construdo pelo Deus do
Universo interno, mediante as foras biolgicas do prprio organismo. Mas as
leis do macrocosmo de fora e as do microcosmo de dentro so as mesmas,
porque so as leis de Deus, do arquiteto do cosmos e do arquiteto do corpo.
A profanao do templo quer de pedras inertes, quer de clulas vivas um
crime, em qualquer hiptese. Abusar do templo de Deus para fins alheios ou
contrrios ao culto divino um sacrilgio.
O templo de Jerusalm estava reduzido a uma praa de mercado, como diz
um evangelista, ou, como diz outro, a um covil de ladres, quando a
verdadeira finalidade dele era a de ser uma casa de orao.
Praa de mercado e covil de ladres a mesma coisa, na linguagem de
Jesus, porque tanto uma como outro um sacrilgio, uma profanao do
santurio da divindade, que s deve ser uma casa de orao, um centro de
culto divino. Servir-se do templo para adquirir e aumentar quantidades de
matria morta ou de carne viva dinheiro ou animais desvirtuar a finalidade
do templo de Deus.
O templo de Jerusalm era casa de orao e tambm o templo do corpo
humano casa de orao, lugar de culto divino. Conservando o corpo puro e
sadio, como o de Jesus, devidamente disciplinado e harmonizado em todas as
suas funes, uma sagrada liturgia, um ato de culto religioso. Todas as
clulas do corpo, todas as gotas de sangue, todas as vibraes dos nervos,
todos os sentimentos, pensamentos e desejos, devem formar uma grande
orquestra, uma sinfonia csmica, para louvar e adorar a Deus, arquiteto e
habitante desse santurio vivo.
O templo do corpo profanado com toda e qualquer atividade que no lhe seja
natural; por um modo de vida ou alimentao contrrios sua ntima natureza;
por um modo de sentir, pensar ou desejar em desarmonia com a sua
verdadeira natureza de veculo e instrumento da alma.
Da completa fidelidade natureza do corpo, da perfeita harmonia de todas as
suas partes e funes desse templo de Deus depende a sua imortalidade.
Enquanto no for completa a harmonia de todas as suas partes e funes no
pode haver imortalidade do corpo, porque desarmonia destruio. A
imortalidade do corpo provm da completa harmonizao de todas as suas
partes e funes; mas essa total harmonizao das partes entre si s
-
possvel no caso que entre o corpo e a alma haja a devida sub- e super-
ordinao; isto , a disciplina e harmonia entre corpo e alma determina, a
disciplina e harmonia entre as diversas partes e funes do corpo. Indisciplina
espiritual provoca indisciplina corporal.
Esta sub- e super-ordinao que a verdadeira pureza, ou seja, o elemento
csmico do nosso organismo, a sua beleza, porque a sua ordem.
Cosmos significa a beleza nascida da harmonia entre todas as partes
componentes e o seu Todo composto. A beleza a harmonia das partes com o
Todo, e, portanto, tambm das partes entre si. Ordem, pureza e beleza so a
mesma coisa. De uma parte sacrificada em benefcio de outra no h
harmonia, beleza, pureza, cosmos h desarmonia, fealdade, impureza,
profanao do templo de Deus.
A pureza constri a impureza destri.
A harmonia vida a desarmonia morte.
A beleza a vontade de Deus a fealdade vontade do homem sem Deus.
A palavra latina mundus (mundo) tambm quer dizer puro, como o seu
contrrio immundus quer dizer impuro, imundo. O mundo puro ou belo
porque ordem e disciplina, sub- e super-ordinao de partes e funes.
O mundo puro, csmico, porque harmonia o corpo puro, csmico,
quando guarda a harmonia natural das suas partes e funes.
Desarmonizar as funes do corpo torn-lo imundo, impuro, feio, e isto lhe
acarreta destruio destruio parcial pelas doenas, destruio total pela
morte prematura. Todas as doenas provm da desarmonia de funes. A
morte em idade avanada no doena, o desenrolar duma lei natural; mas
a morte prematura desnatural.
Quem capaz de conservar o seu corpo puro, harmnico, belo, tem tambm o
poder de reedificar esse templo de Deus, pelo esprito de Deus, isto , crear a
sua imortalidade corporal. O mesmo esprito de Deus que edificou o nosso
corpo desde o momento da sua concepo, pode tambm reedific-lo em caso
de destruio, parcial ou total. flagrantemente absurdo e ilgico supor que
esse Deus-em-ns, revelado pela alma, no possa reconstruir o que a nossa
ignorncia destruiu. A sapincia do nosso Eu espiritual constri o corpo a
insipincia do nosso pseudo-Eu fsico-mental destri, parcial ou totalmente, o
nosso santurio orgnico.
Mas, se a sapincia da alma for completa, como a do Cristo, pode ela
reconstruir o santurio destrudo por outros, insipientes e pecadores.
-
Jesus no diz que ele mesmo v destruir o templo de seu corpo, mas que seus
inimigos o destruiro, e ele reconstruir pelo poder do esprito o que outros
destruram pela fora da matria. O homem espiritual no destri o seu corpo,
mas reconstri o que os pecadores mesmo o pecador dentro dele
destruram. Disciplina sensata e bem orientada no destruio, construo.
Se o lcifer do meu ego fsico-mental destruir o meu santurio orgnico, pelas
doenas ou morte prematura, invocarei o Lgos do meu Eu espiritual, o meu
Cristo interno, para o reconstruir.
O homem crstico, que o homem integral, o homem csmico, considera o seu
corpo como um santurio, que no deve ser destrudo por mortificaes
insipientes, nem profanado por abusos descontrolados mas deve ser mantido
em toda a sua integridade, fora e beleza natural, que convm a um templo da
divindade.
E este templo, penetrado pelo esprito imortal, participar da imortalidade do
esprito de Deus.
este o homem csmico, o homem integral, o homem crstico.
-
UMA S COISA NECESSRIA...
Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas uma s coisa
necessria: Maria escolheu a parte boa, que no lhe ser tirada.
Vai nestas palavras brevssimas de Jesus toda a filosofia espiritual do
Cristianismo. H quase dois mil anos que a humanidade ocidental tenta
compreender o Cristo e seu Evangelho; mas essa tentativa sem esperana
de resultado positivo enquanto no mudarmos radicalmente de perspectiva. E
essa mudana no se refere a tais ou quais aspectos perifricos, mas requer
uma nova atitude central em face da prpria realidade metafsica, eterna,
absoluta. No adianta remendarmos um pouco a roupa velha da nossa
teologia tradicional, cosendo-lhe algum remendo novo, no: necessrio e
indispensvel jogarmos fora, corajosamente, essa roupa velha e revestirmo-
nos de uma vestimenta inteiramente nova, que no necessite de remendos.
No deitemos o vinho novo do verdadeiro esprito do Cristo nos odres
velhos do nosso cristianismo tradicional, mas tenhamos a jubilosa audcia de
crearmos recipientes novos e limpos para o vinho generoso e forte do
Evangelho do Cristo.
Enquanto no passarmos do nosso obsoleto e multissecular horizontalismo
fsico-mental para o novo e indito verticalismo espiritual, no
compreenderemos o Cristo e seu Evangelho.
Segundo a nossa tradicional filosofia emprica ocidental, o que real,
solidamente real, talvez unicamente real, este mundo material que os nossos
sentidos percebem e cujas leis a nossa mente concebe e calcula. Se, alm
disto, admitimos alguma outra realidade, no-material, essa outra realidade no
passa de algo longnquo, vago, precariamente real, quase pseudo-real, algo
em que cremos, em momentos de boa vontade e emoo espiritual, mas de
que nada sabemos propriamente, por experincia imediata. Cremos nesse
mundo espiritual, mais por conveno do que por convico; cremos, porque
ouvimos dizer ou lemos a respeito desse tal mundo invisvel; cremos, quase
por fraqueza ou para fazer um favor a Deus... Das realidades do mundo
material e suas leis temos noo direta e concreta, diria ao passo que do
mundo espiritual nos vm apenas uns como que ecos longnquos, uns reflexos
indiretos e incertos, que no esto em condies de exercer impacto decisivo
sobre a nossa vida humana, ou at suplantar a intensidade das nossas
experincias fsico-mentais.
A nossa f no representa 1% da fora brutal do nosso perceber, e por isto
inevitvel que a concha da balana da nossa vida terrestre penda
-
invariavelmente para o lado dos sentidos e do intelecto, e no para o lado do
esprito ou da razo. O mundo espiritual da nossa f , para ns, uma espcie
de bela teoria que respeitamos, mas no uma realidade palpvel que
possamos jubilosamente praticar e entusiasticamente amar. um esplndido
fogo pintado, mas no uma chama real; entretanto, com o mais esplndido
fogo pintado numa tela no posso atear fogo em coisa alguma, ao passo que
com a menor das chamas reais posso atear incndios imensos.
***
Ora, de que modo poderamos conseguir que o mundo espiritual, que a alma
do Evangelho, se tornasse para ns pelo menos to real e eficiente como o
mundo material? Que exercesse um impacto veemente e decisivo sobre a
nossa vida humana? Que chegasse ao ponto de nos tornar suave e leve o que
hoje nos amargo e pesado? Se tal coisa consegussemos, fora de dvida
que a nossa vida se transformaria completamente; viveramos agora mesmo o
reino de Deus no meio deste vale de lgrimas; poderamos exclamar com um
que passou por essa gloriosa experincia: Eu transbordo de jbilo no meio de
todas as minhas tribulaes...
De que modo poderamos conseguir essa conquista mxima da nossa vida?
Deixando de ser Martas e passando a ser Marias; deixando de andarmos
solcitos e perturbados com as muitas coisas do plano horizontal e sentando-
nos calmamente aos ps do Mestre, abismados na profunda verticalidade da
nica coisa necessria, intensamente real, unicamente real, essa que no
do tempo e do espao, ilusrios e transitrios, mas da eternidade, e que, por
isto mesmo, no nos ser tirada...
Cruzar essa fronteira invisvel, transpor esse abismo imenso, passar por essa
crise redentora, saber por experincia pessoal e ntima o que essa parte
escolhida por Maria e infinitamente mais real e grandiosa que todas as muitas
coisas de Marta isto redeno crist, isto iniciao espiritual, isto
entrada no reino dos cus, isto renascimento pelo esprito, isto procurar o
reino de Deus e sua justia, isto , a vida eterna...
No ter tempo ou interesse para esta nica coisa necessria, esbanjar todo o
tempo e todo o interesse nas muitas coisas desnecessrias isto suprema
insipincia, isto , horrorosa cegueira e obtusidade espiritual, isto ser filho
das trevas e dormir o sono da morte...
Tudo que temos ou julgamos ter nos ser tirado amanh s o que somos o
que seremos para sempre, se que o somos de Verdade, hoje mesmo.
Tudo que eu chamo meu est apenas ao redor de mim, fora de mim, longe de
mim, alheio a meu verdadeiro ser; nada disto sou eu, tudo isto apenas meu,
-
so os pseudo-meus. Somente o meu Eu que realmente meu,
inalienavelmente meu, eternamente meu, gloriosamente meu.
As quantidades que Marta tem so fictcias, temporrias a qualidade que
Maria , real, eterna.
Marta tem muitas coisas e por isto anda inquieta e perturbada.
Maria algum e por isto se queda aos ps do Mestre, calma, serena, feliz.
Quando o homem deixa de ter muitas coisas e comea a ser algum, ento
vem sobre ele a grande paz, que o mundo no pode dar nem tirar.
No adianta ter necessrio ser...
O ser inclui o ter mas o ter no inclui o ser.
O ser qualidade, causa, verticalidade, fonte o ter apenas
quantidade, efeito, horizontalidade, canal.
Quem de fato algum por sua experincia com Deus pode serenamente
perder tudo o que tem, porque sabe que no perde nada; descobriu a divina
matemtica de que o mais, que ser, inclui o menos, que ter; e, como ele
possui o mais, o grande MAIS, o TODO, a Deus, no precisa preocupar-se com
os pequenos menos, contidos, todos eles, nesse grande MAIS. Pode
espontaneamente abrir mo de tudo quanto tem, tornar-se indigente de todas
as quantidades horizontais ao redor dele, porque sabe que milionrio daquilo
que , da sublime e profunda verticalidade da qualidade dentro dele. Esse
homem descobriu o reino de Deus dentro de si, e j no precisa de dar caa
frentica aos pseudo-reinos do mundo fora dele, porque sabe que esses reinos
esto todos radicados em Deus, no Deus dentro dele, e que, se os quisesse
possuir, os teria todos em grande abundncia. Esse homem aprendeu a
suprema sapincia de possuir todos os efeitos na causa, e deixou de querer
possuir os efeitos sem a causa. Da excelsa atalaia central da sua viso
csmica, esse homem abrange, calma e serenamente, todas as periferias dos
mundos que gravitam em torna dele. Possuindo a nica coisa necessria,
abrange todas as outras coisas, e possui-as sem inquietude nem perturbao,
mas com a serenidade dinmica e a paz creadora com que o homem espiritual
penetra todas as materialidades.
Que aproveita ao homem ter algo, mesmo que seja o mundo inteiro, se no
algum, se sofre prejuzo naquilo que ele , sua alma? Poder acaso o ter
resgatar o ser? Poder o menos crear o mais? Podero as muitas quantidades
produzir a nica qualidade?
***
-
Essa transformao da nossa falsa poltica do ter na verdadeira filosofia do ser
que no Evangelho se chama metnoia, que quer dizer trans-mentalizao
(met-trans; nous-mente), geralmente traduzido por converso. Quando o
homem comea a compreender a suprema sabedoria de que as coisas do
mundo material no so primariamente-reais, seno apenas derivadamente-
reais, alo-reais, e no auto-reais, e que s o mundo espiritual que real em si
mesmo ento passa ele pela grande metnoia, converte-se, transmentaliza-
se, muda de mentalidade, realiza em si a misteriosa alquimia espiritual,
transmudando elementos vis em elemento nobre, deixa de ser Marta e se torna
Maria, para que depois possa ser Maria-Marta, um ser humano capaz de tratar
das muitas coisas do mundo material sem inquietude nem perturbao e sem
abandonar o seu lugar aos ps do Mestre.
-
PAI NOSSO, QUE ESTS NOS CUS
As primeiras palavras que os Evangelhos nos referem como tendo brotado dos
lbios de Jesus giram em torno desse conceito central da sua mensagem aos
homens, Pai: No sabeis que eu devo ocupar-me das coisas que so de meu
Pai? E o derradeiro suspiro que irrompeu dos lbios moribundos do crucificado
tambm se refere a essa mesma ideia de Pai: Pai, em tuas mos entrego o
meu esprito.
Sobre esses dois plos extremos, o Pai do menino de 12 anos, e o Pai do
homem de 33 anos, gira toda a filosofia do Nazareno, porque o seu mundo
interior se desenrolava nessas regies invisveis, para ele infinitamente mais
reais e mais belas que todas as realidades e belezas visveis da terra. Meu
reino no deste mundo... Eu nasci para dar testemunho verdade.
Aquilo que Jesus designa com a palavra Pai a verdade, a suprema e nica
realidade o resto no passa de sombras e aparncias.
O universo inteiro , para Jesus, a casa de meu Pai: H muitas moradas em
casa de meu Pai. A humanidade, quando em harmonia com a vontade do Pai
o reino de Deus, ou o reino dos cus, que ele vinha proclamar na terra e
estabelecer nas almas dos homens. E esse reino de Deus, diz ele, no vem
de fora, com observncias meramente externas, legais e rituais, mas est
dentro do homem, porquanto, como diz o quarto Evangelho, a luz do divino
Lgos ilumina a todo homem que vem a este mundo.
***
primeira vista, no parece o Evangelho de Jesus ser uma filosofia, quando se
toma este vocbulo em sentido meramente intelectualista; entretanto, a
suprema filosofia no intelectualista, porm racional, espiritual, intuitiva, e,
neste sentido, o Evangelho a mais alta filosofia. A filosofia espiritual no
abstrata, como a outra, porque j ultrapassou a sagacidade da serpente e
entrou na zona da simplicidade da pomba. A luta pela verdade obriga o
homem a servir-se de termos abstratos a posse tranquila da verdade faz com
que ele use de palavras concretas, singelas, quase ingnuas, como as
crianas. a simplicidade da sapincia, e no j a simplicidade da ignorncia,
nem a complexidade da inteligncia. O ignorante simples por vacuidade, o
inteligente complexo por semi-cincia, e o sapiente simples por plenitude,
pela posse serena e feliz da verdade definitiva.
-
Toda verdade espiritual expressa em termos simblicos, porque a
humanidade, no seu presente estgio evolutivo, no possui seno termos para
exprimir coisas concretas (objetos dos sentidos) ou leis concretas derivadas
daquelas (objetos do intelecto). Para designar realidades espirituais, servimo-
nos de termos da zona fsico-mental; quer dizer que usamos smbolos fsico-
mentais para exprimir um simbolizado espiritual. Naturalmente, o homem que
no tem experincia alguma do mundo espiritual nada percebe do simbolizado,
limitando-se ao smbolo assim como um cego de nascena que ouvisse a
palavra luz, vermelho, azul, verde, no teria a experincia
correspondente a esses vocbulos meramente externos e arbitrrios. Para que
algum possa saber do simbolizado ao ouvir ou ler o smbolo, requer-se certa
experincia espiritual j pr-existente. Uma sementinha no fundo da terra no
poderia reagir ao chamariz da luz solar, se ela mesma no tivesse dentro de si
uma espcie de experincia solar, se o seu ntimo qu no fosse solar; mas,
como todas as coisas so lucignitas (filhas da luz), podem elas reagir ao
impacto da luz que lhes foi causa.
A palavra pai material em seu smbolo, porm, no caso de Jesus espiritual
em seu simbolizado; o contenedor fsico-mental objeto dos sentidos e do
intelecto, mas o contedo espiritual objeto da alma ou do esprito.
H quem, baseado nesse termo individual e concreto, forje argumento para
provar que Jesus considerava Deus como um indivduo concreto, como um pai
humano, ainda que em grau superior. Entretanto, esse pensamento no
deduzvel da palavra pai, porque, para alm desse smbolo individual, est o
simbolizado universal.
O que a palavra pai significa invariavelmente nos lbios do Nazareno a
eterna Realidade oni-consciente, oni-potente e oni-amante.
No plano do mundo fenomnico, humano, o pai causador (parcial) do filho,
embora tambm ele, por sua vez, tenha sido causado por outro causador
paterno. Todo pai humano, antes de ser causador, causado, antes de causar
ativamente, causado passivamente, antes de ser causa efeito. Neste
sentido Deus no pai, porque ele a causa no-causada, o produtor no-
produzido, o pai sem filiao; nele s existe causalidade ativa, e no passiva.
Todo pai humano possui conscincia individual Deus, porm, a conscincia
universal.
Todo pai humano pessoa, um ser personal; persona, porm, quer dizer
mscara (derivado de per e sonare soar ou falar atravs); a
personalidade no o indivduo, seno apenas a sua mscara, aparncia,
invlucro Deus, porm, a realidade em si mesma, e no apenas uma
mscara ou aparncia de realidade.
-
Quando Jesus afirma Eu e o Pai somos um, o Pai est em mim, e eu estou
no Pai; quando diz a seus discpulos o Pai est em vs, e vs estais no Pai;
quando o apstolo Paulo afirma que o homem templo de Deus e que o
esprito de Deus habita nele evidentemente no consideram a Deus como um
determinado indivduo, nem mesmo um super-indivduo, que resida em outro
indivduo; referem-se a uma Realidade universal, oni-presente, oni-consciente,
que est em todos os seres e na qual todos os seres esto, uma realidade na
qual vivemos, nos movemos e temos o nosso ser, segundo a expresso de
Paulo de Tarso.
***
Quando Jesus fala do Pai, acrescenta quase sempre que est nos cus. A
mais bela das oraes que possumos, a nica cujo teor ele ensinou a seus
discpulos, comea com estas palavras, to conhecidas e to desconhecidas:
Pai nosso, que ests nos cus. A traduo usual no cu revela, desde o
incio, a falsa concepo do tradutor, dotado apenas de conscincia telrica,
mas alheio conscincia csmica. No cu sugere determinado lugar
geogrfico ou astronmico; Deus habita com seus anjos e santos num certo
lugar chamado cu o que as teologias correntes entendem e ensinam a
respeito dessa passagem. Sendo Deus, segundo eles, um determinado
indivduo, uma pessoa, claro est que o lugar onde habita esse Deus-indivduo,
esse Deus-pessoa, esse Deus antropomorfo, feito imagem e semelhana do
homem, esse lugar no pode deixar de estar circunscrito pelas categorias de
tempo e espao. De maneira que a falsa concepo de Deus exige a
concepo errnea do cu. Abyssus abyssum invocat, um abismo chama outro
abismo.
Entretanto, no texto grego do primeiro sculo, como tambm no texto latino dos
tempos primitivos, e ainda da Vulgata de hoje, no lemos cu, mas cus (en
ouranois, in caelis, ambos no plural).
Que quer o autor inspirado dizer com esse substantivo no plural: nos cus?
Ser que Deus est em muitos cus individuais? No, esse plural indica a
universalidade, o ilimitado, o infinito, o absoluto. De modo anlogo, no princpio
do Gnesis lemos que os Elohim crearam todas as coisas; literalmente, os
deuses, porque Elohim o plural de El, termo usado para Deus. O Gnesis
no professa politesmo com essa expresso os Elohim crearam, mas
designa a universalidade de Deus, incompatvel com uma individualidade.
Da mesma forma, Deus est nos cus quer dizer que ele est no infinito, no
absoluto, no universo inteiro, graas sua imanncia que tudo permeia e
vivifica. Nestas belas palavras Pai nosso que ests nos cus temos a
afirmao de que Deus a ntima essncia do universo, a alma eterna de
todos os seres, a luz, a vida, a conscincia de todas as creaturas. Deus a
nica Realidade infinita e autnoma em todas as facticidades finitas e
-
heternomas. Ele a causa no-causada, o produtor no-produzido, o pai sem
filiao, o alfa e o mega, o princpio e o fim de tudo, o Amen do Apocalipse e o
Aum da filosofia vdica.
***
Entretanto, apesar da sua absoluta e total imanncia em todas as coisas do
universo, Deus no deixa de ser transcendente a cada indivduo como tambm
soma total de todos os indivduos, uma vez que nenhum finito, singular ou
coletivo, iguala ao Infinito. O Infinito no a soma total dos finitos, mas a
radical negao de todos eles.
***
Essa dupla experincia, da imanncia e da transcendncia de Deus,
essencialmente necessria para que haja Cristianismo ou religiosidade perfeita.
Perante a longnqua e terrfica transcendncia de Deus enche-se a alma de
reverncia, de assombro, de sagrada estupefao; a transcendncia de Deus
a sua majestade e sacralidade, o seu grande mistrio e a sua profunda
escurido. O primeiro elemento de toda a grandeza e beleza o seu carter
ignoto e enigmtico. No momento que uma coisa ou pessoa integralmente
conhecida e devassada deixa ela de empolgar-nos com o seu fascnio e a sua
sedutora reticncia, e torna-se profana, inspida, trivial. O Deus transcendente
no , propriamente, objeto de amor, mas sim de admirao.
A sua imanncia, porm, faz dele um objeto de amor. Essa experincia da
imanncia de Deus enche a alma de suave afetividade e doce intimidade
associada ao senso de transcendncia; o senso da imanncia aliado ao de
transcendncia completa a experincia profunda e vasta do Pai que ests nos
cus.
O senso da distncia, divorciado do da proximidade, reduziria a religio a uma
grandiosa regio polar, vastssimos e solitrios campos de neve e gelo
fantasticamente iluminados pela luz fria do luar...
Por outro lado, o senso da proximidade sem distncia reduziria a religio a uma
espcie de amizade ou camaradagem trivial e inspida, incapaz de grandes
lances de entusiasmo e arrojados planos de herosmo. Onde falta a escurido
pressaga do mistrio, criado pela longinquidade, l falta o encanto, o fascnio
do incgnito, a fora, a audcia necessria para a ltima e suprema beleza.
A longnqua transcendncia faz o homem dizer: Eu te adoro!
A propnqua imanncia faz o homem murmurar: Eu te amo!
Ai do homem que tanto se aterra em face do Deus terrificamente transcendente
que no o possa amar como suavemente imanente!
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Ai do homem que tanto se familiariza com o Deus imanente que deixe de sentir
o assombro em face do Deus transcendente!
Bem-aventurado o homem que se delicia suavemente luz cariciosa do Deus
propinquamente imanente a afagar-lhe a alma, como a claridade solar beija as
ptalas duma flor e ao mesmo tempo se extasia ante a majestade do Deus
longinquamente transcendente, que o enche de assombro qual globo solar a
arrojar gigantescos sistemas planetrios pelas vias inexploradas do universo!
Toda religiosidade sadia e bela feita de um misto de transcendente distncia
e imanente proximidade; toda religiosidade um eterno Verbo que se faz carne
e habita em ns...
E esses dois elementos, de amor e de assombro, esto contidos nas palavras
Pai nosso, que ests nos cus.
O prprio Cristo Jesus a divina transcendncia feita humana imanncia, um
misterioso consrcio da profunda vertical com a vasta horizontal ele
essencialmente o homem csmico por excelncia...
-
OS INIMIGOS DO HOMEM SO SEUS
COMPANHEIROS DE CASA
O sentido imediato destas palavras do Mestre o seguinte: quando algum
aceita o novo esprito da mensagem do Evangelho, norteando por ele a sua
vida, facilmente entra em conflito com pessoas da sua famlia ou parentela que
ainda no estejam dispostas a fazer o mesmo.
Entretanto, no se limita a incompatibilidade a esse terreno familiar.
Todo homem, depois de certa altura de experincia espiritual, entra fatalmente
num ambiente de veemente polaridade ou anttese com a sociedade profana
em que tem de viver. O grosso da humanidade vive num plano de evoluo
apenas fsico-mental, guiando-se pelo testemunho dos sentidos e do intelecto,
e ignorando os altos ditames da razo espiritual. Quem se eleva acima das
vibraes primitivas dos sentidos e do intelecto, entrando na zona das intensas
vibraes espirituais, est sempre em perigo de sofrer uma espcie de
interferncia de ondas, interferncia que, em geral, se manifesta em forma de
conflito de ideias e ideais, acabando por crear em torno desse bandeirante do
Infinito uma atmosfera de frieza, hostilidade e incompreenso. Esse ambiente
ingrato leva o homem espiritual instintivamente a um desejo de solido e
isolamento, onde possa cultivar e cultuar desimpedidamente essas coisas
belas e queridas que, em horas de profunda contemplao, descobriu e que
ama com todas as veras de sua alma. Esse homem anda mal acompanhado na
sociedade, e bem acompanhado na solido.
Os profanos e inexperientes, por via de regra, interpretam esse isolacionismo
como orgulho, convencimento, ou esquisitice. Para o homem espiritual,
porm, esse retraimento uma vlvula de segurana, um instinto de auto-
conservao espiritual, porque ele percebe ou adivinha o perigo que h para
seus ideais superiores de se contaminarem ou dilurem no meio da sociedade
profana. por esta razo, que, qual solcita Vestal do Fogo Sagrado, essa
alma ampara carinhosamente a lmpada divina do seu querido idealismo,
preferindo a desero e o banimento social extino do seu fogo sagrado.
Sendo que essa alma creou em si, pelo diuturno contato com o mundo divino,
uma antena de grande vibratilidade, natural que o contato com as rudezas e
baixezas do mundo profano lhe causem grandes sofrimentos e lhe ponham em
chaga viva o delicado Eu espiritual. O silncio benfico da natureza, a vastido
dos desertos, os cumes dos montes, a pureza da mata virgem foram sempre
-
os companheiros prediletos do homem que entrou em contato direto com o
mundo do esprito.
A espiritualidade a nossa maior glria e tambm o nosso mais acerbo
sofrimento. Enquanto no chegarmos ao supremo grau da nossa evoluo,
veremos sempre enflorados de crepe morturia os alvos beros da nossa vida
espiritual, seremos sempre mrtires da nossa prpria espiritualidade...
***
Quando ento esse homem tenta reatar o contato com o mundo profano, sem
renegar as suas experincias sagradas comea para ele a fase mais trgica
da sua evoluo. Como pr o seu fogo divino em contato com as guas
humanas sem que aquele se apague? Ser possvel semelhante consrcio?
Por mais que ele conseguisse esquentar as guas profanas, nem por isto
deixariam elas de ser um perigo permanente para o fogo, porquanto toda a
gua anti-gnea, quer seja fria quer quente... S deixaria de ser um perigo se
se convertesse em fogo...
Para muitos relativamente fcil entrar no terceiro cu da espiritualidade o
difcil est em como sair desse cu externamente sem dele sair internamente.
Por mais estranho que parea aos inexperientes, bem mais difcil essa sada
sem sair do que aquela entrada no terceiro cu.
A sada sem sair requer tamanha fora espiritual, uma tenso tal, uma fora
de coeso polarizada to grande que poucos conseguem estabelecer esse
equilbrio dinmico entre duas foras opostas. Se algum pensa que o iniciado
possa, sem mais nem menos, sair desse terceiro cu da sua experincia
divina, prova que ele mesmo nunca entrou; porquanto o verdadeiro iniciado no
pode sair, nem mesmo querer sair, uma vez que todo o seu ser se
consubstanciou e identificou intimamente com Deus, ao ponto de poder dizer:
Eu e o Pai somos um. Em caso algum poder sair internamente, embora deva
sair externamente, por amor a seus irmos.
Praticamente, est a humanidade de hoje dividida em dois campos: o dos
materialistas, que ignoram o mundo espiritual e o dos espiritualistas, que
fogem do mundo material. A sntese entre essas duas antteses
extremamente difcil, e so bem poucos os que a consigam realizar. A sntese
entre o extremo profano e o extremo espiritualista seria o centro crstico, a
harmonia csmica do homem integral, equidistante da adorao servil e do
desprezo hostil do mundo.
O homem que consegue viver no mundo sem ser do mundo atingiu o auge da
sua fora e da sua glria.
Mas, muito antes de chegar a esse grande tratado de paz universal, o homem
ter de verificar, por largo tempo, que seus piores inimigos so precisamente
-
seus companheiros de casa, os elementos da sua prpria natureza humana,
e os outros componentes do gnero humano.
A Bhagavad Gita descreve simbolicamente a luta de Arjuna (o homem
irredento) contra seus parentes, que lhe haviam usurpado o trono. E, no
momento em que o jovem prncipe quer deixar cair as armas e desistir da luta,
aparece Krishna (o Cristo redentor) e obriga Arjuna a lutar e derrotar seus
inimigos, seus parentes ou companheiros de casa.
Quem so esses parentes?
So todos os elementos humanos do corpo e do intelecto, que precederam e
acompanham a evoluo da nossa alma e tentam impedi-la da conquista do
trono. Todos os nossos ascendentes e colaterais, sensitivos e intelectivos,
conluiados contra a alma, procuram usurpar o trono do nosso Eu espiritual, do
nosso Cristo interno, como o Evangelho descreve to dramaticamente no
episdio da tentao no deserto, conflito entre Lcifer e Lgos.
Primeiro, temos de derrotar esses nossos domsticos hostis, para que, mais
tarde, quando devidamente espiritualizados, os possamos integrar
definitivamente em nosso Eu crstico, e assim terminar a construo do novo
homem em Cristo.
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O REINO DOS CUS SEMELHANTE
A DEZ VIRGENS
Dez virgens aguardam a chegada do Esposo, em plena noite a humanidade,
virgem de fecundao espiritual, espera das npcias msticas com o divino
Lgos.
Todas elas munidas das suas lmpadas; cinco, porm, esto com as lmpadas
vazias, e cinco com leo em suas lmpadas a humanidade, embora no
apresente grandes diferenas externas, est internamente dividida em dois
grupos, diametralmente opostos: uns, munidos do misterioso combustvel,
dessa luz potencial que pode, a qualquer instante, ser transformada em luz
atual; outros, sem esse combustvel, essa luz potencial, e por isto nada tm
que atualizar no momento decisivo. Muitos homens possuem receptividade
espiritual, antenas erguidas ao espao, espera duma onda divina, e, embora
estejam ou paream estar dormindo fisicamente, esto espiritualmente
acordados, sempre prontos a acender a sua luz potencial e sair ao encontro do
Esposo. O sono dessas almas, com suas lmpadas cheias de leo, no , a
bem dizer, um sono real, seno apenas aparente; uma viglia em potncia,
assim como o leo luz e fogo potencial. Mas o sono da alma irreceptiva, sem
leo, um sono real, pesado, profundo, funesto.
E eis que, de improviso, meia-noite, vem o Esposo [1] meia-noite, quando
o sono mais profundo e o despertar mais difcil. E s agora que as virgens
tolas percebem que esto sem leo, quando at ento parecia no haver
diferena real entre elas e suas companheiras sbias. As trevas do pecado so
as trevas do inferno, apenas com a diferena de que o pecador, devido sua
cegueira, no tem ainda a dolorosa conscincia do seu pecado; o pecado o
inferno inconsciente, assim como o inferno o pecado consciente; no momento
em que se rasgar o vu da inconscincia o pecador est no inferno, sem
nenhum outro aditamento ao seu estado a no ser o despertar da sua
conscincia para a terrvel realidade creada pelo pecado. A vinda do Esposo
o momento crtico em que o pecado gostoso se converte num pecado doloroso;
antes desse momento, pode o homem gozar o inferno do seu pecado, porque
est cego; depois, s pode sofrer o inferno do seu pecado, porque se tornou
vidente. Mas o estado real da alma continua o mesmo, depois como antes;
acresce apenas a conscincia ntida desse estado. Pecado inferno potencial,
inconsciente inferno pecado atual, consciente.
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[1] O tradutor da Vulgata latina acrescenta e a esposa revelando assim que no compreendeu a alma da
parbola e destruiu o maravilhoso simbolismo, porquanto as esposas do divino Esposo so precisamente
as cinco virgens que esto a espera dele com as lmpadas acesas. O texto grego s diz esposo.
E as virgens tolas pedem s virgens sbias: Dai-nos do vosso leo, porque as
nossas lmpadas se apagam. Respondem-lhes estas: No possvel; ide e
adquiri para vs.
Neste pedido das virgens tolas revela-se a sua extrema tolice e absoluta
insensatez: pedem de emprstimo a experincia divina; querem que suas
companheiras repartam com elas o tesouro indivisvel e intransfervel da
conscincia csmica, do encontro pessoal com Deus! Como se houvesse
contrabando e ilegalidade no reino de Deus! Como se algum pudesse possuir
o que no conquist