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I CONFERÊNCIA NACIONAL SINDICAL DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA Natal, 26 a 28 de maio de 2016 RESOLUÇÕES A I Conferência Nacional Sindical de Educação da tendência petista Articulação de Esquerda realizou-se nos dias 26, 27 e 28 de maio de 2016, na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Este encontro teve por objetivo, a partir de um debate geral sobre a situação política nacional e sobre os temas educacionais, oferecer uma orientação para os sindicalistas da AE que atuam no setor da educação. Para alcançar este intento, o texto base, formulado pelos dirigentes sindicais da tendência, foi discutido nos estados e recebeu uma série de emendas, sendo debatido e aprovado na Conferência nacional sindical de educação da AE. O texto se estrutura a partir dos seguintes temas: I. A Educação na sociedade de classes: uma relação dialética e contraditória II. A Conjuntura e a Política Educacional Brasileira nos anos Lula e Dilma III. A educação básica no último decênio nos governos Lula e Dilma: A Construção de um PNE Democrático e Popular e o Plano aprovado no Congresso Nacional sistema de avaliação – libertar ou ranquear? PROJOVEM Programa de Ações Afirmativas A situação do ensino médio ensino privado na educação básica Gênero e diversidade na educação IV. O projeto da Universidade Democrática e Popular no governo Lula Por uma Formação Integral: Ensino, Pesquisa e Extensão para a Transformação Social Autonomia Universitária Gestão democrática e participativa Contra a mercantilização da educação Democratização do acesso e permanência. Garantir o direito à educação! Por uma avaliação de verdade Regulamentação do Ensino Superior Privado V. A Educação Pública e a Ofensiva Conservadora no Segundo Governo Dilma VI. Ação político-sindical da AE nas entidades da educação nacional A Articulação de Esquerda e a disputa do ANDES A CNTE, as forças políticas e a nossa política CONFETAM: a política da Articulação de Esquerda A CONTEE E A LUTA DOS PROFESSORES DA REDE PRIVADA SINASEF E A LUTA DOS INSTITUTOS FEDERAIS

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I CONFERÊNCIA NACIONAL SINDICAL DA TENDÊNCIA PETISTA ARTICULAÇÃO DE ESQUERDA

Natal, 26 a 28 de maio de 2016

RESOLUÇÕES

A I Conferência Nacional Sindical de Educação da tendência petista Articulação de Esquerda realizou-se nos dias 26, 27 e 28 de maio de 2016, na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Este encontro teve por objetivo, a partir de um debate geral sobre a situação política nacional e sobre os temas educacionais, oferecer uma orientação para os sindicalistas da AE que atuam no setor da educação. Para alcançar este intento, o texto base, formulado pelos dirigentes sindicais da tendência, foi discutido nos estados e recebeu uma série de emendas, sendo debatido e aprovado na Conferência nacional sindical de educação da AE.

O texto se estrutura a partir dos seguintes temas:

I. A Educação na sociedade de classes: uma relação dialética e contraditória

II. A Conjuntura e a Política Educacional Brasileira nos anos Lula e Dilma

III. A educação básica no último decênio nos governos Lula e Dilma:

A Construção de um PNE Democrático e Popular e o Plano aprovado no Congresso Nacional

sistema de avaliação – libertar ou ranquear? PROJOVEM Programa de Ações Afirmativas A situação do ensino médio ensino privado na educação básica Gênero e diversidade na educação

IV. O projeto da Universidade Democrática e Popular no governo Lula

Por uma Formação Integral: Ensino, Pesquisa e Extensão para a Transformação Social

Autonomia Universitária Gestão democrática e participativa Contra a mercantilização da educação Democratização do acesso e permanência. Garantir o direito à educação! Por uma avaliação de verdade Regulamentação do Ensino Superior Privado

V. A Educação Pública e a Ofensiva Conservadora no Segundo Governo Dilma

VI. Ação político-sindical da AE nas entidades da educação nacional

A Articulação de Esquerda e a disputa do ANDES A CNTE, as forças políticas e a nossa política CONFETAM: a política da Articulação de Esquerda A CONTEE E A LUTA DOS PROFESSORES DA REDE PRIVADA SINASEF E A LUTA DOS INSTITUTOS FEDERAIS

I. A Educação na sociedade de classes: uma relação dialética e contraditória

1. É fundamental compreender a essência do processo educacional para poder transformá-lo. Vivemos sob a égide do modo de produção capitalista, demarcado centralmente pela contradição entre o trabalho assalariado e o Capital, promotor de uma sociedade dividida em classes sociais e marcada por profundas desigualdades sociais. Os antagonismos entre classes dominante e dominada se estabelecem não somente com a exploração intrínseca às relações de produção, como também se estendem ao nível político, ideológico e cultural.

2. A educação, compreendida como uma atividade mediadora no seio da prática social geral, forjada como um processo de internalização de práticas sociais, encontra-se inserida neste contexto. Ao longo da história, a mesma assume esta dimensão política e cultural nas diferentes formações sociais. Dessa forma, a educação não pode ser compreendida fora de um contexto histórico-social concreto.

3. Compreendida como uma prática social, no seio de uma sociedade classista, o papel ideológico da educação está inserido em relações pedagógicas que visam à ocultação da realidade para as maiorias. Relações cujos objetivos de uma parcela minoritária da sociedade passam a ser difundidos como pertencentes a toda comunidade, num processo de luta política de construção de hegemonias. Logo, desmistificam-se as ideias que consideram a educação “algo neutro” ou um ente isolado da sociedade. Ela reflete suas contradições, sua base material e o seu modo de organização e funcionamento.

4. Por outro lado, coloca-se a questão: é possível desenvolver uma educação socialmente referenciada, capaz de emancipar homens e mulheres? Embora em nossa sociedade os sistemas de ensino reproduzam a ordem social dominante, seus valores e ideologia, o processo de constituição da escola é contraditório, permitindo a abertura de brechas em favor da disputa por alternativas educacionais significativamente diferentes e libertadoras.

5. Portanto, cabe ao movimento de educação, em seus espaços de atuação, aliando-se à classe trabalhadora e aos demais movimentos sociais, aprofundar a luta por uma educação contra- hegemônica, na contramão da lógica do Capital, e que busque a emersão das consciências como resultado da sua inserção crítica na realidade. Uma educação que vise à elevação da consciência política dos estudantes, dos educadores, da classe trabalhadora. Uma educação que dispute as instituições formais, mas fortaleça a educação popular e os movimentos sociais. Enfim, uma educação que defenda os direitos humanos, o direito à diversidade, à educação sexual e reprodutiva, que combata frontalmente o racismo, o sexismo, a misoginia, a homofobia e que reconheça a diversidade regional e de etnias do nosso país. Porém, não existe uma capacidade redentora da educação, um equívoco que difunde a possibilidade de uma revolução somente através da educação.

6. Por isso, a luta por uma educação contra-hegemônica, na guerra de posições da sociedade capitalista, é um elemento central no processo de ruptura político-ideológica, social e cultural que os sujeitos coletivos devem impulsionar. No seio das contradições da velha sociedade podem surgir condições e sujeitos históricos que favoreçam a construção de uma nova sociedade, humanista e socialista.

7. Logo, a luta pelo acesso ao conhecimento é uma condição fundamental para a transformação social. A educação, assim, é um bem público, que não deve ser apropriado privadamente pelas classes dominantes. Tampouco pode se constituir em privilégio de uma minoria. A defesa de uma educação contra-hegemônica pressupõe a educação como um direito universal, que deve ser garantido pelo Estado, com recursos

públicos, condição sine qua non para a manutenção de seu caráter laico, democrático e não discriminatório, bem como da liberdade e autonomia pedagógica e científica necessárias a seu exercício.

II. A Conjuntura e a Política Educacional Brasileira nos anos Lula e Dilma

8. A atual conjuntura do Brasil revela uma encruzilhada histórica, identificada na contraofensiva conservadora, onde diversos atores das elites nacional e internacional planejam a destruição das conquistas dos últimos treze anos, do pleno estado de direito, do PT e da esquerda brasileira. O projeto neoliberal opera em nível nacional e internacional e reflete diretamente nos direitos dos trabalhadores e direitos humanos. As forças conservadoras, e até neofascistas, atuam também com pautas discriminatórias, com forte teor de fanatismo religioso. Fomentam ódio às minorias excluídas da sociedade, materializadas no massacre dos povos indígenas, na discriminação racial e social, nas posturas xenofóbicas, sexistas, de intolerância religiosa, dentre outras.

9. A crise política brasileira alimenta e impulsiona a crise econômica, calcada nas regras do mercado, que continuam garantindo a concentração de rendas e riquezas, aprofundando ainda mais as desigualdades sociais. O país vive o esgotamento do modelo implantando nesse decênio pelos governos petistas. Estes ainda não foram capazes de realizar reformas estruturais na economia, na política, na cultura, na sociedade e na educação na perspectiva de romper, definitivamente, com o modelo neoliberal, transformando o modelo secular de desenvolvimento do Brasil. Esse cenário está estreitamente relacionado à retomada de uma agressiva agenda neoliberal, que se reconfigura para recuperar espaços perdidos e ampliar a capacidade de maior acúmulo de riquezas.

10. Na América do Sul, essa investida pode ser identificada no conjunto de ações coordenadas que objetivam varrer a onda vermelha, que caracteriza a conjuntura do polo sul há mais de uma década, a exemplo da eleição de Macri na Argentina, a derrota de Evo Morales na Bolívia e a vitória da direita no congresso venezuelano.

11. O Brasil constitui-se num espaço geopolítico estratégico para que o imperialismo estadunidense recupere sua inserção e domínio na América Latina. Mesmo que tenha ocorrido de forma tímida, os enfrentamentos feitos nos últimos anos (com a criação dos BRICS, da Unasul e da CELAC, o fortalecimento do Mercosul, sem falar das políticas de inclusão social e distribuição de renda), foram longe demais para a burguesia. Recuperar a hegemonia ianque nas terras latinoamericanas é uma estratégia geopolítica, almejando o domínio político e econômico, especialmente no que tange à exploração dos recursos naturais, vide a voracidade no interesse das privatizações do petróleo brasileiro.

12. A busca pela garantia da governabilidade, através de governos de coalizão e de um pacto social com frações das classes dominantes, trouxe amargas consequências, como a permanência do monopólio das comunicações e a pouca centralidade do desenvolvimento dos mecanismos de democracia participativa. Desde o governo Lula, as políticas sociais e distributivas, e até mesmo as medidas econômicas anticíclicas, conviveram com a manutenção de uma linha econômica que assegurou expressivos lucros aos setores mais afortunados, como o agronegócio e o sistema financeiro.

13. A inércia do governo no momento de maior acúmulo e apoio popular frente à possibilidade das reformas estruturais (reformas agrária, urbana, tributária, política e democratização da comunicação), o afastamento dos movimentos sociais e sindicais dos processos de protagonismo nos avanços ocorridos, capitalizando-os como conquistas e não como concessões, despotencializou o projeto democrático popular.

14. A reeleição acirrada de Dilma foi garantida pelo voto da classe trabalhadora, a partir do compromisso com bandeiras de esquerda e de reformas. Na contramão, a campanha vitoriosa foi contraditada pela execução da política de ajuste fiscal nos ombros dos trabalhadores e pela crise econômica, subestimada em extensão e profundidade pelo governo federal.

15. A ofensiva do movimento sindical, especialmente da CUT, no combate a essas medidas lesivas aos trabalhadores, foi acertada tanto na recuperação do espaço de autonomia e protagonismo das lutas sociais como na disputa das ruas com a direita organizada no movimento pró impeachment. A crise é real, é profunda, com efeitos deletérios sobre o emprego, os salários, os serviços públicos e a produção, agravando-se em 2016 com o afastamento da presidenta Dilma.

16. O acirramento do embate entre as direitas e as forças de esquerda do país, sinalizado constantemente no arcabouço do combate à corrupção e pela abertura no senado do processo do impeachment da presidenta Dilma, tem um objetivo claro: retirar direitos históricos dos trabalhadores e aprofundar o receituário neoliberal no país, destruindo as esquerdas, o PT e Lula.

17. É grave a seletividade utilizada pelo poder judiciário, hoje peça central para a vitória desta política, juntamente com os grandes meios de comunicação, especialmente as organizações Globo. Por outro lado, esse ataque feroz, provoca a retomada da força dos movimentos sociais e sindicais das esquerdas, reaquecendo a luta de classes e o embate por um projeto de sociedade democrático popular, pela defesa da pauta dos direitos dos trabalhadores e da democracia, na contramão da concentração do capital e da exclusão social.

18. Em face da complexidade do contexto nacional, as estratégias e o embate ideológico, assim como a política da CUT relativa à organização e ao fortalecimento de ações unitárias como a Frente Brasil Popular e A Frente Povo Sem Medo dão mostras da sua capacidade de combate e do acerto das principais diretrizes do momento: a defesa da democracia e do estado de direito, a mudança da política econômica e a organização e ofensiva da esquerda para deter o avanço nocivo das elites. É imperativo que todas as forças da esquerda brasileira construam agendas positivas e ofensivas com o conjunto da sociedade, tais como: democratização da mídia, taxação das grandes fortunas, reforma agrária, reforma tributária, universalização do ensino público em todos os níveis, reforma e controle social do judiciário e a luta pela consolidação do Estado laico, dentre outros.

III. A educação básica no último decênio nos governos Lula e Dilma

19. O sistema educacional brasileiro é historicamente marcado pela exclusão e por uma concepção de desvalorização da educação. Em relação aos principais países sul-americanos, o direito à universalização da educação é tardio, somente a partir da Constituição de 1988.

20. A contradição primeira da política educacional do período deriva da aliança com setores conservadores, explicitada na priorização do pacto de classes sociais, em grande medida deixando cargos de confiança e gestão de setores da educação a nível local e nacional com a justificativa de serem cargos técnicos. Assim, o governo Lula, a partir de 2003, desenvolveu uma política complexa, marcada por avanços e impasses em favor da escola pública e dos mais desfavorecidos. Como exemplos das realizações governamentais nesta área, os últimos treze anos promoveram uma política de expansão

das unidades escolares governamentais, da escolarização e do número de estudantes no país: extensão da escolaridade obrigatória dos 4 aos 17 anos, ampliação inédita da rede federal de ensino da educação básica, técnico e superior com ampliação de campi e de vagas (REUNI) e investimento na construção de creches através do Programa Brasil Carinhoso. Com a meta 6 do PNE, o governo se comprometeu com a universalização da educação em tempo integral. Investiu também na valorização do magistério através de políticas de formação, da Lei do piso nacional e do reconhecimento da aposentadoria especial para diretores e coordenadores pedagógicos e afins. Para os funcionários houve o seu reconhecimento da carreira da educação e a construção de uma política de formação e de valorização com PROFUNCIONÁRIO. 21. Entretanto, a permanência de uma visão empresarial da educação, característica dos governos FHC, impulsionou um crescente confronto no seio do MEC entre os interesses dos setores privatistas e aqueles comprometidos com as demandas dos segmentos populares e progressistas da educação. Nos últimos anos, a lógica mercantilista permeou boa parte das ações do governo no campo da política educacional. A falta de uma Reforma Política democrática acentua uma relação promíscua entre o setor empresarial e o público. Programas como o PROUNI, ampliação do FIES, PRONATEC, Ensino Médio Inovador, Programa do Livro Didático asseguraram a canalização de boa parte dos recursos públicos. 22. No tema da educação do campo, embora os governos Lula e Dilma tenham fortalecido e institucionalizado as licenciaturas do campo e o PRONERA (com recursos, estrutura e o decreto da Educação do Campo, assinado por Lula ao final do seu segundo mandato), não houve a construção de um projeto politico. Assim, não houve garantias ao acesso e permanência, nem a consolidação definitiva de metodologias da educação do campo, amplamente utilizadas pelos movimentos sociais e educação popular, pelas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e Casas Familiares Rurais (CFRs). Por outro lado, o fechamento de escolas do e no campo é diário, sem que o MEC, de fato, tenha garantido uma forma de evitar essas ações ou proposto uma política de centros de educação básicos em municípios polo que pudessem atender territórios rurais.

A Construção de um PNE Democrático e Popular e o Plano aprovado no Congresso Nacional

23. Os anos 2014 e 2015 foram marcados pela aprovação dos Planos de Educação em todo o território brasileiro, vigorando o PNE no final de junho de 2014. No ano subsequente, estados e municípios debruçaram-se sobre suas elaborações e aprovações. Este processo é resultado de lutas da sociedade, dos seus anseios e demandas urgentes para a educação pública, no que se refere ao acesso universal, à gratuidade, à laicidade, à valorização dos profissionais em educação, à gestão democrática e à qualidade social para a educação.

24. O Governo Lula iniciou a elaboração do Plano Nacional de Educação (2011-2020) por meio de Conferências de base. Sem dúvida, devido à sua representatividade, abrangência, qualificação do debate e ineditismo, a Conferência Nacional de Educação (CONAE) tornou-se um marco, embora tenha se realizado apenas no último ano do segundo mandato. A forte participação dos sindicatos da educação básica e a reduzida presença dos setores conservadores garantiram a elaboração de um texto geral com propostas que fortaleciam a educação pública. Todavia, depois de quatro anos de atraso, o PNE foi aprovado pelo Congresso Nacional com importantes alterações, advindas do forte e intenso lobby do setor empresarial da educação, e que afeta diretamente a educação pública. A desvalorização dos profissionais da educação, a partir da implementação da lógica econômica empresarial, pode resultar: 1) em processos

avaliativos que estabelecerão uma universalização nos sistemas de avaliações, na implementação do exame nacional do magistério e no estabelecimento do currículo único para entidades formadoras; 2) na responsabilização do profissional da educação pelos índices escolares a partir de uma lógica de punição ou bonificação, 3) no reforço da lógica das privatizações e terceirizações da educação pública.

25. Em tempos em que a democracia tem sido bandeira da esquerda e descartada por muitos, a Gestão Democrática nas escolas é de fundamental importância para a construção de uma educação emancipatória. A gestão democrática é a representação da experiência gestacional da educação, debatida e vivenciada pela sociedade, via comunidade escolar. É função profissional da educação se responsabilizarem pelo projeto de uma escola politizadora, exercendo a democracia e empoderando todos os segmentos da comunidade escolar, levando assim o projeto de educação para fora da escola. É nossa responsabilidade fortalecer os conselhos escolares e reforçar o pertencimento da comunidade em instâncias representativas de democracia e levar esta bandeira para estados nos quais ela ainda não existe.

26. Contendo um conjunto de intenções e uma miragem, os 10% do PIB, após quase dois anos de sua aprovação, praticamente nada saiu do lugar. Os Planos Estaduais de Educação, em sua maioria, foram meros reprodutores da legislação nacional. Muitos avanços foram surrupiados do texto da lei, e execrado por setores das diversas igrejas, como a temática de gênero e da sexualidade. A lógica do plano traduz um caráter meritocrático, evidente nos itens relativos à gestão escolar. Prevalencendo a lógica empresarial, os setores populares também foram derrotados na defesa de destinação das verbas públicas exclusivamente para a escola pública. É fundamental a correta aplicação de recursos públicos, com o fortalecimento dos órgãos fiscalizadores existentes e a ampliação da atuação dos conselhos do FUNDEB e dos conselhos escolares para que ele passe a fiscalizar as verbas públicas que hoje não têm controle social.

27. Um importante projeto, esvaziado de verba e gestão, é o da Educação Integral. A lógica de uma educação cada vez mais tecnicista, destinada a inserir o estudante no mercado de trabalho, tem prevalecido sobre a construção do projeto de formação de cidadania. Diversos estados fazem da atual crise financeira uma justificativa para a não contratação de profissionais e a não ampliação de escolas de funcionamento de regime integral, assim como a diminuição destas. É notório que a Educação Integral precisa da adaptação curricular, da formação de professores e dos espaços físicos das escolas. Não há um estado brasileiro em que a maioria de sua escolas não precisem de reformas estruturais, consolidando-se a precarização da escola pública e a intenção de privatização.

28. Em relação ao financiamento, havia uma expectativa quanto à lei dos 10% do PIB para a educação. Essa sempre foi uma meta ousada, porque não se apresentava fontes novas de recursos, a não ser aquelas originadas da exploração do Pré-sal. Todos os cálculos feitos em relação à potencialidade do Pré-sal confirmavam a ideia de que somente a aplicação integral deste recurso garantiria este patamar. No entanto, o cenário só piorou: os recursos serão rateados com a saúde, o preço do barril do petróleo caiu consideravelmente e a exclusividade da Petrobrás na exploração do Pré-sal encontra-se em risco.

29. Na última década, as leis referentes ao financiamento da educação e à valorização do magistério impactaram a educação pública. O governo Lula ampliou o fundo criado por FHC (Fundef) para o conjunto da educação básica. Hoje é a principal fonte de financiamento, compreendendo 20% dos 25% dos recursos obrigatórios para estados e municípios investirem em educação. No entanto, as críticas se concentram na sua lógica de aplicação e na pouca participação da União na composição dos fundos.

30. O Fundeb, seguindo o formato do Fundef, se baseia em um custo-aluno anual definido pela União. Ocorre que esse custo-aluno, invariavelmente, é baixo. Como a grande maioria dos estados brasileiros atinge a média definida nacionalmente, a União fica desobrigada de repassar recursos. O Fundeb ficou conhecido como um “fundo socializador de pobreza”. Decerto, para a maioria dos municípios, ele se transformou em um importante instrumento de aumento de matrícula e de visibilidade da educação, especialmente no ensino médio, elevando a idade média de instrução dos nossos jovens em idade escolar. Todavia, até o momento, não conseguiu fomentar uma política efetiva de redução significativa do quantitativo de analfabetos, bem como do acesso a creches, um tormento para as mães e pais trabalhadores.

31. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) também se afirmou como determinação da política educacional nos entes federados, tendo em vista a assinatura do Termo de Adesão que obriga uma série de ações conjugadas para a melhoria educacional. Todavia, o Plano consolidou a parceria do Estado brasileiro com o empresariado da educação, que cada vez mais adentra no centro nervoso das decisões educacionais.

32. Outro aspecto do PNE é a consolidação do controle social como instrumento de empoderamento da sociedade civil, no acompanhamento e fiscalização da aplicação do dinheiro público na educação básica e superior. Entretanto, com a iminência do fim do FUNDEB em 2020, urge a necessidade da regulamentação do Custo-Aluno-Qualidade como referência para o financiamento da educação pública brasileira, rompendo com o atual modelo que trata como iguais estados e municípios, ignorando as diferentes realidades educacionais do país.

33. Em relação à valorização do magistério, em julho de 2008, o Governo Lula sancionou a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN). Uma medida importante de valorização do magistério público, embora implantada com um valor inicial baixo, R$ 950,00 para uma carga horária de 40 horas. A redação complexa e confusa facilitou o questionamento jurídico seis governadores (Goiás, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Piauí e Roraima) que ingressaram com nova Ação Direta de Insconstitucionalidade (Adin) no STF. Em 2011, o Supremo julgou favoravelmente, mas o piso salarial e o direito ao 1/3 das atividades extraclasse ainda não são uma realidade para a maioria dos professores do país. Vencida a tese da constitucionalidade, diversos governadores, na prática, transformam o piso em teto salarial, estrangulando a carreira. Este ano os estados de Sergipe e de Pernambuco passam por situações atípicas. Com o esfacelamento da carreira, os dois governadores estão pagando o mesmo valor nacional de piso para o nível médio e para a graduação, uma vez que só garantiram o percentual para o nível médio. Há estados que sequer pagam o valor mínimo nacional de piso, a exemplo do Rio Grande do Sul.

34. Neste cenário, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) aprovou em suas instâncias uma proposta de Diretrizes de Carreira. Este documento visa assegurar uma carreira com valorização, estabelecendo percentuais mínimos de diferenciação entre classes e níveis. No atual cenário do Congresso Nacional, as esperanças de avanço estão cada vez mais reduzidas.

O sistema de avaliação – libertar ou ranquear?

35. Outra questão polêmica dos anos Lula e Dilma é o sistema de avaliação nacional (PL 8035/2010), aplicado como uma política pública (Saeb, Ideb, Enem, Sinaes, Prova Brasil, Provinha Brasil). Calcado na pedagogia das competências e habilidades, reforça no chão das escolas a concepção de uma educação mercadológica e meritocrática. Estas

metodologias não conseguem avaliar o conjunto dos fatores que, direta ou indiretamente, interferem na aprendizagem de crianças e jovens do Brasil. Assim, são resultados facilmente questionáveis diante das fragilidades do modelo e das imensas desigualdades sociais e territoriais do país. Os resultados padronizam uma determinada concepção de sucesso escolar, estimulam um ranking entre as escolas, sistemas de ensino, entre setor público e privado e a hierarquização curricular e enfraquece a centralidade dos Projetos Políticos Pedagógicos de cada unidade de ensino.

36. Na gestão do Ministro Renato Janine, no ano de 2014, o MEC adotou outra metodologia de avaliação no sentido de superar o ranqueamento entre escolas. Apenas naquele ano foi incluído o indicador de permanência na escola, levando em consideração a vida escolar dos estudantes, de modo a verificar se eles cursaram total ou parcialmente o ensino médio no mesmo local. Essa medida tinha objetivo de impedir as fraudes que algumas escolas privadas realizam para aparecerem bem nos ranking divulgados a partir do resultado do ENEM. Essas escolas tentam maquiar o ranking do Enem trazendo alunos brilhantes de outra escola para o 3º ano ou exclui os alunos que tem desempenho pior do 3º ano. Essa política adotada pelo MEC causou reação contraria dos empresários da educação. O resultado do ENEM em 2014 colocou escolas públicas entre as melhores instituições de ensino do Brasil. Com a nomeação do Ministro Mercadante retorna o modelo que interessa aos empresários da educação de ranqueamento, desconsiderando, de novo, a realidade socioeconômica das escolas e dos estudantes.

O ProJovem

37. O ProJovem trouxe inovações metodológicas com os arcos de saberes (daí o esforço de aproveitar a metodologia para a política de EJA do MEC), e introduziu as salas de acolhimento para mães e pais jovens levarem seus filhos – na prática, a primeira experiência de “creche” em escolas de educação básica. É um programa com muita dificuldade de execução, mas com foco em um público que geralmente evadiu das escolas e da EJA. Foi também a primeira marca de uma política explicitamente para a juventude o que possibilitou uma disputa importante dentro do MEC para um olhar para além do estudante, mas para os jovens como público diferenciado.

38. Entretanto, o programa não é isento de equívocos na sua implementação. Entre eles: 1) o lançamento voltado para as grandes metrópoles com um molhar excessivamente urbano; 2) a execução exclusivamente com prefeituras sem a devida ampliação para organizações de educação popular; e 3) a unificação de outras iniciativas, que não nasceram como ProJovem sob esse guarda-chuva, criando os ProJovem Trabalhador, ProJovem Adolescente e ProJovem Campo. Com isso perdeu-se a originalidade de outras ações como o Saberes da Terra (que virou ProJovem Campo) e o Consórcio da Juventude (renomeado ProJovem Trabalhador).

O Programa de Ações Afirmativas

39. Esta política do governo federal constitui-se numa grande vitória dos movimentos sociais. Apesar do seu impulso inicial, essa concepção ainda não está consolidada. O Programa é um mecanismo criado em defesa dos negros e negras, das nações indígenas, dos povos e comunidades tradicionais, das pessoas com deficiência e dos setores mais pobres e injustiçados, alvos de uma exclusão secular. Toda discussão que invoca o mérito como parâmetro, visando à contraposição a essa medida, escancara uma ideologia da classe dominante.

40. O governo do PT, com muitas contradições, estimulou a organização e a demanda de segmentos historicamente invisibilizados na agenda governamental, e, portanto, segregados do pleno acesso à educação. Apesar dos avanços, é necessário aprofundar e garantir os direitos LGBT, de negros, deficientes, mulheres, povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas, entre outros, a partir da destinação de verbas direcionadas para a inclusão desses segmentos, visando incluir no currículo de formação profissional dos professores, em caráter obrigatório, para que estes tenham condições de compreender a realidade específica desses grupos.

41. Houve também sinalização de recuo dos Governos Lula e Dilma. Um exemplo importante foi a suspensão do projeto Escola sem Homofobia, em 201, legitimando o espaço de grupos conservadores fundamentalistas no avanço do enfrentamento e disseminação do ódio contra as políticas públicas de gênero. Entre avanços e impasses, os temas educacionais impuseram uma agenda sem, contudo, criar um vigoroso movimento social e popular, de base, que envolvesse professores, jovens e toda a sociedade na transformação da educação brasileira. As consequências das contradições de gestão da educação no governo do PT, se fizeram visíveis quando parte da juventude protagonizou a defesa da campanha pelo impeachment da presidenta Dilma. A falta de um projeto de educação libertador levou essa parte da juventude a ser educada pela mídia de massa, e não pelo projeto de educação democrático-popular.

A situação do ensino médio

42. Para todos os trabalhadores em educação, a situação do ensino médio é dramática. A grande maioria das escolas se encontra sucateada estruturalmente e ultrapassada do ponto de vista pedagógico, como resultado dos múltiplos governos neoliberais. A escolaridade líquida, idade esperada para o ensino médio, ainda é baixa na maioria dos estados brasileiros. Existem altos índices de abandono (13%), especialmente no primeiro ano, e de reprovação (21,7%).

43. A diferenciação entre o ensino público e as melhores escolas privadas acentua brutalmente a desigualdade social. Os filhos da classe dominante continuam tendo uma formação que contempla todas as áreas de conhecimento, enquanto os pobres e os filhos dos trabalhadores são preparados para servir ao mercado e ao Capital. A “inserção no mundo do trabalho” revela-se apenas um disfarce para a formação de mão de obra barata e qualificada para os diversos ramos empresariais. As propostas de reestruturação do ensino médio estão na contramão das necessidades e das aspirações dos jovens que estudam nas escolas públicas. O desejo de decidir sobre seu futuro, com ampla liberdade de escolha e condições dignas de vida continua a ser o sonho de nossa juventude.

44. A superação destas mazelas só será possível com políticas de investimento na formação e valorização do magistério, aporte de investimentos para a ampliação e recuperação da rede física das escolas e a construção de uma nova proposta político-pedagógica, a qual será resultado de um longo processo de debate entre os sujeitos envolvidos, aguçando a sua consciência crítica.

45. Se faz urgente a tomada de consciência dos trabalhadores da educação da Articulação de Esquerda no que se refere à necessidade de organizar e de radicalizar a resistência ao avanço do conservadorismo na educação e à perda de direitos adquiridos, assim como a luta pela ampliação de direitos, ocupando os espaços de representação nas escolas.

O ensino privado na educação básica

46. Apesar do crescimento das vagas e do número de instituições públicas de ensino na educação básica e superior nos anos dos governos Lula e Dilma, a lógica empresarial do setor privado não foi contida. Pelo contrário, por um lado o sucateamento de muitas redes públicas estaduais e municipais contribui para a proliferação de estabelecimentos de ensino sem nenhuma preocupação pedagógica, com um propósito meramente comercial. Por outro lado, salários baixos, péssimas condições de trabalho, exploração de mão-de-obra é o que mais se encontra na maioria das escolas privadas atualmente. E as mais atingidas são aquelas de educação infantil cada vez mais necessárias em nossa sociedade.

47. Há uma predominância da política de “ranqueamento”, estimulada pelos resultados obtidos no ENEM, e utilizada comercialmente pelas escolas. Grupos educacionais formam turmas especiais para atingir lugares de destaque neste ranking. A venda de materiais pedagógicos, elaborados com ênfase na concepção da pedagogia das competências e habilidades para atender às demandas do mercado para outras instituições privadas e, inclusive, para redes públicas, torna-se um grande filão, prometendo, ilusoriamente, sucesso e garantia de bons desempenhos dos estudantes nas avaliações nacionais.

48. Esse processo perverso se desenvolve crescentemente no país sem uma postura firme do MEC para combater essa fraude. É a legitimação da educação como mercadoria. Por isso, esta conferência sindical de educação deve defender:

a) o fim da divulgação do ranking das escolas.

b) a regulamentação das escolas privadas pelo poder público.

c) que o v a l o r d o Piso Salarial Nacional do Magistério e o mínimo de 1/3 de atividades extraclasse, dentro da carga horária, sejam garantidos para os trabalhadores do magistério do setor privado da educação básica.

Diversidade e gênero na educação

49. O imaginário social, construído coletivamente nos diversos âmbitos da sociedade, define papéis sociais diferentes para homens e mulheres. Educadas para a ocupação dos espaços privados, as mulheres estão sempre em condição de subalternidade aos homens. Sua infância é marcada pela aprendizagem dos trabalhos com o cuidado do outro e com as tarefas domésticas. Em contrapartida os meninos são educados desde a primeira infância a ocuparem os espaços públicos da sociedade. Marcado pela obediência a um determinado padrão e aos desejos alheios, o corpo da mulher também é estimulado pelos nortes da política capitalista. A indústria do sexo, dos cosméticos e das cirurgias plásticas tem se beneficiado muito pela construção social que determina a vida das pessoas do gênero feminino. A educação de meninos e meninas é protagonizada pelas famílias, pelas religiões, com grande influência da mídia capitalista e reforçada nas Instituições Educacionais.

50. Após décadas de lutas de diversos movimentos feministas e LGBT, este padrão de comportamento vem sendo questionado na sociedade. Na primeira década deste milênio, a partir da visibilidade das reivindicações destes setores, houve um avanço nas políticas de inclusão da diversidade e políticas de combate à violência de gênero. Entre estas ações destacam-se: a lei Maria da Penha, a formação de docentes sobre o tema com início de 2006, a crescente parada gay em SP e os reflexos positivos da visibilidade das diferenças, as políticas de cotas, a paridade no PT e nas entidades sindicais, a ampliação de mulheres nos espaços do alto escalão do governo e a histórica conquista de uma mulher a presidência do país. Estes avanços são apenas o início de uma transformação

social rumo à construção de uma sociedade mais igualitária e com grandes desafios pela frente.

51. Na educação, esta pauta ainda é tratada com muita timidez. Poucas pessoas sentem-se à vontade para discutir o tema nas escolas, devido à necessidade de maior formação sobre o tema e à dificuldade de enfrentar os desafios impostos pela sociedade conservadora que se reflete no contexto educacional.

Embora as conquistas ainda sejam tímidas, diante do desafio de construir uma sociedade igualitária, para as forças conservadoras esse é o limite máximo permitido para os avanços dos nossos direitos. A eleição de 2010 foi pautada pelo debate de gênero, pela desqualificação das mulheres e pelo controle aos corpos das mesmas. Nos últimos anos também foi possível observar que, ao mesmo tempo em que há um aumento da violência, é crescente a crueldade da violência de gênero. As conferências de Educação nos anos de 2013 e 2014 apresentaram resistências ao tema de gênero em diversos territórios, culminado nas dificuldades de desenvolver este debate no PNE. Em 2015 as forças conservadoras conseguiram se organizer, e baniram as políticas de gênero em praticamente todos os municípios em nome da “ideologia de gênero”. Este termo, inventado por eles, difunde a ideia de que existe uma intenção em mudar a orientação sexual das crianças.

52. Neste ano, a destituição de uma mulher do poder legitimamente conquistador, sem qualquer crime por ela cometido, em meio ao grande índice de retrocessos na política de gênero, tenta nos fazer acreditar que o impeachment também foi motivado pela fragilidade das mulheres na sociedade. O discurso do impeachment baseia-se em erros estratégicos personalizados em Dilma, tentando mascara a tentative das classes dominantes de paralisar a operação lava-jato. Marcada pelo ódio, construído pela mídia e que assombra toda a sociedade, as políticas de ampliação da democracia e de inclusão das diversidades estão correndo um grande risco. A entrega do MEC ao DEM, é um recado que já se reflete em um profundo retrocesso. Junto a isto, a conjuntura da câmara federal nos parece ser bastante favorável à aprovação destes projetos extremamente autoritários. Diante deste cenário, é necessário reforçar a luta pela inclusão, ampliar os debates sobre a questão de gênero e a sua importância para o fortalecimento da democracia, no interior do Partido dos Trabalhadores, nos movimentos sociais e sindicais para fortalecer este debate na sociedade e criar uma forte barreira de resistência aos retrocessos que já estão anunciados.

IV. O projeto da Universidade Democrática e Popular no governo Lula

53. A universidade pública brasileira, no final dos anos 1980, encontrava-se numa profunda crise estrutural e financeira, comprimida pelo crescimento avassalador do setor privado durante os anos da ditadura. Nos anos 1990 a onda neoliberal de Collor, Itamar e FHC aprofundou ainda mais a crise. As medidas guardavam um sentido comum: fortalecer o ensino privado e enfraquecer o ensino público. Um dos pontos centrais da agenda era a proposta de Autonomia Financeira para as Universidades Públicas, que na prática significava que estas deveriam se “auto-financiar”, com cobranças de matrículas, mensalidades, vendas de serviços etc.

54. Foram tempos difíceis para a universidade pública, exigindo muita resistência e luta dos movimentos sociais e das esquerdas através das greves nacionais de 1998 e 2001 e o Boicote ao Provão. A unidade do movimento de educação também estaria presente na importante ação do Fórum em Defesa da Escola Pública e na formulação do Plano Nacional de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira, em 1997.

55. A primeira eleição de Lula, em 2002, representou, para os setores sociais comprometidos com a defesa da universidade pública, um claro desejo de reversão do desmonte e de discussão de projetos transformadores, fortalecedores do caráter público da universidade brasileira, de sua democratização e da ampliação de sua capacidade de produzir conhecimento de forma autônoma e socialmente referenciada.

56. As primeiras iniciativas do governo na mudança das condições de aposentadoria dos servidores públicos federais sinalizaram para os institutos e universidades públicas federais um distanciamento do projeto de mudança para a educação pública. No âmbito da educação superior, tivemos duas políticas que podem ser percebidas como contraditórias: REUNI e ProUni. O Reuni, lançado em 2007, embora apresentada originalmente como uma proposta pré-formatada e quantitativista enfrentou resistências que qualificaram os projetos apresentados. A juventude e os militantes docentes da AE se somaram nesse processo defendendo o REUNI, mas exigindo mudanças. Nem tudo foi acolhido, e a lógica produtivista e quantitativista, que trouxe alunos para as universidades sem solucionar na mesma velocidade os limites infraestruturais, são sentidos até hoje como um legado negativo.

57. A ampliação dos Institutos Federais, juntamente com a criação de novas universidades, foram ações que finalmente começaram a interiorizar o acesso ao ensino técnico federal e ao ensino superior. Contudo, o ProUni, em que pese a avaliação de que garantiu um acesso mais rápido ao ensino superior especialmente para os jovens trabalhadores, foi uma política que manteve o ensino privado aquecido com recursos públicos. Assim, pode se afirmar que a política adotada principalmente no governo Lula não caminhou inteiramente em direção às bandeiras históricas do movimento. A ação do MEC estava inicialmente subordinada ao conservadorismo da política econômica adotada, que cerceava a expansão das universidades públicas, e não se confrontava com os “tubarões do ensino” do setor privado.

58. Assim, apesar dos limites, ao longo do seu mandato, o governo Lula exibiu avanços consideráveis em determinados setores como, por exemplo, a expansão e a interiorização das instituições federais, a ampliação dos recursos para educação e a inclusão de setores populares no ensino superior. Destacam-se ainda a retomada de concursos para professores e servidores, a ampliação do número de matrículas, via expansão, ProUni e REUNI e a política de Avaliação Institucional com o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES). Importante também a democratização do acesso e permanência, ainda que de forma insuficiente, com o estímulo à adoção das políticas de Ações Afirmativas e o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), além do uso do novo ENEM com forma de ingresso ao ensino superior.

59. Todavia, a estratégia de conciliação com o setor privado continuou presidindo as ações do governo federal, que não tomou medidas significativas no sentido de regulamentar a educação privada. Além disso, também não foi prioridade para o MEC atuar no sentido da democratização da gestão das instituições de ensino, alterando suas estruturas por meio de alterações na legislação vigente.

60. As políticas relativas ao ProUni e ao ENEM parecem consolidadas, mas isto não encerra as críticas do movimento popular sobre a canalização de recursos públicos para institutos superiores privados. Ademais, o Governo não exige por parte das IFES beneficiadas pelo ProUni nenhuma espécie de contrapartida, tampouco nenhuma regulamentação e controle de qualidade.

61. Não obstante o aumento da sua importância, o ENEM não está ainda consolidado como um instrumento de acesso ao Ensino Superior, o que não pode ser confundido com a política educacional de exames. Os motivos são variados: formatação e problemas da licitação, discussão nas inúmeras universidades a respeito

da sua significância como instrumento classificatório, a lisura do exame (enfraquecimento da estrutura mercantil do vestibular) etc. Apesar dos senões, esse instrumento tornou-se essencial para o acesso das classes populares aos cursos mais elitizados. Mesmo setores de média renda já encaram o ENEM como fator decisivo para o acesso ao ensino superior.

Por uma Formação Integral: Ensino, Pesquisa e Extensão para a Transformação Social

62. Hoje, mais do que nunca, faz-se necessário repensar os métodos de ensino e o modelo de formação das universidades. É preciso também uma profunda mudança na forma como o conhecimento é produzido e disseminado, alterando a própria organização acadêmica das instituições de ensino. O abandono dos estudos e a repetência são, em muitos momentos, sintomas da insatisfação dos jovens em relação à universidade. Compõem esse ambiente métodos obsoletos de ensino-aprendizagem, avaliações orientadas somente pela memorização e a própria relação hierárquica nada democrática entre professor e estudante.

63. O ensino universitário tradicional tem sido desenvolvido geralmente de forma desvinculada da experiência, da prática e da realidade social. Esta concepção estática e fragmentada da produção do conhecimento reduz a mesma a especializações disciplinares, recortados artificialmente da realidade social. Há uma grande separação entre ensino, pesquisa e extensão.

64. Transformar essa realidade exige a abertura de um amplo debate nacional sobre o projeto político-pedagógico das universidades brasileiras, a partir de métodos didáticos e pedagógicos alternativos, baseados na participação, no diálogo e na valorização dos saberes populares, na socialização dos saberes historicamente acumulados, na construção coletiva do conhecimento. A meta 15.6 do Plano Nacional de educação fere a autonomia universitária, quando se coloca um currículo único que vai atingir a educação básica na reprodução dos apostilados das empresas que já têm os conteúdos, planejamentos e metodologias prontos, de acordo com os interesses do capital.

65. No campo da reestruturação acadêmica e curricular, um dos desafios é repensar o atual modelo de organização universitária e a eventual extinção dos departamentos. Esses se tornaram redutos privilegiados de grupos de interesses privados, e reproduzem uma organização segmentada da universidade. Esta distorção também é percebida na própria estrutura física das universidades, em que os seus blocos, centros, faculdades e institutos são marcados pela falta de comunicação, isolando os estudantes e não permitindo o contato destes com outros campos do saber. Já em relação aos currículos, fica patente a necessidade que tem a universidade em incorporar a diversidade social e cultural dos educandos e da comunidade. Uma diversidade não encontrada nos atuais currículos eurocêntricos, sexistas e heteronormativos das nossas universidades.

Autonomia Universitária

66. A autonomia é indissociável da própria ideia de universidade. O seu exercício, no entanto, não deve ser confundido como independência ou isolamento da sociedade. Ao contrário, a autonomia da universidade é condição fundamental para que sua função social não seja tolhida por interesses a ela alheios ou externos. Prevista pelo artigo 207 da Constituição Federal, ela deve compreender a autonomia didático-científica,

administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Além disso, seu exercício deve estar vinculado ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

67. A Lei de Inovação Tecnológica e a Lei das Parcerias Público-Privadas interferem na autonomia das universidades, que podem celebrar contratos com empresas privadas, com o objetivo de desenvolver pesquisas para estas, dando centralidade aos interesses do que o mercado considera como relevante. A lei 13.243/16 autoriza a criação de instituições científicas, tecnológicas e de inovação (ICT) com o estatuto jurídico de “organizações sociais” (OS) para o desenvolvimento de atividades de pesquisa. As ICT podem: 1) receber recursos públicos dos entes federados e fundações privadas ditas de “apoio” para cobrir todas as suas despesas; 2) usufruir de pesquisadores pagos com recursos públicos; 3) ceder a infraestrutura pública de pesquisa para empresas privadas, inclusive de capital estrangeiro.

68. Em julho de 2010, o governo Lula assinou o “Pacote da Autonomia” para as IFES, um conjunto de medidas como a renovação do PNAES, que agora é lei; o gerenciamento de servidores técnico-administrativos, permitindo a autorização para reposição via concurso público sem precisar passar pelo governo; e de recursos, que deixam de ser recolhidos ao tesouro nacional ao final de cada ano. Apesar destas medidas positivas para as IFES, o governo avançou na relação das universidades com as Fundações Privadas ditas “de apoio”, permitindo a celebração de contratos e convênios para o desenvolvimento de projetos, abrindo mão do fortalecimento do controle social e público.

69. Para o exercício pleno desta autonomia, é central o fim do modelo de fundações privadas nas universidades públicas brasileiras. Instrumentos privilegiados de captação de recursos privados, elas ferem abertamente a autonomia universitária, sobrepondo interesses privados à produção do conhecimento e criando um terreno fértil para práticas de corrupção e mau uso dos recursos públicos.

70. É merecedora de atenção a situação das universidades estaduais. A fragilidade institucional de muitas dessas universidades, desde sua normatização e fiscalização pelos conselhos estaduais de educação até a subordinação política aos governos estaduais explica a grave crise que passam muitas dessas instituições. A vinculação orçamentária das verbas para a sua manutenção é condição fundamental para que não sejam transformadas em “feudos políticos” regionais.

Gestão democrática e participativa

71. As universidades brasileiras devem aprofundar a participação democrática, garantindo a presença paritária dos segmentos da comunidade em todos os órgãos colegiados. Nessas instâncias também deve ser incorporada a participação de movimentos sociais, em diálogo com as demandas populares. Ademais, instrumentos de elaboração coletiva dos planos político-pedagógicos, de desenvolvimento institucional, de avaliação e dos orçamentos participativos devem ser instituídos.

72. Em relação à escolha dos dirigentes das universidades, devem ser garantidas eleições diretas, secretas e, no mínimo paritárias, em todos os níveis de direção. A homologação da escolha desses dirigentes deve ser dada no âmbito da própria instituição, não devendo ser submetida a listas tríplices para a decisão do Poder Executivo.

73. Nas instituições pagas, essa realidade é ainda mais grave, uma vez que a perseguição aos militantes estudantis e sindicais, a falta de transparência com as planilhas de custo e investimento e ausência de espaços democráticos de participação

e decisão são elementos que orientam uma concepção de educação pautada pelos interesses imediatos da lucratividade.

Contra a mercantilização da educação

74. O financiamento da universidade pública é um dever do Estado e não deve se amparar em nenhum instrumento privatizante como cobrança de taxas, matrículas ou captação via fundações privadas ditas “de apoio”. A carência de recursos é sentida no sucateamento dos laboratórios, do acervo precário das bibliotecas e da estrutura das salas de aula. Sem um aporte consequente de recursos públicos, ampliando as verbas de custeio e investimento, não será possível atender à reivindicada expansão com qualidade das vagas públicas.

75. A constituição de mecanismos de financiamento público permanente torna a universidade menos vulnerável às ingerências externas, limitadoras da sua autonomia. Importantes vitórias foram alcançadas nos governos Lula e Dilma, como o fim da Desvinculação das Receitas da União (DRU) na educação, que permitiu o acréscimo de R$ 9 bilhões por ano para educação, a ampliação do orçamento para as Universidades Federais, que passou de R$ 9 bilhões em 2002 para R$ 20 bilhões em 2010. Contudo, isto ainda é insuficiente para promover uma grande expansão das IFES. Logo, uma das tarefas centrais dos movimentos sociais é a luta pela destinação de 10% do PIB e 50% do Fundo Social do Pré-sal para educação, além da destinação de recursos públicos apenas para a educação pública.

Democratização do acesso e permanência. Garantir o direito à educação!

76. O Brasil registra ainda índices baixos de acesso ao ensino superior, se compararmos inclusive com a América Latina, e possui a maior parte das suas matrículas no setor privado. As políticas afirmativas são iniciativas transitórias, mas necessárias. Os que se erguem contra a adoção de cotas ou reserva de vagas para o acesso à universidade reproduzem o velho e ultrapassado argumento do mérito, da meritocracia. Para estes, a entrada de setores populares diminuiria a qualidade acadêmica da universidade. A pertinência do argumento cai por terra, no entanto, quando avaliamos o bom desempenho acadêmico dos estudantes alcançados por essas medidas.

77. Democratizar o acesso à universidade pública é lutar para que os estudantes não continuem contabilizados enquanto números na expansão dos lucros do setor empresarial da educação. Propostas que defendam a flexibilização dos currículos visando a diplomação intermediária (como é o caso dos bacharelados interdisciplinares), a criação de cursos aligeirados e a precarização da formação superior devem ser combatidas pela comunidade universitária.

78. Sobre a formação em educação do campo, é importante ressaltar o acerto da criação de programas de licenciatura em educação do campo e pedagogia da terra. Todavia, ainda não há uma prioridade para o desenvolvimento dos projetos iniciais destes programas nas universidades públicas que os criaram, apesar dos bons resultados acadêmicos. Ainda está em curso a luta pela manutenção destes cursos, em nível superior. Isto se deve não apenas às dificuldades burocráticas existentes, mas também à resistência das próprias instituições universitárias. Apesar dos avanços, a discussão em torno de uma educação popular libertadora ainda não é uma prioridade do governo federal.

79. O novo ENEM, pelo simples fato de explicitar à sociedade que o vestibular não é algo imutável e que há a necessidade urgente de modificar a forma de acesso, já é encarado com boa aceitação pelo conjunto dos movimentos de educação. Porém este ainda não é o modelo ideal. Um amplo debate deve ser desencadeado para a formulação de uma alternativa que tenha como horizonte o fim do vestibular.

80. A assistência estudantil é essencial para a garantia do acesso e permanência na universidade, combatendo a evasão e a desistência. Assim, faz-se necessário uma concepção avançada de Assistência Estudantil, em que esta esteja articulada ao processo educativo, integrada ao tripé ensino, pesquisa e extensão. O estudante beneficiado não deve ser confundido com mão de obra barata nas universidades ou como instrumento de precarização do trabalho nas instituições de ensino. Em 1997, o governo FHC suprimiu os recursos destinados à Assistência Estudantil. A partir de 2007, o governo Lula retomou os investimentos específicos para permanência estudantil com o PNAES.

81. A aplicação das verbas destinadas à assistência estudantil deve ser fiscalizada por conselhos democráticos dentro da instituição. É preciso fortalecer institucionalmente as ações e políticas de permanência, com a criação de órgãos específicos como Pró-Reitorias de Assistência Estudantil, responsáveis pela execução de Planos de Assistência Estudantil debatidos amplamente com os estudantes em cada universidade.

Por uma avaliação participativa e transformadora

82. No final da década de 1980, iniciou-se no movimento de educação o debate sobre a construção de uma proposta de avaliação para as Instituições de Ensino Superior. Uma das grandes propostas formuladas foi o Programa de Avaliação das Instituições Universitárias Brasileiras (PAIUB). Era um método de avaliação baseado nas peculiaridades de cada instituição através de uma avaliação interna e externa, que identificava os pontos fortes e fracos. A avaliação não era nem obrigatória e nem punitiva. Essa proposta teve pouco tempo de duração. Permaneceu em vigor durante o mandato do Presidente Itamar Franco.

83. Em 1995, assim que assumiu a presidência, FHC extinguiu o PAIUB, sendo substituído pelo Provão. Era uma avaliação parcial, punitiva, ranqueadora e meritocrática, transferindo a responsabilidade do desempenho da Instituição apenas para os estudantes. Em resposta, o movimento de educação construiu uma forte campanha pelo boicote ao Provão. Esse boicote criou as condições para que, posteriormente, fosse criado um novo sistema, o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES). Ele é constituído de uma avaliação externa e interna das IES. Contudo, reproduziu a lógica do antigo Provão através do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE). O SINAES absorveu parte das reivindicações do movimento de educação, como a elaboração de uma avaliação de toda a instituição e seus segmentos.

84. Por outro lado, o ENADE mantém a lógica ranqueadora e punitiva. Sendo assim, seus problemas ainda são muitos: o fato de ser um componente curricular obrigatório sem ter nenhuma discussão com as entidades que representam os cursos de graduação; manter a doação de bolsas como estímulo para os estudantes melhor classificados; uma mesma prova para os estudantes do início e do final do curso que realizam o exame; a manutenção de um grande peso (60%) sobre avaliação dos estudantes na definição do Índice Geral de Cursos (IGC), ranking de qualidade entre universidades públicas e privadas, cujas notas são publicizadas pelo MEC, possibilitando

o ranqueamento e a utilização do resultado pelas IES privadas e pela mídia para fazer marketing e se utilizarem disso para fins comerciais.

85. Além dos problemas do ENADE, o conjunto do sistema precisa avançar. A Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES), hoje composta pela maioria de representantes do governo, em um total de apenas 13 membros, precisa ser mais representativa do ponto de vista do movimento social. Nas universidades, é fundamental a participação democrática nos espaços, conselhos e comissões – como as Comissões Próprias de Auto Avaliação (CPAs), que tratam da avaliação institucional – já que esta participação influi para definição dos rumos das instituições de ensino.

Regulamentação do Ensino Superior Privado

86. A mercantilização da educação atinge níveis de extrema gravidade. Os rumos da educação brasileira estão sendo cada vez mais definidos nas bolsas de valores e no comércio de serviços internacional. A relevância social e o compromisso com o desenvolvimento do país têm dado lugar ao conhecido vocabulário do mercado financeiro. Com o reconhecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) da educação superior como área passível de investimentos, hoje o setor educacional privado é o sexto setor da economia nacional.

87. Isto faz com que cada vez mais as instituições passem a operar como empresas, submetendo- se à lógica do mercado, com cursos abertos e fechados conforme as leis da oferta e da procura, a demissão sistemática de quadro docente qualificado, por conta de seus maiores salários, e a proibição da rematrícula dos estudantes inadimplentes.

88. Entre fusões e ações colocadas no mercado, a educação superior tem ficado refém de uma notável desnacionalização, conforme atestam as recorrentes aquisições de instituições brasileiras por grandes corporações internacionais. Num cenário como esse não há margem para dúvidas: a restrição total a entrada do capital estrangeiro na educação superior do país é uma luta prioritária do movimento de educação.

89. Em outras palavras, a educação superior privada é um “negócio” que tem dado dinheiro no Brasil. Apoiada na influência do setor privado nos órgãos reguladores do executivo e no poder legislativo, sua ampliação tem sido conduzida sem compromisso com a qualidade social e a garantia do tripé ensino, pesquisa e extensão. A própria estrutura de muitas instituições – que não raro se aproximam à de um colégio ampliado de terceiro grau ou shopping center – reflete a massificação do acesso em curso.

90. Outra questão diz respeito à fragmentação dos cursos e das instituições que faz com que proliferem cursos tecnólogos, à distância, on-line e afins sem nenhum tipo de critério acadêmico. A falta de regulamentação e controle público sobre o ensino privado permitiu uma liberalização do sistema, de forma que cada vez mais a educação distancia-se de suas prerrogativas constitucionais de ser um direito para tornar-se, efetivamente, um produto à venda.

91. Visando sanar a contradição entre o baixo poder aquisitivo da população e as altas matrículas e mensalidades no Ensino Superior pago, diversas formas de crédito educativo já foram utilizadas pelos governos, como o Crédito Educativo (Creduc), substituído pelo FIES, que logo após a formatura do estudante, passava a cobrar o valor do financiamento, acrescido de juros compostos altíssimos, como se o diploma de curso superior fosse garantia de emprego logo após seu término. Em 2010, o governo lançou o Novo FIES, reduzindo os juros e ampliando os prazos para quitar a dívida.

92. Neste cenário, o ensino superior pago no Brasil chegara ao seu esgotamento, encontrando-se em uma forte crise. No entanto, a resposta inicial do governo Lula para

esta questão foi a criação do ProUni, um programa de isenção fiscal para instituições pagas, com ou sem fins lucrativos, em troca de bolsas de estudo. Desde sua criação, o ProUni já beneficiou mais de 700 mil estudantes. Não obstante a sua face progressista – possibilitando o acesso à universidade de setores dela historicamente excluídos – é inegável que o programa representou um fortalecimento do ensino privado, aumentando o poder deste setor, o que dificulta a aprovação de medidas efetivas de regulamentação e controle das instituições privadas. Na prática, o ProUni foi a salvação de muitas instituições que estavam à beira da falência.

93. Estes programas contribuíram para incluir uma importante parcela da população brasileira no ensino superior. Todavia, também colaboraram para uma proliferação de cursos sem compromisso com qualidade, que desrespeitam legislações trabalhistas, abusando de cursos à distância sem fiscalização efetiva e, o mais grave, com grande concentração em cursos de licenciatura. Essa omissão do MEC, no controle de tais cursos, permitiu o ingresso no mercado de professores mal preparados que aceitam, sem questionar, os modelos pedagógicos pré-fabricados, baseados no “apostilismo”. É a substituição do “professor-autor” pelo “professor-executor”, numa concepção de educação que, por si só, é uma contradição.

94. O ProUni poderia ser utilizado pelo Ministério da Educação como um instrumento mais efetivo para a regulamentação e democratização das Universidades pagas, exigindo como contrapartida a realização de eleições diretas e paritárias para a escolha de seus reitores e diretores de unidades, participação discente em conselhos e colegiados, controle público sobre o aumento de mensalidades e a garantia da liberdade de organização estudantil e sindical na instituição.

V. A Educação Pública e a Ofensiva Conservadora no Segundo Governo Dilma

95. No início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, deu-se continuidade à política educacional implantada nos anos do governo Lula. O orçamento federal cresceu fortemente: de R$ 18 bilhões em 2002 para R$ 115,7 bilhões em 2014, com um aumento real de 218%. No entanto, já em 2014, iniciou-se intenso contingenciamento nos recursos destinados às universidades. Destacam-se como marcas da sua gestão o Programa Ciências Sem Fronteiras, a ênfase no investimento na educação infantil e o controverso Pronatec. Nesse sentido, houve um giro p a r a o mercado e para área tecnológica. Se os governos Lula foram marcados pela criação e ampliação de universidades e institutos federais, com a introdução de cursos nas mais diversas áreas do conhecimento, licenciaturas plenas, licenciatura em educação do campo, humanidades e tecnológicas, dentre outras inciativas, o Pronatec e o Ciências Sem Fronteiras focaram em uma formação para o mercado e para a hierarquização das áreas tecnológicas. No caso do Ciências sem Fronteiras, ele poderia ser redesenhado, dialogando com outras áreas do conhecimento, fortalecendo o intercâmbio na América Latina e BRICS. O Pronatec é um caso mais grave, pois se tornou uma correia de transmissão do Sistema S com aporte de recursos públicos, voltado para a formação rápida e superficial de mão-de-obra para o mercado de trabalho.

96. Após uma eleição polarizada, no segundo turno, com uma campanha baseada num discurso popular e de esquerda, em 2015, a presidenta iniciou o seu segundo mandato com o lema “Pátria Educadora”. Supunha-se que o seu desejo seria o de deixar como legado mais importante do governo petista um grande salto adiante na educação brasileira, aprofundando qualitativamente algumas mudanças ocorridas desde 2003. Todavia, a educação vem vivendo a realidade do contingenciamento e dos expressivos cortes de recursos e de programas como parte das medidas do ajuste fiscal.

97. O documento “Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional” expressa, no campo da educação, a grande ofensiva dos setores conservadores sobre o projeto histórico do Partido dos Trabalhadores. A proposta, gestada por Mangabeira Unger, na Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidência, retirou dos diversos protagonistas da educação – intelectuais, profissionais da educação, comunidades – a centralidade da elaboração democrática, plural e de base. Desqualificou décadas de formulação sobre a educação brasileira construída nas universidades públicas e em fóruns democráticos como as Conferências de Educação. Na verdade, aprofunda uma linha de confronto já existente no interior do MEC, impondo-se cada vez mais.

98. Assim, a “Pátria Educadora” é obra de especialistas do mercado, e incorpora essencialmente a concepção de eficiência empresarial do século XXI: elitismo, modernismos de mercado, seleção, meritocracia, tecnicismo, padronização, treinamento e controle. Esta visão de mundo difere radicalmente da educação freiriana: solidária, libertadora, plural, empoderadora.

99. Não há “melhoramentos” possíveis neste documento. Sua lógica é oposta a toda a tradição do petismo. O texto ignora a existência de funcionários da educação, e trata exclusivamente de professores. A política é seletiva, pois somente alguns ocuparão o papel de “vanguarda pedagógica”. Em consonância com a visão mercadológica, o professor será um executor de tecnologias educacionais, formado em centros de formação específicos e com um Plano de Carreira Nacional próprio, baseado logicamente em provas e adicional salarial mediante cumprimento de metas. Não, a polivalência não foi esquecida. A Prova Nacional Docente, após a conclusão do curso de licenciatura, habilitará o professor a dar aulas em duas ou três matérias, consolidando a polivalência. Além disso, o caráter elitista do documento Pátria Educadora é evidente ao não contemplar uma política referente à Educação de Jovens e Adultos (EJA), não colocando-a como política pública central que resgate a dívida histórica de inclusão e de valorização num país que ainda possui um número alto de analfabetos entre a população de jovens e adultos.

100. Os centros de formação de professores e os de diretores delegarão ao setor privado o papel de formação dos profissionais do magistério. Não há qualquer menção à longa trajetória de formulação das universidades públicas brasileiras. Esta lógica também se expressa na educação das nossas crianças e adolescentes. Estimula ainda mais a competição e a elitização, criando ilhas de excelência através de um programa especial para alunos de maior potencial, as Escolas Anísio Teixeira – na contramão das concepções anisianas! Defendemos que os programas de formação continuada devem fazer parte das políticas governamentais em parceria com as universidades públicas e com os movimentos sociais populares da educação, contribuindo para que este profissional empoderado seja um protagonista do seu trabalho político-pedagógico, de acordo com as concepções freirianas de uma educação solidária, libertadora e plural.

101. Eleições diretas são disfuncionais neste modelo. A lógica gerencial empresarial consagra-se definitivamente. O diretor de escola não é necessariamente um líder da comunidade. É um gestor capacitado em determinadas tecnologias, formado em centros de formação específicos que habilitará os concursados na assunção do cargo em determinada unidade escolar.

102. Avaliação e currículo também se subordinam definitivamente à dinâmica do mercado. Ênfase em leitura e raciocínio lógico, empobrecendo a concepção de uma educação integral, com conhecimentos articulados e interligados. O processo avaliativo consagra definitivamente a prova como ápice de um sistema nacional, a selecionar alunos em potencial, a homogeneizar conteúdos pretensamente nacionais. Tratando

das Sequências Curriculares Especiais, a proposta admite a presença de recursos voluntários e de Organizações Sociais (OS) para aplicarem uma tecnologia que é inovadoramente ultrapassada: reforço como treinamento!

103. A lógica do MEC corrobora esta dinâmica. Não é sem razão de ser: o primeiro grande esforço deste segundo governo deveria ser a garantia do pagamento do Piso Nacional do Magistério aos municípios e estados sem condições de pagá-lo. Deveria ser a criação do piso nacional do funcionário da educação ou a aplicação dos recursos previstos no PNE. A aprovação da Base Nacional Comum Curricular tornou-se, equivocadamente, bandeira fundamental, pois o modelo adotado pelo ministério da educação se articula com as concepções homogeneizantes, conteudistas e seletivas do “Pátria Educadora”.

104. No que se refere à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a posição do MEC é equivocada tanto no método quanto na discussão curricular. A metodologia trata a consulta através da internet como o grande processo participativo. Embora tenha ocorrido discussões entre os profissionais da educação em diversos estados, a elaboração e a sistematização estão centralizadas nas mãos de especialistas convidados pelo MEC, sem a participação dos movimentos sociais e dos trabalhadores em educação. O outro agravante é a concepção de currículo, centrado numa ideia hierárquica de seleção de conteúdos, que servirão de referência para os exames nacionais, para a redistribuição de recursos e de construção da política nacional de livros didáticos. Ausentes estão as discussões acerca da concepção de ensino e das condições de ensino e de aprendizagem, de currículo, de escola, de método, enfim da sociedade e do tipo de escola que almejamos. As críticas são contundentes a uma lógica homogeneizante, baseada na pedagogia das competências e habilidades nos valores do mercado e na avaliação de desempenho no viés da responsabilização de professores, escolas e direções, num claro atendimento às diretrizes da lógica privatista e do mercado.

105. A grave ofensiva ativa, militante e qualitativa das direitas e do conservadorismo no Brasil, no ano de 2015, aprofundou ainda mais o avanço, em diversas regiões, do fechamento de escolas, da precarização das condições de trabalho e da infraestrutura, da terceirização de serviços e da privatização da gestão através da implantação de OSs. Outro fenômeno correlato é a militarização das unidades escolares, em curso em estados como Goiás e Piauí.

106. Como resposta à resistência dos educadores e estudantes, assiste-se ao crescimento das ações truculentas de governos e o uso da violência do seu aparato policial em vários estados, como no Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo nos últimos três anos. A CNTE, em parceria com os sindicatos atingidos, deve se dirigir à corte suprema do Brasil, ou até mesmo aos tribunais internacionais, questionando a violação dos direitos fundamentais básicos, como o direito de manifestação e de organização, desrespeitados continuamente.

107. Assim, os desafios dos sindicatos e da sociedade em geral são gigantescos. É necessário, mais do que nunca, provocar a indignação, chamar a atenção para estes problemas graves, enfrentando-os através de uma ação coletiva da comunidade, dos estudantes e dos seus profissionais em defesa da escola pública como as lutas ocorridas em São Paulo, que levou à ocupação de diversas escolas. É também urgente uma profunda reflexão dos movimentos sociais da educação sobre o impacto do fenômeno das ocupações juvenis na construção de projetos políticos pedagógicos contra-hegemônicos à onda conservadora nas escolas.

108. Por fim, o “Projeto Escola sem Partido” é um elemento inequívoco da ação militante das direitas no Brasil. Apresentado na Câmara dos Deputados, o PL

1411/2015 cria a figura do assédio ideológico, prevendo penas para educadores e estudantes. A proposta, há muito tempo difundida através das redes sociais, defende uma escola com conteúdos “neutros”, propondo a punição de educadores comprometidos com um conhecimento crítico e contextualizado, e que estimulem os estudantes à participação social.

109. A batalha contra este projeto já é uma realidade em diversas cidades do Brasil. Transformado em lei, ele fere direitos constitucionais fundamentais, como a liberdade de opinião e de expressão. O projeto Escola Sem Partido reforça as relações autoritárias na escola, estimulando práticas de delação e processos punitivos. O PL bane a diversidade do espaço escolar e consagra mecanismos de censura.

110. A situação se agrava em alguns estados, como São Paulo, Goiás e Piauí em que a figura da polícia militar se faz constante nos espaços de ensino, adotando um modelo de escolas militarizadas que reproduzem as violências sofridas pelos jovens em seu cotidiano e que buscam controlar a “ordem” e a disciplina no ambiente escolar a partir da opressão, do autoritarismo sob resguardo do estado.

111. Por fim, o projeto é uma contradição gritante com as concepções que marcam o pensamento educacional no Brasil, como as ideias de Paulo Freire, autor de conceitos como empoderamento, um processo através do qual a pessoa e/ou grupo realiza, por si mesma, através de uma consciência crítica, as mudanças e ações que a libertam da opressão. É um retrocesso na luta de décadas por uma educação crítica e socialmente referenciada.

112. Por isso, o debate com os educadores, estudantes e a comunidade sobre o caráter reacionário do programa Escola Sem Partido e a luta contra a sua aprovação pelos poderes legislativo ou executivo no país são elementos centrais da pauta de luta dos profissionais da educação. Neste sentido, a CNTE precisa construir uma forte campanha contra este projeto, articulando os sindicatos da educação e os movimentos sociais para derrotar este retrocesso.

113. Nos últimos anos, as políticas educacionais do PT deram protagonismo à juventude e aos setores mais desfavorecidos da nossa sociedade através de ações como as políticas de cotas e a ampliação dos institutos e universidades federais. Todavia, houve um afastamento do PT dos movimentos sociais e do seu projeto político histórico para a educação. Diversos governos petistas optaram por uma política de pacotes cada vez mais neoliberais para a sociedade, centralizando o problema da educação na ação do professor, culpabilizando-o pelo insucesso das políticas educacionais governamentais. Hoje, os petistas devem lutar contra o golpe e a ofensiva conservadora resgatando o seu projeto democrático-popular, resgatando as experiências tão positivas na educação, que tanto marcaram o modo petista de governar. Dessa forma, nossas gestões públicas devem se ancorar nos movimentos sociais e se afastar das políticas de ranqueamento e de meritocracia, levando de volta para as escolas e as comunidades o protagonismo da luta pela transformação social.

VI. Ação político-sindical da AE nas entidades da educação nacional

A Articulação de Esquerda e a disputa do Andes-SN

114. Compreendemos que a disputa do Andes-SN é estratégica para a mobilização dos docentes do ensino superior no Brasil devido ao seu amplo número de sindicatos locais filiados e por ser um sindicato forjado nas e pelas lutas sindicais da categoria.

115. Achamos que disputar e alterar os rumos do Andes constitui, inclusive, uma condição fundamental para a sobrevivência da própria entidade e para uma

revitalização do movimento docente do ensino superior. A linha política que atualmente orienta a ação do Andes está equivocada, mesclando esquerdismo com voluntarismo, se deslegitimando crescentemente na base da categoria.

116. Esta linha política tem dois problemas principais. O primeiro problema está em confundir a necessidade de enfrentar as ações do governo, com a postura de fazer oposição ao governo. O segundo problema é acreditar que basta uma convocação e reivindicações justas, para que a categoria se mobilize.

117. O Andes-SN construiu a greve mais longa de sua história em 2015: foram 139 dias, de 28 de maio a 14 de outubro. Em seu ponto mais alto de adesão, foram em torno de 50 instituições de ensino, entre universidades e institutos federais, que participaram do movimento paredista. O resultado prático da greve foi nenhum; nem mesmo conseguiu uma ampliação da consciência e mobilização da base.

118. Em setembro de 2015 o governo havia proposto um reajuste de 10% em dois anos, que em parte refletiu as pressões da greve, e o Andes-SN, acertadamente, não aceitou porque não repunha nem a inflação. Mas a conjuntura recrudesceu, ampliaram-se as posições reacionárias tanto no Congresso Nacional quanto no governo, na linha de defender que o funcionalismo deveria ter zero de reajuste. O Andes-SN não percebeu a alteração na conjuntura e saiu da greve sem garantir os

10%, nem mesmo a continuidade das negociações.

119. Vendo que a greve definhava e a conjuntura recrudescia cada vez mais, o Andes-SN poderia, por exemplo, ter aceito o reajuste proposto pelo governo, num movimento tático diante da difícil correlação de forças; teria mostrado à base que, ainda que aquém do necessário, o reajuste não teria existido sem o movimento grevista.

120. Importa destacar que o Andes-SN não é mais, desde alguns anos, o único sindicato nacional a disputar a base dos docentes federais. De nossa parte, criticamos desde o início o PROIFES por ter sido formado em gabinetes e por sua linha política geralmente governista. Esta origem e linha política fizeram com que até agora o Proifes não conseguisse nem mesmo capitalizar os erros cometidos pelo Andes. O número de entidades associadas ao Proifes é muito pequeno. Mas caso o Andes continue cometendo erros, a atual divisão da categoria pode aprofundar-se.

121. O PROIFES não fez a greve, mas assinou com o governo no dia 18 de novembro o aumento dos 10% para a categoria, que, apesar de insuficiente, é uma conquista real. Ou seja, por mais que seja pequeno, o PROIFES levou os louros da greve feita pelo Andes-SN. É incompreensível que o Andes deixe de capitalizar politicamente o que é, em grande parte, resultado da mobilização que ele produziu! É infinitamente pouco da pauta de reivindicação apresentada, é sim! Mas se trata de fazer política e de se legitimar frente à base, sem deixar espaço para o sindicalismo chapa-branca, nem para a despolitização dos que são contrários, por princípios, à mobilização e sindicalização dos docentes.

122. É importante assinalar que o Andes-SN errou em subestimar a restauração conservadora que ganhava corpo desde o início do segundo governo Dilma e em superestimar a capacidade de combate e engajamento da categoria. Achou que seria possível negociar com um governo que imprimia cortes profundos no orçamento da educação superior e de que a categoria estaria mobilizada para a luta, bastando a convocação da direção. Motivos para a luta e ameaças à educação pública sobram na atual conjuntura, mas não é com voluntarismo que responderemos adequadamente aos desafios atuais e futuros.

123. Além disso, um outro importante problema é que a direção do Andes-SN não faz a leitura adequada das forças que compuseram o governo Dilma e as identifica como se fossem iguais: todas neoliberais “de carteirinha”; disso decorre um esquerdismo em achar que pior não pode ficar e o impede de incidir adequadamente na conjuntura. Permanecendo nesta posição, o Andes não participou das mobilizações contra o golpe. Tampouco está se movimentando com os diversos movimentos sociais para barrar os retrocessos que estão sendo encaminhados pelo novo governo ilegítimo.

124. O enfrentamento adequado dessa conjuntura pelo Andes vai exigir uma correção de rumos na linha política, dentre os principais:

a) maior articulação com outros setores da classe trabalhadora, o que inclui os setores cutistas, por um motivo óbvio: ou a CUT coloca força na mobilização da classe trabalhadora no Brasil ou será bem mais difícil isso acontecer;

b) a ampliação do trabalho de base e de convencimento da categoria dos perigos pela qual passa a educação superior;

c) participar do processo de articulação dos setores combativos e críticos à direção do ANDES, visando a construção, no médio prazo, de um campo cutista que se apresente como alternativa às políticas da direção.

125. Esta será nossa orientação nas Associações de Docentes e nos congressos do Andes-SN. Ao mesmo tempo, trabalharemos para que as associações em que temos militantes, e que hoje são filiadas ao PROIFES, se vinculem ao Andes-SN.

A CNTE, as Forças Políticas e a Nossa Política.

126. A CNTE é a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, filiada à CUT, com 49 entidades filiadas (redes públicas estaduais e municipais, estas últimas podendo se filiar desde que tenham mais que 500 associados).

127. A Direção da CNTE é composta por 32 dirigentes, formada majoritariamente por companheiras e companheiros da Artsind (18), seguido pela DS, CTB, MS e nós da AE, que possuímos duas vagas na direção: a coordenação da secretaria de comunicação e a secretaria executiva. Nos espaços que ocupamos, temos propiciado a intensificação dos debates e a promoção de ações, mas com limites estruturais. No caso da comunicação, apesar de estratégica, trata-se de uma secretaria que necessita diariamente do diretor para conduzi-la. Em virtude da impossibilidade de nosso dirigente residir em Brasília, boa parte da política é tocada pela secretaria geral e pela assessoria de comunicação da CNTE.

128. No entanto, houve alterações importantes nos espaços que são abertos paras as entidades e forças políticas, além da realização anual do nosso seminário de comunicação, e da criação de ferramentas novas de mídia. Também temos atuado com incidência maior no debate educacional, participando de vários espaços que dizem respeito ao PNE, currículo, construção de Currículo de Curso Superior para Funcionários de Escola e mais recentemente no projeto de Diretrizes Nacionais de Carreira para os Profissionais da Educação e Piso Salarial Nacional para os Profissionais da Educação.

129. No conjunto, a produção, a análise e o debate efetivo acerca da problemática da educação é de qualidade e progressista. De fundo, a nossa principal crítica e discordância em relação à Articulação Sindical na temática educacional é a defesa envergonhada deles da meritocracia, que ficou bem evidenciada durante a Conferência de Educação da CNTE, em 2015, por ocasião da votação da proposta de Diretrizes de Carreira. A temática da meritocracia nos processos avaliativos tem sido tensionada nos

debates com a Artsind, quem, em muitos casos, apresenta postura de mera adesão governista e de defesa da avaliação nessa lógica.

130. No entanto, é preciso registrar que a atual direção da CNTE mantém uma posição de defesa do estado de direito, de reconhecimento dos avanços nas áreas sociais dos últimos anos, mas também de críticas que se acirram, cada vez mais, diante da política econômica adotada e do distanciamento do governo petista das bases dos movimentos sociais e sindicais. A CNTE tem se somado aos movimentos de esquerda, contra os ataques aos direitos dos trabalhadores, especialmente dos processos de terceirização, privatização e ajuste fiscal nas costas dos trabalhadores. É preciso que não haja dúvidas quanto ao chamamento da categoria para o enfrentamento das perdas de direitos adquiridos. As entidades sindicais não podem adotar uma postura dúbia na defesa do direito dos trabalhadores.

131. Em suma, o diagnóstico é parecido. No entanto, em termos de ação efetiva de luta, o campo majoritário da CNTE ainda tem resistência a ações mais ousadas. Isso faz com que sempre o processo de negociação seja priorizado, reduzindo, assim, as possibilidades dos avanços. Ou seja, as táticas e estratégias de luta são, na verdade, o grande fator de discordância entre a AE e o campo majoritário, em razão ainda de um certo engessamento partidário.

132. Em relação à correlação de forças internas, a ArtSind é amplamente majoritária, seguida na ordem pela CTB (4 vagas), DS (3 vagas) e AE/MS (2 vagas). No Congresso passado, um companheiro que entrara na confederação representando a AE saiu de nossa força e migrou para MS, nos fragilizando no processo de negociação, e jogando peso na negociação da MS, que possui força localizada no Paraná e Santa Catarina.

133. A artsind nos últimos anos começou a perder importantes entidades. Para não perder sua hegemonia na CNTE, passou a dotar uma política de fundar sindicatos nas redes municipais, hoje o grande filão de filiação de professores, se traduzindo, nesse sentido, numa importante estratégia de organização desses trabalhadores. É visível o temor da corrente majoritária, para o próximo congresso, do retorno da Intersindical e da Conlutas para a direção da confederação. No Congresso passado, eles bateram na trave. Qualquer crescimento dessas duas forças esse ano, ou até mesmo o retorno do SEPE RJ à CNTE, garantiriam a eles, no mínimo, 4 vagas, gerando uma disputa interna grande.

134. A CTB, provavelmente, continuará como segunda força. Eles dirigem sindicatos importantes, a exemplo da APLB (BA), SINTEAM (AM) e SINPROESSEMA (MA), além de participação na direção em outras entidades filiadas à CNTE. A política é adesista ao campo majoritário, com posição muito mais governista do que a ArtSind.

135. A DS irá para o próximo congresso com muitas dificuldades. Eles tiveram baixas no Paraná e no Rio Grande do Sul, embora permaneçam com força em Alagoas. Hoje possuem três vagas na direção, mas, a não ser que haja alterações profundas nesse cenário, eles chegarão menores. A política é a mesma da ArtSind na CNTE.

136. A MS está restrita ao Paraná e a Santa Catarina. No entanto, não aparecem como força de esquerda na CNTE. Não houve uma priorização de quadros para a direção e há pouca formulação.

137. Temos dirigentes e militantes da AE em várias regiões do Brasil: representação em Sergipe (dirigindo o sindicato), Mato Grosso do Sul (sindicatos filiados a Fetems), Rio Grande do Sul (vice-presidente do cpers, cargos nas direções, e presidimos o núcleo de Palmeiras das Missões); Rio Grande do Norte (coordenação geral do SinteRN e maioria na regional de Mossoró), Pernambuco (cargos na direção do Sintepe e direção do sindicato de Serra Talhada), Distrito Federal (cargo de direção). No Rio de Janeiro, a

AE passou a existir organizadamente com a entrada de um grupo regional na corrente, possuindo uma importante influência na base da categoria e na direção do SEPE, dirigindo o movimento de oposição reconhecido pela CNTE. Embora o sindicato não esteja mais filiado à Confederação, iremos disputar as vagas destinadas à Oposição Cutista. No Espírito Santo sempre tivemos cargos na direção, e estamos fora da atual por escolha própria, mas com força efetiva para ampliarmos nossa representação.

138. O esquerdismo passa por um momento de moderado crescimento nas bases. O PSTU e amplos setores do PSol têm utilizado argumentos, muitas vezes reacionários, de combate ao PT e à CUT para angariar votos dos setores conservadores nas eleições sindicais.

139. A Conferência Sindical de Educação da AE aprova a política abaixo para o ano de 2016:

a) c ontinuar fazendo o debate crítico acerca da Conjuntura e da atuação da CNTE;

b) priorizar o campo petista no momento da discussão acerca da composição de chapa para a direção da CNTE;

c) construir tese própria para o Congresso da CNTE;

d) participar efetivamente das atividades ligadas aos sindicatos nos quais temos base concreta e/ou possibilidade de crescimento;

e) ter como prioridade a sustentação e a divulgação do nosso principal trabalho sindical na educação, o Sintese;

f) construir um cronograma de visitas, mobilização e formação para a base, que viabilize a chegada dos nossos dirigentes e militantes em locais com potencialidade de crescimento, como Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.

g) construir elos entre militantes da AE que residem em estados que não temos atuação na área de educação, a fim de ampliarmos a ação da corrente no Brasil;

h) debater a possibilidade, na Conferência de Educação da CNTE, da construção de um documento que vise à sistematização de um projeto democrático e popular de educação para o Brasil.

i) a AE deve estimular a CNTE a: protagonizar a convocação de um Congresso Nacional de Educação, com militantes de base, com as forças que resistem ao golpe, procurando uma unidade das esquerdas.

J) construir pela base uma greve nacional da educação ou greve geral como forma de luta contra o governo Temer.

CONFETAM: a Política da Articulação de Esquerda

140. A Articulação de Esquerda atua há 17 anos no movimento sindical, possuindo uma presença maior no setor público, especialmente na Educação. Até como consequência disso, a corrente compõe as direções de duas confederações, que reúnem boa parte de profissionais desse ramo, a CONFETAM e CNTE, ambas filiadas à CUT.

141. O que diferencia as confederações citadas é que a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam/CUT) tem sua atuação especificamente no ramo do setor público municipal ou regional. Criada em 2000, é hoje a representação

máxima dos servidores municipais em nível nacional, reunindo 17 federações em sua composição. A atuação da Confetam-CUT é mais ampla por reunir não só profissionais da educação, mas servidores de outros seguimentos como saúde, cultura, esporte, administração pública, segurança e outros. Ao todo, são aproximadamente 1,4 milhões de trabalhadores reunidos em 842 sindicatos filiados.

142. Assim como na CNTE, a direção é formada majoritariamente por companheiros e companheiras da ArtSind, o que não garante que a convivência dessas confederações seja algo tranquilo, pelo contrário. Nesse sentido, CONFETAM e CNTE têm cotidianamente se enfrentado em disputas por base sindical. Segundo diagnóstico da própria entidade, tais disputas ocorrem em todos os estados em que esta atua. Um dos motivos é o processo de municipalização do ensino que faz a CNTE perder várias entidades sindicais que optam pela representação municipal.

143. A disputa é cada vez mais fratricida, despolitizada, sem nitidez programática, resultando numa fragmentação dos trabalhadores. Isso pode ocorrer por uma linha política equivocada, dentre as quais destacamos: 1) ausência de unidade política, ideológica e de ação; 2) falta de uma concepção sindical e método de atuação bem definidos; 3) a pouca centralidade em suas decisões enquanto corrente sindical.

144. Tal orientação e prática só contribuem para o enfraquecimento e dispersão dos trabalhadores, ainda mais numa conjuntura desfavorável, na qual o funcionalismo como um todo tem sofrido muitos ataques devido ao avanço da agenda conservadora rumo à retirada de direitos. Seu fortalecimento e unidade em torno de uma política combativa é imprescindível.

145. Por isso, através do setorial sindical, a Articulação de Esquerda orienta, a partir de cada realidade local, a construção de sindicatos, ou a luta pela conquista de direções de sindicatos de trabalhadores em educação ou de servidores municipais, onde não haja entidades cutistas.

A CONTEE e a luta dos professores da rede privada

146. A CONTEE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino Privados) tem papel fundamental na luta contra a mercantilização da educação privada. O processo de internacionalização avança, notadamente no ensino superior, alargando seus tentáculos em diferentes regiões e, consequentemente, enfrentando diferentes capacidades de reação aos ataques constantes à classe trabalhadora.

147. Como entidade nacional, a CONTEE deve, cada vez mais, assumir o papel de protagonista nas ações contra esses conglomerados. Seja nos aspectos de negociações coletivas e ações jurídicas, seja no de mobilização da sociedade para barrar diversos ataques à educação em nosso país. A criação de um canal de comunicação, em parceria com a CNTE e/ou outras entidades nacionais de trabalhadores em educação torna-se fundamental diante de um quadro de ataques variados que atingem aos profissionais de educação brasileiros.

148. É lamentável a sua desfiliação da CUT (apesar da presença de vários sindicatos cutistas filiados). Tal fato, todavia, não pode ser um obstáculo para a construção com a CNTE de um FORUM permanente de defesa da Educação Pública, gratuita, laica e de qualidade SOCIAL. Um espaço de discussão, de elaboração de materiais que sirvam de referência em todo o território nacional, de caráter pedagógico e trabalhista. Também defendemos que a entidade crie uma comissão encarregada de organizar sindicatos em locais de baixa ou nenhuma organização dos trabalhadores da rede privada, assim como um mapeamento completo das diferentes questões trabalhistas em todo o Brasil.

Nossa política para o SINASEF e a luta dos Institutos Federais

149. O SINASEFE (Sindicato dos Servidores do Ensino Básico e Tecnológico da Educação) é uma entidade combativa e representativa dos anseios e bandeiras dos trabalhadores da Rede Federal do IFs. Nos últimos anos, a entidade adotou uma política do esquerdismo e de oposição intransigente aos governos Dilma e Lula, sem abertura para o diálogo e para a construção da unidade da classe trabalhadora em prol da defesa e dos direitos trabalhistas conquistados nos últimos anos.

150. Assim, a política esquerdista, adotada pelo Sinasefe, tem como foco principal rechaçar as ações do governo petista, imprimindo uma marca de governo neoliberal e de continuidade do governo FHC, fomentando na base uma postura do “quanto pior melhor”. Na conjuntura defendem a derrubada do governo e a construção de um “governo dos trabalhadores e trabalhadoras”; ou seja, adotam o lema “Fora tudo e fora todos”. Esta postura tem dividido a categoria, enfraquecendo a luta política em torno da pauta principal, a defesa da luta dos trabalhadores da rede federal da Educação Básica e Tecnológica. Esta prática se materializa no episódio da campanha salarial de 2015. Após a rodada de negociações entre as entidades que compõem o Fórum das entidades federais e a conclusão do processo de negociação do ajuste salarial e pautas da campanha salarial da categoria, o SINASEFE foi o único sindicato que não assinou o acordo de negociação até hoje. Sua direção adotou uma postura intransigente e sectária, reivindicando a retirada do PROIFES da assinatura do acordo, além de questões pontuais ainda em fase de cumprimento por parte do governo federal na mesa de negociação.

151. Dessa forma, a nossa política deseja incidir sobre esta postura na base do Sinasefe. É necessário disputar este campo, retomando o debate da correção de rumos na linha política e programática da entidade, recolocando-se no debate conjuntural mais amplo, constituindo uma ampla frente de setores da classe trabalhadora, mobilizada e articulada em torno de uma agenda contraposta à retirada de direitos da classe trabalhadora e aos direitos constitucionais conquistados ao longo das lutas em prol da democracia e da cidadania. Assim, pretendemos, no médio prazo, construir um campo cutista para disputar a direção do sindicato.

152. Elaborar uma conclusão para o documento, com a apresentação de elementos mais atuais da conjuntura nacional. EMENDA DO RIO DE JANEIRO COM BASE NA ÚLTIMA RESOLUÇÃO DE COJUNTURA DA AE

O documento da I Conferência Sindical de Educação da Articulação de Esquerda não poderia finalizar sem uma atualização da conjuntura brasileira, um turbilhão imprevisível. No dia 12 de maio de 2016, a população brasileira assistiu a mais um episódio do golpe em curso no país. O Senado aprovou a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, desde então afastada do cargo para o qual foi eleita por 54 milhões de brasileiros e de brasileiras.

153. Gestado num movimento golpista e reacionário, o interino vice-presidente Michel Temer envia sinais inequívocos sobre o caráter do seu governo: mais do que implementar o programa derrotado, “trata-se de realinhar o Brasil com os Estados Unidos, afastando-nos dos BRICS e da integração regional; reduzir ao mínimo os salários e os direitos sociais; destruir os avanços obtidos desde 2003; anular os aspectos positivos inscritos na Constituição de 1988 e na CLT; consolidar o domínio do país pelo capital financeiro, destruir o que resta do nosso parque industrial, converter-nos novamente numa combinação entre fazenda e mineração. Portanto, num certo sentido, fazer com que o Brasil de 2020 lembre o Brasil de 1920” (Resolução DNAE, 27/05/2016).

154. Na educação, os golpistas também dizem ao que vieram. Falam do fim do Piso Nacional do Magistério, da reforma da previdência, da desvinculação dos recursos da educação e da possibilidade de cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Nada mais simbólico destes tempos sombrios do que o ministro da pasta, Mendonça Filho, receber os conservadores Marcelo Reis, coordenador do grupo Revoltados Online e o ator Alexandre Frota para discutir os “rumos” da educação brasileira, apresentando como proposta redentora o projeto Escola Sem Partido.

155. Diante do circo de horrores da votação na Câmara dos Deputados, das contradições entre o discurso e a ficha corrida dos golpistas, das primeiras medidas de Temer e do vazamento de escandalosos áudios comprometedores “um número crescente de brasileiros e de brasileiras está se dando conta de que o impeachment é obra de uma quadrilha, a serviço dos interesses do grande capital nacional e internacional. Mas até agora apenas uma pequena parcela do povo saiu às ruas para denunciar e tentar derrotar os golpistas” (Resolução DNAE, 27/05/2016).

156. Os acontecimentos deste início de 2016 reafirmam a convicção de que estes realmente são tempos de guerra. E a atual conjuntura nos indica uma tarefa clara: não reconhecer a legitimidade do governo golpista. Fortalecer a resistência, impulsionar os movimentos que já estão na vanguarda do enfrentamento, e, sobretudo, reacender o ímpeto das classes trabalhadoras do país, levando a luta de massa até a greve geral para reverter o impeachment no Senado, derrotar o golpismo e retomar o caminho das mudanças.