Ideologias, Lowy

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Análise sobre o positivismo.

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Michael LwyIdeologiase Cincia Social: Elementos para lima anlise marxistaAs trs principais proposies terico-metodolgicas sobre o relacionamento entre ideologias, utopias, vises sociais de mundo, valores, posies de classe, posies polticas, por um lado, e o processo do conhecimento cientfico, por outro, so o positivismo, o historicismo e o marxismo. Existem tambm os possveis cruzamentos entre os trs: encontramos autores que so parcialmente positivistas e parcialmente historicistas, outros que so parcialmente marxistas e parcialmente positivistas, etc. Isto quer dizer que encontramos vrios cruzamentos, vrias fertilizaes recprocas entre essas trs correntes, que no so correntes hermeticamente fechadas, mas concepes fundamentais para enfrentar o problema da relao entre os valores e a cincia, as ideologias e a cincia, as utopias sociais e a cincia, o conhecimento e a luta de classes. Essa problemtica toda tratada atravs daquelas trs colocaes. Hoje, vamos tratar do positivismo.Primeiramente, eu vou fazer algumas observaes gerais sobre o que o positivismo ou, pelo menos, desenvolver uma proposta de anlise histrica do positivismo, aplicando o mtodo dialtico, o mtodo historicista: analisar o positivismo de maneira histrico-social, em sua evoluo. Depois, pretendo analisar uma proposio particular dentro do campo do positivismo, pelo menos parcialmente situada dentro desse campo, que a proposio de Max Weber. Esta , provavelmente, mais profunda, mais interessante e mais produtiva da doutrina da cincia livre de juzo de valor. Merece, portanto, mais discusso.Se se tentasse formular o que seria o tipo ideal do positivismo, uma sntese fundamental das ideias do positivismo poderiam ser selecionadas trs ideias principais:A sua hiptese fundamental de que a sociedade humana regulada por leis naturais, ou por leis que tm todas as caractersticas das leis naturais, invariveis, independentes da vontade e da ao humana, tal como a lei da gravidade ou do movimento da terra em torno do sol: pode-se procurar criar uma situao que bloquei a lei da gravidade, mas isso se faz partindo de que essa lei completamente objetiva, independente da vontade e da ao humana. Desse modo a pressuposio fundamental do positivismo de que essas leis que regulam o funcionamento da vida social, econmica e poltica, so do mesmo tipo que as leis naturais e, portanto, o que reina na sociedade uma harmonia semelhante da natureza, uma espcie de harmonia natural.Dessa primeira hiptese decorre uma concluso epistemolgica, de que os mtodos e procedimentos para conhecer a sociedade so exatamente os mesmos que so utilizados para conhecer a natureza, portanto, a metodologia das cincias sociais tem que ser idntica metodologia das cincias naturais, posto que o funcionamento da sociedade regido por leis do mesmo tipo das da natureza. Essa segunda concluso epistemolgica, que eu chamaria de naturalismo positivista, decorre de maneira totalmente lgica da primeira: se a sociedade regida por leis de tipo natural, a cincia que estuda essas leis naturais da sociedade do mesmo tipo que a cincia que estuda as leis da astronomia, da biologia, etc.A terceira concluso, que talvez a mais importante para a nossa discusso, que da mesma maneira que as cincias da natureza so cincias objetivas, neutras, livres de juzos de valor, de ideologias polticas, sociais ou outras, as cincias sociais devem funcionar exatamente segundo esse modelo de objetividade cientfica. Isto , o cientista social deve estudar a sociedade com o mesmo esprito objetivo, neutro, livre de juzo de valor, livre de quaisquer ideologias ou vises de mundo, exatamente da mesma maneira que o fsico, o qumico, o astrnomo, etc. Esta talvez a concluso mais importante para o nosso debate sobre a relao entre ideologia-utopia e conhecimento social. Significa que a concepo positivista aquela que afirma a necessidade e a possibilidade de uma cincia social completamente desligada de qualquer vnculo com as classes sociais, com as posies polticas, os valores morais, as ideologias, as utopias, as vises de mundo. I odo esse conjunto de elementos ideolgicos, em seu sentido amplo, deve ser eliminado da cincia social. O positivismo geralmente designa esse conjunto de valores ou de opes ideolgicas como prejuzos, preconceitos ou prenoes. A ideia fundamental do mtodo positivista de que a cincia s pode ser objetiva e verdadeira na medida em que eliminar totalmente qualquer interferncia desses preconceitos ou prenoes.Considero que importante ver a origem do positivismo e como ele se desenvolve historicamente, como ele vai se transforrnando historicamente. Pode-se dizer que a ideia de uma cincia da sociedade, elaborada segundo o modelo cientfico-natural, aparece particularmente no sculo XVIII. Pode-se encontrar em perodos anteriores alguns elementos dessa formulao, mas esta realizada mais explicitamente no sculo XVIII, no momento em que se desenvolve a filosofia das luzes o enciclopedismo e a sua luta contra a ideologia dominante na poca, a ideologia clerical, feudal, absolutista. Pode-se dizer que o positivismo moderno lilho legtimo da filosofia das luzes e, da mesma maneira que esta filosofia, ele tem em um primeiro perodo um carter utpico, quer dizer, uma viso social do mundo de dintenso utpica, crtica e, at certo ponto, revolucionria.Talvez o primeiro autor que se pode relacionar como pai do positivismo seja Condorcet filsofo ligado Enciclopdia , que foi talvez o primeiro a lormular de maneira mais precisa a ideia de que a cincia da sociedade, nas suas vrias formas, deve tomar o carter de uma matemtica social, ser objeto de estudo matemtico, numrico, preciso, rigoroso. graas a essa matemtica social que poder existir uma cincia dos latos sociais verdadeiramente objetiva. At aquele instante, ele considerava que havia existido uma teoria da sociedade submetida aos preconceitos e aos interesses das classes poderosas isso uma citao de Condorcet. Por esta colocao j se percebe o carter utpico e, mesmo, revolucionrio dessa primeira formulao do positivismo. Ele contra o controle do conhecimento social pelas classes dominantes da poca, isto , pela Igreja, pelo poder feudal, pelo Estado monrquico, que se arrogavam o controle de todas as formas do conhecimento cientfico. Trata-se ento de romper com esse controle do conhecimento e observar nas cincias sociais um desenvolvimento to cientfico, objetivo e seguro, quanto o das cincias naturais (esta , tambm, uma colocao de Condorcet). Condorcet considera que, como na marcha das cincias fsicas os interesses e as paixes no perturbam, o mesmo deve acontecer nas cincias da sociedade; e, at o momento, esses interesses e paixes entravam, como elementos de perturbao, no conhecimento. Como esses interesses e paixes so, sobretudo, das classes dominantes feudais, para Condorcet se trata de eliminar do conhecimento social as doutrinas teolgicas, os argumentos de autoridade papal, a autoridade de So Toms de Aquino, enfim, todos os dogmas fossilizados que se arrogavam o monoplio do conhecimento social. o prprio Condorcet que reconhece que o progresso do conhecimento era difcil, lento, porque "os objetos submetidos ao conhecimento social tocavam nos interesses religiosos ou. polticos. Na medida em que essas questes do estudo da sociedade atingiam aqueles interesses, havia uma interferncia que obstaculizava o progresso da cincia. Condorcet o primeiro pensador que avana essa ideia de uma cincia natural da sociedade, objetiva e livre de preconceitos.Livre de preconceitos, essas so as palavras-chave que atravessam toda a filosofia das luzes, inclusive na Enciclopdia existe um verbete chamado Preconceito, em que toda a filosofia das luzes desenvolvida: tudo que dogma irracional, dogma poltico ou religioso preconceito, do qual se trata de se libertar o pensamento e o conhecimento social.Depois de Condorcet, temos Saint-Simon, discpulo direto de Condorcet, que se reclamava de suas ideias, considerando-se discpulo e continuador de Condorcet e que vai ser o primeiro a utilizar o termo positivo aplicado cincia: cincia positiva.Saint-Simon pretendeu formular uma cincia da sociedade segundo o modelo biolgico. Para ele, a cincia social tem por modelo a fisiologia. Ele chama nova cincia da sociedade de fisiologia social. Mas, tambm no caso dele, ainda mais que em Condorcet, essa reflexo tem uma dimenso crtico-utpica. Saint-Simon era um socialista utpico, sua anlise, em sua fisiologia social, tem como finalidade demonstrar que, por exemplo, certas classes sociais so parasitas do organismo social, referindo-se a aristocracia e ao clero. Neste caso, a fisiologia social tem uma fora crtica de oposio ordem estabelecida. A ideia de uma cincia fisiolgica da sociedade tambm uma ideia que se situa no contexto do combate s doutrinas das classes dominantes da poca.Podemos dizer que, at os princpios do sculo XIX, o positivismo aparece como uma viso social do mundo, como uma concepo da cincia social que tem um aspecto utpico-crtico muito importante. A transformao, a mudana de direo, s se d depois de Saint-Simon, atravs de seu discpulo direto Augusto Comte.Augusto Comte tambm se considerava continuador de Condorcet, de Saint-Simon, mas com uma diferena fundamental, ele os considerava demasiadamente crticos, negativos. Para ele, o pensamento tem que ser inteiramente positivo, dever-se-ia acabar com Ioda a crtica e negatividade, isto , com a dimenso revolucionria desse pensamento. Comte se refere a Condorcet como esse meu eminente precursor", mas considera que o mesmo nunca chegou a descobrir as leis da sociologia devido a seus "preconceitos revolucionrios".Pode-se perceber, ento, que a palavra preconceito muda de funo: para o positivismo em sua fase utpica, o termo preconceito serve a uma funo revolucionria e crtica sempre o preconceito das classes dominantes, preconceito clerical, absolutista, obscurantista, fantico, intolerante, dogmtico; com Comte, esse sentido muda, o preconceito ievolucionrio de Condorcet, que apoiou a Revoluo Francesa, ou revolucionrio socialista de Saint-Simon. Deste modo, a luta contra os preconceitos muda radicalmente de funo: de uma luta utpica, crtica, negativa, revolucionria, passa a ser uma luta conservadora. Comte se queixa da disposio revolucionria de Saint-Simon, com as quais ele est inteiramente em desacordo. Ele explica que seu mtodo positivo deve se consagrar terica e praticamente defesa da ordem real.A partir dessa ideia, Augusto Comte comea a formular uma concepo de cincia natural, que ele vai chamar, no primeiro momento, de fsica social. Ele diz: A fsica social uma cincia que tem por objeto o estudo dos fenmenos sociais, considerados no mesmo esprito que os fenmenos astronmicos, fsicos, qumicos e fisiolgicos". Isto significa que os fenmenos sociais so submetidos a leis naturais invariveis; por exemplo, a lei da distribuio das riquezas e do poder econmico, que determina a "indispensvel concentrao das riquezas na mo dos senhores industriais", para Augusto Comte um exemplo de lei invarivel, natural, da sociedade,cujo estudo tarefa dafsica social e, depois, da sociologia. Ele considera tambm uma tarefa importante da sociologia explicar aos proletrios essas leis invariveis, porque so precisamente os proletrios que precisam ser convencidos desse carter natural da concentrao indispensvel das riquezas nas mos dos chefes industriais. Ele espera que graas ao positivismo os proletrios reconhecero, com a ajuda feminina, as vantagens da submisso e de uma digna irresponsabilidade. Por essa citao parece tambmque,para ele,a mulher submissa e no temnenhuma responsabilidade, eque isso uma lei natural. Elas podero assim ajudar os proletrios a reconhecerem as vantagens desta situao. Os dois caminham juntos: a submisso da mulher e do proletrio, resultando ambos de leis naturais, invariveis. Marx tem uma nota de rodap irnica em O Capital sobre a obra de Comte, onde ele diz: "Augusto Comte e sua escola procuram demonstrar a necessidade eterna dos senhores do capital. Eles poderiam, com os mesmos argumentos, demonstrar a necessidade eterna dos senhores feudais. Isso quer dizer que se o argumento o mesmo, e poderia servir tanto aos capitalistas quanto aos senhores feudais, o positivismo, que se apresenta como cincia livre de juzos de valor, neutra, rigorosamente cientfica, que, no dizer de Augusto Comte, "no admira nem amaldioa os fatos polticos", acaba tendo uma funo poltica e ideolgica. Isto confirmado em uma outra ponderao de Comte: O positivismo tende poderosamente, pela sua natureza, a consolidar a ordem pblica, pelo desenvolvimento de uma sbia resignao. Porque no pode existir uma verdadeira resignao, isto , uma disposio permanente a suportar com constncia e sem nenhuma esperana de mudana, os males inevitveis que regem todos os fenmenos naturais que, seno, atravs do profundo sentimento dessas leis invariveis. A filosofia positiva, que cria essa disposio, se aplica a todos os campos, inclusive ao campo dos males polticos. Isto significa que, segundo Comte, os males que resultam dos fenmenos naturais so inevitveis e, face a eles a atitude cientfica deve ser de sbia resignao, procurando apenas analis-los e identific-los. Aplicando esse princpio aos males polticos, ao desemprego, misria, fome, monarquia absoluta, que tambm so resultantes de leis naturais, to inevitveis e independentes de qualquer vontade social quanto s outras, a atitude correta, positiva, cientfica , tambm nesse caso, de sbia resignao.Obviamente, se essa sbia resignao for compartilhada por todos e, particularmente, pelo proletariado, teremos solidamente consolidado a ordem pblica. Esse o sentido profundamente conservador do positivismo a partir de Augusto Comte, quando se observa uma espcie de deslocamento, de mudana de direo do positivismo, do campo crtico, utpico, negativo, revolucionrio, para o campo conservador e legitimador da ordem estabelecida.Essa transformao no pode ser explicada simplesmente em termos psicolgicos, de diferenas psicolgicas entre Augusto Comte e Sainl- -Simon, mas tambm tem muito a ver com a nova situao histrica, a partir de 1830, quando a burguesia passa a ser a classe dominante na Frana. A partir desse momento, ela deixa de ser uma classe contestadora, revolucionria, para se transformar em dominante, conservadora. Quem formulou essa concepo do positivismo como ideologia conservadora foi Augusto Comte, mas foi graas a um seu discpulo, Emile Durkheim, que ela se transformou realmente na perspectiva bsica da sociologia, ou da cincia social universitria, acadmica ou burguesa.Durkheim muito mais cientista social que Augusto Comte. Comte era um doutrinrio, um filsofo especulador, enquanto que Durkheim era um socilogo no sentido pleno da palavra. Portanto, a sociologia positivista deriva muito mais de Durkheim que de Comte. Durkheim que a referncia metodolgica de boa parte da literatura positivista no campo das cincias sociais. No entanto, o prprio Durkheim reconhece sua dvida em relao a Comte. Ele diz, por exemplo: "A cincia social no podia progredir enquanto no havia estabelecido que as leis da sociedade no so diferentes das que regem o resto da natureza e que, portanto, o mtodo que serve para descobrir essas leis no diferente do mtodo que se aplica nas cincias naturais. Esta foi a contribuio de Augusto Comte cincia da sociedade.A outra fonte de Durkheim para formular o positivismo foi a economia poltica burguesa, a economia poltica clssica Existe efetivamente um parentesco muito profundo entre o positivismo sociolgico e o positivismo da economia poltica. Durkheim escreve, por exemplo: "Os economistas foram os primeiros a proclamar que as leis sociais so to necessrias quanto s leis fsicas. Segundo eles, to impossvel a concorrncia no nivelar pouco a pouco os preos, quanto impossvel aos corpos no cair seguindo a linha vertical. Se se estender esse mesmo princpio a todos os fatos sociais, a sociologia estar fundada. Em outras palavras, da mesma maneira que Galileu descobriu a queda vertical dos corpos, os economistas descobriram a lei da concorrncia, uma lei natural, matematicamente confirmada.Na realidade, ns sabemos que no assim, a relao entre a concorrncia e os preos est longe de ser direta. Mas essa a concepo da economia clssica que Durkheim vai aplicar, e que o conduz a uma formulao de carter diretamente poltico (da mesma maneira que j levara Augusto Comte), reconhecendo a funo conservadora do mtodo. Por exemplo, ele escreve:" tarefa do positivista explicar aos estudantes que os fenmenos psquicos e sociais so fatos como os outros, como os fatos naturais, so submetidos a leis que a vontade humana no pode perturbar. Como os fatos sociais no dependem da vontade humana, por consequncia, as revolues, no sentido prprio da palavra, so to impossveis quanto os milagres.Esta uma formulao muito reveladora, ela significa que sendo as leis da natureza impossveis de serem modificadas, a sua transformao, atravs de uma revoluo, to impossvel quanto um milagre.Como para Durkheim o objetivo da sociologia era estudar fatos' que obedecem s leis sociais, leis invariveis do mesmo tipo que as naturais, o mtodo cientfico era o mesmo, bem como a busca da objetividade e da neutralidade. Durkheim dizia que o socilogo deveria se colocar no mesmo estado de esprito que os qumicos, os fsicos ou os fisilogos, quando executassem o seu trabalho de investigao cientfica. Mas ele reconhece que h o problema da existncia de ideologias, utopias, vises sociais de mundo, no campo das cincias sociais, s quais ele chama de doutrinas, prejuzos ou pr-noes. Ele considera que, em primeiro lugar, a sociedade no pode tomar posio por nenhuma doutrina social, nenhuma ideologia. A sociologia no nem individualista nem socialista, diz Durkheim, e por princpio ela ignora essas teorias porque considera que elas no tm valor cientfico.Um segundo ponto pelo qual Durkheim se bate pela recomendao de que o socilogo deve fazer calar seus preconceitos e as suas paixes. Se ele simpatizar com o individualismo, com o socialismo, com o liberalismo, com os operrios, com os proprietrios, enfim, qualquer que seja sua simpatia, ou a sua paixo, ou preconceito, ele deve faz-lo calar, e graas a esse silncio ele poder iniciar o discurso objetivo da cincia.Segundo outra formulao de Durkheim, o cientista social deve pr de lado sistematicamente todas' as prenoes antes de comear a estudar a realidade social. Estas prenoes seriam viseiras que impediriam de ver o que realmente estaria se passando.Tambm, para Durkheim, o socilogo deve se rodear de todas as precaues possveis contra sugestes irracionais. Opor a essas paixes irracionais a calma e a imparcialidade cientfica, o sangue-frio.Pode-se perceber que todas essas formulaes so psicolgicas: pr de lado as prenoes, fazer calar as paixes, chegar atravs do sangue- frio imparcialidade cientfica, ignorar preconceitos, etc. Essa a receita clssica do positivismo para resolver o problema da objetividade cientfica na cincia social, para resolver a contradio entre a existncia de ideologias, utopias, vises sociais de mundo (o que ele chama de prenoes, preconceitos, paixes, ns chamamos de ideologias, utopias e vises sociais de mundo), a soluo um esforo do socilogo para eliminar esses elementos perturbadores.Tudo isso nos parece um pouco ingnuo, mas se procurarmos bem vai ver que quase todos os positivistas, at hoje, mantm essa tese de que a soluo do problema da objetividade, do conflito entre a necessidade de objetividade cientfica e a existncia de pontos de vista contraditrios que se enfrentam no campo social, a boa vontade, o esforo, a serenidade, o sangue-frio, o empenho na imparcialidade.Para resumir esta teoria, acho que no existe nada melhor que uma histria famosa, do Baro de Mnchhausen, famoso personagem de histrias infantis da Alemanha, personagem fanfarro, sempre contando vantagens e relatando aventuras incrveis. Uma de suas histrias, das mais espetaculares, ilustra a meu ver perfeitamente a concepo positivista da objetividade. O Baro de Mnchhausen estava em seu cavalo quando afundou em um pantanal. O cavalo foi afundando, foi afundando, o pntano j estava quase chegando altura do ventre do cavalo e o Baro, desesperado, no sabia o que fazer, temendo morrer ali junto ao seu cavalo. Nesse momento, ele teve uma ideia genial, simples como o ovo de Colombo: ele pegou-se pelos seus prprios cabelos e foi puxando, puxando, at tirar a si mesmo e depois o cavalo, saindo ambos, de um salto, do pantanal.A objetividade cientfica do mtodo positivista significa que o socilogo, que est enterrado at a cintura no pantanal de sua ideologia, de sua viso social de mundo, de seus valores, de suas prenoes de classe, sai dessa puxando-se pelos seus prprios cabelos, arrancando-se do pantanal para atingir um terreno limpo, assptico, neutro, da objetividade cientfica.Por que esse mtodo no funciona? Porque, para libertar-se de seus preconceitos, para se arrancar desse pantanal, a primeira condio reconhecer o que so preconceitos, prenoes, ideologias. Ora, o que caracteriza o preconceito justamente o seu no-reconhecimento enquanto tal; ele percebido pelo preconceituoso como algo totalmente evidente, bvio, indiscutvel. O preconceito no formulado explicitamente, fica oculto nas profundezas do pensamento, fica implcito e, geralmente, o prprio investigador no se d conta de sua existncia.O que Com te, Durkheim e seus amigos chamam de preconceitos, prenoes, prejuzos , simplesmente, aquilo que na sociologia do conhecimento se chamaria de campo do que experimentado como evidente, quer dizer, aquele conjunto de convices, de ideias, de atitudes do investigador e tambm de seu grupo social, que escapa dvida, a qualquer questionamento, a qualquer distncia crtica.Os prprios positivistas em nenhum momento lograram se libertar de seus prprios preconceitos e prenoes, conservadores, contrarrevolucionrios e, em alguns casos, reacionrios, apesar de toda a sua boa vontade, de seu esforo, de sua tentativa de se arrancar pelos cabelos do pantanal.Em toda obra de Durkheim se percebe claramente seus preconceitos conservadores e, mesmo, em um certo momento, ele o reconhece. H uma passagem, no Prefcio de As Regras do Mtodo Sociolgico, em que ele diz:O nosso mtodo no tem nada de revolucionrio, pelo contrrip, ele essencialmente conservador, porque considera os fatos sociais como coisas cuja natureza, por mais malevel que seja, no pode ser modificada pela vontade humana.No que no existam preconceitos conservadores, simplesmente, para ele, essa opo conservadora uma obviedade, uma evidncia, algo incontroverso. Na obra de Durkheim, as formulaes que ele faz so sempre verdades elementares, bvias e a partir delas que ele vai desenvolvendo suas anlises. No entanto, o que para ele uma verdade bvia, para um outro ponto de vista, situado em uma perspectiva diferente, no tem nada de bvio, pelo contrrio, so afirmaes eminentemente discutveis.Ns vamos ver como esse modelo de objetividade cientfica inspirado nas cincias naturais, que supe a possibilidade de neutralizao ideolgica, que supe o esforo individual de objetividade, de autoneutrali- zao ideolgica do cientista social esse modelo que segue o princpio metodolgico do Baro de Mnchhausen , reaparece das maneiras mais variadas e imprevistas nos pensadores positivistas mais inteligentes c sofisticados, no s no sculo XIX, mas tambm no sculo XX.Essa pretenso de neutralidade, em certa medida, uma "mentira", uma ocultao deliberada, mas existe um certo elemento de mistificao nisso, um elemento de iluso. Isto quer dizer que, em certa medida, Durkheim ou Comte ou os outros positivistas eram sinceros ao pretender que a sua cincia fosse neutra. Pode-se muito bem supor que eles efetivamente acreditassem que seu mtodo fosse eficaz e sua obra cientfica fosse realmente neutra e livre de juzos de valor, porque existe um importante elemento de auto-iluso no procedimento dos positivistas.Nessas colocaes dos positivistas, que obviamente so incapazes de resolver o problema da objetividade, existe um ncleo de verdade, um ncleo razovel, ou racional, que o seguinte: deve existir um esforo do cientista sociai, uma inteno de chegar ao conhecimento objetivo e verdadeiro. Obviamente, nunca haver um conhecimento objetivo da realidade se o cientista social desde o princpio parte da ideia de que o que ele est buscando no um conhecimento da realidade, mas uma outra coisa, propaganda, publicidade, ou seja, o que for. Isto quer dizer que no se pode chegar verdade se no h inteno de se chegar a ela. Isso quase tautolgico: no vai a Roma quem no quer ir a Roma. No chega ao conhecimento da verdade quem no tem inteno de produzir um conhecimento verdadeiro. Se algum recebe dinheiro para escrever um artigo provando, por exemplo, que o esgoto de So Paulo o melhor do hemisfrio ocidental, seu trabalho no vai ter nada a ver com um trabalho cientfico. Isto porque ele j partiu da hiptese de que o objetivo dele no era conhecer a verdade, mas fazer propaganda para, suponhamos, o departamento de esgotos do Estado.Isto existe tambm, e muita coisa que se vi com a etiqueta de "economia poltica, de "sociologia, de "cinchj poltica, simples mercadoria, sem inteno de chegar verdade objetiva.Isso no constitui um grande avano no caminho da formulao de uma metodologia real do conhecimento objetivo, avana muito pouco, apenas nos permite eliminar o que pura mistificao, quando ela se apresenta como cincia. Mas o que importante no terreno das cincias sociais aquela cincia que resulta efetivamente de uma tentativa sincera de produzir um conhecimento cientfico. a que entram as prenoes, os preconceitos, os prejuzos, isto , as ideologias, as vises de mundo, as utopias e, obviamente, ento, certa receita no serve para nada, porque o problema muito mais profundo, j no mais uma questo de boa f, de boa vontade ou de sinceridade, a questo est em como enfrentar o papel inevitvel, necessrio, dos chamados preconceitos, isto , das ideologias, das utopias, das vises sociais de mundo no processo do conhecimento social. a que as receitas do positivismo clssico, do tipo durkheimiano, no valem nada. preciso ir mais alm.MAX WEBERMax Weber no foi um autor positivista em seu sentido clssico. Teve algumas divergncias muito importantes com o positivismo e o nico ponto em que ele converge com o pensamento positivista na ideia da cincia social livre de juzos de valor.Para se ver como ele chega a essa ideia, vamos tentar seguir um pouco o caminho da construo de sua teoria social, que um edifcio terico bastante impressionante, que deve ser examinado em sua coerncia.