í • , * t '» · Ativo/reativo ÍNo que ele escreve, há dois textos. O texto I é reativo,...

8
:%Jk^^M^tKi' *'>>•>«,' 5, ti,"' '«- 4 "X. * »v tX, H 1- . k •>y* í- í;* «" ,-> ri. * * 1 ?*?>>* * ,• , I> *t * t '» \ 1 •—r^o^4 <^J , .V as* roland BARTHES por roland barthes tradução de leyla perrone-moisés ltri: cultnx

Transcript of í • , * t '» · Ativo/reativo ÍNo que ele escreve, há dois textos. O texto I é reativo,...

:%Jk^^M^tKi' • *'>>•>«,'

5,

ti,"' '«- 4 *» '«"X. *

»v tX,

H

1 - . k

•>y* ♦ í-í;* «"

,-> ri.

* * 1

?*?>>* * ,• -í • , I> *t * t '» \ „1

•—r^o^4 <^J

, .V

as* •

roland

BARTHES

por roland barthes

tradução de

leyla perrone-moisés

ltri:cultnx

Título do original:

ROLAND BARTHES

© 1975 Éditions du Seuil

MCMLXXVII

Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela

EDITORA CULTRIX LTDA.

Rua Conselheiro Furtado, 648, fone: 278-4811, 01511 S. Paulo, SP,

que se reserva a propriedade literária desta tradução

Impresso no Brasil

Printed in Brazil

Ativo/reativo

ÍNo que ele escreve, há dois textos. O texto I é reativo,movido por indignações, medos, desaforos interiores, pequenasparanóias, defesas, cenas. O texto íl é ativo, movido peloprazer. Mas ao escrever-se, ao corrigir-se, ao submeter-se à ficçãodo Estilo, o texto I se torna ele próprio ativo; perde então suapeje reativa, que só subsiste por placas (em minúsculos parênteses M

O adjetivo

Ele suporta mal toda imagem de si mesmo, sofre ao sernomeado. Ele considera que a perfeição de uma relação humanadepende dessa vacância da imagem: ab^olir entre si, de um aoutro, os adjetivos; uma relação que se adjetiva está do lado daimagem, do lado da dominação, da morte.

(No Marrocos, eles não tinham, visivelmente, nenhumaimagem de mim; o esforço que eu fazia, como bom Ocidental, ^©para ser isto ou aquilo, ficava sem resposta: nem isto nem aquilo ^jr^v^me era devolvido sob a forma de um belo adjetivo; nem lhesV-^passava pela cabeça a idéia de me comentar, eles se recusavam,sem saber, a alimentar e lisonjear meu imaginário. ÍNum primeiro tempo, essa opacidade da relação humana tinha- algo deesgotante; mas ela aparecia pouco a pouco como um bem decivilização, ou comoa forma verdadeiramente dialética do relacionamento amoroso. )\

49

O à-vontade

Hedonista (já que assim ele acredita ser), ele deseja umestado que é, em suma, o conforto; mas esse conforto"é maiscomplicado 'do que o conforto doméstico, cujos elementos sãofixados por nossa sociedade: é um conforto que ele próprio arranja, monta para si mesmo (assim como meu avô B., no fim davida, tinha ajeitado um pequeno estrado ao lado da janela, paraver melhor o jardim enquanto trabalhava). Esse conforto pessoal poderia ser chamado de: o à-vontade. ^O à-vontade recebeuma dignidade teórica ("Não temos de manter distância comrelação ao formalismo, mas somente de nos pôr à vontade",1971, I *), e também uma força ética: é a perda voluntária dequalquer heroísmo, mesmo no gozóA

O demônio da analogiaO bicho-papão de Saussure era o arbitrário (do signo). O

seu é a analogia. As artes "analógicas" (cinema, fotografia), osmétodos "analógicos" (a crítica universitária, por exemplo) sãodesacreditados. Por quê? Porque a analogia implica um efeitode Natureza: ela constitui o "natural" como fonte de verdade;e o que aumenta a maldição da analogia é que ela é irreprimível(Ré, 23): assim que uma forma é vista, é preciso que ela seassemelhe a algoj^ humanidade parece condenada à Analogia,isto é, em fim de contas, à Natureza. Daí o esforço dos pintores, dos escritores, para dela escapar. Como? Por dois excessoscontrários, ou, se se preferir, duas ironias que ridicularizam aAnalogia, quer se finja um respeito espetacularmente chão (éaCópia, que está salva), quer se deforme regularmente —segundo regras —o objeto mimetizado (é a Anamorfose, CV, 64T\

Fora dessas transgressões, o que se opõe beneficamente apérfida Analogia é a simples correspondência estrutural: a Homo-logia, que reduz a lembrança do primeiro objeto a uma alusãoproporcional (etimologicamente, isto é, em tempos felizes dalinguagem, analogia queria dizer proporção).

(*) V. referências dos textos citados, no final do volume.

50

mm

(O touro vê_ tudo vermelho quando o engodo lhe cai sobo tocinno; os dois vermelhos coincidem, o da cólera e o dacapa: o touro está em plena analogia, isto é, em pleno imagi-rSL ?^n<° reS1? à* anal°P'' éde fat0 ao ^ê^áúo iresisto: isto e: a coalescência do signo, a similitude do signifi-cante e do significado, ohomeomorfismo das imagens, o Espe-^orr^ 1™^ T^ aS Cações científicas querecorrem a analogia - e elas constituem legião —participamdo engano, formam oimaginário da Ciência.)//

No quadro negro

O Sr. B., professor do Terceiro Ano A do liceu Louis-le--trfand, era um velhinho socialista e nacionalista. [No começodo ano, ele recenseava solenemente, no quadro negro, os parentes dos alunos que tinham "tombado no campo de honra"- ostios, os primos abundavam, mas fui o único a poder anunciarm^ fiquei constrangido, como por uma distinção excessiva.Entretanto, apagado oquadro, nada restava daquele luto proclamado - anao ser, na vida real, que ésempre silenciosa, afigurade um kr sem ancoragem social: nenhum pai para matar, nenhu-Z**££ ?*"•nenhum mei0 para «^ ^ *-oedia(^JT* St" V° Sábad° àtaíde' à*** de distrWpedia _a um aluno que lhe sugerisse um assunto qualquer paraeflexao, epor mais extravagante que este fosse, ele nunca renun-iava aconvertê-lo num pequeno ditado, que improvisava passí-falX^dfretS' '^ "** ^ ^ "^ e™vnLtJ'fÍfade, Carnavalesca d° fragmento edo ditado: oditadoS^x:fc^xfigura ohú^ d« ~O dinheiro

descWicSÍ'2?' d- f0Í Uma- CrianÇa k»"******, mas nãodesclasstficada: ele nao pertencia a nenhum meio (a B., lugar

51

«""

burguês, só ia nas férias: em visita, e como a um espetáculo);não participava dos valores da burguesia, que não podiaur indigná-lo, já que eles só eram, a seus olhos, cenas de linguagem, per-

q0 tencentes ao gênero romanesco; ele participava apenas de sua^ arte de viver (1971, II). Essa arte subsistia, incorruptível, emq meio às crises de dinheiro; conhecíamos, não a miséria, mas o

•, ^\J aperto; isto é: o terror dos prazos, os problemas de férias, de^ calçados, de livros escolares e mesmo de alimentação. Dessa1 privação suportável (o aperto sempre o é) saiu talvez uma peque

na filosofia da compensação livre, da sobredeterminação dosprazeres, do à-vontade (-que é precisamente o antônimo do aperto). Seu problema formador foi sem dúvida o dinheiro, nãoo sexo.

No plano dos valores, o dinheiro tem dois contrários (é umenantiossema): ele é energicamente condenado, sobretudo noteatro (muitas arremetidas contra o teatro de dinheiro, por voltade 1954), Viepois reabilitado, na esteira de Fjiurier, por reaçãocontra os três moralismos que lhe são opostos: o marxista, ocristão e o freudiano (SFL, 90)/ Está claro, entretanto, que oque é proibido não é o dinheiro gasto, esbanjado, arrastado pelopróprio movimento da perda, abrilhantado pelo luxo de umaprodução; o dinheiro tse torna então, metaforicamente, ouro: oOuro do Significante. f

A nave Argo

Imagem freqüente: a da nave Argo (luminosa e branca),cujas peças os Argonautas substituíam pouco a pouco, de modoque acabaram por ter uma nave inteiramente nova, sem precisarmudar-lhe o nome nem a forma. ÍEssa nave Argo é muito útil:ela fornece a alegoria de um objeto eminentemente estrutural,criado não pelo gênio, a inspiração, a determinação, a evolução,mas por dois atos modestos (que não podem ser captados emnenhuma mística da criação): a substituição (uma peça expulsaa outra, como num paradigma) e a nominação (o nome não estáde modo algum ligado à estabilidade das peças): à força de

n

combinar, no interior de um mesmo nome, nada mais resta daorigem: Argo é um objeto sem outra causa a não ser seu nome,sem outra identidade a não ser sua forma, j

Outra Argo: tenho dois espaços de trabalho, um em Paris,outro no campo. De um a outro, nenhum objeto comum, poisnada é jamais transportado. Entretanto, esses lugares são idênticos. Por quê? Porque a disposição dos utensílios (papel,penas, carteiras, relógios, cinzeiros! é a mesma: é a estruturado espaço que faz sua identidade. JEsse fenômeno privado bas-

jtaria para esclarecer acerca do estruturalismo: o sistema prevalece sobre o ser dos objetos.I

A arrogânciaEle não gosta dos discursos de vitória. Suportando mal a

humilhação de qualquer pessoa, assim que uma vitória se delineiaem algum lugar, ele tem vontade de estar alhures (se ele fossedeus, reviraria constantemente as vitórias — o que aliás Deusfaz!). Transposta para o plano do discurso, a mais justa dasvitórias se torna um mau valor de linguagem, uma arrogância:a palavra, encontrada em Bataille, que fala em algum lugar dasarrogâncias da ciência, foi estendida a r^pdos os discursos triun-fantes. fjSofro pois com três arrogâncias: a da Ciência, a daDoxa, a do Militante. |

^ A Doxa (palavra que voltará freqüentemente) é a Opiniãopública, o Espírito majoritário, o Consensus pequeno-burguês,a Voz do Natural, a Violência do Preconceito. Pode-se chamaràtdoxologia (palavra de Leibnitz) toda maneira de falar adap:tada à aparência, à opinião ou à prática.

Ele lamentava, às vezes, ter-se deixado intimidar por certaslinguagens. Alguém lhe dizia então: mas sem isso você nãoteria podido escrever! A arrogância circula, como um vinhoforte entre os convivas do texto. O intertexto compreende nãoapenas textos delicadamente escolhidos, secretamente amados.

53

livres, discretos, generosos, mas também textos comuns, triun-fantes. Você mesmo pode ser o texto arrogante de uni outrotexto.

•Jp Não é muito útil dizer: "ideologia dominante", pois é umpleonasmo: a ideologia nada mais é do que a idéia enquanto eladomina (PIT, 53). Mas posso sublinhar subjetivamente e dizer:ideologia arrogante.

O gesto do arúspiee

Em S/Z (p. 20), a lexia (o fragmento de leitura) é comparada àquele trecho de céu recortado pelo bastão do arúspiee.Essa imagem lhe agradou: devia ser lindo, outrora, aquele bastão apontado para o céu, isto é, para o inapontável; e, além disso,esse gesto é louco: traçar solenemente um limite do qual nãosobra imediatamente nada, a não ser a remanência intelectualde um recorte, consagrar-se à preparação totalmente ritual e totalmente arbitrária de um sentido.

O assentimento, não a escolha

"De que se trata? Da guerra na Coréia. Um pequenogrupo de voluntários das forças francesas patrulha vagamenteos matagais da Coréia do Norte. Um deles, ferido, é recolhido por uma menina coreana, que o leva a sua aldeia, onde oscamponeses o acolhem: o soldado escolhe ficar entre eles, comeles. Escolher é pelo menos nossa linguagem. Não é exatamentea de Vinaver: de fato, não assistimos nem a uma escolha, nema uma conversão, nem a uma deserção, mas antes a um assentimento progressivo: o soldado aquiesce ao mundo coreano quedescobre..." (A propósito de Aujourd'hui ou les Coréens, deMichel Vinaver, 1956.)

Bem mais tarde (1974), por ocasião de uma viagem à China, ele tentou retomar essa palavra assentimento, para fazercom que os leitores do jornal Le Monde — isto é, seu mundo

54

— compreendessem que ele não "escolhia" a China (faltavam--lhe demasiados elementos para esclarecer essa escolha), mas queele aquiescia no silêncio (que chamou de "insipidez"), assimcomo o soldado de Vinaver, ao trabalho que lá se processava.Isso não foi compreendido: o que reclama o público intelectualé uma escolha: era preciso sair da China como um touro quesalta do toril para a arena lotada: furioso ou triunfante.

1Verdade e asserção

Seu mal-estar, por vezes agudo — chegando certas noites,depois de ter escrito o dia inteiro, até uma espécie de medo —, /vinha do sentimento de produzir um discurso duplo, cuja visadaera de certa forma excedida pelo mundo: pois a visada de seudiscurso não é a verdade, e esse discurso é entretanto assertivo.

(Trata-se de um constrangimento que ele sentiu desde muito cedo; ele se esforça por dominá-lo — sem o que ele deveriacessar de escrever — representando-se que é a linguagem que éassertiva, não ele. Que remédio irrisório, convenhamos todos,o de acrescentar a cada frase alguma cláusula de incerteza, comose algo vindo da linguagem pudesse fazer estremecer a linguagem.)

(Por um mesmo sentimento, a cada coisa que ele escreve,imagina que vai ferir um de seus amigos — nunca o mesmo:há um revezamento.)

A atopia

Fichado: estou fichado, fixado num lugar (intelectual),numa residência de casta (se não de classe). Contra isso, sóuma doutrina interior: a da atopia (do habitáculo em deriva).A atopia é superior, à utopia (a utopia é reativa, tática, literária,ela procede do sentido e o faz avançar).

A autonímia

A cópia enigmática, aquela que interessa, é a cópia* desligada: ao mesmo tempo, ela reproduz e revolve: ela só podereproduzir revirando, ela perturba o encadeamento infinito dasréplicas. Esta tarde, os dois garçons do Flore vão tomar umtrago no Bonaparte; um está com sua "dona", o outro esqueceu-se de pegar seus supositórios contra gripe; eles são servidos(Pernod e Martini) pelo jovem garçom do Bonaparte, que estáem serviço ("Desculpe, não sabia que era sua dona"): a coisacircula, na familiaridade e na reflexividade, e no entanto ospapéis permanecem forçosamente separados. Mil exemplos dessareverberação, sempre fascinante: cabeleireiro sendo penteado,engraxate (no Marrocos) sendo engraxado, cozinheira sendo alimentada, ator indo ao teatro no seu dia de folga, cineasta quevai ao cinema, escritor que lê livros; a Srta. M., datilografaidosa, não pode escrever serri rasura a palavra "rasura"; M.,alcoviteiro, não encontra ninguém que lhe arranje (para seu usopessoal) os sujeitos que ele fornece a seus clientes, etc. Tudoisso é a autonímia: o estrabismo inquietante (cômico e chato)de uma operação em círculo: algo como um anagrama, uma supe-rimpressão invertida, um esmagamento de níveis.

O vagante

Antigamente um bonde branco fazia o trajeto de Baiona aBiarritz; no verão, engatava-se a ele um vagão aberto, sem teto:o vagante. Grande alegria, toda gente queria ir nele: ao longode uma paisagem pouco carregada, gozava-se ao mesmo tempo dopanorama, do movimento, do ar. Hoje, nem o vagante nem obonde existem mais, e a viagem de Biarritz é uma chatice. Istonão é para embelezar miticamente o passado, nem para dizer asaudade de uma juventude perdida, fingindo-se de saudade deum bonde. Isto é para dizer que a arte de viver não tem história: ela não evolui: o prazer que cai, cai para sempre, insubstituível. Outros prazeres vêm, que não substituem nada. Não háprogresso nos prazeres, apenas mutações.

Quando eu brincava de barra.Quando eu brincava de barra, no Luxemburgo, meu maior

prazer não era provocar o adversário e oferecer-me temeraria-mente a seu direito de presa; era libertar os prisioneiros — oque tinha por efeito repor todas as partidas em circulação: ojogo recomeçava da estaca zero.

No grande jogo dos poderes da palavra, também se brincade barra: uma linguagem só barra a outra temporariamente; basta que um terceiro apareça da fila, para que o atacante seja constrangido à retirada: no conflito das retóricas, a vitória é sempreda terceira linguagem. Essa linguagem tem por tarefa libertaros prisioneiros: dispersar os significados, os catecismos. Comono jogo de barras, linguagem sobre linguagem, infinitamente,tal é a lei que move a logosfera. De onde outras imagens: ada brincadeira de mão (mão em cima de mão: volta a terceira,não é mais a primeira), a do jogo da pedra, da folha e da tesoura,a da cebola, folheado de películas sem caroço. Que a diferençanão seja paga por nenhuma sujeição: sem última réplica.

Nomes próprios

Uma parte de sua infância esteve presa a uma escuta particular: a dos nomes próprios da antiga, burguesia baionesa, queele ouvia repetidos o dia inteiro, por sua avó tomada de munda-nismo provinciano. Esses nomes eram muito franceses, e mesmonesse código, entretanto, freqüentemente originais; eles formavam uma guirlanda de significantes estranhos a meus ouvidos (aprova está em que eu me lembro deles muito bem: por quê?):as Sras. Lebceuf, Barbet-Massin, Delay, Voulgres, Poques, Léon,Froisse, de Saint-Pastou, Pichoneau, Poymiro, Novion, Puchulu,Chantal, Lacape, Henriquet, Labrouche, de Lasbordes, Didon,de Ligneroles, Garance. Como se pode ter uma relação amorosacom os nomes próprios? Nenhuma suspeita de metonímia: essassenhoras não eram desejáveis, nem mesmo graciosas. E, noentanto, impossível ler um romance, ou Memórias, sem essagula particular (lendo a Sra. de Genlis, vigio com interesse os

57

í-

I

nomes da antiga nobreza). Não é apenas uma lingüística dosnomes próprios que se faz necessária; é também uma erótica:o nome, como a voz, como o odor, seria o termo de um langor:desejo e morte: "o último suspiro que resta das coisas", dizum autor do século passado.

Da bobagem, não tenho direito. . .

De um jogo musical ouvido todas as semanas em F.M. eque lhe parece "bobo", ele tira o seguinte: a bobagem seria ocaroço duro e insecável, um primitivo: não. é possível decompô-lacientificamente (se uma análise científica da bobagem fosse possível, toda a TV desmoronaria). O que é ela? Um espetáculo,uma ficção estética, talvez um fantasma? Talvez tenhamos vontade de nos incluir no quadro? É belo, é sufocante, é estranho;e da bobagem, eu não teria o direito de dizer, em suma, senãoo seguinte: que ela me fascina. A fascinação seria o sentimentojusto que deve inspirar-me a bobagem (se chegarmos a pronunciar seu nome): ela me estreita (ela é intratável, ninguém a barra, ela nos pega na brincadeira de mão).

O amor por uma idéia

Durante certo tempo, ele se entusiasmou pelo binarismo;o binarismo era para ele um verdadeiro objeto amoroso. Parecia-lhe que essa idéia nunca deveria cessar de ser explorada. Quese possa dizer tudo com uma só diferença produzia nele umaespécie de alegria, um espanto contínuo.

Como as coisas intelectuais se assemelham às coisas amorosas, no binarismo, o que lhe agradava era uma figura. Essafigura, ele a reencontrava, idêntica, na oposição dos valores. Oque devia desviar (nele) a semiologia foi, primeiramente, oprincípio de gozo: uma semiologia que renunciou ao binarismonão lhe concerne mais.

58

A jovem burguesa

Em plena agitação política, ele toca piano, faz aquarelas:todas as falsas ocupações de uma jovem burguesa do século XIX.— Inverto o problema: o que é que, nas práticas da jovem burguesa de outrora, excedia sua feminilidade e sua classe? Qualera a utopia desses comportamentos? A jovem burguesa produzia inutilmente, bobamente, para ela mesma, mas ela produzia:era sua forma particular de gasto.

O amador

O Amador (aquele que pratica a pintura,, a música, o esporte, a ciência, sem espírito de maestria ou de competição), oAmador reconduz seu gozo (amator: que ama e continua amando); não é de modo algum um herói (da criação, do desempenho); ele se instala graciosamente (por nada) no significante:na matéria imediatamente definitiva da música, da pintura; suaprática, geralmente, não comporta nenhum rubato (esse roubodo objeto em proveito do atributo); ele é — ele será, talvez —o artista contraburguês.

Censura de Brecht a R. B.

R.B. parece querer sempre limitar a política. Não conheceo que Brecht parece ter escrito propositalmente para ele?

"Quero, por exemplo, viver com pouca política. Isso significa que eu não quero ser um sujeito político. Mas não que euqueira ser objeto de muita política. Ora, é preciso ser objetoou sujeito de política; não há outra escolha; está excluído quese possa não ser nem um nem outro, ou os dois ao mesmo tempo; parece pois indispensável que eu faça política, e não mt-cabe nem mesmo determinar a quantidade de política que devofazer. Assim sendo, é bem possível que minha vida inteira devaser consagrada à política, ou mesmo ser a ela sacrifiçada."(Escritos sobre a política e a sociedade, p. 57.)

59