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Identidade e Diversidade Religiosa

O problema da intolerância religiosa e sua percepção pelos alunos dos sextos anos do Colégio Alberto de Carvalho, em Prudentópolis

Natália Borsuk (Professor PDE)

Prof. Dr. Manuel Moreira da Silva, UNICENTRO/PR (Orientador) RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo discutir as noções de identidade e de diversidade

religiosa na atualidade; a rigor, o problema da intolerância, suas origens e estratégias de superação no

âmbito da disciplina de ensino religioso. Para isso, abordará a questão da intolerância religiosa, suas

origens históricas, culturais e sociais, assim como algumas possíveis estratégias de superação; essas

baseadas nas noções de diversidade ética ou de ética plural, tomadas como princípio explicativo da

diversidade religiosa e horizonte de uma possível identidade inter-religiosa. Em vista disso, o trabalho

discutirá, em seguida, a percepção dos alunos dos sextos anos do Colégio Alberto de Carvalho, em

Prudentópolis, Paraná, em relação ao problema da intolerância e à possibilidade de uma compreensão

ética da diversidade religiosa. Enfim, mostrará como o respeito mútuo, a tolerância e demais conceitos

éticos partilhados cotidianamente podem contribuir de modo efetivo para a superação da intolerância

religiosa.

Palavras-chave: Ensino religioso. Tolerância religiosa. Diversidade ética. Estado laico.

I. Introdução

Embora o Ensino religioso seja voltado para a temática da tolerância e do

respeito à diversidade religiosa desde a Constituição de 1934, assiste-se cada vez

mais ao fenômeno da intolerância religiosa, sobretudo no meio escolar. Isso ocorre,

ao que parece, talvez porque apenas o direito individual à expressão do credo e a

exigência de que tal disciplina seja ministrada de modo interconfessional não garanta

por si mesmos a tolerância religiosa. Esse o grande problema surgido com o aumento

da diversidade religiosa, ou antes, com a incompreensão e mesmo a ignorância da

quão rica pode ser a experiência interconfessional e ecumênica cada vez mais

presente e evidente nas sociedades ocidentais.

Infelizmente, mesmo que esporádicos, casos de intolerância religiosa têm sido

constatados em diversos lugares, tanto no Brasil como no Paraná. A intolerância

religiosa pode ocorrer quando um aluno, um professor ou um familiar, seja de forma

intencional ou por mera ignorância, constrange, desqualifica ou atinge de algum modo

um terceiro, seja este igualmente aluno, professor ou o próprio familiar. Exemplo disso

é o caso de pais – representantes de determinado culto – dizer que sua prole estaria

proibida de participar de celebrações ecumênicas; fato geralmente sabido pelos filhos,

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mas compreendido por estes como sendo intolerância para com eles próprios, dado

que estes se prontificariam a participar de tais celebrações, das quais terminam por

participar efetivamente. Algo esclarecedor para mostrar que boa parte da intolerância

praticada por jovens e adolescentes origina-se em geral de seus pais ou partem

destes e, com isso, atingem primeiramente aqueles, seus próprios filhos. O que não

isenta os professores, que também se mostram, por diversos motivos, como fonte de

intolerância religiosa; no caso aqueles despreparados para sua função de professores

e, muitas vezes, ignorantes das leis que regem a educação em geral e a prática

religiosa em especial, sobretudo nos limites do Ensino público. Poder-se-ia aqui

mencionar diversos casos desse tipo, não obstante, em sua maioria, eles se resumem

à seguinte estrutura: uma professora regularmente coloca seus alunos para orar, mas,

quando um destes alunos se recusa a tal, ela o nominalmente e de forma negativa

diante da turma, causando-lhe constrangimentos. Casos como esses nos mostram

que a origem da intolerância religiosa está menos nos alunos dos que nos familiares

ou, infelizmente, nos educadores.

No dizer de estudiosos que já trataram do problema, a intolerância religiosa

surge quando, na relação entre indivíduos praticantes de religiões distintas, valores

construtivos são substituídos por valores destrutivos; quando os valores ligados ao

reconhecimento, à liberdade e à autenticidade dessa ou daquela crença são

desprezados pelos adeptos das crenças rivais. Isso pode gerar desde a indiferença

para com outras religiões, práticas religiosas e crenças afins até a agressão física aos

adeptos destas, em nome de uma crença ou religião particular; quando se impõe ao

docente de ensino religioso refletir sobre os fundamentos filosóficos da diversidade

religiosa de modo a tornar compreensível ao educando a liberdade de credo e

incentivar a prática da tolerância religiosa. No caso presente, o trabalho se impõe

investigar os fundamentos éticos da diversidade religiosa em geral e a maneira pela

qual é possível não somente a constituição de uma identidade interconfessional em

particular, mas também e principalmente a sua efetivação no âmbito de uma

comunidade ética como tal. Em vista disso observou-se preliminarmente – sob uma

perspectiva a um tempo ética e religiosa – o cotidiano dos alunos dos sextos anos do

Colégio Estadual Alberto de Carvalho, na cidade de Prudentópolis, Paraná, no sentido

de verificar o grau de tolerância ou de intolerância religiosa presente entre os alunos

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dessas turmas, assim como a compreensão dos mesmos em torno do pluralismo ético

e religioso, tão evidente na época atual.

Neste sentido, o presente trabalho empreende na tentativa de interpretar e

sistematizar os resultados daquela observação, na verdade um projeto de intervenção

pedagógica, cujo objetivo era o de constatar e avaliar o fenômeno da intolerância

religiosa e o grau de percepção dos alunos das turmas aludidas acerca do mesmo. O

projeto interveio nas referidas turmas no sentido de oportunizar um conhecimento

adequado das questões atinentes à diversidade ética em geral e à diversidade

religiosa em particular; isso, de modo a contribuir para a prevenção, a diminuição e a

dissolução do fenômeno da intolerância religiosa no Ensino fundamental. Assim,

apresentar-se-ão a seguir, resumidamente, os principais resultados da intervenção

pedagógica realizada, de modo a apontar caminhos para as aulas de Ensino religioso

no concernente à diversidade religiosa, tendo em vista os fundamentos éticos desta e

a possibilidade da construção de uma identidade inter-religiosa. A título de conclusão,

o trabalho discutirá a atualidade do ensino religioso e seu lugar na formação crítica

para a identidade e a diversidade religiosa.

II. O problema da intolerância, origens e estratégias de superação

De acordo com o artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos,

promulgada em 1948, toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento,

consciência e religião, esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e

a liberdade de manifestá-la publicamente. Da mesma forma, o Artigo 5, Inciso VI, da

Constituição Federal de 1988 afirma que “é inviolável a liberdade de consciência e de

crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma

da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Seguindo de perto esse

preceito, as Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado

do Paraná para o Ensino Religioso orientam prioritariamente para que o trabalho

docente do professor de Ensino religioso contribua para a superação da intolerância

étnico-religiosa e garanta o direito constitucional acima aludido. Isso, na medida em

que o professor da disciplina de Ensino religioso diariamente fomente em seu trabalho

o respeito à diversidade religiosa de cada cidadão.

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No entanto, bem antes disso, já com a Proclamação da República em 1889, o

Brasil deixa de ser um país oficialmente católico e passa desde então a um Estado

laico; o que implica assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos

locais de culto e a suas liturgias. Assim, de certo modo incrementada pela imigração

de diversas etnias e pela introdução de crenças diversas no país, a diversidade

religiosa brasileira se mostra cada vez mais crescente; mas isso, entretanto, também

termina por levar ao fenômeno oposto, igualmente crescente, da intolerância religiosa,

alimentado não só pelas diferenças propriamente religiosas ou étnicas, mas também

e principalmente por razões de ordem social e econômica. Para combater esse

problema, promulgou-se a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº

9.459, de 15 de maio de 1997, que considera crime a prática de discriminação ou

preconceito contra religiões. Em prol disso foi criado o Dia Nacional de Combate à

Intolerância Religiosa, que é o dia 21 de janeiro, por meio da Lei nº 11.635, de 27 de

dezembro de 2007, sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com

essas medidas, o trabalho do professor de Ensino religioso tornou-se, em grande

parte, formalmente amparado; porém, isso apenas no que tange à forma da lei.

Para além da forma fria da lei, é necessário ainda que o professor de Ensino

religioso fundamente seu trabalho nos pressupostos mesmos da lei. Tais

pressupostos são em geral de origem filosófica, mais propriamente de origem ética,

e, neste sentido, se mostram tão antigos como, ou mais antigos que muitas religiões

existentes nos dias de hoje. Entretanto, no que diz respeito ao tema e ao objeto próprio

deste trabalho, interessa-nos mais de perto as reflexões acerca da tolerância religiosa,

assim como do pluralismo ético, sobretudo quando aplicados aos casos atuais.

Exemplo disso são as afirmações de Gehlen (1984) referindo-se ao pluralismo

religioso; quanto a isso, o autor salienta:

A natureza humana se estabelece através das culturas infinitamente variáveis e nas heranças filogenéticas, que no entanto não elaboram o comportamento humano com modelos fixos, mas apenas dão, como resultado disposições congênitas, que ficam a espera de que a mistura dos afluxos culturais as preencha concretamente (GEHLEN, 1984, p. 39).

No dizer de Gehlen (ibid.), o homem não sabe quem ele é, por isso não pode

realizar-se de maneira direta, necessita pois de instituições como a familiar, a religiosa

e a escolar. Segundo Gehlen (1984, p.123-124), a formação ética, ou mais

precisamente ético-religiosa, inicia-se na vida familiar e é ampliada na igreja e na

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escola, podendo chegar ao nível intelectual, como no catolicismo antigo ou no

iluminismo. Contudo, religião e ética ou moral não são a mesma coisa, são duas

potências vitais, fundamentalmente diferentes (GEHLEN, 1984, p. 95). A família gera

assim, conforme Gehlen (ibid.), uma moral interna, nobre e ampliável; por isso, ela é

indispensável como o primeiro e o momento mais básico da formação ética e religiosa

do individuo.

Assim como a família, a religião se apresenta como um passo fundamental na

formação religiosa dos indivíduos. Antes mesmo da escola formal é ela que direciona

os caminhos das crianças em geral e dos filhos em particular no que dia respeito a

inserção dos valores éticos e morais já aprendido no âmbito da família agora nos

quadros das relações interpessoais. São estas relações interpessoais que constituem

pouco a pouco a noção de comunidade e mais precisamente a noção de comunidade

religiosa, essa que tem na igreja o centro de suas atividades formativas. No entanto,

como bem lembrou Locke (1994, p. 246), podemos considerar a igreja como “uma

sociedade livre, na qual os membros se reúnem por iniciativa própria para o culto

público de Deus”; isso quer dizer, ainda segundo Locke (ibid.), que “nenhum homem

está por natureza subordinado a qualquer igreja ou seita particular, mas cada um se

vincula livremente àquela sociedade em que acredita que encontrou a verdadeira

religião e o culto aceitável por Deus”. Desse modo, pode-se afirmar que embora uma

criança seja involuntariamente introduzida na religião dos pais, ao crescer ela poderá

livremente mudar de religião; o que significa que o ensinamento fornecido pela religião

deve ele mesmo mostrar-se livre, não obrigando, mas apenas despertar os valores e

o sentido do sagrado em cada um. Em suma, os laços indissolúveis que unem cada

um a uma religião não podem ser senão e tão somente aqueles que, no dizer de Locke

(1994, p. 247), “procedem de alguma expectativa de vida eterna”.

Conforme Locke (1994, p. 246), ninguém nasce membro dessa ou daquela

igreja qualquer, ainda que se uma muitas vezes involuntariamente a tal ou tal grupo

religioso. Esse o caso específico da criança, cuja alma, tal como a água que leva algo

para qualquer lugar, pode ser levada a qualquer religião, ainda que quando ingresse

na vida adulta possa escolher a sua própria religião e com isso distinguir-se das

demais. Tem-se aí portanto, nesta escolha, respectivamente, o ponto de partida da

identidade e da diversidade religiosa. De um lado, o indivíduo se apresenta como

membro de uma comunidade determinada, a comunidade religiosa que o aceitou e o

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recebeu como um de seus integrantes. De outro lado, porém, esse mesmo indivíduo

se mostra como diferente ou como estranho às outras comunidades religiosas,

sobretudo àquela a cuja fé ele renunciou para ingressar naquela de sua própria

escolha. A justificação de tal escolha, por seu turno, assim como o respeito ou a

aceitação da escolha alheia, não podem realizar-se apenas com o aprendizado

desenvolvido na família e na própria religião. Aprender a justificar as próprias escolhas

ou simplesmente respeitar aquelas de outrem supõe uma formação especificamente

escolar.

Desse modo, a escola constitui-se como o terceiro passo e como o passo

definitivo da formação do individuo, é o momento da formação propriamente

intelectual, na qual os valores éticos ou morais e religiosos aprendidos

respectivamente na família e na religião serão refletidos como tais. A escola se mostra

assim como um espaço de conflito, tanto individual, quanto cultural e social, cujo

desdobramento se exprime na personalidade dos discentes em formação, assim como

na personalidade dos docentes ou dos formadores. Em vista disso, qualquer

desequilíbrio nesse processo pode levar ao desvirtuamento daqueles valores

aprendidos inicialmente na família e na religião. Não obstante, na maioria das vezes

um desiquilíbrio ínsito ao processo formativo origina-se ora na própria família, ora na

religião; esse é o caso da intolerância religiosa. A intolerância religiosa ocorre quando

a identidade religiosa de um individuo ou de uma comunidade religiosa como que se

fragmenta em relação a diversidade religiosa hoje reinante e certos indivíduos se

veem incapazes ou inábeis em reconhecer e respeitar as diferenças ou crenças

religiosas dos demais. Caso em que nenhuma justificativa ou argumentação racional

parece capaz de demovê-los dos preconceitos e da incompreensão resultantes de tal

incapacidade e de tal inabilidade.

Na imensa diversidade religiosa em que vivemos nos dias de hoje, é preciso

ser tolerante para com os outros, ou seja, é preciso respeitar a liberdade de culto e de

crença dos mesmos; pois quem não respeita, quem acha que só ele através da sua

crença ou religião se salva, se torna intolerante, causando conflitos e desarmonia

onde vive. Ora, como se lê em Kronbauer & Simionato (2010), respeitar a religiosidade

implica antes respeitar a crença independente de que concepção seja. Isso porque,

quando o ser humano não tem uma orientação, ao perceber que existe um outro que

não compartilha das mesmas crenças, demonstra a intolerância. Muitas vezes esse

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contato mostra o distinto e turbulento: perturba, ameaça e desintegra a identidade

estável, caracterizando o primitivo, não humanizado, causando desordem e muitas

vezes suspeitas de ódio dirigido a determinados grupos, originando portanto a

intolerância. Pedagogicamente cabe ao professor orientar os educandos quanto à

intolerância religiosa, mostrar a importância da dimensão religiosa e o respeito pelas

maneiras de manifestar a sua religiosidade. Essa a tarefa principal e o desafio da

disciplina de Ensino religioso.

No que concerne ao Ensino religioso, Costella (2004, p. 104) afirma que este

“não pode prescindir de sua vocação de realidade institucional aberta ao universo da

cultura, ao integral acontecimento do pensamento e da ação do homem”, tornando,

possível ao educando a reflexão em torno das diferenças históricas e culturais que

constituem cada religião ou crença em geral. Isso porque, ainda conforme Costella

(ibid.), “a experiência religiosa faz parte desse acontecimento, com os fatos e sinais

que a expressem”; o que inclui necessariamente a diversidade religiosa. Se isso é

assim, o Ensino religioso e a formação religiosa como tal não podem prescindir de

uma base filosófica, mais especificamente de fundamentos éticos. Se a Intolerância

religiosa consiste numa atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou

vontade em reconhecer e respeitar diferenças ou crenças religiosas de outros,

podendo resultar em perseguição religiosa e em crimes com a pessoa e a dignidade

humana, então, de fato, talvez o único modo de enfrentá-la e combatê-la seja a

formação ética, que se constitui como a base da própria religião a partir de Kant e tem

nesta uma de suas expressões mais contundentes, no sentido de que é sempre na

religião que de certo modo a própria ética, pelo menos entre os antigos, encontrava

seus fundamentos os mais seguros. É portanto na relação entre ética e religião que a

questão da intolerância religiosa deve encontrar solução.

III. A percepção dos alunos do Colégio Alberto de Carvalho, em Prudentópolis

Abordar o tema intolerância religiosa, no espaço escolar, se faz muito

necessário. Como afirmam especialistas em educação, o melhor meio para solucionar

o problema da intolerância religiosa é o diálogo, a educação; a rigor, fornecer ao

educando e tornando-o capaz de certas habilidades e competências no trato com o

diverso e o diferente. No caso da intolerância religiosa, com a diversidade de crenças

e cultos religiosos e a diferença de concepções destes em torno do sagrado. Neste

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sentido, a tarefa da educação, através da disciplina de Ensino religiosos, mas não

somente desta, parece dever concentrar-se na dissolução das chamadas forças

destrutivas que agem no âmbito da intolerância religiosa, substituindo-as por forças

construtivas, dissuadindo assim os comportamentos agressivos ou violentos contra

certa crença ou religião, em nome de outra. Essa a razão de apresentar-se a seguir a

percepção dos alunos do Colégio Estadual Alberto de Carvalho, na cidade de

Prudentópolis, em torno de tal questão.

A percepção dos alunos do Colégio Estadual Alberto de Carvalho em torno ao

problema da intolerância ora apresentada consiste em um conjunto de dados

resultantes de observação do cotidiano dos alunos dos sextos anos do referido

Colégio no primeiro semestre de 2013. Tal observação ocorrera nos limites de uma

intervenção pedagógica, intitulada Identidade e diversidade religiosa, desenvolvida

nos quadros do Programa de Desenvolvimento da Educação – PDE – do estado do

Paraná e cujo objetivo fora verificar do grau de tolerância ou intolerância religiosa

presente entre os alunos dessas turmas, bem como a compreensão dos mesmos em

torno do pluralismo ético e religioso no âmbito de suas respectivas comunidades em

geral e no espaço escolar em especial. Trata-se agora de interpretar e sistematizar os

resultados daquela observação.

Na referida intervenção pedagógica introduziu-se primeiramente, em nível

teórico e prático, os temas da identidade e da diversidade religiosa, assim como a

noção de respeito mútuo no meio escolar, social e ético. Ao nível prático, foram

utilizadas e realizadas várias atividades, como, por exemplo, um diálogo sobre o uso

do uniforme escolar e a sua importância. Essa atividade objetivou discutir a noção de

identidade e o modo pelo qual os alunos das escola identificam-se com a mesma

através do uniforme, isso mediante dois níveis de identificação: (1) como alguém

poderia identificar tal ou tal aluno em caso de uma urgência qualquer fora do ambiente

escolar e assim poder entrar em contato com a escola; (2) como cada um se identifica

com a escola no que diz respeito aos valores que esta desperta nos mesmos ou que

eles nela podem depositar. Concluiu-se tal discussão com a aplicação de seus

resultados ao caso da religião, isto é, da identificação de cada um com a sua religião

– aqueles que têm ou participam de algum culto religioso – através dos símbolos,

sinais ou vestes, ritos e rituais que em cada caso tem lugar.

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Apresentada a noção de identidade religiosa, cujo entendimento por boa parte

dos educandos pode ser constatada como intuitiva e por conseguinte imediata,

discutiu-se a diferença entre as diversas religiões existentes. Dentre os muitos relatos

apresentados pelos alunos destacou-se a compreensão dos mesmos em relação ao

batismo, a saber, o fato de se batizarem-se as crianças ainda pequenas, por exemplo,

na Igreja Católica, enquanto nas Protestantes batizam-se apenas adolescente e

adultos; alguns alunos ainda lembraram o fato de o batismo em uma ocorrer por

aspersão e nas outras por imersão. Essa percepção pareceu importante pelo fato de

ser algo presente aos alunos da sexta série (ou do sétimo ano) em vista de muitos

deles frequentarem escola dominical e mesmo crisma, mas também porque permitiu-

nos desenvolver um aspecto importante presente na discussão sobre a diversidade

religiosa e sua relação com a identidade. No caso, a questão da finalidade da religião

e de como, conforme tal finalidade, as mais diferentes religiões, embora por caminhos

diversos, terminam por chegar ou tentar chegar em um único e mesmo objetivo. Essa

questão foi igualmente apresentada a partir de uma referência à escola.

Tal questão foi apresentada “intuitivamente” no sentido de uma

explicitação da identidade na diversidade religiosa ou de uma explicitação da

diversidade na identidade religiosa. Por exemplo, dependendo de onde moramos ou

de onde estamos, tomamos um caminho, estrada ou rua diferente para vir até a sala

de aula, assim também ocorre com as religiões ou crenças; estas podem ser vistas

como caminhos diferentes para encontrar-se com Deus – no caso da grande maioria

dos alunos das turmas observadas, cujas famílias são basicamente católicas ou

evangélicas – no paraíso ou no céu. Nessa apresentação objetivou-se mostrar que

assim como a escola é de todos, igualmente o chamado paraíso eterno = ou o céu –

também o é; o que no caso dos cristãos e mesmo de muçulmanos e judeus se mostra

bastante plausível e permite uma discussão interessante em torno da necessidade da

tolerância. Da mesma forma, compreendendo, ainda que “intuitivamente”, os

elementos com os quais e pelos quais diferentes religiões se identificam, também se

pode compreender mais facilmente a própria intolerância, assim como os modos pelos

quais se pode combatê-la.

Tendo em vista a atividade acima relatada, mas também outras desenvolvidas

durante o período de observação, foram colhidos relatos dos alunos. Alguns desses

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relatos são apresentados e discutidos abaixo. Sobre o tema da Diversidade religiosa,

considerada em geral, recolhemos os seguintes depoimentos1:

GRUPO A:

Nas aulas de ensino religioso aprendemos sobre identidade e diversidade religiosa vimos que a religião, não importa qual, é muito importante para as pessoas viverem bem, e como cada participante identifica-se com a sua religião dentro da enorme diversidade religiosa.

GRUPO B

Os cristãos católicos identificam-se com as imagens, com o sinal da cruz, as mulheres muçulmanas, só podem entrar na igreja com a devida veste, identificando-se com a religião delas, não entra na mesquita com qualquer roupa.

GRUPO C:

Aprendemos que a diversidade religiosa é muito importante porque cada um pode escolher uma religião Todas as religiões ou crenças são importantes, e não devem ser discriminadas. Precisamos ter compreensão, orar e ter tolerância e ética.

Os relatos acima exprimem uma vinculação importante com o conteúdo

ministrado em sala de aula no primeiro semestre de 2013, a partir do Caderno

Pedagógico utilizado como texto-base para a intervenção pedagógica2, acima

informada, no Colégio Estadual Alberto de Carvalho. Nota-se uma assimilação

consciente das noções de respeito, ética, identidade, diversidade e tolerância; na base

de tal assimilação pode-se observar também certo entendimento de que as mesmas

aplicam-se não só ao tratamento da religião, mas abrangem a vida dos indivíduos e

das sociedades como um todo. Neste sentido, antes de sua aplicação à religião e à

1 Os depoimentos ora transcritos foram extraídas em seu conjunto de discussões em grupo na sala de aula ou de relatos anônimos por escritos, não representam a posição pessoal de nenhum discente em particular, mas o âmbito geral da compreensão das discussões ocorridas durante a intervenção pedagógica. Por isso serem apresentadas apenas os quatro depoimentos sob a forma de “grupos” de depoimentos. 2 Veja-se, a respeito, N. BORSUK, Identidade e diversidade religiosa. Produção didática desenvolvida junto a SEED e a UNICENTRO, no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, na área de Filosofia, disciplina de Ensino Religioso. Orientador: Prof. Dr. Manuel Moreira da Silva. Prudentópolis, 2012.

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vida religiosa, pode-se afirmar que os alunos conseguiram apreender seu elemento

propriamente ético, nos quadros de uma ética pluralista, dando conta, portanto, de

que a própria religião apoia-se sobretudo na ética e deve, por isso, ser assumida e

praticada mediante o respeito mútuo não só para com aqueles que assumem a mesma

confissão, mas principalmente para com aqueles que abraçam fés distintas. Da

mesma forma, os depoimentos citados deixam entrever certa curiosidade para com

as outras religiões, no sentido de se poder aprender com as diferenças entre as

mesmas, mantendo-se enfim a liberdade de cada um em escolher sua própria religião.

O que, enfim, pode se mostrar como e a constituição de uma identidade interconfessional,

no sentido em que acima se aludiu, da identidade na diversidade.

IV. Conclusão

Este trabalho discutiu em suas linhas gerais as noções de identidade e

diversidade religiosa na atualidade; mais precisamente, o problema da intolerância,

suas origens e estratégias de superação no âmbito da disciplina de ensino religioso.

Mostrou-se que, a partir do método da pesquisa-ação, mesmo para um público ainda

não afeito às questões conceituais, uma compreensão “intuitiva” da ética como base

da religião não só é possível, mas também se mostra plausível no que diz respeito a

uma fundamentação das noções de identidade e de diversidade religiosa. Estas

baseadas sobretudo nas noções de respeito mútuo e livre escolha.

O trabalho mostrou ainda que a intolerância religiosa ocorre geralmente em

função de ignorância, despreparo, inabilidade ou preconceito em lidar com as

diferenças entre as distintas confissões. Demonstrou-se, porém, que ao tornar-se

compreensível a liberdade de credo e a incentivar a prática da tolerância religiosa, a

partir do entendimento adequado da diversidade religiosa e da riqueza que cada

religião carrega em si, é possível não só levar a termo uma compreensão dos

fundamentos éticos da diversidade religiosa em geral e a constituição de uma

identidade interconfessional em particular, mas também a sua efetivação no âmbito

de uma comunidade ética como tal. A verificação da percepção do problema da

intolerância e da necessidade da tolerância religiosa entre os alunos da 6ª. ano do

Colégio Estadual Alberto de Carvalho, na cidade de Prudentópolis, mostrou, por seu

turno, que uma compreensão adequada de tal problema e de sua solução depende

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sim da educação religiosa, como afirmam os diversos teóricos que tratam dessa

questão, mas sobretudo de uma educação religiosa fundada eticamente. Essa na

qual, enfim, se compreenda que os valores religiosos só podem como tais se tornar

efetivos se estiverem baseados numa compreensão ética e moral que, embora plural,

se mostre mais abrangente que a compreensão religiosa entendida nos quadros da

secularização de seus valores.

Em termos puramente educacionais, o trabalho também conseguiu delinear

uma função e um lugar adequados para a disciplina de ensino religioso num Estado

laico, no qual o que importa não é necessariamente a existência de tal ou tal religião,

mas a liberdade do indivíduo em escolher e praticar livremente a religião com a qual

mais se identifica. Um Estado no qual o respeito mútuo entre as distintas religiões e

seus praticantes deve ser preservado, assim como o respeito mútuo entre estes e

aqueles que não praticam nenhuma religião determinada ou não assumam quaisquer

crenças religiosas. Situação em que tal respeito mútuo, bem como as noções que dele

derivam ou que nele se fundam, só pode ser objeto de uma disciplina especificamente

voltada para o ensino religioso ou antes para o sagrado entendido nos quadros de

uma formação crítica para a identidade e a diversidade religiosa. Desse modo, como

disciplina escolar, o ensino religioso não pode mais prescindir, em sua abordagem do

religiosos e do sagrado, daqueles aportes fundamentais da filosofia em geral e da

ética em particular.

IV. Referências

BORSUK, N. Identidade e diversidade religiosa. (Caderno Pedagógico). Produção didática desenvolvida junto a SEED e a UNICENTRO, no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, na área de Filosofia, disciplina de Ensino Religioso. Orientador: Prof. Dr. Manuel Moreira da Silva. Prudentópolis, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Temas Transversais – Ensino Religioso. Brasília: MEC/SEF, 1997.

COSTELLA, D. O Fundamento Epistemológico do Ensino Religioso. In: JUNQUEIRA, S., WAGNER, R. (org.), O Ensino Religioso no Brasil. Curitiba: Champagnat, 2004.

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