Ideologias e Ciencia Social Elementos Para Uma Analise Marxista - Michael Lowy

download Ideologias e Ciencia Social Elementos Para Uma Analise Marxista - Michael Lowy

of 58

Transcript of Ideologias e Ciencia Social Elementos Para Uma Analise Marxista - Michael Lowy

  • ,_ ,4} '1 .. ..V-= .g- .. .-I 7:...*5; \| ._ >
  • W

    :"~:;:;=* .-. I .g%~;II. 3;?" i:x,III

    I

    :':~}'*=: {'7 !I;.._s-=;=5I',:II %:I:I{II.'=: ,3 X I

    ;.-|I I. Qi 3'.:.:..=$!: ":3...'I. 'I.E I '-T. .5: = " ..1;I,.'!:!!fL":':I5:;;=;I ..:; . Lo. . ;:=.\:':.\::... $55: 11;; .:f'..e.!"="",. '5.::!:=I. n :: '.- ..;II~II|;I.. III. '1/E5. ";1; "-11 . .. - I .. ._ . .

    5 K ==I~... -5".I. >0 ,_ "1 - I I. . .= . - ;.II I I III r

    I ~.="'-1'E: . '51";YI=~I\, .1 ;|=.Ig.-. -

    - Q III%,,I

    I Ii'?1:@if.- *I*1;...l.i :33;:2I&?=3. "9"'.% "E Z rI5i%::- :...5Y.:: .5. iii? }}%;'. "

    a@%%%@%W%%%%%%%%%@I%&w%mrII4@*I%.%;._II __ I I _II_ .;._; Q II .,

    @%%%%%%%%%%%%%%@.-.:I~ *:' *::wII!;I! ;::;ZI,.; -1-:.::I= Ii*IEif.- ;..";;iIII1;;': - .552 15.1%; \II=s\I:-.:_1I'.{;I;=II\;II;5:: I... ;II::;..5w%%%%%%w%%%%%%@%@@@&@%%%ow%@@Ia

    ...I,;;,.I _I,~,. I_ I!. _ I '1' ' V

    I I I|I11! -I.-- I! 1's = -. ..

    ;ii: I. 1".

    ~ ~Ig-!'*-;F@-!*"%!~'='I-I--5:.I ', '1 !I' -- I - ', I .7

    - I I I" mm Ia; I I? * %

    %%%@W%%'TFH,@QT#EJ$TI\ Q . I I. ,_II . ..-.= I . -I II .. II.eI . -

    5335iW?

    %

    AnciclSocial- " I I I .4

    |' " 3"" I I - '.;..>_':3 II;3:I; I Iix: . II " x MfgI. XI xx K I I

    >2??- >Q"9-

    ' .. * = 45 .51?I;I.. . I , .. I .I .,I_I . I,.. . _I I I,II- ..IIIIII ;IIII_.I.,II.II,I.I .:IIIHI.i'LvIIyvlIIIIFIIiIIIi_IIi-)I.5.lit! IIII Ig I M6'1" ;.'!I':."FI.gI I~-- .I,_ .g..I!:. I.III._. ., III ..';I. I._II_I I I.. .. ..II. _. .. I. _. I..

    |Iw1II I I I - - " - r --WV' mg; I.I- |L".' !, _-II; I.:. II|:I:._II'I ':!' III; .:I.!I .I|:.I.._-II_I;;I I .::! .-II .I.I _.u!I _ _ \' -._~.I, \I=. -, - I \ .... II I I.}T|5_ I - 1 .I ~..,;,I=;;:...IIII==;....~ ..II.;I|-.IIiII.-II=I:.I-.,I-,-__II- I; I I . I - III, _I,III _- I

    %%WiMfZ $L&;E% %I I I. .; I I III; I? Q, W;I I ..-I__ .;;;. .I-,I-II-.I ,;.I.I!~,;@_. I % R

    q ,_ II. I ;".q:. ..I'}l4E:"_.=I::!f" -:I:::'. ,I"'~,&.;L:.:;. :3; ' ";; =j'I. ':::I I;X:.;;-;"I-; Q-E-=I;i==.',i;!I'I_. I=- ;:i-;I',;.;...;: ;;;.: I";.&,I'f-!' '2-;IiI=!II;{.; -"1-35I'?;I;;~= IQ"I I I I I --> I . ..II =--- :":::"-1| =- _, = == :l_-_ =--'= Il...l:.I-1}";!>- ;=='~ g9I:':E,.!| 'I I; I

    I rm , I I_I;.=..;-I: ""-O:--II!-- ._ ,. II; ;.."I "1:-' r -' I; I;;II:I- 2' |.- . I: H '4 - . .. .|, . ,, .. I. . .. . .. . %

    ".- *=:IIII;i|* I -I" xi "WW' *

  • Liiwy, Michael. .

    \

    Tftulo.

    ldeologias e cincia social: elementos nara urna anlisc marxistal Michael Liiwy. 7. ed. Sin Paulo , 1991.

    Conferncias prommciadas na Pontiffcia Universiclade ICatlioa de S50 Paulo, em junho de 1985.

    1. Historicismo 2. Ideologia 3. Marxismo 4. Positivismo I.

    I I\

    indlces para catlogo slstemticoz1. Historicismo : Filosofia 9012. ldeologiasz Cincia polftica 320.53. Marxismo : Cincia polftica 320.5324. Positivismo: Filosoa 146.4

    - \

    *1:

    %. /'

    C, / /// 1/

    /%%\\ ".* \

    X I- \ \\-\\\\\' \

    .\.

    Nora do autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

    Sobre 0 autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

    Aprescntago . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . '7

    Capftulo IIdeologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . - - - - - - - - 11

    Capitulo IIPositivisrno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    Capitulo IIIHistoricismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I . . - - - - - - - - - - - - - 59

    Capitulo IVMarxismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

    J\r

  • [DEOLOGIAS E CIENCIA SOCIAL 'Michael Lijwy W

    I .

    00' "N 7!%

    Este pequeno livro reproduz uma srie de confernciaspronunciadasna Pontificia Universidade Catolica do S50 Paulo, em junho do 1985.

    O terna geral do Ciclo de Conferncias foi a relago entre ideologia,conhecimento e prtica social e politica. Comeoamos comalgumas obser-vagoes gerais sobre 0 conceito d,e ideologia, sobre 0 que seria umaanlise dialtica da ideologia e como se poderia relacionar ideologia,ou utopia, com a prtica p0litioa_e social.

    Nos dias que se sguirarn, trabalhamos a relaoo entre a ideologiac o conhecimento, on a icleologia e as cincias sociais, comegando poruma discussiio sobre o positivismo, em seguida, sobre 0 historicismo e,finalmente, sobre 0 rnarxismo.

    Pelo seu carter do apresentago oral, este texto tem, _inevitave1-mente, um cunho Abastante didtico e simplificado. Para uma versomais aprofundada e rigorosa desses temas, enviamos o leitor interessadoao nosso livro Paysages de la verit. Introduccidn :1 une sociologie critiqueale Ia connaissance, Editions Anthropos, Paris, 1985.

    Michael Liwy

    " 5

  • >I U0 S: kt {pf

    Michael Lwy nasceu no Brasil, graduou~se em Ciencias Sociais naUSP em 1960. Mudou-se para a Franca onde diplomou-se em Estudos

    Superiores de Sociologia, na Facult de Lettres e Sciences Hurnains deParis (Sorbonne) em 1962. Estudou corn Lucien Goldmann, Raymond

    Aron, Alaim Touraine, Georges Gurvitch, Herbert Marcuse, Iean Piaget,

    Iean I-Iyppolite, na Sorbonne.

    Sua Tese de doutorado do 3. ciclo teve por orientador Lucien

    Goldmann. Foi defendicla na Facult des Lettres e Sciences I-Iumains

    de Paris (Sorbonne), em 1964, corn o titulo: " La Theorie de la Revolu-tion chez le jeune Marx".

    Defendeu tese dc doutorado dc Estado em 1975, sob a orientacao

    do Louis-Vicent Thomaz com um trabalho que teve por titulo "Pourune Sociologie des lntellectuels Revolutionnaires.

    6

    7;/A . H

    %A vinda de um intelectual da envergadura de Michael Lowy para-

    discussoes e rcflexoes sobre as questoes queperpassam a relagao ideolo-gia/cincia social, se insere em um projeto rnais amplo do Prograrna delistudos Pos-Graduados em Service Social. E um empreendirnento quepretende situar o rebatimento das polmicas filosoficas que atravessamas ciencias humanas no corpus do service social, tendo em vista esti-mular a pesquisa gentica e estrutural do discurso e da. pratica cle sousprofissionais.

    Considerando a validade desse objetivo e o alcance da contribuicaoque Michael Liiiwy poderia trazer para 0 mesmo, o CNPq propiciou ascondigoes necessrias para que o ciclo de conferencias se concretizasse.

    O grande interesse despertado pelo evento evidenciou a significativaabrangncia das reflexoes desenvolvidas por Michael Lowy, reconhecidanao apenas pelos assistentes sociais, mas por todos aqueles que, refletindosobre as questoes da sociedade, se preocupam com os processes pelosquais o real se torna visivel ao homem no mundo capitalista.

    Levando em conta a irnportancia dos depoimentos de Michael Liiwy,assumimos a tarefa dc gravar e posteriormente transcrever as conferen-cias e debates, submetendo essa transcrigao a revisio do autor, de formaa possibilitar a publicacao deste livro. Deste modo, objetivamos Adarmaior veiculacao as idias e enfoques apresentados por Liiwy.

    Cabe assinalar, no entanto, que em razao do texto ter sido extraidode gravacao de exposigoes orais, ele so apresenta com algumas peculia-ridades que o distinguem daqueles elaborados especificarnente para pu-blicagao. Assim, como bern aponta Michael Lcvwy em sua Nota do Autor,o carater de apresentacao oral emprestou ao texto um inevitavel cunhodidatico, simplificado. Esse cunho, a nosso ver, sem perda de profan-didade no tratarnento das questoes abordadas, confere ao trabalho maioracessibilidade aqueles que se iniciarn nas reilexoes sobre o tema.

    S 7

  • Por outro lado, esse processo impossibilitou referir as citagzoes doconferencista as suas fontes bibliograficas, 0 que seria desejavel, parapossibilitar ao leitor um aprofundarnento das questoes levantadas. '

    As peculiaridades citadas nao diminuem a importancia deste traba-lho, agora oferecido aos estudiosos do homem e da sooiedade em nossarealidade.

    O ponto central que Michael Lowy coloca e desenvolve ao longodo sua srie de conferencias, nada menos que a questao fundamentaldo debate metodologico e epistemologico das cincias sociais: rpossiveleliminar as ideologies clo processo de conhecimento cientifico?

    A0 perseguir o problema do conhecimento cientifico da 1/erdade, asciencias sociais, em sua historia, tm tragado tortuosos itineraries, queseguem descle o modelo eientifico-natural, que supoe uma cincia" dasociedade, livre do julgamentos cle valor e do pressupostos politico-sociais,at a interpretacao do historicismo marxista, que considera que todo oconhccimento e interpretacao da realidade social esta relacionadd, diretaou indiretamente, a uma perspectiva socialmente determinada, e que hauma relagao entre a perspectiva do classe ou de categorias sociais e oconhecimento cientifico. '

    Michael Lowy refaz esses itineraries, tomando como balisas as trsgrandes correntes do pensamento contemporaneo ocidental: o positivismo,o historicismo e o marxismo. Examine, entao, os dilemas, as contradigoes,os limites e, principalmente, as fecundacoes que essas perspectives mete-dologicas possibilitam para a construcio de um modelo de objetividadepropria a uma sociologia critica do conhecimento.

    Myriam Veras Baptismoutubrode 1985

    8

    (\ \\ \ \ \ \ \\ \\.\

  • E dificil encontrar na cincia social um conceito tao complexo, taocheio do significados, quanto 0 conceito de ideologia. Nele se da umaacumulagao fantastica do contradicoes, do paradoxes, de arbitrariedades,de ambigiiidades, de equivocos e dc mal-entendidos, o que torna extre-mamente dificil encontrar o seu carninhopnesse labirinto.

    Vou tentar, da maneira mais simples possivel, seguir a historia dcseu conceito e tentar chegar a uma conclusao provisoria sobre uma for-mulagao conceitual de ideologia que nos sirva como ponto de partidapara ~os trabalhos da semana.

    O conceito de ideologia nao vem de Marx:-" ele simplesmente o reto-mou. Ele foi literalmente inventado (no pleno sentido da palavra: inven-tat, tirar da cabeca, do nada) por um filosofo frances pouco conhecido,Destutt do Tracy, discipulo de terceira categoria dos enciclopedistas, quepublicou ern 1801 um livro chamado Elments dIdol'0gie. E um vastotratado que, hoje em dia, ningum tem pacincia de ler. Para se ter umaidia do pouco interesse que representa esse livro, basta dizer que, paraele, ideologia urn subcapitulo da zoologia. A ideologia, segundo Destuttde Tracy, oestudo cientifico das idias e as idias siio o resultado dainteracao entre 0 organismo vivo e a natureza; ,0 meio ambiente. E,portanto, um subcapitulo da zoologia que estuda o comportamentodos organismos vivos -- no que se refere ao estudo do relacionamentodos organismos vivos com o meio ambiente, onde trata da questao dossentidos, da percepcio sensorial, atravs da qual se chegaria as idias.E por esse caminho que segue a analise, de um cientificismo materialistavulgar, bastante estreito, que caracteriza essa obra de Destutt de Tracy.

    -3Alguns anos mais tarde, em 1812, Destutt de Tracy e seu grupo,discipulos todos do enciclopedismo francs, entraram em conflito comNapoleao que, em um discurso em que atacava Destutt de Tracy e seusamigos, os chamou de ideologos. No entanto, para Napoleao, essa palavrags tem um sentido diferente: os ideologos so metafisicos, que fazemabstracao da realidade, que vivem em um mundo especulativo.

    ' 1 1

  • Deste mode, paradoxalmente, Destutt e seus amigos, que quetiamfazer uma analise cientifica materialista das ideologias foram chamadosde idecglogof por _Napoleao, no sentido de especuladorcs metafisicos e,como apo ego tinha mars peso, digamos, ideologico, que eles, foi asua maneira e utilizar o termo que teve sucesso na poca e que entroupara o linguagar corrcnte.

    Quando Marx, na primeira metade do sculo XIX, encontra Q tel-moem i0TI18i5, fevistas e debates, ele esta sendo utilizado em seu sentidonapolenico, iSt0 , considerando ideologos aqueles metafisicos especula-dores, que ignoram a realidade. E nesse sentido que Marx vai utiljz-lg apartir de 1846 em seu hvro chamado A Ideologia Alemii.

    E esse o caminho tortuoso do termo: comega com um sentido atri-lfu1d P01 Destlllli que depois modificado por Napoleao e, em seguida,e retomado por Marx que, por sua vez, lhe da um outro sentido Em Aideglogia Alemri, El conceito de ideologia aparece come equivalente ailusao, falsa consciencia, concepcao idealista na qual a realidade inver-tlda 5 as dams apafecem Como motor da vida real. Mais tarde Marxamplia o conceito e fala das foi-mas ideologicas atravs das quais osmdivicluos tomam conscincia da vida real, ou melhor, a sociedade tomaconsciencia da vida real. Ele as enumera como sendo a religiao a filo-Soa, H ITIOYHL 0 direito, as doutrinas politicas, etc.

    llara Marx, claramente, ideologia um conceito pejorative, urnconceito critico que implica ilusao, ou se refere a consciencia defor-mada da realidade que se da atravs da ideologia dominante as idiasdas classes dommantes sao as ideologias dominantes na sociedade.

    Mas o conceito dc ideologia continua sua trajetoria no marxigmqposterior a Marx, sobretudo na obra de Lenin, onde ganha um outrosentido, bastante diferente: a ideologia como qualquer concepgo darealidade social ou politica, vinculada aos interesses de certas classessociais. u "

    I _ Para Lenin, Bxiste uma ideologia burguesa e uma ideologia pfglg-taY1- Apfefle. ntao, a unlizagao do termo no movimento operario, nacorrente leninista do movimento comunista, que fala dc Iuta ideologicade tralaalho ideologico, dereforco ideologico, etc. Ideologia deixa deftero sentido CI1llCO, p6]O1"HtlVO, negative, que tem em Marx, e passa adeslgnar simplesmente qualquer doutrina sobre a realidade social quetenha vinculo com uma posigao de classe. -

    Assim, a_palavra vai mudando de sentido, nao so quando passa deuma corrente mtelectual para outras, mas tambem no seio de uma mesma

    12

    corrente do idias: O marxisrno. I-Ia uma mudanga consideravel de signi-ficado entre, por exernplo, Marx e Lenin. Z J , Y

    Finalmente, ha uma tentativa sociolgica dc por um pouco dc ordemnessa confuso.iEssa tentativa realizada pelo -famoso sociologo KarlMannheim em seu livro Ideologia e Utopia, onde procure distinguir osconceitos de ideologia e dc utopia. Para ele, ideologia o conjunto dasconcepgoes, idias, representagoes, teorias, que se orientam para a esta-bilizacao, ou legitimacao, ou reproducao, da ordem estabelecida. S50todas aquelas doutrinas que tem urn ccrto carater conservador no sentidoamplo da palavra, isto , corrsciente 01.1 inconscientemente, voluntaria ouinvoluntariamente, servem a manutengao da ordem estabelecida. Utopias,ao contrario, sio aquelas idias, representagoes e teorias que aspiram umaoutra realidade, uma realidade ainda-inexistente. Tm, portanto, umadimensiio critica ou de negaco da ordem social existente e so orientampara sua ruptura. Deste modo, as utopias tem uma funcao subversiva,uma f-uncao critica e, em alguns casos, uma fungao revolucionaria.

    Percebe-se imediatamente que ideologia e utopia sao duas formasde um mesmo fenomeno, que se manifesta de duas maneiras distintas.Esse fenomeno a existncia de um conjunto estrutural e organico deidias, do representacoes, teorias e doutrinas, que sao expressoesp deinteresses sociais vinculados as posicoes sociais de grupos ou classes,podendo ser, segundo o caso, ideologico ou utopico.

    l Mannheim utiliza para esse fenomeno, para esse conjunto vinculadoa posicao das classes sociais, o termo ideologia total.

    Deste modo, o conceito de ideologia, na obra do Mannheim, aparececom dois sentidos diferentes: ideologia total, que o conjunto daquelasformas do pensar, estilos de pensamento, pontos de vista, que sao vin-culados aos interesses, as posicoes sociais dc grupos ou classes; ideologiaem seu sentido estrito, que a forma conservadora que essa ideologiatotal pode tornar, em oposicao a forma critica, que ele chama de utopia.

    Para se tentar evitar essa confusao terminologica e conceitual, euacho que he Litil tomar a distincao feita por Mannheim entre ideologia eutopia, mas so deve procurar outro termo que possa se referir tanto asideologies quanto as utopias, que defina 0 que ha de comum a essesdois fenomenos. O termo que me parece mais adequado para isso, e queproponho como, hipotese neste mornento visao social de rnundo".Visoes sociais de mundo seriam, portanto, todos aqueles conjuntos estru-turados dc valores, representacoes, idias e orientagoes cognitivas. Con-

    13

    0

  • iuntos esses unificados por uma perspectiva determinada, por um pontorde vista social, do classes sociais determinadas.

    _As visoes sociais de mundo poderiam ser de dois tipos: visoes ideo-logicas, quando servissem para legitimar, justificar, defender ou mantera ordem social do mundo; visoes sociais ut6picas,* quando tivessem umafuncao critica, negative, subversive, quando apontassem para uma rea-lidade ainda nae existente.

    Vamos ver agora o que seria uma analise dialtica do uma visode mundo, de uma ideologia ou de uma utopia. Obviarnente nao vamosver o que o mtodo dialtico, vamos apenas dar algumas pinceladasbem sumarias.

    Comegaremos por uma definigio do mtodo dialtico que pessoal-mente me parece muito agradavel: Eu sou o espirito que sempre nega,e isso corn razao porque tudo que existe merece acabar". Quem utilizaesta expressao o diabo de Goethe, quando se apresenta pela primeiravez a Fausto. Para Goethe, ela niio so refere apenas ac diabo, umacerta forma de manifestaco do espirito humane.

    Essa uma boa definicao da dialtica, nao so porque Goethe foi oseu precursor, mas tambm porque o Fausto de Goethe pode ser consi-derado a primeira grande obra da dialtica, anterior a Hegel. Isto porque,em sua forrnulacao, encontramos pelo menos um elemento essencial dometodo dialtico, que a catcgoria do movimento perptuo, da transfor-macao permanente dc todas as coisas.

    A hipotese fundamental da dialtica de que no existc nada eterno,nada fixo, nada absolute. N510 existem idias, princfpios, categories,entidades absolutas, estabelecidas de uma vez por todas. Tudo 0 queexiste na vida humana e social esta em perptua transformacao, tudo perecivel, tudo esta sujeito ao fluxo da historia. Pode-se dizer tambmque esse principio dialtico se aplica a natureza onde existe uma trans-formaco perptua, mas existe uma diferenca entre a historia naturale a historia humana que esta muito bem resumida numa formula dofilosofo italiano Vico, que diz o seguinte: A diferenca entre a histo-ria natural e a historia humana que fomos nos que fizemos a historiahumana, mas nao a historia natural. Isso quer dizer que a historia na-

    * O termo utopia vem do grego, u-tapas, que quer dizer em nenhum lugar.E o que no est. em nenhum lugar, o que ainda nao existe. E uma aspirago auma ordem social, a um sistema social que ainda nao existe em nenhum Iugar egale, piortanto, esta ern contradigao com a ordem existente, corn a ordem esta-e eci a.

    14

    tural, por exemplo, a historia do sistema solar, do desenvolvimento dosplanetas, 1150 foi obra huinana, mas a historia social, o desenvolvimento-das civilizagoes, foi produto social da acao dos hoinens. Essa umaparticularidade da dialtica historica, e uma distincao fundamental dadialtica que poderia existir na natureza.

    Marx retoma essa idia dc Vice e da tradigao historicista, inclusivecitando essa sua passagem em O Capital. Isso nae ocorre por acaso.Para Marx, esse elemento um dos aspectos metodologicos essenciaisna distincao do seu rntodo e a economia politica burguesa ou o positi-vismo (ambos tern uma perspective rnetodologica comum). Para Marx,aplicando o mtodo dialtico, todos os fenomenos economicos ou sociais,todas as chamadas leis da economia e da sociedade, sao produto cla acaohumane e, portanto, podem ser transformados por essa agao. N50 saoleis eternas absolutas ou naturais. S50 leis que resultam da agao e dainteracao, da producao e da reproducao da sociedade pelos individuose, portanto, podem ser ntransformadas pelos proprios individuos numprocesso que pode ser, por exemplo, revolucionario.

    Esta idia uma idia da dialtica e um seu principio que, aplicadono terreno social, toma forma do historicismo, isto , de afirmagao dahistoricidade de todas as instituicoes, estruturas, leis e formas de vidasocial. E por isso que Gramsci, um dos principais marxistas do sculo XX,dizia que o marxismo um historicismo radical, uma concepcao para aqual todos os produtos da vida social sao historicamente limitados.

    Obviamente, esse principio tambm se aplica as ideologias, ou asutopias, ou as visoes sociais de rnundo. Todas elas siio produtos sociais.Todas elas tem que ser analisadas em sua historicidade, no seu desen-volvimento historicofna sua transforrnaciio historica. Portanto,. essasideologias ou utopias, ou visoes do mundo tem que ser desmistificadasna sua pretensao a uma validade absoluta. Uma vez que .n5o existemprincipios eternos, nem verdades absolutas, todas as teorias, doutrinas einterpretacoes de realidade, tem que ser vistas na sua limitacao histo-rica. Esse o o coracao mesmo do mtodo dialtico, 0 primeiro elementodo mtodo e da analise dialtica. Nessa consideracao radical da histo-ricidade, da transitoriedade de todos os fenomenos sociais, o propriomarxismo tern que aplicar a si proprio esse principio, tern que consi-derar a si rnesmo em sua transitoriedade.

    Outro elemento essencial ao mtodo a categoria da totalidade. Ea categoria da totalidade que, segundo Lukacs em Historic e ConscinciadeAC1'assse, introduz o principio revolucionario nas ciencias sociais.

    15

  • O principio da totaliciade come categoria metodologica obviamente-nae significa um estudo da totalidade da realidade, o que seria impossi-vel, uma vez que a totalidade da realidade sernpre infinita, inesgota-vel. A eategoria metodologica da totalidade significa a percepeiio daroalidade social corno um todo orginico, ostruturado, no qual no sopode entender um elemento, um aspecto, uma dimonsio, sem perdera sua rolagao com 0 conjunto. Concrotamonte, no caso das ideologias,nao so pode entender uma ideologia, uma utopia, uma visao social domundo, uma doutrina social, uma concopgao da pratica e da teoria social,sem_ ver como ela so relaciona com 0 conjunto da vida social, com 0conjunto historico do memento, isto , com os aspectos sociais, econo-rnicos, politicos, religiosos, do classes sociais, etc. E impossivel entendero desenvolvimento do uma idoologia, do uma teoria, d.e uma forma dopensamento, seja roligiosa, oientifica, filosofica ou outra, desvinculada-mente do processo mesmo do desenvolvimento das classes sociais, dahistoria, cla economia politica. N510 existe uma historia pura da ideologia,da filosofia, da religiao ou da cincia social, essas historias tom que servistas eomo elementos do uma totalidade e so em sua relagao com atotalidade social, com 0 conjunto da vida economics, social e politicaque so pode entender o significado das informaeoes e das rnudangas queVao se dando, por exemplo, no terreno das ideologias.

    Engels, om uma carta que escreveu a Franz Mehring, em 1893,expressa uma formula que me parece muito boa para so referir a isto,ele diz: Para entendor por que Lutero triunfou sobre a religio catolicana Alemanha, para entender por que a filosofia do Hegel triunfou sobrea cle Kant no sculo XIX, para entender por que Rousseau venceu Mon-tosquieu na luta das idias na Franga do sculo XVIII, para entenderpor que a economiade Adam Smith venceu a dos mercantilistas naInglaterra dos sculos XVIII e XIX, para entendor todos esses processosdo transformacao idoologica ou. do transformacoes sociais do mundo,precisamos ver o que estava aeontecendo na historia social o economics.dessas pocas". E a historia social e oconomica que nos do -a chavopara compreender essas transformaeoes profundas que so deram nahistoria, na ideologia ou na utopia, soja religiosa, seja politica ou filo-sofica, seja mesmo da cincia social, oconomica ou politica.

    O terceiro elemento do mtodo dialtico a categoria da contra-digao. Uma anaiise dialtica sempre uma analise das contradigoes inter-nas da realidade. Por exemplo, em uma formacao social, a analise dascontradicoes entre forgas o relagoes do produgao ou, sobrotudo, dascontradigoes ontro as classes sociais. lsso paroce obvio, mas muitas

    16

    5%

    .-

    .31

    .v 't

    vezes so fala em idoologias como sendo algo consensual, sobretudo nasoeiologia aeadmica.

    Na sociologia funcionalista, as ideologias siio vistaps_ como valoresconsensuais. Se insisto muito na idia do consonso social. Mesmo nomarxismo existem correntes que falarn Ida ideologia Como so fosse umaso: a ideologia dominante, a ideologia da sociedade.

    Uma analise dialtica das ideologias ou das visoes do mundo mostranecossariamente que olas sao contraditorias, que exists um enfrentamentopermanente entro as ideologiasie as utopias na sociedade, correspondendo,em tiltima -anlise, aos enfrentamentos das vrias -classes sociais ougrupos sociais que a compoern. Em nenhuma sociedade existe um con-senso total, nao existe simplesmento uma idoologia dominante, existomenfrontamentos ideologicos, contradigoes entre icleologias, utopias ouvisoes sociais do mundo conflituais, eontraditorias. Conflitos profundos,radicais, que sao geralrnente irreconciliveis, que nao so 1-esolvem em UII1terreno comum, em um minimo miiltiplo comum. I

    Este tipo do analise parte do uma concepgao marxista da dialticaque, naturalmente, diferente da hegeliana. A diferenga entre a dialticamaterialista do Marx o a dialtica idealista do Hegel est na importnciadeterminants da economia no desenvolvimento historico da obra doMarx. Daise poderia chegar a uma definigao do mtodo marxista quepodoria ser resuinido na seguinte formula: a dialtica marxista aquelateoria cientifica que explica o comportamento dos individuos por sousinteresses materiais, sobretudo os economicos. Eu aeho que so so definiro mtodo marxista nesses termos, 0 fundador deste mtodo no seriaMarx, nem Engels, mas AdamSmith e os seus reprosentantes atuaisseriam provavelmente Milton Friedman e a Escola Monetarista doChicago. -

    O que estou querendo mostrar que aquela nao uma boa definigaodo marxismo. E um tipo do definigao que so v muitas vezes mas que absolutamente incapaz de perceber 0 que - essencial ao mtodo doanliso marxista. E uma ospcio do exemplo negativo, do caricatura, docomo redo entender o mtodo dialtico do Marx, porque 0 que desaparece algo fundamental da dialtica tal como Marx a_ entende, e que a dis-tingue do maneira essoncial da dialtica do Hegel, algo que talvez maisirnportante que 0 materialismo.

    A diferenga entre Marx e Hegel tem que ser vista tambom om outronivel, nao so o do materialismoz a dialtica do Hegel um rntodo doreconciliagzao com a realidade. Para Hegel, 0 papal da filosofia dialtica

    I ' 11

  • 0 do explicar, descrever o logitimar a roalidado existente como racional;por isso tem aquela clebre formula: tudo que real racional, tudo que racional real. Em tiltima analiso, a filosofia do Hegel , como elemesmo diz, a coruja do Minerva, que vem depois que a roalidado jatorminou o sou trabalho -- Ievanta voo ao anoitecer , vem descrever'0 que ja esta terminado, visa simplesmente legitima-lo como racional. Epor isso que a dialotica do Hegel uma tontativa do legitimago darealidade e do reconciliacao corn a mosma.

    O probloma para Marx radicalmonto diferente. E por isso que emsua primeira formulacao filosofica, na 11. Tese sobre Fouorbach, elediz: o problema nao esta em intorprotar a realidade, mas em transforma--la. Logo, o marxismo nao uma teoria cientifica como as outras, naovisa simplesmonte doscrover ou explicar, mas visa transformar a reali-dade, visa uma transforrnagao rovolucionaria. Trata-so portanto do com~preender a realidadc para transforma-la revolucionariamente a partir doum ponto do vista do classe, do ponto do vista das classes dominadas._ E ai que so da 0 divisor do aguas fundamental ontre a dialtica doMarx e a de Hegel. E a dimensao revoluciomiria da dialtica marxianacontra a posicao do carater consorvador e legitimador do status qua dodialtica hegeliana. A isto eu considers mais iinportanto que a diferongaentre o materialismo e o idealismo.

    lsto, obviamonte, so aplica tambm a anlise das idoologias e porisso que uma analiso dialtica das ideologias e das utopias ou dasvrsoos do mundo tem que comecar com a distincao essencial entreaquelas visoes do mundo que visam manter a ordem estabelecida, as1(:60l.OglS, o aquelas que visam ou aspiram transforma-la, que sac asu oplas. _' Para explicar do maneira mais concreta 0 problems da relagzio entreldeologla e pratica social ou pratica politica, a contribuigao do mtododialetlco, ou da filosofia da praxis do Marx, nosse terreno, o interessanteconfrontalo com as formas dominantes do pensamonto do sua opoca.

    Existe uma primeira corrente do pensamonto muito importante, quevom dos enciclopedistas. Para essa concepcao, as idias, as ideologias,as concepeoos do mundo, sao produto das circunstancias sociais om quevivem 0 homens. S50 as circunstancias materials que produzem a cons-cincia, as idias ou as ideologies._ AConsicIerando a opoca historica em que apareco esto matorialismomecanrco, esto matorialismo vulgar, a opoca do modo do producio feudal

    18

    e da monarquia absoluta, esses pensadoros enciclopedistas sao opostos aordem estabelecida. Eles criticam esta ordem e apontarn para a necessi-dado do modificacao das condigzoes sociais, das circunstancias materials,porque consideram que nas circunstancias materials existentes que soproduz o obscurantismo, o fanatismo, as ideologias feudais, reacionarias.

    Os preconcoitos, os dogmas e a ignorancia sobretudo a ignornciado povo que nao sabo ler, nem escrever, nem tem conscioncia social,alm do tor fanatismo religioso - tudo isso nao visto como culpados individuos, dos camponeses, dos pobres. E visto como resultado dascircunstancias materials.

    Esta filosofia materialista das luzes, que precodeu a Revolugao Fran-cosa, tem indiscutivelmento um aspocto revolucionario, um aspecto cri-tico e, om certa modida, um aspocto utopico, do negagao ao sistemafeudal, da ordem estabolecida, das condicoes foudais da sociedade fran-cesa da opoca.

    No entanto, no sistema ideologico do pensamonto -doste matorialismoda filosofia das luzes, doste materialismo enciclopdico do sculo XVIII,cujos principals roprosentantes foram Diderot, DHo1bach, DAlembort,as circunstancias matoriais produzem e reproduzem constantemento oobscurantismo, 0 fanatismo, a ignorancia e a questao esta em como sairdesso circulo vicioso, desso mocanismo. A palavra mocanismo ai estacarregada do todo o seu peso: a maquina que produz e reproduz sempreo mesmo fenomeno.

    Para romper esto mocanismo das circunstancias matoriais que pro-duzem constantomente 0 obscurantismo e a ignorancia do povo, a (mica.solucao vista pelos onciclopodistas seria encontrar uma figur_a-oxcepcio-nal, que osteja acima da sociedade, acima das circunstncias, que escapedesso mocanismo o que tonha forga suficionte para poder transformaras forgas materials, quebrar o mocanismo, a maquina das circunstanciase criar um novo sistema, novas circunstancias materiais, nas quais soproduzirao as luzes, 0 conhecimonto, o saber, o pensamonto racional ea educaoao. Mas, para isso, essa porsonagem excepcional dever tor umpoder oxtraordinario para poder, do cima para baixo, quobrar, rompero mocanismo das circunstncias.

    Os onciclopedistas pensavam encontrar esto individuo oxcepcionalem alguns rnonarcas europeus que eram intoligentes, cultos, so interes-savam pela filosofia, inclusive pela filosofia da luzes. Estes persona-gens sao conhecidos na historia do sculo XVIII como dspotas oscla-

    '19

  • recidos: o rei Frederico II da Prossia o a rainha Catarina I da Rossiaeram alguns doles. Soriam esses dspotas esclarecidos que teriam agrandiosa tarefa do romper com as circunstancias o criar novas, queproduzlriam educagao, conhocimento, luzes.

    Na verdade, as coisas nao so passaram assim. Os tais dspotas escla-recidos eram muito mais dospotas que esclarocidos e nao modificaram,ou modificaram muito pouco aquolas circunstancias. Abriram algumasescolas, produziram alguns livros, mas nao mudaram nada do essoncial.

    O problema que esse materialismo vulgar, mecanico, metafisicoou pro-dialtico continuou exercendo influoncia muito grands, bom alorndo sculo XVIII, da filosofia das luzes. Vamos encontrar sua presencainclusive nos primoiros socialistas ou comunistas do sculo XIX. Oexemplo classico 0 famoso socialista utopico inglos Robert Owen, queescreve que a tarefa do socialismo a supressao das influncias perni-ciosas que rodeiam a humanidade, modianto a criagao do combinagoestotalmonte novas do circunstancias exteriores, o que" 0 personagem queval roalizar essa tarefa o 0 dspota esclarecido. Owen ontao so dirige acre-i da Franca, ao rei da Inglaterra e ao czar da Rtissia e, mesmo, a umareuniao do todos os reis da Europa a chamada Santa Alianca, omque todos elos so uniam para tentar lutar contra Napoleao , para a qualOwen manda um relatorio propondo a essa cologao do monarcas ultra--roacionarios, ultra-obscurantistas, proclamar o socialismo como solucaopara o problema da pobreza, da ignorancia, do atraso, etc. Podemos dizorque esta atitude foi muito ingonua da parto do Owen, mas ela rosulta, domaneira muito logica, doste tipo do materialismo metafisico, a ponto donao so limitar a Owen, mas todos os socialistas utopicos vo assumiratitudes semelhantes, soja Saint-Simon, soja Fourier, todos eles estao nabusca daquele salvador supremo, do grande homem, do grands monarcaque ira destruir as influoncias perniciosas o ostabelecer novas circumstan-cias favorveis as luzes, ao socialisnio ou ao que seja.

    Os primeiros comunistas rovolucionarios, que aparocom no sculoXIX, ja torn uma concepcao um pouco diferento, mas ainda herdoiradossa filosofia materialista. Eles sao discipulos do Babouf o do Buonar-roti, organizadoros da Conspiracao dos Iguais, na opoca da RevoluoaoFrancesa, e o mais conhecido doles Auguste Blanqui, famoso revolu-cionrio francos do sculo XIX.

    A idia dessos primeiros comunistas e, em particular, do Buonarroti,que foi do certa forma o ideologo do toda essa corronto, era do que osdspotas osclarocidos nae existiam. Eles achavam que todos os monar-

    20

    cas deveriam ser derrubados por rovolugao violenta, por uma revolucaosocial. Mas quem iria fazer essa revolugao? Nao poderia ser 0 povo, 0proletariado, os pobres, porque estavam condenados a cegueira, aofanatismo, a ignorancia, ao obscurantismo, o nao iriam entonder quaiseram sous interesses, nao por culpa doles, mas das circunstancias omque viviam, que lhos impediam o acesso a educagao, ao conhecimento, asluzes. Entao, apenas uma poquona minoria, uma elite do homons esc1a-recidos, que iria realizar esta transformacao revolucionaria, dorrubara monarquia, derrubar 0 poder das classes doniinantes o ostabolecer umaditadura revolucionaria, que seria composta doste pequeno nomoro dohomens esclarocidos, dossa elite do homens seibios, conhecedores dasnecessidades do povo, o que iria destruir 0 antigo sistema e estabelocernovas condicoes, novas circunstancias materials.

    Estes poquonos grupos dos quais Auguste Blanqui era o mais co-nhecido, fizoram varias tentativas para tomar o poder, todas obviamentefracassadas, posto que inovitavelmonte eram enfrentamentos minoritrios,do poquonas organizagoos secretas contra o poder do oxrcito, das classesdominantos.

    , Deste modo, tomos uma forma do compreensao, do analise da relagioentro idias ou ideologies e prtica politica, que a concopeo do mate-rialismo vulgar, para o qual as idias, as concopcoos, as doutrinas, asformas do pensamonto e as ideologias resultarn das circunstancias mate-rials e, portanto, necessaria uma forea que venha do fora, do algumlugar exterior, uma figura ou um conjunto do figuras excepcionais, paratransformer a sociodade. '

    Oposta a essa forma do materialismo, outta escola do pensamonto o idealismo, cuja forma classics so encontra no neo-hegolianismo. N50so trata do idealismo do Hegel,_que era conservador, ou conformista, sotrata do um idealismo revolucionario, do um idealismo critico, dos dis-cipulos do osquerda do Hegel, entro os quais so encontram Bruno Bauer,Max Stirner, Moses Hess. I

    Os noo-hegolianos do esquerda partiam exatamonte da hipoteso con-traria dos matorialistas. Para olos, 0' importante era o ospirito e a lutapara mudar a sociedade, era uma luta ospiritual, uma luta critica. Porisso, Marx os chamava ironicamento do criticos criticos. Eles acreditavamque criticando as idias orradas, transformando a conscioncia, ou a ideo-logia, ou o pensamonto dos homens, transformariam a sociodade. Por-tanto, so criticassem o dogmatisrno, a intolerancia religiosa, as idias

    21

  • monarquistas, anti-republicanas, antidemocraticas, ou as idias egoistas,da propriedade privada, chegariam a uma sociedade diferente, de liber-dade, igualdade, tolerncia, dernocracia, ou mesmo ao socialismo, ouainda, ao comunisrno, posto que Moses He_ss era um pensador comu-nista.

    Esta concepgao da relagao entre ideologia (ou utopia) e pratica socialparte ento do polo oposto, parte da idia de que a alavanca para otransforrnagao social o pensamento. S50 as idias, as ideologias, asrepresentagoes, ou melhor, a critica as representaeoes equivocadas, acritica ideologica das ideologias, a critica filosofica das filosofias, a cri-tica anti-religiosa das religioes, que iriam transformar as estruturaseconomicas, sociais e polfticas. A transformagio da sociedade se fariaatravs da transformagao da mentalidade ou da conscincia do individuo,

    -ou do sujeito da aeao social.O dilema classico essencial da filosofia pr-rnarxista foi- 0 dilema

    entre modificar primeiro as circunstancias para, corno conseqtincia,transformar a oonscincia on modificar prirneiro a conscincia, 0 sujeitoe suas ideologias, para depois transformar a sociedade. Este era umclilema entre o materialismo vulgar e 0 idealismo moral. Entre uma con-cepgao objetivista cla sociedade e uma concepeao subjetiva.

    Georg Lukacs, em seu livro Historia e Conscincia de Classe, temuma boa formula para resumir esse clilema. Lukacs cliz que, nesse tipode enfrentamento, vemos 0 clilema da impotncia porque, na realidade,esses dois modelos de pensamento so incapazes de produzir uma agaosocial real, sao impotentes para transformar a sociedade. E o dilenra daimpotncia de, por um lado, o fatalismo das leis puras e, por outro lado,0 moralismo das puras intengoes.

    O pensamento de Marx veio trazer uma maneira nova de entenderou tentar enfrentar esse tipo de questo: a relagao entre as idias. e aagao ou a pratica social. O primeiro texto em que Marx enfrenta estaquestio foram as Teses sobre Feuerbach, escritas em 1845 e, curlosa-mente, nao destinado a publicagao. Eram notas que ele fazia em umcaderno, uma agenda cle enderegos, e que so foram encontradas muitomais tarde por Engels, entre os papis que ele deixou depois de suamorte. Engels resolveu publica-las e escreveu uma introclugo clizendo:Estas notas sobre Feuerbach representam o gerrne genial de uma novaconcepgao de mundo". Portanto, nessas notas que se encontra, pelaprimeira vez, um resumo do que viria a ser a nova concepeao de mundo

    22

    4 Itrazida por Marx, que podemos chamar de materialismo historico, d1ale__tica_ materialista, filosofia da praxis, dialtica revolucionaria, etc.

    Sao apenas onze teses, mas nao cabe ao espago deste estudo ana-Iisa-las (porque isso \demandaria pelo menos um ano para que se fizesseuma anlise relativarnente detalhacla), so vamos tomar aquela mais rela-cionada a questao que estamos vendo, o dilema entre ormaierialismomecanico e o idealismo.nao-hege1ia11o_,.E...a..tes.e nilmero 3 sobre Feuerbach,que diz 0 seguinte: '

    ~

    A teoria materialista segundo a qua! os homens sic produto de circuns-tncias e da educago esquece que as circunstancias se transformam pre-cisarnente pelos homens e que o proprio educador precisa ser educado.Esta concepgo, esta teoria materialista conduz pois, neeessariamente, adjvjsao da sociedade em duas partes, uma das quais esta por cima daoutta.

    Ate aqui uma critica ao materialismo vulgar. "A coincidncia entrea modificagao das cireunstancias e a automodificagao so pode ser entendi~da racionalmente como praxis revolucionariai" Isto quer dizer que nao setrata cle esperar milagrosamente que um. individuo, ou um grupo deindividuos, supostamente situados fora dansociedade, transformem ascircunstncias. Tambm nao-se trata de aereclitar ingenuamente que apregagao moral ou a critica filosofica possam transformar a sociedade.O que se faz necessario ___l1ma agao revolucionria, uma pratica revolu-cionria, na qualjrao se transformar, simuitaneament_e,_ as circunstancias,as condie6esvv.soeiais, ..as estruturas, o Estaclo, a, sociedade, a econornia

    ~e os proprios individuos, autores da agao.Atravs dessa formulagao, Marx conseguiu superar clialeticamente

    tanto o materialismo francs do sculo XVIII, quanto o idealismo ale-mao, neo-hegeliano; alrn disso deu funclamento filosofico, teo'rico-meto-dologico a sua teoria revolucionaria, que a teoria da auto-emancipla.0do proleiariaclo, ou da ,auto-emancipago dos lopximidsls, nurn sentidomais amplo. Em outras palavras, ele defende que so na_aut9Ll;2=I1;a.

  • Estas idias implicitas na tese nftmero 3 de Feuerbach vao serdesenvolvidas, em 1845/ 1846, por Marx, em seu livro A Ideologia Ale-rnii. Livro que ele nao conseguiu publicar e que foi abandonaclo at criticaroedora dos rat_os. Foi publicado muito mais tarde, em 1936.

    Em A ldeologia Alemd, a dimensao diretamente politica da tese nil-mero 3 explicitada e desenvolvida. A primeira coisa que Marx observa que o carziter da nova sociedade depende da maneira como ela foiconstituida. Uma sociedacle democratica nao pode ser estabelecida auto-craticamente. N2-.0 por decreto do irnperador que se pode estabelecer ademocracia. N50 por caridade das classes dominantes que se vai esta-belecer a repartigao comunista da propriedade. Em outras palavras, umasociedade livre so pode ser resultado de um ato de liberdade. Umasociedade desalienpada so possivel se for ela. mesma rim processo cledesalienagao. A maneira de constituir-se a nova sociedade decide, emdltima analise, o carater que ela tomara. Essa primeira observagao deMarx explioa por que a tinica forma verdadeira de libertagao a autoli-bertagao da classe explorada. I

    O paragrafo de A Ideologia Alema onde Marx desenvolve esse temadiz o seguinte: "Para a produgo massiva da conscincia comunista,assim como para a realizago da coisa em si, isto , do comunismo, preciso uma transformago massiva dos homens, mas essa transforma-cao nao pode efetuar-se senao por um movimento pratico, por umarevolugao. Portanto, a revolucao necessaria, nao somente porque naoexiste outra maneira de derrubar a classe dominante, mas tambm por-que a classe subversiva, a classe revolucionaria, so gragas a uma revo-lugao que podera libertar-se da velha merda (expressao utilizada porMarx), e tornar-se capaz de, desse modo, efetuar a fundagio de umanova sociedade. Na atividade revolueionaria, a transformago de si mes-mo coincide com a transformagao das condigoes.

    E desso modo que Marx rompe radicalmente com aquele circulovicioso e apresenta uma nova concepcao na qual a transformaco dasidias, das ideologias, da consciencia social, coincide com a transforma-gao da propria sociedade, em um processo que o da pratica revolu-cionaria das classes dominadas.

    Nessa concepgao se da a visao dialtica da relagao entre 0 objetivoc 0 subjetivo, entre o social e o ideologico. .E nesse sentido que se podedizer que a filosofia da praxis de Marx uma superagio dialtica ou,

    )4

    para utilizar o termo de Hegel, uma Aufhebung * do idealismo edo materialismo anteriores, uma vez que essa superaeao dialtica , aomesmo tempo, a destruigao dos termos da contradigo, a conservagaodos elementos racionais contidos em cada um desses termos e, ainda,a elevago do problema a um nivel superior, a uma solugiio superior.

    E nesse sentido que se pode dizer que a dialtica de Marx, ou afilosofia da praxis, uma superagao dialtica, uma Aufhebung da con-tradigao que vinha percorrendo os sculos XVIII e XIX entre o mate-rialismo mecanico e o neo-hegelianismo, o materialismo francs e o idea-lismo alemio, contracligao que se manifestava nao so nas academias, mastambm no seio do movimento operario, do movimento social, do movi-mento socialista, do comunismo em sua primeira etapa, com conseqiin-cias politicas extremamente concretas.

    DEBATE

    Miohael, me pareceu que voc usou indistintarnente os termos dialtica ma-terlahsta, rnateriahsmo dialtico, filosofia da praxis, mtodo dialtico. E issomesmo?

    E. Eu poderia dizer que utilizei esses varios conceitos de proposito.Eu acho que nao ha uma maneira {mica de definir o mtodo inauguradopor Marx. Existem varias maneiras. Exists uma maneira um pouco codi-ficada, eu diria que quase doutrinariamente codificada, que a .~dg___j_.rr_1a-terialismoH_his_torico e do nitatt-:rialis1tt1o_A_g1ial_t_ig:o. Eu acho que seria muitoempobrececlor limitar a definigiiol do marxismo a esses dois conceitosque, sem dtivida, tem a sua utilidade. Mas acho que existem outrasmaneiras de definir 0 mtodo elaborado por Marx, por isso, eu fui intro-duzindo aquelas outras definicoes, em particular a da filosofia da prxis,que me parece muito importante e um conceito introduzido porGramsci em seus Cartas do Cdrcera. As principais obras de Gramsci,como vocs sabem, foram escritas na prisao onde Mussolini o mantevedurante muitos anos, at a sua morte. Nesses cadernos, que eram notasque Gramsci eserevia e que eram examinadas pelos policiais fascistaspara ver se continham alguma subverso, ele teve que encontrar umapalavra que disfargasse a referencia ao marxismo, ao bolchevismo, entaoele encontrou a filosofia da prxis que, obviamente, nenhum policial

    * Aufhebung uma palavra alema que tem trs significados no uso cotidianoda Iingua: significa ab0li

  • tinha a menor idia de seu significado. Mas nao foi por acaso queGramsci escolheu esse termo. Ele representa efetivamente algo essencialdo metodo e da teoria marxista e aparece de maneira central nas Tesessobre Ffzuerbach. Deste modo, eu acho que filosofia cla praxis umtermo tao adequado quanto os outros que seio utilizados-geralmente enao acho que exista uma razao para que se use um unico termo. Todosesse _conce1t0s apontam para elementos do mtodo marxista, por issoque considero correto usa-los a todos designanclo um mesmo objeto,apenas que cada um deles aponta mais para uma direcao, para umaspecto. Nao tenho objegao ao uso dos termos dialtica materialista onmateriallsrno historico, acho due sao importantes, sob a conclicao de naose pI1V1l6g1El1 de maneira unilateral apenas uma parte do conceito. Euquero dizer que quando ser diz materialismo historico o materialismovem com letras grandes, pretas, e 0 historico so vem como adjetivo doelemento essencial que o materialismo. O mesmo acontece Corn 0materialismo dialtico. Eu considero isso equivocado porque faz perdero que distingue 0 rntodo de Marx de outros materialismos, daquele queMarx chamava de velho materialismo, ou de materialismo vulgar. NasTieses sobre Feuerbach ele 1"]61t& com a mesma energia tanto o mate-rialisrno vulgar, metafislco, quanto o idealismo hegeliano. Entao, quandose diz materialismo historico, tem-se que insistir tanto no historicoquanto no materialismo, porque o mtodo do Marx , antes de tudo,hrstorico. O hlstoricismo o centro, o elemento motor, a dimensaodialtrca e revolucionaria do mtodo. Eu utilizo estes termos de maneiralT18lS-01.1 menos mdistinta para evitar justamente fetichizar um deles,conslderar que exista um termo que seja o unico bom. Marx utilizavadiferentes termos, em certos momentos utilizava "0 novo materialismox , I, ,_ 5as vezes falava em dlaletica revolucionria, etc.,

    Eu entendi que voc drsse q_ue ideologia _ a propria visao do m-undo. Quandose vai atuar, quando se vai desenvolver uma pratica, este conhecimento dasdivergncias entre as ideologias, este conhecimento da realidade em umcontexto mais amplo, facilitaria essa agao? _

    Eu acho essa questo muito importante, so que para dar uma res-posta mais concreta. e detalhada eu prefiriria avangar mais uma poucoem nossos trabalhos sobre a relagao ideologia e conhecimento. Por en-quanto so foram vistosralguns elementos introdutorios e foi apontadauma idia importante do marxismo que a de que a transformago det|n.~\M|s irlias sobre a realidade e a transformagao da realidade sao pro-

    Jn I

    cessos que caminham juntos. E na medida em que lutamos para trans-formar a realidade que a entendemos e na medida em que melhor aentenclemos que mais lutamos para transforma-la. E essa dialtica dessesdois elementos que tratei de mostrar, mas precisamos aprofundar essaquestao e ver, de maneira mais concreta, como que as ideologias, asutopias, as visoes sociais de mundo, tem um papel no processo deconhecimento da realidade. Eles sao obstaculos ou favorecem esse conhe-cimento? Em que medida diferentes maneiras de interpretar a realidadecientificamente tem relagao com_os diferentes valores, ideologias, utopiase visoes sociais de mundo? Esse um campo de discussao que eu aindanao abri e que vai ser analisado nos proxirnos dias. Vamos analisar trsmaneiras diferentes de enfrentar a questao: o positivismo, o historicismoe a de Marx e, se houver tempo, de outros marxistas. Portanto, eu aindanao estou respondendo a sua pergunta, estou adiando, pois vamos en-frentar esta questao nos proximos dias.

    Eu queria fazer duas perguntas. Primeiramente, eu queria saber a sua opiniaoem relagao s contribuigao dc outras pessoas. Voc tomou Marx, Lenin edepois Mannheim, e eu queria saber, por exempio, a questo da ideologiano Gramsci. A outra pergunta uma curiosidade a respeito de Feuerbach:ele um neo-hegeliano ou urn materialista vulgar?

    Feuerbach um caso especial porque, em alguns aspectos ele umneo-hegeliano e, por outros aspectos, um materialista vulgar. Elerene ambas as visoes de mundo. Digarnos entao que, certamente, estafoi uma primeira tentativa de superar essa contradigao e que fracassou.Ela acabou caindo nos impasses tanto do materialismo vulgar, quantodo idealismo neo-hegeliano. Mas essa sua tentativa serviu como pontode partida para a anlise de Marx.

    Com relacao a pergunta sobre Gramsci a solucao seria dizer queirei falar sobre ele mais tarcle, mas nao sei se terei tempo para isso,entao, vou avangar um pouco na resposta. Para Gramsci, as ideologiesimportantes sio as que ele chamava de historicamente organicas, isto ,ideologias que fazem parte organicamente de uma certa estrutura social.Ele foi dos que mais insistiram no fato de que qualquer verdade preten-samente eterna e absoluta tem uma origem historico-prtica e uma vali-dade provisoria. Um elemento importante dc Gramsci que nao vai darpara ser aprofunclado agora a analise que ele faz da reiagao entre acincia e as visoes de mundo. A cincia, para ele, em certa medidatambrn uma ideologia, tambm uma superestrutura, porque resultatambm do processo historico, do processo de desenvolvimento das clas-

    27

  • ses sociais e das lutas sociais. Por exemplo, quanto a sociologia que sepretends puramente fatual, Gramsci diz: toda sociologia pressupoe "umafilosofia e uma concepgao de mundo da qual ela e um fragmento subor-dinado. Isto quer dizer que toda a sociologia, toda a ciencia da socie-dade, nao - senio um elemento de uma visao de conjunto, uma filosofia,uma concepcao do mundo, portanto, nao uma descricao puramenteobjetiva, fatual da realidade. .

    Outro elemento de Gramsci que quero mencionar que ele, detodos os pensadores marxistas do sculo XX, talvez seja o que maisinsistiu sobre a importancia da historicidade no marxismo. Levandoesse historicismo radical as dltimas conseqiincias. Isso implica queo marxismo, ele mesmo, seja um produto historico, que suas descobertascientificas e teoricas nao sejarn leis absolutas, nao sejam verdades absolutase eternas. S50--produto da historia e, portanto, estao destinadas a serhistoricamente superadas, quando estiverem superadas as condicoes nasquais cias sao validas _e.se aplicam, isto , a existncia da sociedade declasses. Enquanto existir a sociedade declasses, enquanto existir a explo-racao e em. todo o.-periocfo de transicao entre uma sociedade dc classese uma sociedade sem classes, a sociedade comunista do futuro, as analisese conclusoes do mtodo marxista sao validos. E so em uma sociedadeem que nao existirem mais nem as classes, nem o Estado, nem o capita-lisrno, nem a mercadoria, que estara historicamente superado 0 propriomarxismo. Mas ele aponta para esta horizonte, o horizonte de sua pro-pria superacio historica, na medida em que considera que o historicismoradical tem que ser aplicado a si mesmo. Esta uma idia importanteque vamos reencontrar nas discussoes que teremosmais adiante. Ha,ainda, outros autores dc que nao falei: Althusser, Lukacs e muitos outros.Porm, esse nao era o objeto das discussoes de hoje, simplesmente eume propus a fazer uma introducao a questao da ideologia em Marx.

    _...r _*__,.._,__.__ ~;-;:.:- "Li:-_ _-Althusser tambm diz inspirar-se em Gramsci quando vai discutir a questaoda ideologia e algumas outras. Entio, eu queria saber se, ao colocar a questoda visao social do mundo, recolocando 0 termo, voc tem a pretenso dcconstruir, atravs disso, uma teoria geral das ideologias?

    Talvez seja muito dizer que eu tenha essa pretensao, mas umatentativa de avangzar um conceito que possa dar conta do conjunto defenomenos desi nados como ideolo ias. So me referi a al uns elementos8gerais (obvlamente a coisa muito mais complicada) tratando de subli-nhar que as ideologies nao sao simplesmente uma ou outra idia, umamentira ou uma ilusao, sao, um conjunto muito mais Vasto, organico,

    28

    de valores, crencas, conviccoes, orientacoes cognitivas, de doutrinas, too-rias, representacoes. A esse conjunto, a medida vque seja eoerente,unificado por uma certa perspectiva social, por uma perspectiva declasse, cu chamaria de visao social do mundo. I

    Essa concepcao segue um pouco a orientagao de Mannheim, mastambm a propria maneira dc Marx se referir a ideologia. Em Marx, "aideologia aparece sempre como um elemento vinculado as classes domi-nantes, Marx nunca fala de uma ideologia do proletariado. Retomandoesse elemento critico do conceito de ideologia em Marx e as idiasavancadas por Mannheim, de que as ideologies sao formas de represen-tagoes e de valores que visam manter ou fortalecer uma ordem estabe-lecida, estou tentando construir uma aparelhagem conceitual, maisdo que uma teoria geral (que me parece demasiaclo pretensioso), masum certo nmero de instrumentos conceituais que deem conta do fatode que esses conjuntos organicos de representacoes, valores e idias,que eu chamo de visoes sociais do mundo, podem ser de tipo conserva-dor, ou legitirnador da ordem existente, ou de um tipo critico, subversivo,que proponha uma alternativa, ao qual eu chamo de utopia. Esta umaproposta operacional de tentar entender como que funcionam estesconjuntos de idias e quais as suas relacoes, em ultima analise, com weposicao das classes sociais.

    Isto eu nao tive ainda a oportunidade de desenvolver. Vou fazerisso nos proximos dias, mas a idia. fundamental, partindo da propriateoria marxista, de que ostas ideologias, ou visoes de mundo, ou uto-pias, correspondem aos interesses, posigoes, aspiracoes, tensoes, das dile-rentes classes sociais. Isto , sao as classes sociais que produzem asideologias. Algurnas visoes sociais do mundo tendem a tomar a forma deutopias, por exemplo, a burguesia quando era uma classe revolucionaria,na Francs do sculo XVIII, a sua visao social do mundo,-focava osdireitos dos homens, a igualdade, a liberdade, a fraternidade, da filosofiadas luzes ou da democracia de Rousseau. Hoje em dia, a partir de umaanalise marxista, podemos dizer que aquelas concepcoes correspondiamna poca aosinteresses historicos da burguesia como classe ern formacao.Essa visao social do mundo da burguesia tinha, entao, um carater utopicoa medida que criticava o sistema feudal, a monarquia absoluta, opoder doutrinario da Igreja e propunha uma sociedade distinta. Agora,no sculo XIX, quando a burguesia esta no poder, este mesmo conjuntode idias, de filosofias economicas, sociais e politicas, tomam um cara-ter muito mais conservador. A mesma idia do direito natural, que tinhauma fungao critica e revolucionaria no sculo XVIII, passa a ter um

    29

  • papel conservador. Podemos entao dizer que a visao social do mundoda burguesia tinha um carater mais utopico no sculo XVIII e maisideologico no sculo XX, e pode ser interpretada por alguns pensadoresmais no seu sentido utopico e, por outros, mais no seu sentido ideolo-gico. Podemos tambm tomar como exemplo a visao de mundo roman-tica da Alemanha do comeco do sculo XIX. A visao de mundo roman-tica uma visao do mundo que aspira voitar ao passado, voltar, porexemplo, a Idade Media.

    Em alguns pensadores romanticos do sculo XIX esta idia tinhaum carater utopico, um carater de critica a alguns elementos da socie-dade capitalista que estava em gestacao. A aspiragio s volta ao cristia-nismo da Idade Media num poeta romantico como Novallis tinha umelemento utopico de critica social e de aspiraco a um mundo imagina-rio, que ele projetava, utopicamente, na Idade Media. Ia outros pensa-dores, dessa mesma corrente, da mesma visao social do mundo que o romantismo, dao a essa visio um carater conservador, reacionario,de oposico ao progresso, a Revolucao Francesa, e um carater de regres-sao as formas feudais mais atrasadas.

    Fizemos referencia a esses fatos para mostrar como as visoes sociaisdo mundo podem ser idcologias ou utopias, podem se transformer deutopias em ideologias, podem ter aspectos ideologicos e utopicos e podemser interpretadas, segundo pensadores diferentes, de maneira utopica oude maneira ideologica. No entanto, temos que analisar isto de maneiramais concreta nos proximos dias.

    Michael, voc se refere sempre a ideologia e aos interesses de classe. Eu estoupreocupado com a relagao entre a ideologia e a politica. Gostaria de saber

    , se existe um espago maior, talvez um certo determinismo, em Marx, entrel poder politico e interesses de classe. Von tentar esclarecer meu pensamento:l se eu pego dois filosofos do sculo XVIII, Hobbes e Locke, os dois tem

    visoes completamente opostas quanto ao Estado uma favorece o absolu-ll tisrno e a outra se opoe a ele, como voc sabe. I-Ioje em dia, para exem-: plificar de maneira mais clara, no mesmo campo do interesse social, no i

    proletariado, de um certo modo, para uns, a viso de um mundo totalitrio,de um mundo sem liberdade, um obstaculo definitive para aceitar, digamos,algumas interpretagoes marxistas, e para outros nao. Eu quero questionar

    1 como que trabalhamos esta relapiio entre a visao do politico e a ideologia,como, ao meu ver, rnuitas ideologias surgem frente ao poder e nao frenteaos interesses sociais, em dltima instancia. O poder traduz os interesses sociais, 5por que entao nesse ultimo exernplo, elementos saidos de uma mesma classe lvm o problems dos paises socialistas sob angulos to-talmente diferentes?De repente, a questo da liberdade, da democracia, do poder, fica sendouma questao em funcao da qual se divulgam pensarnentos diferentes. all

    30

    . Eu acho que absolutamente correto observar que dentro de umavisao social de mundo, seja ela uma ideologia ou uma utopia, podemaparecer interpretacoes distintas. No seio da burguesia, em momentosdiversos, aparecerarn efetivamente interpretacoes bastantercontraditorias,bastante opostas. Isto pode decorrer, em certa medida, de etapas histo-ricas diferentes de uma mesma classe. Em um certo momento esta classe favoravel a formas autoritarias do Estado e, em outro, a formas liberais.Isso pode corresponder a fracoes distintas desta classe. Certas fracoesda burguesia na Inglaterra, por exemplo, eram favoraveis ao Estado auto-ritairio e outras ao Estado de tipo liberal. Mas podem existir tambmfragoes com concepgoes distintas, mesmo se elas comportam algumashipoteses fundamentais que caracterizam sua viso social do mundo.Tanto Hobbes quanto Locke partilham de "uma mesma filosofia indivi-dualista, possessiva, o indi-vidualismo possessivo, no qual o que definea sociedade o individuo, a propriedade. A partir dessa filosofia, que uma filosofia burguesa da sociedade, da econornia, do Estado, um vaicriar eonclusoes mais autoritarias e outro mais liberals, mas ambos comoparte dessa filosofia social comum. O mesmo vai se reproduzir em outrasclasses sociais e em outros movimentos sociais. At em nossos dias vaoaparecendo, no seio de visoes sociais do mundo de uma mesma classesocial, pontos de vista diferentes, que podem exprimir diferentes etapasdo processo historico, ou capas sociais de uma mesma classe. Porexemplo, houve uma poca ern que se discutia muito no movimentooperrio, se uma certa capa da classe operaria que era chamada a aristo-cracia operaria nao tinha uma concepoao diferente do que era o socia-Iismo, marxismo ou luta de classes, do que o resto da classe trabalhadora.Em outras pocas se discutiu se nao aparecia no seio dos partidos ope-rarios, ou dos Estados ditos operarios, uma capa burocratica com concep-goes ou interpretacoes distintas do que o socialismo, ou 0 marxismo,ou a luta social. Isso se pode ampliar, pode-se analisar sociologicamente,historicamente, concretamente, como vao aparecendo as divergncias,discussoes, contradicoes no seio de uma classe social, mesmo que com-partilhe de uma mesma visao social do mundo.

    Eu acrescentaria ainda uma iiltima observagao, sobre as divergenciasque aparecem no seio_de uma classe ou entre pensadores distintos quese reclamam em uma mesma classe social. Elas podem ser parte mesmodo processo de desenvolvimento do conhecimento e da pratica social.

    31

  • Na medida em que se desenvolve um processo de conhecirnento, ou umprocesso de transformagao, ou um processo de pratica social, inevitavel-mente aparecem poritos de vista diferentes, aparecem divergncias, con-tradicoesfconcepgoes distintas, no seio mesmo de uma classe social, oudaqueles que compartilham de uma mesma visao do mundo. Isto ine-vitavel e tambm necessario, parte mesmo de todo o processo efetivode conhecimehto e transformagao da realidade.

    32

    (is \\ \\\\\\;\\

    \

  • As trs principais proposigoes teorico-metodologicas sobre o rela-cionamento entre ideologias, utopias, visoes sociais cle mundo, valores,posicoes de classe, posicoes politicas, por um lado, e o processo do co-nhecimento cientifico, por outro, siio o positivismo, o historicismo e omarxismo. Existem tambm os possiveis cruzamentos entre os trs: en-contramos autores que sao parcialmente positivistas e parcialmente histo-ricistas, outros que sac parcialmente marxistas e parcialmente positivis-tas, etc. Isto quer dizer que encontramos varios cruzamentos, variasfertilizacoes reciprocas entre essas trs correntes, que nao so correnteshermeticamente fechadas, mas concepcoes fundamentais para enfrentaro problems da relacao entre os valores e a cincia, as ideologias e acincia, as utopias sociais e a ciencia, o conhecimento e a luta de classes.Essa problematica toda tratada atravs daquelas trs colocacoes. Hoje,vamos tratar do positivismo.

    Primeiramente, eu vou fazer algumas observacoes gerais sobre oque 0 positivismo ou, pelo menos, desenvolver uma proposta deanalise historica do positivismo, aplicando 0 mtodo dialtico, 0 me-todo historicista: analisar o positivismo de maneira historico-social,em sua evolucao. Depois, pretendo analisar uma proposicao particulardentro do campo do positivismo, polo menos parcialmente situada dentrodesse campo, que a proposigao do Max Weber. Esta , provavelmente,a formulacio mais profunda, mais interessante e mais produtiva da dou-

    IAIrina da ciencia livre de juizo de valor. Merece, portanto, mais discussao.Se se tentasse formular o que seria 0 tipo ideal do positivismo,

    uma espcie de sintese fundamental das idias do positivismo, poderiarnser selecionadas trs idias principais:

    A sua hipote,se,_ fundamental de que a sociedade humans regu-lada por leis naturals, ou por leis que tem todas as caracteristicas das

    * Com essa afirmagao estou expressanxio minha opiniao, que esta ionge deser consensual: , uma interpretagao determinada do positivismo que estou subme-tendo a discussao.

    35

  • leis naturais, invariveis, independentes da vontade e da acao humans,tal como a lei da gravidade ou do rnovimento da terra em torno do sol:pode-se ate procurar criar uma situacao que bloqueie a lei da gravidade,mas isso se faz partindo" de que essa lei totalmente objetiva, indepen-dente da vontade e da acao humana. Deste modo, a pressuposiciio fun-damental do positivismo de que essas leis que regulam o funcionamentoda vida social, economics e politica, sac do mesmo tipo que as leis na-turais e, portanto, o que reina na sociedade uma harmonia semelhantea da natureza, umaespcie de harmonia natural.

    Dessa primeira hipotese decorre uma conclusao epistemologica, dcque os mtodos e procedimentos para conhecer a sociedade sao exata-mente os mesmos que sao utilizados para conhecer a natureza, portanto,a metodologia das cincias sociais tem que ser idntica a metodologiadas cincias naturals, posto que o funcionamento da sociedade regidopor leis do mesmo tipo das da natureza. Essa segunda concluso episte-mologica, que eu chamaria dc naturalismo positivista, decorre de maneiratotalmente logica da primeira: se a sociedade regida por leis de tiponatural, a cincia que estuda essas leis naturais da sociedade do mesmoti_po que a cincia que estuda as leis da astronomia, da biologia, etc.

    A terceira conclusao, que talvez a mais importante para a nossadiscussao, que da mesma maneira que as cincias da natureza saocincias objetivas, neutras, livres de juizos de valor, de ideologies poli-ticas, sociais ou outras, as cincias sociais devem funcionar exatamentesegundo esse rnodelo de objetividade cientifica. Isto , o ci.entista socialdeve estudar a sociedade com o mesmo espirito objetivo, neutro, livrede juizo de valor, livre de quaisquer ideologias ou visoes de mundo,exatamente da mesma maneira que o fisico, o quimico, o astronomo, etc.Esta talvez a conclusao mais importante para o 11osso debate sobrea relaoao entre ideologia-utopia e conhecimento social. Significa que aconcepcao positivista aquela que afirma a necessidade e a possibilidadedc uma cincia social completamente desligada de qualquer vinculo comas classes sociais, com as posicoes politicas, os valores rnorais, as ideo-logias, as utopias, as visoes de mundo. Todo esse conjunto de elementosideologicos, em seu sentido amplo, deve ser eliminado da cincia social.O positivismo geralmente designa esse conjunto de valores ou de opcoesideologicas como prejuizos, preconceitos ou prenocoes. A idia funda-mental do mtodo positivista de que a ciencia so pode ser objetiva everdadeira na medida em que eliminar totalmente qualquer interfernciadesses preconceitos ou prenocoes. I

    36

    Considero que importante ver a origem do positivismo e comoele se desenvolve historicamente, como ele vai se transformando histori-camente. Pode-se dizer que a idia de uma cincia da sociedade, elabo-rada segundo o modelo cientifico-natural, aparece particularmente nosculo XVIII. Pode-se encontrar em periodos anteriores alguns elemen-tos dessa forrnulagao, mas esta realizada mais explicitamente no sculoXVIII, no momento em que se desenvolve a filosofia das luzes 0enciclopedismo - e a sua luta contra a ideologia dominante na poca,a ideologia clerical, feudal, absolutista. Pode-se dizer que 0 positivismomoderno filho legitimo da filosofia das luzes e, da mesma maneiraque esta filosofia, ele tem em um primeiro periodo um carater utopico,quer dizer, uma visao social do mundo de dimensao utopica, critica e,ate certo ponto, revolucionaria.

    Talvez o primeiro autor que se pode relacionar como pai do positi-vismo seja Condorcet - filosofo ligado a Enciclopdia , que foi talvezo primeiro a formular de maneira mais precisa a idia de que a cinciada sociedade, nas suas varias formas, deve tomar o carater de umamatematica social, ser objeto de estudo matematico, numrico, preciso,rigoroso. E gracas a essa matematica social que podera existir umaciencia dos fatos sociais verdadeiramente objetiva. At aquele instante,ele considerava que havia existido uma teoria da sociedade submetidaaos preconceitos e aos interesses das classes poderosas isso umacitacdo de Condorcet, Por esta colocacao ja se percebe o carter utopicoe, mesmo, revolucionario dessa primeira formulagao do positivismo. Ele contra o controle do conhecimento social pelas classes dominantes dapoca, isto , pela lgreja, pelo poder feudal, pelo Estado monarquico,que se arrogavarn o controle de todas as formas do conhecimento clen-tifico. Trata-se entao de romper com esse controle do conhecimento eobservar nas cincias sociais um desenvolvimento tao cientifico, objetivoe seguro, quanto o das cincias naturais (esta , tambm, uma colocacaode Condorcet). Condorcet considera que, como na marcha das cinciasfisicas os interesses e as paixoes nao perturbam, 0 mesmo deve acontecernas cincias da sociedade; e, at o momento, esses interesses e paixoesentravam, como elementos de perturbacao, no conhecimento. Como essesinteresses e paixoes sac, sobretudo, das classes dominantes feudais, paraCondorcet se trata de eliminar do conhecimento social as doutrinas tec-logicas, os argumentos de autoridade papal, a autoridade de S50 Tomas;de Aquino, enfim, todos os dogmas fossilizados que se arrogavam o mo-nopolio do conhecimento social.

    37

  • E O proprio Condorcet que reconhece que o progresso do conhecimento era d " - . _ '_ lflcll 1_l1t0, porque . os objetos submetidos ao conhecimentosocial tocavam nos interesses religzosos ou politicos" Na medidabl - - em queessas questoes do estudo d ' ' ' - .uma interferncia ue b ta Slcledade atmglam aqueles mteresses havlaO _ _ q o s acu izava o progresso da ciencia. E Condoreet

    PT1IT1e11 Pellsldor que avanca essa idia de uma cincia natural das1edad@- Oblefiva e livre de preconceitos.

    Livre de recon ' ' "toda a fosog das i:e:i:i:SI?1sS;:0n:s Epiliacwgas-Shave que atravessamChamado preconceito, em que toda a filosofia dpe 11a existe um verbetetudo que dogma irracional dogma Politico was {Tides e desenvolvida:do qual se trata de se liberfar o relgloso -e preconceitopensamonto e o conhecimento social.d Depois de Condorcet, temos Saint-Simon, discipulo direro de QonOrilef. ue se recla ' '- - . , ' _ Cl . mava de suas ideias, considerando-se discipulo e

    continuador de Condorcet e que vai ser o primeiro a utilizar t- . .r . ,, _ o ermoposrtrvo aplicado a cienciaz c1enc1a positiva.

    Saint-Simon pretendeu formular uma cincia da sociedade segundoo mo eo ' ' '~ - - . , _Ele Chamab;0f:l0i1;g1?aele :.O(;1i(;l'Ll1(;1eSE(gI :2? por rnodelo a fisiologla.no caso dele ainda mais que em Condom; essgia sacral. Mas, tambem

    {nensao criticto-utopica. Saint-Simon era um !soci:li1s'fa etltaciclaibialll sllgmailise em sua ' ' - , -exeinplo, C8rtgilogfaitgssz(E;li;I@1;1iOCOn;1asl;il;;llllad demonstrar due, Por

    rindo-se ai a aristocracia e ao cleropNeste caso Orgf&?n'1s1n0' s0c1a'1 , refe-uma forca critica de oposigao a ordem estabgledld1Sl(l5lOgl"SOc1a1 temcincia fisiologica da sociedade tambm uma reels que Zl6aS(l1lEl.1umacontexto do combate as doutrinas das classes dominantes da opoca a noF Podemos dizer que, at os principios do sculo XIX, 0 positivismoaparece como uma visao, social do mundo, como uma concepcao dacincia social ue te ' ' -- - -transformafio qa mucllanum dlspd-Cto ftoplconcmlco mum) lmportanw Aatravs de seii disci 1 gt? 6 lregao S6 Se da depols de SaintwsimonPu 0 ireto Augusto Comte.d Augusto Comte tambm se considerava continuador de CO11(l01'cete Saint-Simon mas corn I ' . demasiadamem; If uma diferenca fundamental, ele os consideravama t _cr11co(s1, negatives. Para ele, o pensamonto tem que ser

    iramen e ositivo e - -' - . ..dade isto lgom ,d' ver~se1a acabar com toda a critica e negativi-J , a I11 ' ' 'Se refere a Condor _ t 1 ensao revolucionaria desse per15amentg_ Comte

    ce como esse meu eminente precursor" ma ', s considera

    38

    que 0 mesmo nunca chegou a descobrir as leis da sociologiadevido a:seus preconceitos revolucionarios". ~

    Pode-se perceber, entao, que a palavra preconceito -muda de fungaozpara o positivismo em sua faseutopica, 0 termo preconceito serve auma fungao revolucionaria e critica sempre o preconceito das classesdominantes, preconceito clerical, absolutista, obscurantista,-fantico, in-tolerante, dogmatico; com Comte, esse sentido muda, - o preconceitoiievolucionario de Condorcet, que apoiou a Revolucao Francesa, ou revo-lucionario socialista de Saint-Simon. Deste modo, a luta contra cs pre-conceitos muda radicalmente de funcao: de uma luta utopica, critica,negative, revolucionaria, passa a ser uma luta conservadora. Comte sequeixa _da disposieao revolucionaria de Saint-Simon, com as quais eleesta inteiramente em desacordo. Ele explica que seu mtodo positivodeve se consagrar teorica e praticamente a defesa da ordem real.

    A partir dessa idia, Augusto Comte comeca a formular uma con-cepcio de cincia natural, que ele vai. cl-iamar, no primeiro momento, defisica social. Ele diz: "A fisica social uma ciencia que tem por objetoo estudo dosfenomenos sociais, considerados no mesmo espirito que osfenomenos astronomicos, fisicos, quimicos e fisiologicos". isto significaque os fenomenos sociais sao submetidos a leis naturais invariaveis; porexemplo, a lei dadistribuicao das riquezas e do poder economico, quedetermina a "indispensavel concentragao das riquezas na rnao dos senho-res industriais", para Augusto Comte um exemplo de lei invariavel,natural, da sociedade, cujo estudo tarefa da fisica social e, depois, dasociologia. Ele oonsidera tambm uma tarefa. importante cla sociologiaexplicar aos proletarios essas leis invariaveis, porque sac precisamenteos proletarios, que precisam ser convencidosldesse carater natural-daconcentracao indispensavel das riquezas nas macs dos chefes industriais.Ele espera que graces ao positivismo os proletarios reconhecerao, coma ajuda feminina, as vantagens da submissao e de uma digna irrespon-sabilidade. Por essa citaco parece tambm que, para ele, a mulher submissa e nao tem nenhuma responsabilidade, e que isso uma leinatural. Elas poderao assim ajudar os proletarios a reconhecerem asvantagens desta situacao. Os dois caminham juntos: a submissao da mu-lher e do proletario, resultando ambos de leis naturals, invariaveis. Marxtern uma nota de rodap ironica em O Capital sobre a obra de Comte,onde ele diz: "Augusto Comte e sua escola procuram demonstrar anecessidade eterna dos senhores do capital. Eles poderiam, com os mes-mos argumentos, demonstrar a necessidade eterna dos senhores feudais.Isso quer dizer que se o argumento o mesmo, e poderia servir tanto

    39

    li !

  • _)

    aos capitalistas quanto aos senhores feudais, o positivismo, que se apre-senta como oincia livre de juizos de valor, neutra, rigorosamente cien~tifica, que, no dizer de Augusto Comte, nao admira nem amaldicoaos fatos politicos", acaba tendo uma funcio politica e ideologica. Isto confirmado em uma outra ponderagao de Comte: "O positivismo tendepoderosamente, pela sua natureza, a consolidar a ordem pblica, pelodesenvolvimento de uma sabia resignacao. Porque nao pode existir umaverdadeira resignagao, isto , uma disposigao permanente a suportar comconstmcia e sem nenhuma esperanga de mudanca, os males inevitaveisque regem todos os fenomenos naturais que, senio, atravs do profunclosentimento dessas leis invariaveis. A filosofia positiva, que cria essadisposicao, se aplica a todos os campos, inclusive ao campo dos malespoliticos. Isto significa que, segundo Comte, os males que resultamdos fenomenos naturais sio inevitveis e, face a eles a atitude cientificadeve ser de sabia resignacao, procurando apenas analisa-los e identifiea-los. Aplicando esse principio aos males politicos, ao desemprego, amisria, E1 fome, E: monarquia absoluta, que tambm sao resultantes cleleis naturals, tao inevitaveis e independentes de qualquer vontade socialquanto as outras, a atitude correta, positiva, cientifica , tambm nessecaso, de sabia resignacao.

    Obviamente, se essa sabia resignagao for compartilhada por todos e,particularmente, pelo proletariado, teremos solidamente consolidado aordem ptiblica. Esse o sentido profundamente conservador do positi-vismo a partir dc Augusto Comte, quando se observa uma espcie dedeslocamento, de mudanca dc direcao do positivismo, do campo critico,utopico, negative, revolucionrio, para o campo conservador e legiti-mador da ordem estabelecida.

    Essa transformagao nao pode ser explicada simplesmente em termospsicologicos, do diferencas psicologicas entre Augusto Comte e Saint--Simon, mas tambm tem muito a ver com a nova situacao historica, apartir dc 1830, quando a burguesia passa a ser a classe dominante naFranga. A partir desse momento, ela deixa de ser uma classe contesta-dora, revolucionaria, para se transformer em dominante, conservadora.Quem formulou essa concepcao do positivismo como ideologia conser-vadora foi Augusto Comte, mas foi gracas a um seu discipulo, EmileDurkheim, que ela se transformou realmente na perspectiva bsica dasociologia, ou da cincia social universitaria, acadrnica ou burguesan

    \(u\

    BDurkheim uito mais cientista social que Augusto Comte. Comteera um doutrinario, um filosofo especulador, enquanto que Durkheim

    40

    era um sociologo no sentido pleno da palavra. Portanto, a sociologia. . . . . - ' - t . E Durkheimpositivista deriva muito mais de Durkheim (1116 dfi com 6 _ _ _ _ a referncia metodologica -dc boa parte da literatura positivista noque _ __ .-A - - - kheim reconhececampo das ciencias SOC13.1S. No entanto, 0 PTP1'1 Dur M _ _divida em relacao a Comte Ele diz por exemplo: A ciencia socialSUE! ' ._ . - ~ ' o ue as leis da

    nao podla progredlr enquanto nao havla estabelteclda dlatureza e quesociedade nao sao diferentes das que regem o res 01 is nao diferente;Portamor O mtodo que Serve P.ra.desbm.eSS-Est efoi a contribuiaodo mtodo que se aplica nas ciencias natiirais. s a lde Augusto Comte a cincia da sociedade .

    . - ' ' ' oi a eco-A outra fonte de DL1[l(h6]l'1'l para formular o. POlUV1iilTlC ti efetivanomia politica burguesa, a economia politica classloa. X15? ) vmente um parentesco muito profundo entre 0 positivismo sociologico eo positivismo da economia politica. Durkheim escreve, por exemplo:Os economistas foram os primeiros a proclamar que as leis sociais saotao necessaries quanto as leis fisicas. Segundo eles, e tao lmposslvel aconcorrncia nao nivelar pouco a poucoos precos, quanto 6 lmposslvel~ - ~ - ' e mesmoaos corpos nao cair seguindo a linha vertical. Se se estender ess nprincipio a todos os fatos sociais, a sociologia estara fundadad. Em

    , - ' ' er-Dutras palavrag, da mesma maneira que Galileu descobriu a one a v 8. - ' ' - cia umtical dos corpos, os economistas descobriram a lei da concorren ,lei natural, matematicamente confirmada.

    Na realidade, nos sabemos que nao assirn, a relllo entre}concorrncia e os pregos esta longe de ser direta. Mas essa e a concepgaoda economia classica que Durkheim vai aplicar, e que o conduz a umaformulagiio de -carter diretamente politico (da mesma maneira que 1alevara Augusto Comte), reconhecendo a funcao conservadora do rnetodo.Por exemplo, ele escreve:

    "E tarefa do positivista explicar aos estudantes que os fenmeno P$lq1[i$sociais sac fatos como os outros como os fatos nl'ELllFll3, 8&0 SllbmetldosB ' . ~- A ciarsa leis que a vontade humana nao pode pertrirbar. Como os fatosuso

    nao dependern da vontade humana, PT "511= as rewlugoes nonrido proprio da palavra silo tao impossiveis quanto os milag1"B$-se

    Esta uma formulacao muito re-veladora, 613 Signica que Send_a5leis da natureza impossiveis de serem modifioadas, 3 sua t1'a"5frma9aatravs de uma revo1u'}50, E3 $50 imPSSl"l quanto um milagm

    i 41