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  • I CHING O LIVRO DAS

    MUTAES

  • I CHING

    O LIVRO DAS MUTAES

    Traduo do chins para o alemo, introduo e comentrios

    RICHARD WILHELM

    Prefcio

    C. G. Jung

    Introduo edio brasileira

    Gustavo Alberto Corra Pinto

    Traduo para o portugus

    Alayde Mutzenbecher

    e

    Gustavo Alberto Corra Pinto

  • Ttulo original: I Ging - Das Buch der Wandlungen.

    Copyright 1956 Eugen Diederichs Verlag Dsseldorf, Kln.

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrnico ou mecnico, inclusive fotocpias, gravaes ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permisso por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas crticas ou artigos de revistas.

    A Editora Pensamento-Cultrix Ltda. no se responsabiliza por eventuais mudanas ocorridas nos endereos convencionais ou eletrnicos citados neste livro.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    I Ching : o livro das mutaes / traduo do chins para o alemo, introduo e comentrios Richard Wilhelm ; prefcio C. G. Jung ; introduo edio brasileira Gustavo Alberto Corra Pinto ; traduo para o portugus Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corra Pinto. So Paulo : Pensamento, 2006.

    Ttulo original : I Ging : das Buch der Wandlungen 23 reimpr. da 1" ed. de 1984 ISBN 85-315 - O314 - O

    1. Adivinhao 2. I Ching I. Wilhelm, Richard, 1873-1930. II. Jung, Carl Gustav, 1875-1961. III. Pinto, Gustavo Alberto Corra.

    06-7961 CDD-299.51482

    ndices para catlogo sistemtico: 1. I Ching : Livros sagrados chineses 299.51482

    O primeiro nmero esquerda indica a edio, ou reedio, desta obra. A primeira dezena direita indica o ano em que esta edio, ou reedio foi publicada.

    Edio Ano

    23-24-25-26-27-28-29-30 06 - O7 - O8 - O9-10-11-12

    Direitos reservados EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA.

    Rua Dr. Mrio Vicente, 368 - 04270 - O00 - So Paulo, SP Fone: 6166-9000 - Fax: 6166-9008 E-mail: [email protected]

    http://www.pensamento-cultrix.com.br

  • ESQUEMA DE IDENTIFICAO DOS HEXAGRAMAS EM SUA FUNO ORACULAR

    Para compor o hexagrama, basta seguir os dois trigramas que o formam; o ponto de encontro dos mesmos indica o nmero do hexagrama desejado.

    5

  • NDICE DOS HEXAGRAMAS

  • SUMRIO

    Prefcio Edio Brasileira (Gustavo Alberto Corra Pinto) Prefcio Primeira Edio (Richard Wilhelm) 1 Introduo (Richard Wilhelm) 3 Esquema de Identificao dos Hexagramas em sua Funo Oracular 5 ndice dos Hexagramas 6 Prefcio de C. G. Jung 15 Esquema de identificao dos hexagramas ndice dos Hexagramas Capa LIVRO PRIMEIRO: O TEXTO

    Primeira Parte 1. Chien O Criativo 29 2. K'un O Receptivo 33 3. Chun Dificuldade Inicial 37 4. Meng A Insensatez Juvenil 40 5. Hsu A Espera (Nutrio) 43 6. Sung Conflito 45 7. Shih O Exrcito 48 8. Pi Manter-se Unido (Solidariedade) 50 9. HsiaoCh'u O Poder de Domar do Pequeno 53

    10. Lu A Conduta (Trilhar) 56 11. Tai Paz 58 12. Pi Estagnao 61 13. Tung Jn Comunidade com os Homens 63 14. Ta Yu Grandes Posses 66 15. Ch'ien Modstia 68 16. Yu Entusiasmo 71 17. Sui Seguir 74 18. Ku Trabalho Sobre o que se Deteriorou 76 19. Lin Aproximao 78 20. Kuan Contemplao (a Vista) 81 21. Shih Ho Morder 84 22. Pi Graciosidade (Beleza) 87 23. Po Desintegrao 89 24. Fu Retorno (o Ponto de Transio) 91 25. Wu Wang Inocncia (o Inesperado) 94 26. Ta Ch'u O Poder de Domar do Grande 96 27. I As Bordas da Boca (Prover Alimento) 98 28. Ta Kuo Preponderncia do Grande 101 29. K'an O Abismai (gua) 103 30. Li Aderir (Fogo) 106

  • Segunda Parte

    31. Hsien A Influncia (Cortejar) 109 32. Heng Durao 111 33. Tun A Retirada 113 34. Ta Chuang 0 Poder do Grande 116 35. Chin Progresso 118 36. Ming I Obscurecimento da Luz 120 37. Chia Jen A Famlia 122 38. K'uei Oposio 125 39. Chien Obstruo 128 40. Hsieh Liberao 130 41. Sun Diminuio 132 42. I Aumento 135 43. Kuai Irromper (a Determinao) 138 44. Kou Vir ao Encontro 141 45. Ts'ui Reunio 143 46. Shng Ascenso 146 47. K'un Opresso (a Exausto) 148 48. Ching O Poo 151 49. Ko Revoluo 153 50. Ting O Caldeiro 156 51. Chn O Incitar (Comoo, Trovo) 159 52. Kn A Quietude (Montanha) 161 53. Chien Desenvolvimento (Progresso Gradual) 164 54. Kuei Mei A Jovem que se Casa 167 55. Fng Abundncia (Plenitude) 170 56. L O Viajante 172 57. Sun A Suavidade (o Penetrante, Vento) 174

    58. Tui Alegria (Lago) 177 59. Huan Disperso (Dissoluo) 179 60. Chieh Limitao 182 61. Chung h'u Verdade Interior 184 62. Hsiao Kuo A Preponderncia do Pequeno 188 63. Chi Chi Aps a Concluso 191 64. Wei Chi Antes da Concluso 194

    LIVRO SEGUNDO: O MATERIAL

    Introduo 199 Shuo Kua: Discusso dos Trigramas 203

    Capitulo I 203 Capitulo II 205 Capitulo III 210

    Ta Chuan: O Grande Tratado (O Grande Comentrio) 217

  • Primeira Parte

    A. Os Fundamentos I. As Mutaes no Universo e no Livro das Mutaes 217 II. Sobre a Composio e Uso do Livro das Mutaes 222

    B. Argumentos III. Sobre as Palavras Atribudas aos Hexagramas c s Linhas 224 IV. Implicaes mais Profundas do Livro das Mutaes 226 V. O Tao em sua Relao com o Poder Luminoso e com o Poder Obscuro 228 VI. O Tao Aplicado ao Livro das Mutaes 231 VII. Os efeitos do Livro das Mutaes Sobre o Homem 232 VIII. Sobre o Uso das Explicaes Adicionais 233 IX. Sobre o Orculo 236 X. O Qudruplo Uso do Livro das Mutaes 240 XI. Sobre as Varetas de Caule de Mileflio, os Hexagramas e as Linhas 242 XII. Sntese 246

    Segunda Parte I. Sobre os Signos, as Linhas, a Criao e a Ao 249 II. Histria da Civilizao 251 III. Sobre a Estrutura dos Hexagramas 256 IV. Sobre a Natureza dos Trigramas 257 V. Explicao de Determinadas Linhas do Livro das Mutaes 257 VI. Sobre a Natureza do Livro das Mutaes em Geral 261 VII. A Relao de Certos Hexagramas com a Formao do Carter 262 VIII. Sobre o Uso do Livro das Mutaes 264 IX. As Linhas (cont.) 265 X. As Linhas (cont.) 267 XI. O Valor da Cautela como Ensinamento do Livro das Mutaes 267 XII. Sntese 268

    A Estrutura dos Hexagramas 1. Consideraes Gerais 271 2. Os Oito Trigramas e suas Aplicaes 271 3. O Tempo 273 4. As Posies 273 5. O Carter das Linhas 274 6. Relaes das Linhas Entre Si 274 7. As Linhas Diretrizes dos Hexagramas 276

    Sobre a Consulta Oracular 1. O Orculo de Varetas de Caule de Mileflio 276 2. Orculo de Moedas 278

  • LIVRO TERCEIRO: OS COMENTRIOS

    Primeira Parte

    1. Ch'ien O Criativo 283 2. Kun O Receptivo 294 3. Chun Dificuldade Inicial 302 4. Mng Insensatez Juvenil 307 5. Hsu A Espera (Nutrio) 310 6. Sung Conflito 314 7. Shih O Exercito 317 8. Pi Manter-se Unido (Solidariedade) 320 9. Hsiao Chu O Poder de Domar do Pequeno 324

    10. Lu Conduta (Trilhar) 327 11. Tai Paz 331 12. P'i Estagnao 335 13. Tung Jn Comunidade com os Homens 338 14. Ta Yu Grandes Posses 342 15. Ch'ien Modstia 345 16. Yu Entusiasmo 348 17. Sui Seguir 352 18. Ku Trabalho Sobre o que se Deteriorou 355 19. Lin Aproximao 359 20. Kuan Contemplao (a Vista) 362 21. Shih Ho Morder 365 22. Pi Graciosidade (Beleza) 368 23. Po Desintegrao 372 24. Fu Retorno (o Ponto de Transio) 375 25. Wu Wang Inocncia (o Inesperado) 378 26. Ta Chu O Poder de Domar do Grande 382 27. I As Bordas da Boca (Prover Alimento) 385 28. Ta Kuo Preponderncia do Grande 388 29. Kan O Abismai (gua) 392 30. Li Aderir (Fogo) 396

    Segunda Parte

    31. Hsien Influncia (Cortejar) 399 32. Heng Durao 402 33. Tun A Retirada 405 34. Ta Chuang O Poder do Grande 408 35. Chin Progresso 411 36. Ming I Obscurecimento da Luz 414 37. Chia Jen A Famlia 418 38. Kuei Oposio 421 39. Chien Obstruo 425 40. Hsieh Liberao 428

  • 41. Sun Diminuio 431 42. I Aumento 435 43. Kuai Irromper (a Determinao) 440 44. Kou Vir ao Encontro 444 45. Ts'ui Reunio 447 46. Shng Ascenso 451 47. K'un Opresso (a Exausto) 454 48. Ching O Poo 457 49. Ko Revoluo 461 50. Ting O Caldeiro 465 51. Chn O Incitar (Comoo, Trovo) 469 52. Kn A Quietude (Montanha) 472 53. Chien Desenvolvimento (Progresso Gradual) 476 54. Kuei Mei A Jovem que se Casa 480 55. Fng Abundncia (Plenitude) 484 56. L O Viajante 487 57. Sun A Suavidade (o Penetrante, Vento) 491 58. Tui Alegria (Lago) 495 59. Huan Disperso (Dissoluo) 498 60. Chieh Limitao 501 61. Chung Fu Verdade Interior 504 62. Hsiao Kuo A Preponderncia do Pequeno 507 63. Chi Chi Aps a Concluso 511 64. Wei Chi Antes da Concluso 514 As Diversas Partes do Livro das Mutaes 518 Os Hexagramas Dispostos por Casas 519

  • A Editora Pensamento agradece o alto idealismo de Alayde Muizenbecher e de Gustavo Alberto Corra Pinto, cuja dedicao tornou possvel esta edio do I CHING, e Editora Vozes Ltda., por ter-nos permitido reproduzir o prefcio de C. G. Jung.

  • PREFCIO A EDIO BRASILEIRA

    Sobre o conceito de mutaes

    O que hoje conhecemos com o nome de I Ching, o Livro das Mutaes, surgiu no perodo anterior dinastia Chou (1150-249 a.C), com figuras lineares, compostas de linhas inteiras e linhas interrompidas, superpostas em conjuntos de trs e seis linhas, chamados "Kua" (signo). James Legge, em sua traduo do I Ching (The Sacred Books of lhe East, XVI: The Yi King, Oxford, 1882), cunhou os termos "trigrama" e "hexagrama" para designar os Kua compostos por, respectivamente, trs e seis linhas. Esses termos tm sido adotados por vrios estudiosos do I Ching, uma vez que possibilitam a distino dos dois diferentes tipos de Kua. (Na presente traduo, adotamos tambm esses termos.) Nessas figuras lineares, estavam as sementes da cultura, de extraordinria complexidade e riqueza, que, ao longo dos milnios seguintes, viria a se desenvolver na China. A sabedoria contida nos Kua veio a exercer uma influncia decisiva nos rumos futuros da civilizao chinesa. A tradio desses Kua era, at meados da dinastia Chou, identificada com a designao I ( ), um ideograma de origem controvertida e que tem sido traduzido por "mutao". Para a China antiga, o nome de algo era considerado no apenas como um rtulo arbitrariamente atribudo, mas, antes, uma expresso do ser mesmo daquilo que em seu nome se deixa ver, se desvela. Essa concepo ser desenvolvida mais tarde por Confcio, para quem a harmonia do mundo depende da retificao dos nomes. O fato, portanto, de a tradio de sabedoria dos Kua ter sido originalmente designada por "I" da mxima importncia*. A etimologia do ideograma I tem sido objeto de grande discusso. Segundo alguns autores, o ideograma teria sua origem no desenho de um camaleo, significando movimento (em virtude da agilidade dos lagartos) e mutao (em virtude do mimetismo). A parte superior do ideograma ( ) seria resultante de uma estilizao do desenho da cabea, e a parte inferior

    * As designaes "Chou I" e "I Ching" se referem a fases distintas na elaborao dos textos que vieram a acompanhar os Kua. Chou se refere dinastia cujos fundadores, Wn c Chou, redigiram (segundo a tradio) os textos referentes, respectivamente, ao Julgamento e as Linhas. O fato de o "I" ter passado a chamar-se "Chou I" evidencia que, no decorrer da dinastia Chou, o acesso ao significado dos Kua passa a se fazer atravs da Mediao dos textos de Wn e Chou, como tambm demonstra a prevalncia cada vez maior dos textos sobre as figuras lineares. Quando, na fase final da dinastia Chou, o I passa a ser editado como um dos "Clssicos" ("Ching"), inicia-se a leitura dos prprios textos de Wn e Chou atravs das chamadas "Dez Asas", que, em sua maioria, apresentam uma forte influncia da escola confucionista. (A tradio chinesa mantm, desde Ssu-ma Ch'ien, 145-86 a.C, que as Dez Asas so de autoria de Confcio. H. entretanto, vrios indcios que mostram ser essa hiptese discutvel.) "Chou I" e "I Ching" so, portanto, designaes tardias. O ttulo original seria apenas I. Nas prprias Dez Asas, h vrias passagens que se referem s "Mutaes" ("I") para designar a obra.

  • ( ) resultaria do corpo e das patas do camaleo. Outros autores sustentam que o ideograma em questo teria surgido de uma composio do ideograma de "Sol" ( ) na parte superior com o ideograma de "Lua" ( ), estilizado na parte inferior. O sentido de "mutaes" se deveria ento ao constante movimento aparente do Sol e da Lua no cu. Outros elementos importantes para a elucidao do significado do termo podem ser encontrados nessa hiptese. Sem dvida, mutao o fator central da viso de mundo que se consolida na China no perodo imediatamente anterior dinastia Chou. A observao do mundo em torno de si e a observao do mundo em seu prprio interior levaram o homem chins constatao de um fluir contnuo do qual nada escapa. , porm, necessrio atentar-se ao fato de que, assim como no conceito budista de anicca (impermanncia), essa mutao no era concebida corno incidindo sobre seres ou objetos sofrendo modificaes. No h o que mude, no h quem mude, pois s h o mudar. Supor que algo ou algum muda supor esse algo ou algum fora da mutao, sofrendo-lhe ento a ao. Ante a universalidade e onipresena da mutao, no se pode propriamente falar de algo ou algum que muda. M que se compreender, isto sim, os modos e estgios da mutao e, para tanto, cunharam-se os Kua, que a tradio chinesa atribui a Fu Hsi, o ser mtico em quem teve origem todo o mundo chins.

    Analisando-se a mutao, verifica-se que ela prpria invarivel. Sendo onipresente e absoluta,a mutao imutvel. Por isso, I significa mutao e no-mutao.

    H ainda um terceiro significado, que equivaleria, aproximadamente, a "fcil e simples". No fundo da complexidade aparente do universo, jaz oculta uma "simplicidade". Ela consiste nas tendncias opostas e complementares em que sempre oscila a mutao. Atividade e repouso, movimento e inrcia, ascenso e declnio so os eternos e mesmos caminhos que sempre o irrepetvel percorre. Muda constantemente a natureza, porm sempre ao longo das mesmas estaes. Nunca as mesmas flores, mas sempre a primavera. Os fenmenos so incontveis e distintos uns dos outros, porm regidos, em suas tendncias de mudana, pelos mesmos e constantes princpios. Apreendendo-os, descobre-se o simples por detrs do complexo, o que implica tambm no fcil, que a trajetria c o percurso de tudo o que acompanha o ciclo cm vigncia. Fluindo em acordo com as circunstncias, evita-se o atrito, escapa-se ao desgaste. O caminho do fcil duradouro e espontneo, pois no exige esforo. Assim como a gua descendo a montanha, diante de nada recua, diante de nada insiste; mergulha, desvia, contorna, adapta-se sem resistncia e chega, pois, infalivelmente ao que lhe corresponde.

    Mutao, no-mutao, fcil e simples, so, portanto, aspectos de um s todo, o conceito de "I"; ele expressa de forma completa e perfeita o conjunto das sessenta e quatro estruturas lineares, os hexagramas.

    Mas, ao raiar da dinastia Chou, essas estruturas deviam estar se tornando obscuras, pois textos foram acrescentados, no intuito de se indicar, atravs de palavras, o significado que antes os prprios Kua transmitiam. A tradio atribui esses textos ao rei Wn (Julgamento) e ao duque de Chou (Linhas), com quem a dinastia Chou principia. Esses textos passaram a acompanhar os Kua e, com o tempo, a tradio das "Mutaes" ("I") passou a ser designada "Chou I", uma referncia dinastia cujo incio coincide com a redao dos textos, os quais, cada vez mais, catalisaram a ateno em virtude do crescente velamento dos prprios Kua. Mas o significado desses mesmos textos, sculos mais tarde, comearia a velar-se, exigindo novos adendos explicativos e, no VI sculo a.C, surgem as chamadas "Dez Asas". A tradio atribui as Dez Asas a Confcio. Apesar de ser questionvel se Confcio teria, ele prprio, redigido todas ou mesmo alguma das Dez Asas, indubitvel a forte influncia de seu pensamento em grande parte delas. Sem Confcio talvez no se

  • pudesse conceber a maioria das asas. Pelo menos como fonte bsica de inspirao, a ele que esses textos remontam. Consta que o Chou I foi includo por Confcio em sua edio dos "Clssicos" ("Ching"). Assim, a tradio das "Mutaes" veio a se tornar conhecida como o I Ching, o Livro (ou Clssico) das Mutaes.

    O fato de se ter acrescido, inicialmente, a indicao dos primrdios da dinastia Chou ao ideograma I mostra que o acesso ao I j no se fazia mais diretamente, como fora antes, mas recorria-se mediao dos textos de Wn e Chou. Quando se passa a designar o "I" como "Ching", evidencia-se o obscurecimento da via anterior e o recurso aos comentrios (Dez Asas), que procuraram esclarecer os comentrios (Julgamento e Linhas), que, por sua vez, procuraram esclarecer o original, os Kua. O "I" , portanto, um livro sem palavras, que fala na eloqncia silenciosa de suas figuras lineares.

    Disse um mestre zen que: "O dedo serve para apontar a Lua; o sbio olha para a Lua, o ignorante para o dedo." Os textos todos que foram acrescidos ao verdadeiro original as figuras lineares - so teis e preciosos, mas somente quando no se permanece neles.

    Sobre o uso oracular do Livro das Mutaes

    O Livro das Mutaes tem sido utilizado como orculo desde a Antigidade. Ao longo da Histria da China, pode-se notar que alguns perodos tm dado menor ou maior nfase a esse aspecto, como ocorreu no VI sculo a.C. e durante a dinastia Han, respectivamente. No Ocidente, seu uso oracular tem despertado um interesse e fascnio excessivos. Lamentavelmente, toda sorte de abusos e erros tem se acumulado, em virtude dessa viso parcial e distorcida. O I Ching no apenas (nem primordialmente) um orculo. Ele tambm um orculo. E essa sua faceta 6, inclusive, quase irrelevante se confrontada com a riqueza da sabedoria contida nos Kua. O uso oracular do livro corresponde apenas a uma fase, digamos, primria, quando ainda no sabemos aplicar por ns mesmos, s nossas vidas, os princpios desvelados pelas figuras lineares, por no conseguirmos enxergar as correspondncias existentes entre os Kua e todos os fenmenos. O aspecto oracular apenas uma nota dentro do vasto complexo meldico do intrito ao I Ching. Mas, ainda assim, uma nota e como tal no deve ser ignorada, tanto quanto no deve ser exclusivamente considerada. Wilhelm, em seu Apndice sobre o orculo, explica como se procede consulta (cf. Livro Terceiro), mas no se detm o suficiente num ponto que de importncia capital, a saber, formulao da pergunta, e quase no menciona outro, o ritual.

    A formulao da pergunta tem um papel decisivo no xito ou no fracasso da consulta (no sentido da compreenso ou no da resposta obtida). O orculo, segundo a tradio chinesa, nunca falha. Suas respostas so sempre claras e precisas; porm o nosso entendimento , muitas vezes, turvo e confuso. O orculo sempre mostra o que ; ns, entretanto, muitas vezes no conseguimos ver o que ele nos mostra, pois no queremos ou no sabemos ver. Todas as barreiras e obstculos compreenso da resposta esto em ns e no no orculo. Enquanto manifestao do inconsciente, o orculo usa a linguagem simblica, que prpria daquele, e no o discurso racionalizado que o consciente habitualmente articula. Para que o significado se aclare, teremos de aprender o modo de concatenao dessas imagens simblicas, ao invs de insistirmos em tentar decodific-las segundo padres que lhes so estranhos.

    A primeira grande dificuldade que enfrentamos saber com clareza e preciso o que buscamos. S quem sabe o que procura pode encontrar. Na formulao da pergunta, explicitamos para ns mesmos o que estamos buscando. A pergunta

  • incorretamente formulada revela uma imperfeita compreenso do que procuramos saber, o que, por si s, j dificulta ou mesmo impossibilita que o reconheamos. Mas o que uma pergunta correta? Ela se caracteriza por sua inteno e por sua forma. A inteno correta consiste na adequao ao propsito e finalidade do prprio orculo, ou seja, auxiliar o homem na busca da verdade, na busca de si mesmo, j que em si que ele h de encontr-la. A consulta oracular, no sentido exato da expresso, no outra coisa seno a busca do que , na transcendncia do que parece ser. A pergunta que busca o que , que procura o real para alm do aparente, possui a reta inteno. Ora, o eu, a personalidade consciente de si enquanto individualidade isolada, em ns apenas uma aparncia transitria. Tudo, portanto, o que diz respeito aos propsitos, interesses, ambies ou anseios do eu, no passa de fugaz iluso, no seno o que deve ser superado. O orculo possui uma completa autonomia; no est a nosso servio nem se submete a nossos caprichos e desejos. pergunta impertinente ele se recusar a responder (cf. Hexagrama 4, Insensatez Juvenil) ou, ento, tematizar a ignorncia e a iluso que motivaram a pergunta, incitando sua superao. O orculo no uma mquina de informaes, mas um ser vivo, que encerra a suprema sabedoria e compaixo. Aproximarmo-nos dele requer humildade, sinceridade e ardor. S sabiamente caminhando se pode chegar sabedoria. Ela seu prprio requisito. a sabedoria que nos conduz sabedoria. Realiz-la possvel, to-somente porque j a possumos, desde todo sempre, em ns mesmos.

    Ao lado da inteno correta, supe-se a forma correta. Isso significa estarmos aptos a dar expresso de modo claro, inequvoco, sinttico e preciso ao que procuramos. A pergunta formulada de modo ambguo ou vago evidencia uma viso turva e confusa do que se busca, e resulta na incapacidade de se reconhecer aquilo que no se sabe ser o objeto da busca. Uma pergunta no deve, tambm, ter mais de um significado visado. Se, numa questo, esto envolvidos dois ou mais temas, deve-se subdividi-la em tantas perguntas quantos forem os ncleos de significado intencionados. Assim, cada pergunta deve indagar por uma nica coisa. O carter sinttico da formulao tambm muito importante. Na concepo chinesa, o que de fato se sabe deve-se poder expressar em poucas palavras. Quando se precisa falar muito para se dizer algo, porque ou o saber ainda no alcanou sua plena maturidade, ou se est dissimulando, o que significa que se est procurando evitar que se faa o saber. A dissimulao a ignorncia que procura perpetuar a ignorncia. "A sabedoria de um pensador se mede pela sua capacidade de dar um exemplo", diz a mxima chinesa. O exemplo uma sntese simblica de toda uma idia ou mesmo de um complexo de idias. Antes da consulta ao orculo, a pergunta deve ser lapidada, cada aresta de impreciso aparada, at que se chegue ao ponto em que s o ncleo essencial brilhe, claro e solitrio. Ento, sabendo o que buscamos, livres dos embaraos de aspectos secundrios ou irrelevantes, podemos dar incio fase seguinte, o processo de obteno da resposta segundo o mtodo tradicional de diviso de cinqenta varetas, conforme os procedimentos descritos por Wilhelm no Apndice sobre o orculo e explicados tambm no Livro Segundo (Ta Chuan, O Grande Tratado, Primeira Parte, Captulo X). Quanto ao mtodo de consulta por meio de jogo de moedas, sua nica suposta vantagem (a economia de tempo) revela-se, na verdade, uma sria desvantagem, quando se leva em considerao certos mecanismos psicolgicos envolvidos no processo oracular. O mtodo de varetas requer, para cada consulta, em torno de meia hora. Durante esse tempo, repete-se um processo j estabelecido de diviso sistemtica das varetas em conjuntos e subconjuntos, que, no entanto, exige uma constante ateno, pois qualquer lapso pode pr a perder a ordem dos procedimentos necessrios. Com isso, a ateno se fixa sobre os dados

  • imediatos e afasta temporariamente a influncia dispersiva do eu, com suas expectativas e memrias, com seus desejos e repulsas. Durante esses momentos, a mente tende a se afastar de seu centramento no arbtrio consciente e se torna mais disponvel ao que lhe sugerido do inconsciente, pelo prprio inconsciente, atravs do texto. O "salto" quase instantneo sobre a resposta que o processo de lanamento das moedas provoca resulta, portanto, num despreparo, que ser pernicioso ao trabalho de interpretao. A voracidade imediatista que busca apressar a obteno da resposta demonstra uma imaturidade inadequada ao dilogo oracular. A pressa afastar de ns aquilo pelo que no soubemos esperar. Quanto ao fato de ser o mtodo de moedas mais fcil de executar que o sistema de diviso de varetas, lembremos o seguinte: se recuarmos j diante de um processo mecnico to simples, como poderemos enfrentar as complexidades de um texto denso e, mais ainda, de to sutis e difceis correspondncias no plano interno? Se o mero processo mecnico da consulta por meio das varetas lhe parece demasiado difcil, melhor deixar o orculo de lado, pois o que h adiante muitas vezes mais rduo, e exige, isto sim, pacincia, perseverana, coragem e disposio inabalveis para enfrentar uma investigao longa e trabalhosa.

    Quanto ao ritual que tradicionalmente cercava a prtica oracular na China, deve-se ter em mente que o processo de consulta nada tem de mgico. O ritual tinha uma funo psicolgica e se inseria na tendncia chinesa de abordar ritualisticamente as atividades quotidianas.

    Um conjunto de hbitos ligados prtica oracular e ao manuseio do I Ching faz parte desse contexto. Por exemplo, usava-se sempre um corte de seda virgem para envolver o livro e uma caixa de madeira (que, tambm, jamais tivesse servido a outra finalidade), para acondicionar as varetas. Assim, expressava-se o respeito e reverncia para com o orculo enquanto meio de expresso do inconsciente, do que h de mais verdadeiro, puro e essencial em ns. Por outro lado, o livro nunca era guardado a uma altura superior de seu dono, numa advertncia contra a idolatria, que obscureceria o fato simples de que quem responde no seno quem pergunta. Toda a diferena est no carter sempre perifrico do aspecto que pergunta e no carter central do que responde.

    O consulente sentava-se sempre voltado para o sul, a regio do Sol, da luz (Li, o trigrama do fogo, est situado ao sul, no arranjo do Cu Posterior), tal como o faziam os governantes quando concediam audincias. A posio externa simbolizava a atitude interna. Voltar-se para a luz significa voltar-se para o que permite ver e entender.

    O incenso era usado durante a consulta, assim como em grande parte dos demais ritos. Era considerado elemento purificador, bem como representava a perseverana, pela constncia com que queima. Antes de iniciar o processo de diviso das varetas, o consulente curvava-se trs vezes e, tomando as cinqenta varetas em sua mo direita, passava-as trs vezes pela fumaa do incenso, em movimento circular, no sentido horrio.

    Todo esse ritual , entretanto, perfeitamente prescindvel, sem que isso altere a preciso da resposta. Seu efeito seria no mbito interno, no consulente. Tambm, por isso, antes da consulta, era costume dedicar algum tempo prtica da meditao. Dentro de um contexto cultural to diverso como o que nos encontramos, talvez vrios aspectos desse rito antigo no signifiquem para ns mais que simples exotismo. Se assim for, o melhor deix-los de lado, preservando apenas o que possuir um real significado e ressonncia interior.

  • Sobre a presente traduo

    A traduo que est agora sendo apresentada ao pblico de lngua portuguesa surgiu da iniciativa de Alayde Mutzenbecher junto Editora Pensamento, em 1979. Alayde, que fora minha aluna em cursos sobre I Ching, na Universidade Cndido Mendes, props, aps os contatos com a Editora Pensamento, que trabalhssemos juntos na traduo. Teve incio ento uma jornada que consumiria mais de trs anos. Decidimos que Alayde faria primeiramente uma verso, tanto quanto possvel literal, do alemo para o portugus. Nessa verso, as inmeras dificuldades afluiriam, tanto na busca de uma equivalncia para certas expresses, como tambm na determinao de um especfico sentido entre os vrios possveis. Nessa etapa, o texto passava s minhas mos. Foram tambm consultadas as tradues inglesa, francesa, argentina e chilena do texto de Wilhelm. Dentre essas tradues, a verso inglesa de Cary F. Baynes, que contou com a reviso de Helmult Wilhelm, requeria especial ateno. A colaborao de Helmut Wilhelm possibilitou a correo de alguns pequenos lapsos existentes no texto alemo, assim como a elucidao de certas passagens mais obscuras. A reviso de Helmut Wilhelm se fez, inclusive, numa poca em que novas pesquisas sobre o I Ching traziam luz dados inexistentes na poca em que o trabalho de seu pai se realizou.

    Ao leitor que estiver tomando um primeiro contato com o I Ching, julguei serem teis alguns esclarecimentos em certas passagens. Para tanto, acrescentei notas, que esto identificadas como relativas traduo brasileira o que as distingue, sem risco de dvida, das notas do texto original.

    Tal como na traduo inglesa, mantivemos a transcrio dos termos chineses de acordo com o sistema Wade, geralmente adotado nos estudos de sinologia.

    Quando o texto parecia ter alcanado seu perfil definitivo, uma nova reviso teve lugar, outra vez com a colaborao de Alayde, que acompanhava, com o texto em alemo, a leitura do texto em portugus. As passagens mais problemticas eram anotadas e revistas. Nessas diversas etapas, inmeras pessoas contriburam com sugestes, revises, consultas, de modo que, na realidade, o trabalho de traduo consistiu num esforo conjunto e no na obra isolada de dois indivduos. A ajuda de todos possibilitou a concluso do presente texto. Agradecer-lhes, nunca se poderia fazer o bastante, e, creio, seria desnecessrio, pois, para todos ns, esteve sempre claro que o trabalho, sem dvida exaustivo, era tambm uma oportunidade rara e afortunada de intenso convvio com to extraordinrio acervo de sabedoria. Quanto aos mritos que na presente traduo se possam encontrar, devem-se, sem dvida, s contribuies de todos os que junto conosco trabalharam. Quanto aos erros que nela subsistem, estes devo assumir pessoal e solitariamente, pois a mim coube a pesada e difcil responsabilidade da palavra final. Procurei de todos os modos evit-los; nisso coloquei o mais srio empenho, a mais completa dedicao. No poderia faz-lo diferente, pois quem ama no sabe negar esforos em favor do que ama. Ao final, resta-me apenas a certeza de que fiz tudo o que me foi possvel.

    Aos que estiverem lendo o I Ching pela primeira vez, gostaria de dizer que no se deixem esmorecer diante do que lhes parea demasiado obscuro. H de aclarar-se, pois no h noite que dure para sempre. nesse esforo que se pode aprender a virtude da perseverana, to enfatizada no Livro das Mutaes.

    Ao relermos o I Ching, necessrio e recomendvel que estejamos atentos ao perigo do que julgamos demasiado claro. Os dias tambm findam e o destino de todo saber conduzir-nos ao no-saber. S nesse cuidado poderemos cultivar a virtude da modstia, ressaltada no Hexagrama 15. O estudo do I Ching um trabalho constante, no qual, mais que um acmulo de conhecimento, se processa uma

  • crescente conscientizao do ignorado. Ao primeiro ano de estudo, em geral julgamos que estamos sabendo muito mais do que antes. Ao dcimo ano, em geral descobrimos que desconhecemos o livro muito mais do que julgvamos. Ao incio do estudo, procuramos o significado do I Ching atravs dos textos; a seguir, atravs dos Kua e, finalmente, na prpria vida, da qual surgiram os Kua, dos quais surgiram as palavras. O caminho deve reencontrar o ponto de partida e descobrir que no prprio caminhar tudo se modificou. Que a presente traduo possa tornar acessvel, ao maior nmero de pessoas, o ponto de partida deste extraordinrio caminho sem fim, e que o legado do passado possa assim ser transmitido para o futuro.

    Gustavo Alberto Corra Pinto

    Lhassa, 5 de junho de 1982

  • PREFACIO PRIMEIRA EDIO

    Esta traduo do Livro das Mutaes teve incio h quase dez anos. Quando, depois da revoluo chinesa, Tsingtao tornou-se a residncia de vrios dos mais importantes eruditos chineses da Velha Escola, encontrei entre eles o meu estimado professor Lao Nai Suan, a quem devo no s um aprofundamento no estudo do Ta Hsueh, do Chung Yung, da obra de Mencius, como tambm a primeira abertura s maravilhas do Livro das Mutaes. Fascinado, percorri, sob sua orientao, esse mundo estranho e, no entanto, to familiar. A traduo era feita depois de detalhado comentrio do texto. Do alemo traduziu-se novamente para o chins, e s aceitvamos a traduo depois de recriado o sentido total do texto. Em meio a esse trabalho eclodiu o horror da Primeira Guerra Mundial. Os eruditos chineses dispersaram-se, e o Sr. Lao viajou para Kufu, terra natal de Confcio, de cuja famlia era aparentado.

    Interrompeu-se, ento, a traduo do livro, embora meu estudo da antiga sabedoria chinesa no tenha falhado um s dia, mesmo quando trabalhava na Cruz Vermelha chinesa, que dirigi na ocasio do cerco de Tsingtao. Coincidncia curiosa: no acampamento, nos arredores da cidade, o general japons Kamio, comandante do ataque, lia, nos seus momentos de descanso, a obra de Mencius, ao mesmo tempo que eu, um alemo, em minhas horas livres, mergulhava na sabedoria chinesa. O mais feliz de todos, entretanto, era um velho chins, to absorto em seus livros sagrados, que nem uma granada cada a seu lado conseguiu tir-lo de sua tranqilidade. Ao estender a mo para apanh-la, pois a granada no havia detonado, recuou rpido ao verificar que ela estava demasiado quente, e retornou a seus livros.

    Tsingtao foi conquistada. Apesar de vrios outros trabalhos, consegui algum tempo para dedicar-me tarefa da traduo, porm o mestre em cuja companhia o trabalho havia comeado estava longe e era-me impossvel deixar Tsingtao. Foi, por isso, uma grande alegria quando, no meio de minhas perplexidades, recebi uma carta do Sr. Lao, comunicando-me que estava pronto para retomarmos nossos estudos interrompidos. Ele chegou, e finalmente foi terminada a traduo. Foram momentos maravilhosos de enriquecimento interior os que ento vivi com o velho mestre. Quando a traduo estava completa em suas linhas gerais, o destino chamou-me de volta Alemanha; ao mesmo tempo o velho mestre despedia-se deste mundo.

    HABENT SUA FATA LIBELLI Na Alemanha, quando aparentemente to distanciado da Antiga Sabedoria Chinesa, muitas palavras de orientao vieram deste misterioso livro, encontrando em mim, vez ou outra, um solo frtil. Foi, portanto, uma agradvel surpresa descobrir na casa de um amigo, em Friedenau, uma bela edio do Livro das Mutaes, que eu tanto procurara em vo, em Pequim. Esse amigo demonstrou uma verdadeira amizade, e transformou esse encontro feliz numa posse permanente. Desde ento o livro me tem acompanhado em muitas viagens, tendo percorrido comigo metade do globo.

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  • Voltei China. Novas tarefas me chamavam. Em Pequim um mundo inteiramente novo se abria, com outras pessoas e outros centros de interesse. Ali novamente por diversos caminhos nos veio ajuda e, finalmente, num dia quente de vero, o trabalho foi concludo. Refeito por diversas vezes, o texto afinal tomou uma forma que, mesmo estando longe de responder a meus anseios, d-me a sensao de poder public-lo. Possa o leitor encontrar na verdadeira sabedoria a mesma alegria que tive ao trabalhar nesta traduo.

    PEQUIM, VERO DE 1923 RICHARD WILHELM

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  • INTRODUO

    O Livro das Mutaes - I Ching em chins - , sem dvida, uma das mais importantes obras da literatura mundial. Sua origem remonta a uma antigidade mtica, tendo atrado a ateno dos mais eminentes eruditos chineses at os nossos dias. Tudo o que existiu de grandioso e significativo nos trs mil anos de histria cultural da China ou inspirou-se nesse livro ou exerceu alguma influncia na exegese do seu texto. Assim, pode-se afirmar com segurana que uma sabedoria amadurecida ao longo de sculos compe o I Ching. No , pois, de estranhar que essas duas vertentes da filosofia chinesa, o Confucionismo e o Taosmo, tenham suas razes comuns aqui. Esse livro lana uma nova luz em muitos segredos ocultos no modo de pensar tantas vezes enigmtico desse sbio misterioso, Lao-tse e seus discpulos. O mesmo ocorre em relao a muitas idias que surgem na tradio confucionista como axiomas aceitos sem serem devidamente examinados.

    Na realidade, no apenas a filosofia da China mas tambm sua cincia e arte de governar sempre buscaram inspirao na fonte de sabedoria encontrada no I Ching, no sendo, por isso, motivo para surpresa que apenas este dentre todos os clssicos confucionistas tenha escapado grande queima de livros ocorrida no perodo de Ch'in Shih Huang Ti. Mesmo os aspectos mais simples da vida cotidiana da China esto embebidos de sua influncia. Quando se percorre as ruas de uma cidade chinesa, encontra-se aqui e acol, numa esquina qualquer, um adivinho sentado diante de uma mesa coberta com um fino tecido, tendo mo um pincel e uma pequenina tbua, pronto a extrair do antigo livro de sabedoria conselhos e informaes relativos s dificuldades da vida diria. No apenas isso; at mesmo os letreiros que ornamentam as casas, painis verticais de madeira com pintura em ouro ou laa negra, trazem inscries cujo estilo floreado reporta sempre a pensamentos ou citaes do I Ching. Mesmo os dirigentes polticos de uma nao modernizada como o Japo, famosos por sua astcia, no desprezam o recurso aos seus conselhos quando confrontados com situaes difceis.

    No curso do tempo, em virtude do grande prestgio de que gozava o Livro das Mutaes como expresso de sabedoria, inmeras doutrinas ocultas - algumas inclusive de correntes no chinesas vieram a se ligar aos seus ensinamentos. No perodo das dinastias Ch'in e Han surge a tendncia formalista da Filosofia Natural que procurava abarcar, com um sistema de smbolos numricos, todo o mbito do pensar. Quando foram reunidas a doutrina dualista do yin-yang, com sua elaborao rigorosa, e a doutrina dos "cinco estados da mutao", extrada do Livro da Histria, a Filosofia Chinesa passou a tender a um formalismo cada vez mais rgido. Assim, especulaes cabalsticas as mais abstrusas vieram a envolver o Livro das Mutaes numa nvoa de mistrio. Tudo do passado e do futuro foi sendo enquadrado nesse sistema

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  • numrico tendo ento o I Ching adquirido a reputao de livro de insondvel profundidade. E tambm por culpa dessas especulaes que as sementes da cincia natural chinesa, que, sem duvida, existiam no perodo de Mo Ti e seus discpulos, vieram a desaparecer, sendo substitudas por uma tradio estril de leitura e escrita, sem qualquer vnculo com a experincia vivncia!. Por esse motivo a China veio a apresentar ao Ocidente, durante um longo perodo, uma imagem de estagnao sem esperanas.

    Porm, no se pode esquecer que, paralelamente a essa numerologia de carter mstico e mecanicista, uma fonte viva de profunda sabedoria humana flua sempre, atravs do canal desse livro, para a vida cotidiana da China. Foi isso que possibilitou a maturao da sabedoria milenar que hoje, com certa melancolia, admiramos no remanescente dessa ltima cultura autctone.

    O que , atualmente, o Livro das Mutaes? Para que se possa chegar a uma compreenso do livro e seus ensinamentos necessrio afastar o denso emaranhado de interpretaes que trouxeram toda sorte de idias estranhas. Isso indispensvel, quer se esteja lidando com as supersties e mistrios dos antigos magos chineses, quer se trate das teorias no menos supersticiosas dos modernos especialistas europeus que tentam aplicar interpretaes oriundas de suas experincias com selvagens primitivos a todas as culturas histricas.1 necessrio tomar como princpio que o Livro das Mutaes deve ser explicado luz de seu prprio contedo e do perodo ao qual pertence. Com isso, a escurido perceptivelmente reduzida, podendo-se ver, ento, que esta obra, apesar de sua grande profundidade, no oferece dificuldade maior compreenso que qualquer outro livro que tenha atravessado to longa histria at chegar aos nossos dias.

    I. O USO DO LIVRO DAS MUTAES

    O Livro dos Orculos

    No incio, o Livro das Mutaes consistia numa coleo de signos usados como orculos.2 Na antigidade, em toda parte usavam-se orculos. Os mais antigos restringiam-se s respostas "sim" e "no". Essa forma de expresso oracular foi tambm a base do Livro das Mutaes. "Sim" era indicado por uma linha simples, inteira ( _______ ), e "No", por uma linha partida ( ____ ____ ). Entretanto, j muito cedo parece que se percebeu a necessidade de uma diferenciao maior e as linhas, antes isoladas, foram combinadas em pares:

    A cada uma dessa combinaes adicionou-se uma terceira linha. Assim surgiram

    1 necessrio mencionar, como curiosidade, a tentativa grotesca e amadorstica do Rev. Canon McCIatchie, M. A., de aplicar a chave de uma "mitologia comparativa" ao I Ching. Seu livro foi publicado em 1876 com o ttulo "A translation of the Confucian Yi King or the Classic of Changes, with Notes and Appendix". 2 Como ser demonstrado a seguir, o Livro das Mutaes no era um lxico, como julgam alguns autores.

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  • os oito trigramas. 3 Esses oito trigramas foram concebidos como imagens de tudo o que ocorre no cu e na terra. Sustentava-se tambm que eles sempre se acham num estado de contnua transio, passando de um a outro, assim como uma transio sempre est ocorrendo, no mundo fsico, de um fenmeno para outro. Aqui se tem o conceito fundamental do Livro das Mutaes. Os oito trigramas so smbolos que representam mutveis estados de transio. So imagens que esto em constante mutao. Focalizam-se no as coisas, em seus estados de ser como acontece no Ocidente -, mas os seus movimentos de mutao. Os oito trigramas, portanto, no so representaes das coisas enquanto tais, mas de suas tendncias de movimento.

    Essas oito imagens vieram a adquirir mltiplos significados. Representavam certos processos na natureza, correspondentes s suas prprias caractersticas. Representavam, ainda, uma famlia, composta de pai, me, trs filhos, no no sentido mitolgico em que os deuses gregos povoavam o Olimpo, mas no que poderia ser chamado de sentido abstrato, ou seja, expressando no entidades objetivas, mas funes.

    Considerando-se rapidamente estes oito smbolos que formam as bases do Livro das Mutaes chega-se seguinte classificao:

    Nome Atributo Imagem Funo Familiar

    Chi'ien, o Criativo Forte Cu Pai

    K'un, o Receptivo Abnegado Terra Me malevel

    Che-n, o Incitar Provoca o Trovo Filho mais velho movimento Primeiro filho

    K'an, o Abismai Perigoso gua Filho do meio Segundo filho

    Kn, a Quietude Repouso Montanha Filho mais moo Terceiro filho

    Sun, a Suavidade Penetrante Vento, Filha mais velha madeira Primeira filha

    Li, o Aderir Luminoso Fogo Filha do meio Segunda filha

    Tui, a Alegria Jovial Lago Filha mais moa Terceira filha

    3 As estruturas formadas por trs linhas, assim como as formadas por seis linhas, so ambas denominadas em chins "Kua". Esse termo foi traduzido por Wilhelm como "Zeichen", "signo". Deu-se preferncia, num caso e noutro, aos termos "trigrama" e "hexagrama", usados por James Legge em 'The Yi King", uma vez que, assim, evita-se uma problemtica ambigidade. A traduo inglesa, a traduo chilena e a traduo francesa adotaram esse mesmo procedimento. (Nota da traduo brasileira.)

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  • Os filhos representam o princpio do movimento em seus vrios estgios o inicio do movimento, o perigo no movimento, o repouso e fim do movimento. As filhas representam a devoo em suas vrias etapas a suave penetrao, a clareza e adaptabilidade e, por fim, a alegre tranqilidade.

    De modo a abranger uma multiplicidade ainda maior, essas oito imagens, numa data muito remota, foram combinadas uma com as outras, quando ento se obteve um total de 64 signos. Cada um desses signos consiste de seis linhas positivas ou negativas. Cada linha considerada como sendo passvel de mudana, e sempre que uma linha muda toda a situao representada pelo hexagrama muda tambm. Tomemos, por exemplo, o hexagrama K'un, RECEPTIVO, terra:

    Ele representa o trovo, o movimento que volta a agitar-se no interior da terra, na poca do solstcio. Simboliza o retorno da luz.

    Como esses exemplos demonstram, nem todas as linhas de um hexagrama mudam necessariamente. Isso depende por completo do carter de uma dada linha. Uma linha cuja natureza positiva,4 com um aumento de seu dinamismo transforma-se no oposto, numa linha negativa, enquanto que uma linha positiva de menor fora no sofre essa mudana. O mesmo princpio se aplica s linhas negativas.

    Informaes mais detalhadas sobre essas linhas que se encontram to intensamente carregadas de energia positiva ou negativa que tendem a mudar - sero encontradas no Livro Segundo no Grande Tratado (parte I, captulo IX) e na seo especial sobre o uso do orculo, ao final do Livro Terceiro. Ser suficiente, por enquanto, dizer-se que linhas positivas mveis so designadas pelo nmero 9 e linhas negativas mveis, pelo nmero 6. As linhas que no so mveis funcionam apenas como material de estruturao do hexagrama, sem um significado intrnseco seu, e so representadas pelos nmeros 7 (positivas) e 8 (negativas). Assim, quando no texto se l "Nove na primeira posio significa..." equivale a dizer "Quando a linha positiva na primeira posio representada por um nove, tem o seguinte significado...". Se, por outro lado, a linha for representada pelo nmero 7, no deve ser considerada ao se interpretar o orculo. O mesmo princpio se aplica s linhas representadas pelos nmeros 6 e 8, respectivamente.

    Pode-se obter o hexagrama antes mencionado - K'un, O RECEPTIVO - da seguinte forma:s

    4 Positivo ou negativo aqui no tem qualquer carter qualitativo em termos de bom e mau.

    Representam apenas as tendncias de movimento e repouso do Criativo e do Receptivo que, mais tarde, viriam a inspirar as noes do yang e yin. (Nota da traduo brasileira.)

    5 Como ser visto na nota n 6 do Livro Primeiro, todo hexagrama considerado como iniciando-se em baixo e concluindo-se no alto. Por isso, a primeira linha a linha inferior. (Nota da traduo brasileira.)

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    Ele representa a natureza da terra, a abnegao poderosa. Quanto s estaes, corresponde ao final do outono, quando todas as foras da vida encontram-se em repouso. Se a linha inferior muda, surge o hexagrama Fu, RETORNO:

  • 8 na sexta posio 8 na quinta posio 8 na quarta posio 8 na terceira posio 8 na segunda posio 6 na primeira posio

    Assim sendo, as cinco linhas superiores no so consideradas na interpretao. Assim, o seis na primeira posio tem um significado independente e, em virtude de sua mudana para a condio contrria, a situao de K'un, O RECEPTIVO,

    torna-se a situao de Fu, RETORNO:

    Desse modo tem-se uma srie de situaes simbolizadas pelas linhas enquanto

    que pela mudana dessas linhas as situaes mudam umas para as outras. Por outro lado, essa mudana no obrigatria pois quando um hexagrama se compe apenas de linhas representadas pelos nmeros 7 e 8 no h mudana em seu interior e s se considera seu aspecto global.

    Alm da lei da mutao e das imagens dos estados de mutao apresentados pelos sessenta e quatro hexagramas, outro fator a ser considerado o curso da ao. Cada situao exige uma forma de ao que lhe seja adequada. Em cada situao h um caminho de ao cujo curso correto e outro cujo curso errado. E claro que o curso correto traz boa fortuna e o errado, infortnio. Qual, ento, o caminho correto em cada caso dado? Esta questo era o fator decisivo e graas a ela o I Ching transcendeu a condio de um livro comum de adivinhao. Se um adivinho ao ler cartas diz sua cliente que, dentro de uma semana, ela receber uma carta com dinheiro da Amrica, no h nada que essa mulher possa fazer seno esperar que a carta chegue, ou no chegue. Nesse caso, o que se prev a sorte, que em muito independe do que o indivduo possa fazer ou no. Por isso a previso da sorte carece de importncia moral. Quando, um dia, pela primeira vez na China, algum ao receber uma previso sobre o futuro no deixou que a questo parasse nesse ponto mas se perguntou "o que devo fazer?", o livro divinatrio tornou-se livro de sabedoria.

    Estava reservado ao Rei Wen, que viveu em torno de 1150 a.C, e a seu filho, Duque de Chou, que realizassem essa mudana.6 Eles dotaram os hexagramas e as linhas, at ento mudos, dos quais o futuro era previsto em cada caso como um assunto individual, de conselhos preciosos quanto conduta correta. Assim, o indivduo vem a tornar-se co-autor de seu destino, uma vez que suas aes intervm como fatores determinantes dos acontecimentos do mundo, e o fazem, de maneira ainda mais decisiva, quanto mais cedo, com a ajuda do Livro das Mutaes, ele puder identificar as situaes ainda em sua fase embrionria, pois esse o momento crucial. Enquanto as coisas esto nos primrdios podem ser controladas, mas uma vez desenvolvidas at as ltimas conseqncias ganham um poder

    6 Essa a tese sustentada pela tradio chinesa. Alguns, autores questionam sua validade.

    Cf. lulian K. Shchutskii. Researches on the I Ching. Princeton University Press, Bollingen Series LXII 2, 1979. (Nota da traduo brasileira.)

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  • to avassalador que o homem se v impotente diante delas. Por isso, o Livro das Mutaes tornou-se uma obra de divinao muito singular. Os hexagramas e as linhas, em seus movimentos e mutaes, reproduzem, de maneira misteriosa, os movimentos e as mutaes do macrocosmo. Atravs do uso das varetas de caule de mileflio7 se poderia chegar a uma viso global da configurao das circunstncias. Alcanada essa perspectiva, as palavras do orculo indicariam o que deveria ser feito de modo a atender s necessidades do momento.

    O nico ponto que parece estranho ao nosso moderno modo de ver o mtodo usado para perceber a natureza de uma situao que recorre manipulao das varetas. Este procedimento, no entanto, era considerado misterioso apenas no sentido de que a manipulao das varetas tornava possvel ativar-se no homem o inconsciente. Nem todos os indivduos esto igualmente aptos a consultar o orculo. Para faz-lo necessrio uma mente clara e tranqila, receptiva s influncias csmicas ocultas nas humildes varetas usadas no processo divinatrio. Enquanto produto do reino vegetal elas eram vistas como estando relacionadas com as fontes da vida. As varetas eram obtidas de plantas consideradas sagradas.

    O Livro de Sabedoria

    De importncia muito maior que o uso oracular o uso do Livro das Mutaes como Livro de Sabedoria. Lao-Tse conheceu esse livro e alguns de seus mais profundos aforismos nele se inspiraram. Confcio tambm teve contato com o I Ching, ao qual dedicou longa reflexo. Ele provavelmente redigiu alguns dos comentrios de interpretao encontrados no I Ching, enquanto que outra parte desses comentrios deve ter transmitido a seus discpulos em aulas.8 Foi a verso do Livro das Mutaes editada e comentada por Confcio que chegou at o nosso tempo.

    Procurando-se os conceitos bsicos que permeiam o livro, pode-se permanecer dentro dos limites de alguns poucos porm amplos conceitos.

    A idia subjacente a todo o conjunto a de mutao. Nos Analetos diz-se que Confcio, diante de um rio, disse: "Tudo segue, fluindo, como esse rio, sem cessar, dia e noite". Isso exprime a idia de mutao. Aquele que percebe o significado da mutao, fixa sua ateno no mais sobre os entes transitrios e individuais, mas sobre a imutvel e eterna lei que atua em toda mutao. Essa lei o Tao9 de Lao-Tse,

    7 Sobre o mtodo de diviso dessas varetas para a consulta oracular, v. os apndices referentes

    ao uso dos orculos do I Ching. (Nota da traduo brasileira.) 8 O contato de Confcio com o I Ching, apesar de sustentado pela autoridade da tradio, foi

    muitas vezes questionado mesmo na China. Ou-yang Hsiu (1017-1072 d.C), em sua obra "I T'ung Tzu-wen", afirma que no h qualquer conexo entre Confcio e o I Ching, ou mesmo as Dez Asas. (Nota da traduo brasileira.)

    9 Aqui, como em outras passagens, Wilhelm usa o termo "Sinn" (sentido) para traduzir o termo chins Tao. Na traduo inglesa chama-se a ateno para o trecho em que Wilhelm justifica essa escolha em sua traduo do Tao Te Ching de Lao-Tse (Tao Te King: das Buch des Alten von Sinn und Leben. 3? ed. Dsseldorf e Colnia, 1952). Como no perodo entre 1923, poca da primeira edio da traduo de Wilhelm, e o nosso momento, o termo 'Tao" veio a tornar-se de uso corrente nas tradues e estudos de textos chineses, e tendo sido inclusive muito debatida a questo de sua possibilidade de verso para lnguas ocidentais, julgou-se prefervel manter o termo chins. (Nota da traduo brasileira.)

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  • o curso das coisas, o princpio Uno no interior do mltiplo. Para que possa tornar-se manifesto necessrio uma deciso, um postulado. Esse postulado fundamental o '"Grande princpio primordial" de tudo que existe, "t'ai chi" que no sentido original significa "viga mestra". Essa idia de um princpio primordial foi tema de muitas reflexes por parte dos filsofos chineses posteriores. Wu Chi, um princpio ainda anterior a t'ai chi, era simbolizado por um crculo. Segundo essa concepo, t'ai chi era representado por um crculo dividido em luz e escurido, yang e yin: k . Esse smbolo tambm teve um papel importante na ndia e na Europa. No entanto, especulaes dualistas de carter gnstico so estranhas ao pensamento do I Ching em sua origem. Ele afirma apenas a viga mestra, a linha. Com essa linha, que em si mesma representa a unidade, a dualidade surge no mundo, pois a linha determina, ao mesmo tempo, o acima e o abaixo, a direita e a esquerda, adiante e atrs - em suma, o mundo dos opostos.

    Esses opostos tornaram-se conhecidos com os nomes de Yin e Yang, tendo causado grande sensao em especial no perodo de transio entre as dinastias Ch'in e Han, nos sculos que precederam a era crist, quando havia toda uma escola de doutrina do Yin e Yang. Nessa poca, o Livro das Mutaes era muito usado como um livro de magia e as pessoas liam nos seus textos toda sorte de coisas misteriosas, as quais, entretanto, eram inteiramente estranhas sua origem. Essa doutrina do Yin e Yang, do feminino e do masculino como princpios primordiais, atraiu, claro, muito interesse entre os estrangeiros estudiosos do pensamento chins. Seguindo uma tendncia muito comum, alguns deles julgaram encontrar nessa doutrina um simbolismo flico, com todas as suas decorrncias.

    Para desapontamento de tais descobridores preciso dizer que no h qualquer indcio disso na origem do significado dos termos yin e yang. Em seu sentido original yin significa "o nebuloso", "o sombrio", e yang significa na realidade "estandartes tremulando ao sol" 10, ou seja, algo que "brilha", ou "luminoso". Esses dois conceitos foram transferidos e aplicados ao lado iluminado e ao sombrio de uma montanha ou rio. No caso de uma montanha a vertente sul o lado iluminado e a do norte, o lado sombrio, enquanto que no caso de um rio visto do alto o lado norte o iluminado (yang), pois reflete a luz, e o sul o lado sombrio (yin). Assim, as duas expresses foram trazidas ao Livro das Mutaes e aplicadas aos dois alternantes estados fundamentais de ser. Deve-se indicar, no entanto, que os termos Yin e Yang no aparecem com este sentido nem nos textos propriamente do livro; nem nos comentrios mais antigos. Sua primeira ocorrncia se d no Grande Tratado, o qual, em alguns trechos, evidencia uma influncia taosta. No Comentrio sobre a Deciso os termos usados para os opostos so "o firme" e "o malevel", e no yang e yin.

    Porm, no importa que nomes sejam aplicados a essas foras, o certo que a existncia surge da sua mutao e interao. Assim, a mutao concebida como sendo, em parte, a contnua mudana de uma fora em outra e, em parte, como um ciclo fechado de acontecimentos complexos, conectados entre si, como o dia e a noite, o vero e o inverno. A mutao no desprovida de sentido - se o fosse no seria possvel formular qualquer conhecimento a seu respeito , mas est sujeita lei universal, o Tao.

    O segundo tema fundamental no Livro das Mutaes sua teoria das idias. Os oito trigramas no so tanto imagens de objetos mas de estados de mutao. Essa concepo est associada ao conceito expresso nos ensinamentos de Lao-Tse e Confcio

    10 Cf. os importantes comentrios de Liang Ch'i Cho no jornal chins The Endeavor, 15 e 22 de julho de 1923, como tambm o ensaio em ingls de B. Schindler. "The development of the Chinese conceptions of Supreme Beings". sia Major, Hirth Anniversary Volume (London: Probsthain), p. 298-366.

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  • de que todo acontecimento no mundo visvel um efeito de uma "imagem", isto , de uma idia num mundo invisvel. Desse modo, tudo o que ocorre na terra apenas uma reproduo, por assim dizer, de um acontecimento num mundo situado alm de nossas percepes sensoriais; quanto sua ocorrncia no tempo, sempre posterior ao evento supra-sensvel. Os homens santos e sbios, estando em contato com aquelas esferas mais elevadas, tm acesso a essas idias atravs de uma intuio direta, e, assim, podem intervir de maneira decisiva nos acontecimentos no mundo. Desse modo, o homem est ligado ao cu, o mundo supra-sensvel das idias, e terra, o mundo material das coisas visveis, formando com eles a trade dos poderes primordiais.

    Essa teoria das idias aplica-se em dois sentidos. O Livro das Mutaes mostra as imagens dos acontecimentos como tambm o vir a ser das situaes in statu nascendi. Assim, discernindo, graas sua ajuda, as sementes do porvir, o homem pode prever o futuro do mesmo modo que compreender o passado. Dessa forma, as imagens em que os hexagramas se fundamentam servem como modelos para uma ao oportuna nas condies indicadas. No s, com isso, torna-se possvel sua adaptao ao curso da natureza como, inclusive, no Grande Tratado (parte II, captulo II) se procuram as origens de todas as prticas e inventos da civilizao nessas idias e imagens arquetpicas. Apesar da hiptese poder ou no ser aplicada a todas as circunstncias especficas, o conceito bsico contm uma verdade.11

    O terceiro elemento fundamental ao Livro das Mutaes so os julgamentos. Os julgamentos como que vestem as imagens com palavras. Indicam se uma ao trar boa fortuna ou infortnio, remorso ou humilhao. Os julgamentos possibilitam ao homem a liberdade para decidir desistir de um curso de ao, que indicado pela situao do momento, mas que seria prejudicial a longo prazo. Dessa forma ele se torna independente da tirania dos acontecimentos. O Livro das Mutaes, em seus julgamentos e nas interpretaes que o acompanham do tempo de Confcio em diante, abre ao leitor o mais rico tesouro da sabedoria chinesa. Ao mesmo tempo lhe oferece uma viso abrangente da diversidade das experincias humanas habilitando-o, em virtude dessa perspectiva, a estruturar sua vida segundo sua vontade soberana, de modo a torn-la um todo orgnico, dirigindo-se assim harmonia com o derradeiro Tao, em que esto enraizados todos os seres.

    II. A HISTORIADO LIVRO DAS MUTAES

    Na literatura chinesa, quatro sbios so citados como autores do Livro das Mutaes: respectivamente Fu Hsi, Rei Wen, o Duque de Chou e Confcio. Fu Hsi uma figura lendria que representa a era da caa e da pesca, devendo-se a ele tambm o hbito de cozer os alimentos. O fato de ser ele indicado como o inventor dos signos lineares do Livro das Mutaes significa que lhes atribuda uma tal antigidade que antecede memria histrica. Alm disso, os oito trigramas tm nomes que no aparecem em qualquer outra passagem na lngua chinesa, razo pela qual julgou-se que tivessem origem estrangeira. De qualquer modo, no so caracteres arcaicos co-

    11 Cf. os importantssimos debates de Hu Shih em The Development of the Logical Method in Ancient China. 2a. ed. New York, Paragon, 1963; e a discusso ainda mais detalhada no primeiro volume de sua Histria da Filosofia (Chung-Kuo che-hseh-shih ta-kang. v.l).

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  • mo alguns autores foram levados a crer pela semelhana em parte acidental, em parte intencional com um ou outro ideograma antigo.12

    J desde um perodo muito remoto que os trigramas aparecem em vrias combinaes. Duas compilaes que tiveram origem na antigidade so mencionadas: primeiro, o Livro das Mutaes da dinastia Hsia chamado Lien Shan que, segundo consta, principiava com o hexagrama Kn, "A QUIETUDE", montanha; segundo, o Livro das Mutaes que data da dinastia Shang intitulado Kuei Ts'ang, que comeava com o hexagrama K'un, "O RECEPTIVO". Este ltimo mencionado numa breve referncia feita por Confcio, que supunha sua historicidade. difcil saber se os nomes dos sessenta e quatro hexagramas existiam j naquela poca e, em caso positivo, se eram os mesmos que hoje constam do Livro das Mutaes.

    Segundo a tradio geralmente aceita, sobre a qual no temos motivo para levantar suspeitas, a atual compilao dos sessenta e quatro hexagramas teve sua origem com o Rei Wen, antecessor da dinastia Chou. Diz-se que ele acrescentou breves julgamentos aos hexagramas durante o perodo em que esteve aprisionado por ordem do tirano Chou Hsin. O texto relativo s linhas foi redigido por seu filho, o Duque de Chou. Sob essa forma, e com o ttulo de "As Mutaes de Chou" (Chou I), foi usado como orculo durante o perodo da dinastia Chou como demonstram vrios antigos registros histricos.

    Essa era a forma do Livro quando Confcio o encontrou. J com idade avanada dedicou-lhe um intenso estudo, sendo muito provvel que o Comentrio sobre a Deciso (T'an Chuan) seja trabalho seu. O Comentrio sobre a Imagem tambm reporta a ele, ainda que menos diretamente. De um terceiro tratado, um importante e detalhado comentrio sobre as linhas, compilado por seus discpulos ou sucessores sob a forma de perguntas e respostas, restam apenas fragmentos. (Alguns encontram-se na seo intitulada Wn Yen Comentrio s Palavras do Texto , outros esto no Ta Chuan - O Grande Tratado.)

    Dentre os seguidores de Confcio parece que foi principalmente Fu Shang (Tzu Hsia) que difundiu o conhecimento do Livro das Mutaes. Com o desenvolvimento da especulao filosfica, como se v no "Ya Hsueh" e no "Chung Yung' , esse tipo de filosofia exerceu uma influncia cada vez maior na interpretao do Livro das Mutaes. Toda uma filosofia se desenvolveu em torno do Livro, do qual fragmentos - alguns mais antigos, outros mais recentes - encontram-se nas chamadas "Dez Asas". Elas diferem muito entre si quanto ao contedo e valor intrnseco.

    O Livro das Mutaes escapou ao destino dos outros Clssicos na poca da famosa queima de livros ordenada pelo tirano Ch'in Shih Huang Ti. Caso houvesse algum fundo de realidade na lenda de que esse incndio seria o nico responsvel pela mutilao dos textos dos antigos tratados, o I Ching, pelo menos, deveria estar intacto; mas no esse o caso. Na verdade, as vicissitudes dos sculos, o colapso das culturas tradicionais e a mudana no sistema de escrita que so responsveis pelos danos sofridos por todas as obras da antigidade.

    Aps o Livro das Mutaes ter se celebrizado como um tratado divinatrio e de magia no perodo de Ch'in Shih Huang Ti, a escola de magos (fang shih) das dinastias Ch'in e Han veio a se apoderar dele. A doutrina do Yin-yang, que foi, provavelmente, introduzida pela obra de Tsou Yen e depois promovida por Tung Chung Shu, Liu Hsin e Liu Hsiang, cometeu toda sorte de excessos na interpretao do I Ching.

    12 Em especial no caso do trigrama K'an ( ), que lembra o ideograma de "gua",

    Shui.

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  • A tarefa de expurgo de toda essa confuso estava destinada ao grande sbio erudito Wang Pi, que escreveu sobre o significado do Livro das Mutaes como livro de sabedoria, no como obra divinatria. Sua iniciativa logo encontrou eco e em lugar das teorias de magia e dos adeptos da escola Yin-yang comea a surgir, ligada ao I Ching, uma filosofia poltica. No perodo Sung o I Ching foi usado como base da doutrina do T'ai Chi T'u a qual, provavelmente, no era de origem chinesa , at que o mais velho dos Ch'eng Tz redigiu uma excelente obra de comentrio. Era costume separar os antigos comentrios contidos nas Dez Asas de modo a que passassem a acompanhar os hexagramas aos quais se referiam. Com isso, pouco a pouco, o livro veio a se tornar uma obra sobre teoria de estado e filosofia de vida. Foi Chu Hsi quem, em seguida, procurou preservar o aspecto oracular do I Ching, tendo publicado, alm de um curto e preciso comentrio, uma introduo s suas investigaes relativas arte de divinao.

    A tendncia crtico-historicista da ltima dinastia tambm se voltou para o Livro das Mutaes. No entanto, em virtude de sua oposio aos eruditos do perodo Sung e sua preferncia pelos comentaristas da dinastia Han, mais prximos no tempo poca de compilao do Livro das Mutaes, tiveram menos xito em relao ao I Ching do que para com os outros Clssicos. Isso porque os comentaristas do perodo Han eram, em ltima anlise, magos ou influenciados pelas teorias de magia. Uma excelente edio foi organizada no perodo de K'ang Hsi, com o ttulo de "Chou I Che Chung"; apresenta o texto e as Asas separadamente e inclui os melhores comentrios das diversas pocas. L nessa edio que se baseia a presente traduo.

    III. A ORGANIZAO DA TRADUO

    A traduo do Livro das Mutaes obedeceu a princpios cujo conhecimento facilitar muito a leitura.

    A traduo do texto procurou a forma mais breve e concisa possvel de modo a manter-se a impresso de arcasmo que o original chins transmite. Isso tornou ainda mais necessria a apresentao no s do texto mas tambm de um extrato dos principais comentrios chineses. Essa sinopse procurou ser a mais sucinta possvel, trazendo uma perspectiva abrangente das maiores contribuies dos especialistas chineses para a compreenso do livro. Comparaes com textos ocidentais13 que em muitas passagens pareciam sugestivas, assim como meus prprios pontos de vista, foram acrescentados s ocasionalmente e sempre de forma a serem identificados, sem risco de dvidas, como tais. O leitor, portanto, pode considerar o texto e os comentrios como autnticas expresses do pensamento chins. Chama-se a ateno em especial a este fato, pois vrias das verdades fundamentais aqui apresentadas coincidem a um tal ponto com preceitos cristos que com freqncia surpreendem.

    De modo a facilitar o mais possvel a compreenso do I Ching ao leitor leigo no assunto, os textos dos sessenta e quatro hexagramas junto com as interpretaes correspondentes foram apresentados no Livro Primeiro. Recomenda-se, pois, que a leitura comece por esta parte procurando fixar sua ateno nas idias e evitando enredar-se com as formas e imagens. Por exemplo, deve-se seguir a idia do Criativo em seu desenvolvimento gradual tal como se descreve de maneira magistral no primeiro hexagrama , aceitando-se, por ora, o simbolismo do drago. Assim se poder chegar a formar uma idia do que a sabedoria chinesa tinha a dizer sobre diversas situaes de vida.

    13 Assim como outras tradues, omitiu-se aqui um grande nmero de citaes de poetas alemes (em especial Goethe), uma vez que tais passagens perdem grande parte de sua pertinncia quando traduzidas. (Nota da traduo brasileira.)

    12

  • Os Livros Segundo e Terceiro explicam por que tudo isso assim. Aqui foi reunido o material essencial compreenso da estrutura dos hexagramas. Selecionou-se apenas o que absolutamente necessrio, procurando-se recorrer s fontes mais antigas, tal como foram preservadas nas Dez Asas. Esses comentrios, na medida do possvel, foram separados e distribudos junto aos textos aos quais se referem, de modo a facilitar sua compreenso, uma vez que a essncia de seu contedo fora j utilizada antes no sumrio dos comentrios no Livro Primeiro. Com isso, para aquele que procura mergulhar nas profundezas da sabedoria do Livro das Mutaes, os Livros Segundo e Terceiro so indispensveis. Por outro lado, prefervel que o poder de compreenso do leitor ocidental no seja sobrecarregado logo ao incio com um excesso de material que lhe ainda estranho. Por conseguinte, no foi possvel evitar certas repeties; mas isso pode ajudar a que se chegue a uma compreenso plena do Livro. Estou firmemente convencido de que quem quer que assimile a essncia do Livro das Mutaes se ver enriquecido, por isso, tanto em experincia quanto no verdadeiro entendimento da vida.

    RICHARD WILHELM

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  • PREFCIO DE C. G. JUNG 1

    No sendo um sinlogo, meu prefcio ao Livro das Mutaes ter que ser um testemunho da experincia pessoal com esse grande e nico livro. Ao mesmo tempo terei a grata oportunidade de homenagear tambm a memria de meu falecido amigo Richard Wilhelm. Ele prprio tinha profunda conscincia da importncia cultural de sua traduo do I Ching, verso sem paralelo no mundo Ocidental.

    Se o significado do Livro das Mutaes fosse de fcil apreenso, a obra no precisaria de um prefcio. Mas sem dvida esse no o caso, j que h tantos pontos enigmticos em seu contedo que os estudiosos ocidentais tenderam a consider-lo como um conjunto de "frmulas mgicas" que, ou seriam abstrusas demais para serem inteligveis, ou careceriam de todo valor. A traduo de Legge do I Ching, at agora a nica verso disponvel em ingls, pouco contribuiu para tornar a obra mais acessvel mente ocidental.2 Wilhelm, entretanto, fez o esforo possvel para abrir o caminho compreenso do simbolismo do texto. Ele tinha condies de faz-lo, pois a filosofia e o uso do I Ching foram-lhe ensinados pelo venervel sbio Lao-Naihsan; alm disso, durante um perodo de vrios anos havia posto em prtica a peculiar tcnica do orculo. A apreenso do sentido vivo do texto d sua verso do I Ching uma profundidade de perspectiva que um conhecimento exclusivamente acadmico da filosofia chinesa nunca poderia proporcionar.

    Tenho uma enorme dvida para com Wilhelm pelo esclarecimento que trouxe complicada problemtica do I Ching e tambm pelas intuies relativas sua aplicao prtica. Por mais de 30 anos, interessei-me por essa tcnica oracular, ou mtodo de explorar o inconsciente, que pareceu-me de excepcional significado. J estava bastante familiarizado com o I Ching quando conheci Wilhelm no comeo da dcada de 20; ele confirmou o que eu j sabia, alm de ensinar-me muito mais.

    Desconheo a lngua chinesa e nunca estive na China. Posso afirmar ao meu leitor que muito difcil encontrar o correto modo de acesso a esse monumento do pensamento chins to distante de nossa forma de pensar. De modo a poder compreender de que trata esse livro, indispensvel deixar de lado certos preconceitos da mente ocidental. curioso que um povo to dotado e inteligente como o chins

    1 O prefcio de Jung foi redigido a pedido de Cary F. Baynes para a primeira edio da traduo inglesa do I Ching. Esse prefcio no consta da edio alem usada para a presente traduo. O texto de Jung foi traduzido da edio da Bollingen Series XIX, Princeton University Press, 1972. {Nota da traduo brasileira.) 2 Legge faz o seguinte comentrio sobre o texto explicativo das linhas: "De acordo com nossas noes, um criador de smbolos deveria ter muito de um poeta, mas aqueles do Yi nos sugerem apenas uma completa aridez. De um total de mais de trezentas e cinqenta, a maior parte das afirmaes podem ser consideradas simplesmente grotescas". (The Sacred Books of the East, XVI: the Yi King. 2aed. Oxford, Clarendon Press, 1899, p. 22.) A respeito das "Lies" dos hexagramas, o mesmo autor diz: "Mas por que, poder-se-ia perguntar, deveriam nos ser transmitidas atravs de uma tal disposio de figuras lineares e em tal miscelnea de representaes simblicas", (Ibid. p. 25.) No entanto, em nenhum trecho dito se Legge alguma vez se deu ao trabalho de colocar o mtodo prova, num teste prtico.

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  • nunca tenha desenvolvido o que chamamos cincia. Nossa cincia, entretanto, baseada no princpio da causalidade, o qual considerado uma verdade axiomtica. Mas uma grande mudana est ocorrendo em nosso ponto de vista. O que a "Crtica da Razo Pura" de Kant no conseguiu, est sendo realizado pela fsica moderna. Os axiomas da causalidade esto sendo abalados em seus fundamentos: sabemos agora que o que denominamos leis naturais so meramente verdades estatsticas que supem, necessariamente, excees. Ainda no nos apercebemos que necessitamos do laboratrio com suas decisivas limitaes para demonstrar a validade invarivel das leis naturais. Se deixarmos a natureza agir, veremos um quadro muito diferente: o acaso vai interferir total ou parcialmente em todo o processo, tanto assim que, em circunstncias naturais, uma seqncia de fatos que esteja em absoluta concordncia com leis especficas constitui quase uma exceo.

    A mente chinesa, como a vejo trabalhando no I Ching, parece preocupar-se exclusivamente com o aspecto casual dos acontecimentos. O que chamamos de coincidncia parece ser o interesse primordial desta mente peculiar e o que cultuamos como causalidade passa quase desapercebido. Devemos admitir que h muito a dizer a respeito da imensa importncia do acaso. Uma quantidade incalculvel do esforo do homem visa a combater e limitar os incmodos ou perigos representados pelo acaso. Consideraes tericas de causa e efeito freqentemente parecem fracas e pobres em comparao com os resultados prticos do acaso. correto dizer que o cristal de quartzo um prisma hexagonal. A afirmao verdadeira quando se considera um cristal ideal; entretanto, na natureza no se encontram dois cristais exatamente iguais, ainda que todos sejam inequivocamente hexagonais. A forma concreta, no entanto, parece interessar mais ao sbio chins que a forma ideal. O emaranhado de leis naturais que constitui a realidade emprica mais significativo para ele que uma explicao causai de fatos que, alm disso, em geral devem ser separados uns dos outros para que possam ser adequadamente tratados.

    A maneira como o I Ching tende a encarar a realidade parece no favorecer nossa maneira causai de proceder. O momento concretamente observado apresenta-se antiga viso chinesa, mais como um acontecimento fortuito que o resultado claramente definido de um concordante processo causai em cadeia. A questo que interessa parece ser a configurao formada por eventos casuais no momento da observao e de modo nenhum as hipotticas razes que aparentemente justificam a coincidncia. Enquanto a mente ocidental cuidadosamente examina, pesa, seleciona, classifica e isola, a viso chinesa do momento inclui tudo at o menor e mais absurdo detalhe, pois tudo compe o momento observado.

    Assim ocorre quando so jogadas as trs moedas, ou quando se contam as 49 varetas; esses detalhes casuais entram no quadro do momento de observao e fazem parte dele - uma parte que para ns insignificante, porm para a mente chinesa de suma importncia. Seria para ns uma afirmao banal e quase sem sentido (pelo menos primeira vista) dizer que tudo que acontece num determinado momento tem inevitavelmente a qualidade peculiar quele momento. Esse no um argumento abstrato mas, ao contrrio, muito prtico. Alguns especialistas so capazes de determinar s pelo aspecto, gosto e comportamento de um vinho a sua procedncia e o ano de sua origem. Existem conhecedores de antigidades que podem afirmar com extraordinria preciso a data, o lugar de origem e o autor de um "objet d'art" ou de um mvel, simplesmente olhando-os. Existem astrlogos que podem dizer a uma pessoa, sem nenhum conhecimento prvio, a data de seu nascimento, qual era a posio do sol e da lua, e qual o signo que se encontrava sobre o horizonte no momento de seu nascimento. Diante de tais fatos preciso admitir que os momentos podem deixar marcas duradouras.

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  • Em outras palavras, quem quer que tenha inventado o I Ching estava convencido de que o hexagrama obtido num determinado momento coincidia com esse momento tanto em qualidade quanto em tempo. Para ele o hexagrama era o intrprete do momento no qual era tirado mais que as horas do relgio ou as divises de um calendrio -, uma vez que o hexagrama era compreendido como sendo o indicador da situao essencial que prevalecia no momento de sua origem.

    Essa suposio envolve um certo princpio curioso que denominei sincronicidade,3 conceito este que formula um ponto de vista diametralmente oposto ao da causalidade. A causalidade enquanto uma verdade meramente estatstica no absoluta uma espcie de hiptese de trabalho sobre como os acontecimentos surgem uns a partir dos outros, enquanto que, para a sincronicidade, a coincidncia dos acontecimentos, no espao e no tempo, significa algo mais que mero acaso, precisamente uma peculiar interdependncia de eventos objetivos entre si, assim como dos estados subjetivos (psquicos) do observador ou observadores.

    O pensamento tradicional chins apreende o cosmos de um modo semelhante ao do fsico moderno, que no pode negar que seu modelo do mundo uma estrutura decididamente psicofsica. O fato microfsico inclui o observador tanto quanto a realidade subjacente ao I Ching abrange a subjetividade, isto , as condies psquicas dentro da totalidade da situao momentnea. Assim como a causalidade descreve a seqncia dos acontecimentos, a sincronicidade, para a mente chinesa, lida com a coincidncia de eventos.

    O ponto de vista causai nos relata uma dramtica histria sobre como .D chegou existncia: originou-se de C que existia antes de D, e C, por sua vez, teve um pai,B, etc. Por outro lado, a viso da sincronicidade tenta produzir uma representao igualmente significativa da coincidncia. Como que A, B, C, D, etc. aparecem todos no mesmo momento e no mesmo lugar? Isso acontece, em primeiro lugar, porque os eventos fsicos A e B so da mesma qualidade dos eventos psquicos C e D, e ainda porque todos so intrpretes de uma nica e mesma situao momentnea. Assume-se que a situao representa um quadro legvel ou compreensvel.

    Os 64 hexagramas do I Ching so o instrumento pelo qual se pode determinar o significado de 64 situaes diferentes, porm tpicas. Essas interpretaes so equivalentes a explicaes causais. A conexo causai estatisticamente necessria e pode, portanto, ser submetida experincia. Uma vez que as situaes so nicas e no podem ser repetidas, no parece ser possvel, em condies normais,4 realizar experincias com a sincronicidade. No I Ching, o nico critrio de validade da sincronicidade a opinio do observador de que o texto do hexagrama equivale a uma interpretao fiel de sua condio psquica. Supe-se que a queda das moedas ou o resultado da diviso do conjunto de varetas de caule de mileflio o que necessariamente deve ser uma "situao" dada, j que qualquer coisa que acontea naquele momento pertence a ele como parte indispensvel do quadro. Se um punhado de fsforos jogado no cho, eles formam o padro caracterstico daquele momento. Porm, uma verdade to bvia como essa s revela seu carter significativo se for possvel ler o padro e verificar sua interpretao, em parte pelo conhecimento, do observador, da situao objetiva e da subjetiva e, em parte, pelo carter dos fatos subseqentes. Obviamente esse no um procedimento que atraia uma mente crtica, acostumada verificao

    3 Cf. "Sincronicity: An Acausal Connecting Principie". The Structure and Dynamics of the Psyche. (Col. das obras de C. G. Jung, v. 8.) 4 Cf. J. B. Rhine. The Reach of the Mind. New York - London, 1928.

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  • experimental de fatos ou evidncia factual. Mas para algum que goste de olhar o mundo segundo a perspectiva da antiga China, o I Ching pode exercer alguma atrao.

    Meu argumento, tal como foi exposto acima, jamais, claro, ocorreu mente chinesa. Ao contrrio, de acordo com a antiga tradio, so "agentes espirituais", atuando de uma forma misteriosa, que fazem com que as varetas de caule de mileflio dem uma resposta significativa.5 Esses poderes constituem como que a alma viva do livro, que , portanto, uma espcie de ser vivo, e a tradio supe que se podem fazer perguntas ao I Ching e esperar receber respostas inteligentes. Ocorreu-me, portanto, que talvez interesse ao leitor no iniciado ver o I Ching operando. Com esse propsito realizei uma experincia rigorosamente de acordo com a concepo chinesa: personifiquei, de certo modo, o livro, perguntando seu julgamento sobre sua situao atual, isto , sobre minha inteno de apresent-lo mente ocidental.

    Ainda que esse procedimento se enquadre perfeitamente nas premissas da filosofia Taosta, para ns ele parece demasiado extravagante. Entretanto, nem mesmo o inslito dos delrios doentios ou supersties primitivas jamais me chocaram. Sempre tentei permanecer livre de preconceitos e curioso rerum novarum cupidus. Por que no ousar um dilogo com um antigo livro que se prope como algo vivo? No pode haver mal nenhum nisso, e o leitor poder observar um procedimento psicolgico que tem sido posto em prtica vezes e mais vezes atravs dos milnios da civilizao chinesa, representando para homens como Confcio ou Lao-tse tanto a expresso suprema da autoridade espiritual quanto um enigma filosfico. Utilizei o mtodo de moedas e a resposta obtida foi o hexagrama 50 - Ting, O CALDEIRO.

    De acordo com a maneira como foi formulada minha pergunta, deve-se entender o texto do hexagrama como se o prprio I Ching fosse a pessoa que fala. Assim, ele descreve a si prprio como um caldeiro, isto , como um recipiente de ritual contendo comida preparada. Deve-se entender comida, aqui, como alimento espiritual. Wilhelm diz a respeito:

    "O Ting, enquanto um utenslio pertencente a uma civilizao refinada, sugere o cuidado e a alimentao dos homens capazes, o que resulta em benefcio da nao... Aqui a cultura atinge sua culminncia na religio. O Ting serve para a oferenda de sacrifcios a Deus. Os mais elevados valores terrenos devem ser oferecidos em sacrifcio a Deus... A suprema revelao de Deus encontra-se nos profetas e nos santos. Vener-los , na verdade, venerar a Deus. Os desgnios de Deus, manifestados atravs deles, devem ser aceitos com humildade".

    Seguindo nossa hiptese, devemos concluir que aqui o I Ching est testemunhando a respeito de si mesmo.

    Quando alguma das linhas de um hexagrama dado tem o valor de seis ou nove, significa que so especialmente enfatizadas, e que, por isso, so importantes na interpretao.6 Em meu hexagrama os "agentes espirituais" enfatizaram com um nove as linhas na segunda e terceira posies. Diz o texto:

    Nove na segunda posio significa: H alimento no Ting. Meus companheiros tm inveja, mas nada podem contra mim. Boa fortuna.

    5 Ele so shn, isto , "semelhantes a um esprito". "Os cus produziram coisas semelhantes a um esprito." (Legge, p. 41.) 6 V. a explicao do mtodo no texto de Wilhelm sobre o uso oracular.

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  • Assim, o I Ching diz de si mesmo: "Eu contenho alimento (espiritual)". Como a participao em algo grande sempre desperta inveja, o coro dos invejosos 7 parte da cena. Os invejosos querem despojar o I Ching daquilo que ele possui de grandioso, isto , procuram roubar ou destruir o seu significado. Mas essa hostilidade em vo. Sua riqueza de significado est assegurada, isto , o I Ching est seguro de suas positivas conquistas, as quais ningum lhe pode tirar. O texto continua:

    Nove na terceira posio significa: A ala do Ting est alterada. Ele impedido em suas atitudes. A gordura do faiso no comida. Quando a chuva cair, o remorso desaparecer. A boa fortuna vir ao final.

    A ala ( em alemo Griff) aparte pela qual o Ting pode ser segurado {gegriffen ). Portanto, significa o conceito 8 {Begriff) que se tem do I Ching ( o Ting). No decorrer do tempo, esse conceito aparentemente mudou, de modo que hoje j no podemos apreender ( begreifen ) o I Ching. Assim, "ele impedido em suas atitudes". J no somos mais amparados pelo sbio conselho e pela profunda viso intuitiva do orculo; por isso, no mais encontramos nosso caminho atravs das complexidades do destino e da escurido de nossa prpria natureza. J no mais se come a gordura do faiso, isto , a melhor e mais rica parte de um bom prato. Mas quando, finalmente, a terra sequiosa novamente receber a chuva, isto , quando esse estado de carncia for superado, o "remorso", isto , a tristeza pela perda da sabedoria tiver cessado, vir a to esperada oportunidade. Wilhelm comenta: "Isso descreve algum que, em meio a uma cultura muito desenvolvida, encontra-se numa posio em que no notado nem reconhecido. Isso um grande obstculo sua atuao". O I Ching parece estar lamentando que suas excelentes qualidades no sejam reconhecidas e portanto permanecem inexploradas. Conforta-se com a esperana de recuperar, em breve, o reconhecimento.

    A resposta dada, nessas duas linhas de destaque, pergunta que formulei ao I Ching no requer nenhuma sutileza especial de interpretao, nenhum artifcio, nenhum conhecimento incomum. Qualquer pessoa com um pouco de bom senso pode compreender o significado da resposta; a resposta de algum que tem uma boa opinio sobre si prprio, mas cujo valor no pela maioria reconhecido, nem sequer amplamente conhecido. Quem responde tem uma noo interessante sobre si mesmo: se v como um recipiente no qual as oferendas ao sacrifcio so trazidas aos deuses, a comida do ritual destinada sua alimentao. Concebe a si prprio como um utenslio de culto destinado a prover o alimento espiritual para os elementos ou foras inconscientes ("agentes espirituais") que foram projetados como deuses em outras palavras, para dar a essas foras a ateno que elas necessitam para desempenhar seu papel na vida do indivduo. Na realidade, esse o significado original da palavra "religio" uma cuidadosa observao e considerao (de "relegere") 9 do numinoso.

    7 Por exemplo, os invidi ("o invejoso") so uma imagem bastante freqente nos velhos livros latinos de alquimia, principalmente na Turba Philosophorum (sc. XI ou XII). 8 Do latim Concipere, ' segurar junto", isto , num recipiente: CONCIPERE deriva de CAPERE, "tomar", "segurar". 9 Esta a etimologia clssica. A derivao de RELIGIO de RELIGARE, "ligar ", originou-se com os Padres da Igreja.

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  • O mtodo do I Ching leva realmente em considerao a oculta qualidade individual existente nas coisas e nos homens e tambm no nosso prprio inconsciente. Interroguei o I Ching como fazemos com algum a quem estamos prestes a apresentar a nossos amigos: perguntamos se isso seria ou no agradvel a ele. O I Ching, como resposta, fala de seu significado religioso, do fato de ser desconhecido e mal interpretado na atualidade, e sua esperana de voltar a ocupar um lugar de honra essa ltima parte obviamente como uma direta meno ao meu prefcio ' ainda no redigido e sobretudo traduo para o ingls. Essa parece ser uma reao perfeitamente compreensvel tal como se poderia esperar de uma pessoa numa situao similar.

    Mas como surgiu essa reao? Porque eu joguei trs pequenas moedas ao ar e as deixei cair, rodar e parar em cara ou coroa, conforme o caso. Esse curioso fato de que uma reao que faz sentido surja de uma tcnica que, aparentemente, exclui, de incio, todo e qualquer sentido, a grande conquista do I Ching. O exemplo que acabo de dar no nico, respostas significativas so a regra. Sinlogos ocidentais e importantes eruditos chineses deram-se ao trabalho de informar-me que o I Ching uma coleo de "frmulas mgicas" obsoletas. No decorrer destas conversas, meu informante algumas vezes admitiu ter consultado o orculo atravs de um adivinho, geralmente um monge Taosta. Naturalmente isto "s poderia ser bobagem". Mas o estranho que a resposta obtida aparentemente coincidia, de um modo notvel, com o ponto cego psicolgico do consulente.

    Concordo com o pensamento ocidental que seriam possveis inmeras respostas minha pergunta e certamente no posso afirmar que outra resposta no teria sido igualmente significativa. Entretanto, a resposta obtida foi a primeira e nica; nada sabemos sobre outras possveis respostas. Esta me agradou e satisfez. Fazer a mesma pergunta uma segunda vez teria sido falta de tato, por isso no a fiz: "o mestre s fala uma vez". O opressivo enfoque pedaggico que pretende enquadrar os fenmenos irracionais dentro de um padro racional preconcebido antema para mim. Na realidade, coisas assim como essa resposta devem permanecer tal como eram em sua primeira apario, pois s ento sabemos o que faz a natureza quando deixada em si mesma sem ser perturbada pela intromisso do homem. No se deve recorrer a cadveres para estudar a vida. Alm disso, uma repetio da experincia impossvel pelo simples motivo de que a situao original no pode ser reconstruda. Portanto, em cada caso h apenas uma primeira e nica resposta.

    Voltemos ao prprio hexagrama. No h nada estranho no fato de que todo o Ting, O CALDEIRO, amplie os temas propostos pelas duas linhas ressaltadas.11 A primeira linha do hexagrama diz:

    Um Ting com os ps para o alto, emborcado. favorvel remover o contedo estagnado. Uma concubina aceita em virtude de seu filho. Nenhuma culpa.

    Um caldeiro que se encontra de cabea para baixo est fora de uso. Logo, o I Ching como um caldeiro que no est sendo usado. Vir-lo ao contrrio serve para eliminar o contedo estagnado, como diz a linha. Assim como um homem toma uma concubina quando sua esposa no tem filho, recorre-se ao I Ching quando no se encontra outra sada. Apesar do status quase legal da concubina na China, na realidade

    10 Na verdade, eu fiz essa experincia antes de escrever o prefcio. 11 Os chineses interpretam somente as linhas mveis obtidas atravs do uso do orculo. Eu conclu que na maioria dos casos todas as linhas do hexagrama so relevantes.

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  • ele no mais que um recurso de certa forma secundrio; assim tambm o processo mgico do orculo um recurso que pode ser usado com um objetivo mais elevado. No h culpa, embora se trat