Igreja Entre Aspas - Depoimento Quintani

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Igreja” - Repensando noss a Eclesiolo gia O livro do Tuco Egg, "Igreja" - isto é, "Igreja entre Aspas", poderia ser caracterizado como um "ensaio eclesiológico" nos moldes de uma "eclesiologia radical" sem que necessariamente seja de todo "Emergente" mas, diria eu, "Missional". Digo “Missional” por tentar pensar a igreja e sua missão na sinalização (ainda que provisória e não exaustiva) de alguns dos valores fundamentais Reino de Deus, anunciados no Evangelho de Jesus, o Cristo, que envolvem a redenção e a dignidade do ser humano e da criação. As vezes a crítica desenvolvida pelo autor parece ser dura (nos contornos de um idealismo juvenil incorrigível) e poderá até escandalizar alguns crentes mais "ortodoxos", especialment e aqueles que costumam “dogmatizar as formas em detrimento do conteúdo” da mensagem do Evangelho de Jesus. Mas creio que se este “santo escândalo” vier a acontecer estamos em um bom caminho de "renovação e revitalização da espiritualidade cristã prática". Temos que admitir que muitas vezes ao longo da história do movimento cristão, os nossos “herois da fé e da ortodoxia de hoje, foram os hereges de ontem”. São os que ousaram optar pela simplicidade da revelação das Escrituras e tentar viver uma fé mais genuína com bases do modelo do Mestre galileu. Muitos destes foram em contextos de “densas trevas eclesiais e políticas” (ou as duas coisas juntas) escomungados da “Igreja” e outros queimados. Mas a sua rejeição e até as vezes seu sangue, fertilizaram os contornos de uma vida de fé mais genuína e de uma espiritualidade cristã mais relevante, que continua a inspirar-nos e a sinalizar o Reino de Deus que veio e foi inaugurado na encarnação, ministério, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré (um certo galileu “impenitente” para a “forma” e os “padrões” de religião dominante da época). Mas por outro lado, conhecendo o autor do livro “Igreja”, também reconheço que suas palavras e idéias “exóticas” não vem de nenhuma "Torre de Marfim" ou da "Arquibancada da Vida ou da Igreja". Percebo que seu pensamento vem de uma teologia gestada nos caminhos da espiritualidade prática e do amor ao próximo, de quem vê, envolve-se e faz (ainda que não o diga e nem toque trombetas como algumas castas mais farisaicas de certas “Igrejas”). Creio que em tempos de pluralismo religioso e oportunidades de mudanças vale a pena pensar criticamente a “Igreja”, especialmente quando ela precisa ser mais Igreja de Jesus, o Corpo Vivo e Visível de Cristo no mundo. Podemos afirmar que face a importância teológica e missiológica da Igreja de Jesus (não nossa) no plano redentor de Deus na história humana, essa análise não pode ser relegada à um segundo plano em nossa agenda eclesiástica e ministerial.

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Depoimento de Valmor Quintani, Professor Doutor do Instituto Bíblico Português, sobre o livro Igreja Entre Aspas, de Tuco Egg.

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“Igreja” - Repensando nossa Eclesiologia

O livro do Tuco Egg, "Igreja" - isto é, "Igrejaentre Aspas", poderia ser caracterizado comoum "ensaio eclesiológico" nos moldes de uma"eclesiologia radical" sem que necessariamenteseja de todo "Emergente" mas, diria eu,"Missional". Digo “Missional” por tentar pensar aigreja e sua missão na sinalização (ainda queprovisória e não exaustiva) de alguns dosvalores fundamentais Reino de Deus,anunciados no Evangelho de Jesus, o Cristo,que envolvem a redenção e a dignidade do serhumano e da criação.

As vezes a crítica desenvolvida pelo autorparece ser dura (nos contornos de um

idealismo juvenil incorrigível) e poderá até escandalizar alguns crentes mais"ortodoxos", especialmente aqueles que costumam “dogmatizar as formas emdetrimento do conteúdo” da mensagem do Evangelho de Jesus. Mas creio quese este “santo escândalo” vier a acontecer estamos em um bom caminho de"renovação e revitalização da espiritualidade cristã prática".

Temos que admitir que muitas vezes ao longo da história do movimento cristão,os nossos “herois da fé e da ortodoxia de hoje, foram os hereges de ontem”.

São os que ousaram optar pela simplicidade da revelação das Escrituras etentar viver uma fé mais genuína com bases do modelo do Mestre galileu.Muitos destes foram em contextos de “densas trevas eclesiais e políticas” (ouas duas coisas juntas) escomungados da “Igreja” e outros queimados. Mas asua rejeição e até as vezes seu sangue, fertilizaram os contornos de uma vidade fé mais genuína e de uma espiritualidade cristã mais relevante, que continuaa inspirar-nos e a sinalizar o Reino de Deus que veio e foi inaugurado naencarnação, ministério, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré (um certogalileu “impenitente” para a “forma” e os “padrões” de religião dominante daépoca).

Mas por outro lado, conhecendo o autor do livro “Igreja”, também reconheçoque suas palavras e idéias “exóticas” não vem de nenhuma "Torre de Marfim"ou da "Arquibancada da Vida ou da Igreja". Percebo que seu pensamento vemde uma teologia gestada nos caminhos da espiritualidade prática e do amor aopróximo, de quem vê, envolve-se e faz (ainda que não o diga e nem toquetrombetas como algumas castas mais farisaicas de certas “Igrejas”).

Creio que em tempos de pluralismo religioso e oportunidades de mudançasvale a pena pensar criticamente a “Igreja”, especialmente quando ela precisaser mais Igreja de Jesus , o Corpo Vivo e Visível de Cristo no mundo. Podemosafirmar que face a importância teológica e missiológica da Igreja de Jesus (nãonossa) no plano redentor de Deus na história humana, essa análise não podeser relegada à um segundo plano em nossa agenda eclesiástica e ministerial.

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Quando não temos coragem para avaliar crítica e construtivamente a nossavida de fé em Jesus, a nossa "Igreja", a nossa missão como cristãos e asformas e estruturas que viabilizam a missão da igreja na história, corremos orisco de perder nossa relevância e tornar-mo-nos uma espécie de "museu deobras sacras" ou até mesmo reduzirmo-nos a uma “capela mortuária”. É como

alguém já disse em termos ministeriais: "… de pescadores de homens, nostornamos em um bando de zeladores do aquário"! Ainda que eu nãorelegamos a importância de um aquário bem cuidado e limpo (eu gosto disso),ou a importância dos museus de arte sacra e de todos o seu acervo histórico(também gosto disso), temos de admitir que certamente não foi apenas paraisso que Jesus morreu na cruz por nós! Eu creio na Igreja de Jesus e no seuinegociável papel mediador da Graça e do Amor de Cristo Jesus em suamissão ao mundo! Mas a “Igreja” não é um fim em si mesmo, mas um meiopara um fim – a Glória de Deus por meio da missão redentora de Cristo Jesus.A Igreja de Jesus é essencialmente missionária. Esta é sua natureza –Johannes Blauw. A Igreja de Jesus é, como já disse William Temple “a única

instituição sobre a face da terra que existe para os que estão fora dela”.Honestamente creio que o Arcebispo de Cantuária tinha razão em seupensamento eclesiológico. Quando a igreja deixa de olhar para fora das suas“portas”, ela deixa de ser um movimento de redenção do ser humano, etransforma-se em um clube religioso fechado e estagnado, e necessitaurgentemente de “reformas” em sua filosofia de ministério que geste aintencionalidade redentiva da sua missão à sociedade que a cerca.

E por falar em reformas, um dos lemas que surgiram da “Reforma” do SéculoXVI foi justamente essa atitude pensada acima e que trancrevo aqui em meulatim tupiniquim: “Ecclesia reformata et semper reformanda est”. Se dou jeitocom esse “latim”, a idéia é que esta “Igreja” que buscava uma reforma (e quedeu-se especialmente em sua soteriologia – a doutrina da salvação, e nas alasmais radicais na eclesiologia, como no movimento anabatista por exemplo –aceptuando-se é claro o radicalismo quase “xiita” dos profetas de Münster)deveria buscar continuamente por uma “Reforma” (revitalização, renovação,reestruturação, reavivamento, etc…) para coibir ou amenizar os efeitosinevitáveis dos “processos de institucionalização” (segundo Weber, o Max) aque todos os movimentos tanto sociais como religiosos estão sujeitos.

Em minha leitura, essa ideia “semper reformanda est” é interessante, válida e

até necessária para a “Igreja” ainda hoje. Ela já está presente na Bíblia desde afundação do mundo, mais especificamente pode ser vista em Gênesis 3:15,culminou de uma forma “Divina” na cruz do Calvário, e foi levada adiante àsociedade do mundo romano antigo a partir do Capítulo 2 de Atos dosApóstolos, por um bando de galileus inconsequentes que abraçaram a ideia deum mundo melhor (redimido) movido pelo poder do amor e do perdão de Jesus, mais do que por mecanismos institucionais e religiosos. O momentocarismático inicial desse “projeto redentor” funcionou relativamante bem edeixou-nos um modelo inspirador de como uma sociedade pode ser impactadapor um movimento religioso (basta ler o restante do livro de Atos dos Apóstolosna nossa Bíblia). Mas com o passar do tempo, e a sistemática e intencional

(maligna) “joioficação” do campo, (um dos aspectos do Reino de Deus“parabolizado” por Jesus em Mateus 13:24-30, e depois explicado em um

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ensino mais claro para os discípulos e para nós em Mateus 13:36-43) foramnecessários ajustes e reformas (a história da Igreja e da teologia cristãmostram-nos isso – a literatura é abundante, quase exaustiva), mas as portasdo inferno não prevaleceram contra a Igreja de Jesus (e em alguns casos,ainda não!).

Dentro deste prisma, pensar que a “Igreja” ou a nossa vivência daespiritualidade cristã não necessita de “Reformas” e “Ajustes”, é menospresar oensino de Jesus sobre a realidade e a essência do Reino de Deus comopassíveis de influências negativas, antagônicas e até destrutivas. O “semper reformanda est” continua válido ainda hoje para a “Igreja” em sua caminhadahistórica, especialmente na cultura pós-moderna do nosso tempo. Deveríamosaproveitar melhor essa oportunidade “pós-moderna”: crescimento da igreja e daespiritualidade, pluralismo religioso, falta de referenciais teológicos e falta demodelos de amor prático em uma sociedade cada vez mais confusa. Talvezseja por isso que de vez em quando (pela providência ou permissividade

divina) na história do movimento cristão surjam alguns “crentes missionaisexóticos” falando coisas estranhas e até “heréticas” aos ouvidos de algumas“Igrejas” e seus eventuais líderes de manutenção.

Alguns desses “crentes exóticos”, como profetas alucinados e excêntricos, sãoenviados para o exílio “emergente” pela cúria da institucionalidade eclesial.Esses “reformadores” podem representar uma ameaça ao nosso jeito de ser“Igreja” e de viver a nossa “ortodoxia” pensa a cúria. Talvez aqui assumimos(do lado errado) o axioma de Lutero nas peleias eclesiais do seu conturbadotempo: “Paz, se possível, mas a verdade, a qualquer custo!” Sem desmereceras virtudes do ex-padre Lutero e tudo o que a fé cristã (protestante e católica)deve a ele, alguns camponeses anabatistas do século XVI certamentecontabilizaram esse “qualquer custo” pela “verdade” com a própria vida e desuas famílias. Temos aqui o bom modelo de zelo pela “verdade” em detrimentoda vida humana. É oportuno admitir que nenhum líder religioso (a exceção deJesus) é perfeito e absolutamente lúcido nas decisões que toma a favor da“verdade” da “Igreja”. Por outro lado, o exercício de julgar as decisões dopassado com os olhos do presente, ajuda-nos a ver os fatos de forma maisclara, e discernir as lições que podem ser-nos úteis. Mesmo que nãopercebamos todas as tensões envolvidas na época e podermos tirarconclusões revestidas de parcialidades, termos uma hierarquia de valores é

sempre adequada. Assim optar pela vida e pela paz é um valor supracultural esuprahistórico seguro. Podemos discernir que as vezes o que entendemos ser“verdade” é ainda muito circunstancial e ambíguo e não deveria ser usadocomo instrumento de morte, dor ou sofrimento.

Há uma tendência no contexto evangélico em “deificar” formas e estruturaseclesiásticas que deveriam apenas viabilizar a missão da igreja, em detrimentode valores como a vida humana, o amor e a tolerância ao irmão diferente(talvez pensante – as vezes “chato”). Mas é da natureza da Igreja de Jesus  zelar pela unidade na diversidade para promover o Reino que de fato já veio eestá vindo. Creio que como na história do movimento cristão, é a missão da

igreja à sociedade, e não as entrelinhas das doutrinas secundárias da

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“verdade”, que promovem o bom perfume de Cristo no mundo e sinaliza oReino de Deus em nossa vida.

Outros desses “crentes exóticos” reformadores são como os “Hobbits doCondado”. Criaturas pacatas e insignificantes aos olhos humanos (talvez

clericais), mas realmente maravilhosas aos olhos do Criador. São cheias devida e com um coração puro o suficiente para pagar o preço de ir à Montanhada Perdição em Mordor e destruir o “Anel do Poder” de Sauron. Como osHobbits do Condado, é digno de nota que em toda a história do movimentocristão, muitos “movimentos de revitalização” da fé iniciam nas periferias dasestruturas eclesiásticas e não no seu centro do poder religioso. Parece que atéJ.R.R. Tolkien percebeu isso. O Frodo e o Sam que o digam! Coisas do nossoDeus que tudo sabe! Esse continua a ser o “jeitão” gracioso do Eterno paramostar quem é que manda de fato no mundo (vísivel e invisível) e quem temnas mãos as rédias da história (eclesial e universal).

Repensar a “Igreja”, sua missão e nossa vivência dos Caminhos daEspiritualidade, ajuda-nos a sintonizar melhor nosso chamado pessoal eeclesial com a Missio Dei. Ajuda-nos a errar o menos possível em nossoministério de amor à Deus e ao próximo. Ajuda-nos a revitalizar nossacaminhada histórica como Igreja de Jesus, o Corpo de Cristo visível nasociedade. A Igreja coletivamante e os crentes individualmente, são osmembros do Corpo de Cristo em continuidade histórica do ministério de Jesusna sociedade. São as mãos de Jesus que tocam o ferido. São os braços deJesus que acolhem o mendigo. É a boca de Jesus que encoraja o abatido. Sãoos olhos de Jesus que guiam o cego. E são os ouvidos de Jesus que ouvem oclamor dos aflitos e oprimidos! São as lágrimas de Jesus a chorar pela cidade epela criação. Talvez repensar a “Igreja” ajuda-nos a sermos mais humanos(como Jesus foi) para expressarmos uma espiritualidade mais genuinamentecristã no alívio do sofrimento e da desgraça humana. O livro a "Igreja" (entreaspas) tenta despertar nosso senso crítico sobre como ser igreja em missão,“ser gente e não pedra”. Ser crente de fato, mas também ser gente de carne,osso e pescoço (e cabeça), a exemplo do Deus encarnado descrito naspáginas dos Evangelhos. A plenitude da espiritualidade de Jesus foi vivida naplenitude da Sua humanidade. Alguns crentes para serem mais espirituaisquerem voar aos céus como os anjos, em vez se serem mais humanos comoJesus foi em sua busca do perdido e do ferido.

Creio que de tempos em tempos é bom, sensato, adequado e recomendável,repensar criticamente o "ser Igreja" em sua caminhada missional na história,onde Deus nos plantou e para onde nos enviou! Assim podemos,responsavelmente, reforçar ministerialmente o que fazemos bem como Igreja de Jesus em missão, repensar o que já fizemos não tão bem (mal) eimplementar o que ainda podemos fazer para sinalizar o Reino de Deus (asações ministeriais humanitárias, que promovem a vida e a dignidade do serhumano e sua redenção em Cristo). Parafraseando o missiólogo David J.Bosch: “a missão da igreja é tão coerente, ampla e profunda, quanto o são asnecessidades e as exigências da vida humana. É a idéia da “igreja inteira

levando o evangelho inteiro ao mundo inteiro”. É uma abordagem da missãoholística para a igreja, ou que costumamos chamar de Missão Integral. Aqui

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podem inferir-se perspectivas pessoais, psicológicas, espirituais, sociais,econômicas, políticas e ecológicas, que propiciam a dignidade humana e amanutenção da vida no nosso surrado e esgotado planeta. No nosso mundohoje, as pessoas vivem numa série de relações integradas. Divorciar a esferaespiritual da esfera material da vida do ser humano, é um indicativo de uma

antropologia e de uma sociologia (e de uma teologia) mal fundamentadas àmissão”.

Promover a vida e a dignidade humana e amenizar as consequências dopecado pessoal, social e sistêmico, são ações que devem estar semprepresentes na agenda missional da Igreja de Jesus . Mas tudo isto, é claro, épara a Glória de Deus. Afinal, esse é o fim último pelo qual ainda estamos aquinesse maravilhoso planeta "missionando" e participando da Missio Dei, aRedenção da Criação em Cristo!

Que Deus nos abençoe e conceda-nos sua Graça!

Boa leitura!

Janeiro 2012Professor Doutor Valmor Quintani

Instituto Bíblico PortuguêsLisboa/Portugal

Para conhecer/adquirir o livro:www.editoragrafar.com.br 

Blog do autor:www.atrilha.blogspot.com