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I - Crimes contra a Humanidade

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I - Crimes contra a Humanidade

Os crimes contra a humanidade – denominados tambémde delitos de lesa- humanidade – surgem como extensãoaos crimes de guerra, e, com o passar do tempo, acabamganhando autonomia em relação àqueles, bem como aoscrimes de agressão e de genocídio.

A sua origem legislativa radica no Estatuto do TribunalMilitar Internacional de Nüremberg (art. 6,c), de 1945, eno Estatuto do Tribunal de Tokyo, de 1946, (art.5). Esses

dois diplomas legais ensejavam a punição de trêsmodalidades de crime internacional: os crimes contra apaz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade(arts. 6 e 5, respectivamente).

A noção de delito contra a humanidade, atualmente consagrada no

ETPI, engloba todo atentado ou agressão contra bens jurídicos

essenciais, de natureza individual, praticado no contexto de um

ataque sistemático ou generalizado – dirigido contra determinada

população civil –, e realizado com a intervenção

(participação/tolerância) do poder político – legal ou fático. Isso quer

dizer: atentado (em massa) contra as populações civis, sendo

fundamentalmente uma infração que criminaliza ataques massivos

aos direitos do homem: proteção da vida, proibição da tortura,

segurança e liberdade da pessoa, entre outros. Pode-se, finalmente,

concluir que: os crimes contra a humanidade são os atentados ou

ataques contra bens jurídicos individuais fundamentais (vida,

integridade física, saúde, liberdade etc.) praticados, tanto em tempo

de guerra como de paz, como parte de um ataque generalizado ou

sistemático realizado com a participação ou tolerância do poder

político de iure ou de facto.

Alguns exemplos: o massacre dos armênios pelos turcos (1915); a repressão nazista aos judeus e outras minorias, e aos opositores políticos (1933); o massacre e as deportações feitas pelas potências do Eixo, especialmente pelos nazistas alemães e japoneses, e pelos russos comunistas de judeus, poloneses, nacionalistas ucranianos, chineses, etc. (a partir de 1942); os delitos realizados pelo regime comunista de Pol Pot e Yeng Suary, no Camboja (1975-1979); os delitos praticados no Darfour (2002).

O artigo 7.º do ETPI e seus três parágrafos elencam asvárias espécies de crime contra a humanidade:“qualquer um dos atos seguintes, quando cometido noquadro de um ataque, generalizado ou sistemático,contra qualquer população civil, havendoconhecimento desse ataque:

a) Homicídio;

b) Extermínio;

c) Escravidão;

d) Deportação ou transferência forçada de umapopulação;

e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade físicagrave, em violação das normas fundamentais dedireito internacional;

f) Tortura;g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada,

gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outraforma de violência no campo sexual de gravidadecomparável;

h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa seridentificado, por motivos políticos, raciais, nacionais,étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definidono parágrafo 3.º, ou em função de outros critériosuniversalmente reconhecidos como inaceitáveis no direitointernacional, relacionados com qualquer ato referido nesteparágrafo ou com qualquer crime da competência doTribunal;

i) Desaparecimento forçado de pessoas;j) Crime de apartheid;k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem

intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravementea integridade física ou a saúde física ou mental” (§ 1.º, art. 7.º,ETPI).

a) Por ‘ataque contra uma população civil’ entende-se qualquerconduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no §1.º contra uma população civil, de acordo com a política deum Estado ou de uma organização de praticar esses atos outendo em vista a persecução dessa política;

b) O ‘extermínio’ compreende a sujeição intencional acondições de vida, tais como a privação do acesso a alimentosou medicamentos, com vista a causar a destruição de umaparte da população;

c) Por ‘escravidão’ entende-se o exercício, relativamente a umapessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes quetraduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa,incluindo o seu exercício no âmbito do tráfico de pessoas, emparticular mulheres e crianças;

d) Por ‘deportação ou transferência à força de uma população’entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através daexpulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontramlegalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direitointernacional;

e) Por ‘tortura’ entende-se o ato por meio do qual uma dor ousofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmentecausados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controledo acusado; este termo não compreende a dor ou ossofrimentos resultantes unicamente de sanções legais,inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas;

f) Por ‘gravidez à força’ entende-se a privação ilegal de liberdadede uma mulher que foi engravidada à força, com o propósitode alterar a composição étnica de uma população ou decometer outras violações graves do direito internacional. Estadefinição não pode, de modo algum, ser interpretada comoafetando as disposições de direito interno relativas à gravidez;

g) Por ‘perseguição’ entende-se a privação intencional e grave dedireitos fundamentais em violação do direito internacional,por motivos relacionados com a identidade do grupo ou dacoletividade em causa;

h) Por ‘crime de apartheid’ entende-se qualquer ato desumanoanálogo aos referidos no § 1.º, praticado no contexto de umregime institucionalizado de opressão e domínio sistemáticode um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais ecom a intenção de manter esse regime;

i) Por ‘desaparecimento forçado de pessoas’ entende-se adetenção, a prisão ou o sequestro de pessoas por um Estadoou uma organização política ou com a autorização, o apoio oua concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer talestado de privação de liberdade ou a prestar qualquerinformação sobre a situação ou localização dessas pessoas,com o propósito de lhes negar a proteção da lei por umprolongado período de tempo”.

O § 3.º estabelece que, “para efeitos do presenteEstatuto, entende-se que o termo ‘gênero’ abrange ossexos masculino e feminino, dentro do contexto dasociedade, não lhe devendo ser atribuído qualqueroutro significado”.

A submissão do fenômeno bélico a certas regras de caráterjurídico baseadas nos princípios de moderação e humanidadeé um fenômeno que se iniciou por influência das concepçõeshumanitárias do séc. XIX.

A primeira codificação de um direito humanitária de guerra,em nível internacional vem a ser a Convenção de Genebra de22 de agosto de 1864, que deu lugar a Cruz Vermelha

Internacional. A partir daí, inúmeros outros instrumentoslegais contribuíram para a ampliação e aprofundamento de umdireito internacional humanitário de guerra.

As primeiras normas internacionais, cabe destacar, foram asConvenções de Haia de 1899 e 1907 e as Convenções deGenebra de 1906 e 1929, relativas estas últimas ao tratamento

de prisioneiros de guerra, proteção aos feridos e doentes.

Ao depois, o Estatuto do Tribunal de Nuremberg acaboudefinindo os crimes de guerra.

Na realidade a incriminação das condutas ilícitas na guerra teveprimeira aparição nas legislações penais internas, na maioriados casos em leis militares. Somente após a II Guerra Mundialse produz uma internacionalização da matéria comaparecimento da ideia de interesse geral, que supõe o abandonoda concepção continental segundo a qual o crime de guerra éum crime de direito comum não justificado pelas leis da guerra,pela visão anglo saxônica, para qual o crime de guerra é umaviolação das leis e usos da guerra, quer dizer de um direitoespecial que é direito internacional.

A doutrina distingue na atualidade dois ramos diferentes dedireitos da guerra: pelo primeiro, o direito humanitário bélico,também chamado Direito de Genebra, que é dedicado aproteção das vítimas da guerra – prisioneiros, feridos, doentes,náufragos e população civil; pelo segundo, Direito de Haia,integrado por convênios que buscam regulamentar a conduçãoda guerra – métodos de combate e de defesa, armas permitidase não permitidas, etc.

Modernamente, os crimes de guerra podem ser conceituadoscomo conjunto de ações que despreza deliberadamente as leise os costumes da guerra. O ETPI no art. 8º reitera a suacompetência para o julgamento de tais crimes, distinguindo natipificação dos crimes de guerra entre os praticados numconflito armado internacional alíneas a) e b) do art. 8.2, eaqueles praticados em um conflito armado interno alíneas c) ee) do mesmo artigo.

A principal característica dada pelo ETPI em relação a matériaé a limitação de sua competência sobre os crimes de guerra,isto é, aqueles praticados como parte de um plano ou umapolítica, ou em grande escala. Os textos internacionaisanteriores nunca haviam previsto esta exigência no tratamentodo crime de guerra.

De outro lado, o art. 5º do ETPI declara a limitação de suacompetência aos crimes mais graves que concernem àhumanidade em seu conjunto.

O crime de agressão já era grafado como delitointernacional no Projeto de Assistência Mútua (1923),elaborado sob os auspícios da Sociedade das Nações, cujoartigo 1.o declarava: “A guerra de agressão é um crimeinternacional”. Mas foi o artigo 227 do Tratado de Versalhesa primeira vez que se pretendeu criminalizar a guerra deagressão. A Resolução 3314 (XXIX) da Assembleia Geral daONU (1974) conceituou a agressão – delito contra a pazinternacional (art. 5) – como sendo o “uso da força armadapor um Estado contra a soberania, integridade territorial oua independência política de outro Estado, ou de qualqueroutra forma incompatível com a Carta das Nações Unidas”(art. 1).

A evolução dessa modalidade delitiva reflete a evolução do DireitoInternacional moderno em que se refuta a guerra e a utilização daforça como meios para a solução de conflitos. “A paz torna-se assimum valor fundamental da comunidade internacional”, visto queinteressa a todos os Estados e não apenas aos envolvidos no conflito.

O Direito só dá guarida ao uso da força em caso de legítima defesa. Noentanto, devido à ausência de consenso acerca da tipificação do delitode agressão durante a Conferência de Roma, sua definição foipostergada, conforme disposição do art. 5.º, § 2.º do Estatuto doTribunal Penal Internacional, segundo o qual “O Tribunal poderáexercer a sua competência em relação ao crime de agressão, desdeque, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposiçãoque defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terácompetência relativamente a este crime. Tal disposição deve sercompatível com as disposições pertinentes da Carta das NaçõesUnidas”. Os artigos 121 e 123 delimitam, por sua vez, as condiçõespara realizar alterações (art. 121 e parágrafos) e a revisão do Estatuto(art. 123 e parágrafos).

No Brasil, o tratado internacional relativo ao Estatuto deRoma foi assinado em fevereiro de 2000, aprovado peloCongresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 112,de 2002, e promulgado pelo Decreto 4.388, de 2002.

Nos termos do artigo 5.º, § 4.º, da Constituição Federal, oBrasil “se submete à jurisdição de Tribunal PenalInternacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.