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Referência: GRÉSILLON, Almuth. O manuscrito moderno: objeto material, objeto cultural, objeto do conhecimento. In: GRÉSILLON, Almuth. Elementos de crítica genética: ler os manuscritos modernos. Tradução Cristina de Campos Velho Birck et al. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. PÁGINA FICHAMENTO/RECORTES 123 O escritor e seus manuscritos Os manuscritos modernos puderam se tornar um objeto cultural porque, antes de tudo, seus autores, de qualquer obra que fossem, os guardaram. Qual a relação dos autores com seus manuscritos? [...] Nos séculos XVI e XVII, como o rascunho não era investido de nenhum valor, a atitude espontânea dos autores e impressores era jogá-lo fora, uma vez publicado o texto. [...] A esse reflexo geral, haviam escapado unicamente documentos inacabados no momento da morte do autor [..] O que Alain Viala chama de "fase de indistinção do manuscrito (art, citado p.103), ou seja, sua pura neutralidade de ferramenta, caracteriza o século XVI e XVII e, ao mesmo tempo, responde a este ideal de perfeição que proibia que se ofertasse ao olhar o que não passava de rejeição e dejeto [...] 124- 125 A atitude de indiferença, transforma-se, às vezes, em rejeição categórica ao não-concluído, em medo obsessivo de exibir aquilo com o que não se concorda mais [...] é também questão de temperamento. Ao contrário de Montaigne, que assumia explicitamente as facetas mutantes de seu eu escritor, Chateaubriand revolta-se violentamente contra qualquer tentativa de publicação [...] que não seja a definitiva. A relação com o manuscrito aparece aqui com uma veemência quase corporal: não mostrar o que foi aviltado pelo tempo, não exibir a forma ultrapassada, deixar à posteridade somente a imagem perfeita de si. Aos olhos do leitor, aos olhos da história, somente o definitivo terá o direito de existir. Victor Hugo, que guardava seus rascunhos não para subtraí- los ao olhar, mas para salvá-los dos danos do tempo e do

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Referência: GRÉSILLON, Almuth. O manuscrito moderno: objeto material, objeto cultural, objeto do conhecimento. In: GRÉSILLON, Almuth. Elementos de crítica genética: ler os manuscritos modernos. Tradução Cristina de Campos Velho Birck et al. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.

PÁGINA

FICHAMENTO/RECORTES

123 O escritor e seus manuscritos

Os manuscritos modernos puderam se tornar um objeto cultural porque, antes de tudo, seus autores, de qualquer obra que fossem, os guardaram. Qual a relação dos autores com seus manuscritos?

[...] Nos séculos XVI e XVII, como o rascunho não era investido de nenhum valor, a atitude espontânea dos autores e impressores era jogá-lo fora, uma vez publicado o texto. [...] A esse reflexo geral, haviam escapado unicamente documentos inacabados no momento da morte do autor [..]

O que Alain Viala chama de "fase de indistinção do manuscrito (art, citado p.103), ou seja, sua pura neutralidade de ferramenta, caracteriza o século XVI e XVII e, ao mesmo tempo, responde a este ideal de perfeição que proibia que se ofertasse ao olhar o que não passava de rejeição e dejeto [...]

124-125 A atitude de indiferença, transforma-se, às vezes, em rejeição categórica ao não-concluído, em medo obsessivo de exibir aquilo com o que não se concorda mais [...] é também questão de temperamento. Ao contrário de Montaigne, que assumia explicitamente as facetas mutantes de seu eu escritor, Chateaubriand revolta-se violentamente contra qualquer tentativa de publicação [...] que não seja a definitiva.

A relação com o manuscrito aparece aqui com uma veemência quase corporal: não mostrar o que foi aviltado pelo tempo, não exibir a forma ultrapassada, deixar à posteridade somente a imagem perfeita de si. Aos olhos do leitor, aos olhos da história, somente o definitivo terá o direito de existir.

Victor Hugo, que guardava seus rascunhos não para subtraí-los ao olhar, mas para salvá-los dos danos do tempo e do exílio. Ele os guarda de alguma maneira para melhor exibi-los em seguida: doando-os todos à Bibliothèque nationale.

O caso de Balzac é mais ambíguo. Ele guarda alguns de seus manuscritos [...], mas sem o cuidado de transformá-los em arquivos pessoais. Tendo uma confusa consciência de seu valor, da força de trabalho que encerram, chega a mandar encaderná-los, não especialmente para garantir sua conservação, mas como objeto precioso, digno de ser oferecido como presente a uma determinada pessoa de renome.

125 Flaubert não somente escreve tudo o que lhe passa pela cabeça, mas também guarda tudo: “Não me desfaço de nenhum papel, é uma mania que tenho”. Com ele, começa a época moderna, na qual a atitude do escritor diante de de um manuscrito traduz realmente uma escolha. O objeto [...] testemunha o labor do escritor, adquire um valor oficial e público e o escritor sabe disso, razão de duas posições extremas: ou guardar tudo, mostrar tudo, ou não mostrar nada, queimar tudo. Porém, a realidade é sempre mais nuançado ou mais tortuosa.

Impossível saber por que, no fundo, um determinado escritor guarda seus manuscritos:

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memória ambígua [...] dos caminhos de sua criação? Desejo de um dia fazer parte das grandes coleções públicas? [...] Ou simplesmente, cuidado de deixar um patrimônio a seus herdeiros?

126 A resposta é relativamente clara no caso daqueles que legaram em vida ou por testamento seus manuscritos a uma coleção ou instituição pública: [...] Desejo de permanecer na memória cultural de uma comunidade.

Variante dessa atitude: encarregar-se da própria edição, como Ponge. [...] O próprio autor desvela ao público os manuscritos genéticos, [...] transformando assim escritos de uso estritamente privados em documentos-livro ou livro documentos, senão em livro-monumento.

Existem atitudes mais complexas: o autor não se desfaz de seus manuscritos, mas diz não lhes atribuir nenhuma importância; ou os dá, vende ou guarda em sua casa, aceita, quando muito, mostrá-los e falar sobre eles; ou, ao contrário, ele se retrai, como se nisso houvesse algum obstáculo profundo, indizível, intocável.

A primeira postura é ilustrada por Sartre: “Pessoalmente, não dou nenhuma importância aos manuscritos: considero que são uma forma intermediária [...] Sei que se pode vender um manuscrito e o fiz algumas vezes (uma ou duas) porque precisava de dinheiro. [...] Não gosto de meus manuscritos.

A segunda atitude é verificada em Nathalie Sarraute, que declara publicamente guardar tudo (mesmo não sabendo nem onde, nem como encontrar), [...] “por superstição, por medo de procurá-los um dia”, mas, ao mesmo tempo, recusa-se, como que tomada de pânico, a mostrar a um público de especialistas qualquer manuscrito.

127 Claude Simon [...] por um lado declara rasgar tudo o que não envia ao editor, e, por outro, que, solicitado por especialistas de manuscritos, acontece-lhe de encontrar os rascunhos em questão. Mas sua posição é clara: “[...] não faço questão de que os manuscritos sejam lidos, não faço questão de que as tolices que fiz sejam vistas, é a última versão que conta. É isso que é interessante, não as rasuras.

Diante de tais declarações, [...] quem quer ser visto sob o ângulo de suas próprias “tolices”? - o apreciador de manuscritos acaba sempre temendo o pior: que o autor faça o gesto fatal da destruição dos vestígios.

O fato de que até a aurora do modernismo os rascunhos tenham sido tratados como objetos efêmeros, é [...] simplesmente a regra geral.

Destacam-se dois casos excepcionais: aquele no qual os manuscritos são, contudo, conservados [...] e aquele no qual eles são destruídos não porque o impresso tornou-os obsoletos, mas por um ato voluntário do autor.

128-129 A primeira biografia de Miguelângelo [...] faz a seguinte observação: [...] ele queimou um grande número de seus desenhos, esboços e cartões; não queria que fossem vistas as dificuldades que tivera e as hesitações de seu talento para que fosse conhecido somente em sua perfeição.

Entre os modernos, talvez pelo próprio fato de o rascunho ter adquirido um valor simbólico, a questão da sobrevida assumiu uma feição mais patética e, por vezes, mais teatral. Difícil, em todo o caso, dentre os testemunhos de escritores, separar a verdade da ficção.

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Kafka [...] a Max Brod [...] “queimar tudo, sem exceção, de preferência sem que tu o leias”

130 Chega-se [...] a uma fronteira, a um limiar em que o autor é considerado nesse double bind inextricável entre a sobrevida da obra, e somente da obra, e o desejo de sobrevida de uma parte de seu corpo, sob forma de retalhos de escritura.

O ato real de escrever tende a se confundir com a ficção: dizer que se vai queimar, ou que se queimou seus manuscritos ou que alguém deve queimá-los nunca os levou, até o momento, às chamas realmente, e isso para a grande felicidade dos geneticistas.

O manuscrito não passa de um artifício que se consome com a luz do dia, escrever não é nada além de recopiar eternamente o já escrito, e o próprio autor não passa de uma ficção [...] em quem ou em que o geneticista pode se fiar quando procura saber que relação liga o autor a seu manuscrito e como os escritores escreveram alguns de seus livros.

131-132 Se o crítico sempre pode se deixar levar por seu desejo de encontrar o verdadeiro, o autêntico, sob forma de declarações do autor, portanto, autorizadas, o próprio autor, prestando-se ao jogo, tem uma consciência afiada da ambiguidade do processo.

Aragon [...]: “Cada um conta sua vida à sua maneira, mas quem pode encontrar um meio de contar sua cabeça? Tudo isso deve ser considerado como dito por um personagem de romance.”

Péguy [...]: Jamais se deve estimar um poeta pelo que ele disse [...], é preciso estar atento ao que ele faz e não ao que ele diz ter feito.

Valéry [...]: Não existe verdadeiro sentido de um texto, nem autoridade do autor. Não importa o que tenha querido dizer, ele escreveu o que escreveu. Uma vez publicado, um texto é como um aparelho do qual cada um pode se servir à sua maneira e conforme suas condições: não é certo que o construtor use-o melhor que uma outra pessoa.

Apesar desses alertas e de seu estatuto em parte ficcional, o geneticista estaria errado ao ignorar textos nos quais o próprio autor apresenta a narrativa de gênese.

Essa memória do processo, somente o autor pode possuir. Mas ele a possui realmente? Sua memória não é enganadora? Não está excluída a hipótese de o autor criar a gênese somente a posteriori e até mesmo, sem saber, de inventar uma gênese para determinado poema.

[...] Numa tradição na qual o rascunho tendo perdido, pelo menos parcialmente, sua imagem detestável de objeto impuro, o escritor aceita falar sobre ele. O manuscrito decididamente tornou-se objeto cultural.

133 Um objeto de conhecimento

Se o manuscrito moderno adquiriu uma certa oficialização na área dos estudos literários, foi graças a dois impulsos [...]: a filologia e a crítica genética.

Elevado ao nível de objeto cultural, o manuscrito moderno tornou-se objeto de crítica textual.

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[...] França [...] dos anos 70 do século XX [...]: a crítica genética. Seu objetivo primeiro não é o estabelecimento do texto, mas a atualização dos mecanismos de escritura que subentenderam o processo criativo. Não é, portanto, o texto, mas pela primeira vez, é o manuscrito que está no centro dessa nova disciplina.

134 Tipologia dos documentos genéticos

A quais tipos de documentos o geneticista recorre quando empreende a reconstrução de uma gênese? Àqueles que encontra, fique claro. [...] Para todo projeto genético, o fator da transmissão, da conservação e da acessibilidade dos documentos é primordial e que mesmo a documentação mais completa representa somente uma ínfima parte do processo criativo que leva de um projeto mental a uma obra.

Tudo é possível: listas de palavras, blocos de notas, notas documentárias, planos, roteiros, esboços, resumos, ensaios redacionais mais ou menos textualizados, versões textuais sucessivas, últimos ajustes, cópias autógrafas, cópias feitas por um copista, provas corrigidas e, até mesmo, edições revistas e corrigidas pela mão do autor.

A quantidade de tipos de manuscritos diferentes não é o único critério que dá indícios sobre o volume do dossiê, ou seja, não é por que um dossiê comporta notas, roteiros, planos, esboços, rascunhos, cópias e provas corrigidas (por exemplo, Flaubert), que ele é necessariamente mais rico do que um dossiê que [...] comporta [...] somente rascunhos já textualizados e cópias passadas a limpo.

135 No caso de Balzac, o dossiê comportará poucos rascunhos, mas uma massa considerável de jogos de provas corrigidas.

No caso de Flaubert, encontraremos atestada praticamente toda a gama de documentos já citados. [...] O que é característico dos dossiês flaubertianos é, por um lado, o testemunho que trazem sobre a fase pré-redacional e [...], por outro lado, seu trabalho redacional, que progride ao ritmo da página [...].

Quanto a Zola, a fase pré-redacional é igualmente muito documentada, principalmente por pesquisas feitas in situ, por longuíssimos esboços [...]; em contrapartida, a fase redacional, por pouco que esteja conservada, parece eminentemente fluente, pouco rasurada, como se tudo tivesse sido resolvido antes, como se o texto devesse apenas “se desdobrar como uma bobina de lã que se desenrola” [...].

Zola [...]: “Recuso-me a compreender aquilo que faço, pois quanto mais avanço, mais me convenço de que nossas obras em gestação escapam totalmente de nossa vontade.”

138-139 Uma coisa bem diferente ainda é a gênese em Proust: nenhum plano, nenhum roteiro, com exceção de algumas notas lançadas num dos raros blocos, porém um texto [...] reescrito e metamorfoseado, reorganizado, amplificado, redistribuído [...].

Haveria, portanto, tantas formas de escrever um romance quanto romancistas? Cada dossiê genético representaria um caso exemplar? Não existe nada que permita uma padronização, seja ela qual for? De maneira muito ampla, será admitida a hipótese de que toda gênese atravessa sucessivamente três fases distintas (atestadas ou não): uma fase pré-redacional, [...] uma fase redacional, [...] uma fase de elaboração, comportando manuscritos e textos datilografados inteiramente textualizados e pouco rasurados, cópias passadas a limpo [...]. Os diferentes testemunhos dessas três fases podem estar presentes ou ausentes [...]. Além disso, o percurso do modelo pode seguir uma ordem recursiva [...].

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[...] “Gênese interna”, que representa o campo central da crítica genética. De maneira mais ou menos reconhecida, o geneticista os completa com outro tipo de documentos, escritos ou não, autógrafos ou não [...]: testemunhos de amigos, menções na correspondência, entrevistas, diários, autobiografias - são igualmente documentos, [...] que poderiam ser chamados de [...] de “peri-prototexto”.

140 Que fique claro: não se trata de estender a noção de gênese até abarcar toda a arqueologia do saber: quando falamos de documentos de gênese externa, designamos simplesmente documentos comprovadamente da mão ou da boca do autor ou que o autor tenha lido, visto ou ouvido, proferido, ou, enfim, que constituam testemunhos de terceiros, produzidos no contexto direto da escritura de uma obra determinada. [...] Esses documentos representam para a crítica genética simples ferramentas auxiliares.

140-141 Tipologia das maneiras de escrever

A existência, em determinado dossiê genético, de certos documentos fornece um primeiro indício sobre um tipo de escritura. Assim, da sucessão sistemática de notas, roteiros, planos, rascunhos, cópias podemos induzir um modelo de escritura relativamente organizado, obedecendo a protocolos fixos, a uma forma de pensamento estruturante que precede a produção textual.Ainda que que exista, desse ponto de vista, uma familiaridade entre os dossiês de Flaubert e os de Zola [...], não se afirmará que os dois autores elaborem seu texto segundo um mesmo modelo. Flaubert faz tudo para preparar a escritura, mas na verdade, para melhor se entregar, em seguida, a todas as pulsões e invenções do momento. Zola, relembremos, parece seguir seu programa com uma fidelidade quase infalível, ao menos na maneira como conduz seus dossiês pré-redacionais.[...] Quando o ato escritural engaja-se diretamente na elaboração do texto, pode-se esperar que a gênese revele um tipo de escritura e reescritura homogênea? Os manuscritos de Heine e Kafka, por exemplo, correspondem ambos à escritura sem plano escrito, na qual os documentos de gênese apresentam-se imediatamente sob forma textualizada.

141 A análise mostra, no entanto, que Heine segue um esquema preestabelecido, concebido “em sua cabeça”, ao passo que Kafka segue somente a pulsão da própria escritura. “É preciso aventurar-se na escritura como se mergulha na obscuridade de um túnel”. Em outras palavras, para compreender um funcionamento de escritura, não basta fiar-se na aparência material do dossiê de gênese. O que equivale a lembrar que os manuscritos são apenas a ponta do iceberg.

[...] Pode-se, no entanto, admitir que existam dois grandes modos de escrever: a escritura em programa e a escritura em processo. O primeiro é atestado em autores cuja redação corresponde à realização de um programa preestabelecido [...]. O segundo e representado por autores que não sabem nada, por assim dizer, antes de se lançarem na aventura da escrita, toda invenção está na mão que corre sobre o papel.

142-143 Turgueniev: todos seus dossiês genéticos comportam sucessivamente uma lista de personagens e a nota biográfica de cada um deles, um plano geral, sob a forma de um esquema sumário, ou de um canevas já dividido em capítulos, em seguida as diversas etapas de redação.

Thomas Mann [...] justifica seu interesse dizendo que esses materiais o ajudam a “conservar o mesmo plano durante os anos necessários à escritura do romance”. Em outros, sentimos não somente a utilidade, mas o prazer real de fazer planos [...].

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“Quando me acontece de fazer planos, a partida já está perdida” (Doblin); Quando faço um plano preciso para um livro, estou certo de não escrevê-lo. Por que eu o escreveria? Ficaria entediado” (Nossack) [...].

[...] George Sand: Quando começo um romance, não tenho nenhum plano, ele arranja-se sozinho enquanto gatujo”. [...]

Agota Kristof , invertendo a ordem habitual, escreve primeiramente às cegas e procura a estruturação depois.

144-146 Esses depoimentos sobre a maneira de escrever [...] levantam três tipos de questão: [...]

1 - [...] não existe uma tendência dos contemporâneos em recusar a coleira do plano, ao menos no plano como programa que precede o ato de escritura? Não se percebem nisso os distantes indícios de descoberta do inconsciente, da escritura automática, do “pensamento selvagem” e outros “rizomas? [...] Seria necessário buscar com mais seriedade a relação que podem manter as diferentes maneiras de escrever com o pensamento de uma época. [...] A hipótese não consiste, portanto, em dizer que existe uma maneira romântica, realista, naturalista, [...] mas que, globalmente, as grandes rupturas epistemológicas não podem deixar de imprimir seus traços na maneira como alguém escreve uma obra literária.

2 - A hipótese dos dois tipos de escritura provavelmente precisa ser refinada, de maneira que será necessário prever um continuum sobre o qual todo tipo de práticas intermediárias viria tomar lugar. [...]

3 - Existe uma relação entre gênese e gênero? Existe um modelo genético específico para cada um dos três grandes modos de expressão literária? Ou, ao contrário, existe ao menos nas fases precoces da escritura, um tipo de indistinção, de neutralidade diante das imposições do gênero?

Ao final desse longo percurso, conclui-se, portanto, que o manuscrito moderno, objeto material, objeto cultural, é, ao mesmo tempo, objeto de conhecimento.