I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de...

158
1 I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS EMPRESAS MANTIDAS PELOS JESUÍTAS SUMÁRIO INDICAÇÕES DE ORDEM GERAL Antônio Paim ....................................................... 3 PRINCIPAIS TEXTOS RELACIONADOS AO TEMA NOTA INTRODUTÓRIA Antônio Paim ................ 5 OS INCIDENTES DO MARANHÃO REGISTRADOS PELOS PRÓPRIOS JESUÍTAS Antônio Paim ...................................... 15 TEXTO DE LÚCIO DE AZEVEDO (1855/1933) ...... 27 AS ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL Jorge Couto (Universidade Nova de Lisboa) .......... 63 ASPECTOS ECONÔMICOS DA EXPULSÃO DOS JESUÍTAS DO BRASIL Daurul Auden ......... 83

Transcript of I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de...

Page 1: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

1

I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS

INDÍGENAS NAS EMPRESAS MANTIDAS

PELOS JESUÍTAS

SUMÁRIO

INDICAÇÕES DE ORDEM GERAL

– Antônio Paim ....................................................... 3

PRINCIPAIS TEXTOS RELACIONADOS AO TEMA

NOTA INTRODUTÓRIA – Antônio Paim ................ 5

OS INCIDENTES DO MARANHÃO

REGISTRADOS PELOS PRÓPRIOS

JESUÍTAS – Antônio Paim ...................................... 15

TEXTO DE LÚCIO DE AZEVEDO (1855/1933) ...... 27

AS ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DA

COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL

– Jorge Couto (Universidade Nova de Lisboa) .......... 63

ASPECTOS ECONÔMICOS DA EXPULSÃO

DOS JESUÍTAS DO BRASIL – Daurul Auden ......... 83

Page 2: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

2

Page 3: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

3

INDICAÇÕES DE ORDEM GERAL

– Antônio Paim

A estrutura da historiografia brasileira foi

estabelecida em bases definitivas no século XIX, graças

à criação do Instituto Histórico, à adesão ao princípio da

valorização do documento – de que a obra de Varnhagen

seria o exemplo emblemático; o reconhecimento da

necessidade de proceder-se à fixação dos respectivos

períodos históricos e de identificar suas principais

fontes documentais; etc.

A preservação desse patrimônio não significa a

ausência de controvérsias. Apenas que sua identificação

subordina-se aos princípios básicos da historiografia.

Entre estes, o de que a história refere-se ao passado não

lhe competindo dizer como será (ou poderá ser) o

futuro. A esse propósito cabe lembrar a seguinte

advertência de Hegel, contida da Filosofia do Direito:

“Conhecer o que é, eis a tarefa da filosofia, pois o

que é equivale à razão. No se que refere ao indivíduo,

cada um é filho de seu tempo; a filosofia, do mesmo

modo, resume seu tempo no pensamento. Seria estúpido

imaginar que um filósofo qualquer ultrapasse o mundo

contemporâneo do mesmo modo que um indivíduo salte

por cima do seu tempo... Se uma teoria de fato ultra-

passa esses limites, se constrói um mundo tal qual deve

ser, este mundo existe somente em sua opinião,

elemento inconsistente que pode assumir não importa

que forma.”

Page 4: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

4

Essa advertência serve também para lembrar que

embora a cultura corresponda a uma totalidade, no seu

estudo somos obrigados – em nome do rigor e da

objetividade – a estabelecer determinados limites. Dizer

como será ou poderá ser o mundo é parte da política,

justamente a esfera da vida social em que vigora a

violência e a paixão. Portanto, nada tão distante das

exigências da objetividade histórica, pressupondo seu

estudo o que Max Weber designou como “neutralidade

axiológica”, isto é, a aceitação de que a valoração, que

terá presidido à escolha do fato a ser estudado, não

deverá ser objeto de disputa. O rigor e a consistência da

análise terá que ser avaliada, exclusivamente, no âmbito

abrangido pelo próprio fato.

Muitas questões passaram o crivo da histo-

riografia antes de serem considerados controversos. Ao

hierarquizá-las, naturalmente, a preferência do

historiador pecará inevitavelmente pela subjetividade.

Assim, a escolha que efetivamos não se pretende

universalizável, contentando-nos com a evidência de

que sua natureza controversa seja plenamente

reconhecida.

Page 5: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

5

PRINCIPAIS TEXTOS RELACIONADOS AO TEMA

Nota introdutória – Antônio Paim

A principal controvérsia remanescente da

historiografia brasileira diz respeito ao papel dos

jesuítas. Varnhagen procurou registrar como se posi -

cionava diante daquela presença a sua própria época,

concluindo que “justo é reconhecer que a Ordem prestou

ao Brasil alguns serviços, bem como, por outro lado,

parcialismo ou demência fora negar, quando os fatos

evidenciam que, por vezes, pela ambição e orgulho de

seus membros, chegou a provocar no país não poucos

distúrbios” (1). O desdobramento desta hostilidade seria

a expulsão da Ordem de nosso país, não se podendo

perder de vista que o fenômeno ocorreu em outras

nações, culminando com a própria extinção, deter -

minada pelo Vaticano.

O problema central consiste no seguinte,

tomando-o aqui na maneira como o formularia o próprio

Varnhagen: “Na conversão dos índios prestaram um

grande serviço, na infância da colonização, desa-

nimando os governadores a prosseguir sem escrúpulos o

sistema de os obrigar à força, em toda parte reconhecido

como o mais profícuo para sujeitar o homem que

desconhece o temor a Deus e a sujeição de si mesmo

pela lei. Entretanto, é lamentável que justamente se

apresentassem a sustentar o sistema contrário, quando

tiveram fazendas que granjear com o suor dos índios, ao

passo que os moradores da terra, comprando os escravos

Page 6: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

6

da África e arruinando-se com isso, não poderiam

competir com eles na cultura do açúcar, etc.”.

Como classificar o trabalho realizado pelos índios

nas Fazendas Jesuítas? Lamentavelmente não se dispõe

de um levantamento das dimensões que teriam assu-

mido. Preservaram-se indicações dispersas relacionadas

sobretudo às existentes no então chamado Estado do

Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com

Pombal assumiu ali nitidamente a feição de uma disputa

comercial.

O próprio Varnhagen deixou-nos a indicação de

que os jesuítas mantinham naquela região 20 aldeias e

22 grandes fazendas, de gado e cana-de-açúcar, que

rendiam anualmente 165 contos, equivalentes a 75% dos

rendimentos de 221 contos apurados pelas 56 fazendas

sustentadas por ordens religiosas (2).

Alguns desses estabelecimentos seriam efetiva-

mente de muito grande porte. Kenneth Maxwell os

refere deste modo:

“Embora os inimigos dos jesuítas lhes

exagerassem a riqueza, esta não era despicienda. Os

jesuítas, em virtude do número e do valor de suas

propriedades, do governo temporal sobre as numerosas

aldeias das missões e da utilização da mão-de-obra de

muitos outros povoados indígenas, detinham um capital

e um poder havia muito cobiçado pelos colonizadores

portugueses do Grão-Pará e Maranhão. Somente na ilha

de Marajó os jesuítas administravam fazendas que

continham mais de cem mil cabeças de gado e

propriedades rurais produtoras de açúcar. Também

Page 7: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

7

comercializavam os frutos das expedições indígenas ao

interior da floresta amazônica em busca de drogas

nativas, cravo, cacau e canela, que, transportados por

frotas de canoas para o litoral do Atlântico, eram

recolhidos aos armazéns dos colégios jesuítas. Ali esses

produtos ficavam isentos de impostos e taxas

alfandegárias e eram colocados no mercado mediante

uma feira mantida enquanto a frota portuguesa estava no

porto. Em Belém, os produtos eram vendidos a capitães

de navios e comissários vindos de Portugal e uma

porção menor consignada à Metrópole em nome da

Companhia de Jesus e sob o seu selo. Como seus

colegas em todo o Brasil, os jesuítas, além das suas

atividades religiosas, administravam uma operação

comercial de considerável sofisticação que resultava de

anos de acumulação de capital, reinvestimentos e

administração cuidadosa” (3).

Serafim Leite descreve as fazendas jesuítas e

explica o seu nascedouro como uma forma de assegurar

o abastecimento dos gêneros de que careciam tanto os

membros da Ordem como os índios aldeados. A

descrição considerada encontra-se, basicamente, nos

volumes IV e V de sua monumental História da

Companhia de Jesus no Brasil e também na Suma

Histórica da Companhia de Jesus no Brasil (Lisboa,

Junta de Investigações no Ultramar, 1905). Em que pese

aquela circunstância inicial, indica expressamente que,

com o correr do tempo, tornou-se uma atividade

comercial. Assim, manteve engenhos de açúcar, tanto no

Recôncavo da Bahia (que chegou, segundo refere a

Page 8: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

8

produzir 150 caixas de açúcar de mil libras cada uma,

em 1722), como em Sergipe, na capitania do Espírito

Santo, em Pernambuco (dois), no Maranhão e no Pará.

Serafim Leite trata com naturalidade a posse de

escravos negros pela Companhia de Jesus. Assim,

quando se refere à Fazenda de Santa Cruz, no Rio de

Janeiro, indica achar-se dotada das características de

grande estabelecimento agropecuário, ao que acrescenta

depois de mencionar os diversos bens produtivos de que

dispunha: “e só no núcleo central da povoação as

senzalas eram 232, onde as famílias viviam sobre si

mesmas, à parte se eram de prole numerosa”.

Talvez porque fossem muito numerosos, os

escravos negros dispunham de algumas regalias, como o

próprio gado para obtenção de carne e leite. O autor

explica a situação deste modo: “este gado dos escravos

era o que os padres lhes davam e proliferava por conta

dos mesmos escravos, pastando livremente nos campos

da fazenda, distinguindo-se do outro gado apenas pela

marca. Não só lhes concedia essa regalia, mas também

os tornavam participantes das suas pescarias, entre as

quais uma se denominava de “negros na ilha da senzala”

(História da Companhia, vol. VI, p. 59; Suma

histórica, p. 187).

O jovem promissor historiador português Jorge

Couto – que em sua dissertação de mestrado (1990)

cuidou do destino do patrimônio do Colégio dos Jesuítas

no Recife – teria oportunidade de assinalar divergências

na Ordem quanto à posse de escravos negros,

controvérsia que terminou com a vitória da corrente que

Page 9: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

9

denomina de pragmática, isto é, daqueles que preferiam

gerar os recursos requeridos para o seu sustento ao invés

de depender de incertas doações oficiais. A descrição

dos desdobramentos dessa disputa é efetivada na

comunicação ao Congresso América 92 – Raízes e

Trajetórias, inserida no livro Confronto de culturas:

conquista, resistência, transformação (Rio de Janeiro,

Editora Expressão e Cultura; São Paulo, EDUSP, 1997).

Quanto à natureza do trabalho indígena, Serafim

Leite não é explícito. Indica apenas que a estes

incumbia as pescarias registrando igualmente a sua

presença no recolhimento de madeira. A Companhia

mantinha serrarias e exportava madeiras. Quanto às

fazendas de gado, Serafim Leite indica que as maiores

encontravam-se em Campos de Goitacazes (com 16.580

cabeças), no Piauí (com 32 mil cabeças) e na Ilha de

Marajó com mais de 50 mil).

Lúcio de Azevedo é mais explícito embora os

seus levantametos digam respeito apenas às províncias

do Grão-Pará e do Maranh/ao (Os jesuítas no Grão-

Pará. Suas missões e a colonização . Lisboa, Tavares

Cardoso & Irmão, 1901). Segundo sua estimativa, no

século XVIII havia, na Província do Grão-Pará, cerca de

sessenta aldeamentos de índios aculturados (“mansos”,

como diz) com uma população de cinqüenta mil pessoas.

Não apresenta estimativas relativamente ao Maranhão.

Acerca do tema que os ocupa afirma ex-

pressamente o seguinte: “Usando dos mesmos processos

de cativeiro e domínio, aplicados pelos seculares, os

padres lograram acrescentar os seus estabelecimentos,

Page 10: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

10

ao passo que os dos simples colonos minguavam, até a

extrema decadência. Escravos eram os índios em poder

destes, como no daqueles, e em ambas as partes o

trabalho violento. Não era talvez a menor tirania do

religioso na missão, que a do lavrador na fazenda. Mas o

desinteresse pessoal do sacerdote fazia a parte

divergente, de onde partiam os caminhos, aos quais um

levava a obra empreendida à existência vivaz, o outro a

conduzia ao marasmo, de que nenhum reagente

conseguia levantá-la. É que o missionário, forçando o

selvagem ao trabalho, aplicava o produto à manutenção

das aldeias; e a riqueza econômica, criada pelo braço

cativo, vinha incorporar-se nos próprios estabeleci-

mentos onde havia brotado. O trabalho do que se achava

em poder da gente laical, esse era dissipado na vida

indolente dos colonos, ou transferido na bagagem dos

funcionários, para quem engrossar os cabedais era a

superior preocupação do ofício.

As missões enriqueciam portanto; e as dos

jesuítas sobrepujavam a todas em número e valor das

propriedades”. (p. 195-196).

Segundo indica, os jesuítas possuíam, na

capitania do Pará, nove fazendas rurais; no Maranhão,

seis de criação de gado e sete outros estabelecimentos

agrícolas “entre estes um engenho de açúcar produzindo

mais de duas mil arrobas anuais de açúcar”.

Embora enfatize sobremaneira o fato da atividade

produtiva achar-se voltada para os aldeamentos, não

deixa de registrar as exportações (admitindo mesmo que

algumas ficavam de fora dos registros oficiais, por ele

Page 11: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

11

compulsados), isentas de dízimos e de direitos

alfandegários, o que, por seu turno, aumentava ainda

mais o ódio dos particulares contra a Companhia. (“A

isenção, odiosa aos habitantes da colônia, jus tificava-se

com serem tais valores aplicados no sustento das

missões”, pág. 127).

Lúcio Azevedo está longe de aprovar as medidas

tomadas contra os jesuítas, sob Pombal, e até procura

minimizar a presumível riqueza por eles acumulada. De

todos os modos, na documentação compulsada e que

registra, vê-se que funcionários da Metrópole, nos

começos do século e ainda sob D. João V, como escreve

“manifestam o quanto é desagradável ao monarca

verificar que religiosos empregam seu maior cuidado

nos negócios temporais”. De um documento que

encontrou na Biblioteca de Évora, com a data de 13 de

janeiro de 1723, em que se manda retirar das missões os

padres das Mercês e do Carmo, transcreve o seguinte:

“por certo (diz a Ordem Régia) se estão servindo dos

índios como escravos para suas grangerias e comércio”.

Trata-se de memorando da Corte encaminhado ao

governador.

No ensaio elaborado para a obra coletiva Conflict

and Continuity in Brazilian History (Columbia, SC,

1969; trad. brasileira, Rio de Janeiro, Civilização

Brasileira, 1970), organizada por Henry H. Keith e S. F.

Edwards, sob a denominação de “Aspectos econômicos

da expulsão dos jesuítas do Brasil”, Daniel Alden

reconstitui a maneira pela qual a Companhia de Jesus

acumulou a riqueza de que estava de posse à época da

Page 12: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

12

expulsão. Além de doações da Coroa, herdou espólios e

também foram efetivadas compras diretas, tanto de

terras como de outros bens. O dimensionamento e

características de seus empreendimentos econômicos é

concluído com relativo sucesso.

Começa por indicar que as lavouras mais

importantes eram mandioca, arroz, algodão e tabaco.

Havia igualmente cultivos de legumes, frutas cítricas e

trigo. Destinando-se basicamente ao consumo próprio,

geravam contudo excedentes exportáveis, notadamente

no caso dos engenhos de açúcar. Acerca dessa última

atividade escreve:

“Embora tivessem começado a cultivar a cana

logo depois de terem chegado no Brasil, os jesuítas só

adquiriram seu primeiro bangüê em 1604, quando se

construiu o engenho Camamu na Bahia em local

escolhido pelo Padre Fernão Cardim. O engenho foi

destruído pelos holandeses em 1640, mas os padres

continuaram a adquirir outros grandes bangüês, por

doação (como no caso do famoso Sergipe do Condé) ou

por compra (por exemplo, o engenho Pitanga, também

na Bahia), até que cada um dos colégios mais

importantes pode retirar parte de sua renda de uma ou

mais plantações de cana. Pelos meus cálculos, os

jesuítas tinham ao todo dezessete canaviais, cada um

equipado com um ou mais engenhos, ao tempo de sua

expulsão. Essas instalações compreendiam não só

moendas e outros maquinismos relacionados com o fa-

brico de açúcar, mas também destilarias de aguardente,

forjas, tanoarias, olarias e oficinas de tecelagem, e, em

Page 13: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

13

alguns casos, estaleiros aptos para construir em-

barcações que, quanto ao tamanho, iam desde as canoas

amazônicas até às sumacas de navegação marítima”.

Quanto à atividade pecuária sua estimativa é a

seguinte: “Além das lavouras de subsistência e dos

canaviais, cada colégio também possuía muitas fazendas

de criação que produziam principalmente leite e gado

para o corte, afora cavalos, porcos, ovelhas, cabras e

aves de quintal. Ao tempo do confisco havia, por

exemplo, 16.580 cabeças de gado na fazenda do colégio

ao norte do Rio de Janeiro, um total avaliado em 32.000

cabeças distribuídas por trinta criatórios no Piauí, e

mais de 100.000 reses nos sete estabelecimentos da ilha

de Marajó”.

No que se refere à forma de gestão, indica que

“eram geridas por um ou dois padres que super-

visionavam o trabalho dos negros escravos, como

acontecia nas lavouras de cana, ou dos índios, como nas

fazendas de criação do Amazonas. Dentre as insti -

tuições, a Companhia de Jesus era provavelmente a

maior proprietária de escravos do Brasil; seguramente

possuía o maior número de escravos existentes em uma

só fazenda em toda a América colonial”.

As posses dos jesuítas incluíam ainda muitos

prédios urbanos que eram alugados para renda (186

casas em Salvador; 70 no Rio de Janeiro; etc.) Os dados

mobilizados por Daniel Alden permitem-lhe avaliar em

mil contos de reis o patrimônio confiscado aos jesuítas.

O ensaio considerado descreve os conflitos em

que estiveram envolvidos, notadamente por razões

Page 14: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

14

comerciais nas províncias subordinadas ao Rio de

Janeiro como no tocante a mão-de-obra indígena no

Norte, detendo-se em especial na década de cinqüenta

do século XVIII, onde se originaram as causas imediatas

da expulsão. No caso da utilização do trabalho dos

indígenas, sem indicar expressamente em que elementos

se apóia para afirmá-lo, considera que a expulsão

“retirou aos índios amazônicos o já tradicional manto

protetor dos missionários, expondo o gentio à explo-

ração desenfreada posta em prática pelos rivais se-

culares dos padres, apesar de uma lei que no papel

deixava os indígenas em liberdade”. Como se vê, a

questão da natureza do trabalho realizado pelos índios

nas fazendas dos jesuítas, está de fato marcada pela

controvérsia, sendo difícil na matéria conduzir as

análises com objetividade.

NOTAS

(1) História geral do Brasil , vol. II, tomo IV, 10ª edição integral,

Belo Horizonte, Itatiaia, 1981, p. 141.

(2) Além dos jesuítas, segundo a mesma fonte, mantinham essa

praxe, os carmelitas e os capuchinhos.

(3) Marquês de Pombal – paradoxo do iluminismo . Tradução

brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996, p. 58-59.

(Transcrito de Momentos decisivos da história do Brasil . São

Paulo, Martins Fontes, 2000. págs. 35-41).

Page 15: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

15

OS INCIDENTES DO MARANHÃO

REGISTRADOS PELOS PRÓPRIOS

JESUÍTAS

- Antônio Paim

A disparidade de situações, em matéria de ati -

vidade produtiva, entre os jesuítas e os colonizadores

portugueses, provocou muitos conflitos. Aqueles que ti -

veram lugar, na segunda metade do século XVII

(segundo da colonização) no Estado do Maranhão (te-

nha-se presente que abrangia grande parte do território ,

independente do Estado do Brasil, ambos ligados auto-

nomamente a Lisboa), foram registrados pelo padre

jesuíta João Filipe Bettendorff (Lintengen, Luxemburgo,

1625/Pará, 1698) em Crônica da Missão dos Padres da

Companhia de Jesus no Estado do Maranhão (editada

pelo Senado Federal em 2010), cuja cópia seria preser-

vada na Torre do Tombo de Lisboa. Varnhagen dela teve

conhecimento e a situa entre “as fontes de maior

confiança a que recorreu para historiar os sucessos de

que foram teatro o Maranhão em fins do século XVII.”

Os jesuítas reivindicavam que lhes fosse atribuído

o governo não apenas espiritual dos índios mas

igualmente o governo temporal. Esse privilégio veio a

ser-lhes concedido por D. João IV que reconquistara a

independência de Portugal em 1640 e reinou até o ano

de seu falecimento (1656). Não vem ao caso determo-

nos na crise de sua sucessão devido à condição de saúde

do herdeiro (mal podia andar), que chegou a ser

Page 16: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

16

formalmente coroado como Afonso VI. Registre-se

apenas que, na verdade, governou seu irmão, D. Pedro,

primeiro como Regente e após o falecimento de Afonso

VI em 1683, como D. Pedro II (reinado desde então até

1706, quando ascende ao trono D. João V).

O padre Antônio Vieira (1603/1697) obteve de D.

João IV, em 1655, a seguinte disposição: “Que as

aldeias e os índios de todo o Estado sejam governados e

estejam sob a disciplina dos religiosos da Companhia de

Jesus; e que o Padre Antônio Vieira, como superior de

todos, determine as missões, ordene as entradas ao

sertão e disponha os índios convertidos à fé pelos

lugares que julgar mais conveniente.” Na época, a

colonização abrangia o litoral do Maranhão e do Pará,

com entradas no rio Amazonas e outros cursos dágua. É

dessa fase o início da colonização da ilha de Marajó.

Essa primeira experiência de governo total dos

jesuítas praticamente sobre todos os povoados situados

fora de São Luís e Belém, acabou provocando a revolta

dos colonizadores portugueses que, à vista da atividade

produtiva desenvolvida pela Ordem, sofriam a sua

concorrência. Em maio de 1661, conseguiram, graças a

movimento popular, que os religiosos da Ordem fossem

presos e ordenada sua expulsão do Maranhão e do Pará.

A par disto, as Câmaras Municipais revogam os pri -

vilégios de que dispunham. Em setembro são devolvidos

a Lisboa. Mas o padre Vieira conseguiu revogar essa

disposição, mais uma vez por pouco tempo.

Provisão de outubro de 1663 fez cessar toda a

ingerência de religiosos no governo temporal dos índios.

Page 17: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

17

O cativeiro dos indígenas voltou a ser permitido em

determinadas circunstâncias (notadamente em se tra-

tando da1queles que já estivessem escravizados, como

ocorria em decorrência de guerra entre tribos: os

derrotados perdiam a liberdade). A proibição de toda

espécie de escravização de indígenas é de 1680.

Em 1684, estoura nova revolta contra o direito

dos jesuítas de empregar a mão-de-obra indígena, o que

passou a ocorrer nos aldeamentos nos quais dispunha

também do governo temporal. Desta vez o movimento é

liderado por Manuel Beckeman (1630/1685), senhor de

engenho português. Contou com o apoio das autoridades

eclesiásticas e civis, bem como dos responsáveis pela

fora pública, o que lhe permitiu estruturar amplo

movimento popular. Achando-se ausente o governador,

além de efetivar a expulsão dos jesuítas, constituiu

governo. Essa última providência obrigou Lisboa a

intervir. Contudo, o movimento durou até maio de 1685,

quando a região é ocupada pela tropa portuguesa.

Restabelece-se a situação anterior (governo temporal e

espiritual dos jesuítas nos aldeamentos indígenas).

A descrição dos incidentes pelo padre Bettendorff

está longe de corresponder a relato direto e claro.

Certamente como não poderia deixar de ser, segue o

estilo geral da Crônica, onde o processo de ocupação,

de que participavam os prelados, numa terra estranha ao

olhar europeu, tinha sempre algo curioso e inusitado a

registrar, entrecortanto a seqüência do relato.

No caso do incidente de 1661, o padre Betterdorff

primeiro o atribui a uma carta do padre Vieira enviada

Page 18: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

18

aos superiores da Ordem, em Lisboa, que tendo sido

violada e do conhecimento das autoridades, as deixara

agastadas, Mas, ao mesmo tempo indica que a Câmara

encaminha “as queixas do povo sobre o governo

temporal dos índios”. Diante da exigência do Gover -

nador, ao subprior, de que “largasse Sua Paternidade

este governo”, respondeu (o padre Ricardo) que aquele

governo era concedido aos padres missionários da

Companhia de Jesus pela lei do ano de 1655, “passado

por el-rei D. João o 4º, de gloriosa memória, e que não

tocava a ele subprior da casa largá-lo, mas pertencia

esta deixação ao padre subprior de toda a missão, o

padre Antônio Vieira, o qual estava no Grão-Pará;

intimou-se logo esta resposta do padre Ricardo Careo ao

povo, o qual estando já a paz alterada pelos maus

conselhos de vários amigos de novidade e alterações, em

15 de maio de 1661, dia do Espírito Santo, se levantou

contra os padres e assanhados todos como feras bravas,

investiram à casa de N. S. da Luz, mandando e

obrigando todos que em ela estavam a saírem. Estavam

ali além do padre subprior Ricardo Carreo, o padre José

Soares, o padre Antônio Soares, o irmão João Fer -

nandes; o irmão João de Almeida com um secular

Manuel da Silva, que estava para se admitir no

noviciado.... (págs. 188 e 189 da edição do Senado”). E,

a partir daí, novamente o relato se perde (por exemplo:

ao mencionar o nome do administrador da Casa

residência dos jesuítas traça a história pela qual

enriqueceu) para então indicar que “presos os padres da

Casa, mandaram também vir da aldeia de São José o

Page 19: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

19

padre Antônio Ribeiro e o puseram com os mais. Todas

estas violências sacrílegas fizeram sem o Governador

Dom Pedro de Melo se opor a coisa alguma”. Indica

também que foi providenciada a ida de líderes dos

amotinados ao Grão-Pará (Belém) a fim de que se

efetivasse a prisão dos que ali se encontravam, inclusive

o padre Vieira.

Diz bem do estilo do padre Bettendorff que nessa

altura o relato se interrompe, seguindo-se um outro

capítulo dedicado à missão de que se incumbiu aos

índios Tapajós para então, somente no capítulo seguin te,

relatar os acontecimentos de Belém. Retomando o tema

da expulsão, afirma que ali também “foi -se o povo

amotinado ao colégio de Santo Alexandre e lá prendeu o

padre Antônio Vieira subprior e visitador das missões, e

o levou preso com grandes descortesias para a eremida

de S. João Batista, onde o tiveram com tanto aperto que

nem por uma necessidade estava livre...” (pág. 201).

Os prelados presos em Belém logo foram

embarcados para Lisboa, inclusive o padre Vieira.

Quanto aos de São Luís, entre os quais o próprio padre

Bettendorff, ao Ceará em embarcações precárias, o que

os obrigou a completar a pé o percurso, e somente dali

encaminhados a Lisboa.

Conforme foi referido, o padre Antônio Vieira,

chegado a Lisboa obteve a reconstituição do quadro

institucional anterior, sendo os prelados mandados de

volta ao Maranhão.

A revolta contra os jesuítas de 1884, liderada por

Manuel Beckman, será objeto dos primeiros capítulos do

Page 20: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

20

Livro VII (págs. 405 à 440).

Na descrição do episódio, mais uma vez, procura

atribuir sua origem a outra causa que não os privilégios

dos jesuítas. Assim, começa tratando da indisposição

causada entre os colonizadores portugueses a decisão do

governo de monopolizar a comercialização dos produtos

oriundos dos empreendimentos locais, o que não afetava

os religiosos, isentos de tributos... “Em presença de

homens turbulentos para levar adiante qualquer ocasião

de tumultos”, prossegue, começam a aparecer panfletos

incitando-os à revolta. Até aí uma questão entre o

governo e o empresariado português. Contudo, logo

adiante que “para dar alguma cor de justiça a uma ação

tão prejudicial, fez o povo uma petição à Câmara em

que lhe representava “as misérias, por se não lhes darem

índios dos padres da Companhia, visto que eles, suposto

que tinham o governo dos índios, não tinham a

repartição deles, pois a tinha o sr. Bispo, eleito pela

mesma Câmara.”

Para dar resposta à petição, a Câmara convocou o

visitador da missão. Acompanhou-o o próprio Betten-

dorff. No encontro, enfatiza, evidenciou-se a indis-

posição da Câmara contra a Companhia de Jesus mas,

nessa ocasião, não houve outros desdobramentos.

Ainda assim, prossegue, “não faltou quem

atiçasse o figo dos ânimos alterados, entrando nisso não

só alguns clérigos do hábito de Cristo, mas também, que

pior é, religiosos das várias religiões...”

Mais adiante: “Os cabeças principais daquele

motim eram Manuel Beckeman, senhor de engenho da

Page 21: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

21

Vera Cruz, sobre o rio Meari, e Jorge de Sampaio,

escrivão da Ouvidoria, que já se tinha achado noutro

motim, e o reverendo padre frei Inácio, o ventoso, por

alcunha, vigário provincial de Nossa Senhora do Carmo,

sem embargo das obrigações que tinha aos padres

missionários da serra, que lá o tinham agasalhado como

seu irmão, havia tempos com toda caridade e ajudado

para seguir sua viagem ao Brasil, como me contou o

mesmo Pero Pedroso, que por então era superior daquela

residência, tendo por companheiro seu o padre Gonçalo

de Veras”. (p. 408 da edição do Senado).

Indica então que o motim se inicia em fins de

janeiro de 1984, criando-se uma Junta que, entre outras

coisas, “no tocante aos padres da Companhia de Jesus,

que se lhes havia de tirar a jurisdição temporal sobre os

índios; mas não se concluiu se havia de botar fora do

Estado, nem se havia de negar obediência ao governador

Francisco de Sá, que então governava”.

A 23 de fevereiro de 1684, os amotinados

decidem prender o capitão-mor, convocando os jesuítas

para dar-lhes conhecimento da “resolução que tinham

tomado os três Estados, o do eclesiástico, da nobreza e

do povo”.

Indica adiante que, como procurador do povo e

cabeça do motim, Manuel Beckeman começou a falar

assim: “Reverendo padre reitor, eu, Manuel Beckeman,

como procurador eleito por aquele povo aqui presente,

venho intimar a vossa reverência, e mais religiosos as -

sistentes do Maranhão, como justamente alterado pelas

vexações que padece, por terem vossas paternidades o

Page 22: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

22

governo temporal dos índios das aldeias, se tem

resolvido a lançá-los fora, assim do espiritual como do

temporal, e não por alguma falta ou mais exemplo da

vida, que por esta parte não tem de que se queixar de

vossas paternidades; portanto, notifico a vossa pater -

nidade e mais religiosos, por parte deste alterado povo,

que se deixem estar recolhidos ao Colégio, e que não

saiam para fora dele para evitar alterações e mortes, que

por aquela via se poderiam ocasionar; e entretanto

ponham vossas paternidades sobre seus bens e fazendas

para deixá-las em mãos de seus procuradores que lhes

forem dados, e estejam aparelhados para o todo tempo e

hora embarcarem para Pernambuco, em embarcações

que para este efeito lhes fossem concedidos.” (p. 410)

Coube ao padre Estevão Gandolfin a função de

responder-lhe. Resumindo, a alegação consiste em

afirmar que, de motu próprio, os jesuítas já haviam se

proposto deixar o governo temporal sob a condição de

que as autoridades o assumissem (naturalmente sem

imiscuir-se na gestão de suas atividades produtivas),

condição que, como diz, na ocasião não foi aceita.

Reiterando-a, não via motivo para insistir na expulsão.

Afirma nessa altura: “Bem viam eles a força da razão,

mas como nos motins prevalece a paixão sobre a mesma

razão, foram obstinados, e sem responder à proposta

foram diretos para a casa de Melânio Rodrigues,

estrangeiro, e tomando as fazendas em rol, as mandaram

fechar com ordem de não vender mais coisa alguma, e

acabado isso se foram para a Sé, tão satisfeitos como se

tivessem acabado uma obra de grande serviço de Deus,

Page 23: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

23

em ação de graças pelo bom sucesso mandando cantar o

Te Deum Iandamos, como se Deus Nosso Senhor os

tivesse ajudado e não o Diabo, autor desse motim.”

(pág. 410, cit.)

Formalmente constitui-se governo. Tentaram

embarcar os jesuítas em canoas, o que foi recusado, em

face do que providenciou-se duas embarcações que ali

se encontravam. A expulsão consumou-se a 26 de março

de 1684. As peripécias da viagem acham-se minu-

ciosamente descritas. A viagem para a Europa iniciou-se

a 4 de julho daquele mesmo ano.

Na sua estada em Lisboa, Bettendorff teve

oportunidade de avistar-se com o Rei D. Pedro II e dele

obter que incumbisse um de seus ministros de atendê-lo.

A este (Roque Monteiro) teria oportunidade de entregar

Memorial no qual apresenta as medidas em apoio ao

trabalho missionário que a Companhia de Jesus voltará a

desenvolver no Estado do Maranhão.

Neste Memorial (Capítulo X do mesmo Livro

VII, págs. 449-452) é explícito quanto à necessidade de

que suas prerrogativas sejam restituídas “pela mesma

forma que dantes estavam.” Não só se estabelece

claramente que os índios sob sua jurisdição destinam-se

ao serviço como a forma de pagamento (“duas varas de

pano cada mês”). A exclusividade também deverá ser

assegurada (“que se proibisse, sob graves penas, aos

brancos e mestiços irem às aldeias, sem especial licença,

para tirar índios ou comerciar com aguardente”).

No Memorial, o trabalho dos índios acha-se

diretamente associado ao sustento das missões (“visto

Page 24: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

24

que os Colégios do Maranhão e Pará não terem com que

se sustentar, fosse Sua Majestade servido ao Colégio do

Maranhão a aldeia dos guajajaras, em Meari ... e ao

Colégio do Grão-Pará a aldeia de Guaçari).

Trata também das contribuições em dinheiro.

Nesse particular, espera receber os atrasados, em

decorrência dos grandes gastos acarretados pela

expulsão.

Bettendorff regressou ao Maranhão em agosto de

1687. Ainda em Lisboa, teve muitos contatos com

Gomes Freire de Andrade, nomeado governador do

Maranhão. a quem coube efetivar a ocupação militar e

restaurar a situação anterior.

A Crônica abrange até 1698, quando faleceu o

padre João Filipe Bettendorff. Na sua volta ao

Maranhão, foi reitor do Colégio e Comissário da

Inquisição (1688 a 1690), Superior da Missão (até

1693). Nesse ano começou a redigir a Crônica.

Nos aldeamentos jesuíticos, os índios praticavam

o extrativismo – cravo, castanha e canela – realizavam a

pesca, produziam essências medicinais, pelas artesanais,

construíam igrejas e residências dos missionários;

construíam e remavam canoas, etc. Além disto, os

jesuítas possuíam engenhos de açúcar e fazendas de

gado.

Para acolher a produção obtida nas aldeias,

existiam armazéns junto aos colégios e residências.

Além de dedicar-se à exportação, os jesuítas

participavam das feiras que se realizavam habitualmente

nas capitais.

Page 25: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

25

O padre Vieira denunciou a existência, em outras

ordens, do que denominou de “religioso mercenário” (ou

mercedário), cuja profissão consistia em reunir cativos.

Menciona expressamente o caso de um deles que trazia

índios como escravos e os vendia publicamente. Nessa

circunstância não deixa de causar espécie a naturalidade

com que os membros da Ordem passaram a escravizar os

índios, segundo se pode verificar da forma como

Bettendorff considerou o problema ao longo da sua

Crônica.

Essa perplexidade continua merecendo a atenção

de estudiosos atuais, como se pode ver da citação

adiante: “Quando encerrada a fase em que Antônio

Vieira esteve à frente dos jesuítas, defendendo com

profundo fervor a liberdade dos índios, instaurou-se um

período que Moreira Neto intitula de “fase empresarial

das missões jesuíticas”. O resultado final, segundo o

autor, foi a missão jesuítica ter tomado características

empresariais, tão comprometida com as operações de

produção, comércio e lucro de seus estabelecimentos

quanto qualquer outra agência econômica colonial.

Ironicamente, os jesuítas passaram a ser liderados, nessa

nova fase ou concepção no Brasil, por dois antigos

auxiliares de Vieira: os padres Jorge Benci, autor da

Economia Cristã dos Senhores no Governo dos

Escravos, editado em 1705, e João Antônio Andreoti, o

Antonil de Cultura e opulência do Brasil por suas

drogas e minas, de 1711.”

O texto de Moreira Neto, citado, consiste em “Os

principais grupos que atuaram na Amazônia brasileira”

Page 26: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

26

in História da Igreja na Amazônia , Petrópolis, Vozes,

1992. O autor da citação e do trecho transcrito é James

O. Sousa – “Mão-de-obra indígena na Amazônia”. Em

tempo de histórias, nº 6, Brasília, UnB, 2002.

Page 27: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

27

TEXTO DE LÚCIO DE AZEVEDO

(1855/1933)

CAPÍTULO XI

A EMANCIPAÇÃO DOS ÍNDIOS

I. A declaração das liberdades. Adiamento da

mesma para momento oportuno. A questão de limites.

Resistência dos missionários. Oposição em Espanha.

Irritação de Mendonça. II. Governo interino do bispo.

Desterro de quatro jesuítas para o Reino. III. A

criação da Companhia de Comércio acolhida em

sossego na colônia. Receios e suspeitas de Mendonça.

Fundação de Borba a Nova. A artilharia dos jesuítas.

IV. Regressa o capitão-general ao Pará. Proclama a

abolição do governo temporal dos missionários. Os da

Companhia de Jesus recusam entregar os bens

existentes nas aldeias. Retiram-se com o que podem

conduzir. Como procedem no Maranhão. Rebelião de

soldados no rio Negro. V. O breve Imme4nsa

Pastorum. Entra em execução a lei das liberdades. O

bispo publica o breve.

I

Meu irmão do coração. – Esta carta acompanha a

lei, que El-Rei Nosso Senhor estabeleceu, para restitui r

aos índios desse Estado a liberdade que lhes era devida,

e aos povos dele os operários, que até agora não

Page 28: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

28

tiveram, para cultivarem os muitos e preciosos frutos,

em que abundam essas terras. Da mesma lei vereis que

nela se não contém novidade, porque toda consiste em

uma renovação das antigas e saudáveis leis, cuja

inobservância, reduziu o Pará e o Maranhão, à miséria a

que achastes reduzidas essas duas capitanias (1).

Com estas palavras principia a carta, em que

Sebastião José de Carvalho participa ao governador do

Grão-Pará expedir-lhe a lei das liberdades. Dependente,

em seu espírito, esta providência da instituição da

Companhia de Comércio, e do termo de regime até aí

adotado nas missões, foi promulgada na mesma data que

o estabelecimento daquela, assim como o decreto, que

retirava aos religiosos o governo dos índios, passado

este definitivamente ao poder civil.

A reforma, que tão profundamente abalava o

predomínio das ordens monásticas, e a que, alterando as

relações do indígena com o colono, era a igual tempo

transformação social e econômica, não permitiu a

prudência do governo saírem a público; mas, perma-

necendo secretas, ao arbítrio do capitão-general foi

encomendado pô-las em execução, quando chegasse o

momento oportuno.

Estas ordens não as recebeu ele na capital do seu

governo, pois saíra dela, em outubro do ano antecedente

para o rio Negro, onde devia encontrar-se com os

encarregados das demarcações por Castela. A comissão

que sobrepujava em importância qualquer outra das que

lhe incumbiam, era porventura também mais que elas

eriçada de escolhos. Sabemos que, do lado espanhol, a

Page 29: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

29

convenção fora acolhida com desconfiança. Em Portugal

variavam as opiniões, podendo-se dizer que havia um

forte partido contrário. O Pará via somente prejuízos na

troca de territórios. João de Sousa de Azevedo, o

arrojado sertanejo que, viajando dali a Mato Grosso,

tantas vezes percorrera as regiões, por onde havia de

passar a fronteira, consultado pelo governador, res-

pondia parecer-lhe tal divisão uma traição formal; e o

próprio Mendonça chega a inferir, das informações que

recolhe, “que naquele contrato tiveram os outros

melhores procuradores que os portugueses” (2)

Aos obstáculos, que das prevenções de uma e

outra parte haviam de resultar, juntavam-se as difi-

culdades de ordem material. Já o antecessor de

Mendonça, em 1750, representara ao governo de Lisboa

quão difícil se tornaria grangear, no Estado, os recursos

indispensáveis à expedição. A epidemia diminuíra o

número de índios, faltando portanto as farinhas e a gente

do remo. Achando-se o ponto de encontro dos pleni-

potenciários, no rio Negro, em terreno longínqüo,

desabitado e inculto, indispensável se tornava depositar

ali, com antecedência, todo o necessário para o conve-

niente agasalho da numerosa população adventícia,

soldados, tripulações, e comissários de ambas as na-

cionalidades que compunham as expedições. Mas tal

dificuldade não era para desanimar o atual governador.

No seio do deserto havia agora de surgir uma cidade;

sobre mantimentos provia-se mandando plantar pelos

indígenas extensas roças, que fornecessem as farinhas; e

o Provincial dos jesuítas, e superiores dos outros

Page 30: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

30

missionários, dariam, para os serviços de transporte,

lavoura e edificação, os índios que lhes fossem

requisitados.

Com isto se ateou a guerra, entre os religiosos e o

capitão-general. Às positivas determinações do governo,

confessando aliás o melhor desejo de cumpri-las re-

torquiam os missionários não terem nas aldeias tantos

índios disponíveis. Escasso como era o número dos que

se apresentavam para tomar parte na expedição, esses

mesmos depois se evadiam. Guarnecidas as embar-

cações, e disposto Mendonça a partir, desertavam; e

assim, de uma vez, forçado lhe foi dilatar a viagem.

Avisado destes fatos, o governo da metrópole não

hesita em proceder severamente contra os que, com

verossimilhança, julga delinqüentes. Extingue-se por

isso nas aldeias, a que pertencem os desertores, o poder

temporal dos missionários; manda substituir o religioso

em funções, por padre de outra Ordem, incumbido só

dos encargos espirituais; e comete a administração

política do povoado à autoridade civil, na forma que o

governador, em junta com o prelado diocesano e

magistrados, venha a resolver (3).

Em todo o tempo, e foram muitos meses, que

durou a expedição, o principal missionário português

teve de lutar com essa contrariedade. A fuga dos índios

não era caso novo, nem que unicamente a estranhas

sugestões se pudesse atribuir. A cada passo os

assalariados abandonavam quem os tinha ao serviço,

para se acolherem ao jugo mais brando dos regulares.

Pretendiam estes que quase sempre saudades da família,

Page 31: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

31

de quem se viam apartados, impeliam os fugitivos. Era

também constante, entre as pessoas que com eles

lidavam, não lhes ser nenhuma imposição mais odiosa

que o serviço régio, às ordens de grosseiros soldados,

mais brutais e desumanos, se tal é possível, que o

comum dos moradores brancos.

Em circunstâncias normais, bastariam estas

considerações para justificar os missionários, acusados

de provocarem seus administrados à deserção; mas o

interesse, que evidentemente eles tinham em frust rar as

diligências do governador, depõe com suficiente clareza

contra a hipótese da sua não responsabilidade. Sem

aventurarmos, tão pouco, a de um acordo preexistente

com os jesuítas castelhanos, em que se fundavam as

alegações de Carvalho, é certo que uns e outros

simultaneamente trabalhavam contra o bom êxito do

tratado: os espanhóis por se verem despedidos de sete

aldeias, no Uruguai, além de outras no Guaporé; os

portugueses querendo fomentar o descrédito de um

governo, que ameaçava despojá-los da autoridade e

proventos, que por tantos anos havia fruído. Também no

sul do Brasil, a crueldade de que se usava com os

indígenas, expulsando uma população de trinta mil

almas das terras que hereditariamente possuíam, e

impondo-lhes um penoso êxodo, para sítios inóspitos e

desconhecidos, à farta justificava a revolta. De sorte que

ao será temeridade afirmar que os missionários não

somente animavam nos índios a idéia da reação, como

também lha incutiam; de modo que à Ordem se pode

atribuir o rebelarem-se uns de seus jurisdicionados no

Page 32: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

32

Uruguai, assim como outros desertavam no Amazonas.

Em Madrid, agitavam-se os jesuítas. O procurador

geral do Paraguai levara ao rei uma representação, em

que se alegavam razões políticas contra o tratado, e

entre elas que, entregue aos portugueses o território das

missões, facilmente podiam estes penetrar, e os ingleses

seus aliados, no coração dos domínios castelhanos, ao

alcance das minas de ouro e prata, tão cobiçadas do

mundo inteiro. A representação, examinada em

conselho, não teve efeito; mas, se é verdade o que

referem os jesuítas, ao Marquês de Enseñada, que foi o

mais hábil ministro de Fernando VI, não lhe sofreu o

ânimo assistir tranqüilo à realização de um convênio,

prejudicial à sua pátria; e posto que, no conselho,

tivesse votado com os colegas, saindo dele, tudo

comunicou ao embaixador das Duas Sicílias, para que

prevenisse o rei, seu amo, presuntivo herdeiro da Coroa

espanhola. Ainda, se devemos fé ao escritor parcial dos

jesuítas, a quem seguimos, daí resultou fazer o rei das

Duas Sicílias um protesto; e, conhecidos os meneios de

Enseñada, cair este no régio desagrado, sem que

Fernando VI, dominado por sua mulher, deixasse de

prosseguir na execução do convênio (4). Qualquer que

seja a crença que esta anedota possa merecer-nos, o

abandono em que finalmente caiu o tratado, subindo ao

trono Carlos III, presta-lhe de certo modo

verossimilhança.

Lutando contra os obstáculos que, ao feliz

desempenho da sua comissão, opunha a má vontade dos

missionários, contra eles se vai acerando a inimizade de

Page 33: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

33

Mendonça. Muitos parágrafos de suas cartas dão

testemunho dessa disposição de espírito: “Os regulares

(escrevia ele a Sebastião José) são o inimigo mais

poderoso do Estado, e, por isso mesmo que doméstico,

ainda mais poderoso e nocivo”. Ou então: “O cansado,

absoluto e prejudicialíssimo poder dos regulares, é a

total ruína do Estado, e há de obstar ao progresso de

quantos estabelecimentos nele se quiserem fazer”.

Instigado pelos embaraços, que a cada passo lhe

suscitam com réplicas, protestos, reclamações, promete

extinguir0lhes a arrogância, como fazia ao escalracho

das vinhas de Oeiras. E o excesso de irritação traduz-se

na frase, adotada entre os irmãos para exprimir os

rancores da família: Estas gentes são o meu Manuel

Pereira de Sampaio” (5).

Executando a parte de suas instruções, relativa

aos missionários, onde se via o influxo das queixas e

propostas, sobre as quais Paulo da Silva Nunes, em

tempos anteriores, tanto insistira, Mendonça, por si

próprio, indagara dos recursos das missões, dos bens

que as comunidades religiosas possuíam, do fundamento

com que se lhes imputava a ruína do Estado pelo

monopólio do comércio. Para esse fim, visitara os

aldeamentos e povoações vizinhas da capital; ouvira as

opiniões dos principais habitantes; e, procurando com

eles com debelar os males presentes, parecera-lhe o

alvitre da companhia para a introdução de negros o mais

adaptado ao propósito. Com ele enfraquecia as

comunidades suscitando-lhes um valente competidor no

tráfico do sertão. Mas isso não bastava: cumpria

Page 34: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

34

arrancar-lhes de todo a opulência, e reduzi-las à

modéstia primordial.

Mandara o Conselho Ultramarino perguntar o

valor das fazendas rurais, pertencentes aos religiosos, e

se deveria a Coroa apossar-se delas, prestando aos

despojados os indispensáveis meios de subsistência. O

governador foi de parecer que a expropriação se fizesse.

Aumentar-se-ia, no Estado, a Fazenda Real, com o

produto dos dízimos, de cujo pagamento os regulares se

haviam desobrigado; e, privados estes de todo o pretexto

de negócios, cresceria a renda das alfândegas, pelos

direitos incidentes nos gêneros, até aí livres, como

propriedade das missões. E, acima de tudo isto, afir -

mava Mendonça, campearia a vantagem de se verem os

padres transformar “de feitores de fazendas em

missionários e conquistadores de almas para o céu” (6).

Esta proposta de espoliação tinha fundamento na

lei, e, além disso, não era então a primeira vez que se

punha em dúvida o direito dos regulares à posse das

terras. As representações de Paulo da Silva Nunes

haviam feito sair à tona particularidades interessantes.

Por efeito delas, verificou-se que não podiam as

comunidades, segundo as leis do reino, adquirir bens de

raiz, sem preceder licença régia; e as existentes no Pará

não a tinham. A providência era antiga, e já se acha

consignada nas primeiras Ordenações, de 1446(7).

Tivera por objeto impedir que os conventos con-

tinuassem absorvendo as melhores terras cultiváveis, em

detrimento da população rural. Judiciosa, no Reino, essa

praxe, pela escassez do terreno, não teria muita razão de

Page 35: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

35

ser nas colônias, onde a extensão, pode-se dizer

ilimitada, do solo, requeria somente quem o fizesse

valer. Por isso, as aquisições dos regulares não tinham

em princípio levantado protestos, e o abuso fora

sancionado pela diuturna prática. Mas a lei era lei, e o

texto da ordenação positivo. Desperta a atenção dos

poderes do Estado, pronunciaram-se estes; e aconteceu,

por isso, serem os missionários demandados a juízo,

poucos anos havia, quando já nos tribunais superiores

do Reino fermentava latente a hostilidade, que breve-

mente ia romper.

Chamados a responder, os carmelitas e merce-

nários, ignorantes da lei, ostentosamente invocaram o

seu direito às propriedades, que haviam adquirido por

compras e heranças. Mais cautelosos, os jesuítas

confessaram a ilegalidade, e ardilosamente ofereceram

entregar todos os bens, uma vez que Sua Majestade lhes

desse as côngruas. Só desta maneira, asseguravam,

lograriam descanso em seus clautros. Mas o intento era

outro: de antemão sabiam eles que não ousaria o rei

agravar os cofres públicos com esse dispêndio. Agora,

porém, diferente era a situação. Mendonça enumerava as

conveniências do seqüestro; indicava se convertessem as

fazendas em povoações; propunha que todos os

escravos, existentes nelas, fossem declarados livres,

colocando-se em cada uma, como administrador, um

oficial de guerra. Está aqui todo o plano de

emancipação, realizada por Carvalho mais tarde. Além

disso, queria Mendonça que os religiosos se reco-

lhessem aos conventos, e se lhes proibisse admitirem

Page 36: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

36

noviços. A concluía, exprimindo a idéia, que daí por

diante foi a sua Delenda Carthago: “É impossível

restabelecer a propriedade do Estado, sem retirar aos

regulares todas as fazendas que possuem” (1). Os manes

de Berredo e Paulo da Silva Nunes deviam então

rejubilar na sepultura.

II

Na ausência do capitão-general, o bispo, D. frei

Miguel de Bulhões, foi investido no governo da colônia.

Confidente e turiferário de Mendonça, al imentava o

prelado, contra os missionários, animosidade igual à de

seus predecessores. Achava-se ainda pendente, aguar-

dando solução de Lisboa, a questão das visitas. Em

favor das regalias episcopais, aparece, é verdade, em

1748, uma decisão, mandando pôr em prática, no

Estado, o mesmo que em 1731 se determinou para Goa,

isto é, que as aldeias se sujeitem à visita do Ordinário;

mas, ainda em face da direta intimação, as comunidades

recusam-se; e os jesuítas, mais altivos, e fiados nas

influências que os protegem, sustentam que será preciso

submeter o assunto a um definitório provincial, que em

derradeira instância decidirá. Ao mesmo tempo, le-

vantam a pretensão de serem as igrejas propriedade sua

particular, assistindo-lhe direito a indenização, no caso

de esbulho: flagrante contradição ao que sempre tinham

afirmado, justificando o seu comércio, a saber: que este

era dos índios, e aplicado, entre outros objetos, à

erecção e fábrica das igrejas (9). Não lhes bastando

Page 37: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

37

repelirem, por este modo, a jurisdição episcopal,

procuravam ainda cercear as prerrogativas espirituais do

Ordinário. Por uma carta de Carvalho a seu irmão,

sabemos que o jesuíta Manuel de Azevedo alcançara do

pontífice um breve, para que os missionários da So-

ciedade pudessem, no Brasil, administrar o sacramento

da confirmação, em território fora das missões, isto é,

da exclusiva jurisdição dos bispos.

Com tantos agravos, o prelado, monge domínico,

e nessa qualidade inimigo natural dos jesuítas; doído,

como superior, de ver menosprezados seus privi légios;

interessado além disso em lisonjear os Carvalhos, de

quem espera adiantamentos; de bom grado se presta a

ser o braço direito da repressão. Antes mesmo de

assumir o governo, intriga e denuncia: assim vai

alhanando o caminho, para a mitra mais pingue, que

ambiciona na metrópole. Aos pés dos protetores, roja -

se em exageros de servilismo. Se faltarem os índios

para a viagem do capitão-general, ele mesmo tomará o

remo, que foi o primeiro ofício dos apóstolos. Assim

escreve a Carvalho; e esse excesso de f ingimento, na

adulação, é a fotografia do seu caráter (10). à vista

disto se julgará como receberia a ordem, vinda da

corte, para a expulsão de alguns padres.

Por estes se deu princípio ao castigo, que breve

se estenderia a toda a Ordem. Carvalho mandava retirar

do Estado, e recolher ao Reino, quatro missionários

“pelos atentados com que insultaram os ministros de

Sua Majestade, e contrabandos que fizeram e em que

continuam” (11). Não lhes foram declaradas as culpas,

Page 38: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

38

nem delas tão pouco souberam os superiores. É

necessário recorrer à correspondência de Mendonça,

para as encontrar. Manuel Gonzaga era o missionário

que, no Piauí, havia lançado a excomunhão ao Ouvidor.

Sobre outro, Teodoro da Cruz, pesava o aleive de ter

ministrado peçonha a um clérigo; e, escrevendo ele ao

bispo que desejava uma satisfação pública de tamanha

injúria, fora a reclamação tomada por ofensa. Aos dois

restantes, padres António José Roque Hundertpfund,

missionários do rio Madeira, se argüia de instigarem ao

desprezo das régias ordens, que vedavam a

comunicação, por essa via, com Mato Grosso, e de

facilitarem o contrabando do ouro. Aos mesmos, a

Relação Abreviada, conhecido panfleto de Pombal,

acusa de terem, no tempo das demarcações, sublevado

os índios das vizinhanças do rio Negro, induzindo-os a

desertarem; e ao último incrimina mais de participar

em uma trama, cujo objeto era entregar a província aos

franceses de Caiena. As duas imputações são

igualmente caluniosas, e a apologia dos acusados saiu

cabal (12). Em setembro embarcaram os exilados,

chegando a Lisboa no dia imediato ao do terremoto.

Atravessando a custo do cais, por entre as ruínas da

cidade, mal sabiam eles quanto lhes fora propícia a

medonha catástrofe. O infinito pavor e as aflições do

momento não davam ao governo aso a cuidar em

negócios mínimos. Caíram em temporário

esquecimento as culpas dos jesuítas, e o padre

Hundertpfund pôde recolher-se imune à Alemanha, sua

pátria, evitando o cárcere, reservado aos companheiros

Page 39: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

39

que, por enquanto poupados, ficavam ainda nas

missões.

III

A erecção da Companhia de Comércio não

encontrou no Pará a hostilidade receada por Carvalho.

Os negociantes estabelecidos na terra, eram em pequeno

número. Pobres e humilhados pelo tratamento grosseiro

de Francisco Xavier; tendo visto frustrada e punida a

soberbia do Ouvidor, em cuja devassa tinham dado

vazão ao desgosto; jamais lhes passaria pela mente

declararem-se em oposição a um governo tão forte,

como demonstrava ser o atual. Os jesuítas, atordoados

com o golpe, que tão inopinadamente os feria , do exílio

dos seus, e avisados do que sucedera na côrte, não

ousavam lançar-se em cometimentos novos de resis-

tência, e punham em reserva as energias, para a decisiva

contenda, sobre o domínio das missões, que já próxima

se lhes antolhava. O resto da população era indiferente:

tudo suportaria, compreendendo que nada lhe podia ser

mais duro que permanecer no mesmo estado de

abatimento e penúria. Prometiam-lhe negros de África

em quantidade, e o milhão dos acionistas, a derramar-se

no tráfico, por multiplicados canais. Os missionários

iam perder as vantagens, que lhes dava a superioridade

do seu comércio, e porventura teriam de entregar mais

tarde os índios, de que faziam tão proveitoso uso. Da

mudança, algum bem havia de resultar.

No sertão, continuava Mendonça preocupado com

a falta de gente, para o serviço das embarcações, e

Page 40: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

40

trabalho de preparar subsistências e alojamentos para a

numerosa comitiva dos demarcadores. As deserções

principiadas no Pará não cessavam; atribuindo ele, ao só

influxo dos missionários, o que em parte se poderia

imputar à instabilidade natural dos selvagens. Via

também meneios dos jesuítas na demora dos comissários

castelhanos que, hóspedes deles no Orinoco, não vinham

realizar a demarcação. E, com isto, crescia a sua

indignação contra os padres.

As novas que lhe chegavam de outras partes, quer

da sede do seu governo, em Belém, quer do sul do Brasil

ou da metrópole, todas lhe confirmavam as

desconfianças, que desde o princípio alimentava. Do

Pará o bispo continuava a pressagiar-lhe ciladas, e

descobria-lhe a suposta conjuração de Hundertpfund. O

que sabia da rebelião dos índios, no Paraguai, exagerado

por interessadas falsidades, como por efeito da

distância, e pela incerteza dos fatos, avivava-lhe

suspeitas, sugeria-lhe receios. De Lisboa, manifestava-

lhe seu irmão fiar pouco da lealdade castelhana. As

tropas, que deviam operar no Rio da Prata com as

portuguesas, tinham-se retirado a Buenos Aires,

deixando Gomes Freire a braços com a revolta; e as

escusas do gabinete de Madrid eram frouxas, a ponto de

parecerem capciosas. Temendo da banda do norte

alguma inesperada incursão, mandava o governo

estabelecer a nova capitania de S. José do rio Negro,

“para se povoar a fronteira ocidental do Amazonas e

defender as comunicações com Mato Grosso” ; e

recomendava fossem expelidos os espanhóis, e

Page 41: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

41

apreendidos os índios das aldeias, que se encontrassem

na margem portuguesa do Madeira. As instruções

acrescentavam: “Escuso de vos lembrar o muito que se

faz necessário separar os padres jesuítas (que já

claramente estão fazendo esta guerra) da fronteira de

Espanha... Também será bom que acheis meios para lhes

interromperdes as comunicações com os outros padres,

que residem nos domínios de Espanha, visto que, com

esta potência eclesiástica, nos achamos em tão dura e

tão custosa guerra”. Desta arte via Mendonça o poder

dos jesuítas senhorear em Espanha, e ameaçar talvez a

integridade dos domínios portugueses. As noções que de

fora recebia, a interpretação dos fatos, à sua vista

presentes, davam-lhe a consciência de uma enorme

responsabilidade, e apontavam-lhe o inimigo, o mesmo

em toda a parte, que a todo o custo era preciso abater.

Seu espírito não fora talhado para longas dissimulações

e astutos planos; o subitâneo impulso a um ato violento

era a lei dele: expulsar os jesuítas da colônia pareceu-

lhe então o meio salvador.

Não vindo os comissários espanhóis, aproveitou

Mendonça a delonga, para ir fundar nas margens do

Madeira a vila de Borba a Nova, em que, segundo as

instruções da corte, se convertia a aldeia jesuíta de

Trocano. O fato tem importância, por iniciar a abolição

do poder civil dos religiosos nas agremiações de

indígenas, e também por um incidente, que mais tarde

havia de ser explorado na campana anti-jesuítica: a

anedota famosa dos artilheiros disfarçados, que Pombal

fez correr mundo nas páginas da Relação Abreviada.

Page 42: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

42

A criação da vila, embora fazendo parte do

plano, já concertado entre Carvalho e sei irmão, de

organizar, à feição de município, os povoados, até aí

regidos pelos missionários, tinha por aparente objeto

proporcionar um lugar de “refresco e descanso” aos

vassalos, que freqüentavam o caminho de Mato Grosso

(13). Apreciando, pelo que valiam, as judiciosas

considerações de Mendonça, o governo da metrópole

favorecia agora o que antes vedava com ciúme. Abaixo

deste lugar habitava João de Sousa de Azevedo, o

audacioso sertanejo que, desprezando as proibições,

mais do que ninguém contribuíra para abrir, pela banda

do norte, uma porta, a central e insulada região de

Mato Grosso; e, com tanto risco o fazia que, na última

viagem, se sujeitara à execução pela soma de nove mil

cruzados, fiança exigida, pelo governador, às pessoas

de quem suspeitava haveriam de romper a interdição.

Salvou-o da perda total de sua fazenda, em que o

arresto importaria, o bom senso de Mendonça, que

dispensando a culpa, reconheceu a utilidade do feito

(14). Era isso contra as suas instruções, par -

ticularmente instantes neste ponto. Em Lisboa,

receavam se despovoasse o Pará, pela sedução das

minas, e que as nações limítrofes, conhecendo a via,

corressem a apossar-se do valioso território. Mas o

governo da colônia, mais perspicaz que os anteriores,

demonstra a inanidade de tais raciocínios: bispo e

governador combatem os receios, e apontam o

impossível de transportar e prover, em país inimigo, e a

tão grande distância, quaisquer forças militares. A

Page 43: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

43

teimosia de Azevedo, e as judiciosas considerações de

Mendonça, dão por fim em terra com a proibição, já

anteriormente revogada por lei, mas ainda efetiva (15).

À distância de um tiro de espingarda da missão,

achava-se estabelecido o posto fiscal. Um oficial e

poucos soldados vigiavam o rio, fazendo visita às

canoas que desciam. Quando algum mineiro transitava

com ouro, acompanhavam-no dois guardar à capital,

para lá se verificar o que trazia, e realizar o pagamento

do imposto.

Chegou o governador a Trocano em 20 de

Dezembro. Por espaço de alguns dias, conservou oculto

ao missionário, que era o alemão Anselmo Eckart, o

objeto da viagem. A 31, fazendo-lhe certa comunicação

por escrito, tratava-o ainda por missionário de

Trocano; mas, no dia imediato, convidando o religioso

para assistir à solene inauguração da vila, que nomeou

por Borba a Nova, omitiu qualquer referência àquele

título, de certo por considerar extinto o cargo.

Convocados os índios ao som das trombetas, fêz-

lhes um oficial da escolta de Mendonça, perito na

linguagem tupi, uma prática, insinuando-lhes que, para

o futuro, viveriam em outros costumes, outra disciplina

e outra lei. Em seguida, entraram os selvagens,

ajudados por soldados, de fazer uma grande derrubada,

e, no meio da clareira, em pouco tempo aberta, ele -

varam, à feição de coluna, um tosco madeiro: o pe-

lourinho, símbolo das franquias municipais. Alguns

vivas ao soberano, e os tiros de duas pequenas peças de

artilharia, existentes na missão, saudaram o levan-

Page 44: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

44

tamento desta à dignidade de vila. Restava só designar

quem havia de reger a povoação, e quais as suas leis,

para a obra ser completa.

Sobre um e outro ponto havia o governador

antecipadamente disposto. Pôde, pois, recolher-se sem

demora ao rio Negro, a esperar os demarcadores, en -

quanto o missionário se retirava para uma aldeia vi -

zinha, a dos Abacaxis, pertencente também à sua Or-

dem. A administração dos índios e o governo da vila

ficaram a cargo de um oficial militar. A experiência daí

resultante, tinha de servir de molde à transformação

sucessiva das outras agremiações indígenas, dirigidas

pelos missionários.

Tão obscura ficaria na história a aldeia de

Trocano como o tem sido a vila, que lhe sucedeu, não

fôra o incidente dos canhões. Os que salvaram em

presença de Mendonça eram duas peças de pequeno

alcance, levadas para ali anos atrás, com assentimento

do governador João da Maia da Gama, não para defesa

material, mas afim de, com o estrondo, afugentarem os

selvagens, da nação hostil dos Muras. Subjugados estes

índios, inúteis jaziam no povoado as inocentes máquinas

de guerra, exceto nas ocasiões de público regozijo, em

que seus tiros acordavam os ecos da floresta. Nenhum

cabedal fizera Mendonça deste fato; seu irmão, porém,

mais ardiloso, não hesitou em divulgar que se achavam

os jesuítas, a exemplo do Paraguai, fortificados em

Trocano, sendo talvez os padres alemães, desta aldeia e

dos Abacaxis, disfarçados guerreiros. E assim o

descarado engano correu mundo (16).

Page 45: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

45

IV

Enfastiado de aguardar no rio Begro os comis-

sários espanhóis, e convencido afinal de que não viriam;

cansado das privações inevitáveis em lugar tão remoto,

enfermo em razão delas e por efeito do clima; achou

Mendonça que era tempo de regressar à capital. Já a isso

o convidavam ordens da corte, que aliás não recebera

ainda, por irem em caminho; e seu irmão, dando-lhe

parte das instruções que lhe recomendavam se

recolhesse ao Pará, para tratar da saúde, fazia notar que

“com os amos não há cumprimento senão cega obe-

diência” (17). Não obstante, deixava ele contrariado a

povoação, que ambicionava houvesse de ser, ao menos

por algum tempo, cidade populosa, e ficar célebre como

estância onde se firmariam perpétuas pazes entre duas

nações. Não fôra o sítio bem escolhido, nem se prestava

a magnificências. O terreno alagadiço mal se podia

trilhar a pés enxutos. Por espaço de dois anos, ali

trabalharam os índios da missão de carmelitas, existente

no lugar, com muitos outros arrebanhados de diversas

paragens. A rudeza dos obreiros não permitia esmeros

de arquitetura: de tábuas, palha e barro grosseiro se

construíram, ao jeito do sertão, as casas de morada e

quartéis da tropa; mas entre as modificações avultava a

que devia ser palácio das conferências, com duas largas

portas por onde haviam de entrar, cada um de seu lado,

e dispensando precedências, os dois grupos de

comissários. Caindo breve em ruínas as construções

toscas, feitas então, a vila de Barcelos, ainda hoje

Page 46: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

46

insignificante, nada conserva que rememore os planos,

relativamente grandiosos, do seu fundador.

Deixando esse lugar de Mariuá a 23 de novembro,

o governador chegou à capital aos 22 do mês seguinte,

disposto a publicar imediatamente a lei das liberdades,

com que, a um tempo, realizava os planos de seu irmão,

e satisfazia, por um golpe decisivo, a cólera que o

animava contra os missionários, especialmente os da

Companhia de Jesus. Não lhe permitiu contudo a doença

agir com a prontidão desejável. Temia ele que os

habitantes, sempre desafeiçoados ao regime novo, que

os sucessos anteriores deixavam entrever, se

abalançassem a algum ato de resistência formal; e,

reputando a sua presença indispensável para submetê-la,

foi adiando até que, recobradas as forças, se viu em

posse da sua energia habitual. Ainda assim usou de

precauções. Atendendo aos conselhos do bispo e

autoridades civis da capitania, começou por dar à

publicidade, em 5 de fevereiro, somente a lei que abolia

o governo temporal dos missionários, ainda assim

expungida das palavras relativas à emancipação,

complemento necessário dela. Convocada no colégio dos

jesuítas a junta de missões, e lido o diploma, resolveu -

se ficarem nas aldeias todos os bens existentes, posto

que os missionários alegassem direitos sobre eles; em

seguida se apregoou a lei, em bando pelas ruas.

Por mais preparados que estivessem os religiosos

para o golpe, certo é que, no primeiro instante, grande

foi o seu espanto e confusão. Nem mesmo, na pior das

imaginações, eles o esperavam tão fundo. Acharem-se

Page 47: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

47

privados do governo das aldeias era situação que já de

há muito os ameaçava, e, não sendo nova, cuidariam de

acudir-lhe como das outras vezes; mas despojarem-nos

de propriedades, que julgavam suas e legitimamente

adquiridas; expulsarem-nos, de tudo despidos, e sem

compensação, como servos infiéis, parecia-lhes, além de

injúria, supremo escárnio. Mais esta vez entrava nas

dissenções dos jesuítas com o poder civil, o orgulho,

principal causa da sua perda.

Cinco dias passados, requereu o bispo nova junta,

a pedido dos missionários, que tinham de propôr certas

dúvidas. Perguntou primeiramente o vice-provincial da

Companhia se aos seus padres seria lícito tomarem

conta dos gêneros: cacau, salsa-parrilha, etc., guardados

nas aldeias, e cujo produto destinavam a solver

adiantamentos, feitos para benefícios das mesmas, e

salários aos índios livres. A resposta foi, como se devia

esperar, negativa; e a tal replicou o jesuíta com um

protesto, que infalivelmente o condenava. Era a

confissão implícita do caráter mercantil, que haviam

assumido as missões, até então sempre por eles

renegado. Deixando-se levar pela má compreensão de

seu direito, e por uma analogia infeliz de expressões, o

Provincial, tendo só em vista a conta corrente da sua

administração financeira, deu a entender que os

missionários eram caixeiros da Sociedade, trabalhando

como tais, e nesse caráter lhes cumpria reivindicar o que

não era propriedade sua individual, mas do acervo

comum. Pode-se calcular o júbilo de Mendonça ao ouvir

tão insensata declaração. Ordenando ficassem os

Page 48: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

48

gêneros em depósito, deu parte ao governo do sucedido,

como a prova mais cabal de quanto no assunto havia

anteriormente asseverado (18).

Outro ponto, sobre que versou a consulta, foi a

posição em que se conservariam nas aldeias os

religiosos, privados da antiga autoridade; e aí se

levantou a tão debatida questão das visitas, reservada,

por indicação de Carvalho, para esse momento. Com o

sua astuciosa mansidão, e certo já de qual seria a

resposta dos jesuítas, declarou o bispo que estimaria

ficassem os missionários nas aldeias, exercendo funções

de párocos, sujeitos todavia à sua inspeção, consoante as

leis do reino. Único, entre os religiosos presentes, o

representante da Companhia se manifestou contra;

invocou argumentos antigos; declarou que por modo

algum os seus súditos haviam de sujeitar-se à jurisdição

episcopal. Com isto proferia a sentença dos seus.

Abandonando as aldeias e o trabalho de doutrinarem os

indígenas, que por mais de dois séculos fôra a sua

ocupação e razão de existência na América, que far iam

ainda ali? A resposta do governo de Lisboa foi a que o

desafio arrogante demandava. No ano seguinte – porque

era grande a demora em transmitir informações e

voltarem resolvidas as consultas – ordem expedida do

reino mandou suspender todas as côngruas, que aos

jesuítas do Pará e Maranhão fossem pagas a título de

missões, paróquias ou qualquer outro (19). Privados

assim desta renda, como o tinham sido já das vastas

propriedades; sem meios de subsistência, além dos que

podiam fornecer-lhes, de outra parte, os consórcios, o

Page 49: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

49

que entrava nas praxes da Ordem; só lhes restava

abandonarem o campo. Mas, antes disso, outras im-

prudências vieram tornar-lhes mais penosa a situação, e

acarretaram sobre alguns, enquanto não chegava a

derrocada final, o efeito de tantas iras acumuladas e até

aí represas.

A recusa dos missionários aceitarem a jurisdição

episcopal tinha, como inevitável conseqüência, a sua

retirada das aldeias. É verdade que o superior propunha

ficarem eles exercendo funções de coadjutores, ao lado

e de acordo com os párocos, que o bispo elegesse; mas o

alvitre fôra prudentemente rejeitado, para evitar

conflitos, e impedir que, à sombra do cargo, conti -

nuassem os jesuítas a manter sobre os índios a mesma

indisputável influência. Vendo-se por esta parte coar-

tado, e reconhecendo a impotência de seus meios, o

Provincial lançou-se em atos de represália, dos que

unicamente servem a revelar o desespero dos vencidos;

não refletindo que fazia assim o jogo de adversários,

ansiosos de verem a sociedade irremediavelmente

perdida. No seu arrebatamento passou aos religiosos

ordem de abandonarem as aldeias, trazendo o que

pudessem dos bens transportáveis. Assim se cumpriu em

toda a parte. Alfaias, imagens e paramentos, tudo os

sacerdotes carregavam em barcos, muitas vezes oculto

de maneira indecorosa, entre os gêneros de comércio,

resto das grangearias de que não queriam privar a

comunidade. Onde havia gados e canoas, isso vendiam,

a troco de gêneros. E, deslizando as embarcações, de

tantas partes, rio abaixo, a chapinhar com o peso das

Page 50: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

50

cargas, mais pareciam voltar de predatórias incursões,

que recolher ao cenóbio de catequistas, só ocupados na

pregação do Evangelho.

Interrogado acerca de tais fatos, o prelado jesuíta

não ocultou que tudo se passara assim por ordem sua.

Sustentava, como sempre, que os bens existentes nas

aldeias pertenciam à sua religião; que, para havê-los,

contraíra esta grandes dívidas, de cujo valor teria direito

a indenização, sendo esbulhada. Com mais vigor

defendia ainda a propriedade de duas fazendas, na

vizinhança da cidade, depois vilas de Curuçá e Porto

Salvo; e não somente do terreno, com os produtos da

cultura, senão também dos índios que o trabalhavam,

escravos no dizer do jesuíta, transmudado do antigo

altruísmo, e objurgando já agora as liberdades. Ao rei e

à rainha, em lacrimosas súplicas, recorriam os padres,

por outra parte, das violências de Mendonça, as-

severando que tirar-lhes os escravos o mesmo era que

privá-los dos últimos meios de subsistência. E não se

pejavam, para comprovarem a sua boa fé, e a justiça

destes cativeiros, de invocar a recordação de antigos

tempos, em que padeciam, advogando o direito dos

índios (20).

Tal excesso de imprudência era sintoma da intima

dissolução, que minava o corpo da Sociedade, e em

pouco tempo a faria perecer. Cegos para tudo que não

fosse o próprio e imediato interesse, os jesuítas não

enxergavam a transformação, que ia dar-se; não

compreendiam que a era antiga, das escravidões,

terminara, e que nenhuma ocasião mais útil se lhes

Page 51: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

51

poderia deparar de aplicarem o famoso oportunismo,

que, no espiritual como no mundano, fora sempre a

norma de sua política. Passados tantos anos, em lutas

incessantes, propugnando as liberdades; mal vistos e

combatidos pelos colonos, em toda a América lusitana,

de São Paulo ao Pará, só por fazerem obstáculo aos

cativeiros; pelo mesmo motivo, perseguidos no Ma-

ranhão, e duas vezes expulsos; renegavam a doutrina

tradicional, e passavam ao campo adverso, no próprio

momento em que apregoado objeto de seus esforços ia

enfim ser realidade. É certo que o subterfúgio dos lícitos

cativeiros, a que agora se pegavam, fora obra sua,

concessão por meio da qual, sem renegarem os prin-

cípios, transigiam com os interesses contrariados. Por

outro lado, a condição dos índios, denominados livres,

nas aldeias, sob o regime do obrigatório trabalho, da

estreita obediência, e dos castigos, não se diferenciava

do estado servil; se bem que podiam alegar ser essa

disciplina o meio único de manter, sujeitos aos encargos

da vida policiada, homens que o aguilhão das neces-

sidades não compelia, e a quem a natureza pródiga, e o

exemplo dos congêneres, para não mencionarmos os

impulsos do atavismo, convidavam à fácil existência do

antepassado, indolente e nômade. Mas, sofismando

assim os princípios, a que se diziam fiéis, os mis-

sionários, se por uma parte ofendiam a lei moral, que

lhes exigia coerência, por outra chamavam sobre si as

iras de um governo obstinado nos seus projetos, e

implacável, como já havia mostrado, contra quem se a

eles opunha; mais ainda, qual se deve imaginar,

Page 52: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

52

assumindo a resistência, como agora, o caráter de

desafio. Recorrer do governador para a corte, do

ministro para o rei, e ainda da presumível indiferença

deste para a benevolência da rainha, era desconhecer em

absoluto a transformação, que nos últimos anos se havia

dado nas altas regiões do poder. Os jesuítas do Pará

fiavam ainda muito da influência dos seus, no paço,

quando os ventos já sopravam francamente do lado

contrário. Desta forma, juntando a imprudência das

representações ao desvario das represálias, instigavam a

cólera do adversário, e davam-lhe o desejado pretexto

para os últimos golpes.

No Maranhão, não se mostraram os regulares

mais submissos; e faltando, para conter-lhes as

arrogâncias, a energia do irmão de Carvalho, irrom-

peram em estrondosos protestos, nos quais, mal avi -

sados, tomaram parte outros religiosos, além dos

jesuítas. Não colhera estes ali de surpresa, como no

Pará, a nova ordem de coisas. Levou-lhes a notícia um

mensageiro, clandestinamente enviado pelos consórcios,

enquanto o correio, portador da participação oficial ao

governo de S. Luís, era detido por dificuldades no

trânsito, habilmente preparadas pelos missionários.

Quando, pois, lhes foram intimadas as disposições,

prontos se achavam já a responder, com protestos e

requerimentos diversos, que deixaram perplexo o

governador subalterno. As igrejas existentes nas po-

voações eram, conforme entendiam, do padroado real; el -

rei, como grão-mestre da Ordem de Cristo, fizera mercê

delas à Companhia; portanto, não se julgavam obrigados

Page 53: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

53

a entregá-las aos párocos, escolhidos pelo bispo, nem a

reconhecer a inteira jurisdição dele, consoante se lhes

exigia. “Todos estes requerimentos (dizia Mendonça) não

consistem em outra coisa mais que em forcejarem estes

religiosos por se sustentarem nas povoações que admi-

nistravam e o grande comércio que nelas faziam” (21).

Outros sucessos, no rio Negro, fizeram crescer a

irritação dos governantes, e deram ensejo a poderem

eles divulgar, mais tarde, que uma vasta conspiração,

organizada pelos jesuítas, em todas as classes tinha

adeptos, e visava a semear a anarquia no Estado,

preparando elementos para uma aberta rebelião. A 11 de

março, revoltaram-se os soldados que tinha ficado de

guarnição no lugar onde deviam ser as conferências das

demarcações, roubaram os armazéns reais, e, embar-

cando-se em canoas, apossaram-se da fortaleza existente

na barra do rio Negro. Daí prosseguiram, águas do

Solimões acima, em direção à fronteira castelhana. Perto

dela, num posto militar, quis o comandante chamá-los à

obediência, mas seus próprios soldados se rebelaram,

juntando-se aos camaradas. O oficial, prisioneiro, foi

incumbido de levar ao capitão-general as condições em

que os revoltosos voltariam à disciplina. Cifravam estas

em pouco: que, como lhes fora prometido em Lisboa,

lhes pagassem os soldos por inteiro, sem injustas

deduções. Estes soldados faziam parte dos dois

regimentos, criados por Carvalho, quando seu irmão lhe

fez saber o estado indefeso da colônia, e a total

desorganização da força armada. Da correspondência do

ministro se vê que era seu intento dar aos comissários

Page 54: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

54

espanhóis, quando chegassem, vantajosa idéia dos

elementos militares ali congregados (22). A esta

circunstância se prende a expedição de tropas, em 1753,

destinadas a guarnecer a fortaleza de Macapá, que então

se construía, e à defesa das fronteiras. Erram os mal

informados historiógrafos que nos dizem saíra

Mendonça de Lisboa com três regimentos, para

submeter os índios em revolta e reprimir os intentos

belicosos dos jesuítas. Tal asserto é uma das muitas

fábulas, envolta nas quais passou até nós a luta da

Ordem com o seu resoluto antagonista.

Não se descuidou ele próprio, em favor da sua

causa, de as inventar, torcendo a seu jeito os fatos. Na

Relação Abreviada, aparece o insignificante fato desta

sublevação, motivada por causas de descontentamento

naturais e vulgares, como sendo meneio de jesuítas. Já,

pelas mesmas queixas, houvera antes um princípio de

sedição no Pará, e os atos de indisciplina não deviam

causar estranheza em soldados, que eram a ralé dos

vagabundos da corte. Explicava o governador que entre

os revoltosos se encontravam cerca de vinte ladrões e

assassinos, “do que demonstrativamente se vê que os

viciosos costumes daqueles homens foi o que os fez

romper naqueles desatinos” (23). Com esta informação,

e sem mais fundamento que meras suspeitas, ou deli -

berada má fé, Carvalho afirma que os jesuítas “não

podendo obrar na honra e fidelidade dos oficiais das

tropas, obraram contudo nos soldados de menos obriga-

ções” (24). E sobre tais bases se tem construído a histó -

ria desta, por tantos motivos, interessante contenda!

Page 55: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

55

V

Antes do governo de Mendonça, quando o bispo

D. Miguel de Bulhões tomara o báculo, levara consigo o

breve Immensa pastorum, a cuja publicação, como

sabemos, conveniências do governo, ou influências

poderosas, se tinham oposto. O documento menciona

diligências, empregadas com D. João V, para que o

monarca desse às exportações do pastor o apoio da

autoridade civil; e o resultado foi a promessa, por ele

feita, de promover a fiel execução das leis, tantas vezes

promulgadas em favor dos selvícolas (25). Com efeito,

nos anos seguintes mais decisiva é a proteção que o

governo lhes outorga: anulam-se as licenças particulares

para os resgates, e põe-se termo aos que, por conta do

Estado, se faziam. Ao mesmo tempo, coincidência que

tem seu valor, manifesta-se nas decisões da Coroa uma

tal ou qual tendência a coartar os abusos dos

missionários. No entanto, ao condenatório diploma

pontifício não se alude. É lícito conjecturar, no caso, a

intervenção do padre Carbone, jesuíta, conselheiro

íntimo e amigo do rei, quase ministro pela autoridade e

mais do que isso pela influência, o qual não havia de

consentir se divulgasse escrito de tal ordem, e com que

os bons créditos da Sociedade padeciam. Bem desejaria

o bispo promulgar o breve, ao entrar na diocese, mas

atou-lhe as mãos o receio de cometer uma imprudência.

Ser-lhe-ia perigoso atrair a cólera do régio confidente, e

o amor das conveniências pessoais dominava nele o

ódio, aliás profundo, que tinha aos jesuítas.

Page 56: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

56

Com o falecimento de D. João V, que a curto

espaço seguiu o do jesuíta, mudara a situação; mas o

novo governador, incumbido de estabelecer um regime,

tão oposto aos usos e preconceitos existentes, temia

sobressaltar o espírito público, se empregasse desde

logo meios radicais. Deu tempo a preparar os ânimos

para a reforma, entendendo que, afastado o temor da

repulsa, as letras pontifícias serviriam a conter a gente

da Igreja, e dar maior autoridade às ordens da Coroa.

Neste propósito o confirmara o assentimento do

ministro seu irmão. Mas chegou finalmente a época, em

que lhe era dado coroar, com as últimas resoluções, o

plano, que fazia agora a meta do seu governo. Passados

dois anos de hesitação e silêncio, vai-se por termo a

secular injustiça, e resgatar, num lance de generoso

altruísmo, as ignomínias passadas. A resistência dos

jesuítas facilitava-lhe a tarefa. Declarando-se em luta

com o poder civil, davam-lhe eles o melhor pretexto

para, de um golpe, arrebatar os índios à sua temida

influência, e estabelecer definitivamente nas aldeias o

regime novo, sem recorrer a subterfúgios, que pouco a

pouco fossem apartando delas os missionários. Escravos

da soberba, fiados no antigo poder e, sobretudo,

incônscios da situação, os filhos de Loiola tinham

abandonado o campo, simulando a retirada. Nada melhor

podiam fazer em benefício dos que tinham em mente

expulsá-los: frustrando-lhes a expectativa, em breve o

governador os substituiu nas missões por delegados

próprios.

A 21 de maio, houve junta em casa do bispo, para

Page 57: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

57

se considerarem os impedimentos, que podia haver

ainda à execução da lei. Foi unânime parecer dos pre-

sentes que, da parte dos moradores, nenhuma resistência

surgiria. Havia seis anos que se lhes dava a entender

serem os índios livres. Tinha-se feito a repartição, no

regime dos salários, chegando a perto de dois mil os

serviçais distribuídos. Estavam portanto os seculares já

familiarizados com a idéia, e só era de temer alguma

oposição, suscitada pelos eclesiásticos nos púlpitos e

confessionários: mas a essa obviaria o breve de Bene-

dito XIV, até aí secreto, que se publicava com a lei.

Foi isso o que se fez, dando conhecimento da

mesma, primeiramente aos prelados das religiões, e

autoridades da capitania, em reunião no paço episcopal,

efetuada no dia 28; em seguida ao povo, nas ruas, por

bando, na forma costumada. No dia imediato, se afixou

o edital do bispo, com a cópia d breve.

Apesar de quanto haviam feito, em oposição à

reforma, e dos juízos contrários, que não deixavam de

manifestar, tão enraizada se achava, acerca dos jesuítas,

a idéia que tudo que se obrasse em favor das liberdades

era devido a esforços seus, que ainda desta vez, a

opinião pública lhes atribuiu o malefício. Não ousando

pronunciar-se contra o governo, os colonos, em seu

desabafo, lançavam à conta de seus antigos contendores

a inovação, que estes, tanto havendo trabalhado por ela,

no extremo da incoerência rejeitavam agora (26). Mas

tudo se passou sem abalo. Resignados os habitantes do

Pará-Maranhão volviam os olhos para a Companhia de

Comércio que com os negros vindos de África havia de

Page 58: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

58

trazer-lhes a prosperidade. Com isso não mudavam de

norte: guardavam zelosos as mesmas esperanças, que a

mesma ilusão alimentava.

NOTAS

(1) Sebastião José de Carvalho a Francisco Xavier. Carta de 4 de

agosto de 1755. Biblioteca Nacional de Lisboa. Col. Pomb., Cód.

626.

(2) Ofício de 20 de janeiro de 1752. Biblioteca Nacional de

Lisboa. Col. Pomb.

(3) C. R. de 11 de março de 1755.

(4) Von der Schicksale der Jesuiten in Portugal: em Mürr, Journal

zur Kunstgeschichte und zur allgemeinen Litteratur, tomo 4.

(5) Carta de 18 de fevereiro de 1754. Biblioteca Nacional de

Lisboa. Sampaio tinha sido embaixador na corte de Roma, durante

a missão a Viena, e entre ele e Carvalho se levantou azeda

controvérsia, seguida de enredos perante os ministros em Lisboa.

Cf. supra, pág. 276.

(6) Carta a Sebastião José de Carvalho, 18 de fevereiro de 1754.

Biblioteca Nacional de Lisboa. Col. Pomb.

(7) Liv. 2º, tít. XI: “Que os clerigos e hordeés nom comprrem

beés de rrajz ssem autoridade delrrey”. Figueiredo, Synopsis

Chronologica, tomo 1.

(8) Carta a Sebastião José de Carvalho, 18 de fevereiro de 1754.

Biblioteca Nacional de Lisboa. Col. Pomb.

(9) Francisco Xavier a Sebastião de Carvalho: “... Do que se vê

que, no ano de 1729, o cabedal com que se faziam as igrejas era

dos índios, e não tinham os padres nelas mais que a admi -

Page 59: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

59

nistração; e, em 1749, são suas as igrejas e casas de residência,

fundadas a expensas próprias, e , se Sua Majestade quiser dar nova

forma, é preciso que lhas compre”. – Carta familiar, 25 de outubro

de 1752. Biblioteca Nacional de Lisboa. Col. Pomb.

(10) “Não terei mais remédio que ir eu mesmo, com todos os meus

familiares, suprir a falta dos índios; nem se poderá julgar

impróprio em um prelado o exercício de remar, atendendo que os

bispos são os legítimos sucessores dos apóstolos, os quais

largaram os remos para empunharem os báculos” – Carta a

Sebastião José de Carvalho, 8 de março de 1754. Bibliot eca

Nacional de Lisboa. Col. Pomb.

(11) Carta a Francisco Xavier de Mendonça, 14 de março de 1755.

Idem.

(12) “Flumina illa (Madeira e Negro) distant ab urbe Paraense

minimum 300 horis. Ego missionarius fui in flumine Madera ab

anno 1742 usque ad 1746 inclusive: deinceps vero ab anno 1747

fui socius Vem. P. Malagrida, et usque ad annum 1755, quo mihi

exsulandum omnino ex Maragninia fuit numquam amplius ad illa

flumina perveni, sed semper haesi in districtu Paraensi, in

distancia tantum 50 horarum ab urbe. Ergo jam anno 1746

debuissem inducere Indos fluminum Madera et Rio Negro ad

deferendas habitationes suas, ubi deinde impediretur expeditio

demarcationis limitum. A. 1754 faciendae”. – Carta do padre

Roque Hundertpfund em Mürr, Journal zur Kuntsgeschichte und

zur allgemeneinen Litteratur, tomo 4. Do crime de traição mandou

o bispo fazer a devassa, e os demais acusados remetidos para

Lisboa, permaneceram no cárcere, até que, mais humano,

Francisco Xavier intercedeu por eles. Deste caso refere o bispo D.

frei João de S. José, sucessor de Bulhões: “Dois clérigos de

péssima conduta delataram contra o pai de Lourenço Furtado,

dizendo era infiel à Coroa, e que meditava meios para entregar a

praça a Caiena... Pode tanto a calúnia que lhe acabou a vida, antes

que a apologia pudesse mostrar a inocência”. – Viagem de Visita

ao Sertão, na Revista do Instituto Historico Brasileiro, tomo 9. Da

co-participação do jesuíta não fala. Mendonça, porém, na mesma

ocasião em que solicita clemência para os presos, atribui -lhe o

papel de instigador, posto que de nenhum fato positivo houvesse

Page 60: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

60

revelação na devassa. Ofício de 23 de novembro de 1757.

Arquivos do Pará.

(13) C. R. de 3 de março de 1755.

(14) “Do mal da desobediência deste homem tiramos o bem de

sabermos que em seis meses de tempo se pode ir desta cidade, e

vir, às minas de Mato Grosso”. – Ofício de 9 de março de 1754.

Arquivos do Pará.

(15) Resolução de 23 de outubro de 1752, baseada em parecer do

Conselho Ultramarino, autoriza as comunicações pelo Madeira,

vedando em absoluto a navegação do Tocantins.

(16) “Indo fundar-se no mês de janeiro de 1756 a vila de Borba a

Nova, na aldeia chamada de Troano, se achou nela o padre

Anselmo Eckart, alemão, que havia chegado poucos meses antes

como missionário, armado com duas peças de artilharia, e, unido

com outro padre, também alemão, chamado António Meisterburgo,

ambos praticaram naquele território desordens, que fizeram

verossímil a suspeita, de que em vez de religiosos, poderiam ser

dois disfarçados engenheiros”. – Relação abreviada da republica

que os jesuítas, etc.

(17) Carta de 2 de dezembro de 1756. Biblioteca Nacional de

Lisboa. Col. Pomb.

(18) Ofício de 27 de maio de 1757: “Sendo seis as comunidades

que aqui administram as aldeias, foram entre todos singulares os

religiosos da Companhia, em fazerem uma asserção tal como esta,

de dizerem que conservavam nestes sertões tantos caixeiros

quantos eram os missionários que tinham nas aldeias, os quais

todos trabalhavam em benefício do comum da sua religião, e em

total destruição dos povos de que se tinham encarregado”. –

Arquivos do Pará.

(19) Provisão de 14 de agosto de 1758.

(20) ... “Sendo nós os protetores das liberdades, por cujo respeito

temos padecido tanto neste Estado, não queríamos nem podíamos

Page 61: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

61

possuir algum escravo, que não fosse legítimo; assim como

também não estamos para perder os que são verdadeiros, e que

possuímos com bom e seguro título, dando-os, como quer o

governador, por livres”. – Carta do padre Domingos António,

reitor do colégio do Pará à rainha. Ms. da Biblioteca de Évora.

(21) Ofício de 26 de maio de 1757. Arquivos do Pará.

(22) Carta de Sebastião José de Carvalho, de 6 de julho de 1752:

recomenda a Mendonça a organização das milícias... “e ainda que

vão outras tropas, para marcharem ou ficarem aí, se mpre é razão

que nessa cidade se conserve um corpo capaz de se ver, para que,

quando a ela voltarem os hóspedes, a não achem desguarnecida e

deserta, como até agora esteve, com a conseqüência de que esse

abandono os convide a eles, e aos mais vizinhos, a v irem

estabelecer-se nessa parte, sabendo que não têm quem lhes dispute

o país...”. Idem de 13 de maio de 1753: “... As tropas que levou

Gomes Freire para a sua guarda foram somente quatro companhias

de granadeiros, tais e tão faustosas e bem disciplinadas que

assombraram os castelhanos. Aí podeis praticar o mesmo, fazendo

armar com barretes de granadeiros mais duas companhias ligeiras,

e dispondo o mais com o possível luzimento...”. Biblioteca

Nacional de Lisboa. Col. Pomb.

(23) Ofício de 13 de junho de 1757. Arquivos do Pará.

(24) Relação Abreviada, etc.

(25) “Antes de tudo excitamos a exímia piedade, e nunca assás

compreendido zelo da propagação da fé católica, que

resplandecem no nosso caríssimo em Cristo filho João, rei

preclaríssimo de Portugal e dos Algarves: qual pela filia,

reverência que nos professa, e a esta santa sede apostólica, nos

segurou logo, sem a menor dilação, que ordenaria a todos e cada

um dos ministros e oficiais dos seus domínios, que castigassem

com as gravíssimas penas estabelecidas pelas suas leis todos os

que fossem compreendidos na culpa de excederem com os

referidos índios a mansidão e caridade, que prescrevem os ditames

e os preceitos evangélicos”. – Coleção dos Breves pontifícios e

Leis régias, etc.

Page 62: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

62

(26) “... Os tristes padres da Companhia, que de culpados na

promulgação da nova lei não tem mais que o que falsamente lhes

impõem os mal afetos...”. Morais, História da Companhia de

Jesus, liv. 5, cap. 1º.

(Transcrito de Os jesuítas no Grão-Pará. 2ª ed. revista. Coimbra,

Imprensa da Universidade, 1930, págs. 304-333).

Page 63: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

63

AS ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DA

COMPANHIA DE JESUS NO BRASIL

Jorge Couto

(Universidade Nova de Lisboa)

Em 1548, D. João III decidiu criar o governo-

geral do Brasil, enviar uma importante expedição

colonizadora – comandada por Tomé de Sousa – e

fundar uma cidade da Capitania da Baía de Todos-os-

Santos, entretanto integrada na Coroa devido à morte de

seu titular, Francisco Pereira Coutinho, em combate com

os tupinambás. O monarca aproveitou a oportunidade

para solicitar aos jesuítas que enviassem missionários

para a Província de Santa Cruz, à semelhança do que já

acontecia com o Estado da Índia desde 1541.

O padre Simão Rodrigues, Provincial de Portugal

e co-fundador da Companhia de Jesus com Inácio de

Loiola, Francisco Xavier e outros companheiros, decidiu

inicialmente dirigir ele próprio a missão ao Brasil, mas

devido ao falecimento do seu presuntivo sucessos e ás

reticências do primeiro Geral, acabou por designar o

padre Manuel da Nóbrega, bacharel em cânones pela

Universidade de Coimbra e comendador de Sanfins do

Minho, para chefiar o primeiro grupo de inacianos

destinado à América. Os seis religiosos, quatro padres

(Nóbrega, Leonardo Nunes, António Pires e João de

Azpilcueta Navarro) e dois irmãos (Vicente Rodrigues e

Page 64: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

64

Diogo Jácome), partiram de Lisboa em fevereiro de

1549, a bordo de um navio pertencente António Car-

doso de Barros que se integrou, pouco depois, na

armada do primeiro governador-geral, desembarcando

na Baía a 29 de março seguinte.

As primeiras preocupações de Nóbrega

centraram-se na imposição de normas de conduta aos

colonos, nomeadamente através da persuasão individual

e de críticas do púlpito às situações de poligamia em

que incorriam muitos dos moradores da Vila do Pereira.

Outra das suas prioridades consistiu em instruir os

missionários na língua utilizada pelos índios, pelo que

incumbiu o padre João de Azpilcueta de a aprender. Por

outro lado, encarregou o irmão Vicente Rodrigues de

ministrar a doutrina cristã aos filhos dos indígenas e de

assegurar o funcionamento de uma escola de ler e

escrever destinada tanto aos descendentes dos colonos

como aos dos índios. Enquanto não dominavam o tupi,

os inacianos pregaram, doutrinaram e confessaram com

recurso a intérpretes, utilizando, designadamente, os

serviços de Diogo Álvares, o Caramuru.

Em 1550, Nóbrega enviou Leonardo Nunes e

Diogo Jácome em missão às capitanias de Ilhéus e Porto

Seguro. Tomou, ainda, a iniciativa de solicitar ao

provincial de Portugal que mandasse mais jesuítas para

o Brasil e que desenvolvesse diligências junto do rei no

sentido de ser nomeado um bispo ou, pelo menos, um

vigário-geral para a cidade do Salvador, de modo a

disciplinar o comportamento do clero secular, pouco

conforme com as normas da moral cristã e com o

Page 65: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

65

espírito da Contra-Reforma, bem como a impulsionar a

obra de cristianização dos indígenas. Apelou, também,

para que fossem transferidas órfãs para terras brasílicas,

a fim de permitir aos colonos constituir legalmente

família.

A 22 de junho de 1552 aportou à Baía a esquadra

que transportava o bispo D. Pero Fernandes Sardinha.

De fato, D. João III tinha conseguido obter do papa

Júlio III (1550-1555) a criação da diocese de Salvador,

através da bula Super specula de 25 de fevereiro de

1551. A chegada do prelado e de alguns membros do seu

cabido libertou o superior dos jesuítas de muitas das

funções pastorais que até então desempenhava

informalmente, pelo que ficou mais disponível para se

dedicar ao seu objetivo principal: a conversão do gentio.

Aproveitando a circunstância de Tomé de Sousa

pretender inspecionar as capitanias situadas ao sul da

Baía, Nóbrega embarcou na armada do governador-geral

e visitou Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, baía da

Guanabara, São Vicente e o planalto de Piratininga,

pregando, criando aldeias de índios cristianizados e

fundando estabelecimentos da Companhia de Jesus em

algumas dessas regiões.

A missão do Brasil da Companhia de Jesus foi

elevada à categoria de província por decisão de Inácio

de Loiola anterior a 6 de abril de 1553. Por carta-

patente de 9 de julho seguinte, o preposto geral nomeou

o padre Manuel da Nóbrega para o cargo de provincial

dos Índios do Brasil (1).

Page 66: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

66

No decurso do período inicial de permanência dos

jesuítas em terras brasílias, o custeamento das suas ati -

vidades foi garantido pela Província de Portugal, pela

Coroa, que consignava a verba mensal de um cruzado

para o sustento de cada missionário, fornecia víveres

(mandioca e arroz) e apoiava a construção de templos,

residências e colégios, pelo apoio oficial e par ticular do

governador-geral e pela generosidade de alguns colonos.

No entanto, essa fórmula de financiamento desagradava

a Nóbrega, porque, por um lado, tornava a Companhia

demasiadamente dependente da vontade e das dispo-

nibilidades das autoridades régias e, por outro, não

fornecia os recursos necessários a uma rápida expansão

das atividades evangelizadoras que constituíam o cerne

das suas preocupações.

A solução encontrada para custear as enormes

somas necessárias para construir e apetrechar igrejas,

colégios e residências, para sustentar os meninos órfãos

e para prover as aldeias de índios cristianizados de

vestuário, artigos metálicos (machados, enxadas, facas e

tesouras) e de outros bens consistiu em aceitar terras

cedidas pela Coroa, responsabilizando-se os padres da

Companhia pelo seu arroteamento e, com a venda dos

produtos excedentes, designadamente mandioca e gado,

obter, desse modo, recursos adicionais para financiar as

suas atividades religiosas, educativas e culturais.

Foi com o objetivo de pôr em prática essa forma

de apoio aos missionários jesuítas que Tomé de Sousa

concedeu, por instrumento jurídico datado de 21 de

outubro de 1550, uma propriedade ao Colégio da Baía,

Page 67: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

67

que ficou conhecida por sesmaria da Água dos Meninos,

doação confirmada pelo terceiro governador-geral, Mem

de Sá (1558-1572), a 30 de setembro de 1569.

A posse de terras por parte da Companhia de

Jesus colocava um importante problema ao nível da

mão-de-obra. Como os padres e irmãos eram em número

extremamente reduzido (somente 10 até 1553) não se

podiam dedicar pessoalmente aos trabalhos agrícolas e

pecuários; por outro lado, não existiam homens livres

que pudessem ser contratados para executar esses

trabalhos. Restava o recurso ao trabalho escravo, so -

lução que levantava escrúpulos de natureza moral, mas

que o provincial do Brasil decidiu ultrapassar, con-

siderando que essa era a única forma de obter os

recursos necessários à evangelização do gentio.

A 14 de setembro de 1551, Nóbrega, através de

carta redigida em Olinda, solicitou ao rei D. João III que

mandasse: “dar alguns escravos de Guiné há casa pera

fazerem mantimentos, porque a terra hé tam fertil, que

facilmente se manterão e vestirão muitos meninos, se

tiverem alguns escravos que fação roças de mantimentos

e algodoais...” (2).

Já na Baía, o primeiro provincial do Brasil

retomava o assunto em carta dirigida ao padre Simão

Rodrigues, datada de 10 de julho de 1552, na qual

informava que: “Ho mantimento e vestiaria que nos El -

Rei dá todo lho damos a elles, e nós vivemos de esmolas

e comemos pollas casas com os criados desta gente

principal, ho que fazemos por que se não escandalizem

Page 68: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

68

de fazeremos roças e termos escravos, e pera saberem

que tudo hé dos meninos” (3).

Como tinha adquirido a crédito três escravos

negros e diverso gado leiteiro, Nóbrega pediu, na

mesma ocasião, ao provincial de Portugal que obtivesse

uma doação régia daqueles bens, uma vez que não se

encontrava em condições de satisfazer os compromissos

assumidos:

“Já tenho escrito sobre os escravos que se

tomarão, dos quais um morreo logo, como morrerão

outros muitos que vinhão já doentes do mar. Tão bem

tomei doze vaquinhas pera criação e pera os meninos

terem leite, que hé grande mantimento. Em toda a

maneira este anno tragão os Padres provisão de el -Rei

assi dos escravos como destas doze vaquas, porque

tenho dado fiador pera dentro de hum anno as pagar a

El-Rei, e será grande fortuna se deste anno passar. Nas

vaquas se montarão pouquo mais de trinta mil reis. [...]

Se El-Rei favorcer [o Colégio da Baía] e lhe fizer igreja

e cassas, e mandar dar os escravos que digo (e me dizem

que mandão mais escravos a esta terra, de Guiné; se assi

for podia logo vir provisão pera mais tres ou quatro

alem dos que a casa tem), antes de hum anno se

sustentaram cem meninos e mais, porque assi como ella

está agora mantem a trinta pessoas; e mais agora mando

fazer algodoais pera mandar lá muito algodão pera que

mandem pannos de que se vistão os meninos, e não será

necessario que ho collegio de Coimbra quá nos ajude

Page 69: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

69

senão com oraçõis, antes de quá lhe seremos boons em

alguma cousa” (4).

Os pedidos do provincial do Brasil foram

atendidos pela Coroa que, através de provisões datadas,

respectivamente, de 25 de outubro de 1552 e de 17 de

abril de 1553, “mandou fazer esmola aos Padres da

Companhia de Jhesu que residem na Cidade do Salvador

da Baya de Todoslos Santos” de três escravos de São

Tomé e de doze vacas (5).

A 13 de julho de 1553 aportou à Baía a esquadra

do segundo governador-geral, D. Duarte da Costa (1553-

1557), que transportava a terceira expedição de jesuítas

(três padres e quatro irmãos), entre os quais se contavam

o padre Luís da Grã e o irmão de Anchieta.

O padre Grã (1523-1609), antigo reitor do

Colégio de Coimbra (1547-1550), foi nomeado, logo em

1553, adjunto do provincial. Possuía idéias bastante

diferentes e, em alguns casos, opostas às do seu superior

hierárquico: não considerava útil a existência de

colégios de meninos órfãos, reprovava o fato da

Companhia possuir bens de raiz, dedicar-se a atividades

agrícolas e utilizar mão-de-obra escrava e não era

adepto de um ritmo demasiado rápido de evangelização

e batismo dos índios. Professava, em suma, ideais de

rigor, ascetismo e pobreza.

A sua chegada ao Brasil refletiu-se na estratégia

de missionação e expansão adorada pela Companhia de

Jesus, verificando-se uma inflexão nos métodos até

então adotados. Nóbrega acolheu, durante um certo

Page 70: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

70

período de tempo, as observações e as reflexões de

ordem ética, moral e espiritual levantadas pelo seu

colateral.

De acordo com esta nova orientação e para evitar

a aquisição de escravos destinados a cultivar as terras

que eram doadas à Companhia de Jesus, o primeiro

provincial do Brasil pediu, através de carta datada de

maio de 1556, ao padre doutor Miguel de Torres,

provincial de Portugal e confessor da rainha D. Catarna

de Austria desde setembro de 1555, que intercedesse

junto de D. João III no sentido de que o apoio à Coroa

às atividades dos inacianos nas paragens americanas

fosse facultado em dízimos e não através da concessão

de terras, cujo aproveitamento implicava o recurso a

mão-de-obra (6).

Esta posição do padre Manuel da Nóbrega

resultou de pressões exercidas pelo padre Luís da Grã

para que os jesuítas não aceitassem do rei terras nem

escravos para granjearia. No entanto, as dificuldades

financeiras da Coroa não permitiam adotar outras

fórmulas de auxílio além das já concedidas.

Os padres da Companhia no Brasil tiveram que

optar entre expandir o ritmo da atividade missionária, o

que implicava a aceitação de propriedades e a utilização

de escravos, ou recusar essa via e, por conseguinte,

abdicar dos objetivos de alargamento do seu âmbito de

atuação. A maioria dos jesuítas pronunciou-se a favor da

primeira alternativa, defendida por Nóbrega e combatida

por Luís da Grã.

Page 71: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

71

O apoio de muitos companheiros às teses de

Nóbrega, levou-o a comunicar ao provincial de Portugal,

em 2 de setembro de 1557 que, com o parecer favorável

dos padres do Colégio da Baía, tinha decidido aceitar

todas as doações feitas à Companhia, “até palhas”.

Pedia, em seguida, uma “boa dada de terras” e escravos

da Guiné, uma vez que não era conveniente ter escravos

da terra. Os negros cultivariam as terras, criariam gado,

pescariam, colheriam vegetais e frutos e obteriam água e

lenha para abastecer os colégios, libertando os irmãos

dessas tarefas e tornando-os disponíveis para outras

atividades mais diretamente relacionadas com a

missionação (7).

Estruturam-se, assim, duas correntes no seio dos

jesuítas da Província do Brasil. Uma, encabeçada pelo

padre Manuel da Nóbrega, adotava uma atitude

pragmática e considerava que a expansão da Companhia

implicava a posse de bens e a utilização de escravos;

outra, cuja figura mais representativa era o padre Luís

da Grã, privilegiava a pobreza e o ascetismo, recusando,

assim, a possibilidade da Companhia aceitar bens de

raiz e recorrer à utilização de escravos. Somente admitia

que, em caso de grande necessidade, se contratassem

trabalhadores e nunca que se comprassem escravos (8).

Em meados de 1559, o padre Manuel da Nóbrega,

de acordo com instruções recebidas de Lisboa, abriu a

primeira via de sucessão para o cargo de provincial. A

nomeação recaiu no padre Luís da Grã, seu colateral e

antigo reitor do Colégio de Olinda (9). Nos primeiros

dias de janeiro do ano seguinte, Nóbrega entregou o

Page 72: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

72

governo da Província do Brasil ao seu sucessor e partiu

para São Vicente, na companhia do terceiro governador -

geral, Mem de Sá (10).

Como era de prever, a orientação imprimida pelo

segundo provincial (1559-1571) divergia substancial-

mente daquela que até então tinha sido delineada pelo

fundador da Província do Brasil. Em carta datada de 12

de junho de 1561, redigida na vida de São Vicente,

Nóbrega expunha ao padre Diego Laínez (1558-1565),

segundo geral da Companhia, as suas divergências de

opinião com o novo provincial, relacionadas sobretudo

com a posse de bens de raiz e com o uso de escravos:

“O Padre Luís da Grã parece querer levar isto por

outro espírito muito diferente e quer edificar a gente

portuguesa destas partes, por via de pobreza, e converter

esta gente da mesma maneira que S. Pedro e os

Apóstolos fizeram e como S. Francisco ganhou muitos

por penitência e exemplo de pobreza, e esta opinião me

persuadia sempre, quando eu tinha o cargo, e ainda

agora desejava introduzi-lo quanto fosse possível, e

sempre teve escrúpulos, porque é ele muito zelador da

santa pobreza, a qual queria ver em não possuirmos nós

nada, nem haver granjearias, nem escravos, pois éramos

poucos, e sem isso com as esmolas mendigadas nos

podíamos sustentar, repartidos por muitas partes e

desejava casas pobrezinhas. E isto foi causa que,

partindo eu desta Capitania para a Baía, e deixando

escravos e escravas entregues a um homem, com

mantimentos para os Irmãos, alcançando de mim licença

para fazer o que lhe parecesse, se concertou com aquele

Page 73: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

73

homem, deixando-lhe tudo, com lhe dar certo

mantimento, tirando os escravos muito necessários para

o serviço da casa, o qual acabado ficasse a casa sem

escravos e sem mantimentos e sem criação, exceto das

vacas. O mesmo propósito levara para fazer agora a

Baía, onde ficou muito mantimento feito assim para os

nossos como para os meninos, e alguns escravos, de que

um homem tinha o cargo, porque tem ele por melhor

comprar o mantimento, que ter quem o faça. Bem creio

que os Padres da Baía lhe irão à mão, senão mudarem

sua opinião, conformando-se com a do seu provincial.

Também me deixou mandado agora, partindo para

a Baía, que eu não mercasse escravos, nem mesmo para

trabalhar nas obras do Colégio, que ele deixava

mandado que se fizesse, mas que se alugassem, que é

coisa muito custosa, e requer muita renda, e não há

cousa dessa maneira, que baste. Tem também o Padre

por grande inconveniente ter muitos escravos, os quais

ainda que sejam todos casados, multiplicação tanto, que

será cousa vergonhosa para religiosos, multiplicando

muito sua geração, além da pouca edificação dos

cristãos. Essa razão não me conclui muito, porque como

um homem leigo os tem a cargo, sem nós entendermos

com eles, por mais inconvenientes tenho ter dous ou três

necessários para o serviço da casa, de que a casa tenha

cuidado, que ter muitos mais, se nós entendermos com

eles, porque todos confessamos não se poder viver sem

alguns que busquem a lenha e água, e façam cada dia o

pão, que se come, e outros serviços, que não é possível

poderem se fazer pelos Irmãos, sobretudo sendo tão

Page 74: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

74

poucos, que seria necessário deixar as confissões e tudo

o mais.

Esta opinião do Padre me fez muito tempo não

firmar bem o pé nestas cousas, até que me resolvi e sou

de opinião (salva sempre a determinação da santa

obediência) de tudo o contrário, e me parece que a

Companhia deve ter e adquirir justamente por meios,

que as Constituições permitem, quanto puder para

nossos Colégios e Casas de Rapazes; e, por muito que

tenham, farta pobreza ficará aos que discorrerem por

diversas partes. E não devemos de querer que sempre

El-Rei nos proveja, que não sabemos quanto isto durará,

mas por todas as vias se perpetue a Companhia nestas

partes, de tal maneira, que os operários cresçam e não

minguem.

E até se fosse tanto, não teria por desacertado

adquirir-se para Casa de Meninas dos gentios, de que

tivessem cargo mulheres virtuosas, com as quais depois

casassem estes moços que doutrinássemos. E temo que

fosse esta grande invenção do inimigo vestir -se da santa

pobreza para impedir a salvação de muitas almas.

Estamos em terra tão pobre e miserável, que nada

se ganha com ela, porque é a gente tão pobre, que, por

mais pobres que sejamos, somos mais ricos que eles.

Não é poderosa toda a gente do Brasil a sustentar-nos

aos da Companhia de vestido, ainda que seja mais vil

que frades de S. Francisco, e se adoece um da

Companhia se não tem remédio de Portugal, na terra não

há quem lho dê, antes o esperam todos de nós, e não

somente gentios, mas também cristãos. Aqui não há

Page 75: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

75

trigo, nem vinho, nem azeite, nem vinagre, nem carnes,

senão por milagre; o que há pela terra, que é pescado e

mantimento de raízes, por muito que se tenha, não

deixaremos de ser pobres, e mesmo isto não o temos se

não se trabalha, porque nem disto há esmolas, que

bastem. Quem aqui há de trabalhar na vinha do Senhor,

precisa de sustentar o sujeito, porque os trabalhos são

muito maiores que em outras partes, e os mantimentos

são muito fracos, e, posto que a caridade e juventude

façam não se sentirem tanto, todavia deve-se ter respeito

a conservar-lhes a saúde, e é grande perca perder um da

Companhia a vida e saúde com que muito se serve

Nosso Senhor” (11).

Em resposta à exposição de Nóbrega, o padre

Diego Laínez aprovou as medidas tomadas pelo primeiro

provincial do Brasil e reconheceu a utilidade da

Companhia possuir bens de raiz e desenvolver

atividades econômicas, designadamente a criação de

gado, como forma de assegurar o sustento dos meninos

índios e mamelucos do colégios, além dos padres,

irmãos e escravos (12).

Relativamente à questão dos colégios possuírem

escravos, face às divergências existentes, o geral da

Companhia, através de carta datada de 25 de março de

1563 e subscrita pelo padre Juan de Polanco delegou ao

provincial de Portugal, padre Gonçalo Vaz de Melo

(1561-1563), a resolução do assunto, devendo

comunicar aos padres Nóbrega e Grã a posição adotada

Page 76: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

76

(13). Apesar desta iniciativa, a disputa permaneceu sem

solução.

A posição adotada pelo geral Laínez foi posta em

causa pelo seu sucessor, Francisco de Borja (1565-1572)

que, em cartas datadas de 30 de junho e 22 de setembro

de 1567, dirigidas ao visitador da Província do Brasil,

padre Inácio de Azevedo (1566-1568), determinou “que

se não criasse gado para vender [...] e que vissem no

Brasil se era possível passar sem tais encargos” (14).

As dificuldades que a aplicação das orientações

preconizadas pelo novo geral criariam à manutenção e

desenvolvimento das atividades missionárias e educa-

tivas exercidas pela Companhia de Jesus na Província de

Santa Cruz levou à convocação de uma congregação

provincial em 1568. O conclave elaborou um postulado

em que se reafirmava a necessidade vital dos colégios

possuírem fazendas para a criação de gado como forma

de garantir a prossecução das tarefas evangelizadoras

em terras brasílicas. A assembléia provincial deliberou,

ainda, autorizar os superiores dos seus estabelecimentos

a adquirirem os escravos necessários, se não houvesse

outro meio de garantir o funcionamento das suas

atividades.

A Província do Brasil incumbiu o visitador Inácio

de Azevedo de expor os seus pontos de vista ao geral da

Companhia, fazendo-lhe notar os inconvenientes que

resultariam da aplicação estrita das suas ordens.

Pressionado pelos seus companheiros da Terra de Santa

Cruz e pelo parecer de Azevedo, Francisco de Borja

acabou por ceder e dar o seu assentimento para que os

Page 77: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

77

colégios brasílicos pudessem ter o gado que fosse

necessário para o seu sustento (15). Segundo a opinião

do padre José de Anchieta, que desempenhou o cargo de

provincial do Brasil entre 1577 e 1587, sem terras e sem

criação de gado seria impossível assegurar a subsis -

tência dos padres da Companhia (16).

Em 1576, a congregação provincial decidiu

revogar a proibição imposta pelo geral Francisco de

Borja dos colégios possuírem escravos índios (17).

A aquisição de escravos pela Companhia levan-

tava o problema de se saber se a privação da liberdade

resultara de guerra justa. Ora, no caso dos negros essa

averiguação era impraticável, foi, pois, decidido seguir

o parecer da Junta de Burgos que, em 1511, para

facilitar e legitimar a entrada de negros na América

Espanhola adotou o pressuposto de que “todos os

africanos traficados já eram escravos em seus países de

origem” (18). Ao serem transportados para outro

continente apenas mudavam de senhores.

Opinião frontalmente contrária perfilhava o

jesuíta Miguel Garcia. Para este sacerdote, nenhum

escravo oriundo de África ou do Brasil era justamente

cativo, pelo que se recusava a confessar todos os

possuidores de escravos, incluindo alguns padres do

colégio da Baía. Em carta datada de 26 de janeiro de

1583, Miguel Garcia comunicava ao quinto geral,

Cláudio Aquaviva (1581-1615), que a Companhia

possuía uma multidão de escravos na Província do

Brasil – particularmente no colégio da Baía – cir-

cunstância que ele de forma alguma podia aceitar, por

Page 78: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

78

não estar profundamente convencido de que tinham sido

licitamente capturados. Acrescentava, ainda, que aquele

colégio tinha setenta pessoas oriundas da Guiné e um

grande número de escravos da terra, entre certos e

duvidosos, fato que lhe provocava muitos escrúpulos

(19).

Outro jesuíta que contestou a escravatura foi o

padre Gonçalo Leite, primeiro professor de artes no

Brasil. As suas tomadas de posição face aos colonos e

aos seus próprios companheiros originaram hostilidades

para com a Companhia, bem como a inquietação no

interior das comunidades de jesuítas. A solução

encontrara acabou por ser idêntica à adotada no caso do

padre Garcia, ou seja, a ordem para regressar à

metrópole por inadaptação (20).

O melindre desta questão, devido aos casos de

consciência que levantava, justificou que sobre ela se

debruçassem os teólogos e jurisconsultos jesuítas. Nos

finais de Quinhentos, Luís de Molina (1535-1600),

antigo professor das universidades de Coimbra e de

Évora e uma das glórias intelectuais da Companhia,

publicou o primeiro tomo do seu tratado, em seus

volumes, De Iustitia et Iure (Veneza, 1594). Nesta obra,

o pensador jesuíta ocupa-se, entre outros problemas, da

questão da escravatura. Na Disputa 32 do Tratado 2º

analisa a legitimidade da instituição, concluindo que a

escravidão era lícita e justa se os títulos fossem

legítimos, o que era manifesto pela opinião comum dos

doutores, pelo Direito Civil e Canônico e também pela

Sagrada Escritura. Nas Disputas 34 e 35, pronuncia-se

Page 79: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

79

sobre a origem dos escravos (da guerra ou do comércio)

bem como sobre a natureza das várias guerras,

considerando algumas justas e, por conseguinte,

legítimos os escravos delas resultantes, pelo que os

mercadores e compradores não tinham obrigação de

consciência de se informarem sobre os títulos dos

escravos (21).

A longa convivência da Igreja com a escravatura,

cuja legitimidade – em certas condições – acabou por

ser teorizada pelos seus doutores (22); a percepção de

que a oposição à introdução de escravos negros no

Brasil contribuiria para intensificar as operações de

escravização dos índios; a consciência de que a

importação de mão-de-obra escrava constituía uma

necessidade vital para o funcionamento da economia da

colônia e o entendimento de que a sobrevivência das

atividades de missionação dependiam do recurso a mão-

de-obra escrava acabaram por convencer definitiva-

mente a esmagadora maioria dos inacianos e aceitar a

utilização de escravos, sobretudo negros, nas suas casas

e unidades produtivas, consagrando, por conseguinte, a

vitória dos defensores da corrente pragmática, face aos

puristas da corrente ascética.

Em 1590, devido às diligências desenvolvidas

pelo colégio da Bahia, o geral da Companhia autorizou

que, além da criação de gado, os colégios pudessem

construir engenhos e dedicar-se à produção de açúcar.

A opção efetuada pela Companhia de Jesus de se

integrar no sistema produtivo da América portuguesa,

como forma de financiar autonomamente as suas

Page 80: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

80

atividades missionárias e, também, com o objet ivo de

assegurar uma estratégia de expansão que garantisse a

auto-suficiênca econômica de cada colégio, refletiu-se,

naturalmente, no tipo de patrimônio acumulado ao longo

de cerca de dois séculos.

A partir de doações reais e de contributos dos

fiéis, os jesuítas adotaram a política de investir parte

significativa das disponibilidades monetárias na

aquisição de prédios rústicos e urbanos. A Província do

Brasil da Companhia de Jesus acumulou, no decurso de

cerca de 210 anos (1549-1759), um imenso, diver-

sificado e lucrativo patrimônio (engenhos, canaviais,

fazendas de criação de gado, lavouras de subsistência,

prédios rústicos, imóveis urbanos, olarias etc.),

tornando-se, sem margem para dúvidas, na “ordem

religiosa mais rica do Brasil”. De acordo com os

cálculos de um historiador norte-americano, “uma

estimativa aproximada da riqueza total dos jesuítas em

1759” aponta para “uma cifra total que passa de mil

contos” (24). A título de exemplo, refira -se que, em

1759, somente o “patrimônio do Colégio do recife va lia

mais de noventa contos de réis” (25).

NOTAS

(1) Cf. Serafim Leite, Breve Itinerário para uma Biografia do

Padre Manuel da Nóbrega, Fundador da Província do Brasil e da

Cidade de São Paulo (1517-1570), Lisboa-Rio de Janeiro, 1955,

pp. 110-111.

Page 81: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

81

(2) Cartas do Brasil e Mais Escritos do Padre Manuel da Nóbrega

(Opera Omnia), introd. e notas históricas e críticas de Serafim

Leite, Coimbra, 1955, p. 101.

(3) Idem, p. 121.

(4) Idem, pp. 121-123.

(5) Cf. Idem, p. 122.

(6) Cf. Idem, pp. 207-215.

(7) Cf. Idem, pp. 260-276.

(8) Cf. Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil,

vol. II, Lisboa-Rio de Janeiro, 1938, p. 348.

(9) Cf. Idem, pp. 271-475.

(10) Cf. Idem, p. 470.

(11) Cartas do Brasil..., pp. 391-394.

(12) Cf. Serafim Leite, op. cit., vol. I, p. 176.

(13) veja-se a carta do “P. Juan de Polanco por Comissão do P.

Geral Diego Laynes ao P. Gonçalo Vaz de Melo, Provincial de

Portugal”, pub. in Monumenta Brasiliae, dir. por Serafim Leite,

vol. III (1558-1563), Roma, 1958, p. 543.

(14) Pub. Por Serafim Leite, op. cit., vol. I, p. 176.

(15) Idem, ibidem.

(16) Idem, ibidem.

(17) Cf. Serafim Leite, op. cit., vol. II, pp. 349-350.

(18) Evaristo de Moraes, A Escravidão Africana no Brasil (Das

Origens à Extinção), 2ª ed., Brasília, 1986, p. 18.

Page 82: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

82

(19) Cit. por Serafim Leite, op. cit., Vol. II, pp. 227-228.

(20) Idem, ibidem .

(21) Cf. Idem, “A Companhia de Jesus e os Pretos do Brasil”,

Brotéria, 68, Lisboa, 1959, pp. 134-135.

(22) Cf. Fernando Cristóvão, A Abolição da Escravatura e a Obra

Precursora do Pe. Manuel Ribeiro Rocha, comunicação

apresentada à Academia das Ciências de Lisboa em 14 de maio de

1992.

(23) Cf. Serafim Leite, op. cit., Vol. I, pp. 147-148.

(24) Daril Alden, “Aspectos Econômicos da Expulsão dos Jesuítas

do Brasil: Notícia Preliminar”, in Conflito e Continuidade na

Sociedade Brasileira, org. de Henry M. Keith e S. F. Edwards,

trad. port., São Paulo, 1970, p. 37.

(25) Jorge Couto, O Colégio dos Jesuítas do Recife e o Destino do

seu Patrimônio (1759-1777), dissertação de mestrado apresentada

à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, vol. I, Lisboa,

1990, p. 417.

(Transcrito de Confronto de Culturas: conquista, resistência,

transformação. Rio de Janeiro/São Paulo: Ed. Expressa e

Cultura/Edusp. 1997, págs. 187-198).

Page 83: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

83

ASPECTOS ECONÔMICOS DA EXPULSÃO

DOS JESUÍTAS DO BRASIL:

Notícia Preliminar (*)

Dauril Alden

A primeira colônia do Novo Mundo a receber

membros da recém-fundada Companhia de Jesus (1540)

foi o Brasil, onde o contingente inicial de loyolistas

desembarcou em 1549; a primeira colônia do Novo

Mundo de onde a companhia foi expulsa, duzentos e dez

anos depois, foi também o Brasil. No transcurso desses

dois séculos os jesuítas fizeram sentir sua presença na

colônia através de uma notável diversidade de apt idões

– como destacados missionários e combativos defen-

sores dos direitos dos índios, como conselheiros das

principais autoridades administrativas, como educadores

de quase toda a pequena parcela da juventude colonial

letrada, como construtores das maiores bibliotecas da

colônia, como exploradores dos sertões, e como lingüis-

tas, historiadores, antropólogos, botânicos, farmacêuti -

cos, médicos, arquitetos e artesãos dos mais diversos

tipos. Tais atividades têm sido examinadas por

numerosos escritores (1), entre os quais o mais

abalizado é Serafim Leite, S. J., autor da monumental e

acreditada História da companhia de Jesus no Brasil

Page 84: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

84

(2). Espalhadas pelos dez grossos volumes do Padre

Leite, encontram-se também referências aos jesuítas

como horticultores, criadores de gado, superintendentes

de fazendas e administradores de imóveis urbanos. De

vez em quando ele ainda fornece informações sobre o

valor e a extensão das propriedades da ordem no Brasil.

Mas apesar de ter indicado a necessidade de um estudo

pormenorizado do papel econômico da Companhia da

Colônia (3), o Padre leite não publicou tal trabalho (4),

e aqueles que escreveram sobre a história econômica da

colônia ignoraram o assunto (5).

Talvez o preenchimento dessa importante lacuna

em nossos conhecimentos exceda as aptidões e energias

de um investigador isolado. Seja como for, tenho em

mente um objetivo mais limitado: ver até que ponto a

decisão da Coroa de expulsar os jesuítas de seus

domínios foi economicamente motivada, e avaliar as

conseqüências econômicas daquele ato (6). Quando há

vários anos iniciei a minha pesquisa, comecei pelas

seguintes indagações: (a) como chegou a Companhia de

Jesus a ser grande proprietária de bens urbanos e rurais,

incluindo escravos negros, no Brasil? (b) em que medida

suas atividades econômicas provocaram queixas da parte

dos interesses econômicos concorrentes na colônia e que

influência exerceram tais críticas sobre a política da

Coroa? (c) qual era a extensão e o valor das

propriedades jesuíticas no Brasil no momento do

seqüestro? e (d) que destino lhes deu a Coroa após o

confisco? É evidente que a busca de respostas a estas e

outras questões afins terá de estender-se pelos arquivos

Page 85: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

85

brasileiros e portugueses, e muito provavelmente pros-

seguir também nos repositórios existentes em Roma. Por

enquanto, nas seções seguintes apresento os resultados

das pesquisas que fiz até agora com relação às três

primeiras indagações.

I. As fontes da riqueza jesuítica no Brasil

Ao tempo de sua expulsão havia 474 jesuítas na

Província do Brasil e outros 155 na Vice-província do

Maranhão (7). Os padres, seus noviços e seus pupilos

indígenas achavam-se largamente espalhados pelas

instituições educativas, espirituais, agrícolas, pastoris,

recreativas e hospitalares da companhia, que se

estendiam do alto Amazonas ao Paraná e Santa Catarina,

no sul. Tais instituições abrangiam dezenove colégios,

cinco seminários, diversos hospitais, mais de cinqüenta

missões (aldeias) e grande número de estabelecimentos

de instrução, noviciarias e retiros (8).

A construção e manutenção dessas instalações e

o cuidado com o bem-estar dos auxiliares naturalmente

exigiam recursos substanciais. Esses recursos pro-

vinham de várias fontes. A princípio contaram os

padres com as esmolas dadas pelos colonos fundadores

da Bahia, mas tais donativos e as pensões para comida

e roupa que a Coroa fornecia não eram suficientes para

sustentar as ambiciosas empresas missioneiras e edu-

cativas dos jesuítas (9). Essas operações fixaram-se

num alicerce mais firma em 1550, quando a companhia

Page 86: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

86

recebeu sua primeira doação territorial (sesmaria) no

Brasil (10). Em parte destinava-se essa concessão a

ajudar no estabelecimento do primeiro colégio da

ordem em Salvador. Em décadas posteriores ao século

XVI novos colégios foram fundados no Rio de Janeiro

e em Pernambuco. Estes também receberam sesmarias

(11) e foram contemplados com receitas deduzidas dos

dízimos. O montante de tais dotações dependia a

princípio do número de padres indicados para cada

distrito do colégio, mas embora o número de padres

naqueles distritos continuasse a crescer durante os

séculos XVII e XVIII, as dotações mantiveram-se

inalteradas depois de 1575 (12). Quando a companhia

levou as suas atividades à área amazônica no século

XVII e criou-se ali uma vice-província, a Coroa

também favoreceu as missões setentrionais, embora em

escala menor do que o fizera na Província do Brasil

(13).

Essas concessões territoriais e dotações repre-

sentavam a amplitude da assistência econômica direta

da Coroa aos jesuítas (14). Com o correr do tempo, em

fins do século XVII pelo menos, a importância dessa

ajuda foi em muito ultrapassada pelo nível de

beneficência particular e pela quantidade de capital que

os jesuítas podiam produzir com o número cada vez

maior de suas propriedades. Passados os primeiros anos

de sua chegada no Brasil tornaram-se os jesuítas

recipiendários de terras incultas e rebanhos, que lhes

foram dados por vultos notáveis como Brás Cubas e

Diogo Álvares (mais conhecido pelo nome de Cara-

Page 87: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

87

muru), mas as doações testamentárias de grandes

porções de terrenos agrícolas cultivados e imóveis

urbanos, incluindo canaviais, criatórios, mansões cita-

dinas e escritórios comerciais, parecem datar do segun-

do decênio do século XVII (15). O tamanho desses

legados e as condições neles estipuladas variavam

muito. Comumente os testadores determinavam que

parte dos cabedais transmitidos à Companhia fosse

reservada para missas por suas almas e pelas dos seus

familiares. Excepcional foi o caso de Domingo Afonso

Certão, o célebre co-fundador das pastagens do Piauí,

que em seu curiosíssimo testamento mandou que se

dissessem cinco missas diárias por sua alma na igreja do

colégio de Salvador, mais uma missa semanal cantada

na igreja da noviciaria da mesma cidade, “até o fim do

mundo” (16). Muitos doadores davam instruções aos

padres curadores para que vendessem parte dos bens

deixados e pagassem as dívidas do espólio, fizessem a

partilha entre os herdeiros e aplicassem o restante em

obras pias, tais como donativos anuais aos pobres,

missas especiais ou benfeitorias nos templos onde ha-

viam feito suas devoções. Alguns doavam à Companhia

dinheiro de contado para ser invertido em empréstimos a

juros ou em prédios para alugar. Outros recomendavam

que se empregasse a maior parte de seus bens na criação

de novos colégios ou de outros tipos de estabe-

lecimentos educacionais. Uns simplesmente deixavam

seus haveres para os reitores dos colégios, a quem

facultavam o direito de os conservar para a ordem ou

deles dispor como melhor lhes aprouvesse. Uma vez que

Page 88: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

88

esses testamentos eram de ordinário preparados com a

assistência dos próprios jesuítas, eram inevitáveis as

acusações de que os padres usavam de coação com os

moribundos a fim de assegurar a posse de quinhões

particularmente valiosos do patrimônio dos seus benfei-

tores, mas não seria fácil hoje achar prova convincente

de tais alegações (17).

Além das dádivas da Coroa e de particulares, os

jesuítas também adquiriam propriedades mediante

compras diretas (18). Sempre que possível, ampliavam

suas fazendas mais promissoras a fim de garantir acesso

a melhor transporte aquático ou a facilidade de

irrigação, maior área para plantar cana ou criar gado, e

para outros fins. Foi em conseqüência de muitas

aquisições, doações e ações judiciais levadas a cabo

durante mais de um século que eles conseguiram

aumentar a célebre fazenda de Santa Cruz, na Capitania

do Rio de Janeiro, até vir ela a medir mais de 100 léguas

quadradas e tornar-se o domicílio de mais de mil

pessoas, em sua maioria escravos negros (19). Os padres

também compravam lotes desaproveitados e casas de um

e de muitos andares nas cidades coloniais, na

expectativa de suas futuras necessidades de expansão e

tendo em vista a renda que daí adviria para as

instalações existentes (20). Todas as vezes que

determinadas propriedades deixavam de encaixar-se em

seus planos, os jesuítas vendiam-nas a outras ordens ou

a particulares (21).

Os jesuítas utilizavam seus bens de vários modos.

Em suas fazendas cultivavam uma ampla variedade de

Page 89: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

89

lavouras indígenas e européias. Entre aquelas, as mais

importantes eram mandioca, arroz, algodão e tabaco;

entre as últimas estava diversos tipos de legumes, frutas

cítricas e trigo. A produção destinava-se principalmente

ao sustento dos padres e seus pupilos, mas os

excedentes eram vendidos a pessoas estranhas à ordem.

O mercado primário para a lavoura mais lucrativa dos

jesuítas, a cana-de-açúcar, era naturalmente o reino.

Embora tivessem começado a cultivar a cana logo

depois de terem chegado no Brasil, os jesuítas só

adquiriram seu primeiro bangüê em 1604, quando se

construiu o engenho Camamu na Bahia em local

escolhido pelo Padre Fernão Cardim. O engenho foi

destruído pelos holandeses em 1640, mas os padres

continuaram a adquirir outros grandes bangüês, por

doação (como no caso do famoso Sergipe do Condé) ou

por compra (por exemplo, o engenho Pitanga, também

na Bahia), até que cada um dos colégios mais

importantes pôde retirar parte de sua renda de uma ou

mais plantações de cana. Pelos meus cálculos, os

jesuítas tinham ao todo dezessete canaviais, cada um

equipado com um ou mais engenhos, ao tempo de sua

expulsão (22). Essas instalações compreendiam não só

moendas e outros maquinismos relacionados com o

fabrico de açúcar mas também destilarias de aguardente,

forjas, tanoarias, olarias e oficinas de tecelagem, e, em

alguns casos, estaleiros aptos para construir

embarcações que, quanto ao tamanho, iam desde as

canoas amazônicas até às sumacas de navegação

marítima. Além das lavouras de subsistência e dos

Page 90: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

90

canaviais, cada colégio também possuía muitas fazendas

de criação que produziam principalmente leite e gado

para o corte, afora cavalos, porcos, ovelhas, cabras e

aves de quintal. Ao tempo do confisco havia, por

exemplo, 16.580 cabeças de gado na fazenda do colégio

ao norte do Rio de Janeiro, um total avaliado em 32.000

cabeças distribuídas por trinta criatórios no Piauí, e

mais de 100.000 reses nos sete estabelecimentos da ilha

de Marajó (23).

As propriedades exploradas pelos próprios

jesuítas eram geridas por um ou dois padres que

supervisionavam o trabalho dos negros escravos, como

acontecia nas lavouras de cana, ou dos índios, como nas

fazendas de criação do Amazonas. Dentre as

instituições, a Companhia de Jesus era provavelmente a

maior proprietária de escravos do Brasil; seguramente

possuía o maior número de escravos existentes em uma

só fazenda em toda a América colonial. (24).

Os jesuítas também davam em arrendamento e de

aluguel pastagens e terras de cultivo, embora a renda

que percebiam de tais propriedades fosse bem menor do

que a auferida dos prédios urbanos (25). Seu maior

conjunto de imóveis urbanos localizava-se na cidade de

Salvador (Bahia), onde à época da expulsão (1759-1760)

possuíam 186 casas no valor de 162.165.000 réis, que

produziam uma renda anual de 10.918.160 réis (26).

Uma relação preparada duas décadas antes revela que na

cidade do Rio de Janeiro, onde a ordem rinha seu

segundo grande conjunto de prédios urbanos (setenta),

recebia ela 5.824.280 réis de aluguéis anuais.

Page 91: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

91

Contrastando com isso, no mesmo ano os dois colégios

de São Paulo possuíam apenas seis propriedades urbanas

que lhes davam uma renda anual de 980.000 réis (27).

Outro inventário da década de 1740 mostra que os dois

colégios de Pernambuco possuíam quarenta prédios

urbanos dados em arrendamento que produziam uma

receita de 751.000 réis (28). De acordo com os cálculos

do Padre leite, as propriedades urbanas da Companhia

em Salvador e Recife eram sua mais lucrativa fonte de

renda na época do confisco (29).

Quando foram expulsos, os jesuítas eram

indiscutivelmente a ordem religiosa mais rica do Brasil

(30). Além das doações régias e particulares e dos

ganhos provenientes da exploração direta e da locação

de imóveis rurais e urbanos, provinha aquela riqueza das

inversões em empréstimos a juros (sobre os quais não

tenho informações) (31), e das vendas das chamadas

especiarias amazônicas, que abrangiam cacau, cravo,

canela, pimenta, salsaparrilha, matérias corantes e até

manteiga de tartaruga. Enquanto não forem concluídas

outras pesquisas arquivais, será impossível apresentar

mais do que uma estimativa aproximada da riqueza total

dos jesuítas em 1759. Os dados de que dispomos,

compreendendo inventários de alguns dos maiores

engenhos de açúcar dos jesuítas, relações de suas

propriedades urbanas mais importantes à época do

confisco, e notícias referentes às vendas de algumas

dessas propriedades, indicam uma cifra total que passa

de 1.000 contos (32).

Page 92: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

92

II. Conflitos entre os jesuítas e seus rivais antes de

1722

Considerando as extensas propriedades dos

jesuítas no Brasil, os privilégios econômicos de que

gozavam de direito ou que se arrogavam (adiante

trataremos disso mais detidamente), a especial

benevolência com que desde muito eram tratados pelos

soberanos de Portugal e pelas altas autoridades da

colônia, como os membros da família Sá, e os esforços

que faziam constantemente para defender os ameríndios

contra os leigos predatórios, não é de surpreender que os

padres da Companhia se vissem sob os ataques de

determinados grupos de interesses rivais. Tais ataques

começaram logo depois que os jesuítas chegaram na

colônia. Muito antes de surgirem as questões

relacionadas com suas atividades econômicas, os

jesuítas opuseram-se aos leigos no tocante ao controle

dos índios. Os colonos queriam estes últimos

concentrados em aldeias nas proximidades de suas

lavouras a fim de os explorar como força de trabalho.

Os missionários, desejando proteger os índios contra a

exploração e facilitar a iniciação deles nos preceitos do

cristianismo, isolavam-nos o mais possível dos colonos

e insistiam em servir de intermediários entre os

indígenas e os fazendeiros em questões de trabalho e

comércio. Nas diretrizes gerais e em legislação especial,

a partir de 1570, a Coroa apoiou as tentativas jesuíticas

de defender os índios até a década de 1750. Apesar

disso, em fins do século XVI os silvícolas tinham sido

Page 93: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

93

virtualmente eliminados de muitas partes da costa

oriental, destruídos que foram pela escravização e pelo

contacto com doenças européias e africanas, ou

afugentados para o interior, onde eles e seus primos

eram perseguidos pelos missionários e seus rivais (33).

A perseguição intensificou-se durante o século

XVII, quando os portugueses expandiram suas con-

quistas ao sul e ao norte. No sul, os bandeirantes

paulistas caçadores de escravos internaram-se no

sudoeste de São Paulo, e entre 1628 e 1641 invadiram e

destruíram dois aldeamentos recém-fundados pelos

jesuítas sediados no Paraguai espanhol, e só foram

impedidos de praticar novas devastações quando os

padres armaram seus pupilos (34). Em 1640, tão logo os

jesuítas tornaram público um breve pontifício que

condenava todas as formas de escravização dos ame-

ríndios, a população rebelou-se e expulsou-os da

Capitania. E seus irmãos do Rio de Janeiro por pouco

não tiveram o mesmo destino (35).

Como na mesma época os portugueses avançavam

em direção ao Amazonas, a disputa entre os colonos e os

padres da Companhia pelos corpos e almas dos índios

criou novas tensões entre os jesuítas e seus rivais. O

resultado em duas ocasiões (1661-1662 e 1684) foi a

expulsão dos loyolistas do Estado do Maranhão. Se da

primeira vez a Coroa contentou-se com a reintegração

dos padres e a proclamação de um perdão geral aos

responsáveis pelo banimento, mostrou-se ela menos

clemente da segunda vez, quando três chefes do tumulto

Page 94: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

94

foram enforcados e vários outros receberam sentenças

menos severas (36).

À segunda reintegração dos jesuítas no Estado do

Maranhão seguiu-se a adoção de um conjunto de normas

(o regimento de 1686) que iria governar as relações

entre os loyolistas e as outras ordens atuantes na região

amazônica (principalmente os franciscanos, carmelitas e

mercedários), os silvícolas e os colonos, pelo espaço de

setenta anos. As regras básicas desse documento são

dignas de nota, uma vez que se tornaram questões vitais

durante a década de 1750, a mais atribulada para os

loyolistas. O regimento conferiu aos missionários pode-

res espirituais, políticos e temporais dentro das aldeias

por eles administrados, vedando a entrada a todos os

colonos. A cada um dos colégios dos jesuítas em São

Luís e Belém coube uma aldeia de trabalhadores indí-

genas dedicados ao serviço exclusivo do estabele-

cimento. Além disso, cada residência da Companhia

situada a uma distância de trinta léguas ou mais de

algum dos colégios, estava autorizada a empregar vinte

e cinco índios (mais tarde vinte e cinco famílias, por ter

sido assim interpretado o disposto no regimento), nas

tarefas da missão. Todos os funcionários públicos,

inclusive os governadores reais e os conselhos muni-

cipais, incumbidos de regular as relações entre o gentio

e o colono, tais como o descimento de índios de resgate

apanhados no longínquo interior, a distribuição de

trabalhadores indígenas e a determinação de seus

salários e períodos de serviço, eram obrigados a ouvir os

missionários antes de agir (37).

Page 95: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

95

Essas normas eram mais favoráveis aos jesuítas

do que a qualquer outra ordem religiosa e refletem as

relações intimas que existiam entre a Companhia e o

governo de Pedro II (1683-1706). Temos outro reflexo

disso na renovação em 1684 de um alvará passado

originalmente no reinado de D. Sebastião (1557-1578),

isentando os jesuítas do pagamento de todos os direitos

alfandegários sobre as mercadorias que eles importavam

e exportavam do Brasil (38). No curso da mesma década

a Coroa mais do que duplicou o estipêndio dos

loyolistas designados para o Maranhão, censurou

energicamente um governador que perguntou se os

jesuítas tinham direito a certas aldeias e fez -lhe ver que

o Rei esperava que seus governadores prestassem toda a

assistência e proteção possível aos padres, de modo a

lhes facilitar os esforços (39).

Entretanto, foi durante o reinado de Pedro II e o

de seu predecessor imediato, João IV (1640-1656), que

a Coroa começou a levar a sério as queixas coloniais

quanto à excessiva riqueza dos jesuítas e de outras

ordens religiosas. Essas queixas remontam pelo menos a

1603, quando a câmara de Goa advertiu que se se viesse

a perder o Estado da Índia, isto se daria por culpa dos

Padres da Companhia [de Jesus], que, com permissão de

Vossa Majestade descreveremos e provaremos, têm (...)

tão grande receita neste Estado que equivale à metade

das receitas do real Tesouro. Eles são senhores

absolutos da maior parte desta Ilha, e compram tudo, de

sorte que inevitavelmente dentro de dez anos não haverá

uma casa ou um bosque de palmeiras que não lhes

Page 96: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

96

pertença. Os cidadãos estão sendo despojados de tudo

quanto possuem, razão por que este Estado é tão pobre

(40).

Grifei a última parte dessa queixa porque a

alegação de que a propalada prosperidade das ordens,

especialmente a dos jesuítas, era responsável pela

pobreza e miséria dos súditos do rei, veio a ser um

estribilho comuníssimo, embora nunca satisfatoriamente

documentado, nos memoriais e mensagens dos adver-

sários dos jesuítas em épocas posteriores.

Umas quatro décadas depois que os vereadores de

Goa fizeram essa advertência, a câmara do Rio de

Janeiro repeliu os esforços de seu governador, Salvador

de Sá, no sentido de persuadir o conselho a votar verbas

suplementares para as defesas locais, salientando que a

cidade já contribuíra largamente para aquele fim e que

os loyolistas “são muito ricos e donos das melhores

propriedades desta terra e da metade (2 partes) dos

chãos e do gado que há nela” (41). Esse protesto

encontrou eco dezesseis anos depois no conselho

municipal de Salvador, que lamentou: “As Ordens

Religiosas, que nesta capitania possuem muitos bens de

raiz e muito engenhos de açúcar, herdades, fazendas,

casas, gado e escravos, recusam-se a dar qualquer

contribuição para as despesas da guerra [a luta de

Portugal para se libertar da Espanha, 1640-1668], de

modo que o resto da população está sobrecarregada e os

pobres sofrem contínua opressão.”

Page 97: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

97

A tais denúncias Francisco Barreto, o prestigioso

governador-geral do Estado do Brasil, acrescentou outra

quando escreveu à Coroa criticando as ordens religiosas,

mormente os jesuítas, por se negarem a pagar os dízi -

mos de suas numerosas e prósperas propriedades (42).

O conflito entre os funcionários da Coroa e

cobradores dos dízimos de um lado, e as ordens

religiosas, sobretudo os jesuítas, do outro, concernente

ao pagamento do dízimo, é familiar aos estudiosos da

América colonial espanhola e não deve causar surpresa

o ter sido, segundo todas as aparências, interminável no

Brasil também (43). Pela bula Super specula (1551), a

arrecadação dos dízimos no Brasil cabia aos soberanos

de Portugal na qualidade de Grão-Mestres da Ordem de

Cristo, a qual era teoricamente responsável pela Igreja

colonial (44). No ano seguinte os funcionários da Coroa

tentaram pela primeira vez impor o dízimo às

propriedades dos jesuítas no Brasil mas foram repelidos

pelo padre Manoel da Nóbrega, primeiro Vice-

Provincial da Companhia no Brasil, que asseverou estar

a sua ordem isenta de tais pagamentos (45). Talvez o

padre se reportasse à bula Licet debitum de Paulo III (18

de outubro de 1549), o primeiro de muitos rescritos

papais de que se socorreriam os jesuítas para justificar a

recusa a pagar os dízimos. O que seus defensores jamais

esclareceram foi se tal legislação recebeu algum dia a

sanção da Coroa, de modo a ser aplicável à Igreja no

Brasil (46).

O que é indiscutível é que os jesuítas e as outras

ordens missionárias do Brasil se negaram pertinazmente

Page 98: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

98

a acatar as determinações da Coroa e pagar os dízimos

de suas propriedades. Em 1614 Filipe III (1598-1621)

notou com desprazer a incapacidade de seus prede-

cessores para infundir nas ordens o dever de contribuir

para os fundos dos dízimos, e deu a entender que seu

governo estava resolvido a corrigir essa situação (47).

No entanto, como já observamos, o Governador-Geral

Barreto declarou em 1661 que as ordens continuavam

recusando-se a pagar dízimos. Que resposta deu a Coroa

a essa queixa não sabemos. Não há dúvida que os

governos de Pedro II e João V (1706-1750) envidaram

esforços, repetidas vezes, para compelir as ordens a

pagarem os dízimos, e ameaçaram privá-las de suas

propriedades, excetuando as concessões iniciais para

novos colégios, se elas não atendessem. Em 1711 a

Coroa decidiu que, para evitar “prejuízos” ulteriores,

todas as futuras doações de terras aos colonos conteriam

como condição para que fossem aceitas o compromisso

de que não seriam mais tarde transferidas à ordens, a

não ser com a cláusula de que os possuidores

concordariam sempre em pagar os dízimos (48).

Os primeiros reis bragantinos também procuraram

considerar uma outra queixa de seus colonos, a saber,

que as ordens religiosas, especialmente os jesuítas,

possuíam terra em demasia. Em 1642, quando o Padre

Luís Figueira foi a Lisboa pedir permissão para instalar

missões jesuíticas no Amazonas, D. João IV aquiesceu

mas “deixou claro que os jesuítas não teriam licença de

adquirir bens sem o consentimento da Coroa” (49). Tal

condição era em tudo coerente com a legislação real do

Page 99: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

99

tempo do Código Afonsino (1446), que proibia rigo-

rosamente as ordens religiosas de adquirir propriedade

se não contassem com autorização régia para fazê-lo

(50). A inclusão desse princípio nos códigos subse-

qüentes, nas ordenações manuelinas de 1521 e nas

filipinas de 1603, além da promulgação de leis

complementares sobre o mesmo assunto, indica que tais

preceitos se notabilizavam mais pelas violações que pela

observância (51). Em 1690 e novamente em 1711 a

Coroa determinou que nem os conventos nem os

mosteiros do Brasil “podem ou devem adquirir terras e

retê-las, exceto aquelas que lhes foram doadas para sua

fundação, por causa das conseqüências perniciosas que

resultam de semelhantes aquisições e das desordens [que

causam] entre os vassalos daqueles estados [i. e., das

capitanias] ...” (52) Sete anos depois, quando o Con-

selho Ultramarino ordenou ao governador do Rio de

Janeiro que lhe desse informações acerca das

propriedades que possuíam na Capitania as três ordens

não-mendicantes (beneditinos, carmelitas e jesuítas), o

Governador comunicou que os superiores daquelas

ordens tinham respondido com evasivas ao pedido de

informações, ao mesmo tempo que a câmara do Rio de

Janeiro se queixava dos “embaraços” que tais pro -

priedades causavam à Coroa e seus vassalos, uma vez

que tinham sido acumuladas ao arrepio das leis do reino.

O Conselho então admoestou severamente os superiores

a cumprirem o que se lhes determinava. O resultado foi

possivelmente o primeiro levantamento pormenorizado

dos bens possuídos pelas ordens naquela capitania (53).

Page 100: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

100

Resta descobrir se se fizeram inventários análogos em

outras capitanias na mesma época. A verdade é que isto

não parece ter provocado mudança alguma na política

do reino. Quatro anos depois, porém, viram-se pela

primeira vez os jesuítas diante de um dos seus inimigos

mais obstinados e intratáveis, o famoso Paulo da Silva

Nunes, porta-voz populista da Amazônia.

III. A campanha de Paulo da Silva Nunes contra os

jesuítas: 1722-1746

Na Amazônia realizaram os loyolistas alguns de

seus maiores feitos e conheceram algumas de suas mais

amargas tristezas. Em 1693, quando a Coroa deliberou

pôr termo às tradicionais rivalidades entre as quatro

ordens religiosas que procuravam levar a fé aos

primitivos ameríndios do Amazonas, e com esse intuito

repartiu entre elas aquela área imensa, os jesuítas

asseguraram a posse do território mais vasto e mais

vantajoso (54). Se estavam satisfeitos com aquela

adjudicação e com os termos do regimento de 1686, não

o estavam com a decisão da Coroa de revogar um

estatuto mais antigo e novamente tornar lícita em certas

condições a captura de escravos indígenas. A nova lei de

1688 autorizou as campanhas ofensivas contra índios

hostis e pagãos, desde que a natureza dessa hostilidade

fosse primeiro confirmada por escrito por missionários

franciscanos e jesuítas que deviam acompanhar as

expedições de resgates. Por motivos compreensíveis,

Page 101: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

101

não quiseram os loyolistas participar de um negócio tão

sórdido e parece que tentaram anular a nova lei

declinando de tomar parte nos resgates (55). Isso não

impediu que escravistas inescrupulosos encontrassem

meios de conseguir mão-de-obra cativa, muitas vezes

com a conivência de governadores reais (56).

Foi após a demissão de um desses governadores,

o célebre cronista Bernardo Pereira de Berredo (57), que

Paulo da Silva Nunes fez seus primeiros esforços

públicos no sentido de banir os jesuítas do Amazonas

(58). Levando-se em conta sua importância, é muito

pouco o que sabemos do passado de Silva Nunes ou das

razões específicas da intensidade do seu ódio aos

jesuítas. De origem evidentemente peninsular, ele

apareceu no Pará como soldado durante a guerra da

sucessão espanhola (1702-1713). Em Belém ligou-se ao

círculo do Capitão-general Cristóvão da Costa Freire

(1707-1716), ou na qualidade de seu secretário (como

ele mesmo dizia) ou de seu barbeiro (como afirmaram

mais tarde os jesuítas). Valendo-se de seus contatos

palacianos, Silva Nunes tornou-se governador de duas

cidadezinhas do baixo Amazonas (Vigia e Icatu),

superintendente de fortificações e capitão de uma

companhia de milícia colonial. Esta última distinção

garantiu-lhe o ingresso na aristocracia local, se assim

podemos chamá-la, casando-se Silva Nunes com uma

descendente de um dos mais famosos avoengos dessa

aristocracia, o guerreiro-explorador seiscentista Pedro

Teixeira (59).

Page 102: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

102

Quando um desembargador que acompanhou o

sucessor de Berredo, João da Maia da Gama (1722-

1728), a Belém iniciou uma devassa sobre o tratamento

dispensado aos índios cativos, ficou constatada a culpa

de numerosos colonos que haviam tomado parte em

expedições ilícitas de resgate. Tais acusações produ-

ziram intranqüilidade geral em todo o Pará. Pasquins

apareceram denunciando os loyolistas, a quem indigita-

vam como instigadores da devassa, e exigindo que

fossem expulsos da capitania (60). Numa sessão do

conselho municipal de Belém, Paulo da Silva Nunes leu

um enfadonho arrazoado em que defendia os colonos e

atacava os jesuítas por terem neutralizado as diretrizes

da Coroa concernentes ao suprimento de trabalhadores

indígenas para os fazendeiros, por se terem trans-

formado em senhores absolutos dos aborígenes, e por

engajarem-se no comércio das especiarias amazônicas

em prejuízo do tesouro real (61). Não se deixando

impressionar por essas acusações e persuadido pelo

visitador jesuíta de que Silva Nunes era o cabeça do

movimento dos colonos contra os loyolistas, Maia da

Gama deu ordem para que o detivessem e encarcerassem

temporariamente numa fortaleza. Essa medida, que

parecia sufocar a agitação, apenas marcou o início da

implacável campanha de Silva Nunes visando a

desacreditar os jesuítas e bani-los permanentemente do

Amazonas.

Logo que foi solto, Silva Nunes fugiu para Lisboa

levando um longo memorial assinado por paraenses

descontentes, que externavam suas queixas contra o

Page 103: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

103

Capitão-general e os missionários. Nessa petição, a

primeira das muitas que iria preparar no curso das duas

décadas seguintes em que serviria de procurador dos

colonos residentes no Estado do Maranhãoi, Silva Nunes

alegava que os padres eram a fonte de todas as

discórdias naquele Estado. Eram os padres acusados de

exercer influência ilimitada e despótica sobre os

funcionários da Coroa, os colonos brancos e os índios,

incitar os escravos negros a abandonarem os senhores e

fornecer aos silvícolas as armas de fogo com que estes

haviam assassinado moradores brancos. Afirmava Silva

Nunes que no interior de algumas das missões os padres

mantinham cárceres onde até transgressores brancos

tinham sido postos a ferros. Além disso, dizia, as

missões e colégios assemelhavam-se mais a enormes

alfândegas, onde se realizava escandaloso comércio

ilícito, do que a lugares de oração. Pior ainda, os

jesuítas eram acusados de estabelecer relações

traiçoeiras com os vizinhos de Portugal na região

amazônica: holandeses, franceses e espanhóis. O

memorial terminava pela inevitável afirmação de que o

Estado do Maranhão tinha possibilidade de se tornar

extraordinariamente próspero mas estava à beira da

ruína econômica e seria destruído se Sua Majestade não

ministrasse os remédios imediatos e eficazes.

Que remédios tinha em mente o procurador?

Primeiro, que se retirasse aos religiosos a faculdade de

exercerem autoridade temporal, política ou econômica

dento das aldeias. Segundo, que se lhes proibisse

continuar a instruir os ameríndios na língua geral,

Page 104: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

104

impondo-se-lhes, ao invés, o dever de ensinar português

ao gentio (62). Terceiro, que fossem os missionários

obrigados a admitir em seus estabelecimentos inspetores

encarregados de lhes examinar o comportamento. E

quarto, que a Coroa tomasse providências no sentido de

enviar cada ano cinqüenta famílias de suas ilhas

atlânticas para a região amazônica a fim de povoar os

sertões e ajudar no desenvolvimento econômico do

território.

Mal cegou em Lisboa, Silva Nunes arranjou um

aliado importante na pessoa do ex-capitão-general

Berredo, que saíra de Belém desacreditado e estava sem

dúvida ansioso por denegrir a reputação de seu sucessor.

Como Silva Nunes, também ele não era amigo dos

jesuítas. Foi Berredo quem convenceu a câmara de

Belém a contribuir para as despesas de Silva Nunes, e

foi ele quem custeou do próprio bolso a cabala

administrativa quando o procurador estava sem recursos

(64). Foi ele provavelmente quem abriu portas que de

outro modo teriam continuado fechadas para o

procurador (65), sobretudo as de pessoas influentes no

reino que partilhavam da sua hostilidade aos loyolistas.

Dos meados para o fim da década de 1720, Silva

Nunes continuou a redigir longos memoriais escorados

em citações de autores clássicos, de juristas eruditos

como Solérzano Pereira, e da anterior legislação régia,

tentando sublinhar a bestialidade dos indígenas e ao

mesmo tempo apresentar as motivações dos colonos sob

o melhor dos prismas. Sustentava que os selvagens, de

quem dizia que talvez fossem descendentes dos judeus,

Page 105: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

105

“não eram verdadeiros homens mas brutos arbóreos

incapazes de participarem da fé católica”. Eram

“selvagens imundos, ferozes, e tão vis” que quase não

tinham nada de humanos. E perguntava: “Se os etíopes

podem ser feitos cativos, por que não os índios do

Maranhão?” Na realidade, assegurava ele à Corte, os

brancos não pretendiam, em absoluto, escravizar os

índios; desejavam apenas empregá-los nas plantações e

engenhos, pagando-lhes salários, alimentando-os,

vestindo-os e ensinando-lhes a doutrina cristã e os bons

costumes. Sugeria que se nomeassem os cabos brancos

casados para substituir os missionários como

administradores das aldeias a fim de que, entre outras

coisas, pudessem minorar as aflições físicas dos

indígenas (66).

Durante vários anos parece que os memoriais de

Silva Nunes não foram oficialmente levados em

consideração, ainda que muitas de suas alegações

fossem corroboradas pelos relatórios enviados ao

Conselho Ultramarino pelas câmaras do Maranhão e do

Rio de Janeiro (67), e por Alexandre de Sousa Freire,

Capitão-general do Maranhão (1728-1732), amigo

íntimo de Berredo e patrão de Silva Nunes, que lhe

representava os interesses na Corte (68). Mas ao fim da

década essa massa crescente de críticas aos jesuítas

começou a produzir resultados. Um deles foi o anúncio

feito pelo Conselho Ultramarino (em 1728) de uma nova

lei referente ao descimento de índios do interior.

Expedições oficiais (mas não particulares) de resgate

foram novamente autorizadas a fim de suprirem os

Page 106: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

106

fazendeiros de trabalhadores, mas os índios deveriam

continuar livres ao invés de se tornarem escravos (69).

Uma carta régia de 1729 também reiterou a insistência

da Coroa em que a propriedade originalmente concedida

aos particulares não fosse transferida para as ordens

religiosas, a menos que tais transferências ressalvassem

expressamente o direito da Coroa a cobrar os dízimos.

Ainda outra determinação régia desses anos instava com

os jesuítas para que apresentassem uma relação dos bens

adquiridos por eles no Pará em conseqüência de legados

e outros ajustes (70).

Diante do visível endurecimento da política da

Coroa em relação aos loyolistas, dois vultos

preeminentes saíram em defesa deles. Um foi o Padre

Jacinto de Carvalho, outrora missionário no Amazonas e

mais recentemente confessor de Maia da Gama e Sousa

Freire. Em 1729 pegou ele da pena como recém-

nomeado procurador das missões jesuíticas no Maranhão

e redigiu uma prolixa contestação às acusações de Silva

Nunes (71). O outro foi o ex-Capitão-general Maia

Gama, que em 1730, atendendo à solicitação do

Conselho Ultramarino para que desse parecer sobre os

memoriais de Silva Nunes, declarou-os totalmente

infundados e nascidos do velho ódio pessoal do

politiqueiro aos loyolistas (72).

Em 1734 a Coroa passou quase toda essa massa

de testemunhos conflitantes para as mãos de um

magistrado superior, o desembargador Francisco Duarte

dos Santos, e mandou-o ao Maranhão verificar até onde

eram procedentes as acusações contra os jesuítas e

Page 107: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

107

recomendar as modificações que lhe parecessem

necessárias nas diretrizes régias concernentes aos índios

e aos missionários (73). Os jesuítas saíram indenes da

investigação. Após colher depoimentos orais e escritos

durante um ano e empreender viagens a lugares

apropriados com o fito de averiguar as alegações e

contra-alegações, o desembargador encaminhou um

lúcido relatório em que formulou suas conclusões

enérgica e inequivocamente. Primeiro: não encontrou

prova confirmadoras das queixas contínuas dos colonos,

segundo as quais eram obrigados a viver na maior

miséria, sem trabalhadores suficientes, por causa das

atividades dos missionários. Ressaltou que os colonos

possuíam muitas casas suntuosas de construção recente

em Belém, que se davam ao luxo de usar roupas feitas

de tecidos de boa qualidade importados da França e da

Itália, e que muitas de suas propriedades continham de

cinqüenta a mais de duzentos escravos, índios em sua

maioria, quase todos obviamente não adquiridos pelas

vias legais já que não estavam registrados. Segundo:

pouco do que havia apurado endossava a afirmação dos

colonos de que as campanhas ofensivas contra os

indígenas eram necessárias como medida de proteção

das propriedades contra as incursões de selvagens

turbulentos. Terceiro: estava convencido de que se se

pusesse em prática a repisadíssima proposta de Silva

Nunes no sentido de se transferir dos missionários para

oficiais brancos casados a autoridade temporal, política

e econômica sobre as missões, ao cabo de alguns anos

“as aldeias seriam apenas uma lembrança”. Por con -

Page 108: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

108

seguinte, “Sou de opinião que os missionários [con -

tinuem a] administrar as aldeias em questões tanto

espirituais quanto temporais, como no passado.” Quarto:

absolveu os jesuítas da acusação de negociarem em

larga escala e ilicitamente em produtos coloniais e

europeus. Era verdade, admitiu, que suas fazendas eram

prósperas, mas as mercadorias por eles produzidas eram

utilizadas primordialmente na manutenção das missões,

e os excedentes vendidos aos colonos eram merca-

dejados a pedido destes e a preços antes módicos que

escorchantes. Também era verdade que grandes

quantidades de especiarias desciam o rio das barcaças

dos jesuítas, mas não havia razão para os colonos não

poderem emular os missionários na extração dos

recursos das florestas exceto o preferirem encher as

canoas com carregamentos ilegais de escravos indí -

genas. Por outro lado – e esta foi a segunda reco-

mendação importante do magistrado – não era favorável

ao continuado engajamento dos missionários em

atividades comerciais, presumivelmente porque se dava

conta de ser este o principal motivo de queixa dos

colonos contra eles, e portanto aconselhava firmemente

a Coroa a dar suficiente apoio financeiro aos mis-

sionários para que estes pudessem abandonar suas

operações comerciais (74).

A reação do Conselho Ultramarino ao relatório do

desembargador foi ambígua. Implicitamente, pelo

menos, seguiu-lhe a recomendação de que não se

modificasse a autoridade dos missionários sobre suas

aldeias. Mas a conselho dos funcionários do tesouro,

Page 109: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

109

votou contra a proposta de aumento do auxílio

financeiro da Coroa às missões (75).

No momento mesmo em que o desembargador

rejeitava muitas das denúncias de Paulo da Silva Nunes,

qualificando-as de meras “fantasias”, aquele implacável

jesuitófobo redigia novos memoriais. Em 1734, pre-

cisamente o ano em que o real investigador foi mandado

a Belém, Silva Nunes compôs mais uma diatribe contra

os jesuítas, na qual remoeu velhas acusações e

acrescentou outras novas. Entre as últimas figurava a

afirmação de existir, contra os direitos da Coroa e dos

colonos, uma conspiração jesuítica que se estendia às

próprias salas do Conselho Ultramarino, onde a

Companhia vivia a tecer intrigas contra as autoridades

coloniais que se opunham às suas atividades. Também

preveniu que os jesuítas continuavam a afrontar as

ordens da Coroa, recusando-se a ensinar aos ca-

tecúmenos a língua portuguesa e a pagar os dízimos de

suas propriedades, com grande prejuízo para o comércio

lícito. Por motivos não conhecidos, quando entregou

esse memorial ao Conselho Ultramarino em 1735, Silva

Nunes moderou o tom e abreviou o tamanho. Mas ao

mesmo tempo adicionou um apêndice em que enumerava

as propriedades e as alegadas rendas das ordens

religiosas que atuavam no Amazonas. Três anos depois

o infatigável peticionário escreveu sua suma final contra

os loyolistas, simplesmente repetindo antigas afir-

mações. Então, carregado de dívidas e abandonado pelos

amigos, foi parar na cadeia, de onde saiu oito anos

depois (1746) para ser enterrado (76).

Page 110: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

110

Seria fácil menosprezar Paulo da Silva Nunes,

tachá-lo de maníaco e fracassado, mas julgá-lo desse

modo seria subestimar grosseiramente a sua impor-

tância. Ele era indiscutivelmente um homem inteligente,

embora mal orientado, mas não se pode saber agora até

que ponto o material informativo que acompanhava seus

memoriais era fruto de pesquisas pessoais ou con-

tribuição de pessoas desconhecidas para quem ele servia

de porta-voz. É verdade que Silva Nunes não viveu o

suficiente para ver atingida sua meta principal, mas sua

influência, imediata e a longo prazo, não foi de maneira

alguma insignificante. Embora não se possa estabelecer

a esta altura um nexo causal direto, não é improvável

que seus últimos memoriais tenham influído sobre a

decisão da Coroa de reavivar a questão do dízimo com

as ordens religiosas em fins da década de 1720 e

novamente na de 1730 (77). Nem é improvável que

tenham instigado a Coroa a determinar no princípio da

década de 1740 que as autoridades coloniais

investigassem o montante dos bens que as ordens

possuíam no Brasil e que infringiam as ordenações do

reino (78). É verdade que essas medidas não redundaram

em mudança relevantes na política régia em toda a

década de 1740, mas elas e os memoriais que Silva

Nunes escreveu ajudaram a preparar o caminho para os

golpes decisivos que desabaram sobre a Companhia de

Jesus no decurso do fatal decênio de 1750. Foi então

que as autoridades maiores do reino repetiram Silva

Nunes com aprovação, e foi no meado daquela década

decisiva que o governo português reuniu e publicou a

Page 111: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

111

última série dos memoriais sob o título de

Terribilidades jesuíticas no governo d’el-rei d. João V

(Lisboa, 1755) (79). Assim, no fim de contas,

parafraseando o Prof. Boxer, as venenosas sementes que

Paulo da Silva Nunes plantara nas décadas de 1720 e

1730 produziram frutos amargos para os loyolistas (80).

IV. O clímax da jesuitofobia portuguesa: a funesta

década de 50

A catastrófica série de acontecimentos da década

de 1750, cujo ponto culminante foi a decisão do governo

português de expulsar a Companhia de Jesus de todos os

seus domínios, deve ser estudada em três – muito

provavelmente quatro – teatros: as terras das missões do

que veio a ser o Estado do Rio Grande do Sul, o Estado

do Maranhão, o reino e presumivelmente Roma também.

Aqui só disponho de espaço para examinar em detalhe a

segunda dessas loci contentiones.

As tribulações dos jesuítas nessa década decisiva

começaram quando da assinatura do Tratado de Limites

(1750) entre Espanha e Portugal. Esse acordo, que

substituiu o antigo e impraticável Tratado de Torde-

silhas (1494), visava a pôr fim às seculares disputas

territoriais entre as duas potências ibéricas na América

do Sul. Uma de suas cláusulas fundamentais exigia a

permuta do entreposto de contrabando português da

Colônia do Sacramento pelas terras das chamadas Sete

Missões situadas a leste do rio Uruguai na região

Page 112: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

112

ocidental do Rio Grande do Sul. Essas missões, e as

florescentes fazendas de criação de gado ligadas a elas,

tinham sido mantidas desde os começos do século pelos

chamados jesuítas espanhóis para a manutenção dos seus

catecúmenos guaranis. Por motivos compreensíveis, es-

ses loyolistas não desejavam abandonar um campo tão

promissor e usaram de todos os meios a seu alcance para

persuadir as autoridades espanholas a que não cum-

prissem as condições da permuta estipulada. Mas foi

tudo inútil. No começo de 1753, quando uma comissão

mista ibérica da inspeção chegou à fazenda de Santa

Tecla, viu-se impedida de prosseguir por um grupo de

guerreiros guaranis armados e foi obrigada a voltar.

Como as negociações subseqüentes não lograram

convencer os índios a cessarem a resistência, foi esta

rompida pela força após uma decepcionante campanha

de dois anos (1754-1756) em que os soldados espanhóis

e portugueses, normalmente inconciliáveis, lutaram

juntos contra as tropas heterogêneas dos guerreiros

guaranis cujo defesa – disso se convenceram os euro-

peus – era organizada e dirigida pelos jesuítas (81).

Embora os loyolistas da Província do Brasil e da

Vice-Província do Maranhão não estivessem diretamente

envolvidos na guerra, a oposição da ordem ao tratado de

1750 e seu propalado papel na guerra guaranítica

bastaram para lançar suspeitas sobre os intuitos de todos

os jesuítas domiciliados em terras portuguesas e

serviram para dar crédito às alegações que um de seus

mais terríveis antagonistas, Francisco Xavier de

Page 113: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

113

Mendonça Furtado, apresentou contra eles. Sendo um

dos dois irmãos mais moços de Sebastião José de

Carvalho e Melo, mais conhecido como Marquês de

Pombal, Mendonça Furtado foi enviado a Belém em

1751 com dois encargos: servir como o principal

membro português da comissão mista de demarcação da

fronteira setentrional e ocupar os postos de Governador

e Capitão-general do Estado do Maranhão. Ex-oficial de

marinha, Mendonça Furtado era autoritário, impetuoso,

cru, violento de gênio, ambicioso, ainda que intei -

ramente leal ao irmão mais velho, piedoso à moda do

Velho Testamento, simplório mas desconfiado dos

intuitos de toda a gente, em particular daqueles que

tinha na conta de inferiores e que sustentavam opiniões

contrárias à sua; era portanto totalmente inflexível (82).

Mendonça Furtado chegou a seu posto em

setembro de 1751, cerca de um ano depois que seu

irmão mais velho assumiu a chefia do gabinete e deu

início ao domínio de vinte e sete anos sobre Portugal. Se

a missão primordial de Mendonça Furtado no Brasil era

auxiliar o irmão na destruição da Companhia de Jesus, é

um ponto ainda discutido. Os que negam a existência

dessa conspiração dos dois irmãos ressaltam que as

instruções do Capitão-general falavam favoravelmente

do tratamento caridoso dispensado aos índios pelos

jesuítas (83). Mas devem também levar em consideração

dois dos chamados artigos secretos daquelas instruções,

os quais, apesar de não mencionarem explicitamente os

jesuítas, foram escritos evidentemente com o

pensamento voltado antes de tudo para eles. O artigo 13

Page 114: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

114

avisava que se os regulares, termo que os autores

portugueses da época usavam frequentemente como

sinônimo de jesuítas, fizessem oposição às diretrizes da

Coroa, caberia informá-los de que o Rei esperava que

fossem eles os primeiros a obedecer a essas ordens, em

especial “porque as fazendas que possuem são

inteiramente ou pela maior parte contrárias à (...) lei do

reino”, e que o Rei poderia aplicar tal legislação se as

sociedades religiosas continuassem a ser negligentes ou

insubordinadas. O artigo 14 era igualmente ameaçador:

Como à minha real notícia tem chegado o ex-

cessivo poder que tem nesse Estado os eclesiásticos,

principalmente no domínio temporal nas suas aldeias,

tomareis as informações necessárias, aconselhando-vos

com o bispo do Pará, que vos instrua com a verdade (84)

(...) para me informardes se será mais conveniente

ficarem os eclesiásticos somente com o domínio

espiritual, dando-se côngruas por conta da minha real

fazenda, para cujo fim deve-se considerar o haver quem

cultive as mesmas terras, de que fareis todo o exame

para um informardes, averiguando também a verdade do

fato a respeito do (...) poder excessivo e grandes

cabedais dos regulares; em tudo isso deveis proceder

com grande cautela, circunspecção e prudência (85).

Qualquer que tenha sido no passado a predis-

posição do novo Capitão-general em relação aos jesuítas

(86), aquelas instruções, que reacenderam muitos dos

debates travados durante o reinado precedente acerca

Page 115: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

115

das atividades dos loyolistas, decerto condicionaram a

atitude tornou-se evidente quando Mendonça Furtado

anotou algumas de suas primeiras impressões sobre as

condições do Estado, menos de dois meses depois de lá

ter chegado. As terras eram muito ricas, escreveu ao

irmão, e um dos seus recursos mais importantes eram os

índios, em suas maioria inteligentes e dóceis, mas

horrivelmente maltratados pelos missionários, que

exerciam completo domínio sobre eles, não só sobre os

que viviam dentro do recinto das missões, mas também

sobre “toda aquela infinidade de infelizes que nasceram

nestes sertões”. As aldeias, prosseguia ele, eram

praticamente repúblicas isoladas. Dentro delas o nome

do rei era desconhecido e o mesmo se podia dizer da

língua portuguesa; dentro delas os índios gozavam

escandalosamente da liberdade de associar em seu

espírito o panteão de seus próprios deuses com o Deus e

os santos cristãos; dentro delas os missionários

empunhavam despoticamente o açoite, do qual não havia

apelação salvo para seus próprios superiores, que até

arranjavam os casamentos dos silvícolas e os vendiam

para a escravidão. Em virtude do controle dos

missionários sobre a vida dos índios e de sua recusa a

pagar os impostos devidos por todos os colonos,

continuava ele, os religiosos estavam monopolizando o

lucrativo comércio de especiarias do interior e

dominavam os mercados de peixe e carne das cidades.

Além disso, os conventos eram verdadeiras fábricas,

produzindo toda sorte de mercadorias para os de fora

assim como para seus próprios estabelecimentos, e os

Page 116: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

116

lucros auferidos eram depositados em caixas-fortes ao

invés de circularem no Estado. A conclusão do Capitão-

general era inevitável: as atividades econômicas dos

missionários, mormente dos jesuítas, prejudicavam

seriamente o Estado e arruinavam os colonos, que se

viam reduzidos aos “derradeiros estágios de pobreza e

miséria” (87).

Paulo da Silva Nunes, cujos memoriais Mendonça

Furtado citou com aprovação mais de uma vez (88), não

poderia ter defendido melhor a causa. Mas havia uma

diferença enorme entre a dose de influência que aquele

politiqueiro obscuro, exilado e manifestamente imbuído

de preconceitos podia pôr em ação, e a de um dos

funcionários coloniais mais categorizados de Sua

Majestade, cujas impressões eram novas e tidas na conta

de objetivas, e cujas mensagens eram dirigidas aos

ministros das colônias e ao primeiro-ministro de facto

de Portugal, que era seu irmão.

Em todo o início da década de 1750 Mendonça

Furtado, expoente pré-actoniano (Relativo ao Barão de

Acton, John Emerich Edward Dalberg-Acton (1834-

1902), historiador inglês) da sentença que diz que “o

poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe de

modo absoluto”, continuou a desancar os jesuítas, que,

insistia ele, haviam destruído a antiga prosperidade do

Estado (89) e o impediam de recuperar-se. Conside-

ravam-se, acrescentava, “soberanos e independentes” de

toda autoridade régia. No interior de seus definitórios

decidiam que leis atendiam melhor aos seus interesses e

deviam ser cumpridas, e que outras lhes eram pre-

Page 117: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

117

judiciais e deviam ser desconsideradas, embora esti-

vessem sempre prontos a defender a rigorosa aplicação

da legislação que restringia as oportunidades dos

colonos. O comportamento dos eclesiásticos não era

verdadeiramente religioso, pois a religião se tornara um

simples pretexto para eles, “como é na maioria das

nações do Norte”. Isso não acontecia só aos jesuítas,

dizia ele, mas a todos os que lhes seguiam o exemplo,

franciscanos (Capuchos), mercedários e carmelitas, que

na América haviam perdido aquele senso de dedicação

espiritual que os distinguira no reino e adquirido uma

mentalidade mercenária, que os fazia ciosos de

privilégios e rebelados contra os oficiais do rei. Insistiu

em que fossem removidos do Amazonas os missionários

mais “arrogantes e incômodos” e que os superiores em

Lisboa fossem avisados das escandalosas atividades

comerciais de seus subordinados (90).

Em fevereiro de 1754 Mendonça Furtado fez

importantes recomendações concernentes à futura con-

dição dos jesuítas na Região Amazônica. Para atender a

um pedido de informações do Conselho Ultramarino

acerca do rendimento e do valor dos bens dos jesuítas,

realizou uma inspeção pessoal nas vizinhanças da

capital, pretextando “simples curiosidade e diversão”.

Baseado nesse passeio encaminhou um relatório geral

em que descreveu os tipos de atividades a que se

entregava cada fazenda, e declarou, sem dar nenhuma

prova específica, que todas eram prósperas (91). Depois

voltou-se para a questão apresentada pelo artigo 14 de

suas instruções, isto é, se as propriedades dos

Page 118: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

118

missionários deviam continuar nas mãos deles ou ser

encampadas pela Coroa em troca de subsídios for-

necidos pelo rei. Sem vacilar, Mendonça Furtado

afirmou que a Coroa devia assumir o controle das

propriedades e passou a explicar por que. Primeiro: tal

providência aplicaria um sério golpe nas pretensões da

“mais poderosa inimiga do Estado”, ou seja, a

Companhia de Jesus. Segundo: nas mãos dos vassalos do

rei aquelas propriedades renderiam muito mais do que o

preço dos subsídios, uma vez que os novos donos

pagariam os dízimos e os direitos alfandegários.

Terceiro: o “grande número” de escravos indígenas que

os jesuítas empregavam no cultivo das terras ficaria em

liberdade, e seus escravos negros poderiam ser leiloados

com grande proveito para Sua Majestade. Quarto: os

jesuítas seriam portanto “convertidos de administradores

de fazendas em missionários e conquistadores de

almas”, raison d’être de sua presença na colônia. O

Capitão-general fez ainda suas outras recomendações:

primeira, que o número de missionários indicados para

cada colégio ou mosteiro fosse limitado de acordo com

o montante de subsídios que o Rei pudesse conceder;

segundo, que, privados os jesuítas de suas fazendas, ser -

lhes-ia “totalmente inútil e infrutífero” continuar a reter

a autoridade temporal sobre as missões. E não podendo

contar com os trabalhadores indígenas, deixariam de ser

“senhores de todas as preciosas especiarias do sertão”.

Em suma, escreveu ele, ou Sua Majestade queria

restabelecer a prosperidade do Estado, ou devia

consentir que este permanecesse na ruinosa situação em

Page 119: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

119

que se encontrava. Se o Rei pretendia alcançar o

primeiro objetivo, ele, Mendonça Furtado, estava con-

vencido de que suas propostas ofereciam o melhor meio

de fazê-lo (92).

Logo após concluir essa importante mensagem,

Mendonça Furtado iniciou sua árdua, exasperadora e

decepcionante subida do Amazonas até o Rio negro, onde

esperava encontrar o delegado espanhol da demarcação a

fim de superintender os primeiros passos do traçado da

nova linha divisória entre os dois impérios no norte.

Enquanto aguardava em vão a chegada dos espanhóis, o

Capitão-general visitou diversas missões jesuíticas e

meteu-se em inúmeras polêmicas com os loyolistas sobre

a quantidade de rações e os contingentes de índios que

eles lhe forneciam (93). A escassez de umas e outros, e

mais os inexplicáveis atrasos dos espanhóis, os

testemunhos não confirmados que os antigos empregados

dos loyolistas prestaram contra os padres, os periódicos

acessos de doença do próprio Capitão-general e as

notícias vindas de Lisboa a respeito das dificuldades que

a comissão da fronteira meridional vinha tendo com os

guarani, tudo isso serviu para convencer Mendonça

Furtado que a Companhia de Jesus estava empenhada

numa vasta conspiração em todo o continente, visando a

impedir que as potências ibéricas pusessem em execução

o Tratado de Madri (94). De bom grado, escreveu ele,

trocaria de lugar com Gomes Freire de Andrada, o alto

comissário português no sul, pois pelo menos os

adversários deste eram visíveis e não lhe faltavam meios

de os derrotar, ao passo que os seus próprios inimigos se

Page 120: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

120

ocultavam e lhe moviam a “guerra mais cruel que se

possa imaginar” (95).

Foi numa dessas visitas ao acampamento do

“inimigo” que o Capitão-general ficou ainda mais

convencido da baixeza e dos traiçoeiros intuitos dos

jesuítas que atuavam no Amazonas. Em outubro de 1755

dirigiu-se ele à aldeia de Trocano à margem do rio

Madeira a fim de presidir à sua reintegração como vila

portuguesa, rebatizada com o nome de Borba a Nova

(96). Ao entrar numa grande habitação coberta de palha,

que servia de residência do padre encarregado da aldeia

e de capela da missão, a primeira coisa a lhe atrair a

atenção foi o altar com as Sagradas Escrituras em cima.

E a menos de um metro (vara) estava uma balança

grande, do tipo que os jesuítas usavam para pesar as

especiarias compradas aos índios que moravam fora da

missão. A chocante justaposição desses dois objetos

lembrou ao Capitão-general a cena em que Jesus

expulsou os cambistas do templo (97). Que melhor

prova era necessária para mostrar como se tinham

tornado mercenários os loyolistas?

E enquanto se encontrava na mesma missão

assistiu Mendonça Furtado a uma alarmante demons-

tração da potência de fogo dos jesuítas. Décadas antes o

Capitão-general Maia da Gama autorizara os loyolistas a

montarem dois canhões de pequeno calibre na missão a

fim de afugentar os grupos de índios selvagens que

faziam incursões à aldeia. Os padres alemães que viviam

na missão quando Mendonça Furtado lá esteve, ambos

descritos mais tarde por Carvalho como “engenheiros

Page 121: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

121

disfarçados”, estavam muito orgulhosos de sua artilharia

e descarregaram-na em várias ocasiões festivas durante

a estada do Capitão-general. Associado às notícias da

artilharia jesuítica no Paraguai, isto provou a Mendonça

Furtado – e a seu irmão – que os loyolistas constituíam

uma ameaça armada (98). Por sua audácia, os padres

Anselmo Eckart e Antônio Maisterburg figuraram entre

os vinte e um jesuítas que por “crimes” análogos foram

expulsos do Estado do Maranhão em 1757 e 1758 e

encarcerados pelas duas décadas seguintes nas prisões

do reino (99).

Em dezembro de 1756 Francisco Xavier de

Mendonça Furtado regressou a Belém, depois de perder

a esperança de se reunir com o delegado espanhol da

comissão demarcadora e tendo assuntos urgentes que

reclamavam sua presença na capital (100). Dentre esses

assuntos, os mais importantes diziam respeito à

execução de duas leis novas que, ligadas à recente

criação da companhia régia de monopólio para o de-

senvolvimento econômico do Maranhão e do Pará

(1775), traziam sérias ameaças ao futuro econômico dos

jesuítas na região amazônica. A primeira foi a chamada

lei das liberdades dos índios, que determinou a

aplicação da bula Immensa pastorum (1741), de há

muito negligenciada, em que Benedito XIV catego-

ricamente condenou a escravização dos índios por

seculares ou eclesiásticos, “inclusive jesuítas”, sob

quaisquer pretextos (101). A segunda aboliu o poder

temporal dos missionários sobre os índios no Estado do

maranhão e ordenou a conversão das aldeias em comu-

Page 122: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

122

nidades civis (102), adotando assim uma antiga proposta

de Paulo da Silva Nunes e uma mais recentemente

apresentada por Mendonça Furtado, como Carvalho

prontamente reconheceu (103). Essas duas importantes

leis atingiram naturalmente todas as ordens atuantes na

região amazônica, mas eram dirigidas primariamente

contra os loyolistas, e, prevendo a oposição dos padres

da Companhia, Carvalho aconselhou o irmão a con-

servar em segredo os textos até achar um momento

propício para os divulgar (104).

No começo de fevereiro de 1757, pouco depois do

regresso à capital, Mendonça Furtado convocou uma

reunião especial da junta das missões, no curso da qual

revelou o teor da lei de 7 de junho de 1755, que

secularizou as aldeias (105). Embora reagissem à de-

cisão da Coroa com aparente equanimidade, logo se

viram os jesuítas embrulhados numa série de con-

trovérsias que exacerbaram mais ainda as relações entre

eles e os agentes da Coroa e que redundaram finalmente

no confisco de seus bens no Estado do Maranhão e em

outras partes da colônia. Uma daquelas controvérsias

surgiu em outra reunião da junta das missões, realizada

ainda em fevereiro, quando Dom Frei Miguel de

Bulhões, bispo do Pará, inopinadamente exigiu que

todos os missionários que continuavam a viver nas

antigas aldeias se submetessem dali por diante ao seu

controle. O problema da inspeção episcopal com relação

aos membros do ramo regular do clero era velho no

Brasil, como o era na América espanhola (106), e o fato

de Bulhões ter decidido insistir na questão nesse

Page 123: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

123

momento dá a entender que ele sabia que semelhante

poder fora concedido aos bispos de Goa desde 1731, e

pressentia que naquele estado de espírito a Coroa estava

disposta a lhe dar todo o apoio no Maranhão. Os chefes

de três das ordens religiosas devem ter percebido isso

também, pois, apesar de relutantes, cederam à insis -

tência do Bispo, mas o Vice-provincial dos jesuítas

respondeu, como sempre haviam feito seus prede-

cessores em casos análogos, que seria contrário aos

Institutos da Companhia aceitar a supervisão episcopal.

Em vez disso, propôs que os loyolistas que continuavam

a atender às necessidades espirituais dos índios nas

antigas aldeias fossem considerados como coadjuvantes

do Bispo mas permanecessem livres de seu controle

(107). Tal solução, porém, era inaceitável para Bulhões,

e a controvérsia prosseguiu a fogo lento até a expulsão

definitiva.

Outras disputas entre os loyolistas e seus

adversários diziam respeito às questões econômicas. Em

abril de 1757 o Vice-provincial endereçou uma petição

ao Capitão-general solicitando que fosse permitido aos

loyolistas continuarem a trazer especiarias do interior a

fim de saldar as dívidas das aldeias para com os

colégios ou, se tal não fosse possível, que a Coroa

tomasse outra providência para liquidar aquelas

obrigações. Pediu licença também para que os jesuítas

continuassem a utilizar os escravos indígenas a que

tinham sido legalmente autorizados antes da nova lei

que aboliu a escravidão dos silvícolas. O Capitão-

general indeferiu rudemente esses pedidos, alegando que

Page 124: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

124

os jesuítas não tinham débitos legítimos a receber no

Estado e que apenas desejavam continuar a monopolizar

o comércio, explorar os índios e sobrecarregar o tesouro

régio (108).

Diante dessa recusa, os loyolistas, instruídos pelo

Vice-provincial, começaram a retirar das aldeias os

objetos religiosos, o gado, as canoas e outros artigos.

Alguns foram vendidos; outros foram armazenados nos

colégios e residências. Quando soube da ordem do Vice-

provincial, o Capitão-general ficou furioso, pois sus-

tentava que todos os bens das missões pertenciam em

verdade às novas comunidades e que a remoção deles

era mais uma demonstração da arrogância, da conduta

despótica e da determinação dos jesuítas de desacatar a

vontade da Coroa (109). Como os jesuítas insistissem

em que os artigos retirados eram bens industriais com

que haviam contribuído para a organização das aldeias e

que de direito lhes pertenciam, Mendonça Furtado

exasperou-se ao ponto de redigir um extenso docu-

mento, contendo cem parágrafos numerados, em que

formulou uma crítica geral às atividades econômicas dos

loyolistas no Estado do Maranhão (110). Declarou em

primeiro lugar que as atividades comerciais dos padres

eram contrárias ao direito canônico e portanto ilegais;

os bens consignados às missões em conseqüência de tais

atividades não podiam, por conseguinte, pertencer à

Companhia e, uma vez que foram adquiridos à custa da

exploração dos índios, a estes pertenciam legiti -

mamente. Em segundo lugar, afirmou que tal comércio

nunca fora necessário para auxiliar a missão espiritual

Page 125: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

125

da Companhia. A seguir examinou a alegação dos

jesuítas, segundo a qual as antigas aldeias estavam

carregadas de dívidas para com os colégios, e asseverou

que tais obrigações foram artificiosamente inventadas.

A Companhia não podia absolutamente estar endividada,

afirmou, porque era coisa sabida de todos que o colégio

de Belém possuía “grandes almoxarifados” em que os

padres armazenavam os produtos do vasto comércio que

mantinham ilicitamente no interior com tribos selvagens

e até com povoados espanhóis. E era também do

conhecimento geral, prosseguiu, que as fazendas dos

jesuítas continham amplas oficinas onde os artífices

trabalhavam continuamente, dia e noite, domingo e até

dias santos, produzindo artigos que eram vendidos à

comunidade acima do dobro dos preços cobrados em

Lisboa por mercadorias similares. Em comparação com

os imensos lucros que os loyolistas auferiam dessas

empresas, concluiu o Capitão-general suas despesas

eram bastante modestas. Foi um documento impres-

sionante, quer tenha sido preparado de conformidade

com instruções vindas de Lisboa, quer tenha sido feito

por iniciativa do próprio Capitão-general e com a

assistência de alguém que não conhecemos. Convém

assinalar que, embora tenha reforçado suas razões com

citações do direito canônico, das coletâneas de editos

papais e até da Política indiana de Solórzano y Pereira,

deixou Mendonça Furtado de fornecer o tipo específico

de dados estatísticos indispensáveis para tornar

convincentes as suas asserções. Não importa; as

autoridades de Lisboa foram persuadidas pela lógica da

Page 126: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

126

argumentação e em julho de 1757 decretaram a expulsão

dos jesuítas dos sertões amazônicos (111).

Restava definir o destino das fazendas dos je-

suítas na ilha de Marajó e no continente fronteiro. Em

junho de 1757 manifestou-se o Capitão-general sobre

uma proposta feita pela Coroa um ano antes no sentido

de despojar as ordens religiosas do excedente de suas

propriedades, embora se lhes permitisse reter algumas

das fazendas para a sua manutenção, desde que con-

cordassem em pagar prontamente os dízimos de tais

bens. Coerente com os pontos de vista que havia ex ter-

nado três anos antes, Mendonça Furtado pronunciou-se

energicamente contra a adoção do plano, entre outras

razões porque estava convencido de que as ordens logo

tratariam de expandir as posses e solicitar novas

dispensas das restrições impostas pela Coroa, e assim

“dentro de alguns anos ver-nos-íamos novamente diante

do mesmo mal que desejamos evitar”, a saber, o

domínio da economia do Estado pelos religiosos. Voltou

a argumentar que seria muito melhor seqüestrar todos os

bens das ordens, reduzir o número de seus membros no

Maranhão e pagar-lhes estipêndios do tesouro. Então

eles deixariam de ser mercadores públicos e tornar-se-

iam, em vez disso, chefes espirituais. Como já o fizera

em 1754, Mendonça Furtado previu que nas mãos de se-

culares as propriedades confiscadas contribuiriam deci -

sivamente para o aumento da prosperidade do Estado e

portanto para o aumento das receitas da Coroa (112).

Antes que a Coroa tivesse tempo de considerar

essas reflexões, Dom Francisco volveu a atenção para a

Page 127: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

127

irritante questão do dízimo. Já em 1751 frisara que

tendo os carmelitas concordado em pagar ao donatário

da ilha de Marajó a redízima (i.e., uma cota feudal

equivalente a 1% do dízimo devido por um determinado

trato de terra), não podiam logicamente esquivar-se ao

pagamento dos dízimos. Observou que três ordens,

mercedários, jesuítas e carmelitas, possuíam enormes

rebanhos na ilha e de fossem obrigadas a pagar o dízimo

de tais animais, as receitas seriam substanciais (113).

Em 1756, enquanto Mendonça Furtado estava ainda no

Amazonas, a Coroa deu instruções ao Bispo Bulhões,

que o substituía temporariamente, para que investigasse

os numerosos roubos de gado selvagem (gado do vento)

na ilha, lembrando-lhe que de acordo com um edito real

de 1728 todo esse gado pertencia à Coroa. Assim, o

bispo publicou um bando nesse sentido e nomeou um

rendeyro do vento para arrebanhar o gado. Esta

providência atingiu especialmente as ordens religiosas,

que eram as principais donas de fazendas da ilha, e em

1757 todas, à exceção dos jesuítas, apresentaram uma

contraproposta. Reconhecendo que o gado do vento

pertencia ao rei, pediram permissão para continuar a

explorar esses animais, prometendo em troca pagar um

dízimo extraordinário no valor de 14%, mais um terço

dos couros de bois selvagens que fossem abatidos. A

princípio os jesuítas recusaram associar-se a essa

proposta, mas depois cederam, e, em outubro daquele

ano, Mendonça Furtado relatou com evidente satisfação

a assinatura do acordo (114).

Em agosto do ano seguinte o ministro das

Page 128: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

128

colônias aprovou esse acordo. Mas ao mesmo tempo

determinou que fosse exigida dos “cúpidos” jesuítas a

apresentação de provas de propriedade das fazendas que

ocupavam em Marajó, e também das licenças régias que

os isentavam das antigas ordenações que proibiam à

Igreja possuir propriedade fundiária. Se não apresen-

tassem tais licenças, disse o ministro, seriam

confiscados os bens (115). Agindo de acordo com essa

diretriz, o Capitão-general criou uma junta especial, da

qual, além dele, faziam parte seu sucessor, o bispo, e

três magistrados, e exigiu que os jesuítas exibissem

documentos comprovadores de que possuíam suas

fazendas legitimamente e com o consentimento régio.

Ao examinar os papéis fornecidos pelos loyolistas, a

junta não encontrou as necessárias isenções, e em fe-

vereiro de 1759 foram as fazendas confiscadas junta-

mente com mais de 130.000, de gado (116).

Duas semanas depois, em 3 de março, Francisco

Xavier de Mendonça Furtado passou a um sucessor as

responsabilidades do cargo e preparou-se para regressar

à pátria, onde seria recompensado por seus serviços no

Brasil com a nomeação para a chefia do ministério das

colônias, posto que ocupou até morrer em 1769. Se

durante seus últimos dias no Pará, Dom Francisco

recapitulou mentalmente o que conseguira realizar no

curso daqueles momentosos sete anos e meio, não se

sabe; se chegou a fazê-lo, há de ter ficado satisfeito com

essas meditações. Fossem quais fossem as outras

proezas que podiam tê-lo impressionado, ele certamente

se deu conta de haver desempenhado importante papel

Page 129: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

129

na tarefa de convencer as mais altas autoridades régias,

sobretudo seu irmão, que em breve seria Conde de

Oeiras, de que os jesuítas não eram mais úteis à Coroa e

se tinham transformado em séria ameaça a ela. Foi em

boa parte graças a seus informes tendenciosos que a

Coroa retirou aos índios amazônicos o já tradicional

manto protetor dos missionários, expondo o gentio à

exploração desenfreada, posta em prática pelos rivais

seculares dos padres, apesar de uma lei que no papel

deixava os indígenas em liberdade. Mendonça Furtado

saíra vitorioso onde o infatigável Paulo da Silva Nunes

tinha fracassado: levara a Coroa a crer que as atividades

comerciais dos jesuítas punham em grave perigo as

possibilidades do desenvolvimento econômico do Brasil

setentrional e privavam o rei de vastas receitas. E foi em

reação a suas críticas, enfadonhas mas persuasivas, da

função econômico dos jesuítas, que a Coroa invocou

velhas leis inoperantes para justificar o confisco das

propriedades jesuíticas no Amazonas e também em

outras partes do Brasil nos anos que precederam

imediatamente a expulsão da Companhia (117). Mas

embora tenha tido a satisfação de ver os jesuítas

enxotados das aldeias e fazendas e individualmente

expulsos do Maranhão, Mendonça Furtado não estava

presente na colônia quando chegou a ordem régia que

baniu os loyolistas do Império Português, ainda que

deva tê-la previsto. Foi assinada exatamente seis meses

depois que ele deixou o posto.

A carta régia de 3 de setembro de 1759, que

exilou definitivamente os jesuítas de todos os domínios

Page 130: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

130

portugueses, marcou o clímax da crescente deterioração

das relações entre a Companhia de Jesus e a Coroa de

Portugal, ou melhor, seu agente motor, Sebastião José

de Carvalho e Melo, no decurso da década de 1750 e em

especial depois de 1755 (118). Tenham razão ou não os

historiadores jesuítas, e outros, que partilham a mesma

opinião, quando dizem que Carvalho deveu sua

nomeação para o gabinete à influência jesuítica (119),

não resta dúvida que o resoluto, operoso, suspicaz e

intolerante ministro português mostrou-se decidido a

extirpar todos os vestígios da influência jesuítica em

terras portuguesas. No desenrolar daquela que veio a ser

indiscutivelmente uma campanha premeditada contra os

loyolistas, ainda que, na verdade não tenha começado

como tal, Carvalho fez extenso uso do “testemunho” de

seu irmão, Mendonça Furtado, de Gomes Freire de

Andrada, capitão-mor do Rio de Janeiro e principal

membro português da comissão demarcadora da fron-

teira do Sul, e de outros funcionários coloniais, para

provar a existência de uma conspiração jesuítica contra

a Coroa e a necessidade de promover uma reforma

radical da Companhia ou a sua extinção.

Como escreveu João Lúcio de Azevedo, a lenta e

abafada pendência ente os jesuítas e Carvalho tornou-se

ostensiva pela primeira vez com o sermão do Padre

Manoel Ballester que, menos de um mês depois da

criação da Companhia de Comércio do Maranhão

(1775), preveniu que aqueles que investissem na

companhia “não seriam membros da Companhia de

Cristo”. Embora o padre tentasse depois atenuar por

Page 131: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

131

meio de explicações o sentido de sua advertência, esta

não passou despercebida a Carvalho, que o exilou da

Corte e em seguida mandou prender o procurador-geral

da Vice-província do Maranhão, Padre Bento da Fon-

seca (120). No ano seguinte, Carvalho, já de posse de

um grande número de mensagens de seu irmão, cheias

de depoimentos adversos aos jesuítas do Maranhão,

informou ao núncio papal que era mister tomar-se

alguma providência acerca da conduta dos loyolistas que

no Amazonas estavam utilizando seus poderes para mal -

tratar os índios e desacatar os funcionários do rei (121).

Novas advertências foram feitas em 1757, em

seguida à revolta dos produtores de vinho do Porto,

levante que o governo disse ter sido fomentado pelos

jesuítas. Em conseqüência disso, viram-se os loyolistas

impedidos de aparecer na Corte ou pregar na catedral.

Carvalho explicou ao núncio que tais medidas eram

necessárias por causa da rebelião dos jesuítas no Estado

do Maranhão, e tornou a declarar que os padres

desafiavam as leis do reino e os editos dos papas,

negando liberdade aos índios, apropriando-se dos bens

deles e entregando-se a atividades comerciais proibidas.

Assegurou ao núncio que tinha provas de tais crimes e

avisou que caso não fossem castigados de imediato, ao

fim de dez anos seriam os jesuítas tão poderosos que

todos os exércitos da Europa não conseguiriam desalojá-

los do vasto território que ocupavam no coração da

América do Sul, onde mantinham centenas de milhares

de escravos em fortificações preparadas por engenheiros

europeus disfarçados de padres. As mesmas acusações

Page 132: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

132

foram repetidas em Roma pelo emissário português, que

insistiu com o Papa para que tomasse medidas eficazes a

fim de reformar a corrupta Companhia (122).

Tal exigência foi reiterada no ano seguinte,

quando o emissário apresentou como parte das provas de

seu governo a famosa “Relação Abreviada da República

fundada pelos Jesuítas nos Domínios Ultramarinos de

Espanha e Portugal”, manifesto impresso inicialmente

sob a forma de panfleto e escrito por Carvalho ou sob

sua supervisão. Nele o governo rememorou os esforços

de seus agentes para tomar posse das terras das missões,

descreveu o que chamou de levante guaranítico dirigido

pelos jesuítas, e a rebelião dos loyolistas contra o alto

comissário português no Amazonas, e afirmou que os

padres continuavam a fazer pouco caso das leis do reino

e da Igreja, uma vez que escravizavam os índios,

apropriavam-se de sua agricultura e comércio, e

entregavam-se a “sediciosas maquinações” contra a

Coroa (123). O enviado informou a Benedito XIV que

seu governo insistia na reforma radical ou na abolição

da Companhia (124). Com relutância, em 1 de abril de

1758 o Papa designou o Cardeal Francisco Saldanha,

parente de Carvalho e a quem ele próprio e a família

deviam muitos favores (125), para reformador e

visitador dos jesuítas em Portugal, com instruções para

investigar as acusações do governo acerca das más

ações da Companhia, em especial no tocante aos

empreendimentos comerciais que se dizia serem

contrários à política da Igreja e responsáveis pela perda

de enorme parcela das receitas régias (126).

Page 133: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

133

Os jesuítas foram presos antes de terem sido

julgados. Embora só iniciasse as investigações em 31 de

maio, o Cardeal lançou uma proclamação uma semana

depois, em que dizia ter informações precisas de que se

realizavam operações bancárias e comerciais em todos

os colégios, residências, noviciarias e outros estabe-

lecimentos jesuítas, em desrespeito aos cânones e bulas

papais. Ameaçando-os com a excomunhão, o Cardeal

ordenou aos loyolistas que cessassem tais atividades

imediatamente e lhe entregassem todos os livros de

escrituração mercantil. É interessante notar que apesar

de só ter sido publicada em 7 de junho, a proclamação

tinha a data de 15 de maio (127). Dois dias depois dessa

publicação, o Patriarca de Lisboa anunciou que todos os

jesuítas de sua jurisdição estavam impedidos de pregar

ou ouvir confissões, “por causas justas, para a glória de

Deus e o benefício do povo cristão” (128). Novas

provações não se fariam esperar.

Em 3 de setembro de 1758 José I, Rei de

Portugal, foi alvo de um atentado misterioso e

malogrado quando rumava para o palácio após um

encontro noturno com a amante. O curioso é que

somente no dia 13 de dezembro foram detidos os

primeiros suspeitos, membros todos da alta nobreza e

íntimos dos jesuítas. Na mesma noite todos os jesuítas

que moravam na capital acharam-se confinados numa

espécie de prisão domiciliar, medida necessária, disse

Carvalho, para os proteger da plebe que estava

convencida da participação deles na fracassada

conspiração regicida. Um mês depois, dez eminentes

Page 134: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

134

loyolistas, entre eles o Provincial de Portugal e o santo

asceta, missionário e pregador Gabriel Malagrida, foram

acusados de serem os instigadores da conspiração. Em

19 de janeiro de 1759 o Rei assinou uma ordem

confiscando todos os bens dos jesuítas no reino, sob o

pretexto de que os padres haviam insuflado a guerra

guaranítica e o atentado contra a sua pessoa (129).

Entraram então os soldados nas residências da

Companhia em todo o reino e levaram a cabo uma

frenética mas infrutífera busco dos tesouros que,

segundo se propalava desde muito, os padres haviam

acumulado. Tais minas não foram encontradas, mas a

busca iria repetir-se em muitas partes do mundo ibérico

nos meses e anos seguintes. O decreto final de expulsão,

que exigiu o confisco do resto do patrimônio jesuítico

em todo o império, assinou-o o Rei no primeiro

aniversário de seu salvamento acidental das mãos dos

pretensos assassinos (130). Se bem que aquele decreto

fosse em certo sentido anticlimático, em face das

medidas anteriores da Coroa contra os loyolistas, foi,

não obstante, um passo essencial do ponto de vista dos

adversários dos jesuítas, pois marcou o triunfo

definitivo de longa e inexorável campanha contra a

Companhia de Jesus.

V. CONCLUSÃO

Seria um equívoco atribuir a expulsão dos jesuítas

de Portugal e do império a um unico fator. É óbvio que a

Page 135: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

135

decisão da Coroa foi produto de muitas influências.

Como ocorreu na subseqüente expulsão da Companhia de

Jesus de territórios franceses e espanhóis (respec-

tivamente em 1764 e 1767), o regalismo desempenhou

importantíssimo papel (131). O governo do futuro

Marquês de Pombal, agisse ou não sob o influxo das

doutrinas jansenistas ou das heresias britânicas, como

sustentaram alguns autores, simplesmente não tolerava a

existência na sociedade de nenhum elemento que lhe

criticasse as diretrizes e não se mostrasse totalmente

subserviente à vontade do rei, tal como a interpretavam

os ministros. Embora fossem os jesuítas o alvo primeiro

do anticlericalismo daquele governo, convém não

esquecer que este era hostil também a outras ordens

missionárias no Brasil e que várias delas foram expulsas

da colônia nos anos seguintes (132). A convicção do

governo português de que existia uma “conspiração”

jesuítica contra as coroas de Portugal e Espanha era

também uma expressão de sua orientação regalista,

porque, como escreveu há pouco Magnus Mörner, “Do

ponto de vista do regalismo, o pior de todos os pecados

era qualquer indício de ação eclesiástica bem organizada

e coordenada em oposição à política da Coroa” (133). A

sistemática e persistente recusa dos loyolistas de ambos

os impérios a pagar os dízimos, sua relutância em

submeter-se à disciplina episcopal, seu antagonismo ao

Tratado de Madri, e a resistência dos indos, influenciados

pelos jesuítas, às condições daquele acordo, tudo isso,

visto por um prisma regalista, parecia evidenciar a

existência de tal conspiração.

Page 136: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

136

Pode ser também que o governo português, que

era suficientemente sensível ao que na época passava

por “opinião pública” para tentar modelar as atitudes de

outros governos europeus para com os jesuítas, me-

diante a publicação de uma série de informes oficiais

contra os loyolistas, tenha pressentido que a década de

1750 era o momento propício para banir os jesuítas de

seus domínios, aproveitando o declínio da popularidade

dos padres. Apesar de suas inúmeras qualidades

admiráveis, os padres tinham uma capacidade notável

para fazer inimigos figadais, fora e dentro da Igreja,

entre outros motivos porque eram extremamente ciosos

de suas prerrogativas, legalistas até a chicana, fari -

saicos, sobranceiros para com os adversários e tão

intransigentes como seus rivais. Entre esses rivais

estavam não só os colonos e os funcionários régios mas

também os membros de outras ordens missionárias e o

episcopado. É evidente que houve, dentro de ambos os

grupos de eclesiásticos, aqueles que colaboraram

intimamente com a Coroa para por termo à estada dos

jesuítas no Brasil, e que o episcopado e outras ordens

figuraram entre os beneficiários da expulsão dos

loyolistas. É difícil determinar que “opinião pública”

concernente aos jesuítas havia realmente no Brasil do

século XVIII, em parte por falta de meios adequados de

expressão e também porque o que sabemos das opiniões

dos colonos nos vem principalmente da pena de

funcionários régios quase nunca imparciais. Entretanto,

parece significativo que, ao espalhar-se na colônia a

notícia do banimento dos loyolistas, não se tenha

Page 137: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

137

registrado um só tumulto de protesto contra a medida da

Coroa, como houve em Nova Espanha.

Os clérigos não foram, naturalmente, os únicos ou

sequer os principais beneficiários dos infortúnios que

sucederam aos jesuítas, pois tanto a Coroa como os

interesses privados, inclusive fazendeiros, criadores de

gado, rendeiros e mercadores, obtiveram vantagens

consideráveis. Isto me conduz à tese principal deste

trabalho: minha convicção de que a expulsão dos

jesuítas do Brasil foi ditada sobretudo por considerações

econômicas. Tais considerações abrangiam as previsões

otimistas dos críticos dos jesuítas, segundo as quais a

Coroa asseguraria a posse de vastas riquezas através do

confisco dos bens da Companhia. Mas suspeito que o

que impressionou ainda mais esses críticos foi a certeza

de que era essencial eliminar o papel econômico de uma

instituição influente, que gozava de isenção de impostos

ou pelo menos não os pagava, e cujas atividades – disso

eles estavam persuadidos – impediam o desenvolvi-

mento econômico do Brasil e privavam a Coroa de

enormes receitas. Esses foram os pontos que Mendonça

Furtado salientou repetidas vezes em suas longas

mensagens, ainda que em verdade quase todos os

argumentos que formulou contra os jesuítas se

encontravam nos escritos de Paulo da Silva Nunes,

aquele vulto ainda indistinto que precisamos conhecer

mais e melhor. Ao contrário, porém, dos ministros de

João V, os de José I sabiam perfeitamente que a Coroa

tinha necessidade premente de rendas adicionais e

mostravam-se portanto especialmente receptivos às

Page 138: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

138

acusações que Mendonça Furtado reiterava, muito

embora faltassem a elas as provas elementares que a

nosso ver deveriam sustentá-las.

Mas não basta identificar e pesar os inúmeros

fatores que conduziram ao clímax a prolongada luta

entre os jesuítas e seus adversários. É próprio do

historiador emitir julgamentos, coisa que bem poucos

dentre nós costumam fazer, sobre a solidez das

acusações e contestações feitas pelos críticos dos

jesuítas e pelos próprios loyolistas. Ainda não estamos

em condições de fazer esse julgamento. Por exemplo,

enquanto não tivermos analisado os registros que

mostram como os loyolistas realmente adminis travam

suas múltiplas empresas econômicas e não tivermos

explicado suas rendas e investigado suas despesas, não

poderemos falar com autoridade acerca da rentabilidade

de seus numerosos empreendimentos, e muito menos

calcular se tais atividades eram excessivamente onerosas

para a economia colonial ou o rei. E enquanto não

tivermos oportunidade de examinar os relatórios que os

padres enviavam regularmente aos superiores sobre a

gestão dos bens da Companhia, não poderemos dizer se

os inventários que os agentes do rei fizeram desses bens

após o confisco representaram estimativas corretas,

inflacionadas ou depreciadas de seu valor. E enquanto

não tivermos à mão um maior número de escritos dos

próprios jesuítas datados da década de 1750, não

poderemos ajuizar do verdadeiro mérito das acusações

que seus inimigos lhes dirigiram durante aqueles anos

cruciais.

Page 139: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

139

A expulsão dos jesuítas do Brasil resolveu uma

série de problemas espinhosos, mas suscitou bom

número de outros – entre estes o de saber se a Coroa

devia administrar, ela mesma, os bens seqüestrados, ou

aliená-los a particulares. Os argumentos apresentados

pró e contra, e a solução finalmente adotada, formam

uma história interessante e complexa, mas que terá de

ficar para outra ocasião.

NOTAS

(1) Serafim Leite, Artes e ofícios dos Jesuítas no Brasil (1549-

1760) (Rio de Janeiro, 1953); John Bury, “Jesuit Architecture in

Brazil”, The Month, mês não especificado, IV (1950), 385-408;

Lúcio Costa, “A arquitetura dos Jesuítas no Brasil”, Revista do

Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Rio de

Janeiro), V (1941), 1-100; Alfred Métraux, “The Contribution of

the Jesuits to the Exploration and Anthropology of South

America”, Mid-America, XXVI (Julho, 1944), 183-92; E. Bradford

Burns, “Introduction to the Brazilian Jesuit Letters”, ibid., XLIV

(Julho, 1962), 172-86; e Manoel Xavier de Vasconcelos Pedrosa,

“O exercício da medicina nos séculos XVI -XVII e na primeira

metade do século XVIII no Brasil colonial”, IV Congresso de

História Nacional, Anais (Rio de Janeiro), VIII (1951), 268-74.

(2) 10 vols.; Rio de Janeiro-Lisboa, 1938-1950; citada daqui por

diante como HCJB.

(3) Ver ibid., IV, 209, nota 2, e I, 75.

(4) Para uma biografia dos trabalhos do Padre Leite veja -se

Miquel Batllori, comp., Bibliografia de Serafim Leite, S. J.

(Roma, 1962).

Page 140: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

140

(5) Roberto C. Simonsen, História econômica do Brasil (1500-

1820) (3ª ed., São Paulo, 1957); Caio Prado Júnior, História

Econômica do Brasil (8ª ed.; [São Paulo], 1963); e Celso Furtado,

The Economic Growth of Brazil: A Survey from Colonial to

Modern Times, trad. de Ricardo W. de Aguiar e Eric C. Drysdale

(Berkeley, 1963).

(6) O único trabalho em inglês sobre a expulsão dos jesuítas do

império português é o de Alfred Weld, S. J., The Suppression of

the Society of Jesus in the Portuguese Dominions (Londres, 1877),

estudo baseado em fontes insuficientes, e que é fatalmente

incorreto. É ao mesmo tempo uma veemente condenação do

Marquês de Pombal, pela responsabilidade que teve na expulsão, e

uma combativa defesa da inocência da Companhia e de seus

membros. Em parte alguma o autor trata das bases econômicas da

ordem no Brasil, e não toma conhecimento dos aspectos

econômicos da expulsão. Consultei um exemplar existente na

biblioteca de Alma College, Alma, Cal.

(7) HCJB, VII, 240. Em toda a extensão deste ensaio empreguei

“Maranhão” para significar Estado do Maranhão e não apenas a

capitania geral daquele nome.

(8) Serafim Leite, Suma histórica da companhia de Jesus no

Brasil ... 1549-1760 (Lisboa, 1965), Apêndice IV.

(9) D. Alden, “The Early History of Bahia, 1501 -1553” (tese de

licenciatura, inédita, Universidade da Califórnia, Berkeley, 1952),

p. 197, e fontes contemporâneas lá citadas.

(10) Sobre a sesmaria de “Água dos meninos”, cocnedida por

Tomé de Souza a Manoel da Nóbrega em 21 de outubro de 1550,

ver Serafim Leite, ed. crit., Monumenta brasiliae, I (1538-1553)

(Roma, 1956), 194-96.

(11) Serafim Leite, “Terras que deu Estácio de Sá ao colégio do

Rio de Janeiro. A famosa sesmaria dos Jesuítas. Documento

inédito quinhent ista”, Brotéria, XX (1935), 90-108; reimpresso

em Monumenta brasiliae, IV (1960), 219-39. Não vi o texto da

doação original ao colégio de Recife.

Page 141: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

141

(12) Leite, Suma histórica, p. 177.

(13) Veja-se “Livro grosso do Maranhão”, Anais da Biblioteca

Nacional do Rio de Janeiro (daqui por diante citados como

ABNRJ), LXVI (1948), 56-57, 77-78 e 91-92.

(14) Destaquei a assistência direta porque a Coroa também

proporcionava à companhia outros tipos de ajuda econômica,

como sejam: isentar-lhe os bens dos lançamentos de direitos

alfandegários e, no Amazonas, designar grupos de índios para o

trabalho nas propriedades da ordem. Além disso, os padres

alegavam que tinham direito ao que representava outra forma de

subsídio concedido pela Coroa, isto é, isenção do pagamento dos

dízimos devidos por suas propriedades. Q. v. a explanação mais

adiante.

(15) “Relação dos bens sequestrados aos regulares proscriptos, e

expulsos da companhia... de Jesvs onerados com encargos pios,

com declaraçaó dos nomes dos instituidores, dos títu los por que

disposeraó das obras pias, que ordenaraó, dos bens e rendas, que

para este effeito deixaraó, e do que estes annualmente produzem

em rendimentos certos, e incertos, ...” Bahia, 1 de outubro de

1761, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa (doravan te citado

como AHU), Documentos da Bahia, nº 5586; “Relações dos bens

appreendidos e confiscados aos Jesuítas da capitania de S.

Paulo...”, Arquivo do Estado de São Paulo; Publicação official de

documentos interessantes para a história e costumes de São Pa ulo

(doravante citados como DI), XLIV, 337-78.

(16) “Testamento de Domingos Afonso Certão, descobridor do

Piauhy”, Bahia, 12 de maio de 1711, Revista do Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro (doravante citada como

RIHGB), XX (1857), 140-50.

(17) Sobre um caso bastante suspeito que, contudo, diz respeito a

uma doação testamentária feita em Angola e não no Brasil, veja -se

a carta régia de 15 de fevereiro de 1625, em Antônio Brásio, ed.

crit., Monumenta missionaria africana, 1ª serie, África ocidental

Page 142: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

142

(1611-1621), VII (Lisboa, 1955), 394-95. Devo esta referência ao

Professor Engel Sluiter da Universidade da Califórnia, Berkeley.

(18) E. g., Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Documentos

históricos, LXII (1943), 140 e ss.; LXIII (1944); passim; e LXIV

(1944), 3-112. Não incluí nesta seção as propriedades que os

jesuítas podem ter adquirido em conseqüência de execuções de

hipotecas, uma vez que não disponho de informação capaz de

indicar a importância dessa prática como fonte de aquisição.

(19) “Treslado do autto de inventário da real fazenda de Santa

Crus e bens que nella se acharam...”, 6 de maio de 1768, A. J.

Melo Morais Filho, ed. crit., Archivo do Districto Federal: revista

de documentos para a história da cidade do Rio de Janeiro

(doravante citada como RADF), I (1894), 73-77, 124, 182-92, 217,

333-39, 418-25.

(20) Alguns desses exemplos encontram-se no fim da relação

baiana de 1761 citada na nota 15 supra.

(21) Como exemplo de uma venda de terra feita pelos jesuítas aos

carmelitas, à vista, veja-se “Regizto de hum documento de venda

que fizeraó oz padrez da companhia, ao convento do Carmo dezta

cidade... anno de 1595”, RADF, III (1896), 251.

(22) Este cálculo baseia-se em diversas fontes da época e mais

recentes, achando-se entre as últimas a HCJB, passim. O número

de fazendas dos jesuítas dedicadas principalmente ao cultivo da

cana-de-açúcar variava de um período para outro à medida que

novas fazendas eram adquiridas e algumas das mais antigas davam

sinais de diminuição da fertilidade e passavam ter outros usos.

Assim, a fazenda Muribeca (Espírito Santo) tornou -se criatório e a

maior parte do Engenho Velho (Rio de Janeiro) foi dividida em

lotes para arrendamento.

(23) Leite, Suma histórica, Cap. XI. Ver também nota 115.

(24) O inventário incompleto de Santa Cruz (ver nota 19) sugere

que o total de escravos naquela fazenda em 1759 talvez chegasse a

1.600 ou 1.700. Segundo Alberto Lamego, havia 1.435 escravos

Page 143: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

143

na “fazenda do colégio” no norte do Rio de Janeiro no momento

em que foi confiscada: A terra Goytacá à luz de documentos

inéditos, III (Bruxelas-Paris, 1925), 163. Em contraste com isso,

sabe-se que o maior número de escravos pertencentes a um único

senhor nas colônias continentais britânicas à época da Guerra da

Independência americana eram 490. Louis Morton, Robert Carter

of Nomini Hall.. (Williamsburg, 1945), p. 101, nota 43. Os dados

que pude reunir acerca da posse de escravos na América espanhola

setecentista indicam que as concentrações de escravos nas

fazendas não eram tão grandes como nessas duas dos jesuítas.

Quando se tornarem conhecidos os inventários completos das

propriedades da Companhia da Bahia, é provável que revelem

populações servis pelo menos tão numerosas como as de Santa

Cruz.

(25) Na década de 1750 os jesuítas tinham 273 r endeiros nos lotes

do Engenho Velho no Rio de Janeiro, RADF, I (1894) 73n. Como

exemplo das condições de privilégios de pasto que eles concediam

na mesma fazenda, veja-se ibid., 427. Exemplos de seus acordos

de locação acam-se ibid., 426-27, 455-60, 550-62, e II (1895), 9-

17, 62. Na Bahia, à época da expulsão, 58 lotes pequenos que os

padres davam em arrendamento produziam uma receita anual

avaliada em 300.000 réis. Ver nota 26.

(26) Cálculos baseados no inventário intitulado “Termo das

declaraçoens e valiaçoens que fizerao os avaliadores do conselho

e mestres das obras da cidade [do Salvador]”, 26 de março de

1760, AHU, Docs., nº 4952. O inventário compreende não só as

propriedades urbanas como as habitações a elas incorporadas

como também um cais pertencente à ordem (valor estimado em

3.600.000 réis). “Çitioz que occupaváo os Padres” que podiam ser

arrendados, outros que tinham essas propriedades foi calculado

em 190.886.000 réis, e sua renda anual em 1.141.520 réis. Essas

estimativas talvez tenham sido exageradas. O Padre Leite cita uma

fonte coeva que indica que o colégio de Salvador recebeu 888.000

réis de suas propriedades urbanas em 1757. HCJB, V, 579, nº 1.

(27) “Relação de todas as casas, foros e chãos que há nesta cidade

pertencentes aos padres da companhia nas ruas que abaixo se

declara”, 8 de julho de 1740, RADF, II (1895), 366-71.

Page 144: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

144

(28) “Relação de todos os conventos e hospícios que há dentro do

destricto d’este governo de Pernambuco com o número de

religiozos e rendas, que tem cada um”, s.d., circa década de 1740,

ABNRJ, XXVII (1906), 416.

(29) HCJB, V, 479, 579, nº 1.

(30) Cf. os relatórios dos superiores das ordens dos beneditinos,

carmelitas e franciscanos, enviados à Coroa sobre suas pro prie-

dades e rendimentos no Brasil em 1764-1765, e, quanto à capi-

tania do Rio de Janeiro, o valor dos bens das mesmas ordens,

segundo informação do Conde de Rezende (Vice -rei do Brasil) em

1797, RIHGB, LXV:1 (1902), 118-65; ibid., XLVI:1 (1883), 187-

88.

(31) O provincial dos beneditinos, por exemplo, comunicou à

Coroa que o mosteiro de São Paulo concedera empréstimos no

valor de 3.468.865 réis, mas que 1.116.000 réis eram considerados

incobráveis por causa de falências e da morte de devedores que

não deixaram bens recuperáveis. Frei Francisco de São José a

Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 12 de maio de 1765,

RIHGB, LXVI:1 (1904-1905), 137-65, Apêndice G.

(32) Estimativa aproximada que espero aperfeiçoar quando tiver

ensejo de analisar uma quantidade maior dos inventários que

reuni.

(33) Sobre os começos do conflito entre os jesuítas e os colonos

acerca da situação dos índios, as obras autorizadas são ainda as de

Alexander Marchant, From Barter to Slavery: The Economic

Relations of Portuguese and Indians in the Settlement of Brazil,

1500-1580 (reimpressão; Gloucester, Mas., 1966), e Mathias C.

Kiemen, The Indian Policy of Portugal in the Amazon Region,

1614-1693 (Washington, D.C., 1954); ver também Charles R.

Boxer, Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola,

1602-1686(Londres, 1952), pp. 124-25.

Page 145: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

145

(34) Como introdução à literatura dedicada aos bandeirantes, veja-

se Richard M. Morse, comp., The Bandeirantes: The Historical

Role of the Brazilian Pathfinders (New York, 1965).

(35) Para detalhes, ver Boxer, Salvador de Sá, pp. 129-37, e

HCJB, VI, 252-65, 416-21.

(36) Kiemen, Indian Policy of Portugal, pp. 115-16, 146 e ss.

Sobre o perdão real de 1663, ver provisão de 12 de setembro de

1663, “Livro grosso do Maranhão”, I, 31-32.

(37) Kiemen, Indian Policy of Portugal, pp. 158-62; HCJB, IV,

369-74.

(38) Carta régia de 4 de novembro de 1684 (renovando alvar á

datado erroneamente de 4 de maio de 1543 [ sic em vez de 1573]),

José Justino de Andrade e Silva, comp., Collecção chronológica

da legislação portuguêsa... , X (Lisboa, 1859), 22-23.

(39) Cartas régias, 4 de janeiro de 1687 e 23 de março de 1688

(duas mensagens), Anais da Biblioteca e Arquivo Público do Pará

(doravante AAP), (Belém, 1902), 90-93, 95-96.

(40) Charles R. Boxer, Portuguese Society in the Tropics: The

Municipal Councils of Gôa, Macao, Bahia, and Luanda, 1500-

1800 (Madison, Wis., 1965), p. 17.

(41) Resposta da câmara a um requerimento de Sá, 16 de

novembro de 1641, Eduardo de Castro e Almeida, comp.,

Inventário dos documentos relativos ao Brasil existentes no

Arquivo da Marinha e Ultramar de Lisbôa, VII (Rio de Janeiro,

1934), 16-17.

(42) Boxer, Municipal Councils, p. 89, de onde também foi

extraída a citação. Não sei qual foi o volume das contribuições

fiscais dos jesuítas para as guerras de Portugal no século XVII,

mas note-se que a Companhia ocupou o quarto lugar entre os que

mais contribuíram para o fundo de resgate exigido da cidade do

Rio de Janeiro pelo corsário francês Duguay-Trouin em 1711.

“Relação das pessoas, e das quantias com que contribuirão para o

Page 146: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

146

resgate desta cidade, rendida pelos francezes em 11 de setembro

de 1711”, em Antonio Duarte Nunes, “Almanac histórico da

cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro” (1799), RIHGB, XXI

(1858), 31.

(43) Sobre o conflito gerado pela recusa da ordem a pagar dízimos

nas colônias espanholas, vejam-se Lilian Estelle Fisher, Viceregal

Administration in the Spanish American Colonies (Berkeley,

1926), pp. 199-200; Guadalupe Navarro, Los diezmos em Mexico

durante el tiempo de la colonia (Roma, 1936), Cap. V; e

Woodrow Borah, “Tithe Collect ion in the Bishopric of Oaxaca,,

1601-1867”, Hispanic American Historical Review, XXI (1941),

386 e ss.

(44) O estudo básico ainda é o de Oscar de Oliveira, Os dízimos

eclesiásticos do Brasil nos períodos da colônia e do império (Juiz

de Fora, 1940).

(45) Nóbrega a Simão Rodrigues, agosto [?], 1552, Afrânio

Peixoto, ec. crit., Cartas do Brasil 1549-1560 (Rio de Janeiro,

1931), p. 139.

(46) Ver Oliveira, Dízimos eclesiásticos, p. 70.

(47) Ibid., p. 90.

(48) Provisão de 2 de novembro de 1692 (referente a uma

provisão anterior, de 17 de janeiro de 1685, que não vi). “Livro

grosso do Maranhão”, I, 130-131; do rei ao provedor da fazenda

(Pará), 11 de janeiro de 1701, ibid., 203-204; idem a Christovão

da Costa Freire (capitão-general do Maranhão), 4 de abril de

1709, e idem a idem, 27 de junho de 1711, ibid., II, 37-38, e 88.

Como prova da preocupação da Companhia com os esforços da

Coroa no sentido de a obrigar a pagar o dízimo, veja -se a

instrução de Michael Angelus Tamburinus (geral) ao Padre

Ignacio Ferreira (superior da Vice-Província do Maranhão), 22 de

outubro de 1712, em João Lúcio de Azevedo, Os Jesuítas no

Grão-Pará: Suas missões e a colonização... (1ª ed., Lisboa,

1901), pp. 332-33.

Page 147: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

147

(49) Kiemen, Indian Policy of Portugal, p. 52.

(50) Ordenações do Senhor Rey d. Affonso V (Coimbra, 1792).

Liv. II, tits. XIII e XIV.

(51) Código philippino ou ordenações e leis do reino de Portutal

recompiladas por mandado d’el-rey d. Philippe I, ed. crit.,

Cândido Mendes de Almeida (14ª ed.; Rio de Janeiro, 1870), Liv .

II, tit. XVIII, que abrange referências a seções apropriadas das

Manuelinas.

(52) Citado numa petição sem data (circa 1740) de Manuel

Ferreira Feital e Antônio de Alvarenga; Castro e Almeida,

Inventário , VII, 384-85.

(53) Conselho Ultramarino a Antônio Brito de Menezes

(governador do Rio de Janeiro), 22 de setembro de 1718, RADF,

III (1896), 186-88: “Lista das propriedades que possuem os padres

da companhia do Rio de Janeiro e parte dos da comarca the o anno

de mil e sette centos e dezoito”, ibid., UU (1895), 370-72;

“Registro das listas das terras dos padres da companhia, de S.

Bento e do Carmo, sitas no districto de Cabo Frio, que remetterão

os officiaes da câmara ao corregedor (i. e., ouvidor) da comarca”,

26 de dezembro de 1719, ABNRJ, LXXI (1951), 44-46.

(54) Kiemen, Indian Policy of Portugal, pp. 176-78.

(55) Ibid., pp. 164-66.

(56) Azevedo, Os Jesuitas, pp. 160-63.

(57) Capitão-general do Maranhão, 1718-1722, autor dos tediosos

mas importantes Anais históricos do Maranhão (Lisboa, 1749), e

anos depois soldado notável no norte da África.

(58) A opinião tradicional acha que a hostilidade de Silva Nunes

data de 1722, quando ele foi preso por ter feito comentários

satíricos contra os jesuítas, mas João da Maia da Gama, sucessor

de Berredo e conhecido jesuitófilo, sustentou que essa hostilidade

se fazia notar antes daquela data. Ver nota 72.

Page 148: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

148

(59) Azevedo, Os Jesuítas, pp. 167-68.

(60) Pasquins análogos circularam em Belém em 1688. Kiemen,

Indian Policy of Portugal, p. 169.

(61) Jão da Maia da Gama à Coroa, 28 de agosto de 1722 (duas

mensagens), em Alexandre João Melo Moraes, Corographia... do

império do Brasil , IV (Rio de Janeiro, 1860), 291n.-294n.

(62) A língua geral era uma espécie de dialeto comum por meio

do qual os jesuítas (e outros familiarizados com ele) podiam

comunicar-se com índios de idiomas os mais diversos. Em 1689 a

câmara de Belém queixou-se ao Rei que os padres não faziam caso

da ordem de ensinar a língua geral aos jovens portugueses, o que

era essencial, porquanto estes substituíam os pais como

supervisores do trabalho indígena nas plantações. Kiemen, Indian

Policy of Portutgal, p. 170. No tempo de Silva Nunes, porém, os

jesuítas eram criticados pela razão oposta. A carta régia de 12 de

setembro de 1727 ordenou de fato aos jesuítas que cuidassem de

ensinar mais aos seus pupilos o português. AAP, II, 190-91. Mas

quanto a alguns dos problemas práticos implícitos nessa questçao

veja-se a defesa dos jesuítas feita por Maia (citada na nota 72).

(63) Azevedo, Os jesuítas, pp. 168, 178.

(64) Berredo à câmara de Belém, 6 de abril de 1726, Melo

Moraes, Corographia , IV, 291n.

(65) Em 1726, por exemplo, Silva Nunes declarou que já tivera

duas auspiciosas conferências reservadas com um ministro de

Estado cujo nome não informou. Silva Nunes à câmara de São

Luís do Maranhão, 31 de março de 1726, ibid., 288.

(66) Azevedo, Os jesuítas, pp. 168, 178.

(67) “Representação dos senhores de engenho e lavradores de

canna de Marepicu, freguezia de N. Sª da Conceição e districto do

Rio de Janeiro, contra as usurpações de terrenos que lhes tinham

feito os padres da Companhia de Jesus e os religiosos de N. Sª do

Page 149: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

149

Carmo” (1730), Castro e Almeida, Inventário , VII, 62; câmara do

Rio de Janeiro ao rei, 12 de agosto de 1731. RADF, II (1895),

281-84 (queixando-se do comércio ilícito dos beneditinos e da

preferência deles mais pelos recrutas peninsulares do que pelos

nascidos na colônia).

(68) Azevedo, Os jesuítas, p. 174. Ver cartas régias de 28 de julho

e 1 de agosto de 1729, e de 11 de janeiro de 1731, AAP, IV

(1905), 55, 57-58 e 66-67, referentes à alegação de Sousa Freire

de que os jesuítas estavam usando os índios da missão para

plantar tabaco e açúcar e trabalhar nos engenhos da companhia,

contrariando assim as instruções por ele baixadas.

(69) Carta régia de 13 de abril de 1728, “Livro grosso do

Maranhão”, II, 223-24; ver Azevedo, Os Jesuítas, pp. 175-77 para

uma análise e comparação com a de 1718, que foi mais favorável

aos interesses dos colonos.

(70) Carta régia de 24 de janeiro de 1729, DI, XVIII (1896), 267-

68; HCJB, IV, 202.

(71) “Papel que o padre Jacinto de Carvalho... apresentou a el -rei

para se juntar aos dous requerimentos do procurador das câmaras

do Maranhão e Pará”, 16 de dezembro de 1729, Melo Moraes,

Corographia , IV, 305n.-330n. Para um esboço biográfico e uma

lista anotada dos escritos do procurador, ver HCJB, VII, 149-53.

(72) “Parecer de João da Maia da Gama... sobre os requerimentos

que a el-rei apresentou Paulo da Silva Nunes, contra os mis -

sionários”, 22 de fevereiro de 1730, Melo Mo raes, Corographia ,

IV, 258n.-274n.

(73) Alvará de 13 de abril de 1734, ibid., 253n.-254n.

(74) “Informação e parecer do desembargador Francisco Duarte

dos Santos...”, 15 de julho de 1735, ibid., 123n.-150n. (Este é o

segundo de dois longos documentos que correm ao pé dessas

páginas e está impresso em tipo menor do que o primeiro).

Page 150: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

150

(75) Azevedo, Os jesuítas, p. 183, onde infelizmente não consta

nenhuma fonte. Presumivelmente os funcionários do tesouro

sabiam que a Coroa desde muitos anos não pagava côngruas aos

missionários do maranhão (ver a segunda carta de Maia da Gama,

28 de agosto de 1722 [citada na nota 61], p. 293) nem estava em

condições de pagar somas ainda maiores.

(76) Azevedo, Os jesuítas, pp. 184-87.

(77) Oliveira, Os dízimos eclesiásticos do Brasil, p. 73, cita uma

instrução de 21 de fevereiro de 1739, do geral da ordem ao vice -

provincial do Maranhão, avisando-o de que ainda havia

esperanças de que a questão se resolvesse favoravelmente para a

Companhia, mas que, se tal não ocorresse, um novo decreto real

mandando que as ordens pagassem os dízimos seria obedecido

pelos jesuítas enquanto não fossem julgados os apelas ulteriores.

Nesse ínterim era necessário observar grande prudência para

evitar “males mais graves”.

(78) Cartas régias de 9 de julho de 1740 e 21 de janeiro de 1743,

Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Documentos Historicos, I

(1928), 398-99, 440-41; ver também as resoluções de 31 de maio

de 1740 e 25 de maio de 1741, do Conselho Ultramarino, citadas

no início da relação mencionada na nota 27.

(79) Não vi este volume, mas é citado em Azevedo, Os Jesuítas,

p. 187.

(80) Charles R. Boxer, The Golden Age of Brazil... (Berkeley,

1962), p. 289.

(81) Examinei um pouco mais detalhadamente a guerra guaran ítica

em meu livro Royal Government in Colonial Brazil (Berkeley,

1968), Cap. IV, seção 2.

(82) Estas impressões baseiam-se em grande parte na leitura que

fiz da correspondência do Capitão-general (ver nota 87). Para um

sumário das opiniões de historiadores coevos e subseqüentes, ver

[João] Lúcio de Azevedo, Estudos de história paraense (Pará,

1893), pp. 13-17.

Page 151: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

151

(83) Este é o ponto de vista de Azevedo ( ibid., pp. 20-26, e Os

Jesuítas, p. 238) e dos que o seguem, e. g. Marcus Cheke,

Dictator of Portugal: A Life of the Marquis of Pombal 16 99-1782

(Lomdrss, 1938) p. 56; cf. HCJB, VII, 338-339.

(84) Isto é, Dom Frei Miguel de Bulhões e Sousa, beneditino que

mostrou não ser amigo dos loyolistas.

(85) As instruções, datadas de 31 de maio de 1751, foram

publicadas pela primeira vez por Azevedo , Os Jesuítas, pp. 348-

56.

(86) Assunto curioso e importante que, pelo que sei, nenhum autor

examinou convenientemente.

(87) [Mendonça Furtado] a [Sebastião José de Carvalho e Melo],

21 de novembro de 1751, A Amazônia na era pombalina:

Correspondência inédita do governador e capitão-general do

estado do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça

Furtado, 1751-1759, ed. crit., Marcos Carneiro de Mendonça (3

vols.; Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,

s.d. (circa, 1964), I, 63-78 (doravante citado como C/FXMF). O

grosso dos documentos incluídos nessa inestimável mas des -

concertante coleção compõe-se de mensagens enviadas por

Mendonça Furtado à Coroa entre 1751 e 1757 (apesar do título); a

maior parte provém de arquivos existentes no Museu Britânico,

mas (ainda apesar do título) algumas vêm da conhecida série dos

AAP. O editor crítico, cujas notas são às vezes úteis mas não tão

numerosas ou esclarecedoras como deviam ser, parece achar que

essa correspondência explica por que se justificou plenamente a

expulsão definitiva dos jesuítas, mas não se dá conta de que falta

à sua coleção o outro lado da história: as cartas escritas pelos

próprios jesuítas. Além disso, muitas das mensagens nela pu -

blicadas relacionam-se com importantes anexos não encontrados

nos arquivos de Belém ou de Londres. Aos compulsadores dessa

coleção avisamos que o índice do Vol. III não arrola as últimas

oitenta e uma páginas do mesmo volume, nas quais se encontra um

conjunto de documentos diversos.

Page 152: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

152

(88) Mendonça Furtado de Carvalho e Melo, 25 de outubro de

1752, C/FXMF, I, 254; idem a Tomé Joaquim da Costa Corte Real,

circa 23 de maio de 1757, ibid., III, 955.

(89) Em sua mensagem de 29 de dezembro de 1751, o Capitão -

general afirmou que “este Estado se fundou, floresceu e nele se

estabeleceram infinitos engenhos e plantações, enquanto as

Religiões não tiveram este alto e absoluto poder”, mas não

indicou precisamente quando existiu esse período de tanta

prosperidade.

(90) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 29 de dezembro de

1751, 2 de janeiro e 25 de outubro de 1752, e 26 de janeiro de

1754, C/FXMF, I, 143-48, 155-57, 252-55, e II, 465-70.

(91) “Memória das fazendas que até agora tenho podido averiguar

que têm os padres da companhia nesta capitania do Pará, e d as

notícias que até agora achei delas”, 8 de fevereiro de 1754. ibid.,

II, 485-89.

(92) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 18 de fevereiro de

1754, ibid., 498-505.

(93) Em 1753 a Coroa ordenou aos superiores das ordens dos je -

suítas, carmelitas, mercedários e franciscanos que pusessem à

disposição do comissário português as provisões e os traba -

lhadores indígenas que ele solicitasse das missões, prometendo

compensação adequada a tais serviços. Ordem geral de 18 de maio

de 1753, Museu Britânico, mss. sup. 20987 (Coleção de Mi-

crofilmes da Biblioteca Bancroft, Universidade da Califórnia,

Berkeley).

(94) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 7 e 9 de julho, e 20 de

novembro de 1755, C/FXMF, II, 714-21, 738-39; II, 870-71; idem

a Luís da Cunha [Manoel], 12 de outubro de 1756, ibid., III, 948;

Diogo de Mendonça Corte Real (ministro das colônicas) a

Mendonça Furtado, 1 de maio de 1755, Jaime Cortesão, ec. crit. e

comp. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri (1750), V (Rio

de Janeiro, 1963), 431 (expressando a esperança de que Mendonça

Furtado não encontrasse as grandes dificuldades que a resistência

Page 153: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

153

guaranítica chefiada pelos jesuítas criava no momento para a

comissão demarcadora dos limites meridionais).

(95) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 7 de julho de 1 755,

C/FXMF, II, 714.

(96) Esta foi a primeira missão jesuítica na Amazônica a ser

secularizada. A razão aparente da medida foi a necessidade de

fundar uma pousada para os que viajavam entre o Amazonas e

Mato Grosso, mas o verdadeiro intuito foi o de erig ir uma barreira

para impedir o propalado fluxo de contrabando do interior

produtor de ouro para a costa. Carvalho e Melo a Mendonça

Furtado, 14 de março de 1755, ibid., 661.

(97) Mateus 21: 12-13; marcos 11: 15-17; Lucas 19: 45-46; ou

João 2: 14-16. A fonte (nota 98) não esclarece qual destas

passagens o Capitão-general tinha em mente.

(98) Azevedo, Estudos, pp. 127-29.

(99) Entre os vinte e um achavam-se o cronista e o vice-

provincial do Maranhão e os reitores dos colégios do maranhão e

do Pará. HCJB, VII, 352.

(100) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 14 de outubro de

1756, C/FXMF, III, 992-93. Sobre a impossibilidade do

comissário espanhol de entrar em contacto com seu colega

português em virtude de problemas de navegação e da alegada

falta de cooperação dos jesuítas, ver Demétrio Ramos Pérez, El

tratado de limites de 1750 y la expedicion de Iturriaga al Orinoco

(Madri, 1946), pp. 197 e ss. e 214 e ss.

(101) Lei de 6 de junho de 1755, Colecção dos breves pontificios

e leys régias, que forão expedidos e publicadas desde o anno de

1741, sobre a liberdade das pessoas, bens, e commércio dos

Índios do Brasil; ... (Lisboa, 1760), nº II. O texto da bula forma o

nº I desta coleção, um dos numerosos informes oficiais que o

governo português pôs em circulação, a lguns traduzidos, durante o

decênio de 1757-1767, a fim de angariar apoio para a campanha

contra os jesuítas.

Page 154: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

154

(102) Lei de 7 de junho de 1755, ibid., nº III.

(103) Carvalho e Melo a Mendonça Furtado, 14 de março de 1755,

C/FXMF, II, 660.

(104) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 12 de novembro de

1755, ibid., 821.

(105) [Idem à Coroa], 8 de abril de 1757, AAP, IV (1905), 182-84.

A junta das missões do Estado do Maranhão, uma das várias

juntas desse tipo que existiam nas mais diversas partes do império

português, foi criada em 1680. Dela participavam o Capitão -

general, muitos outros funcionários da Coroa, o Bispo (nessa

época do Pará), e os superiores das várias ordens missionárias

atuantes na região.

(106) Ver Robert C. Padden, “The Ordenanza del Patro nazgo,

1574: An Interpretative Essay”, The Americas, XII (abril, 1956),

333-54.

(107) [Mendonça Furtado à Coroa], 8 de abril de 1757, citada na

nota 105; requerimento de Francisco de Toledo (vice -provincial),

circa 10 de fevereiro de 1757, AAP, IV (1905), 207-209.

(108) Mendonça Furtado a Carvalho e Melo, 25 de abril de 1757,

C/FXMF, III. 1034-38.

(109) Idem a Idem, 2 de maio de 1757, ibid., 1039-40; também

publicada em AAP, IV (1905), 209-12. Este foi na verdade o

segundo round da disputa do Capitão-general com os jesuítas em

torno da posse dos pertences das antigas missões. O primeiro

começou por uma pendência a respeito da alegada pilhagem da ex -

aldeia de Trocano, transformada na comunidade de Borba a Nova.

Ver idem, ao Padre Anselmo Eckart, Borba a Nova, 31 de

dezembro de 1755, C/FXMF, III, 890, e idem a Carvalho e Melo,

13 de outubro de 1756, ibid., 949-54. À última mensagem

mencionada o Capitão-general anexou uma declaração assinada

por um missionário carmelita reconhecendo que todos os

pertences das missões eram de propriedade destas e não da ordem.

Page 155: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

155

(110) Idem a Tomé Joaquim da Costa Corte Real, circa 23 de

maio de 1757, ibid., 955-76. O documento, que nesta edição não

está datado mas leva o título de “Papel... no qual se mostra que o

negócio que os padres fazem nem é lícito, nem necessário, nem,

em conseqüência dele, há bens industriais, e que os que adquirem

nas aldeias são para o comum delas”, foi enviado a Lisboa em

duas partes. Veja p. 970n. A segunda parte do memorial, que traz

a data, o remetente e o destinatário dados aqui, também está

publicada em AAP, IV (1905), 212-20.

(111) Decreto de 10 de julho de 1757, mencionado sem citação da

fonte por Ernesto Cruz, “Seqüestro dos bens dos regulares da

Companhia de Jesus no Pará, Maranhão e Piauí”, Instituto His-

tórico e Geográfico Brasileiro. Anais do Congresso Comemorativo

do Bicentenário da Transferência da Sede do Governo do Brasil

(1963), II (Rio de Janeiro, 1967), 14.

(112) [Mendonça Furtado] a Carvalho e Melo, 16 de junho de

1757, C/FXMF, III, 1098-1104.

(113) Idem a Diogo de Mendonça Corte Real, 23 de dezembro de

1751, ibid., I, 131-32.

(114) Idem a Tomé Joaquim da Costa Corte Real, 7 de junho, 8 e

18 de outubro de 1757, AAP, V, 215-301; VI (1907) 44-46.

(115) Tomé Joaquim da Costa Corte Real a Mendonça Furtado, 2

de agosto de 1758, C/FXMF, III, 1187; também publicada em

Ernesto Cruz, “O Pará dos séculos XVII e XVIII”, IV Congresso

de História Nacional, Anais, III (Rio de Janeiro, 1950), 26n., onde

a data é dada erroneamente como sendo 1753.

(116) Mendonça Furtado a T, J, da Costa Corte Real, 22 de

fevereiro de 1759, AAP, VIII (1913), 215-27. Um inventário

realizado poucos meses depois revelou que os jesuítas tinham

possuído 134.465 reses e bestas em quatro fazendas grandes e três

menores na ilha de Marajó. [Manoel Bernardo de Melo e Castro] a

idem, 30 de julho de 1759, ibid., 56-59; também publicada ibid.,

II (1902), 152-53, nota 2.

Page 156: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

156

(117) Na primavera de 1758 a Coroa despachou para a Bahia uma

junta especial, composta de três magistrados da prestigiosa Casa

de Suplicação, com instruções para apreender todos os bens dos

jesuítas naquela capitania-geral, caso os padres não apresentassem

as licenças que os autorizavam a possuir tais bens. O Rei a

Manoel Estevão de Almeida de Vasconcelos Barber ino, 8 de maio

de 1758, Castro e Almeida, Inventário , I, 332-33. Ordens

idênticas foram enviadas aos capitães-generais do Rio de Janeiro e

Pernambuco em 21 de julho e 23 de agosto de 1759. Conde de

Bobadela ao desembargador Manoel da Fonseca Brandão, 2 de

novembro de 1759, RADF, I (1894), 288-89; carta régia a Luiz

Diogo Lôbo da Silva, 23 de agosto de 1759, Revista do Instituto

Archeológico, Histórico e Geográfico Pernambucano , nº 43

(1893), 34-38. Em outra ocasião espero analisar as atividades da

junta da Bahia, à base de extensas fontes manuscritas que coligi.

(118) É vasta a literatura referente à acidentada luta entre o futuro

Marquês de Pombal e os jesuítas, e até aqui só pude examinar uma

pequena parte dela. No preparo desta seção foram-me

particularmente úteis as obras de João Lúcio de Azevedo. O

Marquês de Pombal e a sua época (2ª ed.; Lisboa, 1922),

Capítulos 4-6; Ludwig, Freiherr von Pastor, The History of the

Popes from the Close of the Middle Ages, trad. E. F. Peeler,

XXXVI (St. Louis, Mo., 1950) , 8-23, 294-343; e Christoph

Gottlieb von Murr, História dos Jesuítas no ministério do

marquêz de Pombal, trad e notas de J. B. Hafkemeyer, S. J.,

publicada como Vol. III da Revista do Instituto Histórico e

Geográfico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, 1903). Escrito

por um protestante alemão à base de materiais fornecidos por ex -

jesuítas e publicado originalmente em Nuremburg em dois

volumes em 1787-1788, é este o mais antigo trabalho bem

documentado sobre a expulsão dos jesuítas do império português.

(119) Cf. Weld, The Supression of the Society of Jesus, pp. 8 e ss.

e Lamego, A terra Goytacá, III, 84 e ss.

(120) Azevedo, Estudos, pp. 62-63.

(121) Pastor, History of the Popes, XXXVI, 10.

Page 157: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

157

(122) Ibid., pp. 10-12, 16.

(123) Publicada originalmente em 1757, a “Relação abreviada” foi

reimpressa várias vezes em forma de panfleto e incluída entre as

“provas” que acompanharam o principal informe oficial do

governo português contra os jesuítas, a Deducção chronológica,

editara em três volumes em 1768. Ver Provas da parte primeira

da deducção chronológica e analytica, e petição de recurso do

doutor Joseph de Seabra da Sylva. I (Lisboa, 1768), 336-72.

(124) Pastor, History of the Popes, XXXVI, 18.

(125) Ibid., 295.

(126) Ibid., 22-23.

(127) Mandamento do Cardeal Francisco Saldanha, 15 de maio de

1758, Col. dos breves pontifícios, nº 8; também publicado em

Melo Moraes, Corographia , IV, 542-48.

(128) Citado em Pastor, History of the Popes, XXXVI, 296; ver

também seu comentário na p. 298 acerca da legalidade da medida

do patriarca.

(129) Ver Muss, História dos Jesuítas, Cap. XIII, onde se

encontra um exame bastante singular do confisco e venda dos bens

dos jesuítas em Portugal.

(130) Sobre o texto, que repete na essência e na linguagem as

principais acusações dirigidas pelo governo português aos jesuítas

nos últimos anos da década de 1750, veja-se Antônio Delgado da

Silva, Collecção da legislação portuguesa de 1750 a [1820], I

(Lisboa, 1830), 713-16.

(131) Para uma recente reafirmação da importância do regalismo

na expulsão da Companhia dos domínios espanhóis, ver Magnus

Mörner, “The Expulsion of the Jesuits fromSpain and Epanish

America in 1767 in Light of Eighteenth-Century Regalism”, The

Americas, XXIII (outubro, 1966), 156-64. Embora o professor

Page 158: I- A NATUREZA DO TRABALHO DOS INDÍGENAS NAS …cdpb.org.br/controversas.pdf · Entre estes, o de que a história ... Maranhão, pelo fato de que justamente o conflito com ... indolente

158

Mörner reconheça a importância de outros fatores na motivação da

expulsão (p. 163), não leva em conta o papel das influências

econômicas.

(132) Assim, em conseqüência da recomendação de Mendonça

Furtado, os Capuchos e os religiosos da Conceição da Beira e

Minho foram proscritos do Pará em 1758. Cruz, “O Pará dos

séculos XVII e XVIII”, p. 32. Em 1794 os mercedários foram

também banidos do Amazonas e tiveram suas propriedades

seqüestradas. Domingos Antônio Raiol (Barão de Guajará),

“Catechese de índios no Pará”, AAP, II, 153-54.

(133) “The Expulsion of the Jesuits”, p. 158.

(Transcrito de Conflito e continuidade na sociedade brasileira –

Ensaios. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1970, p. 31 -78).