III CONGRESSO ARQ TRAS-OS-MONTES Volume 2

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    02O objectivo do presente volume o de apresentar e avaliar as experincias de conservao

    levadas a cabo nos ltimos dois anos no Vale do Ca, bem como as solues propostas pelas

    empresas de conservao de pedra que participaram neste projecto para mitigar as dinmicas

    erosivas em aco nos afloramentos com arte rupestre. Inclui pareceres de peritos internacionais

    em conservao de arte rupestre, e levanta questes sobre as vrias intervenes propostas.

    Integra ainda as concluses mais relevantes de um projecto de monitorizao ssmica do territrio

    do Parque Arqueolgico do Vale do Ca.

    a arte daconservaotcnicas e mtodosde conservao emarte rupestre

    III congressode arqueologiatrs-os-montes,alto douroe beira interior

    actas das sesses

    Vila Nova de Foz Ca, 18 de Maio de 2006

    a arte da conservaotcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre

    aartedaconservaotcnicasemtodosdeconservaoemarterupestre

    entidades organizadoras do congresso:

    entidades financiadoras da edio:

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 1

    02a arte daconservaotcnicas e mtodosde conservao emarte rupestre

    III congressode arqueologiatrs-os-montes,alto douroe beira interior

    actas das sesses

    Vila Nova de Foz Ca, 18 de Maio de 2006

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas2

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    ndice04

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    prefcio

    Emlio Antnio Pessoa Mesquita

    introduo

    Antnio Pedro Batarda Fernandes

    acta 1

    Monitorizao ssmica do territrio do Parque Arqueolgico do Vale do Ca

    Idalina Veludo, Lus Matias e Paula Teves Costa

    acta 2

    Conservao das rochas com gravuras do Vale do Ca: interveno piloto,

    ncleo da canada do inferno

    Lus Machado

    acta 3

    Estudo prvio de conservao das rochas gravadas no ncleo de arte

    rupestre da Penascosa - Parque arqueolgico do Vale do Ca (PAVC)

    Ftima de Llera, Marco Marques, Madalena Rodrigues e Carlos Catita

    acta 4

    Projecto de experimentao prvia para a conservao de uma rocha

    gravada e de uma rocha-tipo, do ncleo da Ribeira de Pisco, no Pareque

    Arqueolgico do Vale do CaMarta Raposo e Nuno Proena

    acta 5

    Limites estticos e ticos na interveno de conservao de superfces de

    arte rupestre do Vale do Ca

    Antnio Pedro Batarda Fernandes

    acta 6

    Problemas e estratgias de conservao das rochas gravadas e apreciao

    das intervenes-piloto no Parque Arqueolgico do Vale do Ca

    Delgado Rodrigues

    acta 7

    Comments on treatment proposals for rock art at Foz Ca

    Valerie Magar

    acta 8

    Propuestas de conservacin directa en Foz Ca

    Fernando Carrera Ramirez

    acta 9Prservacion de lArt Rupestre dans la Vall du Ca (Portugal): Rapport

    dune visite de terrain dans trois sites exprimentaux (15 - 19 Mai 2006)

    Franois Soleilhavoup

    Apresentao biogrfca dos participantes neste volume

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas4

    prefcioEmlio Antnio Pessoa Mesquita

    (Presidente da Cmara Municipal)

    Antes de mais quero aqui referir que muito me apraz o facto de a Arqueologia ter no nosso

    Pas, no decurso dos ltimos anos, sado de um quase casulo, s acessvel a alguns eruditos,

    e conquistado um grande nmero de pessoas, seja entre acadmicos e populao escolar,seja entre os cidados em geral. Ao mesmo tempo alcanou um papel relevante (que no

    tinha) no mbito das polticas actuais - comeando a ser assumida como factor no apenas

    cultural, mas como elemento importante do prprio desenvolvimento scio-econmico.

    Mais me orgulha constatar que essa importncia se alcanou em grande medida devido ao

    movimento que se gerou volta da descoberta das Gravuras do Ca. Honra seja feita aos

    nossos arquelogos, que tenho para mim como dos melhores, e honra a todos os cidados

    que participaram de um lado e do outro na polmica que foi determinante para colocar

    no lugar merecido a importncia do patrimnio arqueolgico e da memria colectiva que

    ele encerra. Agora h que olhar para esse patrimnio com a noo clara de que to grande

    riqueza (no s no Vale do Ca, naturalmente) tem de produzir frutos e no servir apenas de

    deleite cientco - cultural.

    Admitamos que aos arquelogos cabe sobretudo o papel da investigao e de pugnar pela

    sua a preservao; e que a outras entidades cabe o papel de o valorizar e promover, como

    forma de desenvolvimento das respectivas regies. Ainda que assim fosse, o certo que s

    da comunho de esforos pode realmente sair algo de substancial, em que se estimule o

    lado da Cincia e esta se projecte de mos dadas com a Economia. No so, em especial, os

    sistemas econmicos que sobressaem em toda a investigao que se efectua mesmo sobre

    os perodos mais remotos?

    Os 4 volumes das Actas do III Congresso de Arqueologia de Trs-os-Montes, Alto Douro

    e Beira Interior, tm como subttulo Gestos Intemporais, Ver e Conservar, Guerreiros

    e Colonizadores e Ambientes e Musealizao. Falta um Volume V, que gostaramos quesasse do prximo Congresso: Arquelogia, Turismo e Desenvolvimento Sustentado ca o

    desao!

    No entretanto, deixo aqui o meu grande reconhecimento e o meu obrigado a todos quantos

    tm contribuido de forma to determinante para a valorizao do nosso patrimnio, ao mesmo

    tempo que, de forma to generosa, tm partilhado connosco o seu saber. A construo do

    Museu do Ca , no imediato, o melhor prmio para o esforo de todos.

    Obrigado tambm queles que trabalham ou trabalharam para que o mesmo seja, muito em

    breve, uma realidade. E um especial agradecimento Sra Dra Isabel Pires de Lima, ex-Ministra

    da Cultura, que se empenhou neste projecto talvez mais do que em nenhum outro.

    Obrigado aos srs congressistas e aos organizadores do Congresso. E, para estes, ainda

    um ltimo desao, porque est na hora de um novo salto: - Para quando um Congresso

    Internacional de Arqueologia nesta Regio?

    Vila Nova de Foz Ca, Janeiro 2008

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    introduoAs experincias

    de conservao da arte

    rupestre do Vale do Ca

    e a sua avaliao

    Antnio Pedro Batarda Fernandes

    (Arquelogo, Coordenador do Programa de

    Conservao do Parque Arqueolgico do

    Vale do Ca)

    Os trabalhos preparatrios de conservao da arte rupestre do Vale do Ca

    O objectivo do presente volume o de apresentar e avaliar as experincias de conservao

    levadas a cabo nos ltimos dois anos no Vale do Ca em Rochas-Tipo1 bem como assolues propostas pelas empresas de conservao de pedra que participaram neste projecto

    para mitigar as dinmicas erosivas em aco nos aoramentos com arte rupestre. Nesta

    introduo geral ao volume iremos apresentar sumariamente os problemas de conservao

    que determinaram decisivamente as intervenes piloto de conservao realizadas bem

    como um esquema sucinto das propostas das empresas de conservao. Este volume no

    seu todo compreende os textos da responsabilidade das trs empresas convidadas que

    explanam o trabalho de anlise e experimentao por elas realizados e os pareceres de 4

    peritos internacionais em conservao de arte rupestre complementados ainda com a anlise

    do signatrio s questes ticas e estticas que as intervenes propostas possam suscitar.

    Paralelamente, julgou-se oportuna a incluso neste volume dum texto com as concluses

    mais relevantes de um projecto de monitorizao ssmica do territrio do Parque Arqueolgico

    do Vale do Ca levado a cabo pelo Centro de Geofsica da Universidade de Lisboa.

    Sendo a conservao de painis de arte rupestre ao ar livre que tm como suporte o xisto

    uma actividade com caractersticas algo nicas no mundo, as referncias bibliogrcas

    sobre o assunto no abundam e as poucas existentes apenas do conta das consequncias

    negativas, nomeadamente duma evoluo mais rpida de dinmicas erosivas previamente

    existentes bem como o surgimento de outras, que intervenes realizadas de uma forma um

    pouco amadora provocaram (ver, por exemplo, Devlet e Devlet, 2002: 93). Assim, foi julgado

    como conveniente, aps sugesto de Delgado Rodrigues - gelogo do Laboratrio Nacional

    de Engenharia Civil (LNEC), consultor do Programa de Conservao do Parque Arqueolgico

    do Vale do Ca (PCPAVC) em questes de conservao, e um dos peritos cujo parecerpodemos encontrar tambm neste volume , encetar uma srie de trabalhos preparatrios de

    conservao.

    Rera-se que foram convidadas trs empresas portuguesas de conservao de pedra

    Compsito, Nova Conservao e In Situ a participar nestes trabalhos de modo a

    carem disponveis anlises variegadas e complementares s temticas de conservao de

    aoramentos de xisto no seu ambiente natural. A cada uma destas trs empresas foi atribudo

    um dos trs Ncleos de Arte Rupestre abertos ao pblico, tendo estas posteriormente

    escolhido quer as rochas de arte rupestre, quer as Rochas-Tipo, sobre as quais incidiriam

    os seus trabalhos de anlise, por um lado, e experimentao, por outro. De referir ainda que

    nesta primeira fase dum projecto para o estabelecimento de metodologias de interveno,

    o PCPAVC deu total liberdade aos participantes de escolherem as abordagens, tcnicas e

    materiais segundo as quais norteariam os seus trabalhos, sem contudo deixar de denir como

    objectivos a anlise das dinmicas erosivas presentes no aoramento gravado escolhido e a

    experimentao prvia na Rocha-Tipo respectiva escolhida em funo das suas semelhanas,

    em termos erosivos, com a rocha de arte seleccionada. Os trabalhos de ensaio nas Rochas-

    -Tipo seleccionadas decorreram durante o ano de 2004.

    Posteriormente, em Maio de 2006, realizou-se em Vila Nova de Foz Ca, integrada no

    III Congresso de Arqueologia de Trs-os-Montes, Alto Douro e Beira Interior, e por ns

    coordenada, a Sesso A arte da conservao (Tcnicas e mtodos de conservao em arte

    rupestre), onde foram apresentadas as comunicaes que deram origem aos textos aqui

    apresentados. Contudo, se bem que a Sesso tivesse durado apenas um dia, o necessriotrabalho preparatrio decorreu nos dias precedentes. Os peritos internacionais Valerie

    Magar, do ICCROM (International Center for the Study of Preservation and Restoration of

    Cultural Property); Fernando Carrera Ramrez, da ESCRG (Escola Superior de Conservacin e

    1 Aoramentos sem gravuras mas com

    dinmicas erosivas semelhantes aos das

    rochas insculturadas.

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    Restauracin de Galicia); Franois Soleilhavoup, do GERME (Groupe dtude et de Recherche

    sur les Milieux Extrmes) e Delgado Rodrigues, do LNEC tiveram oportunidade de

    presenciarin situ as intervenes realizadas apresentadas pelos responsveis das empresasde conservao, podendo assim desenvolver uma opinio mais fundamentada. Includas

    na Sesso, e aps a apresentao do trabalho realizado pelas empresas, as comunicaes

    preparadas por estes peritos constituram um parecer instrumental para o prosseguimento do

    PCPAVC. Pensamos que a singularidade do trabalho realizado pelas empresas juntamente

    com os pareceres avisados emitidos pelos peritos justicam por si s a publicao deste

    volume, que pretende ser uma contribuio precursora para a denio das estratgias de

    interveno na conservao de arte rupestre ao ar livre.

    Ao longo desta introduo procuraremos fornecer uma ilustrao sucinta dos problemas

    de conservao mais determinantes da arte rupestre do Ca. Lanaremos ainda algumas

    pistas para a avaliao destes trabalhos, relacionadas com questes de autenticidade e

    integridade do objecto de interveno conservativa, os aoramentos de arte rupestre, que

    desenvolveremos num outro texto presente neste volume.

    Problemas determinantes de conservao dos suportes da arte rupestre do Vale do Ca

    Como j em outras ocasies (ver Fernandes, 2003; Fernandes, 2004 e Fernandes, 2005)

    analismos de uma forma exaustiva o contexto global (Geolgico, Geomorfolgico, Biolgico,

    Climtico ou Scio-Econmico) de conservao da arte do Ca, apresentando ainda o

    Programa de Conservao do Parque Arqueolgico do Vale do Ca, iremos cingir esta breve

    explanao aos problemas de ordem mecnica que afectam a estabilidade dos painis de

    arte rupestre e que determinaram as prioridades estabelecidas para os testes de aces de

    conservao realizados em trs Rochas-Tipo do Vale do Ca.Os aoramentos gravados do Vale do Ca situam-se nas encostas ngremes que ladeiam

    o curso do rio Ca ou dos seus tributrios. Alis, foi o prprio processo de encaixe do rio

    e seus auentes que desencadeou a exposio dos painis suportes de motivos de arte

    rupestre (Fernandes, 2004: 11). A maioria dos aoramentos gravados situa-se no sop destas

    encostas, embora painis existam que se localizam a meia encosta e mesmo no topo destas

    vertentes. Sendo que os sops das encostas que se precipitam sobre o Ca se localizam

    a cotas entre os 100 e 150 metros, Baptista e Garcia Dez (2002: 198), num artigo sobre a

    organizao simblica da arte rupestre do Vale do Ca, haviam j notado, de acordo com

    os dados disponveis na altura e ainda no desmentidos, que a maioria dos aoramentos

    inscritos e stios de arte rupestre se situam entre estas duas cotas. De notar ainda que, sendo

    o Ca um rio geologicamente jovem, o perl das suas encostas naturalmente em V sendo

    a inclinao dessas vertentes bastante acentuada, atingindo nalguns casos os 25% de

    desnivelamento (ibidem: 190) (ver Fig. 1).

    Assim, consequncia do posicionamento topogrco acima descrito, a instabilidade das

    vertentes o problema fundamental de conservao dos aoramentos de arte rupestre do

    Ca. Como motor desta instabilidade temos as dinmicas de carcter coluvional: a fora da

    gravidade impele encosta abaixo sedimentos e fragmentos de maiores ou menores dimenses

    fraccionados dos aoramentos situados a cotas mais elevadas por aco da sismicidade ou

    da pluviosidade. Por outro lado, os prprios aoramentos (gravados ou no), localizados na

    base das vertentes, constituem-se como um calo impeditivo da estabilizao das encostas.

    S o inexorvel mas moroso processo de desmantelamento destes aoramentos poderproporcionar um maior nivelamento e portanto estabilidade s encostas (Rodrigues, 1999: 1).

    Toda esta aco coluvional, agravada pela pluviosidade, provoca grande instabilidade nas

    vertentes e nos prprios blocos gravados. Grande parte de todo o catlogo identicado

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    de tipos de eroso em aco nos aoramentos (ver Rodrigues, 1999) tem como origem

    a instabilidade das vertentes. A eroso actua desde escalas macro-locais i.e. toda a

    encosta a escalas micro-locais reas restritas dos painis insculturados e originandoou contribuindo para acelerar a evoluo de fenmenos erosivos como o toppling ou a

    fracturao (ver Fernandes, 2004: 12-17). Apesar da regio possuir um regime pluviomtrico

    bastante moderado (ver Fernandes, 2005: 161), as guas pluviais e a sua percolao

    contribuem tambm para enfraquecer os aoramentos, ao agravarem o ritmo de eroso

    provocado por fracturas preexistentes. A localizao de aoramentos em leito de cheia ainda

    outro factor que contribui para a instabilidade de alguns painis de arte rupestre (ver Fig. 2).

    Em suma, foi esta dinmica de eroso mecnica dos aoramentos de arte rupestre do Ca

    que as experincias de conservao realizadas nos ltimos dois anos tentaram enfrentar,

    propondo e testando solues passveis de mitigar a sua aco e evoluo. Outras questes

    de conservao de origem biolgica (como a colonizao liqunica) ou mesmo geolgica

    (conservao da pelcula siliciosa que cobre os painis ver Fernandes, 2004: 16-17) no

    foram objecto directo de interveno nas experincias efectuadas. Isto porque, se por

    um lado, se agura a estabilidade mecnica das vertentes como o maior problema de

    conservao da arte do Ca, a verdade que algumas das solues ensaiadas nos testes

    contribuem tambm colateralmente para a resoluo de alguns problemas de ordem biolgica

    (como o crescimento de plantas inferiores e superiores enraizadas nos sedimentos que

    preenchem caixas de fractura) e mesmo geolgica (com o estabelecimento de canais de

    escorrimento das guas pluviais que evitem a percolao de macios e painis gravados).

    A evoluo das dinmicas erosivas que afectam os aoramentos gravados do Vale do Ca

    pertence a uma escala de tempo dicilmente mensurvel no tempo humano. Por outro

    lado, o xisto presente na regio e onde a grande maioria dos motivos rupestres foi inscrita,possui caractersticas de notvel resistncia e durabilidade (Ribeiro, 2001: 54), como se pode

    comprovar na Figura 3. No entanto, noutros casos os processos erodentes manifestam-se de

    forma lenta mas inexorvel, como ilustrado na Figura 4.

    As propostas das empresas

    Ser talvez til comear por indicar os dados referentes a cada empresa. Assim, pela Nova

    Conservao temos como tcnicos responsveis Nuno Proena e Paula Coghi tendo sido

    seleccionadas no Ncleo de Arte Rupestre da Ribeira de Piscos a Rocha 1 como painel a

    analisar e um aoramento situado imediatamente por detrs e a poucos metros da Rocha

    1 como Rocha-Tipo (Nova Conservao, 2004). J no caso da Compsito, Lus Machado

    foi o tcnico responsvel pela anlise Rocha 1 do Ncleo de Arte Rupestre da Canada do

    Inferno e pelos testes efectuados na Rocha-Tipo situada em frente do cais uvial instalado

    neste Ncleo (Compsito, 2004). Pela empresa In Situ o tcnico responsvel foi Ftima de

    Llera tendo os trabalhos de anlise sido realizados na Rocha 5 do Ncleo de Arte Rupestre da

    Penascosa. Como Rocha-Tipo da Penascosa foi escolhido um aoramento situado junto ao

    parque de estacionamento deste Ncleo (In Situ, 2005).

    Em virtude da carta branca dada s empresas participantes, estas apresentaram abordagens

    prprias e variegadas. De qualquer modo, a Nova Conservao e a Compsito tiveram

    perspectivas algo semelhantes centrando os seus esforos na proposio e experimentao

    de materiais e tcnicas de conservao. Todos os materiais experimentados tero a sua

    evoluo natural dentro do contexto em que foram inseridos devendo a monitorizaodessa evoluo nas Rochas-Tipo sujeitas a teste ser o mais alargada possvel no tempo,

    de modo a conhecermos exactamente o que esperar de cada material testado. J a In Situ,

    embora tambm experimentando materiais, centrou mais a sua proposta na compreenso

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    de tudo o que est a montante de uma interveno de conservao; ou seja, na anlise

    das causas e efeitos das dinmicas erosivas em aco. Assim, esta empresa efectuou

    estudos de estabilidade, trabalhos preparatrios de criao dum sistema de monitorizaotopogrca dos aoramentos e das vertentes onde estes se encontram, bem como uma

    caracterizao desenvolvida de factores ssmicos, geomorfolgicos ou climticos da regio.

    Uma das concluses mais interessantes em relao rocha estudada, a n 5 da Penascosa,

    a da situao estvel da vertente, considerando uma percolao pouco signicativa das

    diaclases ditada pelo regime pluviomtrico brando regional, e, com excepo de uma,

    de todas as diaclases que esta rocha apresenta. E dizemos interessante porque partida

    se considerou (ns prprios e a equipa de trabalho da In Situ), empiricamente, que este

    aoramento se encontrava instvel. Tal concluso traduz a necessidade de se desenvolverem

    estudos aprofundados sobre a estabilidade das vertentes e das diaclases, porque, permitiro

    estabelecer graus de urgncia de interveno.

    O resultado destes trabalhos prvios, que globalmente reputamos como muito relevantes,

    e devido liberdade de abordagens e execuo pretendidas, apresenta-nos alguma

    diversidade de anlises e propostas que, no seu todo, contribui claramente para a denio e

    implementao duma metodologia correcta de interveno nos aoramentos de arte rupestre.

    Apesar disto, uma das pechas que se pode apontar a estes testes a certa semelhana dos

    materiais testados nas Rochas-Tipo, nomeadamente a utilizao recorrente de argamassas

    base de cal hidrulica, o que resulta do campo de actuao tradicional das trs empresas

    seleccionadas. Como estas so empresas de conservao de pedra especializadas em

    intervenes de conservao de fachadas, ou paramentos de monumentos histricos, tal

    facto determinou uma abordagem algo semelhante nos materiais utilizados nos aoramentos

    teste. Logo, o espectro de aplicao de materiais no foi, infelizmente, to alargado comopoderia ser.

    Outra questo, tambm referida nos relatrios das empresas, reside na reversibilidade das

    intervenes. Se bem que estes relatrios faam meno ao facto dos materiais e tcnicas

    utilizados serem reversveis, a verdade que cremos, como a edio coordenada por Oddy e

    Carroll (1999) evidencia, que nenhuma interveno de conservao 100% reversvel. Estes

    autores sugerem mesmo que a reversibilidade em conservao ou restaurao do patrimnio

    , de um modo geral, um mito apetecvel. Mesmo que os materiais utilizados possam ser

    retirados de uma forma que no deixem nenhuns vestgios, a verdade que uma interveno

    de conservao muda de facto o objecto intervencionado. Tal como no se pode pr o tempo

    a andar para trs, a aco de reverso no faz retroceder o objecto ao estado em que ele

    subsistia antes da primeira interveno, transformando-o sim numa outra coisa, j somatrio

    das aces de interveno e de reverso. Logo parece-nos importante, que a partir do

    momento em que se decidir avanar com uma aco se tenha conscincia que de facto se vai

    alterar ()para sempre() o objecto de arte rupestre e que no existem aces de reverso que

    possam inverter totalmente esse resultado.

    Os aoramentos de arte rupestre do Ca so um objecto de arte no sentido que contm

    em si motivos inscritos como de valor artstico universal que tem vindo a existir h j vrios

    milnios num dado espao, sujeitos, no entanto, s aces erosivas naturais, apresentando

    assim um estado de conservao contingente. Um dos objectivos de todo este projecto

    era o de analisar formas de conciliar as questes ticas e estticas com a mitigao das

    dinmicas erosivas em aco nos aoramentos de arte rupestre, mormente nos maisdegradados. Intervir, mesmo que actuando com a losoa de interveno minimal que norteou

    a abordagem das empresas contratadas, implicar sempre modicar o estado actual desse

    objecto de arte, o que nos coloca perante o desao de conciliar intervenes futuras com a

    preservao da autenticidade e integridade dos objectos de arte rupestre.

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    g. 01 O encaixe do rio do Ca na zona

    da sua foz. De notar a inclinao das

    vertentes escavadas precisamente pelo

    encaixe do rio. Nesta zona constata-se

    a inuncia da albufeira da barragem do

    Pocinho, construda em 1984 no rio Douro

    e a montante da foz do Ca. Assim, o nvel

    natural das guas do Ca seria cerca de 10

    - 12 metros mais baixo. O nvel presente

    do Ca impede a visualizao de zonas

    ribeirinhas muito declivosas e que nesta

    rea apresentam razovel nmero de painis

    de arte rupestre agora submersos. Nesta

    rea, existem tambm zonas no submersas

    e mesmo situadas a meia encosta com

    aoramentos gravados de cronologia

    Paleoltica e da Idade do Ferro.

    (Foto: Antnio Pedro Batarda Fernandes)

    g. 02 Estado do aoramento que contem

    a rocha 1 da Ribeira de Piscos logo aps as

    cheias invernais de 2004/2005.

    (Foto: Antnio Pedro Batarda Fernandes)

    fguras

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    g. 03 Pormenor da rocha 5 B da

    Penascosa. A gura caprnea de cronologia

    Paleoltica, gravada pela tcnica de abraso,

    est representada em dois planos diferentes,

    devido a fracturao do suporte ptreo.

    Como se observa facilmente, esta fractura

    anterior ao episdio de gravao, sendo

    que eventualmente motivos mais antigos

    gravados por picotagem podero ter sido

    interrompidos pela fracturao evidente.

    Esta gura, se por um lado demonstra, tal

    como a seguinte, a eroso que os suportes

    da arte do Ca sofrem, por outro sublinhar

    a grande durabilidade dos painis, pois

    o motivo caprneo sobrevive, apesar da

    fracturao intensa em aco nesta rocha,

    desde o Paleoltico Superior. (Foto: Baptista,

    1999: 104).

    g. 04 Esta gura caprnea assinala de

    modo exemplar a perda de partes de

    motivos (bem como sugere a ocorrncia da

    desaparecimento de motivos completos) que

    a eroso do suporte xistoso pode provocar.

    Assinale-se, no entanto, que este motivo

    sobreviver desde o perodo Solutrense

    (cerca de 18 000 anos BP) de acordo

    com a proposta de atribuio cronolgica

    (pontuada com um ponto de interrogao,

    certo) de Antnio Martinho Baptista. (1999:

    80) De qualquer modo, de realar, que

    apesar da intensa presso a que sujeito,

    este motivo perdura ainda de forma quase

    completa. Esta gura e a anterior sublinham

    tambm o estudo caso a caso a que se

    deve proceder, quer aquando da anlise

    do estado de conservao dos painis,

    quer na implementao de intervenes de

    conservao. (Foto: Baptista, 1999: 80).

  • 8/14/2019 III CONGRESSO ARQ TRAS-OS-MONTES Volume 2

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 11

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    13/145

    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas12

    acta 1Monitorizao

    Ssmica doTerritrio do Parque

    Arqueolgico doVale do Ca (PAVC)

    Idalina Veludo

    (Centro de Geofsica da Universidade de

    Lisboa; [email protected])

    Luis Matias

    (Centro de Geofsica da Universidade de

    Lisboa, DF-Faculdade de Cincias da

    Universidade de Lisboa; [email protected] )

    Paula Teves Costa

    (Centro de Geofsica da Universidade de

    Lisboa, DF-Faculdade de Cincias da

    Universidade de Lisboa; [email protected])

    Introduo

    O complexo Paleoltico de Arte Rupestre do Vale do Ca apresenta uma distribuio de

    gravuras por diversos locais ao longo de quase 20 Km. A exposio preferencial das gravurase a associao dos animais gravados com o rio sugere uma venerao do curso de gua

    levando-nos a crer que estamos perante um santurio ao ar livre. A importncia do Ca

    excede o mbito nacional: poucos stios de arte rupestre do Paleoltico Superior ao ar livre

    foram identicados at hoje no mundo inteiro, um dos quais tambm em Portugal Mazouco,

    a cerca de 25 Km. do Vale do Ca. (Zilho, 1999)

    Este conjunto artstico limitado, a Oeste, por um grande e complexo acidente tectnico

    com uma extenso de mais de 200 Kms., a Falha Manteigas Vilaria Bragana (M-V-B) de

    orientao SSW-NNE. A avaliar pela deformao de sedimentos relativamente recentes e pela

    ocorrncia de episdios ssmicos, quer instrumentais quer histricos, o movimento dos blocos

    desta Falha continua at aos nossos dias. (Cabral, 1985; Cabral, 1995).

    Junto do Ncleo de Arte Rupestre da Canada do Inferno encontram-se as Pedreiras do Poio.

    A distncia entre estes dois locais aproximadamente de 500 m. Como tal, o Ncleo uma

    zona sensvel s vibraes causadas pelas exploses que se vericam nas Pedreiras.

    Com o objectivo de monitorizar a actividade ssmica no territrio do PAVC em geral, e na

    Canada do Inferno em particular, o Centro de Geofsica da Universidade de Lisboa instalou

    neste local, em parceria com o Parque, um sistema de aquisio ssmica constitudo por i)

    uma estao ssmica (modelo HATHOR-LEAS), ii) um sensor de 2 hz e trs componentes

    (Vertical, Este-Oeste e Norte-Sul) e iii) 2 baterias e 1 painel solar para fornecimento autnomo

    de energia. Este sistema registou dados em modo contnuo durante um perodo de 2 anos.

    A monitorizao ssmica em modo contnuo implica a gesto duma grande quantidade de

    informao. A deteco de eventos ssmicos num registo em modo contnuo feita quer

    visualizando todo o registo, quer com recurso a programas automticos de deteco que

    dependem de parmetros que devem ser ajustados consoante as caractersticas do sinal que

    se pretende detectar. Recorrendo componente de informao vertical do sinal contnuo

    possvel criar espectogramas dirios que rapidamente identicam e localizam no tempo os

    sinais ssmicos fornecendo ainda dados sobre a sua amplitude, frequncia e durao. Assim,

    torna-se possvel extrair rpida e facilmente apenas os sinais pertinentes. Em consequncia,

    e utilizando o software SEISAN 8.0 (Havskov e Ottemoller, 2003), possvel seleccionar

    e visualizar apenas os intervalos de tempo que contm os sinais a analisar que sero

    automaticamente registados nas bases de dados. Este foi o mtodo utilizado na monitorizao

    ssmica do territrio do PAVC.

    Detectaram-se 6 grupos principais de sinais como ilustrado na Fig. 4:

    1. Sinal curto e impulsivo;

    2. Sinal longo, imerso e de baixa amplitude;

    3a). Anomalias verticais;

    4. Sismo regional (Al-Hoceima. Marrocos, 24/02/2004);

    5. Rplicas do sismo de Al-Hoceima;6. Sismo local (epicentro a NE de Vila Flor e sentido em Foz Ca)

    Anlise

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 13

    1. Sinais breves e impulsivos

    De todos os sinais detectados, estes so aqueles que apresentam a maior amplitude sendo

    a sua durao de apenas 1 a 2 segundos. Tm caractersticas impulsivas, compressivas eso praticamente coincidentes com o exacto momento em que se verica uma exploso nas

    Pedreiras. Uma exploso provoca um primeiro movimento que compressivo em todas as

    direces o que contrasta com um evento natural em que os primeiros movimentos so de

    diferente amplitude e polaridade dependendo da direco fonte - observadores.

    Estes sinais so pois os melhores candidatos do registo duma exploso. Esta suposio

    corroborada se examinarmos a sua distribuio diria e semanal.

    Do mesmo modo, a distribuio epicentral destes sinais praticamente coincide com a rea de

    laborao das Pedreiras.

    Para avaliar a inuncia das vibraes causadas pelas exploses nas Pedreiras recorreu-se

    Norma NP-2074 1997 da Comisso Tcnica Portuguesa de Normalizao Acstica. Esta

    Norma foi criada com o objectivo de avaliar as vibraes provocadas por exploses, no em

    estruturas naturais (para as quais no existe referncia), mas em edifcios (monumentos, de

    habitao, indstria ou servios) considerando ainda a natureza do solo e a frequncia dos

    fenmenos vibratrios. O valor referncia (2,5 mm/s) utilizado na anlise dos dados ssmicos

    recolhidos corresponde ao limite mnimo de todos os valores mencionados pela Norma.

    Este valor corresponde ao limite mximo de velocidade de vibrao no solo permitida para

    monumentos histricos em solos brandos. Ainda de acordo com esta Norma, vericando-

    se mais do que trs exploses dirias, um factor de 0,70 ter de ser aplicado e o este valor

    mximo decresce 30% para 1,75 mm/s.

    tabela 1 Valores dirios e mensais mximos

    de velocidade da vibrao vericados

    na estao de Foz Ca para os sinais

    impulsivos, curtos.

    Como se verica, os valores nunca excedem os 1,75 mm/s, no sendo considerados, com

    reserva, prejudiciais para a rocha suporte das gravuras rupestres.

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas14

    2. Sinais longos e emersos.

    Estes sinais apresentam-se como emersos, duram 20 a 30 segundos e tm baixos valores

    de amplitude e velocidade de vibrao. Apresentam uma distribuio diria e semanalsemelhante dos sinais impulsivos e tm origem provvel no arremesso dos materiais no

    utilizveis das Pedreiras pelas encostas que rodeiam quer estas exploraes quer o Ncleo da

    Arte Rupestre da Canada do Inferno.

    tabela 2 Valores dirios e mensais mximos

    de velocidade da vibrao vericados na

    estao de Foz Ca para os sinais longos

    de baixa amplitude.

    Como se verica, os valores nunca excedem os 1,75 mm/s, no sendo considerados

    prejudiciais para a rocha suporte das gravuras rupestres.

    3.

    O registro apresenta tambm sinais considerados como anmalos. Estes sinais surgem como

    picos isolados com uma larga escala de amplitudes (de 20 at 76000 unidades de contagem)

    podendo ser separados em 3 diferentes tipos de acordo com a sua periodicidade:

    Anomalia 1 anomalia que aparece aleatoriamente na componente vertical com valores

    variveis de amplitude e picos de durao 2 3 segundos. Sendo aleatria, a sua causa no

    foi ainda identicada.

    Anomalia 2 anomalia diria que surge aproximadamente s 07:00 (UTC) e em todas as

    componentes (vertical, N-S e E-W). Possui um baixo valor de amplitude e uma durao de

    cerca de 2 horas.A suposio de que esta anomalia poder estar relacionada com o fornecimento de energia

    estao, nomeadamente com o nascer do sol, parece razovel se analisarmos o prximo

    grco.

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 15

    Anomalia 3 anomalia diria constituda por um nico par de picos com cerca de 2 minutos

    de diferena entre si, simultneos em todas as trs componentes e presumivelmente tambm

    relacionados com o fornecimento de energia estao.

    Estas anomalias no alteram signicativamente a qualidade da informao recolhida pela

    estao ssmica.

    4. Sismicidade

    Sempre que ocorria um evento ssmico, dados provenientes das estaes ssmicas do

    Instituto de Meteorologia (IM)1 e/ou do Instituto Geogrco Nacional (IGN, Espanha)2 foram

    integrados com aqueles fornecidos pela estao de Foz Ca com o objectivo de melhorar a

    qualidade e preciso do clculo dos hipocentros.

    De forma a caracterizar a actividade ssmica na regio do Baixo Ca, foi necessrio delimitar

    uma rea considerada como estando sob inuncia do sistema de falhas M-V-B, representada

    pelo polgono negro na Figura 14. Complementarmente foram utilizados os catlogos ssmicos

    do International Seismological Center (ISC)3 e do IGN para o perodo de 1964 a 2005, uma

    vez que o perodo monitorizado demasiado curto em termos geolgicos apenas tendo sido

    detectados 44 eventos. A anlise dos catlogos elevou para 194 o nmero de eventos usados

    na caracterizao ssmica. Os respectivos epicentros encontram-se distribudos de uma forma

    difusa, o que torna a sua associao com uma falha especca nem sempre inquestionvel.

    Os dados foram ento ltrados, usando o algoritmo Gardner&Knopoff (1974), de modo a porde lado as rplicas e sismos precursores. Este algoritmo associa, a cada valor de magnitude,

    um intervalo no espao e no tempo, que dene eventos como rplicas ou sismos precursores

    consoante ocorrem antes ou depois do abalo principal (de maior magnitude).

    Deste modo foi possvel identicar 38 precursores, 43 rplicas e 113 eventos principais. A

    partir destes eventos principais detectados foi possvel calcular os parmetros Gutenberg

    Richter. Assim, o nmero de abalos ssmicos por perodo de tempo de magnitude igual ou

    superior a M, N(M), pode ser calculado considerando os 113 eventos principais e os valores de

    magnitude (ML) entre 1.3 e 2.9 (magnitude mxima presente no catlogos). O valor resultante,

    o parmetro b (proporo relativa entre eventos de grande e pequena magnitude no universo

    considerado), para o Vale do Ca de 1.03, caracterstico de um ambiente continental, onde a

    capacidade de acumulao de stress ssmico no elevada. Este valor est em concordncia

    com os clculos realizados pelo IGN (1992) para toda a Pennsula Ibrica como se pode

    depreender da anlise da Fig. 16.

    Podemos tambm olhar para a escala Mercalli de mximas intensidades para Portugal (Fig.

    17) onde, para o Vale do Ca, atribuda um valor de VI4.

    1 www.meteo.pt

    2 www.ign.es

    3 www.isc.ac.uk

    4 Forte. Difcil de aguentar. Notada por

    condutores e veculos automveis. Objectos

    suspensos balouam. Moblia parte-se.

    Chamins frgeis desmoronam. Queda

    de estuque e de pedras, tijolos, azulejos e

    cornijas soltas. Ondulao em tanques e

    lagos. Toque de sinos grandes.

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas16

    Agradecimentos

    Da monitorizao levada a cabo, conclui-se que a actividade tectnica na zona da Vilaria

    moderada (0,5 a 0,6 mm/ano) o que tambm conrmado pelos registos de sismicidade

    histrica e instrumental. Contudo, descries histricas de eventos com epicentro junto deTorre de Moncorvo (5 Km a Este da zona da Vilaria) so conhecidas para 1751 (Intensidade

    Mercalli VI VII), 1752 (IV V) e 1858 (VII). Conhecem-se tambm no registo instrumental

    eventos sucedidos perto da Vilaria, nomeadamente em 1918 (magnitude local de 5,7), 1945

    e 1949 (ambos com magnitude local de 3,6). Para todos estes eventos a profundidade focal

    desconhecida. (Moreira, 1984)

    Os sinais impulsivos curtos so aqueles que apresentam uma amplitude mais elevada. Tm

    uma distribuio temporal que denota serem de origem antropognica, tendo como causa

    provvel as exploses nas Pedreiras do Poio. Os valores de velocidade de vibrao nunca

    excedem os 1,17 mm/s. Como tal considera-se, com reserva, que no fazem perigar a rocha

    de suporte das gravuras rupestres. No caso dos sinais longos de amplitude baixa, com origem

    provvel tambm nas Pedreiras (no transporte dos desperdcios de explorao), o que foi dito

    na frase anterior igualmente aplicvel.

    A regio em estudo considera-se como sismicamente activa. De facto, a instalao da estao

    ssmica na Canada do Inferno, contribuiu para aumentar o nmero de eventos ssmicos

    detectados na zona. A no existncia de Normas para avaliar a inuncia das vibraes (de

    origem natural ou humana) em monumentos como os Ncleos de Arte Rupestre do Vale do

    Ca levou-nos a utilizar a Norma NP-2074 1997 que tem como objectivo a proteco do

    edicado, no a de ambientes naturais ou superfcies rochosas como aquelas que suportam

    as gravuras. Assim, a realizao de um estudo de avaliao de risco ssmico, similar aos quese executam para barragens, depsitos de gs ou centrais nucleares, recomendado para o

    territrio do PAVC.

    Ao Prof. Dr. Joo Cabral do Departamento de Geologia da Faculdade de Cincias da

    Universidade de Lisboa, pela disponibilidade em discutir o ambiente geotectnico da regio

    do Vale do Ca.

    Ao Instituto de Meteorologia, em particular Eng. Dina Vales, pela disponibilizao dos dados

    da rede ssmica do IM.

    Concluso

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    fguras

    g. 1 Topograa, verticalmente exagerada,

    da regio do troo nal do Ca com

    indicao da localizao da estao ssmica

    instalada prximo da Falha da Vilaria.

    g. 2 Distncia entre o Ncleo da Canada do

    Inferno e as Pedreiras do Poio. Coordenadas

    UTM, ponto central: 9 W.

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    g. 3 O sistema de aquisio

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    g. 4 Espectograma virtual dirio, criado

    para exemplicar numa s imagem os 6

    tipos de sinais detectados. Eixo horizontal:

    hora. Eixo vertical: frequncia (0 aos 25 HZ).

    Escala de cinzentos: amplitude.

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    g. 5 Sismograma de um sinal curto e

    impulsivo.

    g. 6 Primeiros movimentos associados com

    exploses e eventos ssmicos naturais.

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    grcos 1a e 1b Distribuio diria e

    semanal dos sinais curtos e impulsivos,

    de 10/03 a 03/04 e de Janeiro de 2004,

    respectivamente.

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    g. 7 rea de distribuio epicentral dos

    sinais impulsivos curtos.

    g. 8 Sinal longo, emerso e de baixa

    amplitude.

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    g. 9 Anomalia 1.

    g. 10 Anomalia 2.

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    grco 2 Relao entre o nascer do sol (azul)

    e o incio da anomalia 2 (vermelho). A negro

    encontra-se indicada a curva resultante do

    ajuste polinomial da anomalia 2.

    g. 11 Anomalia 3.

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    g. 12 Rede de estaes ssmicas do IM e

    do IGN.

    g. 13 Sismicidade regional detectada

    durante o perodo bienal de monitorizao.

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    g. 14 Sismicidade local detectada.

    g. 15 Epicentros detectados pela estao

    de Foz Ca durante o perodo bienal de

    monitorizao e existentes nos catlogos do

    ISC e IGN de 2000 a 2005.

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    g.16 Parmetro b calculado pelo IGN (1992)

    g. 17 Escala Mercalli de Intensidades

    Mximas.

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas28

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 29

    acta 2Conservao das

    rochas com gravurasdo Vale do Ca:Interveno piloto,ncleo da Canada doInfernoLus Machado

    (Tcnico Superior de Conservao de Pedra

    pela Escola Superior de Conservao e

    Restauro de Lisboa [ESCR]; luisgmachado@

    netcabo.pt)

    1 Referncia propositada ao ttulo da obra

    de Baptista acima mencionada, No Tempo

    Sem Tempo.

    Introduo

    Quando, j dentro do Parque Arqueolgico do Vale do Ca (PAVC), nos vamos afastando de

    Vila Nova de Foz Ca a caminho do Ncleo de Arte Rupestre da Canada do Inferno (local ondese desenrola a nossa aco), sentimo-nos, gradualmente, ser conduzidos a um tempo que

    transcende em muito a escala humana. De facto, no nos podemos esquecer que as rochas

    e o vale j existiam antes da chegada dos caadores paleolticos que neste local deixaram a

    sua marca. E olhando para a rocha 1, primeiro painel com arte paleoltica a ser identicado

    no Vale do Ca (Baptista, 1999: 53), que comeamos a perder-nos no tempo, utuando por

    histrias com muita Histria. Perante esta rocha deixmo-nos ir, para trs, viver naquele tempo

    sem tempo1.

    Assim, voltar atrs serviu de base para a concepo de grande parte das metodologias de

    interveno e esta ideia base reecte-se na forma como foram encaradas as patologias que a

    rocha apresentava. Deste modo, num misto de geotecnia e conservao foram criadas uma

    a uma, e interligando-se, as metodologias para a interveno. Como resultado, pretende-

    se no apenas impedir que as patologias progridam e se tornem ainda mais danosas para

    a rocha, e consequentemente para as gravuras; mas tambm forar uma regresso de

    algumas, nomeadamente ao nvel do movimento de fragmentos que desnivelam as superfcies

    (toppling). Tomando como ponto de partida o primeiro trao gravado na rocha, que se deduz

    ainda efectuado com a superfcie nivelada, o nosso desejo , conscientes da ambio, fazer o

    tempo voltar atrs dezenas de milhares de anos!

    Examinando os problemas que, de uma forma geral, as rochas apresentam, no foram

    considerados quaisquer tratamentos a efectuar directamente nas superfcies onde as gravuras

    se encontram. Esta opo advm do facto de no se observarem avanos de alguma

    patologia que ponha em risco alguma perda a curto/mdio prazo. Excepo ser feita, quandose verique, presena de alguma colonizao biolgica (Figs. 1 e 2).

    Tendo em considerao a especicidade do patrimnio que temos a preservar, adianta referir

    que qualquer interveno projectada, e efectuada, onde se considera a incluso de novos

    materiais, dever estar ligada ao estudo aprofundado da interaco de materiais, assim

    como do seu envelhecimento, quer individualmente, quer no conjunto. Importa igualmente

    mencionar que toda a interveno foi executada, a ttulo exemplicativo, e para que possam

    ser estudados a longo prazo os tratamentos propostos, numa rocha que no tem gravuras.

    Esta rocha, seleccionada por ns, foi elegida por apresentar as patologias presentes na

    rocha a que se dirige a interveno. Contudo, numa tentativa de abranger mais situaes, e

    consequentemente mais rochas (nunca esquecendo que cada uma apresenta a sua prpria

    individualidade), seleccionmos uma rocha com as patologias mais evidenciadas e num

    estado de degradao muito superior ao da Rocha 1. Assim, tentmos apresentar, neste

    estudo/interveno, uma gama de solues para diversos casos, com especial realce para a

    escolha de toppling num estado muito mais avanado daquele que encontramos na Rocha 1

    da Canada do Inferno.

    Exame diagnstico

    da Rocha 1

    A regio do PAVC integra-se no Macio Hesprico, mais concretamente na Meseta

    Setentrional e faz parte da bacia hidrogrca do rio Douro (Ribeiro, 2001: 5). As rochas

    predominantes so os litos (ouxistos luzentes, dadas as caractersticas das suas superfcies

    de foliao), que se caracterizam por uma xistosidade acentuada e gro bastante no,constitudas por quartzo, sericitite, clorite e proporo varivel de argila (Costa, 1993: 160).

    Situada na margem esquerda do rio Ca, a Canada do Inferno localiza-se a cerca de 500 m a

    montante do local onde ia surgir a barragem de Foz Ca.

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas30

    A rocha tem uma morfologia que se insere num prisma triangular. A rea gravada, na superfcie

    frontal, situa-se concentrada na metade superior e contm representaes picotadas e

    liformes, com diferentes cronologias, de guras de: um caprdeo, dois auroques e doiscavalos (Zilho, 1997: 219, 264).

    Num exame exaustivo rocha pudemos observar vrias patologias. Contudo, devemos

    considerar que estas dependem, em grande parte, de uma: a movimentao de fragmentos

    (toppling). Por esta razo, focmos grande parte da nossa ateno para o referido problema.

    Ao existir uma linha de fractura que origina um fragmento, este ca sujeito a foras que,

    geralmente, o empurram e da resulta um desnvel na superfcie (uma vez que os movimentos

    se do perpendiculares a esta). Estes deslocamentos, com aco sobre os fragmentos,

    independentemente das suas dimenses, podem ser ocasionados por diversos agentes,

    de formas instantneas (alterao abrupta da sionomia do solo) e/ou mediante a aco

    de foras constantes, quase de carcter esttico, sobre as rochas, ajudadas pela contnua

    acumulao de detritos. Contudo, no nos podemos esquecer que, at que haja a completa

    fragmentao da rocha (que se considera quando existe uma linha de fractura contnua que

    separa por completo as partes envolvidas no processo), ocorrem reaces paralelas que

    tambm so causa de degradao, designadamente, a circulao/reteno de gua na rocha.

    A gua, para alm da sua aco mecnica, transportando diversos materiais como terras e

    outra sujidade, tambm interage com a rocha por aco qumica. Assim, transportados pela

    gua, tambm se encontram diversos compostos inicos (ies resultantes da degradao

    qumica da rocha2) que se vo depositando e cristalizando, de forma localizada, nas rochas.

    Este fenmeno bem visvel quando, superfcie, se observam as linhas de fractura e

    ssuras, onde se encontram depsitos esbranquiados nos rebordos dessas linhas. A perdade material outro dos fenmenos associados s patologias mencionadas. Tal deve-se, em

    grande parte, natureza da fragmentao, geralmente originando pequenos fragmentos que,

    dadas as suas dimenses e forma, no conseguem permanecer nos seus locais originais,

    sendo por isso muitas vezes arrastados por agentes naturais (vento, guas pluviais, etc.),

    ou por simples aco da fora de gravidade. Nas faltas causadas pela ausncia de material

    vo-se acumulando diversos elementos (muito base de terras e micro fragmentos da prpria

    rocha) que proporcionam condies para que surjam plantas de pequeno/mdio porte (Figs. 3,

    4 e 5).

    O conjunto de faltas condiciona substancialmente, ou altera de forma radical, o curso da

    gua no interior da rocha, o que conduz, em certos casos, a formao de considerveis

    depsitos de lamas no interior e superfcie da rocha. O decaimento biolgico, por aco de

    micro-organismos, tambm est presente. No entanto, devido dimenso das reas onde se

    verica colonizao biolgica, este problema no se faz sentir de forma grave. Deste modo, a

    proposta equacionada levou em linha de conta que, a haver interveno a este nvel, dever

    ser sempre pontual.

    Rera-se que o diagnstico aqui apresentado, de forma resumida, serve essencialmente

    para claricar, de forma concreta e simplicada, como se desenrola toda a concepo

    dos tratamentos propostos. Assim, para um melhor conhecimento da tipologia das rochas

    presentes, no se dispensa a consulta do relatrio executado pelo LNEC, sendo o responsvel

    pelo estudo o Eng. Delgado Rodrigues (Rodrigues, 1999); o relatrio sobre a colonizao

    liqunica das rochas da responsabilidade da biloga Paula Romo (Romo, 1999); e outrosdocumentos que contm estudos exaustivos da caracterizao das rochas e do meio onde se

    inserem (Fig. 6).

    2 O arrastamento de ies originados por

    hidrlise dos minerais constituintes da rocha

    , muitas vezes, o futuro cimento dos

    depsitos que se vericam sobretudo nas

    bordas das fracturas, onde h uma maiorpermanncia das guas que circulam na

    rocha.

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 31

    A aco: exemplos prticosOs trabalhos executados na Rocha-Tipo tiveram o objectivo de colocar em prtica um

    conjunto de solues tericas que foram equacionadas aps o diagnstico estar concludo e

    preenchem, pelo menos assim pensamos, o essencial deste estudo/interveno.Deste modo, a interveno iniciou-se com a limpeza geral da rocha. Nesta operao foram

    removidas terras aglomeradas em cavidades abertas da rocha, vegetao alojada nas

    superfcies e alguma vegetao circundante que pelas suas caractersticas dicultava o

    acesso dos tcnicos ao local das operaes. Para tal, recorreu-se a ferramenta manual

    (utenslios metlicos para eliminar as razes de plantas e musgos, vassouras de cerda suave,

    etc.), para desagregar toda a sujidade a remover. Por ltimo, foi efectuada a lavagem das

    superfcies onde iriam decorrer os trabalhos. A gua utilizada nesta operao foi gua

    destilada e, para que no houvesse choques trmicos, esta foi aplicada sobre a rocha aps

    ter estado sob as mesmas condies de temperatura por vrias horas (num mnimo de cinco

    horas com exposio solar similar da rocha).

    Fechamento das linhas de fractura

    Para evitar que a gua circule livremente por dentro da rocha, o que ajuda ao avano das

    patologias registadas, necessrio proceder ao fechamento de todas as linhas de fractura que

    permitam que tal acontea. Para melhor adequar os tratamentos foi feita uma distino nas

    superfcies a tratar. Assim, as superfcies frontais so aquelas onde se encontram as gravuras;

    as outras so as laterais (com os respectivos alados direito, esquerdo) e topo (Figs. 7 e 8).

    Uma das aces desenvolvidas teve como objectivo criar uma barreira para que no seja

    possvel a gua entrar livremente na rocha. Tal implicou um detalhado exame prvio de toda

    a circulao de gua na rocha, de modo a evitar que a barreira aplicada funcione de formanegativa permitindo a entrada de gua por outras faces e, consequentemente, aumentando o

    tempo de permanncia de gua na rocha (Fig. 9).

    Assim, todas as linhas de fractura onde se efectuou um tratamento tiveram sempre em

    considerao todos os pontos de entrada de gua. Neste caso, a grande preocupao

    recai no topo da rocha que, dadas as suas caractersticas, a zona que se apresenta mais

    vulnervel a este problema (Fig. 10). Foram executados, a ttulo exemplicativo, vrios

    preenchimentos com diferentes tipos de argamassa, cada um correspondendo a uma

    situao distinta. No entanto, como j foi referido, estes preenchimentos foram conjuntamente

    estudados com uma outra soluo para evitar que a gua penetrasse na rocha, dados os

    imensos desnveis e descontinuidades do seu material constituinte: a execuo, tambm

    a ttulo exemplicativo, de uma rampa para evitar a acumulao de gua (Fig. 11). Nesta

    operao foram utilizados diversos materiais para testar a sua resposta em situaes reais.

    No caso dos preenchimentos de linhas de fractura com grande afastamento (onde existem

    faltas considerveis de material), foram usadas argamassas de cal hidrulica (da Lafarge) com

    inertes minerais num trao de 1:3. Para evitar volumes excessivos de argamassa, onde se

    vericavam grandes espaos abertos, foram estes parcialmente preenchidos com pequenos

    fragmentos de pedra de tipologia idntica da rocha (no caso foram recolhidos pequenos

    fragmentos na rea circundante). O acabamento foi esponjado e ligeiramente reentrante.

    Porque consideramos ser importante que as intervenes, nesta fase, sejam facilmente

    detectadas, argamassa foi apenas acrescentada uma pequena quantidade de pigmento. Nas

    linhas mais nas foi utilizada uma argamassa base de C30 num trao de 1:4, com inertes degranulometria na (Fig. 12).

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas32

    No topo da rocha executou-se uma rampa para permitir que as guas possam escorrer, sem

    acumulaes indesejadas, sobre a rocha. Como se trata de um teste, tentmos executar

    esta rampa com mais de uma juno para que fosse possvel vericar a abilidade dasargamassas, principalmente aquelas com ligante acrlico, que no nosso caso o Paraloid B72

    (Figs. 13 e 14). Neste ponto temos que ter presente que o produto uma resina termoplstica,

    logo sujeita a alteraes fsicas por aco trmica (mais precisamente o calor). Assim, so

    de grande a importncia os dados relativos s temperaturas do meio ambiente circundante

    s rochas e, mais importante ainda, a temperatura que as rochas atingem superfcie.

    Considerando que a resina acrlica utilizada se mantm estvel at aos 70C, averiguar que a

    rocha no se sujeita a temperaturas superiores torna-se imprescindvel. Se forem detectadas

    temperaturas com valores superiores a 70C (muito improvvel), forosa uma alterao,

    querendo manter esta metodologia de interveno, da resina que serve de aglutinante dos

    inertes minerais. Contudo, a opo por uma resina acrlica a mais vivel pois a sua utilizao

    permite uma posterior remoo sem que haja danos para os suportes. Na data da execuo

    desta operao foram fornecidos dados que apontam para uma segura utilizao da referida

    resina (Fig. 15). No entanto, temos que ter presente que a execuo da rampa, na sua forma

    ideal, dever ter o mnimo de junes. Assim, aconselha-se a utilizao de elementos inteiros

    executados com a forma do local onde iro encostar. Nestes casos poder ser reforada a

    zona com pequenas barras de bra de vidro, principalmente se os elementos forem muito

    grandes (Fig. 16).

    Consolidaes

    Na rocha 1 no se considerou a hiptese de aplicar quaisquer tipos de consolidante pois

    o fechamento de alguns vazios existentes permitir, de algum modo, a estabilizao dosfragmentos adjacentes. Contudo, para ser o mais abrangente possvel no nosso estudo,

    e porque a Rocha-Tipo apresentava alguma desagregao das lminas (laminao), num

    dos fragmentos que se encontrava no alado direito, foi testado de forma experimental um

    consolidante. O produto seleccionado foi o RC 90 da Rhodia pois um silicato de etilo ao qual

    foi adicionado uma resina. Esta opo advm das necessidades especcas deste tipo de

    rocha que, devido sua estrutura, origina a separao de lminas, por vezes com afastamento

    considervel. A metodologia empregue consistiu na aplicao de pachos para que houvesse

    um maior tempo de contacto do consolidante com a rocha.

    Os resultados desta operao foram examinados aps aproximadamente dois meses (de

    28/07 a 7/10 de 2003), tendo sido, no recorrendo a nenhuma anlise especca, satisfatrios:

    o aumento da coeso das lminas notrio (Fig. 17).

    Neste ponto devemos referir que, observada a necessidade e se for imperativo proceder-se

    a uma consolidao dos suportes, esta operao deve ser muito ponderada e precedida

    de devido estudo. Este dever contemplar, obrigatoriamente, trs vertentes: uma tendo em

    conta o efeito do produto na rocha (alteraes a nvel da resistncia mecnica e possveis e

    indesejadas interfaces pedra consolidada/no consolidada); outra, o efeito rocha/produto;

    e, crucial, o envelhecimento do produto na rocha (considerando os produtos e subprodutos

    formados aquando das reaces de oxidao dos novos materiais e seus efeito na rocha) (Fig.

    18).

    Movimentao de fragmentosUma das grandes apostas do nosso estudo prendeu-se desde muito cedo com a ideia de

    que era possvel ir mais alm do que uma simples interveno de conservao: tnhamos que

    fazer o tempo andar para trs. claro que no se pretende o impossvel, mas tentar, na

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 33

    medida dos possveis, procurar solues que garantam uma maior estabilidade das rochas,

    e respectivos tratamentos, para o futuro. Deste modo, descrevem-se aqui, de seguida,

    os trabalhos que tiveram como objectivo primordial a correco de toppling. O que sepretende com esta operao nivelar as superfcies colocando os fragmentos no seu local

    original, ou, pelo menos, o mais aproximado possvel. Esta recolocao dos fragmentos

    origina a redistribuio de foras que conduzem a uma maior estabilidade estrutural. Rera-

    se ainda que esta operao recai em fragmentos cujo movimento se deu aps a inscrio

    de gravuras na rocha (Fig. 19). Logo, a ideia base prende-se no apenas com problemas de

    teor meramente tcnico mas sim, tambm, com a diculdade de leitura de alguns painis que

    sofrem deste problema.

    Como j foi referido, a escolha da Rocha-Tipo visava compreender vrias patologias,

    semelhantes rocha 1 mas, tambm, abranger outras necessidades de outras rochas com

    gravuras do Parque. Desta forma, para ilustrar a operao da movimentao dos fragmentos

    que apresentam toppling, escolhemos aquele que numa situao real apresentaria os maiores

    problemas e nos colocaria as maiores diculdades.

    Para que se procedesse operao no terreno houve que preparar com muito cuidado todos

    os momentos desta aco, pois no s se corria o risco de perda importante da rocha, como

    esta operao representa para os operadores riscos efectivos de graves danos fsicos. A

    morfologia do terreno associada tipologia da rocha e dimenso e posio dos fragmentos

    eram os grandes pontos-chave de todas as diculdades apresentadas. Como se trata de um

    estudo, a operao foi efectuada como tal. Ou seja, aqui o que realmente importava era aferir

    a viabilidade das aces propostas.

    Antes de qualquer aco sobre a rocha, houve a necessidade de delimitar toda a rea onde a

    operao iria decorrer. Nesta fase dos trabalhos, a limpeza representa um papel crucial poispermite libertar os fragmentos de todos os agentes que de algum modo possam oferecer

    resistncia aquando de quaisquer dos movimentos exigidos (Fig. 20).

    Aps a limpeza, que incluiu a remoo de vegetao e grande acumulao de terras, foram

    colocados sistemas de elevao com diferenciais mecnicos. Toda a movimentao e

    contacto com a rocha foram assegurados com cintas de nylon (minimizando a possibilidade

    de agresso rocha). Foram utilizados dois cadernais (um de 1500 kg e outro de 3000 kg)

    em simultneo. O sistema foi ancorado a outra rocha, evitando assim a montagem de uma

    estrutura metlica. Contudo, quando se tratar de um caso onde haja gravuras (caso real),

    exigindo todos os cuidados, no se poder operar sem a montagem de uma estrutura. Como

    ser fcil compreender, para evitar que a movimentao se d em contacto com outras partes

    da rocha, necessrio que os fragmentos sejam deslocados completamente soltos (Fig. 21).

    Como se trata de uma rocha bastante degradada, os fragmentos existentes encontram-se

    estabilizados por gravidade, muitas vezes encostados uns aos outros. Assim, para que seja

    possvel corrigir todas as deslocaes dos referidos fragmentos necessrio desmontar

    parte da rocha ou, quando possvel, prender os fragmentos adjacentes que possam sofrer

    deslocaes indesejadas durante a operao (Figs. 22 e 23).

    Nesta operao visvel o resultado positivo apenas com a movimentao de dois dos

    maiores fragmentos. Contudo, no foi possvel recolocar a superfcie num plano sem

    irregularidades, pois seria necessrio, neste caso preciso, mexer na rocha mais atrs (Fig. 24).

    O carcter deste tipo de interveno no dispensa que seja sublinhado o facto desta medida

    no ser extensiva, devendo apenas ser contemplados os casos onde os fragmentos que seencontrem numa posio de desequilbrio possam vir a sofrer o colapso nal, soltando-se

    denitivamente dos seus locais a curto/mdio prazo, e/ou que estejam, efectivamente, a

    promover a acelerao da degradao da rocha.

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    3 Esta evidncia j tinha sido igualmente

    mencionada por Paula Romo (1999: 18).

    Finalmente, embora no muito signicativo, importa mencionar o fenmeno da colonizao

    biolgica. Como j foi referido, o decaimento biolgico da rocha no um dos problemas de

    relevo3 (pelo menos na Canada do Inferno). Mas, existindo, mesmo em pequena quantidade,deve ser eliminado. A simples remoo por aco mecnica no aconselhada porque,

    embora por vezes no seja visvel a olho nu, provoca desgaste na superfcie dos suportes.

    Este desgaste agravado quanto maior for o grau de adeso dos lquenes ao substrato.

    O ideal , pois, operar-se com uma metodologia que utilize aco mecnica e qumica,

    aconselhando-se a que a seguir se especica. Primeiramente, e por operador especializado,

    remove-se a camada supercial dos lquenes com bisturi (sem nunca existir qualquer contacto

    do utenslio com a rocha). Desta forma, as razes (hifas) e todo o aparelho dos lquenes

    cam mais susceptveis ao ataque qumico. De seguida aplica-se um biocida ( base de

    sais quaternrios de amnio tipo Preventol R80 numa concentrao de 2%) atravs de

    pincelagem s, e apenas s, sobre a rea delimitada pelos lquenes.

    Defendemos que a losoa para a conservao das gravuras do PAVC deve assentar no

    princpio da interveno mnima. Quando, claro est, esse princpio no nos coloque de

    braos cruzados, impvidos e serenos, observando o avano da degradao deste patrimnio

    de incomensurvel valor.

    Embora tenhamos dado especial relevo aos tratamentos de carcter mais interventivo, tal no

    signica que estes devam ser aplicados de forma generalizada a todas as situaes. Neste

    estudo privilegiaram-se os casos onde as aces, causas e consequncias, da interveno

    se revelam mais complexas, a todos os nveis, quer tcnico quer tico. Procurmos, assim,

    claricar, desmisticar e justicar todas as aces efectuadas, at o fazer o tempo andarpara trs. Como de um estudo se trata, era pois de grande interesse testar procedimentos,

    tcnicas e produtos. Contudo, estamos convictos que conseguimos, de algum modo, dar um

    contributo positivo para a resoluo de alguns problemas graves que se vericam nas rochas

    com gravuras, nomeadamente o toppling.

    Esperamos que este trabalho, que inclui a concepo terica de alguns tratamentos propostos

    (no decorrer do estudo previamente efectuado) e a sua execuo, venha a contribuir para que

    se desenvolva um plano coerente e ecaz para a salvaguarda das gravuras do PAVC. Estamos

    cientes da incipincia de estudos nesta rea, e o que zemos foi, de alguma forma, adaptar

    metodologias e conhecimentos especcos, da rea da conservao de pedra, para este

    trabalho. Faltaro ainda mais testes sobre outros produtos e solues. De qualquer forma,

    este foi o primeiro passo, um incio, ainda que com as limitaes e adversidade prprias de

    um trabalho deste gnero. Que no se perca a conscincia da necessidade de intervir para a

    salvaguarda deste patrimnio. Nem a vontade, e muito menos a coragem.

    Concluses

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    fguras

    g. 1 A rocha-modelo, vista geral.

    Foto: Compsito.

    g. 2 Pormenor do toppling.

    Foto: Compsito.

    g. 3 Uma pequena or alojada no interior

    da Rocha1 (dim. aprx. 5cm).

    Foto: Compsito.

    g. 4 Pequenas plantas, tipo musgos, no

    interior da Rocha1 (dim. do crculo aprx.

    6cm). Foto: Compsito.

    g. 5 Depsitos de lama nos interstcios

    da rocha, ao longo das linhas de fractura

    associadas a perdas de material.

    Foto: Compsito.

    g. 6 Colonizao biolgica. No que diz

    respeito aos microrganismos observa-se,

    maioritariamente, a presena de lquenes.

    Foto: Compsito.

    g. 7 Desenho da parte frontal da Rocha1.

    So visveis os inmeros espaos vazios

    que carecem de tratamento. Fonte: Baptista,

    1999, p. 53.

    g. 8 Esquematizao da aplicao de

    argamassas superfcie. A vermelho

    esto assinaladas as argamassas que

    no carecem de pigmentao especial; a

    verde esto assinaladas aquelas que, se

    situarem no meio de gravuras, devero

    ser cuidadosamente pigmentadas. Foto:

    Compsito.

    1 2 3

    4 5

    6

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 37

    g. 9 Argamassas aplicadas sobre a

    superfcie frontal. Mais esquerda, na linha

    de fractura mais larga e mais profunda

    foram utilizadas argamassas base de cal

    hidrulica sem pigmentao. Nas linhas

    mais nas foi utilizada argamassa de C30,

    com alguma correco cromtica (no se

    pretende nesta fase disfarar demasiado a

    interveno). Foto: Compsito.

    g. 10 bem visvel o aspecto fragmentrio

    em que se encontra a Rocha-Tipo. Esta

    caracterstica promove, para alm da

    acumulao de terras, a entrada de gua

    para o interior da rocha. Esta imagem foi

    obtida aps a limpeza das superfcies.Foto: Compsito.

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas38

    g. 11 Esquema das junes entre os novos

    elementos e a rocha. Foto: Lus Machado.

    g. 12 Rampa executada a ttulo

    exemplicativo. A gua tomar um outro

    curso e no permanecer na rocha.

    Curiosamente, observa-se a presena de um

    dejecto animal (provavelmente ave de algum

    porte). Neste caso, singularmente, ajuda a

    perceber o novo rumo que a gua tomar na

    superfcie da rocha. Foto: Compsito.

    g. 13 Pormenor da rampa executada. Em A

    est assinalada uma zona onde se utilizou a

    resina com inertes minerais. Em B assinala-

    se uma argamassa base de C30. Foto:

    Compsito.

    g. 14 A forma como a parte da frente da

    rampa se integrou no conjunto. Utilizando

    material da mesma tipologia consegue-

    se uma harmonia do conjunto. Foto:

    Compsito.

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    g. 15 Dados fornecidos pelo PAVC.

    Aos registos fornecidos, para facilidade

    de leitura, foram retirados os valores da

    humidade relativa (HR). Como se pode

    observar, as temperaturas ambiente (TMP) e

    superfcie das duas rochas onde esto os

    sensores (TMA e TMB), no ultrapassam os

    valores de 5C (min.) e 45C (Max.).

    g. 16 Forma esquemtica da colocao

    de barras de suporte aquando da utilizao

    de elementos pesados para a execuo de

    rampas inteiras. Desta forma, colocando

    pequenas barras de bra de vidro pode ser

    o excesso de peso, e consequente exigncia

    mecnica, resolvida.

    Foto e diagrama: Lus Machado.

    g. 17 Esquema da laminao que ocorre

    nas rochas xistosas. Se o espao entre asdiversas lminas for muito grande (acima

    de 0,1mm) um silicato de etilo normal no

    ser funcional. Diagrama: Lus Machado.

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas40

    g. 18 Zona onde foi testado o produto

    consolidante (alado direito).

    Foto: Lus Machado.

    g. 19 Distribuio de foras consoante a

    inclinao dos fragmentos.

    Foto e diagrama: Lus Machado.

    g. 20 Aspecto geral da Rocha-Tipo antes

    da interveno. O toppling que esta rocha

    apresenta um dos maiores problemas da

    sua estabilidade. Assinala-se a zona onde foi

    decidido intervir. Foto: Compsito.

    g. 21 A rocha em contraste. Esta

    visualizao fornece uma clara ideia do

    avanado estado de degradao da rocha.

    Importante a percepo do que est a

    ocorrer: o deslocamento e a instabilidade

    do conjunto, com grande contribuio de

    dois grandes fragmentos. A e B: inclinao

    e o sentido do movimento dos fragmentos.

    a: superfcie da rocha. Foto e diagrama:Compsito.

  • 8/14/2019 III CONGRESSO ARQ TRAS-OS-MONTES Volume 2

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 41

    g. 22 Sistema utilizado para a

    movimentao de fragmentos. Aqui

    perceptvel a necessidade de ancorar outros

    elementos durante a operao que se faz

    constituir de vrias fases. Foto: Compsito.

    g. 23 Esquematizao de movimentos base

    para o reposicionamento de fragmentos.

    As setas largas indicam o desmonte prvio

    dos elementos envolvidos. As setas nas

    indicam o sentido do movimento posterior.

    Foto e diagrama: Lus Machado.

    g. 24 A rocha, de perl, aps interveno

    de movimentao dos fragmentos.

    Foto: Compsito.

  • 8/14/2019 III CONGRESSO ARQ TRAS-OS-MONTES Volume 2

    43/145

    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas42

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    Ca. Vila Nova de Foz Ca: Parque Arqueolgico do Vale do Ca.

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    Fundao Calouste Gulbenkian.

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    do Vale do Ca: relatrio de deslocao. [Trabalho realizado para o Parque Arqueolgico do

    Vale do Ca, policopiado].

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    a arte da conservao tcnicas e mtodos de conservao em arte rupestre | vol. 02 43

    acta 3Estudo prvio de

    conservao dasrochas gravadasno ncleo dearte rupestre daPenascosa - Parque

    Arqueolgico doVale do Ca (PAVC)

    Ftima Llera, Marco Marques, Madalena

    Rodrigues e Carlos Catita.

    In Situ, Conservao de Bens Culturais,

    Lda.; [email protected]

    Prefcio

    Na sequncia de uma consulta realizada In Situ, Conservao de Bens Culturais, Lda, pelo

    Parque Arqueolgico do Vale do Ca (PAVC), a empresa props-se realizar um estudo deavaliao do estado de conservao, assim como, desenvolver uma interveno piloto para a

    denio e implementao de metodologias de conservao para os aoramentos rochosos

    gravados do Ncleo de Arte Rupestre da Penascosa. Os trabalhos decorreram entre os meses

    de Abril de 2004 e Abril de 2005.

    Ao avaliar os aoramentos objecto de estudo e em simultneo preparar uma interveno

    piloto de conservao piloto numa Rocha Tipo, estudando e testando diversos materiais

    comummente utilizados para as actividades de conservao e restauro, o grupo de trabalho

    deparou-se com uma diculdade na denio da metodologia de interveno. O que

    conservar? Onde estabilizar? Seria necessrio estabilizar? Quais os factores de instabilizao?

    O grupo de trabalho foi levado a reconhecer que, para a denio de uma interveno de

    conservao ou consolidao das rochas gravadas, seria primeiro necessrio realizar um

    estudo geotcnico para a avaliao da estabilidade dos aoramentos, sendo necessrio

    tambm estudar e avaliar o comportamento da encosta qual os aoramentos pertencem.

    Desta forma, o grupo tcnico desenvolveu um estudo para a avaliao da estabilidade. No

    entanto, no sendo suciente, o mesmo grupo determinou que aps a avaliao, e de forma

    a comprovar ao longo de um tempo determinado os resultados obtidos, seria necessrio

    implementar um programa de monitorizao. Determinou-se uma metodologia para a

    monitorizao, implementando-se uma primeira aco para a obteno de leituras.

    de referir que as actividades desenvolvidas, com uma sequncia lgica de programao,

    nem sempre foram lineares. A empresa, tendo sido contratada para a elaborao de uma

    proposta de conservao e o desenvolvimento de uma interveno piloto, considerou que oconhecimento de que dispunha, sobre o objecto em estudo, no era suciente para poder

    compreender a evoluo de todos os mecanismos que afectam o estado de conservao

    dos aoramentos, e em consequncia, dos painis. Sendo assim, no foi possvel programar

    as actividades para a sequncia lgica; estudar para conhecer, conhecer e actuar, ou seja;

    diagnosticar, monitorizar e implementar aces de conservao.

    IntroduoAs visitas ao Ncleo de Arte Rupestre da Penascosa iniciaram-se em Abril de 2004 de forma a

    identicar e seleccionar os aoramentos objecto do estudo. Para isso, a IN SITU contou com

    a colaborao dos tcnicos do PAVC para a denio dos aoramentos de maior relevncia

    para o Parque, permitindo assim realizar uma escolha com base em critrios de seleco pr-

    denidos i.e.: aoramentos com painis de gravuras importantes, que se encontrassem j em

    estudo e que fossem de fcil acessibilidade.

    De um conjunto muito diverso de aoramentos, a IN SITU determinou as rochas

    representativas dos fenmenos de instabilizao e do padro de alterao das rochas do

    Ncleo. Com efeito, procedeu-se realizao do estudo sobre as rochas seleccionadas,

    tendo como um dos objectivos que estas fossem representativas das condies a que o

    Ncleo da Penascosa est sujeito. Por exemplo, considerou-se o enquadramento das rochas

    seleccionadas no espao do Ncleo e principalmente, a sua exposio aos ciclos de cheias

    Numa fase inicial do projecto, seleccionaram-se trs rochas para estudo do estado de

    conservao; duas rochas gravadas (Rocha 3 e Rocha 5, segundo a designao do PAVC)e uma rocha tipo sem gravuras (designada por Tipo 2). Na Rocha Tipo 2 identicava-se uma

    disposio similar s Rochas 3 e 5, quanto sua estabilidade, assim como, o mesmo padro

    de alterao, na qual se poderiam desenvolver aces para a interveno piloto.

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    III congresso de arqueologia trs-os-montes, alto douro e beira interior | actas44

    No decurso do trabalho, acrescentaram-se duas rochas ao estudo, uma rocha acessvel para

    o desenvolvimento dos trabalhos de conservao (designada por Rocha Tipo) e uma Rocha

    Monitorizada com sondas para o estudo das variaes de temperatura.O trabalho desenvolveu-se em trs frentes; no local objecto de estudo (Ncleo de Arte

    Rupestre da Penascosa), nas instalaes da IN SITU e em laboratrio (Laboratrio de

    Mineralogia e Petrologia do Instituto Superior Tcnico).

    A constituio de uma equipa interdisciplinar foi fundamental, j que permitiu uma abordagem

    abrangente na leitura e na compreenso do ncleo em estudo. Estiveram envolvidos neste

    trabalho tcnicos de diversas reas, que desenvolveram um projecto orientado para a

    conservao de patrimnio natural e cultural.

    Identicadas as Rochas, procedeu-se ao seu enquadramento em termos culturais

    (resenha histrica da ocupao humana do vale do Ca) e ambientais (enquadramentos

    geomorfolgico, climtico, hidrolgico, geolgico/ssmico e materiais ocorrentes).

    Efectuou-se a caracterizao do material rochoso dos aoramentos atravs da observao

    macroscpica, assim como, da observao ao microscpio das amostras coligidas para a

    caracterizao mineralgica e petrogrca das rochas.

    Efectuou-se igualmente a avaliao do estado de conservao do material rochoso que

    constitui o suporte das gravuras nos aoramentos estudados do Ncleo da Penascosa, quer

    em termos de estabilidade dos blocos que compartimentam o macio, quer em termos de

    alterao fsica e qumica das superfcies ptreas.

    Procedeu-se a uma avaliao pormenorizada da estabilidade da Rocha 5, desenvolvendo um

    estudo geotcnico enquadrado no estado de conservao do Ncleo. Desta forma, aps os

    resultados da avaliao da estabilidade, desenvolveu-se e implementou-se uma metodologia

    para um programa de monitorizao dos aoramentos.Em simultneo, efectuou-se uma interveno piloto para a implementao de metodologias

    para a conservao dos aoramentos rochosos, sendo igualmente estudada a adequao

    de alguns consumveis (resinas epoxdicas, inertes e ligantes) s condies ambientais

    autctones do Vale do Ca.

    Caracterizao do Ncleo de

    Arte Rupestre da Penascosa

    1. Enquadramento geral

    O PAVC insere-se no Nordeste de Portugal, na regio duriense. Atente-se que o Rio Ca

    um auente do Rio Douro. Assim, a rea do PAVC, que se estende algumas dezenas de km

    ao longo das margens do primeiro, evidencia as condies ambientais, scio-econmicas e

    culturais caractersticas desta regio. Assumem uma importncia fundamental:

    1. A geomorfologia, nomeadamente a sua localizao numa superfcie planltica da zona

    setentrional da meseta ibrica, entrecortada por vales encaixados concomitantes com a

    existncia de uma rede de drenagem vincada;

    2. As formaes predominantemente xistosas;

    3. Um clima temperado continental de caractersticas mediterrnicas, das quais se salientam

    um clima seco, quente no Vero e com baixa pluviosidade anual (INMG, 1991).;

    4. Uma ocupao humana fundamentalmente sustentada pela pastorcia e por uma agricultura

    assente essencialmente no cultivo da vinha, oliveira e amendoeira (Fernandes, 2004);

    5. A existncia de relevo acidentado com vertentes que ladeiam o rio, por vezes abruptas e de

    zonas de acessibilidade difcil que dicultaram sobremaneira a ocupao humana do vale doCa, mas que contriburam para que os painis insculturados preservassem a sua integridade

    at actualidade;

    O PAVC alberga 28 ncleos inventariados de arte rupestre, penetrando a arte paleoltica mais

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    baixa a moderada intensidade, cando o seu carcter sedimentar registado na laminao

    vincada que apresenta. Devem ainda salientar-se entre as diversas famlias de fracturas que

    cortam este macio, as de inclinao subvertical, de direco N/S e N20E (respectivamenteN4E e N24E, corrigida a declinao magntica) que geraram as superfcies utilizadas, como

    s