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www.josemariaescriva.info Itinerários pela Terra Santa “Para vos aproximardes do Senhor através das páginas do Santo Evangelho, recomendo sempre que vos esforceis por participar em cada cena como um personagem mais” . Bento XVI recordou, recentemente, uma expressão, que chama à Terra Santa “o quinto Evangelho”. Porque Jesus nasceu num momento preciso e num lugar concreto, numa faixa de terra fronteiriça ao império romano. Ali viveu o Senhor e se entregou a si mesmo por todos os homens. A partir de agora, vamos publicar uma secção sobre Itinerários pela Terra Santa, como modo de dar a conhecer os lugares onde Cristo viveu na terra. Também são úteis como guia para quem visitar os Santos Lugares. Pegadas da nossa

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Itinerários pela Terra Santa

“Para vos aproximardes do Senhor através das páginas do Santo Evangelho, recomendo sempre que vos esforceis por participar em cada cena como um personagem mais” . Bento XVI recordou, recentemente, uma expressão, que chama à Terra Santa “o quinto Evangelho”. Porque Jesus nasceu num momento preciso e num lugar concreto, numa faixa de terra fronteiriça ao império romano. Ali viveu o Senhor e se entregou a si mesmo por todos os homens.

A partir de agora, vamos publicar uma secção sobre Itinerários pela Terra Santa, como modo de dar a conhecer os lugares onde Cristo viveu na terra. Também são úteis como guia para quem visitar os Santos Lugares.

Pegadas da nossa

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A porta da basílica mede apenas um metro e meio de altura. Foto: Leobard Hinfelaar.

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Belém: berço da dinastia de David

Jesus nasceu numa gruta de Belém, diz a Sagrada Escritura, "porque não havia lugar para eles na hospedaria"1. Calcula-se que Belém tenha sido fundada pelos cananeus por volta do ano 3.000 antes de Cristo. É mencionada em algumas cartas enviadas pelo governador egípcio da Palestina ao faraó, perto do ano 1.350 a. C. Foi depois conquistada pelos filisteus. Na Sagrada Escritura, alude-se pela primeira vez a Belém – que então se chamava também Efrata: a fértil – no livro do Génesis, quando se relata a morte e sepultura de Raquel, a segunda esposa do patriarca Jacob: Raquel morreu e foi sepultada no caminho de Efrata, quer dizer, de Belém2.

1 Cfr. Forja, 274; Lc. 2, 7. 2 Gn 35, 19.

Gruta da Natividade.

Foto: Alfred Driessen

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Mais à frente, quando se distribuíram as terras entre as tribos do povo escolhido, Belém foi atribuída à de Judá e foi berço de David, o pequeno pastor – filho mais novo de uma família numerosa – eleito por Deus para segundo rei de Israel. A partir de então, Belém ficou unida à dinastia davídica, e o profeta Miqueias anunciou que aí, nessa pequena localidade, havia de nascer o Messias:

Mas tu, Belém-Efrata, tão pequena entre as famílias de Judá, é de ti que me há-de sair aquele que governará em Israel. As suas origens remontam aos tempos antigos, aos dias de um passado longínquo. Por isso, Deus abandonará o seu povo até ao tempo em que der à luz aquela que há-de dar à luz, e em que o resto dos seus irmãos há-de voltar para junto dos filhos de Israel. Ele permanecerá firme e apascentará o seu rebanho com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor, seu Deus. Estarão tranquilos, porque ele será grande até aos confins da terra 3.

Neste texto encontramos vários elementos relacionados com as profecias messiânicas de Isaías4 e também com outras passagens das Escrituras em que se anuncia um futuro descendente de David5. A tradição judaica viu nas palavras de Miqueias um vaticínio sobre a chegada do Messias, como ficou expresso em vários lugares do Talmude6. Também S. João, no seu Evangelho, se faz eco da opinião dominante entre os judeus do tempo de Jesus acerca da procedência do Messias: Não diz a

3 Mi 5, 1-3. 4 Cfr. Is 7, 14; 9, 5-6; 11, 1-4. 5 Cfr. 2 S 7, 12; 12-16; Sal 89, 4. 6 Cfr. Pesajim 51, 1 e Nedarim 39, 2

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Escritura que o Messias vem da descendência de David e da cidade de Belém, de onde era David? 7.

Mas é o Evangelho de S. Mateus que cita explicitamente a profecia de Miqueias, quando Herodes reúne os sacerdotes e escribas para lhes perguntar onde devia nascer o Messias: em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades da Judeia; porque de ti vai sair o Príncipe que há-de apascentar o meu povo de Israel 8.

Nasce Deus em Belém

No princípio do séc. I, Belém era uma aldeia que não contaria com mais de mil habitantes. Era formada por um pequeno conjunto de casas disseminadas pela encosta de uma colina, protegidas por uma muralha que estaria em más condições de conservação, ou mesmo em boa parte desmoronada, já que tinha sido construída quase mil anos antes. Os habitantes viviam da agricultura e da criação de gado. Havia bons campos de trigo e de cevada na extensa planície no sopé da colina: talvez se deva a estas culturas o nome de Bet-Léjem, que em hebraico significa “Casa do pão”. Além disso, nos campos mais próximos do deserto, pastavam rebanhos de ovelhas.

A pequena aldeia de Belém continuou a contar os dias da sua monótona existência agrícola e provinciana até que se deu o inaudito acontecimento que a faria famosa para sempre no mundo inteiro. S. Lucas relata com simplicidade: Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser 7 Jo 7, 42 8 Mt 2, 5-6.

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recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida9.

Uns cento e cinquenta quilómetros separavam Nazaré de

Belém. A viagem resultaria particularmente dura para Maria, no estado em que se encontrava.

As casas de Belém eram humildes e, como noutros lugares

da Palestina, os vizinhos aproveitavam as cavernas naturais como armazéns e estábulos, ou então escavavam-nas na encosta. Jesus nasceu numa destas grutas: E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria 10.

9 Lc 2, 1-5. 10 Lc 2, 6-7.

Retábulo sobre o lugar do nascimento de Jesus.

Foto: Leobard Hinfelaar.

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Um Menino que é Deus

A Providência Divina tinha disposto os acontecimentos para que Jesus – o Verbo feito carne, o Rei do mundo e Senhor da história – nascesse rodeado de uma pobreza total. Nem sequer pudesse gozar do mínimo de comodidades que uma família humilde teria preparado com carinho para o nascimento do seu filho primogénito: só teve uns paninhos e uma manjedoura.

“Não conseguiremos jamais o verdadeiro bom humor se não imitarmos deveras Jesus, se não formos humildes como Ele. Insistirei de novo: vedes onde se oculta a grandeza de Deus? Num presépio, nuns paninhos, numa gruta. A eficácia redentora das nossas vidas só se pode dar com humildade, deixando de pensar em nós mesmos e sentindo a responsabilidade de ajudar os outros.”11.

“Do mesmo modo como se condimentam os alimentos com sal, para que não sejam insípidos, na nossa vida temos de pôr sempre a humildade. Minhas filhas e meus filhos – a comparação não é minha: tem sido utilizada pelos autores espirituais desde há mais de quatro séculos – não façais como essas galinhas que, assim que põem um ovo, nos atordoam cacarejando pela casa toda. É necessário trabalhar, desempenhar o trabalho intelectual ou manual, e sempre

11 Cristo que passa, 18

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apostólico, com boas intenções e grandes desejos – que o Senhor transforma em realidades – de servir a Deus e passar inadvertidos”12.

12 San Josemaría, Apuntes tomados en una meditación, 25-XII-1972.

Lugar do nascimento de Jesus. Foto: Antoine Taveneaux (Wikimedia Commons).

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Belém e os primeiros cristãos

Também os discípulos do Senhor e os primeiros cristãos estavam, desde o início, plenamente conscientes da importância que Belém tinha adquirido. Em meados do séc. II, S. Justino, que era natural da Palestina, fazia-se eco das recordações que os habitantes da aldeia transmitiam de pais para filhos sobre a gruta, usada como estábulo, em que Jesus tinha nascido13.

Nos primeiros decénios do século seguinte, Orígenes confirma que o lugar onde nasceu o Senhor era perfeitamente conhecido naquela localidade, mesmo entre os que não eram cristãos: «Em sintonia com o que se conta nos Evangelhos, em Belém pode-se ver a gruta onde nasceu [Jesus] e, dentro da gruta, a manjedoura em que foi reclinado envolto em paninhos. E o que naqueles lugares se pode ver é famoso mesmo entre pessoas alheias à fé; nesta gruta, diz-se, nasceu aquele Jesus que os cristãos admiram e adoram”14.

Em tempos do imperador Adriano, as autoridades do Império edificaram templos pagãos em vários locais venerados pelos primeiros cristãos – por exemplo, no Santo Sepulcro e no Calvário –, com o intuito de apagar os vestígios da passagem de Cristo pela terra: «Desde os tempos de Adriano até ao império de Constantino, durante um período de uns cento e oitenta anos, no lugar da Ressurreição prestava-se culto a uma estátua de Júpiter, e no rochedo da cruz a uma imagem de Vénus em mármore, ali colocada pelos gentios. Os autores da perseguição imaginavam, sem dúvida, que, se contaminassem os lugares

13 Cfr. S. Justino, Diálogo com Trifón, 78, 5. 14 Orígenes, Contra Celso, 1, 51.

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sagrados por meio dos ídolos, nos iam tirar a fé na Ressurreição e na Cruz”15.

Algo análogo pode ter sucedido em Belém, já que o lugar onde nasceu Jesus foi convertido num bosque sagrado em honra do deus Adónis. S. Cirilo de Jerusalém viu os terrenos, onde se encontrava a gruta, cobertos de árvores16, e S. Jerónimo também se refere à tentativa falhada de paganizar esta memória cristã com palavras não isentas de uma certa ironia: «Belém, que agora é nossa, o lugar mais augusto do mundo, aquele de que disse o salmista: da terra germinou a Verdade (Sal 84, 12), esteve sob a sombra de um bosque de Tamuz, quer dizer, de Adónis, e na gruta onde outrora Cristo deu os seus primeiros vagidos, chorava-se o amado de Vénus»17.

15 S. Jerónimo, Cartas, 58, 3. 16 S. Cirilo de Jerusalén, Catequese, 12, 20: «Até há poucos anos tratava-se de um bosque». 17 S. Jerónimo, Ib.

Nave central da basílica. Foto: Leobard Hinfelaar.

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Apoiando-se nesta tradição, contínua e unânime, o imperador Constantino mandou construir uma grande basílica sobre a gruta: foi consagrada a 31 de Maio do ano 339, e Sta. Helena, que tinha impulsionado decididamente esta empresa, esteve presente na cerimónia.

Não é muito o que se conserva da primitiva basílica, que foi saqueada e destruída durante uma revolta dos samaritanos, no ano 529. Quando se restabeleceu a paz, Belém foi fortificada, e o imperador Justiniano mandou construir uma nova basílica, que foi edificada no mesmo lugar da primeira, mas com proporções maiores. É a que chegou até nós, tendo sido salva durante as diversas invasões em que foram destruídos os outros templos de época constantiniana ou bizantina. Conta-se que os persas, que no ano 614 devastaram quase todas as igrejas e mosteiros da Palestina, respeitaram a basílica de Belém ao encontrar no seu interior um

Nas paredes e no pavimento subsistem ainda restos de mosaicos

de época bizantina. Foto: Alfred Driessen.

Pormenor de um mosaico do

pavimento.

Foto: Leobard Hinfelaar.

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mosaico onde os Reis Magos estavam representados com trajes usados na sua terra. O templo saiu igualmente quase incólume da violenta incursão na Terra Santa do califa egípcio El Hakim, no ano 1009, bem como dos furiosos combates que se seguiram à chegada dos Cruzados em 1099.

Depois de várias vicissitudes históricas, que seria prolixo relatar, em 1347 foi concedida aos franciscanos a custódia da Gruta e da basílica. Actualmente continuam aí, embora os ortodoxos gregos, sírios e armenos também detenham direitos sobre este Lugar Santo.

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Gráfico adaptado por Julián de Velasco.

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O exterior da basílica A partir da praça que há diante da basílica, o visitante tem

a impressão de se encontrar frente a uma fortaleza medieval: paredes e contrafortes espessos, com janelas escassas e pequenas. Entra-se por uma porta tão diminuta que obriga a passar uma pessoa de cada vez, e mesmo assim com dificuldade: é preciso inclinar-se bastante. Na sua homilia durante a Santa Missa da última Noite de Natal, Bento XVI referiu-se a este acesso ao templo: «Hoje, quem entra na igreja da Natividade de Jesus em Belém dá-se conta de que o portal de outrora com cinco metros e meio de altura, por onde entravam no edifício os imperadores e os califas, foi em grande parte tapado, tendo ficado apenas uma entrada com metro e meio de altura. Provavelmente isso foi feito com a intenção de proteger melhor a igreja contra eventuais assaltos, mas sobretudo para evitar que se entrasse a cavalo na casa de Deus. Quem deseja entrar no lugar do nascimento de Jesus deve inclinar-se. Parece-me que nisto se encerra uma verdade mais profunda, pela qual nos queremos deixar tocar nesta noite santa: se quisermos encontrar Deus manifestado como menino, então devemos descer do cavalo da nossa razão «iluminada». Devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que nos impede de perceber a proximidade de Deus”18.

18 Bento XVI, Homilia, 24-XII-2011

Diante da basílica da Natividade

há uma praça. Foto: Leobard Hinfelaar

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Altar dos Reis Magos, diante da mangedoura. Foto: Alfred Driessen.

O lugar do nascimiento está

assinalado com uma estrela de prata.

Foto: Alfred Driessen.

Lugar da

mangedoura. Foto: Alfred Driessen.

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O interior: a gruta da Natividade

A basílica – de planta em forma de cruz latina e cinco naves – tem 54 metros de comprimento. As quatro filas de colunas, de cor rosada, dão-lhe um aspecto harmonioso. Em alguns lugares, é possível contemplar os mosaicos que adornavam o pavimento da primitiva igreja constantiniana; nas paredes, também se conservam fragmentos de outros mosaicos que datam do tempo das Cruzadas.

Mas o centro desta grande igreja é a Gruta da Natividade, que se encontra sob o presbitério: tem a forma de uma capela de reduzidas dimensões, com uma pequena abside do lado oriental. O fumo das velas, que a piedade popular aí acendeu durante gerações e gerações, escureceu as paredes e o tecto. Tem um altar e, por baixo deste, uma estrela de prata que assinala o lugar onde Cristo nasceu da Virgem Maria. Acompanha-a uma inscrição, que reza: Hic de Virgine Maria Iesus Christus natus est.

A manjedoura onde Maria deitou o Menino, depois de o envolver em paninhos, encontra-se numa capela anexa. Na verdade é um buraco na rocha, embora hoje esteja recoberto de mármore e anteriormente de prata. Em frente, há um altar chamado dos Reis Magos, porque tem um retábulo com a cena da Epifania.

Texto: E. Gil

Lugar do nascimento de Jesus Foto: Darko Tepert

(Wikimedia Commons).