II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO,...

7
II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de Classes e Opressões: Uma homenagem a Rosa Luxemburgo” De 9 a 12 de Outubro. GT 4 Educação e cultura. Maria Oliveira 1 TEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: um estudo a partir das configurações do Estado Moderno e os seus impactos na Educação. Resumo O presente artigo objetiva fazer uma reflexão acerca dos fundamentos do Estado moderno, dando ênfase à noção de Estado nas percepções de vários autores, como Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci. Também visa demonstrar a relação existente entre Estado, políticas públicas e educação, de modo a demonstrar as relações que se estabelecem na educação enquanto política pública e como instrumento para a produção e reprodução do capital, bem como, utilizada como ferramenta fundamental do Estado na tentativa de superação da pobreza que perpassa toda a história do processo de formação da sociedade capitalista, ou seja, da busca pela superação ou amenização, via políticas públicas, das expressões da questão social emergentes no âmbito escolar. Palavras Chaves: Teoria de Estado; Política Pública; Educação. INTRODUÇÃO Na origem do Estado moderno pensadores como Maquiavel, Hobbes, Rousseau e Locke, pautados em uma postura, realistas e em oposição à visão religiosa medieval, procuravam a racionalidade para conceituar: poder, soberania e contrato social, consentimento e obediência política, tendo em vista a coesão do Estado e a segurança dos indivíduos. Em relação aos pensadores anteriores, Tocqueville e Hegel representam um avanço no que tange às ideias de liberdade e igualdade, porém, ainda persistiam inúmeras contradições, pois apesar da difusão das ideias democráticas, nos grandes centros da Europa permaneceram sem solução questões econômicas e sociais que afetavam a crescente massa de operários: pobreza, jornada de trabalho excessiva, mão de obra mal paga a mulheres e crianças. Já as teorias de Marx e Engels caminhavam em contrapartida ao discurso liberal, reconhecendo o antagonismo de classe entre burguesia e proletariado, denunciando à posição do Estado aliado a classe dominante, e por tal motivo é um mal a ser extirpado. Gramsci apesar de seguidor da teoria marxista percebe que o Estado no sistema capitalista não se impõe apenas pela coerção e violência explícita, ele apresenta a Teoria Ampliada do Estado, sendo este envolvido pelo consenso, pela persuasão, através das instituições da sociedade civil, e por meio das quais a ideologia da classe dominante é difundida e preservada. Compreendendo o contexto em que foram se estruturando as ideias de Estado, o seu papel frente às mudanças sociais, políticas, culturais, e na própria esfera da economia à luz de pensadores como os acima citados, por intermédio das suas teorias, posicionamentos e concepções é que nota-se o surgimento de novas necessidades/demandas que requerem também novas respostas. Nesse percurso, chegando ao Estado Moderno, vemos eclodir uma série de determinantes que tornam a sociedade “palco” de conflitos provocados pela emergência das mais variadas expressões da questão social, que resultam da contradição 1 Mestranda - curso de Mestrado em Política Social do Programa de Pós Graduação em Política Social ofertado pela Universidade Federal de Mato Grosso.

Transcript of II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO,...

Page 1: II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: ... Hobbes, Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci

II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de Classes e Opressões: Uma

homenagem a Rosa Luxemburgo” De 9 a 12 de Outubro. GT 4 – Educação e cultura.

Maria Oliveira1

TEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: um estudo a partir das

configurações do Estado Moderno e os seus impactos na Educação.

Resumo O presente artigo objetiva fazer uma reflexão acerca dos fundamentos do Estado moderno,

dando ênfase à noção de Estado nas percepções de vários autores, como Maquiavel, Hobbes,

Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci. Também visa demonstrar a

relação existente entre Estado, políticas públicas e educação, de modo a demonstrar as

relações que se estabelecem na educação enquanto política pública e como instrumento para a

produção e reprodução do capital, bem como, utilizada como ferramenta fundamental do

Estado na tentativa de superação da pobreza que perpassa toda a história do processo de

formação da sociedade capitalista, ou seja, da busca pela superação ou amenização, via

políticas públicas, das expressões da questão social emergentes no âmbito escolar.

Palavras Chaves: Teoria de Estado; Política Pública; Educação.

INTRODUÇÃO Na origem do Estado moderno pensadores como Maquiavel, Hobbes, Rousseau e

Locke, pautados em uma postura, realistas e em oposição à visão religiosa medieval,

procuravam a racionalidade para conceituar: poder, soberania e contrato social, consentimento

e obediência política, tendo em vista a coesão do Estado e a segurança dos indivíduos.

Em relação aos pensadores anteriores, Tocqueville e Hegel representam um avanço no

que tange às ideias de liberdade e igualdade, porém, ainda persistiam inúmeras contradições,

pois apesar da difusão das ideias democráticas, nos grandes centros da Europa permaneceram

sem solução questões econômicas e sociais que afetavam a crescente massa de operários:

pobreza, jornada de trabalho excessiva, mão de obra mal paga a mulheres e crianças.

Já as teorias de Marx e Engels caminhavam em contrapartida ao discurso liberal,

reconhecendo o antagonismo de classe entre burguesia e proletariado, denunciando à posição

do Estado aliado a classe dominante, e por tal motivo é um mal a ser extirpado.

Gramsci apesar de seguidor da teoria marxista percebe que o Estado no sistema

capitalista não se impõe apenas pela coerção e violência explícita, ele apresenta a Teoria

Ampliada do Estado, sendo este envolvido pelo consenso, pela persuasão, através das

instituições da sociedade civil, e por meio das quais a ideologia da classe dominante é

difundida e preservada.

Compreendendo o contexto em que foram se estruturando as ideias de Estado, o seu

papel frente às mudanças sociais, políticas, culturais, e na própria esfera da economia – à luz

de pensadores como os acima citados, por intermédio das suas teorias, posicionamentos e

concepções – é que nota-se o surgimento de novas necessidades/demandas que requerem

também novas respostas. Nesse percurso, chegando ao Estado Moderno, vemos eclodir uma

série de determinantes que tornam a sociedade “palco” de conflitos provocados pela

emergência das mais variadas expressões da questão social, que resultam da contradição

1 Mestranda - curso de Mestrado em Política Social do Programa de Pós Graduação em Política Social ofertado

pela Universidade Federal de Mato Grosso.

Page 2: II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: ... Hobbes, Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci

capital versus trabalho, e assim tendo o Estado em alguns momentos enquanto regulador,

como forma de “acalmar” os momentos de crise.

Como apontado por Gramsci esse Estado também usa de instituições para fazer

difundir a ideologia da classe dominante, entre essas instituições encontra-se a escola, que

receberá forte influência da perspectiva neoliberal, considerando esta um local providencial

para a implantação de políticas públicas de cunho social, objetivando superar ou amenizar os

conflitos que repercutem nesse espaço.

1. CONFIGURAÇÃO DO ESTADO MODERNO

Conceituar o termo Estado é uma ocupação complexa, uma vez que o conceito de

Estado se modifica de acordo com o ângulo em que é considerado. Contudo neste artigo, o

Estado será apresentado como um arcabouço político organizacional que faz parte da

sociedade e ao mesmo tempo está acima dela. Assim, falar de Estado é falar de poder, isto é,

trata-se de uma estrutura organizacional e política que surge da necessidade da manutenção da

ordem no interior de uma sociedade marcada pelo antagonismo de classe. O que fica evidente

na afirmação de Engels:

O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à

sociedade de fora para dentro; tampouco é a ‘realidade da ideia

moral’, nem a ‘imagem e a realidade da razão’ como afirma Hegel. É,

antes, um produto da sociedade quando esta chega a determinado grau

de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou

numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por

antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para

que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos

colidentes não se devorem e não consumam a sociedade em uma luta

estéril, faz-se necessário um poder colocado acima da sociedade,

chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da

‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela, e

dela se distanciando cada vez mais, é o Estado. (ENGELS, 2012,

p.213).

O Estado é uma estrutura dinâmica que veio passando por modificações resultantes do

próprio movimento histórico e das demandas requisitadas em determinado contexto sócio-

histórico. Dessa maneira, podemos mencionar a existência de no mínimo cinco tipos

fundamentais de Estado: os antigos Estados orientais, o Estado Helênico, o Estado romano, o

Estado medieval e o Estado moderno. No entanto, o presente estudo se debruçará apenas na

reflexão da origem e transformações da noção de Estado moderno.

É no período de crise do feudalismo que o Estado Moderno tem a sua origem,

considerando ainda o crescimento dos centros urbanos, e o descobrimento da América. Nesse

momento histórico, o soberano era quem detinha o poder máximo dentro dos limites da nação,

assumindo assim como forma de governo a Monarquia Absolutista. Neste contexto, a obra “O

Príncipe” de Maquiavel, assume grande relevância, onde o autor através da experiência real

do seu tempo se propõe a relatar a arte de governar e manter um Estado. Sua obra inaugura o

pensamento político moderno, uma vez que procura dar respostas a uma nova situação

histórica. Maquiavel não vê a finalidade política relacionada à justiça e ao bem comum

apregoada pelos pensadores gregos, romanos e cristãos, isto é, a vida boa.

Maquiavel dessa forma compreende a política como a lógica da força, transformada

em lógica do poder e da lei. Sendo assim, recusa a imagem do bom governo representado pelo

Page 3: II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: ... Hobbes, Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci

príncipe virtuoso, portador das virtudes cristãs, das virtudes morais. O príncipe necessita ter

virtu, mas esta é propriamente política, referindo-se às qualidades do governante para tomar e

manter o poder.

A partir daqui, faremos um breve retrospecto aos conceitos de Estado em Hobbes,

Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci.

Antes dos homens viverem em Estado social, viveram em estado de natureza, no qual

viviam isoladamente. Duas foram as principais concepções do estado de natureza: a

compreensão de Hobbes e concepção de Rousseau. A passagem do estado de natureza à

sociedade civil se dá por meio de um contrato social. Segundo Hobbes no estado de natureza

cada um tem o direito natural de prover a realização das suas necessidades e garantir por meio

das próprias forças seu direito à vida.

O direito natural, que os autores geralmente chamam jus naturali, é a

liberdade que cada um possui de usar seu próprio poder, da maneira

que quiser para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua

vida. Consequentemente de fazer tudo aquilo que seu próprio

julgamento e razão lhe indiquem como mais adequados a esse fim.

(HOBBES, 2002, p. 101).

Contudo, o direito a vida, se torna vazio a partir do momento que todos os homens

estão empenhados em lutar não apenas pela manutenção de sua vida, mas também em atender

seus desejos de liberdade e propriedade. Tal fato acaba por instaurar a guerra de todos contra

todos. Assim, quando os homens fugindo do estado de guerra de todos contra todos e pelo

medo de morte violenta, firmam um pacto pelo qual cada um transferia seu poder de governar

a si próprio a um terceiro, criando artificialmente a sociedade política, representada pelo

Estado para governar a todos impondo ordem segurança e direção à vida humana. Para

Hobbes o Estado pode ser representado por um homem ou uma assembleia, contudo, seu

poder deve ser absoluto.

Já para Rousseau em estado de natureza, os homens vivem isolados pelas florestas,

sobrevivendo com o que a Natureza lhes oferece, não conhece conflitos. Esse estado termina

quando alguém cerca um terreno e diz: "É meu", surge a propriedade privada, a desigualdade

entre os homens e os conflitos, gerando a necessidade do contrato social e a criação de um

poder soberano para regular a vida de todos. Contudo, se para Hobbes o poder absoluto esta

nas mãos do soberano, para Rousseau, o soberano é o povo, entendido como vontade geral e

corpo político de cidadãos. Os homens, pelo contrato, se instituem como povo e é a este que

transferem os direitos naturais para que sejam transformados em direitos civis. Assim, os

indivíduos aceitam perder a posse de seus direitos naturais para ganhar a cidadania. Em

Rousseau podemos considerar o nascimento propriamente da concepção democrático-

burguesa.

Unamo-nos para defender os fracos da opressão, conter os ambiciosos

e assegurar a cada um a posse daquilo que lhe pertence; instituamos

regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a

conformar-se, que não abram exceção para ninguém e que,

submetendo igualmente a deveres mútuos o poderoso e o fraco,

reparem de certo modo os caprichos da fortuna. (ROUSSEAU, 1999,

p. 99-100).

Em Locke a definição do direito natural é visto como direito à vida, à liberdade e aos

bens necessários para a conservação de ambas. Esses bens são conseguidos pelo trabalho,

Page 4: II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: ... Hobbes, Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci

uma vez que, a primeira propriedade que o ser humano possui é seu próprio corpo e por

consequência, tudo o que ele alcançar com sua força de trabalho também será sua

propriedade. Para ele também o Estado existe a partir do contrato social, e tem como função

fundamental garantir o direito natural da propriedade.

Já em Tocqueville existe a certeza de que a democracia está designada a se

estabelecer. Porém, seu grande desafio era conciliar liberdade e igualdade, uma vez que temia

a excessiva concentração de poderes no Estado, o que poderia gerar uma tirania ou uma

sociedade de massa, que aniquila as diferenças individuais e que leva ao conformismo e à

“tirania da maioria”. Buscando evitar tal situação, considerava importante a criação de leis

que garantissem as liberdades fundamentas e a manutenção do exercício da cidadania.

Constata-se que durante o século XIX prevaleciam duas noções progressistas de

Estado: a noção liberal, que advoga pela correlação entre propriedade e liberdade. E a noção

democrática, que defende a liberdade pautada na igualdade, mas fundamentalmente na

igualdade jurídica. É neste contexto, que surge o pensamento de Hegel, onde o Estado é

pensado como princípio da sociedade civil e da família, ou seja, para ele não existe sociedade

civil se não existir um Estado que a edifique que a conceba e que complete suas partes. Dá

mesma maneira, não existe povo se não existir o Estado, pois é o Estado que funda o povo e

não o contrário. Portanto, em Hegel o Estado simboliza a unidade final, a síntese mais perfeita

que ultrapassa as contestações existentes entre o público e o privado e que põe em risco a

coletividade.

Marx vivenciando o apogeu da burguesia e do capitalismo constrói uma critica as teses

de Hegel, onde afirma que não é o Estado quem dá origem a sociedade civil e, muito menos é

a unidade final, segundo Marx é ao contrario, é a sociedade civil, compreendida como

conjunto das relações econômicas, que explica a gênese do Estado, seu caráter e a natureza de

suas leis. E para Marx o Estado não supera as contradições da sociedade civil, mas é o reflexo

delas, e esta aí para perpetuá-las, uma vez que a base econômica da sociedade se desenvolve a

partir da divisão do trabalho que é a maneira como a classe dominante ajusta seus interesses

comuns.

Para Engels o Estado não existiu desde sempre, pois havia sociedades que precederam

o Estado, como as tribais que se pautavam em normas sociais e morais de convivência. Então

para Engels o Estado surge a partir da divisão de classes e a luta de classes provenientes do

desenvolvimento econômico. Dessa forma para ele, o Estado nasce para moderar os conflitos

entre classes antagônicas e mantê-las dentro dos limites da ordem social. Contudo, Engels

completa que é uma classe específica que controla o aparato do Estado e usa este controle

para manter sua dominação política e econômica.

Então, para Marx e Engels o Estado é fruto da divisão da sociedade em classes e não é

um poder neutro acima dos interesses das classes. Seu enfoque está no caráter de dominação

de classe do Estado, considerando-o, exclusivamente, um mecanismo para garantir a

acumulação e reprodução do capital, e com isso, a manutenção do modo capitalista de

produção.

Já Gramsci, em sua concepção de Estado ampliado rompe com a ideia do Estado

enquanto representante exclusivo da burguesia de Marx e outros marxistas e reconhece que,

quem tem a supremacia do aparato estatal deve se preocupar com a questão da legalidade do

governo, pois, nenhum poder se mantem só na sociedade política mais também com a

sociedade civil, ou seja, sempre está presente o constante paradoxo entre força e consenso.

Assim, Gramsci apesar de seguidor da teoria marxista percebe que o Estado capitalista

não se impõe apenas pela coerção e violência explícita, mas também por consenso, por

persuasão, por meio das instituições da sociedade civil, como igreja, escola, partidos políticos,

imprensa, por meio das quais a ideologia da classe dominante é difundida e preservada.

Portanto, como já mencionado se percebe que a origem do Estado moderno e do capitalismo

Page 5: II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: ... Hobbes, Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci

dá inicio a uma série de mudanças estruturais e conjunturais na sociedade moderna, alterando

as formas de organização social, política, econômica e cultural, também gerando a

desigualdade social, e logo a ausência de direitos. Mudanças são essas que alcançam as mais

variadas esferas da vida social e de sociabilidade humana, no cerne das relações que se dão no

interior de instituições como a escola.

2. ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO NO

CONTEXTO NEOLIBERAL.

A escola vista a partir do método marxista, é um local que representa a sociedade em

sua totalidade, ou seja, a escola é um espaço onde se apresenta uma série de necessidades que

vão para além dos seus muros, o que torna evidente a importância de políticas públicas que

atendam essa população. E ao fazer uma analise da educação vista como política pública, a

partir do advento do capitalismo, o que se percebe é que a noção de educação como uma

ferramenta fundamental de modernização, e de superação da pobreza perpassa toda a história

do processo de formação da sociedade capitalista, bem como no contexto neoliberal, o que

aponta a existência de uma relação, entre educação e economia capitalista, que aparece nas

contradições e nas lutas de classes. A educação, enquanto atividade social centrada no homem

e em suas necessidades, dependente da lógica do capital, desempenha as funções de

reprodução alienada da força de trabalho e de aceitação da realidade.

Marx neste contexto percebia a educação como parte da superestrutura de controle

usada pelas classes dominantes. Desse modo, o proletariado ao aceitar as ideias passadas pela

escola pautada nos ideais burgueses cria uma falsa consciência, que o impede de perceber os

interesses de sua classe. O erro a que a ordem burguesa nos leva, segundo Marx em sua obra

A Questão Judaica (1991), é o de reconhecer emancipação política como emancipação

humana, o que permite limitar a ordem histórica aos marcos da sociedade burguesa. Marx

critica o fato de que, mesmo confirmando sua relevância, a emancipação política faz aparecer

o cidadão, sujeito de interesses e necessidades egoístas. Essa forma de emancipação descativa

os indivíduos para a procura de seus fins singulares, ou seja, que os direitos que lhe são

atribuídos são direitos negativos limitados pelo direito de outrem.

Nesse sentido, a educação para a burguesia que se firma a partir dos ideais iluministas,

é a “mola propulsora da vida social”. Sua incumbência é edificar em cada homem a

consciência do cidadão, proporcionar uma emancipação, sobretudo intelectual, libertando os

homens de preconceitos, tradições acríticas, ligadas ao Ancien Regime. Assim, escola no

início da modernidade deveria ser uma escola mais uniforme, mais rígida nas estruturas e nos

comportamentos.

Desta forma, a educação do povo era importante devido ao pauperismo do

proletariado, ainda em formação no início do século XIX, ser compreendido como um risco

de ruptura social, ou seja, o povo deve ser educado para evitar a falta de ordem social.

Todavia, no início do século XX não é o pauperismo dos trabalhadores que pode provocar

ruptura social, mas o progresso do nazifascismo, da ideologia comunista, e uma classe

operária organizada. Desta forma, pode-se dizer que o avanço do nazifascismo e do

comunismo acabou por colaborar com a conquista de direitos políticos e sociais reivindicados

pelos trabalhadores europeus.

É nesse momento histórico onde o Estado liberal que defende o ideal não

intervencionista, visando sua manutenção faz surgir o fenômeno do Welfare State. Desde o

século XX, a Inglaterra já vinha implantando medidas assistenciais, como seguro nacional de

saúde e sistema fiscal progressivo. Porém, foi a partir de 1930, principalmente pautado na

teoria de Keynes que o Estado interveio na produção e distribuição de bens. Nos Estados

Unidos, ideais semelhantes orientaram o presidente Roosevelt na elaboração do New Deal

Page 6: II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: ... Hobbes, Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci

(Novo Acordo), que introduziu o dirigismo estatal durante a depressão da década de 1930.

Embora esses procedimentos fossem semelhantes às propostas socialistas, objetivavam de

fato o fortalecimento do capitalismo e evitar o fortalecimento da ameaça comunista.

Neste momento a pobreza era compreendida como a mãe do comunismo que destruía

as liberdades e a democracia e, por tal motivo, era necessário o combate à miséria visando

melhorar o futuro dos pobres e favorecer o estabelecimento de regimes democráticos

burgueses. Na Conferência de Paris em 1962, a educação foi resignificada como educação dos

meios humanos enquanto fator de crescimento econômico e social equilibrado.

Desde então, o Banco Mundial imprime a tendência baseada na segurança e na

pobreza absoluta, prioritariamente dos países, até então, do Terceiro Mundo. Nesse sentido, O

bloco de políticas educacionais que justificam a liberação de financiamento do Banco

Mundial aponta duas tendências: inteirar os objetivos dos projetos educacionais à política de

crescimento do Banco para a comunidade internacional e imputar à educação caráter

compensatório, compreendido como forma de conforto ao estado de pobreza no Terceiro

Mundo. Fonseca sintetiza:

No início dos anos 70, a educação foi considerada, no projeto de

desenvolvimento do Banco, como fator direto de crescimento

econômico, ou seja, como meio para o provimento de técnicos para o

setor produtivo, especial no nível de 2º grau (hoje, ensino médio). Esta

diretriz explica a ênfase conferida ao ensino profissionalizante no

interior dos projetos desenvolvidos à época pelo Banco junto ao

ensino brasileiro. (FONSECA, 1996, p. 232).

As teorias de Keynesianas exerceram influência até 1970 quando passaram a ser

criticadas pela tendência neoliberal. E foi no contexto da Guerra Fria, que o modelo

econômico do pós-guerra entra em crise, com uma extensa e profunda recessão juntamente

com baixas taxas de desenvolvimento e altas taxas de inflação. É o fim do Estado de bem-

estar social em alguns países e do ideal desenvolvimentista preponderante. O mundo

capitalista dos anos 1970 mudou e nele as ideias neoliberais ganharam espaço, no contexto do

livre mercado e da globalização, onde a formulação de políticas econômicas de investimentos

e de redistribuição de renda está cada vez mais escassa.

A educação, agora no contexto da mundialização, não é mais um motor de

crescimento do Estado nacional, e sim esta relacionada ao ideal “Educar para o emprego”. E a

noção de empregabilidade é colocada separada do direito à educação, e vai proferir e dar

sentido a um conjunto de políticas públicas, que visavam a superação da crise do desemprego

dos anos 1980-90, apregoando que só existe desempregados por não estarem atualizados e

preparados para o mercado de trabalho. Nesse momento também se fez urgente dinamizar o

mercado, através do enfraquecimento dos encargos patronais, da flexibilização trabalhista,

privatizações de empresas públicas.

Porém, ao estabelecer a relação educação e trabalho na atualidade, podemos perceber

que, mesmo existindo um aumento do acesso à educação escolar ainda existe uma expansão

da taxa de desemprego. Desta forma, pode-se concluir que o crescimento do nível de

escolaridade ou qualificação não resultou em emprego, desenvolvimento econômico ou

divisão de renda, ou seja, a escola ou a educação moldada aos interesses da economia

capitalista não é propulsora de progresso e de distribuição de renda, muito menos consegue

superar por completo a “questão social” ou mesmo suas expressões, como pobreza e exclusão

social, e como consequência a efetivação real da cidadania.

Portanto, a escola pensada nos moldes do ideal burguês mantem a classe dominada,

sem alcançar sua própria consciência de classe, ou seja, permanece desorganizada e passiva,

Page 7: II Semana de Economia Política UFC-UECE “Luta de · PDF fileTEORIA DE ESTADO, POLÍTICA PÚBLICA E EDUCAÇÃO: ... Hobbes, Rousseau, Locke, Tocqueville, Hegel, Marx, Engels e Gramsci

sem perceber sua condição de exploração e de exclusão de direitos que deveriam ser

assegurados pelo Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao fazer uma análise da educação vista como política pública, a partir do advento da

modernidade, o que se pode perceber é que a educação seja no Estado moderno burguês ou

neoliberal foi usada como ferramenta para superação das desigualdades sociais, e conquista de

direitos sociais, bem como a cidadania, mais tendo como pano de fundo o controle da classe

dominada e manutenção do capitalismo. Porém, sem deixar de ressaltar que neste estudo a

Política Social é interpretada como fenômeno contraditório, pois ao mesmo tempo em que

responde positivamente aos interesses dos representantes do trabalho, proporcionando-lhes

ganhos reivindicativos na sua luta constante contra o capital, também atende positivamente

aos interesses da acumulação capitalista, preservando o potencial produtivo da mão-de-obra e,

em alguns casos, até desmobilizando a classe trabalhadora.

Portanto, a escola pensada nos moldes do ideal burguês mantem a classe dominada,

sem alcançar sua própria consciência de classe, permanecendo assim na condição de

exploração, sem que percebam, tendo os “olhos fechados” por quem os oprime, fazendo

perder a capacidade de mobilização e organização na busca pela efetivação dos direitos que

deveriam ser assegurados pelo Estado, e de garantir uma educação que vá além do capital.

REFERÊNCIAS

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade e do Estado; tradução de Leandro

Konder. 3ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

FONSECA, Marília. O financiamento do Banco Mundial à educação brasileira: vinte anos de

cooperação internacional. In: TOMMASI, WARDE, HADDAD (Orgs). O Banco Mundial e

as políticas educacionais. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 232.

HOBBES, Tomas. Leviatã – Ou Matéria, Forma e poder de um Estado Eclesiástico e Civil.

São Paulo: ed. Martin Claret, 2002.

ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social. São Paulo: Nova Cultural, 1999.