I capítulo do livro OLHA A COCADA!, de Eloí Bocheco

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OLHA A COCADA! ( Movimento, 2011)

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CAPÍTULO I

CONSEGUI UMA VAGA!

“Eu queria estudar na classe da Letícia, mas caí na turma de

outra professora. Falei pra supervisora que eu queria ir pra sala da

Letícia e ela, a supervisora, disse:

_ Ah, Luís, a tua profe é bem legal!

_ Mas a Letícia é mais! Deixa eu estudar com ela?

A supervisora disse que ia ver se a sala não estava muito

cheia. Não estava. Mudei correndo antes que ela me chamasse

de volta.

As aulas da Letícia mudam bastante de jeito. Uma hora é pra

contar da gente. Outra hora é pra inventar. Tem dias que são para

“sair de casa” e visitar coisas que nem museus, planetários, feiras

de livros. Tem horas que é pra ouvir. Tem vezes que é pra ler em

voz alta pra aprender a ouvir a própria voz. Sabem que é legal

esse negócio de ouvir a própria voz? Eu nunca tinha me ouvido e

gostei. Parece que a gente aumenta de tamanho ouvindo a

própria voz.

Todo mês a Letícia faz mutirão poético. É assim: a nossa turma

vai nas outras classes ler poesia. Só nas salas onde o professor

diz que não, aí a gente não entra, e aquela turma fica sem poesia.

Quando a gente aparece na porta com os livros de poesia na mão,

todo mundo já faz cara de contente e se apronta pra ouvir a

leitura. No final, até aplaudem e, às vezes, pedem pra ler de novo.

No começo, a diretora da escola não gostou muito dessa história

de mutirão, disse que dava muita bagunça; ela prefere aula na

sala com todo mundo quieto, mas a Letícia tem muita paciência

para explicar mil vezes um assunto para quem não entende, e

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convenceu a diretora que poesia não causa bagunça na escola;

mas a falta de poesia, sim. Disse que escola sem poesia é que

nem uma casa sem pão. Depois do primeiro mutirão, a diretora

parece que começou a achar graça em poesia. Não sei como

alguém pode não achar graça em poesia!

A Letícia tem um balaio que foi feito pelos índios guaranis do

Morro dos Cavalos. É o maior balaio que eu já vi na vida. Esse

balaio é cheio de livros e fica num canto da sala. Todos os alunos

da Letícia pegam livros no balaio pra ler nas horas de leitura ou

pra levar pra casa. Quando a biblioteca abrir e tiver uma pessoa

para cuidar, vamos pegar livros de lá também.

Houve um dia em que escrevemos cartas para os escritores

que a gente leu. Escrevi pra Cora Coralina, que já – eu ia dizer

morreu, mas a minha mãe fala para dizer faleceu, que é mais

respeitoso.

Querida escritora Cora Coralina,

A história do prato azul-pombinho foi muito bem contada por

você. O prato guardou doces que eu nunca provei e nem sabia

que existiam. Cocada-de-fita eu conheço e, inclusive, vendo essa

cocada nas ruas.

Eu sei que não foi você que quebrou o prato, e todos que lerem

a história vão ficar sabendo que você é inocente. Que lance mais

sinistro esse de pendurar o caco da louça quebrada no pescoço

né? A minha mãe leu a história e disse que, na casa da minha vó,

também faziam isso com quem quebrava a louça.

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Tem uma parte onde você diz que ouvia com os olhos, com o

nariz, com a boca a lenda que a tua bisavó contava, e que estava

desenhada no fundo do prato azul-pombinho. Acho que eu

também ouvia as histórias do meu tio assim, e quase viro no

avesso pra ouvir as histórias que a Letícia conta.

Eu queria ser escritor, mas a minha mãe diz que preciso comer

muito pirão de farinha pra conseguir isso. Acho que preciso é

comer muita história legal, tipo esta do prato azul-pombinho, e

ouvir as histórias com olhos, ouvidos e boca que nem você.

Tenho um prato que ganhei de minha madrinha, que é

apanhadora de maçãs nos pomares. Sempre olho o desenho que

tem no fundo desse prato, mas não é desenho de lenda, não. O

fundo dele é de maçãs, e ela deve ter escolhido esse tipo de

fundo porque vive apanhando maçãs.

Ainda bem que a tua bisavó contou a história da princesa Lui

antes de quebrar o prato. A história termina bem, mas o prato não

né? Espero que no céu tenha bastante livros de histórias pra você

ler com olhos, ouvidos e boca e ficar feliz para sempre.

Beijos e abraços de seu amigo e leitor: Luís Ângelo de Oliveira”

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COMENTÁRIOS SOBRE OLHA A COCADA!

"Olha a Cocada é envolvente, emocinante, facinante! E que narrador! Dá vontade de "trocar umas ideias" com ele, sobre Cecília Meireles, Lygia Bojunga, Cora Coralina... Só a sensibilidade de alguém que vivenciou intensamente a relação professor, aluno, escola, sociedade, de ambos os lados, poderia ter dado vida a ele".Minhas reverências. Heliete Millack (http://leituracatarinense.blogspot.com/)

"A tua linguagem é muito fluente, altamente oral e apuradamente despretenciosa (sem nenhum beletrismo), prende o leitor e de certa forma lhe dá a liberdade imensa e gratificante de achar que ele é o autor do livro". Dirce Waltrick do Amarante ( UFSC) ( www.centopeia.net)

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"Ah, Eloí, como teu texto é elegante na imaginativa simplicidade das coisas. Lindo de se ler, de se ouvir, de se degustar. Adorei teu livro, tuas personagens. Quando ele chegou em minha casa, o livro, deixei-o em repouso esperando um momento especial. E... separei-o para a viagem. Vim degustando-o, devagar, ruminando as palavras para que elas rendessem, para que o livro não terminasse. E, ao terminar (q pena!!!!!), em verdade não termina, fica em ecos, latejante de lirismo, beleza, poeticidade, vida do avesso e do direito".Maria Salete Daros de Souza (UNIFEBE)

"Acabei de ler: é doce, delicado e gostoso como uma boa cocada. Recomendo". Georgina Martins

(http://versoeprosa.ning.com/profile)

"É com os olhos rasos d'água que termino a leitura de Olha a Cocada! Obrigado por escrever um livro tão belo". Walther Moreira Santos ( http://wmsbooks.blogspot.com/)

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O diário do menino do Morro da Neblina que vende cocada é puro encantamento". Lícia Brancher ( http://contraponto.tv/produtora.equipe.php)

"Um livro delicioso para se ler em voz alta. Diria mesmo que é um livro oral, muito bem escrito. Leitura prazerosa para pequenos e grandes. Chorei ao "ouvir" a voz das crianças. É comovente e poético". Neusa Maria Delavecchia

"Me encanta a linguagem do livro. O livro voa, a linguagem voa, e as crianças voam através das palavras, pois é com o poder das palavras que elas promovem a superação". Rita Kretzer de Souza

"Um livro que dói e grita. - literário do começo ao fim. Delicado e forte. Adorei!" Fabrício Pegoraro

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"Amei Olha a Cocada! pela verdade da história, pelas nossas cidades ali representadas, pela saída dada aos personagens. Encontrei no livro a essência de Eloí".Helena Maria Werner

"Cada livro que você escreve é melhor. Amei. Disse muito com linguagem refinada e acessível. Você falou do preconceito que domina toda gente, inclusive eu. Ainda tenho alguns preconceitos. Eu também corria na frente das colegas, lá no Uruguai, para que não ouvissem a gritaria do meu pai. É incrível você escrever tudo o que nós sentimos, mas calamos".

Ana Schirley Favero