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DiretorGerson Luis Linden

ProfessoresAcir Raymann, Anselmo Ernesto Graff, Clóvis Jair Prunzel, Gerson Luis Linden, Leopoldo Heimann, Paulo Gerhard Pietzsch, Paulo Proske Weirich, Paulo Wille Buss, Raul Blum, Vilson Scholz

Professores EméritosDonaldo Schüler, Paulo F. Flor Norberto Heine

SEMINÁRIO CONCÓRDIA

IGREJA LUTERANAISSN 0103-779XRevista semestral de Teologia publicada em junho e novembro pela Faculdade de Teologia do Seminário Concórdia, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Conselho EditorialPaulo Wille Buss (Editor), Paulo Proske Weirich (Editor Homilético), Acir Raymann.

Assistência AdministrativaNara Coelho do Rosário

A Revista Igreja Luterana está indexada em Bibliografia Bíblica Latino-Americana e Old Testament Abstracts.

Os originais dos artigos serão devolvidos quando acompanhados de envelope com endereço e selado.

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CORRESPONDêNCIARevista Igreja LuteranaSeminário Concórdia

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Índice

IGREJA LUTERANA

Volume 68 – Novembro de 2009 – Número 2

ARTIGOS

PENSAR COMO CRISTÃO 5Adolf Köberle - Tradução Vilson Scholz

3º SIMPóSIO INTERNACIONAL DE LuTERO 11Paulo Wille Buss

O QuE É MÚSICA SACRA Ou HINO SACRO? 13Raul Blum

MISSÃO uRBANA E A IGREJA DE ANTIOQuIA EM ATOS 27Paulo Samuel Albrecht - Acir Raymann

AUXÍLIOS HOMILÉTICOS 51

DEVOCIONAL

CRuZ: CAMINHO DE CRISTO E DOS CRISTÃOS 164Anselmo Graff

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PENSAR COMO CRISTÃOAdolf Köberle*

Emil Brunner disse certa vez que não nos compete apenas viver como cristãos, mas também pensar como cristãos. É mais fácil dizer o que é viver como cristão: é ser servo de Cristo, amar o próximo e lutar contra o caos que quer se instaurar na nossa própria vida. E a igreja evangélica tem primado pelo fomento de qualidades como veracidade, fidelidade e eficiência na vocação. Mais difícil é dizer o que é pensar como cristão. Isto poderia ser entendido como saber valorizar o fato de se ter recebido do criador a racionalidade e a razão, que não apenas nos coloca acima das demais criaturas, mas permite, na vida cristã, fazer uso do senso crítico. Em questões ligadas à natureza e à história, o cristão não se deixará levar por toda e qualquer solicitação de entusiastas, sejam eles do tipo político, sejam de ordem religiosa. Nas questões da vida diária, o cristão sabe valer-se da sadia razão humana, ou seja, não espera por iluminação espiritual especial do alto para cada decisão que tiver de tomar. Mas isto não esgota o problema relacionado com este “pensar como cristão”.

Pensar como cristão, isto deveria significar antes de tudo o seguinte: entrego a Deus não apenas a minha vontade, mas também a minha atividade intelectual. A palavra da verdade, que o Senhor de tudo proferiu no Logos encarnado, através de profetas e apóstolos, deve se tornar o critério para o conhecimento da verdade, a compreensão de Deus, do mundo e do ser humano, de morte e vida, de tempo e eternidade. Trata-se da concretização daquilo que o NT quer dizer com a afirmação de que Jesus Cristo tornou-se da parte de Deus não apenas justiça, santidade e redenção, mas também sabedoria. Tanto em 1 Coríntios como em Colossenses, Paulo contrapõe ao conhecimento filosófico que se orienta pelos rudimentos do mundo uma outra sabedoria, para a qual a norma passou a ser a revelação de Deus em Jesus Cristo, o Senhor crucificado e ressurreto. A Igreja Oriental acolheu este aspecto da mensagem cristã primitiva (começando com Clemente e Orígenes, passando por João Damasceno e chegando aos grandes filósofos religiosos russos dos séculos 19 e 20) na forma de um ensino da sabedoria de Cristo. Também a Igreja Católica sempre esteve convencida de que ao credere (crer) segue um intelligere (pensar) e lá se formou o conceito de uma visão de mundo católica. Aqui podem ser citados Agostinho e Anselmo, Tomás de Aquino e outros. Isto significa que tanto a Igreja Oriental quanto a Católica incluem em seus pressupostos a possibilidade de um pensar cristão, que é, então, colocado em prática.

*Texto de Adolf Köberle, intitulado “Christliches Denken”, publicado na revista Quatember de 1961, p. 61-67. Tradução de Vilson Scholz.

Artigos

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Como estão as coisas no protestantismo? Lutero deu alto valor à ratio ou razão em questões deste mundo (in rebus civilibus). Ele também sa-bia do obscurecimento da razão, levando-o a denominá-la de “prostituta razão”. Mas o Reformador também sempre de novo fez a seguinte afirma-ção: Affert gratia novum judicium omnium rerum. (Sob o ponto de vista da graça, tudo tem um aspecto diferente.) Se é possível falar sobre uma restauração da imagem de Deus na pessoa regenerada, então nossos pen-samentos também são levados cativos à obediência de Cristo. E, no século 19, tanto o luterano August Vilmar quanto o reformado Abraham Kuyper levaram a sério a afirmação de que, também no âmbito do conhecimento científico, “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria”.

Apesar disto, pode-se constatar que, no âmbito do protestantismo, pou-co foi feito com vistas a atingir o alvo de pensar como cristão. Os grandes feitos ficaram como que restritos ao âmbito da formação da mentalidade e do caráter. Um catedrático católico (filósofo, médico, jurista ou pedago-go) está preparado a moldar sua área de especialização à luz do espírito católico; em contrapartida, o evangélico em geral acha que não é nem possível, tampouco necessário, assumir uma conscientização evangélica em sua pesquisa. No coração a gente é cristão. Os filhos são batizados, a contribuição para a igreja está em dia, o matrimônio é considerado digno de honra, vai-se ao culto, mas na cabeça a gente segue os pontos de vista de um famoso mestre da universidade ou, então, a gente acompanha o modismo da hora, seja ele naturalista, panteísta ou evolucionista.

E, diante do fato de que não se visualizou mais nenhuma tarefa no sentido de pensar a partir da perspectiva da fé, e porque se esteve pronto a abrir mão de pensar ou, então, a pensar de forma desvinculada da fé, outras visões de mundo puderam se instalar com sucesso, ocupando o terreno abandonado. Aí entram a visão de história de Hegel (século 19), o racismo dos nazistas e o comunismo marxista. Por mais distintos que sejam, estes sistemas têm em comum o fato de submeterem todos os âmbitos da realidade à sua forma de pensamento: as escolas e o direito, a compreensão da natureza e da história, a formação das artes e da cultura. Quando uma ideologia destas se instala, ao menos uma coisa acontece: o ser humano é poupado de sempre de novo optar entre esta ou aquela explicação da realidade. Em cada cômodo da casa existe o domínio do mesmo espírito, do mesmo ponto de vista, da mesma organização.

Em contraste com isto, quão dignos de pena são nossos filhos, mesmo quando frequentam uma “escola comunitária cristã”. Afora a devoção matinal e o esporádico culto escolar, não recebem uma orientação cristã definida em sua forma de pensar. A manhã de aulas pode transcorrer assim: das 8 às 9 leciona um físico que ficou parado no tempo de Ernst Haeckel. Na aula seguinte, faz-se história na visão biológica de Oswald Spengler. Às 10

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horas é possível que entre na sala um pastor pietista. Às 11 horas, tem educação física, ministrada por uma professora que se orienta pela cultura do corpo dos gregos. O professor de alemão segue este ou aquele linguista. Assim, numa manhã as crianças passam por todo o mercado das mundi-visões. Mesmo que não consigam entender com clareza qual é o sistema que está por trás daquilo que lhes está sendo “empurrado”, elas percebem que existe uma pluralidade e pontos de vista contrários que as levam à insegurança. Não admira que muitos pais optem pela escola pública, onde ao menos tudo é apresentado do ponto de vista da antroposofia. À luz disto fica a pergunta: Não seria possível explicar e formatar o todo da realidade do mundo a partir da fé evangélica? Por que só o Kremlin, o Vaticano e o Goetheanum podem apresentar uma visão de mundo universal, ao passo que na Igreja Evangélica fica mais ou menos aos cuidados do acaso que orientação de pensamento a gente vai seguir? A gente evita o conceito “mundivisão evangélica”, pois cheira a um sistema pronto que, por razões que ainda serão apresentadas, não nos podemos permitir. Karl Heim e seu discípulo Otto Dilschneider preferiram falar em “Mundivisão da Fé”, que é melhor, pois evita o mal entendido daquilo que está pronto e é estático.

Vamos tentar colocar alguns marcos que são essenciais para esta ta-refa do pensar como cristão. É preciso levar em conta que o ser humano afastado de Deus não apenas é mau, mas também erra em seus juízos e avaliações. “O pecado sempre tem esse poder de obscurecer o enten-dimento” (Adolf Schlatter). Todos sabemos que o ódio obscurece nossos juízos e a falta de amor nos torna cegos e injustos. Por isso, é preciso contar com a possibilidade de que dogmas científicos, vistos como alcan-çados de forma objetiva e, assim, tidos por confiáveis, podem ser fruto de observação e/ou conclusão equivocada. A isto se deve acrescentar que, a partir da revolução francesa, o pensamento ocidental se afastou cada vez mais do sol de verdade do evangelho. A superbia, que dispensa Deus, não é um bom ponto de partida para a pesquisa científica. Por isto, há uma profunda mudança na forma de pensar da pessoa que chega à fé. A fé, que é uma postura de confiança pessoal em Deus, que ganhou o meu coração em Jesus Cristo, se torna fundamento e diretriz, não apenas de todo o conhecimento de Deus, mas das compreensões humanas e da explicação do mundo.

Como a fé se faz de sempre renovadas decisões no encontro diante de Deus, este intelligere ex fide e post fidem nunca pode assumir a forma de um sistema pronto. É, ao contrário, uma constante luta por conhecimento melhor e mais completo daquilo que Deus nos deu e de que ele nos en-carregou, neste mundo. Nisto a visão de mundo da fé se distingue de todo tipo de gnose. Para a gnose, não há um “ainda não” (limite escatológico). Na iluminação, o gnóstico já tem tudo. Não conhece a humilitas, que diz:

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Conhecemos em parte. Todavia, por mais que a fé seja uma “sabedoria no pó” (como disse, entre outros, Bengel), ela se distingue claramente do ceticismo. A fé está disposta a permitir um autêntico relacionamento entre oração e pensamento, não no sentido superficial, como se a oração nos dispensasse de pensar, mas como promessa de que o Espírito de Deus pode nos guiar a toda a verdade, se pedirmos a ajuda do alto.

A pergunta decisiva é: com que se parece tal fides quaerens intellectum (fé que procura entender) na prática e quem a torna realidade ou efetua? Esta tarefa de ativar o pensamento a partir da fé não deve de jeito nenhum se restringir às instituições de ensino teológicas, tampouco limitar-se a um repensar e expandir do dogma cristão. Por mais que tenha havido uma liderança dos teólogos neste campo, seria fatal se o pensamento a partir da fé se detivesse na fronteira da teologia e deixasse a explicação e formatação dos demais domínios da realidade do mundo entregues a sistemas estranhos ao cristianismo e até contrários a ele. Muito antes, é preciso fazer a tentativa de entrar também nos domínios não teológicos a partir da fé evangélica, em trabalho intelectual responsável.

O teólogo sozinho não está à altura desta empreitada. Falta-lhe, em primeiro lugar, a formação ampla para tanto. Por outro, corre o risco de aparecer como alguém que quer impor um sistema teocrático ou clerical em nome de sua confissão. Isto não encontra eco em outras faculdades. Essa tarefa só poderá ser realizada por pessoas que são altamente com-petentes em suas áreas mas que ao mesmo tempo em sua vida tiveram um tão forte e poderoso encontro com o evangelho que não podem senão submeter, não apenas a sua vida, mas também a sua vocação, ao se-nhorio de Cristo. O papel do teólogo será o de acompanhar e dar apoio, procurando ver se aquele é de fato o evangelho, etc.

Com certeza, há uma diferença, na consecução deste alvo, entre ciên-cias naturais e ciências humanas. A soma dos ângulos do triângulo continua 180 graus e o teorema de Pitágoras não muda só porque o matemático se tornou cristão. As descobertas da física e da química, os achados da anato-mia e da fisiologia não são afetados pelo fato de um pesquisador ser ateu, outro cristão. Mas no momento em que deixamos o domínio das ciências exatas e entramos em áreas que têm a ver com a personalidade, será da máxima importância se me identifico com o marxismo ou a antroposofia, o cristianismo católico ou evangélico. Há uma diferença astronômica en-tre interpretar a história de modo materialista, determinada pelos dados da natureza, e entendê-la como “o desafio a decisões responsáveis em diferentes momentos históricos”. No primeiro caso, o decurso da história está obrigatoriamente determinado; no segundo, posso e devo agir his-toricamente e não preciso cair em desespero fatalista. Há uma grande diferença entre entender a questão judaica de forma racial e biológica,

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na esteira de H. St. Chamberlain e Alfred Rosenberg, ou se permito que Romanos 9-11 me forneça a chave para decifrar este povo tão misterioso e sua caminhada tão sofrida ao longo dos séculos. Posso conceber as do-enças apenas sob a perspectiva médica ou das ciências naturais, chegando necessariamente a um tratamento localizado de sintomas. Mas, no caso da doença, posso ter diante dos olhos o ser humano em sua totalidade, vendo como sofre sob conflitos de culpa, golpes do destino e falta de sentido em sua existência e me empenharei em ajudá-lo em seu todo, tanto em suas necessidades de ordem física quanto de ordem espiritual. A jurisprudência moderna conhece uma formulação positivista e uma fomulação metafísica do direito. Fará diferença se o ponto de vista do jurista for determinado por um ou por outro. Também a arte não é jamais uma questão meramente estética. Claro, há muitos artistas que querem ficar longe da discussão em torno do valor. O que vale, argumenta-se, é se a peça foi bem feita ou não, independentemente de seu valor ético. Nem por isso o artista escapa do fato de sempre estar a serviço de uma força espiritual, seja ela santa, nobre, ou comum e destrutiva. É totalmente impossível desvincular a tarefa da formação acadêmica das marcas da sua visão de mundo. Basta examinar os livros de texto ou livros escolares de uma escola marxista, uma escola de convento e uma escola antroposófica: em cada página se percebe qual o espírito que está por trás de tudo, na história mundial, na história da literatura e na história da cultura! Será que apenas a escola evangélica deveria abrir mão de ter sua própria cara?

Hoje se ouve muitas vezes e sempre de novo a queixa de que a menta-lidade cristã não aparece na vida pública. Esta é uma grande necessidade, mas há um problema bem maior no fato de termos banido a realidade do Deus vivo do âmbito das ciências. Nosso pensar passou a ser feito longe de Deus e de forma estranha a Deus, e não devemos nos admirar que isso tenha levado a sintomas de profunda enfermidade espiritual em nossos dias.

O pensar a partir da fé fica subordinado à theologia crucis (“teologia da cruz”). Não há nada mais tolo do que supor que, numa atitude típica de orgulho gnóstico, se possa promover uma theologia gloriae (“teologia da glória”). O pensar na fé está consciente da fragmentariedade de seus esforços. Nunca está concluído, mas permanece em movimento rumo ao alvo final, que alegres aguardamos, na esperança. A visão de Deus e, com isto, a percepção plena de todos os seus caminhos e obras estão reserva-dos ao ser humano da ressurreição, no novo mundo de Deus. E mesmo assim, a fé não pode senão pedir, já neste mundo, um olhar iluminado de entendimento. Tal meta-noética não passa de antegosto de bens futuros. Mas como poderíamos ter certeza do que é vindouro, se não recebermos já agora, na fé, o início de sua concretização?

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3º SIMPóSIO INTERNACIONAL DE LuTERO

O Seminário Concórdia promoveu o 3º Simpósio Internacional de Lu-tero nos dias 7 a 10 de julho de 2009. O simpósio iniciou com um culto cuja mensagem foi proferida pelo Presidente da IELB, Dr. Paulo Moisés Nerbas. O tema do simpósio, “Lutero e o culto cristão: o que acontece quando Deus e homem se encontram no culto?” foi analisado em quatro palestras e em debates em grupos e em plenário. O Dr. Robert Rosin, do Concordia Seminary de Saint Louis, discorreu sobre “A teologia do culto: O que é e o que não é culto cristão para Lutero”. O Rev. Albérico Baeske, pastor aposentado da IECLB, palestrou sobre “A pregação no culto”. O Rev. Prof. Ms. Clóvis Gedrat, pastor da IELB, falou sobre “Liturgia, música e hinos em Lutero.” O Dr. Claus Schwambach, diretor da Faculdade Luterana de Teologia de São Bento, SC, da IECLB, apresentou o tópico “Formas de culto em Lutero.” Os pastores da IELB, Breno Thomé e Fernando Ellwanger Garske apresentaram uma reação às palestras na última sessão do en-contro. Devoções no início de cada dia de atividades foram dirigidas pelos pastores Arnildo Schneider, Wilmar Meister e Dr. Acir Raymann.

O 3º Simpósio Internacional de Lutero integra e deu início a uma série de programações previstas pelo Seminário Concórdia na contagem regressiva para a celebração dos 500 Anos de Reforma Luterana em 2017. Ao mesmo tempo, o simpósio marcou a etapa final na unificação dos Seminários da IELB visto que, com sua realização, todos os programas anteriormente desenvolvidos pela Escola Superior de Teologia de São Paulo estão agora sendo promovidos pelo Seminário Concórdia de São Leopoldo. Os dois primeiros simpósios, realizados em 1996 e 1999 em São Paulo, tiveram como temas, respectivamente: “Lutero e o ministério pastoral” e “Comunhão e separação no altar do Senhor”. O livro reunindo os textos do 2º Simpósio foi oficialmente lançado pela Editora Concórdia na sessão de encerramento do 3º Simpósio.

Desde o início, foram estabelecidos dois objetivos principais para os simpósios de Lutero:

1. Fomentar o estudo da teologia de Lutero1.1. Incentivar pastores e teólogos brasileiros e latino-americanos a

lerem e pesquisarem as obras de Lutero; 1.2. Criar um fórum onde a pesquisa em Lutero possa ser comparti-

lhada e debatida; 1.3. Manter vínculos com faculdades de teologia e outras instituições

que se dedicam ao estudo da teologia de Lutero, convidando seus pesqui-sadores para apresentarem suas pesquisas no simpósio.

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2. Divulgar a teologia de Lutero2.1. Aprofundar o conhecimento da teologia de Lutero entre o povo

luterano e evangélico do Brasil e da América Latina; 2.2. Tornar Lutero e sua teologia conhecidos por um público brasileiro

e latino-americano mais amplo, além do círculo das igrejas luteranas e evangélicas;

2.3. Estimular a publicação de pesquisas em torno de Lutero.

O 3º Simpósio Internacional de Lutero, ao enfocar o culto cristão, ocupou-se de um tema muito próximo de cada cristão. Cultos acontecem toda a semana, ou todo o domingo. Acontecem de uma ou de outra ma-neira. Podem ser simples rotina irrefletida ou podem ser celebrações bem conscientes, bem pensadas e elaboradas.

É possível suscitar muitas indagações relativas ao culto. Por exemplo: qual é sua importância no contexto das atividades do pastor e da con-gregação? Quanto tempo pode/deve ser despendido em sua preparação? Que outras atividades do pastor competem em importância com o culto? E, conduzindo a reflexão para o campo teológico, se pergunta: O que acontece, realmente, no culto? Certamente, espera-se que ali aconteça um encontro entre Deus e o homem. Mas, como se dá esse encontro? Quem vai ao encontro de quem? Em outras palavras, o culto é primordialmente um evento antropocêntrico ou teocêntrico?

Algumas épocas da história da igreja refletiram sobre tais questões mais do que outras. uma dessas épocas foi a da Reforma. Quando Lutero redescobriu o Evangelho da justificação do pecador por causa de Cristo e de sua expiação vicária, esta descoberta se refletiu necessariamente também sobre o culto e a maneira como este é compreendido e celebrado. Por essa razão, os 101 participantes do simpósio tomaram as ponderações e propostas de Lutero como seu ponto de partida na reflexão sobre o culto cristão e seu significado para os cristãos de todos os tempos.

Paulo Wille BussCoordenador do Simpósio

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O QuE É MÚSICA SACRA Ou HINO SACRO?

Raul Blum*

1. INTRODUçãO

“O SENHOR está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra” (Hb 2.20). Este versículo nos faz refletir sobre a nossa participação no culto. Ele nos faz lembrar de que no culto Deus nos fala e nós ouvimos. Deus revelou-se a nós em sua palavra e é nesta palavra que Deus nos vai moldar e fazer seus discípulos. E Jesus nos garantiu: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20).

Jesus está conosco em sua palavra. É sua palavra que vai nos orientar em tudo aquilo que fizermos, inclusive no culto. Nós não podemos cultuar como nós queremos ou inventamos; nós precisamos cultuar assim como Deus quer que ele seja cultuado.

E Deus quer o nosso louvor; ele mesmo nos conduz a isso. Paulo nos estimula para o louvor quando escreve: “Habite ricamente em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Cl 3.16-17). Tudo o que fizermos precisa ser feito em nome do Senhor Jesus.

Nosso assunto é “O que é música sacra ou hino sacro?”. A música sa-cra ou hino sacro também precisa ser feita “em nome do Senhor Jesus”. Vamos, então, examinar este assunto.

2. O SURGIMENTO DOS HINOS

“E, tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras” (Mt 26.30). No dia da instituição da Santa Ceia, Jesus e seus discípulos cantaram um hino. Era um salmo do Antigo Testamento. Ainda era uma cerimônia da Páscoa do Antigo Testamento.

À música herdada do Antigo Testamento, aqueles salmos que o povo sabia cantar, a igreja cristã começou a acrescentar novos hinos. Podemos perceber que o apóstolo Paulo incentiva o surgimento de novas canções

* Raul Blum é professor de música no Seminário Concórdia de São Leopoldo/RS. Palestra proferida no 4º Encontro de Músicos no Seminário Concórdia de São Leopoldo/RS, em 26 de setembro de 2009.

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quando estimula os colossenses a louvar a Deus com “salmos, hinos e cânticos espirituais” (Cl 3.16). Salmos, sem dúvida, são aqueles do Antigo Testamento e, talvez, também aqueles cânticos registrados nos primeiros dois capítulos de Lucas. Mas, “hinos e cânticos espirituais” nos levam a pensar em novas composições.

Durante a Idade Média, com o avanço do império romano, a igreja também se alastrou rapidamente. A igreja cristã antiga cantava nos cul-tos. Mas, a partir do século IV, quando o cristianismo se tornou a religião oficial do império, o canto congregacional foi gradualmente diminuído. Grandes catedrais eram construídas com dinheiro do estado e cantores profissionais, os clérigos, eram cada vez mais utilizados para dar beleza ao desempenho do culto. Surgiu a Schola Cantorum, que preparava mú-sicos profissionais para os cultos. O papa Gregório (Gregório I, papa de 590-610 ou Gregório II, papa de 669-731) introduziu o canto gregoriano como o único canto a ser cantado nos cultos, que é muito complexo para a congregação cantar.

O canto gregoriano era somente a uma voz; mesmo o coro cantava em uníssono. Após o século X, surgem composições a mais vozes, o organum, o conductus e, depois, o motetus. No entanto, são composições para coros e solistas treinados. O povo assiste ao culto; não tem condições de cantar junto, pois tudo precisa ser treinado. Além disso, a liturgia também era cantada numa complexidade que o povo não conseguia entoar.

Com o surgimento da Reforma no século XVI, a situação do canto con-gregacional volta a ser semelhante à igreja antiga: o canto congregacional ressurge. E, junto com o canto congregacional, a composição de hinos na língua do povo. Lutero compõe hinos e pede colaboração de outros compositores e poetas. Calvino restringe o canto congregacional ao canto uníssono de salmos metrificados. Mas ambos os reformadores deixam o povo cantar. E isto fez grande diferença na participação do povo nos cultos. O povo agora se sentia parte da ação litúrgica na igreja. Zwínglio é exceção na Reforma, pois proíbe instrumentos no culto e, finalmente, também proíbe até o canto congregacional.

3. PARADIGMAS DE LOUVOR EM LUTERO1

Para Lutero, a música é acima de tudo criação e dom de Deus. No seu escrito Symphoniae iucundae, que ele dirige a Jorge Rhau, escreve: “Eu certamente gostaria de exaltar a música de todo o meu coração como o

1 Lutero não tem um escrito específico sobre os paradigmas de louvor que ele teria usado. Carl Schalk, em seu livro Luther on Music: paradigms of praise, faz uma apanhado das referências de Lutero à música e estabelece os cinco paradigmas de louvor que ele encontrou em Lutero e que são citados neste artigo.

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O Que É MÚSICa SaCra Ou HInO SaCrO?

dom excelente de Deus que é e recomendá-la a todos”.2 Naquelas cha-madas Conversas de mesa, Lutero enfatiza a necessidade de se ensinar este dom de Deus à juventude.

A música é um dom destacado de Deus o mais próximo da teologia. Eu não gostaria de desistir do meu superficial conhe-cimento de música nem por um grande motivo. E à juventude deveria ser ensinada esta arte; pois ela faz pessoas excelentes e habilitadas.3

Outro paradigma de louvor para Lutero é a música como proclamação e louvor. O dom de Deus não tem um fim em si mesmo. Ele precisa servir para o louvor e a glória do Criador, especialmente para a proclamação de sua palavra. Em carta dirigida ao músico católico Ludvig Senfl, Lutero enfatiza que a música é singular para a proclamação do evangelho:

Esta é a razão por que os profetas não fizeram uso de nenhuma arte exceto música; quando expuseram sua teologia, eles não a fizeram como geometria, nem como aritmética, nem como astronomia, mas como música, de maneira que eles seguraram teologia e música firmemente conectadas, e proclamaram a verdade através de Salmos e canções.4

Lutero queria conservar todas as tradições que não conflitassem com os ensinos bíblicos. Por isso manteve a estrutura da liturgia histórica e utilizou também a música como canto litúrgico. A diferença que Lutero promoveu no culto ou missa, é que o povo passou a cantar também a liturgia, além dos hinos. Conserva-se a liturgia tradicional, reformada nos erros doutrinários e dando participação ativa no canto do povo. Lutero entendia que o culto todo, inclusive os hinos, fazem parte da liturgia. Para que o povo pudesse participar com mais fluência na liturgia, versificou o Credo e o Sanctus, transformando-os em hinos.

Outro paradigma de louvor para Lutero é a música como o canto dos sacerdotes reais. O canto congregacional é consequência natural do sa-cerdócio real de todos os crentes. No sermão de dedicação da Igreja do Castelo de Torgau, Lutero afirmou:

Pois quando eu prego, quando nós nos reunimos como uma con-gregação, isto não é minha palavra ou meu fazer; mas é feito em

2 LW 53:3213 PLASS, Ewald M. What Luther Says, p. 979.4 LW 53:323-24.

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favor de todos vocês e em favor de toda a igreja... Assim também todos eles oram e cantam e dão graças em conjunto; aqui não há nada que alguém tenha ou faça por si mesmo somente; mas o que cada um tem também pertence ao outro.5

As consequências de entregar novamente ao povo a prática do sacer-dócio de todos os crentes foram que a Bíblia e a liturgia foram dadas ao povo; os cantos de Lutero, muitos deles adaptados do canto gregoriano, facilitaram o canto congregacional; também o coro da congregação fez parte da assembleia do culto.

Finalmente, mais um paradigma de louvor em Lutero é a música como um sinal de continuidade com toda a igreja. No seu escrito Recebendo ambas as espécies no sacramento, Lutero comentou: “Que a antiga prática continue. Que a missa seja celebrada com vestimentas consagradas, com cantos e todas as cerimônias usuais em latim, reconhecendo o fato que estes são meros fatores externos que não prejudicam as consciências dos homens”.6 Lutero não abandonou a herança musical da igreja. Conservou a tradição possível, sem descuidar da criação de novos hinos. Para Lutero, aceitar a tradição é estar ligado aos cristãos de outros tempos e lugares e estar lembrado de que a igreja é única, santa, católica e apostólica, enfim, que a igreja é a comunhão dos santos. Assim, no seu escrito Tratado sobre as últimas palavras de Davi, Lutero escreve:

Santo Ambrósio compôs muitos hinos da igreja. Eles são chamados hinos da igreja porque a igreja os aceitou e os canta simplesmente como se a igreja os tivesse escrito e como se eles fossem os cantos da igreja. Por isso, não é costume dizer “Assim canta Ambrósio, Sedúlio”, mas “Assim canta a Igreja Cristã”. Porque estes são agora os cantos da igreja, que Ambrósio, Sedúlio, etc. cantam com a igreja e a igreja com eles. Quando eles morrem, a igreja sobrevive a eles e prossegue em cantar suas canções.7

Lutero e seus colaboradores musicais trabalharam dentro destes para-digmas de louvor. utilizaram a música como um dom de Deus para a pro-clamação do evangelho, louvor de Deus, participação do povo na liturgia, instrução do povo e fizeram da música um sinal de continuidade da igreja. A doutrina restaurada foi incutida nas mentes e nos corações do povo.

5 LW 51:343.6 LW 36:254.7 LW 15:274.

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O Que É MÚSICa SaCra Ou HInO SaCrO?

4. APLICAçõES DOS PARADIGMAS DE LOUVOR DE LUTERO

Se os pensamentos de Lutero sobre os paradigmas de louvor têm apenas aplicação histórica para a sua época, então é apenas um interesse histórico. No entanto, se seus pensamentos são úteis em si, então eles valem para todas as épocas. Façamos uma breve análise.

Poderíamos dizer com Lutero hoje que o paradigma fundamental do louvor cristão é a música como criação e dom de Deus? É claro que a música tem servido como meio de louvor a Deus e ensino cristão durante séculos. No entanto, a música sempre foi e sempre será um dom de Deus, mesmo que alguns não reconheçam isso. “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg 1.17).

Para Lutero, a música é meio para a “viva voz do evangelho”, ou seja, utilizar a música como proclamação e louvor. Portanto, o texto de hinos e músicas religiosas é de grande importância. Os textos precisam conter lei e evangelho, ou seja, a condenação dos pecados e a solução de nossa vida pecaminosa em Cristo. O que se prega no púlpito precisa ser con-firmado naquilo que se canta. Johann Sebastian Bach fez isto com a sua obra. Suas cantatas, paixões e oratórios expõem a palavra de Deus. No final das obras sempre escrevia soli Deo gloria (somente a Deus a glória), reconhecendo a música como dádiva de Deus. usando a música como proclamação da palavra de Deus, estamos louvando a Deus, reconhecendo que ele é a fonte de todo bem. Os salmos estão repletos de louvor a Deus e o apóstolo Paulo recomenda: “instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais” (Cl 3.16).

utilizar a música como canto litúrgico é colocá-la em sintonia com o ano litúrgico e com o lecionário, ou seja, com os assuntos do dia da igreja e de acordo com as leituras do dia. A música que está enquadrada com o assunto do dia ajuda a proclamar e enfatizar a palavra que está sen-do anunciada dentro do tema do dia ou da época em que se está sendo oficiado o culto.

A música como canto dos sacerdotes reais foi uma das grandes conquis-tas da Reforma, algo que a igreja havia deixado de lado por um milênio. O povo precisa participar da liturgia e do culto como um todo. O crente na congregação não é mero espectador. Aí a cultura local, os costumes locais podem ser utilizados. O povo precisa participar segundo seus dons e segundo suas habilidades musicais. Colocar instrumentos que o povo saiba tocar ou possa aprender, cantar músicas que o povo possa cantar ou possa aprender sem esquecer a cultura local. A música e o canto são da congregação e não de um grupo apenas.

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Finalmente, Lutero nos faz ver também nos dias atuais que precisamos utilizar a música como sinal de continuidade com toda a igreja. Lutero utilizou música do passado e do presente. Somos parte da igreja universal e a música composta em tempos passados e utilizada hoje representa isso vivamente. Mas a utilização de músicas antigas não despreza o presente, aquilo que se faz agora. É a continuidade da existência da igreja: olhamos para frente, examinamos nossos problemas e solução para agora e para o futuro e o expressamos em nossos hinos e nas nossas músicas atuais.

5. ORIENTAçõES PARA ANÁLISE DE HINO CRISTãO OU MúSICA CRISTã

As orientações que seguem foram criadas pela Comissão de Culto da The Lutheran Church - Missouri Synod (LCMS) dos Estados unidos.8 O material publicado pela Comissão de Culto serve para analisar o conteúdo de hinos e também orienta sobre a música adequada para canto congre-gacional. Consequentemente, este material pode nos auxiliar também nas criações de nossos hinos e músicas atuais que estão surgindo em nossa igreja.

5.1 Considerações sobre o textoum hino ou outra composição sacra não vai conter cada assunto da

doutrina cristã. Cada texto vai ter sua ênfase doutrinária: batismo, santa ceia, justificação pela fé, santificação, fim dos tempos. No entanto, mesmo que um texto não possa dizer tudo, ele precisa dizer algo sobre Deus e a fé cristã. Cuidado especial precisa haver para que um texto não diga algo que é contra a palavra de Deus.

Examinemos as sugestões para análise de textos de hinos apresenta-dos pela Comissão de Culto da LCMS. São questões diagnósticas que nos podem ajudar a avaliar o texto seguindo critérios doutrinários.

Considere este exemplo ao revisar o hino “Em Jesus amigo temos”:

O texto apresentaJesus como o Salvador que morreu pelos pecadores?

__X_______________Ou é a figura de Jesus meramente como um companheiro, amigo ou modelo?

n/a

Quanto mais o texto seja descrito de acordo com a questão da direita, tanto menos atenção aquele texto pode demandar. É importante lembrar

8 COMISSION ON WORSHIP, Text, Music, Context; a resource for reviewing worship materials.

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que tal taxação é mais uma arte do que ciência. Além disso, nem todas as questões se aplicarão a cada texto específico; em tais casos a caixa “n/a” (não aplicável) pode ser marcada.

5.1.1 Este texto confessa o Deus triúno?

Está claro que o texto é dirigido ou fala do Deus triúno? |___________________|

Ou a identidade dirigida a Deus está sendo deixada vaga e incerta?

n/a

O texto dá evidência da relação das três pessoas e especialmente do papel do Filho em revelar a vontade graciosa do Pai?

|___________________|

Ou é mencionada apenas uma pessoa da Trindade com a exclusão das outras?

n/a

O texto dá evidência que nosso conhecimento de Deus é revelado através de sua Palavra?

|___________________|

Ou ele sugere que o Deus Triúno pode ser conhecido à parte de sua Palavra?

n/a

5.1.2 Este texto aborda a questão do pecado e a nossa condição pe-caminosa?

A realidade do pecado e suas consequências mortais são expressas adequadamente?

|___________________| Ou é nossa total impotência ignorada ou subestimada?

n/a

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O texto expressa nossa total inabilidade de crer em Cristo ou vir a ele?

|___________________|Ou é alguma habilidade concernente à nossa conversão atribuída a nós, sugerindo talvez que somos capazes de nos decidir a seguir Jesus?

n/a

5.1.3 Este texto proclama o perdão dos pecados em Cristo Jesus?

O texto apresenta Jesus como o Salvador que morreu pelos pecadores?

|___________________| Ou é a figura de Jesus meramente aquela de companheiro, amigo ou modelo?

n/a

O texto proclama claramente que somos justificados diante de Deus somente pelo amor de Cristo?

|___________________| Ou está este “artigo principal” ausente ou de alguma maneira feito irrelevante ou incerto?

n/a

O evangelho é apresentado em imaginação concreta, recorrendo ao testemunho bíblico?

|___________________|Ou é o evangelho apresentado em termos abstratos, como “amor”, “alegria” ou “paz” – sem nenhuma conexão concreta ao perdão dos pecados em Jesus Cristo?

n/a

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O Que É MÚSICa SaCra Ou HInO SaCrO?

O texto apresenta boas obras como uma resposta ao evangelho?

|___________________| Ou são nossas boas obras vistas como fins em si mesmas com a impressão dada que por elas merecemos salvação?

n/a

5.1.4 Este texto confessa a obra de Deus através dos meios da graça dentro da igreja?

O texto confessa a atividade continuada do Deus triúno na sua igreja através da Palavra e Sacramento?

|__________________|Ou não há direção dada a como estamos conectados através da Palavra e Sacramento com os dons de Deus de perdão e vida?

n/a

5.1.5 Este texto proclama apropriadamente e distingue entre a Lei e o Evangelho?

É a Lei proclamada como o que Deus requer de todos os seres humanos, e como algo que nos é impossível observar?

|_________________|Ou é a Lei completamente omitida, ou apresentada de tal maneira a nos fazer pensar que podemos, em parte, observá-la?

n/a

Cristo é proclamado como tendo observado a Lei perfeitamente para nós?

|_________________| Ou é ele apresentado como um exemplo que devemos seguir?

n/a

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O texto enfoca os atos salvíficos de Deus?

|_________________| Ou é o foco em mim: meus desejos, necessidades e carências?

n/a

O Evangelho está fundamentado na encarnação, crucificação e ressurreição de Jesus?

|_________________| Ou ele transmite meramente um vago senso de esperança?

n/a

Mais uma vez é necessário lembrar que a tarefa de revisar textos de

hinos e canções é mais uma arte do que ciência. Por esta razão nenhuma tentativa foi feita aqui para designar um valor quantitativo para cada texto. Também é importante compreender que muito poucos hinos vão satisfazer todos estes critérios. O valor de revisar hinos textos com base nestas ques-tões é que eles dão aos planejadores de culto uma série de instrumentos com os quais possam provar a força ou a fraqueza de um texto.

6. CONSIDERAçõES SObRE A MúSICA

Para Lutero, a música estava secundada apenas pela teologia. Desde seu início, a Igreja Luterana sempre reconheceu a música como um dom criado por Deus – um dom que é bom e que deve ser recebido com ações de graças (1Tm 4.4-5), visto que a música serve como um veículo para a proclamação do evangelho. Precisamos ter em mente que a música não é neutra. Ela pode ter associações com contextos particulares e com épocas específicas. E, para uma melodia congregacional, é preciso ter em mente que ela seja “cantável” pelo cantor mediano, aquele que não tem preparo específico. Isto não quer dizer que uma melodia precisa ser fácil ao extremo, mas que uma melodia possa, com algum ensaio, ser cantada pela maioria.

Examinemos, então, as sugestões para uma melodia congregacional dadas pela Comissão de Culto da LCMS.

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O Que É MÚSICa SaCra Ou HInO SaCrO?

6.1 É a melodia adequada para canto corporativo?

A melodia pode ser cantada confortavelmente por uma congregação, seja grande ou pequena?

|_________________|Ou ela é solística no estilo, exigindo flexibilidade na execução que somente um solista pode dar?

n/a

A melodia é durável? Ela é interessante o suficiente para suportar uso repetido?

|_________________| Ou ela é tão simples no estilo que a congregação não encontra desafio constante nela?

n/a

6.2 É a melodia cuidadosamente trabalhada para auxiliar no canto?

A melodia ajusta-se confortavelmente na extensão da voz comum?

|_________________| Ou ela contém preponderância de notas muito agudas ou muito graves?

n/a

A melodia exibe um balanço cuidadoso de intervalos de segunda e saltos?

|_________________|Ou ela contém saltos difíceis que deixam a congregação surpreender-se com qual nota virá depois?

n/a

A melodia usa repetição de frases de uma maneira que ajuda o ensino sem, todavia, tornar-se enfadonha ou tediosa?

|_________________| Ou ela consiste de constante material novo que a torna difícil de aprender?

n/a

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A melodia usa sincopas de uma maneira que pareça natural e ajuste-se bem com o texto?

|_________________|Ou as sincopas são usadas como uma ferramenta estilística com pouca consideração com o texto ou com a habilidade da congregação de cantá-la?

n/a

A melodia é capaz de permanecer por si só e assim encorajar forte canto congregacional?

|_________________| Ou ela é tão dependente do acompanhamento que sem ele a melodia carece de caráter e interesse?

n/a

6.3 A melodia suporta o texto?

A melodia reflete o texto em termos de temperamento e estilo?

|_________________|Ou ela apresenta um forte contraste com o texto (isto é, uma linha jovial anexada a um texto de lamento ou súplica)?

n/a

As palavras e a melodia ajustam-se naturalmente?

|_________________| Ou há irregularidades que resultam em confusão silábica de uma estrofe à seguinte ou um acento artificial do texto para ajustar-se à música?

n/a

A melodia é notável sem obscurecer o texto?

|_________________| Ou ela domina o texto a tal ponto que é a melodia e não o texto que é lembrado?

n/a

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O Que É MÚSICa SaCra Ou HInO SaCrO?

É a melodia capaz de carregar a palavra de Deus de uma maneira digna?

|_________________| Ou a melodia torna o texto trivial, roubando-o da dignidade que é inerente a qualquer texto que proclama Cristo e seus benefícios?

n/a

Sem dúvida, estamos lidando aqui com elementos subjetivos sobre os quais pode haver discussões. No entanto, quando se trata de canto congre-gacional, o fato objetivo é que a congregação possa tomar parte ativa, can-tando naturalmente sem a necessidade de ter alguém para “puxar” o canto com um microfone. Quando o canto é destinado a um solista, as orientações musicais acima para o canto congregacional não se aplicam necessariamente. um solista é treinado e pode ser exigido mais em seu desempenho do canto do que a congregação. No entanto, as orientações doutrinárias para o texto precisam ser consideradas para qualquer tipo de música cristã.

7. CONCLUSãO

Nossa tarefa como músicos cristãos é abençoada: lidamos com uma criação e dom de Deus. Por isso mesmo nossa tarefa como músicos cris-tãos é de grande responsabilidade: precisamos transmitir aquilo que Deus quer que transmitamos: a sua palavra. E é nesta tensão que precisamos trabalhar: Deus nos deu o dom da música e este dom precisa ser usado com responsabilidade: para Deus, o melhor. Para tanto, precisamos de constante aperfeiçoamento musical e doutrinário para que possamos utili-zar da melhor maneira possível nosso dom e para que possamos também transmitir a palavra de Deus com precisão e pureza de doutrina.

No culto não somos apresentadores de espetáculo; somos conduto-res da proclamação da palavra e do louvor a Deus. E a apresentação do louvor a Deus é de toda a congregação. Portanto, sejamos organistas, tecladistas, guitarristas ou bateristas, o volume de nossos instrumentos não pode sufocar o canto congregacional.

Neste encontro de músicos estamos procurando resposta para a in-dagação: “Qual é o papel da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) para a música cristã do século XXI?” Jamais, em toda a história da músi-ca sacra, foram produzidas tantas canções novas como em nossos dias. Isto é um dom de Deus. No entanto, é um dom que precisa ser utilizado adequadamente. Existem muitos textos que não expressam a fé cristã

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corretamente e que põem méritos na pessoa em vez de colocá-los em Deus. Precisamos saber fazer uma seleção dos textos que usamos para transmitirmos realmente aquilo que Deus quer que transmitamos.

Portanto, temos uma importante tarefa a cumprir. O principal é que o texto que criarmos seja a expressão, interpretação e aplicação da palavra de Deus para nós hoje. Não podemos divagar, imaginar e criar fantasias em nossas letras. Precisamos expressar a pura palavra de Deus, a doutrina correta da fé cristã em linguagem atual. “Qual é o papel da IELB para a música cristã no século XXI?” Não resta dúvida: cabe a nós interpretarmos os nossos dias, nossas ansiedades e necessidade para com Deus e para com o próximo e expressar isto em nossas músicas com doutrina correta e aplicação adequada, segundo a perspectiva da revelação de Deus em sua palavra.

O papel da IELB para a música cristã no século XXI está na resposta ao significado de música sacra ou hino sacro. Um hino sacro é aquele que transmite a palavra de Deus, fundamentado na Escritura, com clareza de Lei e Evangelho, sem divagações pessoais que contradigam a iniciativa de Deus em nos oferecer gratuitamente a salvação. O texto de um hino ou de qualquer obra sacra é que transmite este conteúdo e a música é que conduz este texto na arte que é uma criação e dom do próprio Deus.

Deus nos conduza neste sentido.

REFERêNCIAS

BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.BLuM, Raul. Lutero e Seus Escritos em Forma de Poemas e Hinos. In: Lutero, o Escritor. Fórum ulbra de Teologia – volume 3. Canoas: Editora da uLBRA, 2006, p. 67-115.COMISSION ON WORSHIP. Text, Music, Context: a resource for reviewing worship materials. Saint Louis: The Lutheran Church - Missouri Synod, 2004.DREHER, Martin N. Lutero e a música. In: Martinho Lutero: obras selecio-nadas, v. 7. São Leopoldo/Porto Alegre: Editora Sinodal/Concórdia Editora, 2000, p.473-484.HINÁRIO LuTERANO – 17 ed. Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Porto Alegre: Concórdia, 2007.LIEMOHN, Edwin. The Singing Church. Ohio: The Watburg Press, 1959.SCHALK, Carl F. Luther on Music: paradigms of praise. Saint Louis: Con-cordia Publishing House, 1988.WESTERMEYER, Paul. Te Deum: the church and music. Minneapolis: For-tress Press, 1998.

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Paulo Samuel AlbrechtAcir Raymann*

Deus sempre buscou o ser humano para estar do seu lado. Foi assim com Adão e Eva depois da queda (Gn 3.15) e será assim até a volta de Cristo. Deus incansavelmente vai atrás dos seus filhos, oferecendo a sua graça e amor, que se tornaram manifestos na plenitude do tempo em Jesus Cristo (Gl 4.4). Por isso é duvidoso que se possa falar da missão como obra da Igreja; o mais acertado seria falar que missão é obra de Deus, bem como o fundamento da própria existência da Igreja. É Deus quem vai atrás do seu povo e o busca, motivando aqueles que são seus a também ir em busca de outros1.

Tendo isto em mente se quer aqui analisar o trabalho missionário e a congregação cristã na cidade de Antioquia da Síria, um dos mais im-portantes centros urbanos do Império Romano. A análise se baseará em dois textos do livro de Atos dos Apóstolos: 11.19-30 e 13.1-3. Visto não haver muitas controvérsias e variantes para os textos aqui analisados, optou-se por não se fazer uma comparação de traduções, mas oferecer-se uma tradução própria com notas explicativas sobre aspectos gramáticos, históricos e contextuais do texto. Além disso, na segunda parte, busca-se fazer uma análise do texto, baseando-se em palavras-chave do mesmo, as quais revelam a atividade missionária e congregacional daquela igreja, procurando relacioná-las com as atividades e realidades do mundo e da igreja hoje.

O MUNDO ROMANO: SEUS ObSTÁCULOS E OPORTUNIDADES

O mundo romano do primeiro século depois de Cristo apresentava uma realidade complexa e o evangelho encontrou o seu caminho, apro-veitando os incentivos e tentando vencer os obstáculos que este império apresentava aos primeiros cristãos. Entre os incentivos estavam: a) a pax romana, aliada a um sistema de estradas invejável à época e ao constante

*Paulo Albrecht é pastor no Rio de Janeiro, RJ. Acir Raymann é professor de Exegese no Seminário Concórdia, em São Leopoldo, RS e no curso de Teologia da ulbra, Canoas, RS.1 Obra clássica que trata deste assunto é VICEDOM, Georg. Missão como obra de Deus. São Leopoldo: Sinodal, 1996.

MISSÃO uRBANA E A IGREJA DE ANTIOQuIA EM ATOS

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deslocamento de tropas, especialmente para as regiões mais instáveis, que estavam sob controle direto do imperador; b) a língua grega, que era a língua comum do império, aliada à cultura helênica, as quais apre-sentavam um vocabulário teológico e filosófico desenvolvido; c) religiões gregas, que cada vez mais desiludiam o povo com o politeísmo pagão e que não aliviavam o senso de pecado do povo; d) a religião judaica, da qual o cristianismo emprestou diversas práticas, como o apego às Escri-turas, padrões éticos elevados e conversão, que desfrutava o status de religião lícita no império; além disso, judeus e suas sinagogas estavam espalhados por todo o império.2

Os obstáculos que se interpunham à pregação do evangelho dos cris-tãos do Novo Testamento podem ser divididos em obstáculos colocados pela: a) religião judaica: pessoas sem formação erudita e formal pregando o Evangelho, até para sacerdotes e rabinos; a pregação de um Messias crucificado; e a Igreja como um grupo dentro do judaísmo com crenças que iam contra as doutrinas deste – heresia que devia ser expulsa; b) cultura greco-romana: o cristianismo era considerado uma superstitio e não uma religio licita; tinha padrões éticos muito altos; quanto a questões intelectuais, defendia a revelação particular de Deus em Jesus Cristo e proclamava a morte na cruz como algo que dava sentido para o universo, além de ser uma doutrina nova, o que não era muito do agrado dos cida-dãos romanos. Associado a tudo isto ainda estava a inferioridade cultural dos cristãos, visto serem eles no começo, em sua maioria, provenientes de classes mais baixas da sociedade.

As províncias romanas estavam sob o controle dos procônsules e só eles podiam executar a pena capital, não aceitando, contudo, denúncias anônimas. Além disso, durante as primeiras décadas havia certa confusão entre judaísmo e cristianismo, especialmente para os de fora. Os cristãos também sofriam sob três pesadas acusações: ateísmo, pois não adoravam os deuses pagãos; incesto, visto se reunirem em lugares particulares, tratarem-se por irmãos e terem a prática do ósculo santo; e canibalismo, por falarem que na Ceia comiam o corpo de Cristo. A tudo isso se adicione o fato de se recusarem a adorar a César e o caldeirão do Império Romano do primeiro século está prestes a ferver.3

Os desafios para os primeiros cristãos foram muito grandes. Michael Green, por isso, defende que foi em Antioquia que o cristianismo saiu do seu casulo judeu. Ela era uma espécie de microcosmo da antiguidade romana do primeiro século, pois gozava de quase todas as vantagens, possuía quase todos os mesmos problemas e perseguia os mais variados

2 GREEN, Michael. Evangelização na igreja primitiva. 2ª ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1989. p. 11-30.3 GREEN, Michael. Evangelização na igreja primitiva. 2ª ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1989. p. 31-54.

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interesses humanos que a fé cristã teria que enfrentar.4

Se Roger Greenway está certo, poder-se-ia dizer que a Igreja de Cristo aqui no Brasil tem conexões com Antioquia e é devedora daquela igreja:

Entender Antioquia é crucial para uma percepção bíblica de mis-são urbana, porque lá se estabeleceram modelos que definiram o curso da história da missão e mudaram o mapa religioso do mundo. [...] A igreja de Antioquia, ao comissionar e enviar os primeiros missionários para o mundo não-evangelizado, tornou-se a mãe de todas as igrejas gentias. 5

A IGREJA DE ANTIOqUIA EM ATOS 11.19-30 E 13.1-3

Atos 11.19-3019 Agora, então6, os que foram dispersos7 pela tribulação8, a qual

ocorreu por causa de9 Estevão, foram até a Fenícia e Chipre e Antioquia, a ninguém falando a palavra, exceto10 somente a Judeus. 20 Porém alguns deles eram homens de Chipre e Cirene, os quais vindo para Antioquia

4 Ibidem, p. 139.5 GREENWAY, Roger; MONSMA, Timothy. Cities: Mission’s New Frontier. 2a ed. Grand Rapids: Baker Books, 2000. p. 54.6 Estas palavras dão a entender que este trecho é algo que não faz parte da narrativa princi-pal, que acaba no versículo 18, com Pedro defendendo-se diante dos judeus por causa de seu ministério entre os gentios, e é retomada no primeiro versículo do capítulo doze, onde Herodes persegue a igreja de Jerusalém. Este trecho parece preparar o leitor para a grande virada de rumo do livro no capítulo 13, onde Paulo e Barnabé são escolhidos para levar o evangelho aos gentios. Newman e Nida apontam para o fato de que aquilo que vai ser contado neste trecho ocorre simultaneamente ao que acontece entre 8.5 – 11.18. (NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: united Bible Societies, 1972. p. 226)

7 Particípio, aoristo, passivo, nominativo, plural. de diaspei,rw espalhar, dispersar. Os discí-pulos não partiram porque quiseram ou por zelo missionário, mas foram obrigados a tal pela perseguição ue se instaurou após o assassinato de Estevão.8 Qli/yij tribulação, perseguição. Louw e Nida traduzem como “dificuldade envolvendo so-frimento direto” e traduzem a primeira parte do versículo como “portanto aqueles que foram espalhados como resultado da dificuldade e do sofrimento que aconteceu no tempo de (da morte de) Estevão”. (LOuW, Johannes P.; NIDA, Eugene A. Greek-English Lexicon of the New Testament: Based on Semantic Domains. Vol. 1 (Introduction and Domains). New York: united Bible Societies, 1989. p. 243.9 evpi. esta preposição pode ser traduzida de diversas maneiras, mas aqui parece indicar razão, causa, motivo. Cf. Ibidem, p. 781. Por causa de seu testemunho diante do Sinédrio (Atos 7 e 8) ele foi assassinado e, provavelmente depois disso, seguiu-se uma perseguição aos demais cristãos de Jerusalém. Assim, a perseguição foi “por causa de” Estevão, mesmo que indire-tamente.10 eiv mh. exceto. Cf. DANKER, Frederik W. A Greek-English Lexicon of the New Testament and other Early Christian Literature. 3a ed. Baseado em Bauer, Walter Grieschich-deutsches Wörterbuch zu den Schriften des Neuen Testaments und der frühchristlichen Literatur. 6a ed. Editado por Kurt Aland e Barbara Aland, com Viktor Reichmann e edições prévias em inglês de W.F. Arndt, F.W. Gingrich e F.W. Danker. Chicago: The university of Chicago Press, 2000. p. 278.

MISSÃO urbana e a Igreja de antIOQuIa eM atOS

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começaram a falar11 também para os Helenistas12, proclamando o Senhor Jesus. 21 E a mão do Senhor era com eles e assim muito [grande era] o número, que crendo, converteu-se ao Senhor. 22 E a palavra foi ouvida pelos ouvidos da igreja que está em Jerusalém com respeito a estas coisas e enviaram13 Barnabé para ir até Antioquia 23 o qual chegando e vendo a graça de Deus, alegrou-se e exortava14 a todos a permanecer no Senhor com propósito de coração, 24 porque era um homem bom e cheio do Espírito Santo e fé e uma considerável multidão foi acrescida ao Senhor. 25 E ele partiu para Tarso para procurar Saulo. 26 E achando voltou para Antioquia. E aconteceu que eles reuniram-se15 um ano inteiro na igreja e ensinavam16 considerável multidão, assim pela primeira vez chamaram17 em Antioquia os discípulos “cristãos”.

27 E naqueles dias18 chegaram de Jerusalém profetas a Antioquia. 28 E levantando-se um deles, seu nome Ágabo, comunicava19 através do Espírito [que] uma grande fome prestes a acontecer20 estaria sobre todo o mundo21, a qual aconteceu sob Cláudio. 29 E dos irmãos, assim como

11 O verbo lale,w está aqui no imperfeito (evla,loun). O imperfeito pode ser traduzido de di-versas formas, uma delas sendo com o sentido de começar a fazer alguma coisa (Cf. VOELZ, James. Fundamental Greek Grammar. 2a ed. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1993. p. 70). Visto que no versículo 19 os que foram espalhados pela perseguição não falavam a Palavra aos gentios, e neste os de Cirene e Chipre o fazem, é natural traduzir o imperfeito aqui por “começaram a falar”. Lenski também é favorável a tal tradução (cf. LENSKI, R. C. H. The Interpretation of the Acts of the Apostles. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1961. p. 449-450.12 O termo ~Ellhnista.j é usado parar referir-se a judeus de fala grega e não gentios! (Cf. DANKER, Frederik W., op. cit., p. 319). Lenski, entretanto, argumenta que é impossível neste contexto entender esse termo desta maneira, mas que aqui o autor está se referindo a gregos

gentios e o termo correto deveria ser {Ellhnaj (cf. LENSKI, op. cit., p. 449).13 evxaposte,llw pode ser traduzido como enviar, mas carrega um sentido de enviar em uma missão oficial (cf. DANKER, op. cit., p. 345-6). Barnabé era um representante autorizado e legítimo da igreja de Jerusalém, carregava consigo a autoridade daquela igreja (SMITH, Robert H. Concordia Commentary: Acts. Saint Louis: Concordia Publishing House, 1970. 182). 14 Imperfeito, indicativo, ativo, 3ª singular de parakale,w = exortar. Lenski defende que este imperfeito indica que essa exortação de Barnabé era contínua (Cf. LENSKI, op. cit., p. 454).15 O verbo suna,gw esta aqui no infinitivo passivo, mas transmite mais a idéia reflexiva, isto é, eles “reuniam-se (uns com os outros)” (Cf. DANKER., op. cit., p. 962).16 O verbo dida,skw está aqui no infinitivo aoristo. O aoristo no grego enfatiza a ação em si mesma. Aqui é o ensinar. Contudo fica impossível traduzir como no infinitivo em português. Uma tradução mais adequada parece ser como um imperfeito, isto é, uma ação contínua que se realizava durante aquele ano.17 O verbo crhmati,zw também está no infinitivo aoristo. Os três infinitivos aoristos deste versí-culo, de acordo com Lenski, “são aoristos históricos com o simples objetivo de relatar os fatos” (cf. LENSKI, op. cit., Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1961. p. 457).18 Ou seja, por aquela época em que Paulo e Barnabé estavam ensinando na igreja.19 Imperfeito, indicativo, ativo, 3ª singular de shmai,nw = contar, comunicar, indicar, sugerir, significar (DANKER, op. cit., p. 920).

20 Infinitivo futuro de eivmi,. A fome estava prestes a “ser”, isto é, prestes a ocorrer.21 Provavelmente o autor está se referindo ao Império Romano. Essa interpretação parece ser a melhor especialmente porque o autor menciona que tal fome ocorreu sob o imperador

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se tinha algo, determinaram, cada um deles enviar auxílio22 aos irmãos que moravam na Judéia23, 30 o que fizeram enviando para os presbíteros através da mão de Barnabé e Saulo.

Atos 13.1-31 Estavam em Antioquia, de acordo com aqueles que estavam [na]

igreja24, profetas e mestres, a saber: Barnabé e Simeão, que é chamado Negro, e Lúcio, o Cireneu, Menaém, amigo íntimo de Herodes, o Tetrar-ca, e Saulo. 2 Enquanto eles adoravam25 o Senhor e jejuavam26, disse o Espírito Santo: “Separem-me27 Barbabé e Saulo para o trabalho ao qual os chamei28.” 3 Então jejuando29 e orando30 e impondo31 as mãos os des-pediram.

Cláudio (cf. NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: united Bible Societies, 1972. p. 229).

22 eivj diakoni,an pe,myai. A preposição demonstra propósito e o objeto direto é colocado antes do verbo.23 O grego desse versículo é considerado difícil. Contudo, Lenski aponta que mesmo assim ele transmite dois pontos muito importantes sobre o auxílio enviado por Antioquia: 1) eles deter-

minaram como um corpo, o verbo está no plural (w[risan); 2) cada um deu sua contribuição de acordo com o que tinha; o verbo está no singular (euvporei/to,). Cf. LENSKI, op. cit., Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1961. p. 461.24 BRuCE, F. F. The Acts of the Apostles. Grand Rapids: Eerdmans, 1984. p. 252 e NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: united Bible Societies, 1972. p. 244 “na igreja local”.25 Particípio, genitivo de leitourge,w. O verbo utilizado sugere que eles estavam em um mo-mento de culto. O verbo é utilizado no chamado genitivo absoluto, no qual o sujeito também se encontra no genitivo. Essa construção serve para introduzir uma ação que está ocorrendo simultaneamente a outra e que tem caráter secundário no contexto (cf. James VOELZ, op. cit., p. 149-152). O que é destacado aqui não é o adorar e o jejuar deles ou as pessoas deles, mas a ênfase está no Espírito Santo e no que ele disse.26 Particípio, genitivo absoluto de nhsteu,w = jejuar. Vide explicação na nota 25.27 Imperativo, aoristo, ativo, plural de avfori,zw = separar, colocar de lado. O imperativo é

seguido pela partícula dh,, que é rara e transmite um sentido de urgência. Ela enfatiza o impe-que é rara e transmite um sentido de urgência. Ela enfatiza o impe-rativo e não tem um correspondente em português, por isso é deixada sem tradução. Talvez poderíamos traduzir como “Separem-me agora” (Cf. LENSKI, op. cit., p. 495).28 Perfeito, médio, indicativo de proskale,w = chamar, chamar para seu serviço. De acordo com Voelz, o perfeito tem o seu foco no resultado e por isso ele diz dos verbos no perfeito: “O seu foco está na situação atual, a situação presente de uma ação passada. É importante notar que as formas do “perfeito” não dizem que uma ação passada ainda está acontecendo” (VOELZ, op. cit., p. 168 e 172).29 Particípio, aoristo, ativo, nominativo, plural, masculino de nhsteu,w = jejuar.30 Particípio, aoristo, médio/passivo, nominativo, plural, masculino de proseu,comai = orar. 31 Particípio, aoristo, ativo, nominativo, masculino, plural de evpiti,qhmi = colocar sobre, impor. “A imposição de mãos aqui expressa a comunhão com os dois e o reconhecimento da chamada divina (Bruce)” (RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 214.)

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O CONTEXTO DA PERÍCOPE

Para se entender esta perícope, é necessário que se volte até o capítulo 8, que narra o que sucedeu após o assassinato de Estêvão pelas autori-dades judaicas. No versículo 5 narra-se que uma perseguição aconteceu contra os crentes e obrigou-os a fugir para diferentes regiões. O texto de Atos 11.19 retoma aquele momento e relata o que aconteceu aos crentes de outro ponto de vista. De 8.5 até 11.18 narra-se a perseguição chefiada por Paulo à Igreja, depois a sua conversão e o ministério de Pedro entre os gentios. Em Atos 11.19 se introduz o que estava acontecendo na região da Síria, mais especificamente em Antioquia, e como o evangelho estava fazendo o seu caminho tanto entre os judeus quanto especialmente entre os gentios. O capítulo 12 é um interlúdio na narrativa da igreja de Antio-quia, que é retomada no capítulo 13, com a escolha de Barnabé e Saulo para a obra que o Espírito Santo os chamara e suas posteriores atividades como missionários daquela igreja local. Assim, Paulo parte em suas três viagens missionárias, contudo sempre surgiram dificuldades (13.4-14.28; 15.36-20.38). Uma das maiores delas foi resolvida no Concílio de Jeru-salém (15.1-35).

O TEXTO

O texto se conecta diretamente com a morte de Estevão e a posterior perseguição que se seguiu. As palavras oi me.n ou=n remetem a Atos 8.4, onde se menciona a dispersão dos discípulos32. Similar construção se acha em 9.31, onde se introduz a experiência que Pedro teve entre gentios. A tribulação (qli/yij) se refere à perseguição (diwgmo.j) mencionada em 8.133. Johannes Rottmann sugere que eles foram “semeados” pela perseguição. Isso faz parte da expansão do Evangelho34. Esses judeus seguidores de Cristo foram obrigados a deixar Jerusalém e foram até Chipre, Fenícia e Antioquia. Chipre é uma ilha a oeste da Palestina, com uma população judaica considerável. O próprio Barnabé vem a ser de lá (At 4.36). Fenícia era uma estreita faixa de terra com 24 quilômetros de largura e 192 quilômetros de comprimento ao norte da Galiléia que abrangia as cidades de Tiro e Sidom.

A cidade de Antioquia era um grande centro comercial da época e era a terceira maior cidade do império, ficando somente atrás de Roma e Alexandria. A sua população era estimada em torno de meio milhão de pes-

32 NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: united Bible Societies, 1972. p. 226.33 BRuCE, op. cit., 1984. p. 235.34 ROTTMANN, Johannes; SCHOLZ, Vilson. Atos dos Apóstolos: Atos 6.1 – 17.15. V. 2. Porto Alegre: Concórdia, 1997. p. 68.

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soas35. Os judeus que foram para estas localidades anunciavam a “palavra”, isto é, a mensagem do evangelho somente a judeus. Lenski ressalta que isso não aconteceu somente por causa de uma dificuldade linguística que poderia ter ocorrido entre judeus da Palestina, de fala aramaica, e judeus helenistas e/ou gentios, de fala grega. A língua grega era conhecida por todos e mesmo Pedro, um pescador da Galiléia, a falava36.

Contudo, alguns judeus de Chipre e Cirene foram até Antioquia e anun-ciaram a mensagem para os Helenistas. Os comentaristas não concordam que este termo Helenistas (E~Ellhnista.j) refira-se a judeus helenistas, como usado anteriormente no livro de Atos (6.1; 9.29). Defendem que o termo certo seja {Ellhnaj (gregos), tendo em vista o contexto da passagem: no versículo 19 só falavam a judeus (VIoudai,oij), já no 20 começam a fazer uma coisa nova (reparar no verbo no imperfeito com a idéia de começar alguma coisa), falar para um grupo diferente de pes-soas. Não faria sentido este grupo de pessoas serem judeus helenistas, sendo que os próprios discípulos que vieram de Chipre e Cirene o eram37. Ainda para sustentar tal interpretação, não anunciavam Jesus, o Cristo, mas sim Jesus, o Senhor (to.n ku,rion VIhsou/n). Falar do Messias para não judeus não teria muito sentido, assim como não falar que Jesus era o Cristo, caso estes fossem judeus helenistas, seria uma falha enorme no comunicar o evangelho38. Ainda é dito que a mão do Senhor estava com eles e muitos se converteram. A expressão “mão do Senhor” (hwhy-dy) é muito comum no Antigo Testamento e refere-se ao seu poder39. A mão do Senhor busca e protege os seus.

A Igreja em Jerusalém ficou sabendo do progresso do evangelho em Antioquia e resolveu comissionar Barnabé para ir até lá. É importante reparar que Barnabé foi enviado oficialmente (evxaposte,llw) pela igreja de Jerusalém, enquanto que os judeus que desceram até Antioquia no capítulo 15 e provocaram dissensão não o foram. Mais interessante ainda é notar o resultado disso. Enquanto estes provocaram dissensão, Barnabé alegrou-se em ver a graça de Deus e exortou-os a permanecer firmes de coração no Senhor, sendo então muita gente adicionada ao número dos

35 LENSKI, op. cit., p. 1285. Comblin estima que a população judaica perfazia 10% da população de Antioquia. Assim, haveria mais judeus naquela cidade do que em Jerusalém! Cf. COMBLIN, José. Atos dos Apóstolos. V. 1, p. 1-12. Petrópolis, São Bernardo do Campo e São Leopoldo: Vozes, Imprensa Metodista e Sinodal, 1988. p. 203. Smith defende que havia uma população de 800.000 em Antioquia. Cf. SMITH, op. cit., p. 195.36 LENSKI, op. cit., p. 448.37 LENSKI, op. cit., p. 449; NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: united Bible Societies. p. 226-7; ROTTMANN, J.; SCHOLZ, op. cit., p. 466-7. Para uma análise levando em conta os diferentes manuscritos e suas opções ver BRuCE, op. cit., p. 235-6. 38 BRuCE, op. cit., p. 236; NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: united Bible Societies, 1972. p. 227; SMITH, op. cit., p. 181.39 BRuCE, op. cit., p. 236.

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discípulos. O curioso fato da Igreja de Jerusalém ter enviado Barnabé só pode ser explicado devido à ausência dos apóstolos de Jerusalém. Além disso, ele era cipriota, o que o ajudaria a se entender com os judeus que pregavam entre os gentios, visto parte deles também ser cipriota40.

Há um jogo de palavras entre ver a graça (ca,rin) e alegrar-se (evca,rh) aqui. Ele se alegrou naquilo que era o motivo do sucesso do evangelho em Antioquia, a saber, a graça de Deus. O sucesso do evangelho não depen-de da capacidade humana, mas da graça de Deus. O filho da exortação faz o que lhe é próprio e exorta os crentes a permanecer no Senhor com propósito de coração. É surpreendente que um levita41 exorte crentes para que façam apenas isso e não exorta à prática de nenhuma lei cerimonial ou observância da lei moral. Mais surpreendente é que depois, no capítulo 15, homens que desceram da Judéia fizeram exatamente isso, sendo que um levita não o fez! Lucas explica porque isso era assim: “porque ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e fé” (v. 24). Barnabé é o único a ser chamado de bom em todo o livro de Atos42. Não há como não ser bom (avgaqo,j) tendo-se estes dois: fé em Jesus e o Espírito Santo, que leva o cristão a viver e testemunhar esta fé!

Barnabé parte em busca de Saulo para que este o auxilie no trabalho em Antioquia. Tinha sido ele quem apresentara Saulo aos apóstolos em Jerusalém enquanto todos os demais não o quiseram fazer (At 9. 26-27). Provavelmente foi atrás dele por ser um profundo conhecedor das Escritu-ras, visto ter sido ensinado por Gamaliel (At 22.3) e o que aqueles cristãos gentios de Antioquia precisavam era de muita instrução na Palavra de Deus. Diante dos cristãos judeus, eles tinham a desvantagem de não conhecerem tão bem as Escrituras. Como W. Franzmann assinala, bastante instrução nas verdades das Escrituras era necessária em Antioquia, visto que mui-tos dos novos convertidos vinham de um ambiente pagão. Enquanto que os judeus convertidos tinham um bom conhecimento das Escrituras, os gregos pagãos não tinham nenhum. Nisso vemos que Paulo e Barnabé não estavam interessados em apenas adicionar números à congregação, mas queriam que os seus membros estivessem bem fundamentados na fé, para que pudessem permanecer fiéis ao seu Salvador e também para que testemunhassem dele para os outros.43

40 LENSKI, op. cit., p. 452. Para ele, Barnabé foi a primeira opção da Igreja de Jerusalém logo depois dos apóstolos, já que estes estavam ausentes: “A Igreja não dirigia os apóstolos; os apóstolos sempre direcionavam a igreja, e a igreja sempre olhava para eles em busca de liderança para ela.” Também NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: united Bible Societies, 1972. p. 227: “Barnabé agora compartilha do mesmo papel que Pedro e João tiveram em Samaria”.41 Atos 4.36.42 SMITH, op. cit., p. 182.43 FRANZMANN, Werner H. Bible History Commentary: New Testament. Vol. 2. Milwaukee: WELS Board for Parish Education, 1989. p. 1287-8.

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Provavelmente o seu reunir e ensinar constantes chamaram a atenção das pessoas ao redor e serviram de testemunho, ao ponto de receberem um apelido: Cristiano,j. Há ainda a variante Crhstiano,j, que até é mencionada nos escritos de Tácito e parece ser derivada do termo crhsto,j, que significa gentil ou fácil44. O que é intrigante é a terminação latina desse termo. Smith sugere que este foi um título inventado por soldados romanos que lá viviam e que, ao formularem tal termo, valeram-se de sua língua materna45. Este termo só aparece mais duas vezes na Bíblia (At 26.28 e 1 Pe 4.16) e no livro de Atos nunca os próprios cristãos se tratavam por tal título. Vale também ressaltar que, além da comunidade original de Jerusalém, Antioquia é a primeira comunidade a ser assim chamada46. Isto parece indicar que o evangelho vai traçando o seu ca-minho entre os cristãos gentios, que são tratados com igualdade diante dos cristãos judeus.

Depois disso são introduzidos na história profetas que vêm de Je-rusalém, dos quais somente o nome de um é mencionado: Ágabo. Este mesmo personagem vem a ser mencionado novamente em At 21.10, ao profetizar a respeito do aprisionamento de Paulo. Em o Novo Testamento profetas não têm tanta proeminência quanto no Antigo. Lenski entende que eram “homens de menor importância, nós poderíamos chamá-los de mestres cristãos a quem o Espírito em certos momentos fazia comuni-cações diretas especiais de apenas pouca importância”47. É dito que ele comunicava a mensagem. O verbo está no imperfeito e carrega uma idéia de ação repetida e o próprio verbo traz a idéia de que ele utilizava alguma ação simbólica48.

Aconteceram diversas fomes sob o reinado de Cláudio, que reinou de janeiro de 41 até outubro de 54, não atingindo de uma só vez todo o império. Na Palestina, a situação ficou difícil em torno de 4649. Em vista disto, os cristãos de Antioquia decidiram em conjunto que cada um indi-vidualmente ofertaria para auxílio dos cristãos em Jerusalém, um ato de amor para com a Igreja-mãe. O termo serviço (diakoni,a) nos faz lembrar Atos 6.1, onde esse auxílio aos irmãos era tão importante que os apóstolos necessitaram escolher sete auxiliares, entre eles Estevão que, indireta-mente, foi responsável pela evangelização em Antioquia. Seu testemunho provocou a perseguição e levou cristãos de Jerusalém até Antioquia.

44 LENSKI, op. cit., p. 458; BRuCE, op. cit., p. 238. DANKER, op. cit., p. 1090.45 SMITH, op. cit., p. 18346 BRuCE, op. cit., p. 238.47 LENSKI, op. cit., p. 459.48 Ibidem, p. 460. Dessa forma ele comunicou a sua outra mensagem a Paulo em Atos 21.10, utilizando-se de um cinto.49 Ibidem, p. 460. BRuCE, op. cit., p. 239: “não houve apenas uma fome que atingiu todo o Império sob Cláudio; o seu reino, porém, foi marcado por assiduae sterilitates”

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Barnabé e Saulo foram encarregados de levar este auxílio a Jerusalém e o entregar aos presbíteros de lá. É a primeira menção a pessoas de tal cargo no Novo Testamento e é intrigante o fato de que os apóstolos não estão em Jerusalém. Provavelmente estavam em atividade missionária e deixaram anciãos tomando conta da congregação50.

O capítulo 13 de Atos inicia uma nova seção do livro. Lucas, a partir daqui, não está mais tão interessado na divulgação do evangelho na Pa-lestina, mas se volta para narrar a difusão do evangelho entre os gentios, através de Saulo e Barnabé, representantes legítimos da igreja de Antioquia da Síria51. No versículo 1, mais uma lista de nomes é dada, a saber, a dos cinco profetas e mestres de Antioquia52. Entre estes cinco estão Barnabé e Saulo, que são escolhidos pelo Espírito Santo para irem aos gentios53. Estão de volta a Antioquia depois da viagem de auxílio a Jerusalém, onde entregaram os donativos dos cristãos de Antioquia aos presbíteros de Jerusalém (cf. At 11.25). O versículo 2 diz que estavam adorando, o que muito provavelmente se refere a toda a igreja de Antioquia e não somente aos cinco mencionados no versículo 154.

Contudo, o mais interessante neste trecho é que é o Espírito Santo quem separa e chama aqueles quem lhe apraz. O autor não é específico à maneira como o Espírito Santo o faz. Pode ter sido por meio de uns dos profetas55. A Igreja de Antioquia reconhece tal decisão e no versículo 3 três verbos resumem tudo o que fizeram: oraram, jejuaram e impuse-ram as mãos56; então os despediram. Digno de nota é que mesmo sendo

50 NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. A Translator’s Handbook on the Acts of the Apostles. Londres: united Bible Societies, 1972. p. 230. Lenski aponta que podemos chamá-los pastores e que por vezes os próprios apóstolos chamavam a si mesmos de anciãos (1 Pe 5.1; 2 Jo 1; 3 Jo 1). Cf. LENSKI, op. cit., p. 462-3.51 NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A. op. cit., p. 243; FRANZMANN, W., op. cit., p. 1300.52 BRuCE, op. cit., p. 252 entende profetas e mestres como dois grupos distintos, bem como NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A., op. cit., p. 244. Lenski e Franzmann, contudo, defen-dem que não é necessário fazer uma distinção de dois grupos, mas que ambos os termos se referem a cada um deles. De acordo com LENSKI, op. cit., p. 492: “‘Profetas e mestres’, assim, significam o mesmo: homens que entendem profundamente a Palavra e que são, ao mesmo tempo, aptos para ensiná-la a outros.”53 Dos outros três pouco se sabe. Simeão é chamado de Negro, e este título latino parece indicar que era originário da África. Entretanto, não parece certo identificá-lo com aquele que carregou a cruz de Cristo (Lc 23.26). Lúcio dificilmente pode ser identificado com aquele mencionado em Rm 16.21 e mais difícil ainda seria identificar ele como o próprio Lucas. Quanto a Menaém, ele foi criado junto com Herodes na corte, sendo assim de nobre estirpe. Cf. LENSKI, op. cit., p. 492-3; BRuCE, op. cit., p. 252-3; NEWMAN, Barclay M.; NIDA, Eugene A., op. cit., p. 244; SMITH, op. cit., p. 198.54 LENSKI, op. cit., p. 494-5; BRuCE, op. cit., p. 253; NEWMAN, Barclay M; NIDA, Eugene A., op. cit., p. 244; SMITH, op. cit., p. 198-9; FRANZMANN, W., op. cit., p. 1301.55 LENSKI, op. cit., p. 495; SMITH, Robert H., op. cit., p. 198-9.56 LENSKI, op. cit., p. 496 aponta que eles não foram ordenados ali. Eles já eram apóstolos e profetas. Com a imposição das mãos, eles foram separados à obra para a qual o Espírito os escolhera. CALVIN, John. Commentary upon the Acts of the Apostles. Vol. 1. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1949. p. 503 defende que isto foi uma espécie de consagração

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Paulo e Barnabé missionários da Igreja de Antioquia, fato reconhecido pela imposição de mãos, não foi aquela igreja que os enviou, em última instância, mas o Espírito Santo. Ele chamou e ele envia. A igreja de An-tioquia só pode reconhecer a decisão do Espírito e liberá-los para a obra para a qual ele chama57.

MISSãO URbANA E A IGREJA EM ANTIOqUIA: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA HOJE

Os textos de Atos 11.19-31 e 13.1-3 apresentam a ação missionária de uma igreja vigorosa. Isto se pode ver ao analisar-se o texto e reparar que as áreas de atuação dessa igreja estão bem desenvolvidas. O teste-munho daqueles cristãos ajudou a trazer muitos membros para a igreja de Antioquia da Síria, primeiro judeus e depois gentios, estes através do testemunho dos que vieram de Chipre e Cirene. Essa igreja recebeu o reconhecimento da igreja de Jerusalém, que enviou Barnabé como seu re-presentante oficial para conferir o que estava acontecendo lá. Barnabé, por sua vez, procurou edificar e fortalecer a congregação através de comunhão e de ensino. Neste empreendimento assessorou-se de Saulo, trazendo-o para Antioquia. Por um ano instruíram a igreja (At 11.26). Ao saberem da fome em Jerusalém, organizaram-se para enviar auxílio para os cristãos de lá. O serviço social daquela congregação estava funcionando.

No começo do capítulo 13 informa-se que há mestres e profetas na igreja de Antioquia e, durante um momento de adoração junto com a congregação, o Espírito Santo comunica sua decisão à igreja. Não poderia ser outra a atitude da congregação do que enviar a Barnabé e Saulo para a missão. Assim, a igreja mista de Antioquia, formada pelo testemunho dado a judeus e gentios, envia seus representantes para a missão e se torna o “centro das operações missionárias da igreja cristã no primeiro século.”58

O TESTEMUNHO DAqUELES qUE FORAM ESPALHADOS

Em Atos 11.20 vemos que os que eram de Cirene e Chipre vieram a Antioquia “proclamando o senhor Jesus” (euvaggelizo,menoi to.n ku,rion

para esta obra específica escolhida pelo Espírito. SMITH, op. cit., p. 199 advoga que, com a imposição das mãos, eles foram instituídos como “os representantes autorizados da igreja de Antioquia, bem como os emissários de Deus. No Judaísmo se dizia que a autoridade do emis-sário de um homem é a mesma que a do próprio homem, e Lucas viu evidentemente a igreja de Antioquia dessa forma expressando solidamente a sua própria preocupação e espírito em Barnabé e Saulo”. 57 LENSKI, op. cit., p. 494-6.58 LÜDKE, Reinaldo. Barnabé: Estudo em At 11.19-31; 13.1-3 sob o tema “Barnabé, a formação de uma igreja missionária”. Vox Concordiana, v. 15, n. 1, 2000. p. 60.

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VIhsou/n). O verbo aqui utilizado é bem específico e refere-se a “anunciar as boas novas, proclamar o evangelho”.59 Ele aparece 72 vezes no Novo Testamento e 25 vezes em Lucas-Atos.60 Michael Green ressalta que en-quanto Marcos utiliza mais o substantivo neutro euvagge,lion, Lucas, no seu evangelho e em Atos, utiliza mais o verbo euaggeli,zomaii. O substantivo era mais facilmente entendido pelas pessoas do império, enquanto que o verbo tinha correlação com o hebraico, sendo apreendido com facilidade pelos judeus.61 Duas coisas chamam a atenção aqui. uma é o caráter laico das pessoas que vieram e proclamaram as boas novas da salvação. Não é dito que eram missionários enviados por alguém ou que tinham algum ofício em alguma igreja.62 Eles eram simplesmente aqueles que foram espalhados por causa da perseguição que se seguiu à morte de Estêvão (At 11.19). O outro aspecto é que o testemunho deles ocorria num con-texto de missão urbana. Antioquia, como dito acima, era a terceira maior cidade do Império Romano, e ponto de contato entre a civilização grega e a oriental, ponto de encontro das culturas grega, romana e judaica.63

A importância dos leigos na obra missionária de Antioquia é evidente nestas perícopes. Lüdke aponta para isso ao dizer que “Certamente a igreja de Antioquia foi fundada por um missionário desconhecido, provavelmente por um leigo. Várias igrejas dos primeiros séculos foram fundadas por cristãos, cujos nomes nunca foram registrados nos livros da história.”64

Tais cristãos que deram o seu testemunho em Antioquia muito prova-velmente fizeram isso no seu dia a dia, nos lugares onde se encontravam.

59 BAuER, Walter et al. A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Chris-tian Literature. Chicago: The university of Chicago Press, 2000. p. 402. LOuW, J. e NIDA, E.. Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains. 2a ed. Vol 1. New York: united Bible Societies, 1989. p. 412. Essas boas novas no Novo Testamento são uma referência específica à mensagem do evangelho sobre Jesus.60 BECKER, u.. Evangelho, Evangelizar, Evangelista: euvagge,lion. In: BROWN, C.; COENEN, L.. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. 2a ed. Vol 1. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 760.61 GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. 2ª ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1989. p. 59-60, 64-65. O verbo euaggeli,zomaii é utilizado pela Septuaginta e é o correspon-dente para a raiz hebraica rfb, que significa “trazer boas notícias”, que é bastante utilizada por Isaías, como por exemplo em 40.9, 60.6 e 61.1 (cf. BROWN, F.; DRIVER, S; BRIGGS, C. The BROWN-DRIVER-BRIGGS Hebrew and English Lexicon. 9ª reimpressão, 2005. p. 142). Na Septuaginta, o termo é utilizado para “proclamar a vitória universal de Javé sobre o mundo, o Seu reino soberano.” (BROWN, C.; COENEN, L.. op.cit., p. 759).62 GREEN, op. cit, p. 213-5. Trabalho evangelístico de leigos, tanto homens quanto mulheres.63 Ibidem, p. 139. Ele ainda ressalta que escavações arqueológicas feitas pelo professor Downey comprovam o baixo padrão moral da cidade, através dos grandes mosaicos encontrados com seus muitos deuses e o seu comportamento moral lascivo. Assim, é possível ver Zeus e seus amores com as mulheres, orgias em honra a Baco. Um grupo de flores retrata o culto à Ísis. Até a influência estóica é sentida, vista em túmulos com pares de animais hostis, como o leão e o boi, juntos, tendo inscrito neles a palavra “amizade” e virtudes estóicas como a amerimnia (liberdade das preocupações) e megalopsychia (estar acima do destino).64 LÜDKE, op. cit., p. 61.

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De acordo com o apóstolo Pedro, eles estavam em suas vocações quando deram o seu testemunho, cumprindo com sua função sacerdotal (1 Pe 2.9-10). Richard Carter expõe que serviço na vocação cristã se expressa em 4 áreas: “Serviço ao próximo pode ser descrito em termos de quatro estruturas: lar, trabalho, comunidade e congregação.”65 Pode parecer muito simples falar-se simplesmente de vocação. Contudo Carter pro-testa contra isso: “Há uma tentação, eu acho, de desconsiderar vocação. Isso só nos traz prejuízos. Desconsiderar vocação é, no mínimo, ignorar o fato de que é na vida comum, em nossos contatos com o próximo, que temos a oportunidade para o testemunho, para falar sobre a nossa fé de um jeito que Deus pode usar para salvar alguém. Mais ainda, vocação é uma confissão de nossa fé, a visão cristã do trabalho de Deus em todas as pessoas.” 66

Em 1800, apenas cinco por cento da população mundial era urbana. Em 1900, este número aumentou para quatorze por cento. Em 1980, a população urbana constituía quarenta por cento da população mundial e em 2000 metade do mundo era urbano. Previsões apontam que em 2050 setenta e nove por cento da população mundial será urbana e dois terços da população mundial viverão em áreas urbanas do Terceiro Mundo, onde a maioria da pobreza se concentra.67 Assim, diferentemente do tempo do apóstolo Paulo, “hoje, missões urbanas têm se tornado um fim em si mesmo.”68 Não se faz missões urbanas com o intuito de se alcançar os que vivem no interior, mas porque a cidade é esse organismo vivo que cada vez tem menos contato com a realidade interiorana.

O mundo romano era basicamente cosmopolita e integrado. O sistema de rodovias ligava o império e eram tão boas que até hoje são utilizadas. Havia grandes cidades, como Roma, Alexandria, Antioquia, Éfeso e Ate-nas. Havia uma língua comum, comercial, o grego. O mar Mediterrâneo era dominado pelos romanos e viagens marítimas tornavam-se cada vez mais comuns e o comércio florescia69.

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) começou neste país basi-camente como uma igreja de imigrantes alemães70. Até hoje verificam-se

65 CARTER, Richard, What do the Simple Folk do: a Lutheran Doctrine of Vocation as Mission Work. Missio Apostolica, Saint Louis, v. 14, n. 1, maio 2006. p. 52.66 Ibidem. p. 56.67 GREENWAY, Roger; MONSMA, Timothy. Cities: Mission’s New Frontier. 2a ed. Grand Rapids: Baker Books, 2000. p. 67.68 SCHuLZ, Klaus Detlev. Propostas para a Ação em Missões urbanas. Vox Concordiana, São Paulo, v. 16, n. 2, 2001, p. 74.69 PuSKAS, Charles B. An Introduction to the New Testament. Peabody: Hendrickon, 1989. p. 28-9.70 Steyer ressalta que, na verdade, o Sínodo de Missouri (atual The Lutheran Church-Missouri Synod) não enviou missionários para o Brasil, mas sim pastores para arrebanhar os luteranos dispersos pelo país (STEYER, Walter. Os imigrantes alemães no Rio Grande do Sul e o Lutera-

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resquícios dessa história. Lüdke critica esse aspecto ao dizer que a IELB não tem vivência nos grandes centros urbanos, visto que suas congregações nas cidades surgiram para reunir os migrantes provenientes da zona rural. Na verdade, o que aconteceu foi que a igreja da zona rural transportou-se para as cidades, especialmente nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do Brasil. Por causa disso, não nos preocupamos muito em compreender as cidades, organizando-nos de tal forma a ficarmos, muitas vezes, alheios aos anseios, preocupações e necessidades dos centros urbanos.71

A edificação e o fortalecimento da igreja: comunhão e ensinoA notícia do que estava acontecendo em Antioquia chegou até Je-

rusalém e a igreja daquela cidade mandou Barnabé como seu delegado para conferir tudo por lá. Barnabé alegrou-se muito com tudo o que viu e exortou a todos para que continuassem firmes na fé (At 11.22-24). Con-tudo, a reação de Barnabé não constituiu-se apenas de entusiasmo, mas ele logo procurou edificar aquela igreja por meio do ensinar (dida,skw) e do reunir-se em comunhão (suna,gw).

Dida,skw é um verbo muito comum, tanto na Septuaginta quanto no Novo Testamento. Naquela aparece cerca de 100 vezes e geralmente traduz a raiz hebraica dml, mas às vezes também o hiphil de [dy e hry. Neste ela aparece 95 vezes, sendo 16 vezes em Atos.72 Em muitos textos de Atos, também nos aqui estudados, “o fundo histórico destas passagens é a mensagem da salvação de após a ressurreição (cf. At 1:1; 4.18; 5.21; 25, 28, 42; 11.26; 15.1, 35; 20.20), e é, portanto, a salvação conforme ela é entendida pela igreja de após a ressurreição, que forma a matéria de didasko em Atos.”73 Suna,gw aparece na Septuaginta cerca de 350 vezes e refere-se a reunir, ajuntar frutos, animais, coisas ou pessoas. Traduz a raiz hebraica @sa e em poucas situações #bq. Em o Novo Testamento, o verbo suna,gw ocorre 59 vezes, sendo que, dessas, 11 vezes em Atos. Enquanto em outros livros (Mt, Lc, Jo,) pode referir-se a coisas e pessoas, em Atos refere-se somente a pessoas, especialmente à Igreja.74

Com certeza, por meio do ensino e comunhão foram formados líderes, como os mencionados no capítulo 13 do livro de Atos. Vale frisar também

nismo. Porto Alegre: Singulart, 1999. p. 24). Ele também menciona que um dos requisitos para pedir filiação como Sínodo à igreja americana envolvia o uso exclusivo do alemão nas reuniões sinodais (p.112). Rehfeldt menciona também o caráter germânico do trabalho missionário da IELB no período entre 1900 e 1950 (REHFELDT, Mário. Um Grão de Mostarda: a História da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. Vol. 1. Porto Alegre: Concórdia, 2003. p. 173).71 LÜDKE, op. cit., p. 25.72 WEGENAST, K.. Ensinar, Instruir, Tradição, Educação, Disciplina: dida,skw. In: BROWN, C.; COENEN, L.. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol 1. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 634-5.73 Ibidem, p. 638.74 WEGENAST, op. cit., p. 2110-11.

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que o ensino de Barnabé e Saulo durou um ano inteiro em Antioquia. Barnabé organizou a igreja de Antioquia e instruiu os seus convertidos, pois reconheceu que eles precisavam naquele momento de estímulo para permanecerem na fé, bem como instrução e orientação sobre o rumo que deviam tomar. Além disso, ele reconheceu sua incapacidade de instruir a todo o povo sozinho, por isso foi em busca de Saulo em Tarso, visto ser ele um jovem convertido do farisaísmo a quem o próprio Barnabé apresentara aos apóstolos em Jerusalém (At 9. 27). Esta atitude de Barnabé, de pedir a ajuda de Paulo para auxiliar na educação cristã dos novos convertidos, foi de grande importância para a consolidação da igreja de Antioquia.75

Herbert Hoefer assinala que a escolha de Paulo deu-se por ele ser uma pessoa confortável em lidar tanto com judeus quanto com gregos: “Barnabé sabia o que este trabalho requeria. Ele tinha visto isto em Saulo. Ele tinha visto Saulo habilmente defender a fé tanto diante de judeus quanto diante de gregos. Barnabé sabia que Saulo teria a credibilidade e persuasão que ele nunca teria. Ele sabia que estes novos convertidos precisavam ter alguém do meio deles mesmos em quem poderiam se espelhar. Somente então eles acreditariam que poderiam liderar e promover a sua própria igreja e a missão para o seu próprio povo.”76

Os profetas e mestres da igreja de Antioquia, mencionados nos primei-ros versículos de Atos 13, chamam a atenção por sua heterogeneidade. Barnabé era um judeu levita da ilha de Chipre, que vendera um campo que possuía e doou o dinheiro aos apóstolos em Jerusalém (At 4.36-37). Simeão era chamado de Niger, palavra latina e que, muito provavelmente, o identificava pela cor de sua pele, mostrando que a igreja antiga não tinha problemas raciais em sua liderança. Lúcio era de Cirene, no norte da África, e talvez também fosse negro. Talvez tenha até sido um daqueles que veio de Cirene e que pregaram o evangelho aos gregos de Antioquia (At 11.20). Menaém havia sido criado junto com Herodes, o tetrarca, e por isso era um homem da nobreza, acostumado a viver em palácios e no meio do luxo. Por fim, Saulo era um judeu nascido em Tarso da Cilícia, era cidadão romano por direito de nascimento (At 22.25) e havia sido instruído de acordo com o farisaísmo por Gamaliel, em Jerusalém (At 22.3; 26.5). Assim, a liderança de Antioquia era formada por pessoas de diferentes cores de pele, posições sociais, condições financeiras e back-ground religioso.

O mais importante era o fato que estava se formando liderança local naquela igreja. Os profetas muito provavelmente eram encarregados de

75 LÜDKE, op. cit. p. 63.76 HOEFER, Herbert, Principles of Cross-Cultural/Ethnic Ministry: The Stories of Barnabas and Paul and the Jerusalem Council. Missio Apostolica, Saint Louis, v. 14, n. 2, Nov.2005. p. 143.

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proclamar a mensagem de salvação de Deus aos que não eram cristãos, enquanto que os mestres eram responsáveis pela instrução daqueles que já eram cristãos, através do ensino das Escrituras e da vida cristã77. Segundo Roger Greenway, “Em Antioquia, Paulo e Barnabé investiram o seu talento e energia no desenvolvimento de líderes locais, e os versículos iniciais do capítulo 13 indicam que, com a bênção de Deus, a estratégia foi bem sucedida” 78.

Os cristãos de Antioquia, especialmente os gregos, eram conversos de pouco tempo e precisavam de instrução para evitar a volta à prática de religiões idólatras.79 Para isto, num contexto urbano, “nenhuma estratégia urbana hoje pode esperar produzir algum fruto a não ser que inclua uma profunda instrução nas Escrituras, vida cristã e discipulado”.80 “Quando a igreja falha no ensino, ela também falhará na evangelização. [...] Não se pode esperar que nenhuma estratégia urbana de evangelização produza muito fruto, a não ser que ela inclua um programa eficiente de ensino das Escrituras, que vai influenciar o modo de vida dos cristãos”.81

Essa influência no modo de vida cristão precisa ser sentida especial-mente no que se refere à mordomia cristã. Cristãos precisam de instrução com relação a como viver sua vida cristã de fé em serviço aos semelhantes, utilizando da melhor maneira os seus dons. Trazendo isso para um con-texto luterano, é pertinente a crítica que James Tino faz quanto à prática congregacional luterana:

Como luteranos, tenemos que mejorar nuestra manera de comu-nicar a nuestros miembros el privilegio y la bendición de utilizar nuestros dones en servicio al Señor. El pastor luterano en la ciudad tiene que dejar de iniciar programas que nadie va a continuar, y enfocar sus esfuerzos en capacitar a la feligresía para emplear sus dones en servicio a su Dios. De esta manera, la iglesia puede crecer más allá del alcance finito de un solo hombre, y desarrollarse a la medida del cuerpo entero de Cristo.82

O SERVIçO DA IGREJA: AUXÍLIO AOS IRMãOS DE JERUSALÉM

Outros profetas, provavelmente um tanto diferentes daqueles mencio-nados no capítulo 13 de Atos, vieram de Jerusalém e um deles, chamado

77 LÜDKE, op. cit., p. 65. 78 GREENWAY, Roger; MONSMA, Timothy, op. cit., p. 62-3.79 LÜDKE, op. cit., p. 62. 80 GREENWAY, Roger; MONSMA, Timothy. op. cit., p. 60.81 LÜDKE, op. cit., p. 64.82 TINO, James. Los Desafíos que la Ciudad le Plantea a la Misión. Vox Concordiana, São Paulo, v. 16, n. 2, 2001. p. 33.

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Ágabo, predisse que uma fome sobreviria a todo o Império Romano. Diante disso, os cristãos de Antioquia decidiram organizar-se e mandar auxílio (diakoni,a) para os irmãos da Judéia.83 Tal auxílio foi enviado pela igreja através de Saulo e Barnabé, que o repassaram aos presbíteros (At 11.27-30). O capítulo 12, versículo 25, ajuda a esclarecer que tais presbíteros eram muito provavelmente os de Jerusalém, pois é dito que os enviados de Antioquia de lá regressaram após a sua missão.

Diakoni,a aparece na Septuaginta somente em casos sem importância. O termo dia,konoj aparece, mas referindo-se a servos da corte ou verdu-gos. O verbo diakone,w nem aparece.84 Em o Novo Testamento, diakoni,a ocorre 34 vezes e significa “serviço à mesa” e é usado em At 11.29 “para o serviço amoroso mediante o levantamento de uma coleta”.85

A atitude da congregação de Antioquia levanta um tema muito discutido em missões: Qual é a tarefa missionária da Igreja? Pregar o evangelho ou auxiliar no melhoramento das condições sociais de seus membros e pessoas ao seu redor? Greenway é franco o suficiente para dizer que “De certa forma, todas as organizações cristãs de auxílio e desenvolvimento que são atuantes no mundo hoje tem a sua origem na igreja de Antioquia”. E, mais adiante, ele esclarece o possível motivo para tal atitude: “Obvia-mente os seus mestres os instruíram no preceito do Antigo Testamento, que dizia que entre o povo de Deus deveria haver um compartilhar mútuo e auxílio durante a pobreza. Eles aceitaram o preceito como a Palavra contemporânea e imutável de Deus para eles (Dt 15)”.86

A acelerada e descontrolada urbanização que ocorreu em todo o mundo no século passado, e continua ocorrendo ainda hoje, serviu para colocar mais à mostra a pobreza que não era tão visível em uma realidade ru-ral.87 Exemplos crassos são as favelas nos morros do Rio de Janeiro. Não há como escondê-las. Basta levantar os seus olhos para o horizonte que você as verá!

Os problemas urbanos são diversos e complicados. Harvie Conn de-fende que as necessidades sócio-econômicas estão na raiz deles e por trás deles estão as pressões sobre a família, tais como a instabilidade

83 Diakoni,a pode trazer o sentido de serviço, ministério, provisão e contribuição, sendo que no contexto do capítulo 11 de Atos estes dois últimos são os mais prováveis. Conforme LOuW, Johannes P..; NIDA, Eugene A.. Greek-English Lexicon of the New Testament Based on Semantic Domains. 2a ed. Vol 1. New York: united Bible Societies, 1989. p. 462: “um procedimento para tomar cuidado das necessidades de pessoas – ‘provisão para tomar cuidado de, preparativos para sustentar” e p. 571: “dinheiro dado para ajudar alguém em necessidade – contribuição, ajuda, sustento”.84 HESS, K. Servir, Diácono, Adoração: diakone,w. BROWN, C.; COENEN, L.. Dicionário Interna-cional de Teologia do Novo Testamento. Vol 1. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 2342.85 Idem, p. 2343.86 GREENWAY, R.; MONSMA, T., op. cit., p. 60-1.87 CONN, Harvie. urban Mission. In: PHILLIPS, James (ed.). Toward the 21st Century in Christian Mission. Grand Rapids: Eerdmans, 1993. p. 324.

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crescente do matrimônio, as batalhas financeiras na cidade que dificultam os relacionamentos humanos, a mudança de papel das mulheres, que dei-xaram de ser donas de casa do interior para se tornarem co-provedoras do lar e as famílias dividindo o seu tempo entre a cidade e as suas raízes do interior. Além disso, há menos rendimentos para ajudar a sustentar a família em geral, conflitos entre pais e filhos, visto o sistema de valores rurais dos pais serem desafiados pelos urbanos adotados pelos filhos, e também por novos modelos de sociabilidade, baseados não na família, mas na profissão”.88

Diante disso, é válido o alerta: “É difícil imaginar estratégias de evangelização da igreja nas grandes cidades, hoje, que não incluam o serviço e a assistência significativa às pessoas, em suas mais diferentes necessidades.”89 Tino bate na mesma tecla ao dizer: “Aunque debemos evitar la tendecia de sustituir la proclamación del Evangelio por programas sociales, la iglesia urbana tiene que estar pendiente de alguna manera de las necesidades materiales de la gente”90. Conn diz, citando a Oitava Consulta Teológica da Associação Teológica da Ásia, reunida em 1987, que se reconhece que o ministério nas cidades exige uma compreensão clara e inteligente das complexidades dos nossos contextos econômicos, ambientais, sociais e culturais. Por isso, é necessário o compromisso de se identificar tanto com as conveniências e benefícios da vida urbana, quanto com as suas tristezas e sofrimentos, sendo também necessário anunciar o evangelho de Jesus Cristo de uma forma acurada e relevante. O evan-gelho precisa alcançar as regiões pobres, esquecidas e marginalizadas da população urbana, assim como as ricas, poderosas e confortáveis. 91

Assim, a igreja de Antioquia mostra que ouvir e praticar a Palavra andam juntos: “Na teologia e na estratégia missionária da igreja de An-tioquia, bem como no ministério de Paulo, no decorrer do primeiro século, o ensino da palavra e as obras cristãs não estavam separadas, nem eram administradas separadamente, por diferentes agências. Estavam integra-das, tanto na igreja como na missão apostólica.”92

A IGREJA ADORA O SEU SENHOR E É ORIENTADA PELO ESPÍRITO NA MISSãO

Nos primeiros versículos do capítulo 13, informa-se que a igreja de Antioquia estava adorando o Senhor quando o Espírito Santo lhes falou

88 Ibidem, p. 324-5.89 LÜDKE, op. cit., p. 65.90 TINO, op. cit. p. 2391 CONN, op. cit., p. 328.92 LÜDKE, op. cit., p. 64-5.

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para separarem Barnabé e Saulo para a obra missionária (At 13.2). O ver-

bo leitourge,w transmite o sentido de render um serviço especial formal, servir, especialmente envolvendo responsabilidades cúlticas e rituais.93 Seria um tanto difícil de entender que os mestres e profetas estavam realizando atividades cúlticas (ou rituais) sozinhos, sem a participação da congregação. Na Septuaginta este verbo aparece cerca de 100 vezes e o substantivo leitourgi,a aparece cerca de 40, o primeiro representando a raiz verbal trvv e o segundo hd'Ab[]. Já em o Novo Testamento, o termo leitourge,w e seus derivados aparecem poucas vezes: leitourge,w (3 vezes); leitourgi,a (6 vezes); leitourgo,j (5 vezes) e leitourgiko,j (1 vez).94 Além disso, o Novo Testamento parece emprestar o sentido do verbo da Septuaginta e não do uso clássico do grego: “O uso de leitourge,w em At 13.2, comparado com o uso da LXX, é algo completamente novo, mas é derivado deste. Aqui, o significado ritual é completamente espiritualizado e aplicado à adoração ao Senhor mediante a oração.”95.

Além de adorar, eles também estavam jejuando (nhsteu,w), uma prática muito comum na igreja pós-neotestamentária.. Ainda, antes de liberarem Saulo e Barnabé para a obra missionária, a igreja orou (proseu,comaii) e impôs as mãos sobre eles, reconhecendo a decisão do Espírito Santo e conferindo-lhes a autoridade para a missão.

Vê-se por estes textos de Atos que a igreja de Antioquia era uma igreja vibrante espiritualmente. No final, suas atividades diaconais e de ensino se deviam em grande parte ao vigor de sua vida espiritual, de sua adoração. Lüdke vai direto ao ponto ao destacar que havia equilíbrio na vida espiritual da igreja de Antioquia. O povo de Deus, escolhido para anunciar o evangelho, se distingue pela oração, comunhão e adoração e não há igreja que realize algo significativo na evangelização a não ser que seja vigorosa interna e espiritualmente. O vigor da igreja de Antioquia é visto no fato de ela ser a primeira igreja neo-testamentária a enviar mis-sionários. Isto contrasta com a igreja de Jerusalém, onde as testemunhas foram espalhadas pela força da perseguição. Em Antioquia, os apóstolos foram enviados para a obra da evangelização (At 13.2).96

A obra missionária é atividade na qual a congregação local como um todo precisa se envolver. Claro que o cristão individualmente, no seu

93 DANKER, op. cit., p. 590-1. Louw e Nida esclarecem que de acordo com o uso geral do grego de leitourge,w e leitourgi,a trazem a idéia de um serviço prestado por um indivíduo, sem cobrar nada, em benefício do estado. Só que este sentido para estes termos não é encontrado no Novo Testamento e eles têm uma conotação religiosa menos específica do que latreu,w e latrei,a (Cf. LOuW, Johannes P.; NIDA, Eugene A., op. cit., p 533).94 HESS, K. Servir, Diácono, Adoração: leitourge,w. BROWN, C.; COENEN, L. Dicionário Inter-nacional de Teologia do Novo Testamento. Vol 1. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 2348-50.95 HESS, op. cit., p. 2350.96 LÜDKE, op. cit., p. 65-66.

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cotidiano, pode contribuir para a missão, através do seu testemunho, da sua vocação. Contudo, missão em um entendimento luterano abrange a congregação local como um todo. Schulz explana bem isto: “Para infun-dir e encorajar um caráter missionário distintivo próprio nosso, temos que desenvolver uma eclesiologia missionária que funcione concreta e contextualmente, e dê reconhecimento completo à congregação local visível. A congregação precisa ver-se a si mesma como instrumento divino na missão de Deus e não só como mera organização ou presença, mas como uma communio ou um organismo através do qual o Espírito Santo age.”97.

Além disso, o centro das atividades de uma congregação é o culto, o momento de adoração. Maynard Dorow, missionário da The Lutheran Church-Missouri Synod na Coréia do Sul de 1958 até 1998, defende que em seus momentos de adoração a comunidade de crentes recebe bênçãos em duas direções, interna e externamente. Internamente porque os mem-bros são edificados e fortalecidos na fé e externamente porque adoração move o povo de Deus à missão, unindo Sacramento à Palavra proclamada. E isto é tanto mais verdade no culto eucarístico. Assim ele pode afirmar que na Eucaristia todas as facetas da missão de Deus são expressas: o permanente amor de Deus pelo mundo que criou; a sua auto-identificação com o mundo caído pela encarnação; sua redenção do mundo por meio da morte e ressurreição de Cristo; o seu dom de nova vida por meio do Espírito Santo; sua promessa de uma nova criação no final dos tempos. Assim, a Eucaristia descortina e antecipa a unidade de Deus com toda a criação, o que vem a ser o objetivo da missão de Deus.98

Diante dessa realidade, a IELB também é conclamada a dar a sua contribuição missionária nas cidades: “Missões urbanas precisam ser holísticas. Portanto, a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) é de-safiada, assim como muitas outras igrejas do mundo inteiro, a contribuir ativa e holisticamente em palavras e ações em prol do corpo e alma das pessoas que as cercam”.99

Contudo, na prática missionária é necessário que a identidade luterana transpareça, senão esta prática será simplesmente imitação do que outros grupos cristãos fazem. Missão feita por luteranos precisa carregar impressa em si a estampa luterana. Para tanto, Schulz aponta que é necessário seguir-se cinco princípios nesta atividade missionária para que ela seja, de fato, luterana: o biblismo dogmático, a doutrina da justificação, a primazia da Palavra, a encarnação e a presença real de Cristo e a correta distinção

97 SCHuLZ, op. cit., p. 84 (grifo e itálico do autor).98 DOROW, Maynard. Worship is Mission. Missio Apostolica, Saint Louis, v. 9, n.2, Nov. 2001. p. 78-83.99 SCHuLZ, op. cit., p. 74.

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dos dois reinos.100 E conclui dizendo: “É absolutamente imperativo para nós buscar e estabelecer uma fundação teológica para ação missionária que podemos chamar nossa própria. Fazendo assim, ultrapassaremos, por um lado, o secularismo do mundo ecumênico e, por outro lado, o entusiasmo espiritual. Se não pudermos manter esta clara caminhada, perderemos nossa contribuição às missões mundiais bem como a habilidade para trazer a herança luterana às almas no contexto urbano.”101

CONCLUSãO

A igreja cristã em Antioquia da Síria encontrava-se em um mundo bastante agitado cultural, religiosa e economicamente, embora ele des-frutasse de certa paz e tranquilidade ocasionadas pela pax romana. Com certeza, não era um mundo tão urbano quanto o que se apresenta no início do século XXI, mas já existiam muitas grandes cidades então, como Roma, Alexandria e Antioquia.

Apesar de muitas similaridades, não se pode ser ingênuo e considerar a realidade daquele tempo igual à contemporânea. Exemplo disso é a língua comum. O grego era a língua comum daquele tempo, assim como de certa forma o inglês é hoje. Contudo, o grego era uma língua de subjugados, enquanto que o inglês é a língua de comércio imposta pelas grandes po-tências do mundo nos últimos três séculos. Assim, com certeza, o inglês traz consigo uma “bagagem” muito maior do que o grego trazia naquele tempo, representando dominação econômica, política, militar e cultural.

Outro recente fator distinto é o incrível êxodo rural que ocorreu no sé-culo XX, especialmente na segunda metade do século. Cidades em todo o globo, especialmente no Terceiro Mundo, experimentaram um crescimento simplesmente absurdo. Ao mesmo tempo, Volker Stolle ressalta que Deus é um Deus que se identifica com pessoas em movimento e que cristãos, em última instância, são sempre estrangeiros onde quer que estejam. Deus chamou Abraão para que saísse de sua terra em uma jornada de fé. Deus guiou o seu povo, Israel, para fora do Egito, pelo deserto, até a Terra Prometida. Jesus não se apresentou aos discípulos como um ponto estático, mas disse ‘Eu sou o caminho’ por meio do qual se chega ao Pai (Jo 14.6). Cristo enviou os seus apóstolos por todo o mundo (Mt 28. 18-20; Mc 16.15). A carta aos Hebreus descreve os cristãos como o povo de Deus em sua jornada para o descanso eterno prometido e, antes que este alvo seja alcançado, os cristãos vivem como estrangeiros em uma terra estranha. Dessa forma, a grande comissão permanece sempre atual.102

100 Para ver a discussão completa sobre estes princípios, veja SCHULZ, op. cit., p. 78-81.101 SCHuLZ, op. cit., p. 81.102 STOLLE,Volker. How Lutherans Have Done Mission: a Historical Survey. Missio Apostolica,

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A igreja de Antioquia era vigorosa porque era bem estruturada e equi-librada. Assim podia crescer em meio a uma sociedade um tanto caótica e que impunha inúmeras dificuldades à fé cristã. Ela apresentava suas cinco “áreas de ação” bem desenvolvidas. O testemunho era algo constante. Foi ele que formou a igreja, através da pregação a judeus e a gentios. Foi algo tão vivo e poderoso que foi capaz de derrubar as barreiras religiosas entre ambos. A comunhão e o ensino, sob a liderança de Barnabé, que se assessorou de Saulo, foram importantíssimos para instruir e edificar aquela congregação no único fundamento, Jesus Cristo. Quando irmãos de longe, mais especificamente da igreja-mãe em Jerusalém, estavam em dificuldades eles não vacilaram, mas prontamente organizaram-se e enviaram auxílio (diakoni,a) para os irmãos na fé. Por fim, talvez no cen-tro de tudo, eles valorizavam a adoração. Era uma igreja que estava em contato com Deus e que queria ouvir o que Ele tinha a dizer e o Espírito Santo chamou dois deles para a obra missionária que Ele tinha preparado para eles.

A Igreja Cristã continua pregando Jesus Cristo às pessoas e cada vez mais precisa se conscientizar de que é imprescindível ministrar às pes-soas onde elas estão, preferencialmente de uma forma holística. O lugar onde elas estão, cada vez mais, é a cidade. Importa que cristãos sempre estejam atentos e busquem novas formas de ministrar às pessoas, sem deixar de lado as antigas, comprovadas pelos séculos.

Gilberto da Silva ressalta a importância da vocação no testemunho cristão, especialmente comparando as realidades do século XX e do século I, dizendo que o crescimento da igreja devia-se, primariamente, à propa-ganda boca a boca, através do impacto do indivíduo nos seus arredores, nos ambientes onde viviam, fossem escravos, negociantes, donas de casa ou políticos. Contudo, se esquece de enfatizar onde a vocação é ensinada, nutrida e estimulada, ou seja, dentro da congregação de crentes.103

A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) sempre valorizou a ex-celência na educação teológica dos seus pastores e na instrução de seus novos membros. Ao mesmo tempo, sempre se teve uma valorização do culto congregacional, da Palavra proclamada e dos sacramentos. Nos úl-timos anos, inclusive, a maioria das congregações têm adotado a prática de se ter a Santa Ceia em todos os cultos.

Por outro lado, no testemunho, de certa forma, fica-se devendo um pouco. Às vezes parece que luteranos estão satisfeitos com o fato de que eles já fazem parte do povo de Deus. Não se nota a urgência em pregar as Boas Novas da salvação às pessoas que estão se perdendo. Estratégias

v. 13, n. 2, nov. 2005. p. 114.103 SILVA, Gilberto da. The Lutheran Church as a Church of Mission against the Background of the Priesthood of all Believers. Missio Apostolica, v. 14, n. 1, Maio 2006. p. 27

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missionárias sempre são olhadas com certa desconfiança e números e estatísticas olhadas com certo receio. Também quanto à comunhão, há pontos a melhorar, especialmente porque a IELB ainda não é uma igreja urbana, mas tem “importado” diversos usos e práticas do interior para a cidade. Na área de serviço social e diaconia se tem feito bastante, mas é possível fazer ainda muito mais.104

Felizmente, há uma conscientização cada vez maior para o fato de que missão não é atividade somente do pastor. O pastor é o servo da Palavra e não de pessoas. Missão é obra de Deus confiada a todos da congrega-ção. Quem sabe a crescente urbanização do mundo, com seus desafios e oportunidades, seja percebida por mais e mais crentes luteranos que, chamados e motivados pelo Espírito Santo, possam engajar-se na Missão de Deus, especialmente nas cidades.

Com certeza, com a liderança do Senhor da Igreja e o conselho do Espírito Santo, a IELB proclamará a mensagem de Jesus Cristo para muitas pessoas ainda, especialmente nas cidades. Assim como a Igreja de An-tioquia foi guiada em todas as suas atividades e empregou o melhor que tinha nelas, nossas congregações esforçam-se para disponibilizar o melhor para o trabalho do Senhor. Assim, a tarefa congregacional se centrará na proclamação daquele a quem Deus Pai deu toda a autoridade no céu e na terra (Mt 28.18-20), e diante de quem todo o joelho se dobrará (Fp 2. 9-11), através da proclamação do evangelho de acordo com as Escrituras e as Confissões Luteranas105.

104 A IELB possui a Associação das Entidades de Assistência Social da IELB (AESI) que reúne diversas entidades de assistência social. Exemplos são a Associação Amiga dos Meninos (AME), de Esteio/RS; Centro Comunitário Dorcas, de Toledo/PR; Serviço Médico Educacional de Atendi-mento e Reabilitação (SEMEAR), de Porto Alegre/RS; Instituto Santíssima Trindade, de Gramado/RS. Para ver a lista completa, acesse: http://www.ielb.org.br/old/somos/aesi.htm 105 STOLLE, op. cit., p. 116.

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AuxÍlios homiléticos

CONTEXTO MAIOR

O ministério profético de Jeremias começou em 626 a.C. e terminou depois de 586 a.C. Segundo uma tradição judaica, o profeta teria sido morto no Egito por apedrejamento (Hb 11.37).

Fim trágico, vida e ministério complicado. Jeremias viveu num período muito turbulento para muitas nações, inclusive Judá, o povo de Deus.

O grande evento político e de suma importância ocorreu em 605 a.C., quando Nabucodonosor derrotou os egípcios em Carquemis (Jr 46.2). Babilônia conseguiu abrir as portas para avançar livremente, até sobre Jerusalém (Dn 1.1-2), levando os primeiros cativos. A propósito, cativeiro anunciado pelo profeta Jeremias (Jr 22.24-30).

Em 598-597 a.C. houve um segundo ataque de Nabucodonosor a Jerusalém e mais exilados foram feitos e levados à Babilônia (Jr 24.1). A queda definitiva aconteceu em 586 a.C. (Jr 38.28; 2 Rs 25.8-17).

A PREGAçãO DE JEREMIAS

No “olho desse furacão”, coube a Jeremias a missão de lembrar o povo de Judá que tudo isto tinha a ver também com eles (Jr 13.24-27). Havia um tsunami político e de interesses internacionais pressionando a histó-ria, mas a missão do profeta, em princípio, tinha um foco mais restrito: chamar o povo de volta ao Senhor.

Sua mensagem consistia em denunciar o pecado do povo de Deus (Jr 2.13; 7.8-10; 16.10-13; 22.9; 32.29) e apelar para que este povo, que tinha dado as costas para o Senhor (Jr 2.8; 3.14,22), voltasse e olhasse outra vez para o lugar certo (Jr 3.15; 30.3). Apesar da deprimente descri-ção do povo de Deus (Jr 4.22; 5.28; 10.14, 21), há luzes de salvação no fim do túnel e proclamadas através do profeta (Jr 3.15; 30.3). Resumindo, Jeremias estava cumprindo sua missão de arrancar, destruir, exterminar e demolir, mas também para construir e plantar (Jr 1.10).

trienAl c

PRIMEIRO DOMINGO NO ADVENTO

29 de novembro de 2009

Jeremias 33.14-16

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CONTEXTO IMEDIATO

A missão para Jeremias estava clara: demolir e construir. Porém, o cenário não era nem dos mais atraentes nem favoráveis. Por causa do pecado, o juízo de Deus foi dolorido para Israel e também para o profeta. Apesar de ter recebido a garantia e a certeza da companhia de Deus (Jr 1.8,18; 15.20), ele fraquejou (Jr 8.18-22; 12.1-4; 20.14-18) e apelou em oração à misericórdia de Deus (Jr 32.16-25). Na resposta do Senhor aparentemente não havia muita esperança. Ele listou razões de sobra para manter o juízo sobre a casa de Israel (Jr 32.26-30). Deus abriu a ferida e a fez arder ao expor toda a gravidade da situação. Havia uma lista muito grande de transgressões.

Mas, quando Deus abre o ferimento, Ele o faz com a intenção de curá-lo. A cura é por sua misericórdia e graça. Talvez poderíamos dizer, considerando de maneira especial a situação deplorável do povo de Deus na época, com o apóstolo Paulo: “onde proliferou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5.20b).

Essa disposição graciosa de restauração e perdão perpassa o texto de Jeremias desde o capítulo 30.1, até 33.26, o que faz com que alguns chamem essa parte de “Livro da Consolação”. Tudo bem. Jerusalém será restaurada, voltará a paz e a segurança. A ira do Senhor realmente não passa de um momento (Salmo 30.5) e suas promessas de retorno do exílio foram cumpridas (Jr 31.23-25).

Mas tem mais. A palavra do Senhor tem um alcance além desse hori-zonte. Suas promessas têm cores messiânicas e que se aplicam ao povo pecador, mas amado por Deus, do século XXI.

O TEXTO – JEREMIAS 33.14-16

Há um paralelo muito próximo dessa passagem em Jeremias 23.5-6. Lá, o foco está mais em Cristo, como um broto que executará o juízo e a justiça na terra. É necessário que estes dois termos sejam entendidos como sinônimos de salvação. O texto completa afirmando de que Cristo será a nossa justiça. Aqui, o nome de Jesus “Senhor Justiça Nossa” é passado para o instrumento de Deus na continuação da proclamação da salvação. Inicialmente foi Jerusalém. Agora é a igreja que “carrega” como corpo de Cristo o seu próprio nome e é denominada de “Senhor, Justiça Nossa”.

O Senhor quer despertar o povo para o cumprimento de sua “boa pa-lavra” para Israel e Judá. A promessa não é só para o retorno dos exilados (Jr 29.10), mas é a boa, melhor e última palavra de Deus à humanidade, seu Filho Jesus (Hb 1.1-2).

Jeremias anunciou o salvador da linha davídica e que preencherá as

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expectativas do povo de Deus. Salvador que executará juízo e justiça. A própria sequência do texto já mostra que estas palavras se referem à salvação, mas é importante ressaltá-las, considerando o sentido muitas vezes negativo que elas podem fazer para a maioria das pessoas (Salmo 71.2).

Embora essa profecia não seja explicitamente citada no Novo Tes-tamento, a confissão é de que de fato Jesus Cristo é o ungido de Deus através do qual a justiça de Deus (salvação) foi executada e revelada em toda a sua plenitude (Mt 3.15; Rm 5.18-21; 1 Co 1.30) e que a Igreja de Cristo é portadora.

CONSIDERAçãO HOMILÉTICA

Uma das marcas do período de Advento, por causa da iminente en-trada no mês de dezembro, é a intensa correria gerada pela proximidade do Natal. É natural e por si só não deveria ser motivo para se condenar toda essa mobilização. Mas ei! Está chegando o dia em que celebramos o cumprimento da “boa palavra do Senhor” também em nossas vidas.

E Deus nos chama hoje a andar no seu caminho (Salmo 25.1-10). Caminho de arrependimento e confiança nele. Deus começa a construir seu relacionamento com os cristãos pelo Evangelho, seja pela pregação ou através do Batismo. E como fruto desta atividade salvadora de Cristo em suas vidas, ele exibirá responsavelmente os frutos da justiça de Cristo.

O que dá sentido e valoriza realmente toda a agitação que se faz para comemorar mais um Natal, é olhar para o Salvador. Ao esperar o dia de Jesus Cristo, oramos com ações de graça para que o Senhor nos faça crescer no amor de uns para com os outros e na santidade de vida diante de Deus (1 Ts 3.9-13).

Jesus Cristo também nos convida a vigiar em todo o tempo (Lc 21.25-36) para não sermos pegos desprevenidos e assim não celebrarmos essa época tão bonita sem o real sentido de sua existência. O convite de Cristo não visa meramente e somente à condenação eterna, mas para sermos animados e encorajados a desfrutar já agora dos benefícios de Cristo, em espírito de alegria e gratidão nas horas boas, em confiança e coragem nos tempos difíceis.

Anselmo Ernesto GraffSão Leopoldo/RS

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PrIMeIrO dOMIngO nO adventO

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MALAqUIAS ANUNCIA A VINDA DO SENHOR

Advento significa a espera daquele que “há de vir”. E Malaquias dá sinais da vinda do Senhor ao seu povo. Ele descreve que um mensageiro iria preparar o caminho. No entanto, Malaquias detecta uma moléstia entre seu povo: a indignidade de receber seu Senhor. Pergunta o profeta: Quem pode suportar o dia de sua vinda? Quem poderá subsistir quando ele aparecer? Porque ele é como fogo do ourives (v.2). A moléstia é a condição do orgulho humano e esta característica do Senhor (como fogo do ourives) será para purificar os filhos de Levi como ouro e prata. Junto com a vinda do Senhor há um pronunciamento de juízo contra os feiticei-ros, adúlteros, os que juram falsamente, os defraudadores, os opressores do órfão e da viúva e os que torcem o direito do estrangeiro e os que não temem. Essa atitude de Deus revela sua imutabilidade: apesar de Deus sempre ser misericordioso, seu povo não guardava os estatutos. Deus convida o povo a tornar a Ele, mas o povo pergunta: “Em que havemos de tornar?” v.7. Por isso Malaquias acusa os erros que desvirtuavam a imagem do Deus de amor e de aliança com seu povo.

CONTEXTO DE MALAqUIAS

Malaquias pode significar meu mensageiro e não um nome próprio. A referência em 3.1 meu mensageiro denota alguém abrindo o caminho para o advento – vinda do Senhor. Malaquias é a melhor janela para examinar as necessidades espirituais de seu povo. Na época reinava um ceticismo, desrespeito aos mandamentos (por isso a conotação Anjo da Aliança, visto a aliança feita com os pais pelos mandamentos estar rompida). Portanto, Malaquias pode ser um porta-voz da nova aliança, já que é o evangelho/boa mensagem/notícia. Essa nova aliança está no sangue de Cristo. As moléstias apontadas na perícope são como “uma ponta de iceberg”, visto que nessa época havia hostilidade do povo, questionavam o amor do SENHOR na eleição do povo de Israel, não respeitavam Seu nome, negligenciavam a oferta e eram arrogantes em relação a Deus, visto que achavam sair impunes os injustos e os tementes a Deus não teriam seus benefícios. Por isso, diz Lutero, Malaquias denuncia os sa-cerdotes por ensinarem a palavra de Deus de maneira infiel e abusando

SEGuNDO DOMINGO NO ADVENTO06 de dezembro de 2009

Sl 66.1-12; Ml 3.1-7b; Fp 1.2-11; Lc 3.1-14(15-20)

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de seu ministério, não punindo os que sacrificavam animais defeituosos. “Chamado ao arrependimento” pode ser o tema de Malaquias para rece-ber o que há de vir. Para Lutero, Malaquias 3.1 refere-se à vinda de João Batista, como Jesus afirma em Mt 11.10. Recebemos o Salvador somente em arrependimento, como João abriu o caminho dizendo em Mc 1.15: “Arrependei-vos e crede no evangelho”!

O advento, em Malaquias, pode ser entendido como sendo em dois estágios: o primeiro com o advento em Cristo, que chamou pecadores, excluídos e marginalizados. O segundo estágio é o segundo advento em que de fato os opressores que oprimem em nome de Deus serão castigados. Embora isso não apareça em Malaquias, o primeiro advento mostra isso! (LASOR, p. 449-457 – LuTERO, M. Obras Selecionadas V. 8. p.110-112).

TEMA A SER EXPLORADO: A VINDA DO SENHOR CHAMA AO ARREPENDIMENTO

Em sua música “A Canção do Senhor da Guerra”, Renato Russo afirma aos que vão ao combate: “Lembre-se que Deus está ao lado de quem vai vencer”. Quando autoridades sociais (mão esquerda) e as autoridades re-ligiosas (a serviço da mão direita de Deus) deixam transparecer que Deus está ao lado de quem tem mais poder, Deus precisa quebrar o orgulho humano, pois Deus quer atrair os pecadores, doentes, excluídos e aflitos que foram excluídos da “seleção natural” do homem. Assim foi com o mi-nistério de Jesus, dirigido aos humildes de espírito, aos que choram, aos mansos, aos sedentos e famintos de justiça, aos misericordiosos, limpos de coração e pacificadores, perseguidos.

Muitas vezes, dentro de nossas próprias igrejas, as pessoas vão à Santa Ceia como sendo resultado de um prêmio de uma vida sem pecado. Quando pessoas que caíram voltam à igreja, recebem dos “premiados” julgamento e condenação, afinal, Santa Ceia é para quem oferta e conseguiu “não pecar”. Quando a igreja torna-se uma estrutura que vive em torno de si mesma, começa a olhar os excluídos com certo preconceito, visto estes não entrarem no sistema estrutural. Oprime-se mais o oprimido e acalenta-se o que “compra” o favor de Deus com oferta e uma vida de aparências. Quando se transforma a igreja em empresa, cobrando dos ministros re-sultados meramente estruturais, esquece-se do evangelho como perdão incondicional, para a condição da estrutura à qual ele serve!

Este texto aponta para a mais dura lei. No entanto, é uma lei peda-gógica a serviço de um Deus de inclusão ao arrependido e quebrantado de coração. Torna-se evangelho à medida que Deus vai ao encontro dos “excluídos”, pois Deus não é um Deus de elite, mas o Deus dos arrepen-

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didos que encontram em Jesus o perdão de todos os pecados!A realidade brasileira de um “reino de Deus estrutural” está presente

em todas as denominações, desde as tradicionais até os neopentecostais que relacionam a oferta proporcional à bênção de Deus, enquanto que, muitas vezes, o arrependimento pelos pecados é ignorado pelo orgulho, e pelo mesmo orgulho os sedentos pelo evangelho passam a ser indignos.

Sendo assim, a proposta é a seguinte:

VIVENDO O ADVENTO EM ARREPENDIMENTO

1. Malaquias chama o povo ao arrependimento por seu orgulho em relação a Deus e o desprezo em relação ao próximo

1.1 Arrependimentos quanto à situação pessoal: Quem pode suportar o dia da vinda? Quem poderá subsistir? Quem permanecerá diante do fogo do Senhor?

1.2 A incredulidade no âmbito social: juízo para os feiticeiros, os adúl-teros, os caluniadores, os fraudadores, o opressor.

1.3 Este quadro social era a imagem da “igreja” – imagem de Deus revelada aos oprimidos

2. O anjo da nova aliança2.1 Na nova aliança há uma boa notícia 2.2 Na nova aliança há um Deus a favor do pobre e oprimido2.3 Na nova Aliança há arrependimento, perdão e nova vida em Cristo

que trouxe Evangelho = Boa Nova anunciada por Malaquias.

ObRAS CONSULTADAS

LASOR, William S.; HuBBARD, Davi A.; BuSH, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1999.

LUTERO, Martinho. Interpretação bíblica - Princípios. Obras seleciona-das Vol. VIII. São Leopoldo: Sinodal, Porto Alegre: Concórdia, 2003.

Rafael WilskeDois Irmãos/RS

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Alegrai-vos sempre no SENHOR

INTRODUçãO

Alegria – esta é a palavra-chave da perícope. Todas as colocações do apóstolo giram em torno da alegria, alegria que o povo de Deus vive em Jesus Cristo. Alegrai-vos! Alegrai-vos sempre! Alegrai-vos no Senhor Jesus! Esta é a mensagem central de Paulo em nosso texto.

A alegria que Paulo recomenda aos cristãos de Filipos precisa ser en-focada em três contextos e perspectivas diferentes:

- no contexto dos cristãos da igreja de Filipos;- no contexto dos cristãos da igreja no advento de Cristo de hoje;- no contexto da aplicação individual dos cristãos de nossos dias.

CONTEXTO

1. De ontema) A Epístola aos Filipenses é conhecida como “a Carta da Alegria” e

como “a mais pessoal” de todas as epístolas de Paulo. Embora a alegria do povo de Deus em Cristo seja o assunto principal de Filipenses, o apóstolo ainda aborda outras questões de relevância para os “cristãos alegres em Cristo” como estas: gratidão pela ajuda recebida na cadeia; o glorioso hino sobre o estado de humilhação e exaltação de Jesus Cristo; o cuidado com as doutrinas dos falsos mestres na igreja; as bênçãos da oração contínua; importância de Jesus Cristo ser anunciado ao mundo todo.

Obs.: Antes de elaborar o sermão, é aconselhável o pregador ler toda a Epístola. O sermão será bem mais rico.

b) Filipos, cidade da província romana da Macedônia (hoje: norte da Grécia), tem um grande valor histórico para a igreja cristã: nesta cidade foi fundada a 1ª igreja da Europa. É o mesmo Paulo da Epístola (acompa-nhado por Silas, Timóteo e, talvez, Lucas) que, pela primeira vez, pregou o evangelho de Cristo no continente europeu. O 1º culto aconteceu num “lugar de oração”. E a 1ª pessoa convertida ao Salvador na Europa é uma senhora chamada Lídia (At 16.11-18; 20.1-6).

c) Paulo escreveu a Epístola aos Filipenses algemado numa cadeia pública, que pode ser em Roma ou Cesaréia. Paulo, o maior pregador de

TERCEIRO DOMINGO NO ADVENTO13 de dezembro de 2009

Filipenses 4.4-7

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Cristo, é um prisioneiro, considerado um criminoso, e está aguardando a sua sentença de morte. E neste difícil contexto existencial acontece o mais surpreendente: Paulo “se sente feliz e cheio de alegria no Senhor” e escreve a “Carta da Alegria” e diz aos cristãos de jovem igreja: “Alegrai-vos! Alegrai-vos sempre! Alegrai-vos no Senhor!”

Conhecendo e compreendendo este difícil contexto de ontem, toda a mensagem sobre a alegria cristã terá um novo valor, um novo sentido, um novo sabor! O pregador precisa considerar e valorizar este fundo histórico ao anunciar seu sermão.

2. De hojea) A perícope é para o período do ano eclesiástico chamado Advento

– o 3º domingo. Advento significa vinda, chegada, espera de algo que está para acontecer. Aqui, no Advento, espera-se a dupla vinda de Jesus Cristo: no Natal, a 1ª vinda como Salvador do mundo; no Juízo Final, a 2ª e última vinda, como Juiz para julgar o mundo.

b) A igreja antiga classificava o tempo de advento como tempus clau-sum, isto é, tempo de reclusão, de penitência, de confissão de pecados, de arrependimento. Por quê? Porque só quando o cristão reconhece e se arrepende de seus pecados é que ele pode se alegrar com a vinda do Jesus Salvador e do Jesus Juiz.

c) A mensagem sobre a “alegria no Senhor Jesus Cristo”, que Paulo pregou e recomendou aos cristãos da igreja de Filipos, é tão válida e atual para o povo de Deus de hoje como o foi para o povo de Deus de ontem.

d) O contexto de ontem foi complexo e difícil para o pregador/escritor e para os ouvintes/leitores. O contexto de hoje é semelhante, apesar de enfoques e ênfases diferentes, isto é, complexo e difícil. Estas dificuldades de hoje o pregador conhece ou precisa considerar ao falar sobre a alegria dos cristãos.

e) As colocações sobre o contexto do “alegrai-vos!” foram longas, porque são contextos difíceis, complexos e significativos para entender bem Fp 4.4-7. O contexto foi muito difícil, mas o texto da perícope e a disposição da mensagem sobre o “alegrai-vos sempre no Senhor” são simples, claros e fáceis para entender e anunciar.

Por isso, apenas algumas observações sobre o texto e a disposição.

TEXTO

O texto de Fp 4.4-7 é simples e de fácil compreensão e pregação. Xairete – “alegrai-vos!” É uma recomendação, um pedido, um impera-

tivo divino. Alegrar, regozijar, exultar, vibrar, jubilar, entusiasmar. É “estar feliz de todo o teu coração, toda a tua alma, todo teu entendimento, toda

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terCeIrO dOMIngO nO adventO

tua força”. É uma vida interior que se manifesta no modo de ser e viver como cristão. É tão importante que o apóstolo repete: alegrai-vos! Paulo fala muito nesta Carta sobre a satisfação, a felicidade, o contentamento e a alegria dele e do povo de Deus: “oro com alegria; por isso estou alegre; terem alegria que vem da fé; completai a minha alegria; ficarei conten-te e me alegrarei com vocês; vocês devem ficar contentes e se alegrar comigo; vocês sintam a alegria; recebam Epafrodito com toda a alegria; irmãos, sejam alegres por estarem unidos com o Senhor; alegrai-vos sempre no Senhor; vocês são minha alegria; aprendi a viver contente em toda e qualquer situação”. Alegria, do início ao fim de Filipenses. O pregador deve explorar, enfatizar e aplicar esta mensagem aos ouvintes, lembrando estas citações:

En Kúrio – “No Senhor, em o Senhor, unidos com o Senhor”. Logo, não é qualquer alegria. Só o cristão tem esta alegria, pois só o cristão “tem o Senhor, está no Senhor, está unido com o Senhor”. Este é o segredo da alegria cristã: é causada e motivada pelo Senhor. Tem pou-co ou nada a ver com o riso, sorriso ou gargalhada. É mais profundo. O Senhor é o Salvador Jesus Cristo.

Pantote – “Sempre”. Não só de vez em quando. É uma ação contí-nua, ao longo da vida. Em todos os momentos, circunstâncias e lugares (cf. 4.11). Difícil? Sim! Mas “no Senhor”, o cristão está sempre alegre: em horas de vibração e nas horas do “vale da sombra da morte”. É uma bênção especial que o Senhor Jesus confere aos redimidos.

Eggus – “Perto”. Há duas interpretações sobre “o perto” ou “próximo”: 1) No sentido espacial/vertical – Cristo está perto e bem junto de nós; 2) no sentido temporal – o retorno de Cristo para o juízo final está perto, está próximo. Parece-nos que o segundo significado é mais correto: a volta de Cristo está próxima! Este “próximo” ou “perto” é entendido melhor diante de 2 Pe 3.8: “... para o Senhor, um dia é como mil anos e mil anos como um dia”. Contudo, “orai e vigiai” (Mc 14.38).

Estes eram os principais destaques. As outras afirmações e recomen-dações sobre “a preocupação, a oração, a gratidão, a paz de Deus e em Deus, o coração, a prática na vida cristã, o modo de levar vida digna, correta, pura, agradável e decente”, o pregador pode incluir em seu ser-mão, se assim julgar oportuno.

DISPOSIçãO – SUGESTõES

Introdução – sugestões: Sl 126 ou Sl 122 ou Tg 3.13 ou Lc 2.10.São textos e eventos que apontam para a alegria do povo de Deus.Tema – Alegrai-vos sempre no SENHOR (vv.4 e 7)

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Partes – (Por quê? As causas, razões, motivos. Como? As maneiras, modos, vida. Seis partes breves. Aproveitar texto e contexto.)

1. (Por quê?) – Porque vocês foram feitos povo de Deus, creem no Salvador Jesus Cristo e estão unidos com o Senhor (1.1; 4.4)

2. (Por quê?) – Porque o nome de vocês está escrito no Livro da Vida, que pertence a Deus (4.3)

3. (Por quê?) – Porque o Senhor de vocês está perto/ ou virá logo (v.5)4. (Como?) – Como cristãos que são amáveis e agradecidos (vv. 5 e 6)5. (Como?) – Como cristãos que oram e louvam a Deus (vv. 6 e 7)6. (Como?) – Como cristãos que sabem estar guardados pelo Senhor

Deus (v. 7)Conclusão – Sl 104.33 ou Lc 2.10 ou Jo 16.22,24 ou Fp 4.4 ou Hinário

Luterano nº 220.

Leopoldo Heimann

São Leopoldo/[email protected]

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CONTEXTO

Miquéias foi um dos profetas do Século VIII a.C., contemporâneo de Isaías (Is 1.1), Oséias (Os 1.1) e Amós (Am 1.1). Natural de Moresete, povoado situado a uns 40 km a sudoeste de Jerusalém. Exerceu sua ati-vidade em Judá, mas também endereçou suas proclamações a Israel, o Reino do Norte.

Miquéias previu que Judá corria o mesmo perigo de sofrer o castigo que Israel sofrera em 722 a.C. Por isso fala contra os pecados do povo de Judá e de Israel. Judá será castigada por causa dos pecados das autoridades (3.1-4) e devido à corrupção dos profetas e sacerdotes (3.5-7,11). Por isso “Jerusalém se tornará em montões de ruínas, e o monte do templo, numa colina coberta de mato” (3.12).

Na segunda parte do livro (4-6) Miquéias aponta um futuro glorioso. Depois do castigo por causa de pecados como a idolatria e feitiçaria (5.12-14) vem a salvação. Deus ama e perdoa seu povo. É a esperança de um tempo final (4.1) quando Judá e Israel andarão para sempre “em nome do SENHOR” (4.5). Deus vai enviar um rei que vai nascer em Belém e vai fazer com que o povo viva em segurança e paz (5.2-5a).

A terceira parte do livro (6-7) é uma mensagem de julgamento e cas-tigo, mas também de bênção e salvação. A restauração de Israel depende somente da iniciativa de Deus em conceder perdão e misericórdia. O livro conclui com uma oração pedindo a misericórdia de Deus.

Lutero sobre Miquéias:“O profeta Miquéias viveu no tempo de Isaías. Miquéias (4.1-3) até usa

as palavras de Isaías 2 (2-4), e assim se percebe que estes profetas que viveram no mesmo tempo pregaram quase a mesma palavra a respeito de Cristo como se eles tivessem consultado um ao outro neste assunto”.

“Miquéias é um dos profetas aguçados que censura o povo severa-mente pela sua idolatria e constantemente refere-se à vinda de Cristo e de seu reino. Em certo sentido ele é singular entre os profetas, visto que ele aponta com certeza para Belém, denominando-a como a cidade onde Cristo haveria de nascer (5.2). Por esta razão ele foi célebre sob a Antiga Aliança, como Mateus sem dúvida mostra no capítulo 2(3-6)”.

“Em resumo, ele denuncia, profetisa, prega, etc. Essencialmente, no entanto, seu propósito é que mesmo que Israel e Judá teriam que se

quARTO DOMINGO NO ADVENTO20 de dezembro de 2009

Miquéias 5.2-5a

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fragmentar, Cristo, no entanto, viria e faria boas todas as coisas” (LW 35:324s.).

TEXTO

V. 2: Em contraste com a horrível predição do versículo 1, Miquéias agora passa para uma nota positiva. Efrata é a região na qual Belém está localizada. Desta pequena cidade viria o rei que seria enviado pelo Pai. Este rei viria de uma família de muito tempo atrás, desde os tempos do rei Davi, já planejada desde a eternidade, servindo aos planos de Deus. Mesmo que Jesus também seja o Deus eterno, assim como o Pai e o Fi-lho, segundo a sua natureza humana ele viria de Belém, sujeitando-se ao tempo e nascendo de uma descendência humana.

V. 3: Israel não seria redimido pelo seu próprio poder. Por isso seria entregue aos seus inimigos por um tempo até que fossem libertos do cativeiro. Mas a libertação que inclua a libertação dos pecados seria con-cretizada na vinda do Messias. Provavelmente aqui as dores de parto se refiram ao nascimento do Messias que viria para juntar um povo vindo de várias nações para formar o verdadeiro Israel espiritual. A humilhação da casa de Davi e de Israel havia sido incluída no plano de Deus, mas o resultado final seria que o Messias, assim como seu ancestral Davi, viria da humilde cidade de Belém.

V.4: O Messias iria apascentar e reinar na força e majestade de Deus, o Pai, sendo o pastor de seu povo (2.12), que se estenderia “até aos confins da terra”.

V. 5: Jesus é a “nossa paz” (Ef 2.14; Is 9.6). Ele providencia a cura da dissensão fatal entre Deus e a humanidade e finda a “inimizade” através da cruz (Ef 2.16).

APLICAçõES HOMILÉTICAS

O alvo deste texto é que o Messias traz a verdadeira paz.A moléstia que o texto aponta é a infidelidade de Israel em abandonar

a Deus e seguir deuses de povos vizinhos e suas feitiçarias. Todo pecado é um abandono de Deus, por isso todos nós também constantemente abandonamos a Deus.

O meio para se livrar da moléstia o próprio Deus providenciou planejan-do a vinda do Messias prometido com o nascimento de Jesus em Belém.

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QuartO dOMIngO nO adventO

PROPOSTA HOMILÉTICA

JESuS É A NOSSA PAZI. Ele foi prometido desde os tempos antigosII. Nele Deus estabelece um grande povo vindo de todas as partesIII. Diante de mais um Natal, ansiamos pela paz eterna.

Raul BlumSão Leopoldo/RS

[email protected]

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Acaz é um rei prudente. Ele não aceita a palavra do profeta que lhe dis-sera: “Pede de Deus um sinal.” Acaz não pede sinal porque a seus próprios olhos isso soaria como provocação a Deus. Acaz não quer provocar Deus. Ele quer dar a impressão, ou ele mesmo pensa acreditar nisso, de que ele confia em Deus. Mas, ao mesmo tempo em que pretende ser alguém que confia em Deus, ele oferece aliança aos assírios que, na verdade, era uma aliança de submissão dele e de Israel ao povo assírio. Acaz pensa que confia em Deus. Mas essa confiança não inclui o agir com destemor e encarar o rei da Assíria. Ele confia em Deus o suficiente para dar culto e oferecer sacrifícios a Deus. Mas nas políticas de sustentação do povo, da economia e da autonomia como povo de Deus, aí Deus não lhe parece suficientemente presente e disposto a proteger a ele e seu povo.

E o sinal que o profeta oferece parece confirmar que Deus não é su-ficiente para proteger o povo de Israel. O sinal é uma virgem e seu filho. Assim foi também em Jerusalém quando Jesus se apresentou. Ele não preencheu as expectativas que o povo tinha de um Messias, de um enviado de Deus. Ainda hoje as pessoas preferem cultuar as fantasias que fazem de Jesus do que confiar que perdão, paz e felicidade ao lado de Jesus possam preencher o vazio das esperanças que os homens cultivam. Ainda hoje muitos rendem louvor a Cristo nos templos e nas orações pessoais, entretanto na “vida prática” assumem estranhas alianças com as forças desse mundo.

1 JOãO 4. 7-16

Quando o apóstolo Paulo escreveu aos Coríntios: “O amor é o dom supremo”, certamente tinha bem vivo em mente a sua experiência do encontro com Jesus, às portas de Damasco. Sua insistência sobre o tema é marcante em cada uma das suas cartas. O Pai e o Filho são, ao mesmo tempo, juízo e redenção. Mas acima e além do juízo brilha sempre a reden-ção como o que identifica Deus. E João vai mais além, ou, em uma frase, ou, melhor, em uma palavra apresenta Deus: Deus é amor. Exatamente, como Paulo, ele vê na ação coordenada do Pai e do Filho, a manifestação da qualidade e da dimensão desse amor: “Nisso se manifestou o amor de Deus em nós: em haver Deus enviado seu Filho unigênito ao mundo.”

VÉSPERA DE NATAL24 de dezembro de 2009

Salmo 110.1-4; Isaías 7. 10-14; 1 João 4.7-16; Mateus 1.18-25

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Nessa frase chama a atenção um detalhe interessante: o amor em nós se manifesta numa ação fora de nós, nessa ação coordenada do Pai através do Filho. Fruto dessa ação existe amor dentro de nós que nos faz sentir, ter uma emoção que nos aproxima das pessoas e nos faz sentir vivos.

Essa vida se define a partir da ação revelada de Deus. Tudo aquilo que existe como nascendo e crescendo nesse amor é vida segundo a experi-ência desses apóstolos com a revelação do próprio Deus, Jesus Cristo.

Essa identificação com o amor que Deus revela tem um aspecto ainda mais desafiante: esse sentimento de Deus em nós é vivo e ativo: ele busca estender-se permanentemente ao outro exatamente do modo como ele se fez sentir em nós. Isso define as pessoas como filhos de Deus (Jo 1.12).

O que João, Paulo e todos os seguidores de Jesus sentiram, o que os tornou tão intensos e definitivos em suas manifestações? De alguma for-ma, serem convencidos do compromisso que Deus assume em assumir a pecaminosidade e a maldade da natureza humana e finalmente admitiram em si próprios a maldade viva como dominadora dos seus sentimentos naturais. Essa é a obra inicial que Deus precisa fazer: Convencer as pessoas do pecado. Somente Deus pode convencer alguém de que era necessário ser batizado para perdão dos pecados. Essa obra inicial o ser humano re-cusa a aceitar. Ao longo da vida, busca sempre de novo atribuir a si próprio a dignidade que lhe é dada todos os dias como presente de Deus.

Portanto, o amor de Deus não se limita ao perdão dos pecados, mas efetivamente traduz as nossas mal formadas intenções de amor em amor realmente recebido por aqueles que intencionamos e tentamos amar. Crer que a educação e aperfeiçoamento dos nossos sentimentos também é obra de Deus na pessoa do Espírito Santo, essa é a fé que anima os filhos de Deus a prosseguir em suas tentativas de amar.

A essa fé também pertence reconhecer que o amor que recebemos de tantas pessoas e de tantas maneiras diferentes é também obra do amor de Deus por nós. Não vemos Deus, diz João. O que vemos e sentimos é o amor de Deus através das mãos, dos olhos, da voz que expressam inte-resse pelo bem-estar daqueles que Deus aproxima de nós. Sentimentos são inevitáveis. Deus os desperta e aperfeiçoa. Podemos dizer que eles são espontâneos. Mas não são nossos. São vida que Deus sopra em nós na obra do Espírito Santo e que reconhecemos como sendo dele. O que podemos fazer? Louvar a Deus por ter-nos arrancado do indiferentismo egoísta denunciando a nossa natureza na cruz do Calvário e nos aceitando como somos e, finalmente, ensinando-nos a perceber a sua obra que ele realiza em nós e através de nós. Assim, o que antes era morto agora é vida.

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MATEUS 1.18-25

Deus se faz criança por amor de cada pessoa que ele criou. Aliás, Deus nasce daqueles que ele criou. Não existe forma nem maneira de harmonizar esses fatos com a nossa maneira de ver e entender as coisas. Mesmo o mais cético ser humano para diante do quadro que está diante dos olhos. O que teria obrigado Deus a nascer da humanidade por ele criada?

Talvez seja meramente uma impressão pessoal e, admito, talvez equi-vocada. Mas as celebrações de Natal a que tenho presenciado ultimamente, salvo algumas exceções, mais se parecem com qualquer espetáculo (show) que mais faz aparecer e dar visibilidade aos cantores com seus vocais e ritmos, com textos por vezes desconexos, do que induzir à contemplação do Natal que aconteceu em Belém. Nota-se nos pastores e suas equipes um esforço intenso de valorizar a data, torná-la marcante, mas José e Maria com o menino Jesus acabam por parecerem a mim naquele cenário figuras decorativas, personagens de ficção de um passado remoto.

As próprias crianças que até há algum tempo tinham espaço central para expressar um certo jeito de ver o Natal, agora parece estar sendo espremidas para uma lateral para que atores e cantores e instrumentistas façam o papel central.

O que provocou essa reflexão de cunho crítico? Um dos textos mais preciosos do Natal é o Cântico de Maria (Lc 1. 46-55). Ao contemplar o quadro natalino de Mateus, mais focado em José, vem à mente o olhar de Lutero sobre Maria no seu comentário sobre o Cântico de Maria*. Lutero sente nas palavras de Maria o reconhecimento da completa nulidade do ser humano diante da vida e diante de Deus. Nessa contemplação, Lu-tero se consola na contemplação de Maria diante da tremenda tarefa de comparecer diante das autoridades do Império em Worms onde lhe seria ordenado retratar-se da doutrina do Evangelho.

Ao traduzir Pois contemplou a humildade da sua serva, Lutero prefere por na boca de Maria a palavra nulidade ou ser insignificante. O que Maria poderia oferecer a Deus para ter a dignidade de ser a mãe de Deus? Nada, é a resposta de Maria. Nada, é a resposta de Paulo em vários momentos das suas cartas. Lutero sente esse NADA diante de Worms. E isso lhe permite dar os passos naquela direção.

Na verdade, como poderíamos testemunhar esse nada numa celebração em que queremos honrar Deus? Como podemos testemunhar ao mundo e a nós próprios para dentro das nossas igrejas e suas celebrações que, tal como Maria, temos de admitir que o nosso louvor é nada, mas que

*Publicado em livrete na coleção “Lutero para Hoje” sob o título O Louvor de Maria (CIL, Con-córdia e Sinodal, 1999. Também em Obras Selecionadas, vol. 6, pp. 20-78).

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Deus contempla esse nada, nasce desse nada para que ele nos faça ser tudo que Deus tem para dar e oferecer ao nada? Como podemos fazer algo assim? Nunca saberemos fazê-lo. Não conseguiremos jamais anu-lar a nossa pretensão de querermos ser algo de nós próprios diante das pessoas e do próprio Deus.

Em razão disso, minha própria crítica ao louvor que se faz em algumas cenas do Presépio é também nada. O que sei eu do que se passa no co-ração de qualquer pessoa? O que sei eu do que significou para cada uma daquelas pessoas estarem ali tentando do seu jeito expressar gratidão e louvor a Deus? O mesmo Deus que prometeu receber e aceitar o mais indigno e imperfeito louvor por causa do amor que tem pela sua criatura revelado no Natal?

A perplexidade e confusão de José, mas finalmente a sua singeleza em seguir os fatos tal como lhe foram apresentados, é talvez também a única maneira de estar diante da representação do presépio. Mas não somente isso. É também o que consola cada pessoa que precisa enfrentar as tarefas que Deus impõe a cada um. Pessoas como José, Paulo, Maria, Lutero, você, seus familiares, não precisamos de coragem. Os nossos olhos, como os deles, foram abertos por Deus, para vermos a ele no co-mando das forças desse mundo. José não tem coragem para enfrentar a opinião de uma aldeia. Com ele podemos aprender a ver Deus em cada fato e acontecimento das nossas vidas, os impedimentos, os desafios, os atrasos, as acelerações, os momentos felizes e encorajadores, como as tristezas, as fugas e as perdas. Não importa como eu me sinto diante das coisas e das pessoas. Importa saber se reconheço Deus no comando de tudo para o louvor e honra do seu nome.

Aquela criança é Deus para resgatar pessoas que são nada e fazer de todos os Nada filhos de Deus. Porque muitos Nada ainda necessitam saber disso, se consolar nisso e viver.

ORGANIZAçãO DO EVANGELHO PARA A PREGAçãO

Como José, estamos diante dos fatos da vidaComo José, nos esforçamos para ter uma saídaComo José, aprendemos que os fatos são palavra de DeusEssa palavra nos consola e anima a viver.

Paulo P. WeirichSão Leopoldo/RS

[email protected]

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1. TEXTO E CONTEXTO

Entre os vv. 1 e 2, o apóstolo estabelece três contrastes: “outrora ... nestes últimos dias”, “aos pais ... nos [=para nós]”, “pelos profetas ... pelo Filho”. Há ainda um quarto contraste, ressaltado pelas formas verbais do verbo “falar”: “falado [Particípio Aoristo = situação ocorrida mais de uma vez] muitas vezes e de muitas maneiras ...; “falou” [Indicativo Aoristo = fato histórico, talvez ênfase no evento único].

A expressão “nestes últimos dias”, ou “no fim destes dias” (evp v evsca,tou tw/n h`merw/n tou,twn) tem um tom escatológico. Trata-se de uma mani-festação definitiva de Deus (é o que evoca o termo e;scaton). O próprio uso das formas verbais também leva a esta direção. No versículo 1, o verbo no Particípio parece indicar a situação como um todo, que resume o Antigo Testamento: Deus tendo falado através dos profetas. Este era o modo usual de Deus falar, tornando conhecida sua vontade e manifestando juízo e salvação. É importante notar que o verbo lale,w é muitas vezes usado como referência à proclamação dinâmica da mensagem de Deus. Ele pode referir-se ao contexto do culto (por exemplo, o verbo é usado mais de vinte vezes no capítulo 14 de 1 Coríntios).

No v. 2, o verbo no Indicativo Aoristo chama a atenção para o caráter de evento único da ação descrita: Deus falou ... pelo Filho. A ênfase não está em Deus ter falado diversas vezes através do Filho, como se estives-se focalizando cada uma das pregações de Jesus. Mas a idéia é que em Jesus aconteceu de forma definitiva e única a manifestação proclamatória de Deus. Tudo o que veio antes, até mesmo pelo seu caráter contínuo e repetitivo – “muitas vezes e de muitas maneiras” – era preparatório para a grande manifestação de Deus. Por assim dizer, Jesus é o discurso final de Deus ao mundo. Nele Deus descortina de forma plena sua vontade, seu projeto, seu juízo e sua redenção.

Há um pensamento de progresso na revelação de Deus entre as duas etapas referidas no texto. Mas este progresso não é do tipo “do menos para o mais importante”, ou “do menos verdadeiro para o mais verdadei-ro”, pois é o mesmo Deus que está falando em ambas situações. Aliás, é significativo que Deus fale! Toda a fé cristã está fundamentada no fato de que Deus é e se revela! Ele não fica escondido, não deixa para a reflexão humana descobrir Sua natureza e Seus desígnios. Deus fala! E sua fala,

DIA DE NATAL25 de dezembro de 2009

Hebreus 1.1-6

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ainda que inclua a proclamação do juízo sobre o pecado, tem como objetivo final proclamar redenção, vida, salvação.

Que progresso está evidenciado na manifestação de Deus? É o “pro-gresso” que vai da promessa para o cumprimento. Nos profetas é dada a promessa. Ela é verdadeira e eficaz, manifestada nas páginas do Antigo Testamento, pois é o único Deus que fala. No entanto, ela se cumpre tão somente quando da vinda em carne do Filho de Deus. Na encarnação Deus se deixa ver e ser conhecido na concretização da promessa, na realização do projeto de salvação. Em Cristo estão os definitivos “sim” e “amém” de Deus (2 Co 1.20).

Voltamos novamente à expressão evp v evsca,tou tw/n h`merw/n tou,twn traduzida por “nestes últimos dias”. F. F. Bruce [The Epistle to the Hebrews, The New International Commentary on the New Testament, Eerdmans, 1991] argumenta que por esta frase o autor não quer dizer apenas “re-centemente”. Trata-se, segundo Bruce, da “tradução literal da expressão hebraica usada no Antigo Testamento para denotar a época quando as palavras dos profetas serão cumpridas e seu uso aqui significa que a vinda de Cristo ‘ao se cumprirem os tempos ... uma vez por todas’ (Hb 9.26) inaugurou aquele tempo de cumprimento.” (BRuCE, p. 46). A expressão evp v evsca,tou tw/n h`merw/n é usada pela Septuaginta literal ou ligeira-mente modificada em textos como Gn 49.1; Nm 24.14; Dt 4.30; Is 2.2; Jr 23.20; Ez 38.16; Dn 10.14; Os 3.5; Mq 4.1. Neste sentido, o falar de Deus em Jesus configura-se num exemplo da escatologia inaugurada, ou seja, de que em Jesus, no seu ministério e na sua obra redentora, os fins dos tempos foram antecipados. Ele é o fato central da história e tudo o que ainda virá é fruto de sua obra neste mundo, realizada através da encarnação.

O autor cita sete fatos a respeito de Jesus que acentuam sua grande-za, mostrando que nele de fato acontece a máxima revelação de Deus. Nestas sete observações Jesus é relacionado com Deus [“resplendor da glória”, “expressão exata do seu Ser”, “assentou-se à direita da Majes-tade, nas alturas”], com a criação [“herdeiro de todas as coisas”, “fez o universo”, “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder”] e com a humanidade pecadora, através de seu caráter de sumo-sacerdote, que será uma das grandes ênfases de toda a Epístola [“fez a purificação dos pecados”]. O texto bíblico sugere que, por ocasião da celebração do nascimento de Jesus, se reflita a respeito da grandeza de Cristo a partir destas três perspectivas.

2. APLICAçãO HOMILÉTICA

Os profetas anunciaram a vinda de Jesus séculos antes dela acontecer.

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Por esta mensagem as pessoas de sua época foram consoladas, ampara-das e orientadas a olharem para o futuro com esperança, quando Deus romperia os céus e manifestaria sua presença (cf. Is 64.1). A mensagem profética – sempre lembrada com muita propriedade nos cultos e progra-mas de Natal – é a primeira parte de uma bela moldura para o quadro deste dia. O versículo inicial do texto vem sublinhar o papel dos profetas.

A segunda parte da moldura vem da manifestação dos anjos, enviados por Deus para celebrar a chegada de Seu glorioso Filho. Os versículos seguintes do texto do dia (4-6) – na verdade, até o final do capítulo 1, mostram um dos aspectos da superioridade de Cristo: Ele é maior [lite-ralmente, “melhor” – krei,ttwn] do que os anjos. É significativo que anjos tiveram um papel muito importante por ocasião dos eventos anteriores e imediatamente posteriores ao nascimento de Jesus – no anúncio a Za-carias, a Maria, a José, aos pastores. No entanto, assim como os relatos de Mateus e Lucas já deixam claro, agora Hebreus o expressa, Jesus é maior (melhor) do que os anjos, sendo eles seus servos, atuando para a promoção de sua glória.

Profetas e anjos são a moldura colocada por Deus para anunciar a mais grandiosa mensagem – a chegada do Salvador. Ele, Jesus, é a própria mensagem, a concretização da vontade do Pai para a humanidade e o falar definitivo, escatológico de Deus para o mundo. Em Cristo Deus fala, é reconhecido e realiza o projeto de salvação da humanidade.

Estamos nos “últimos dias”, os dias entre a primeira e gloriosa vinda e a segunda e definitiva chegada de Jesus. O Natal vem mostrar mais uma vez que é tempo de celebrar a salvação que Jesus veio trazer, e que fora anunciada anteriormente pelos profetas e proclamada pelos anjos. Esta mensagem, encarnada em Jesus, é agora manifestada por todos os que têm o privilégio de reconhecer a Ele como a suprema manifestação de Deus, em seu amor e graça.

Gerson L. LindenSão Leopoldo/RS

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O primeiro é do SENHOR ou Fazei tudo para o SENHOR

TEXTOS

êxodo 13.1-3a, 11-15: É a memorável saída de Israel do Egito. Já tinha acontecido a instituição da Páscoa. Já ocorrera a morte de todos os primogênitos dos egípcios. E aí ocorreu o que nosso texto relata. Deus dá uma ordem: TODO O PRIMOGÊNITO É MEu, disse Deus. E tanto de homens como de animais. Ou seja: O primeiro é do SENHOR. Havia ainda um detalhe entre os primogênitos de animais: todos os machos seriam do SENHOR. Mas os primogênitos da jumenta poderiam ser substituídos por um cordeiro no sacrifício ou seriam mortos. Mas o grande detalhe estava no fato de que os primogênitos de “meus filhos deviam ser resgatados”, com-prados de volta, substituídos por outra vítima no sacrifício ao Senhor.

Salmo 111: Um salmo acróstico. No versículo 9 está o centro do Salmo: “Enviou ao seu povo a redenção; estabeleceu para sempre a sua aliança”. A aliança que Deus fez com Israel e com toda a humanidade resultou na redenção enviada no Menino e Primogênito da Manjedoura. Os que conhecem a aliança e a redenção louvam a Deus por seus gran-des feitos. Estar na aliança da salvação resulta no “temor do Senhor”, ou seja, em grande respeito em amor ao Senhor. Por isso, é o princípio de toda a sabedoria.

Lucas 2.22-40: O Evangelho nos conduz ao templo em Jerusalém. Ao oitavo dia Jesus foi circuncidado, mas ao 40º dia Ele foi apresentado no templo, como primogênito de José e Maria. E foi resgatado, conforme a Lei do Senhor em Êxodo 13. Por serem os pais de origem humilde, eles puderam oferecer um par de rolas ou dois pombinhos. Lucas, quando fala do “primogênito que abre a madre”, fala no original como “aquele que abre a madre santa”. A expressão adquire um sentido mais profundo e significativo quando vemos o valor que Deus atribui onde o filho é gestado e Deus lhe deu vida por seus pais.

Neste Menino Primogênito, Simeão viu sua salvação e cantou o Nunc Dimittis de nossa liturgia de Santa Ceia.

Colossenses 3.12-17: É o texto para a mensagem.

PRIMEIRO DOMINGO APóS NATAL27 de dezembro de 2009

Êxodo 13.1-3a,11-15; Salmo 111; Colossenses 3.12-17; Lucas 2.22-40

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CONTEXTO

A epístola aos Colossenses apresenta Jesus como o PRIMOGÊNITO de toda a criação e o PRIMOGÊNITO dentre os mortos (vv. 15 e 18), é a Ca-beça da Igreja (v. 18), para ter a primazia em todas as coisas (v. 18), em quem habita corporalmente toda a plenitude da divindade, portanto como verdadeiro Deus e verdadeiro homem em uma só pessoa. Nele temos a verdadeira vida e com Ele seremos manifestados em glória.

A seguir começa o texto propriamente dito. Observemos que Deus por Paulo fala numa metáfora do despir-se e vestir-se; do despojar-se e revestir-se. Do que deveriam os crentes despir-se? – Da velha natureza que consiste em prostituição, impureza , etc., detalhado nos versículos 5 a 8 do capítulo 3. E do que revestir-se? – Do novo homem que é segun-do a imagem daquele que o criou – 3.10,11. E as virtudes com as quais se vestir estão nos versículos 12 a 17 e também após estes versículos. Observe-se que estas virtudes que seguem são as próprias virtudes de Cristo. Vesti-las e praticá-las é fazer O MELHOR PARA O SENHOR, é FAZER PARA O SENHOR.

Três títulos para os que vão vestir-se para Deus: eleitos, santos e amados.

“Eleitos” – Rm 8.29-33; Ef 1.4; 1 Pe 1.2; “santos” – Rm 1.7; “ama-dos”- Dt 4.37.

A vestimenta, as virtudes a serem vestidas tornam a vida agradá-vel.

“[...] ternos afetos de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e longanimidade”. Ternos afetos [...], isto é, segundo o modelo de Deus (Lc 6.36), recomendada (Rm 12.20) e gravada nos corações (Pv 3.3) e as seguintes são todas frutos do Espírito, da relação de Gl 5.22ss.

As virtudes seguintes resolvem conflitos:“Suportai-vos [...] perdoai [...] o amor como vínculo da perfeição

[...] a paz de Cristo como árbitro e sede agradecidos” – vv. 13-15. Esse perdão é possível quando o amor de Cristo está nos corações. Os homens fazem coisas que exigem perdão, até entre os crentes. O amor (ágape) como alvo da perfeição. O coração, o homem interior deve contar com um poder que regula toda a vida do crente. E esse poder é a paz de Cristo, que Ele conquistou na cruz.

O versículo 16 exalta a fonte que fortalece as virtudes: a Palavra de Deus, seu ouvir, seu ensino. O ensino por palavras, música e exemplo. Mas o conteúdo deve ser a Palavra, a Escritura, a Bíblia. Habite em vós quer dizer como fixar residência, usar sempre e sempre a Escritura.

O versículo 17 é uma declaração, um resumo da perícope do domingo

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PrIMeIrO dOMIngO aPóS nataL

e da vida do crente. Por isso o tema: Fazei tudo para o SENHOR ou O primeiro é do SENHOR.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Considerando a relação entre todas as leituras e que elas serão lidas, oferecemos uma disposição com tema e tópicos para uma mensagem que pode ser mudada a critério de cada um.

Introdução: Quem é Deus? No Catecismo Maior de Lutero no 1º Mandamento: “Deus é aquele de quem esperamos todo o bem, e em quem procuramos amparo em todas as angústias. Assim, ter um só Deus significa: confiar-se a Ele e crer nEle de todo o coração. Pv 3.9,10: “Hon-ra ao Senhor .... primícias de toda a tua renda...”. “Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 2.5). “Buscai em primeiro lugar o seu reino...” (Mt 6.33). Não tem outro Deus. ELE é exclusivo. Exclusiva e única deve ser nossa confiança nEle. Para Deus só serve o melhor. Por isso

O PRIMEIRO É DO SENHOR ou FAZEI TuDO PARA O SENHOR1. Deus é isso para nós por causa da sua aliança e redenção que en-

viou: Sl 111.9; Gl 4.4,5. Resulta no temor (respeito em amor), que é o princípio de toda a sabedoria.

2. Todo o primogênito é meu, disse Deus – Êx 13.23. Ele também entregou o que tinha de melhor: o seu Primogênito –

Lc 2.22-404. Colossenses apresenta Jesus como Primogênito de toda a criação

– Cl 1.155. Também como Primogênito de entre os mortos – Cl 1.186. Como Aquele em quem habita corporalmente toda a plenitude da

Divindade – Cl 2.8,97. Como Aquele que nos dá vida, nosso Salvador8. Os crentes se despem e se vestem ... com virtudes de Jesus: vv.

12 a 159. Com o que ensinam: ENSINAR, ENSINAR, ENSINAR A PALAVRA

DO SENHOR – v. 1610. Para Ele FAZEI TuDO; O PRIMEIRO (o melhor) é do SENHOR – Cl

2.17Conclusão: Dar a Deus o primeiro, fazer tudo para Ele dá à nossa

vida sentido e grande prazer. E recebe o reconhecimento que Jesus deu à mulher que o ungiu: “Ela fez o que pôde” (Mc 14.8).

Benjamim JandtSão Leopoldo/RS

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1. LEITURAS DO DIA

Salmo 8: Este salmo é um hino de louvor onde Davi expressa sua ad-miração à majestade do Senhor. Deus usa até os fracos (os seres humanos de modo geral – especialmente os pequeninos e crianças de peito – v. 2) para derrubar os poderosos (vv.1-2); Davi também medita no fato de Deus ter confiado o domínio de sua criação ao homem (vv. 3-8) e conclui com tom de louvor e júbilo (v.9).

Números 6.22-27: Fórmula da bênção divina também conhecida como “bênção araônica”. Pronunciada nos cultos pelos sacerdotes de Je-rusalém (cf. Lv 9.22) e presente em nossas liturgias e cultos luteranos. O nome de Deus pronunciado três vezes é expressão semítica do favor divino, garantindo a Israel a presença de Deus que protege e vivifica. Tal bênção mostra que o povo pertence exclusivamente a Deus e que este o abençoa com a paz.

Gálatas 3.23-29: A lei mostra que o mundo está em pecado, a fim de que as pessoas percebam que as obras não podem salvar e que somente Cristo pode fazê-lo. A lei ficou tomando conta de nós como um paidago-gós* (literalmente guia de crianças) até que Cristo viesse para podermos ser aceitos por Deus por meio da fé.

Lucas 2.21: Segundo a Lei de Moisés (Lv 12.3), todo menino deveria

ser circuncidado uma semana depois de nascer. No mesmo dia de sua cir-cuncisão, Jesus também recebe de maneira “oficial” seu nome, cumprindo a promessa do anjo Gabriel em Lc 1.31. O NOME que está sobre todos os nomes e pelo qual importa que sejamos salvos (At 4.12).

DIA DE ANO NOVO CIRCuNCISÃO E NOME DO SENHOR

1 de janeiro de 2010

Números 6.22-27

*Este termo usado por Paulo e traduzido pela ARA como aio (guia, escravo) contrasta com o nosso atual termo para pedagogo, que se caracteriza como uma pessoa que ensina, educa, um professor ou instrutor em nossas escolas. No contexto social greco-romano o paidagogos caracterizava uma pessoa, geralmente escravo, cuja tarefa era conduzir um menino (dos 6 aos 16 anos) para a escola e supervisioná-lo de modo geral. Não era professor.

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2. CONTEXTO Os primeiros dez capítulos do livro de Números cobrem cinquenta dias

em que Moisés organizou Israel para a marcha de Sinai até a terra prome-tida. Esses dez capítulos iniciais mostram como os princípios de santidade de Levítico foram colocados em prática na organização da nação.

Depois que o Tabernáculo fosse dedicado (Êx 40.1-33) e antes de Israel começar a peregrinação pelo deserto, Deus deu orientações para a vida do povo (Nm 1.1; 6.21). A graciosa atitude de Deus para com os israelitas seria expressa em uma fórmula que Arão usaria quando erguesse suas mãos sobre o povo (Lv 9.22). Os ecos desta bênção são encontrados em Sl 4.6; 67.1; 80.3,7,19; 119.135.

A santidade do tabernáculo – aspecto esclarecido pela regulamenta-ção detalhada de seu manuseio (caps 3-4) – deu origem à consideração de várias ordenanças ligadas à santidade e a separação como o exemplo clássico da lei dos nazireus no capítulo 6.

A oração da bênção parece que está fora de contexto, imediatamente depois da lei dos nazireus, e antes das ofertas dos príncipes (capítulo 7), o que força o leitor a pensar por que ela foi colocada aqui. Sua introdução (v. 22) a liga com os regulamentos designados à purificação do acampa-mento israelita, e, portanto, para preparar o povo para o grande ato de adoração, a marcha em direção à terra prometida. A bênção que invoca a proteção de Deus sobre o povo vem em um momento muito apropria-do. Também serve para mostrar que o objetivo permanente de Deus é abençoar todo o Seu povo, e não meramente aqueles que fazem o voto de nazireu. Enquanto que os nazireus geralmente faziam seus votos por um curto período de tempo, os sacerdotes estavam sempre ali, pronun-ciando esta bênção no fim dos trabalhos matutinos diários no templo, e mais tarde nas sinagogas. A proclamação desta oração pelos sacerdotes era uma garantia de que Deus de fato iria por o meu nome sobre os filhos de Israel (v. 27 ARA).

3. TEXTO

A oração é composta em forma poética, e é provavelmente um dos poemas mais antigos da Escritura. Segundo a gramática da língua portu-guesa, não há necessidade de se repetir as palavras, neste caso o nome do Senhor, mas a repetição semítica enfatiza que o Senhor é a fonte de todos os benefícios de Israel, como o faz o versículo 27: e eu os abenço-arei; “eu” é enfático em hebraico.

À medida que as linhas da bênção se tornam mais longas, o seu conte-údo se torna mais rico, produzindo um crescendo que culmina na palavra paz (26). Cada linha (vv. 24-26) tem o Senhor como sujeito, e o Seu

dIa de anO nOvO - CIrCunCISÃO e nOMe dO SenHOr

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nome é seguido por dois verbos, o segundo dos quais expande a idéia do primeiro: abençoe, guarde; resplandece, tenha misericórdia; levante, dê a paz. Segundo P.D.Miller1, “A primeira cláusula de cada linha (invoca) o movimento de Deus em direção ao Seu povo, e a segunda cláusula, a Sua atividade em favor dele”. Deus abençoa as pessoas dando-lhes filhos, pro-priedades, terra, saúde e a Sua presença (Gn 17.16; 22.17ss.). O Salmo 121, que aparentemente alude a Nm 6.24, explica nos versículos 7 e 8 o que significa ser guardado por Deus (de todo mal desta vida mortal).

Faça resplandecer o seu rosto sobre ti (v.25). Esta metáfora, assemelhando Deus à luz, é característica da tipologia bíblica acerca de Deus (cf. Sl 31.16). Quando Deus sorri sobre o Seu povo, este pode estar certo de que ele terá misericórdia dele, isto é, Ele o libertará de todos os seus problemas. Ele responderá às suas orações e o salvará dos seus inimigos, doença e pecado (Sl 4.1; 6.2; 41.4; 51.1).

Levante o seu rosto (v.26). Enquanto “resplandecer” refere-se ao aspecto benevolente de Deus, o levantar os olhos ou a face significa prestar atenção (Gn 43.29; Sl 4.6). Paz (shalôm em hebraico) significa mais do que ausência de guerra. Quer dizer bem estar, saúde, prospe-ridade e salvação. Ou seja, o total de todas as boas dádivas de Deus ao Seu povo.

O Novo Testamento afirma que Jesus é Senhor, e que o Espírito Santo é Senhor (Rm 10.9; 2 Co 3.17). Em Jesus o significado pleno da paz é revelado inteiramente; Ele deu a paz e é a nossa paz (Jo 14.27 e Ef 2.14ss.). A dimensão deste novo pacto acrescenta uma profundidade adicional a uma oração que no seu contexto veterotestamentário já é extraordinariamente significativa.

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Viver sob as bênçãos de Deus é o desejo de todo mundo, espe-cialmente em datas festivas. Ano novo é um período propício para desejar bênçãos de Deus para nossos familiares, amigos e irmãos na fé. Nada melhor do que começarmos o ano com as belíssimas palavras da bênção araônica. Nesta direção sugerimos os seguintes temas:

que o Senhor te abençoe e te guarde no novo ano1. Dando-lhe bênçãos materiais2. Principalmente as bênçãos espirituaisJesus - o Nome para o novo ano (Por quê?)1. Porque neste nome há poder2. Porque nEle teremos paz completa

1 MILLER, P.D. The Blessing of God: An Interpretation of Numbers 6:22-27, 1979, p. 243.

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dIa de anO nOvO - CIrCunCISÃO e nOMe dO SenHOr

Jesus, a fonte de todas as bênçãos1. Porque Ele é o único Deus (o que isso implica em nossa vida diá-

ria?)2. Porque Ele é o nosso Salvador

Votos de bênçãos de Deus para você!1. Porque só Ele dá proteção2. Porque só nEle temos misericórdia3. Porque só nEle temos paz.

Héber Guéter FachSão Paulo/SP

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CONTEXTO LITúRGICO

A epístola do domingo de hoje, escolhida para o segundo domingo após o Natal, ainda reflete toda a atmosfera natalina que nos mostra o grande amor e misericórdia do Deus Triúno em relação a seus filhos, que tanto os abençoou. Deus Pai os escolheu antes da fundação do mundo para serem seus filhos amados, através da redenção de seu Filho, Cristo Jesus, e fez nele convergir todas as coisas a fim de que obtivessem a sua herança no reino celestial, tendo sido selados com o Espírito Santo que se tornou o penhor desta sua herança, conservando-os na fé verdadeira.

Os cristãos agraciados com tamanho benefício agora não podem dei-xar de louvar a Deus e ter o prazer em ouvir a sua palavra e andar em seus caminhos como o fez o salmista no Sl 119.97-104, quando exclama: “Quanto amo a tua lei! É a minha meditação todo o dia... os teus man-damentos me fazem mais sábios que os meus inimigos... de todo o mau caminho desvio os pés”.

O jovem rei Salomão, na leitura do A.T., 1 Rs 3.4-15, que amava o Se-nhor, numa oração de noite, em sonhos, reconhece a grande benevolência divina e pede a Deus um coração compreensivo para julgar seu povo a fim de que prudentemente discirna entre o bem e o mal. E na leitura do Evangelho, Lc 2.40-52, o próprio Jesus mostra seu prazer de ficar na casa de seu Pai a fim de estar em permanente contato com a sua palavra e o último versículo nos informa de que crescia em sabedoria diante de Deus e dos homens. Todas as leituras do dia nos mostram o grande amor de Deus para com seus filhos e o prazer deles de permanecerem em contato com a sua palavra e de andarem em seus caminhos.

CONTEXTO HISTÓRICO

A epístola do domingo de hoje consta da abertura da carta de Paulo aos Efésios. Havia trabalhado na cidade de Éfeso principalmente na sua terceira viagem missionária. A cidade não era apenas a metrópole da província da Ásia, mas também culturalmente a mais importante, em que se destacava o famoso templo da deusa Diana, uma das sete mara-vilhas do mundo antigo. Era fonte não apenas da atração turística, mas também do lucro dos artífices de imagens sagradas, entre os quais se

SEGuNDO DOMINGO APóS NATAL03 de janeiro de 2010

Salmo 119.97-104; 1 Reis 3.4-15; Efésios 1.3-14; Lucas 2.40-52

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destacava Demétrio, que até causou um tumulto contra Paulo porque a sua pregação evangelística diminuíra seus lucros substancialmente (cf. At 19. 23-40). Sendo a maioria dos convertidos de Paulo das camadas humildes, o apóstolo lhes desvenda a imagem gloriosa da igreja, a qual, segundo Stöckhardt, tem suas raízes na eternidade, no coração paterno de Deus, penetra com sua fronde de novo na eternidade junto ao trono de Deus e ramifica seus galhos em todas as ordens da criação através da história do desenvolvimento, e tudo isso em Cristo.

O apóstolo tem a intenção de não apenas mostrar a glória da igreja, mas também a grandeza de seus membros que pela graça de um Deus bondoso e misericordioso são muito mais importantes que aqueles que são considerados grandes pelo mundo. Em lugar de ser inscrito no rol de homens famosos deste mundo, vale muito mais ser inscrito no livro da vida. Enquanto a glória do mundo passa, a glória da igreja dura para sempre e com ela seus membros. Salvos pela fé na graça de Deus, não pelas obras, são agora feitura de Deus, criados em Cristo Jesus para boas obras. As pessoas verdadeiramente ricas, possuidoras de tesouros impe-recíveis, são aquelas que creem na salvação de um Deus misericordioso, que estabeleceu um plano de salvação para elas, segundo o beneplácito de sua vontade.

TEXTO

O texto inteiro é uma doxologia que glorifica a grandeza e majesta-de divinas. Está subdividido em três partes, dedicadas cada uma a uma pessoa da Trindade e cada parte termina com as palavras: “para louvor da glória de sua graça”, ou: “para louvor da sua glória”.

V. 3: A primeira parte (vv. 3-6) é dedicada a Deus Pai. No v. 3, ele é bendito por ser o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo e por causa das abun-dantes bênçãos que tem derramado sobre nós. O apóstolo aqui se inclui no número dos crentes e assim se aproxima mais deles. Deus nos tem abençoado em Cristo, isto é, as bênçãos de Deus nos alcançam por inter-médio de Cristo, por causa de sua obra redentora. Nas regiões celestiais, uma expressão apenas usada na Epístola aos Efésios cinco vezes, significa que essas bênçãos são celestiais em sua origem e que elas descem dos céus aos crentes em Jesus na terra.

V. 4: As bênçãos foram derramadas sobre nós por causa da obra redentora de Cristo, mas a escolha teve lugar antes da fundação do mundo, quando Deus nos escolheu para sermos santos e irrepreensíveis perante ele, que são as características fundamentais da vida cristã. Essas características emanam da nossa fé. Todas as imperfeições dos cristãos, na presente vida, são cobertas pelos méritos perfeitos de Cristo. Outra

SegundO dOMIngO aPóS nataL

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característica fundamental que Paulo ainda acrescenta é o amor. A au-tenticidade da santidade e do caráter irrepreensível dos cristãos se dá a conhecer pelo amor agápe, aquele amor superior de compreensão e de um propósito correspondente, que ama o próximo mesmo se nele não existe nenhum motivo para isso e que ama a Deus porque ele nos amou primeiro. “Não tendes em vós o amor de Deus”, disse Jesus aos judeus incrédulos em Jo 5.42 (cf. 1 Coríntios 13).

V. 5: Outro motivo pelo que Deus nos predestinou é para sermos seus filhos adotivos. Jesus é o Filho de Deus por natureza e nós somos filhos adotivos por designação e posição (Gl 4.5). Deus quis ter filhos na terra, aos quais pudesse aplicar todo o seu amor paterno e tudo isso ele fez não porque o merecessem, mas por causa do beneplácito de sua vonta-de. A palavra “beneplácito” foi também usada em Lc 2.14, onde os anjos cantaram: “... paz na terra aos homens de seu beneplácito”. Os cristãos devem tudo à boa vontade de Deus e, por isso, a primeira parte desta doxologia é encerrada com as palavras: “para louvor da glória de sua graça”. A palavra mais doce para o pecador em toda a Escritura é “graça”, que aqui é descrita na sua plenitude e que tem a sua fonte na eternidade e nos atos eternos de Deus. Essa graça ele nos concedeu gratuitamente no Amado, como Jesus é designado em vários lugares da Escritura (cf. Mt 3.17; 17.5; Cl 1.13).

V. 7: No v. 7 inicia-se a segunda parte da doxologia dedicada à segunda pessoa da Trindade, a Jesus. As bênçãos da eleição da graça tornaram-se nossas graças à obra de Cristo, que pagou o nosso resgate pelo derra-mamento de seu sangue e assim nos obteve a remissão dos pecados, segundo a riqueza de sua graça. Mais uma vez a graça é mencionada e a sua abundância é enfatizada pela palavra ploutos, riqueza.

V. 8: Essa graça ele nos deu com tanta fartura (NTLH) em termos de toda a sabedoria e entendimento (NTLH). Sabedoria é a substância do evangelho. É mais do que conhecimento. É o discernimento penetrante das realidades divinas. “Cristo se tornou para nós sabedoria ...” 1 Co 1.30). “A sabedoria, porém, lá do alto é ... plena de misericórdia e de bons frutos ... “ (Tg 3.17). “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Pv 9.10). Salomão demonstrou essa sabedoria em sua oração e Jesus crescia nela. Frónesis é traduzida pela RA por “prudência” e pela NTLH por “entendi-mento”. Essa última tradução talvez seja a melhor e reforça uma idéia que já está em sofía, sabedoria.

Vv. 9-10: Mistério denota o grande plano de Deus para a salvação do homem e a restauração de todas as coisas, fatos que apenas podem ser conhecidos pela revelação de Deus. Esse plano Deus desvendou na sua palavra, que é de fazer convergir em Cristo todas as coisas na plenitude dos tempos, determinados por Deus, quando seu propósito redentor alcançaria

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a sua plena medida com o envio de seu Filho (cf. Mc 1.15; Gl 4.4). V. 11: Nele também fomos feitos a sua herança, tendo sido predesti-

nados segundo o propósito daquele que opera tudo eficazmente segundo o plano da sua vontade.

V.12: A finalidade de tudo isso é para que vivamos para o louvor da sua glória. E o apóstolo termina a segunda parte de sua doxologia, dedicada a Jesus Cristo, com uma frase cujo sentido é bastante discutido: “nós, os que de antemão esperamos em Cristo”. Provavelmente o significado mais adequado consiste na referência àqueles judeus, que como o próprio Paulo, tornaram-se crentes em Jesus antes que o fizessem muitos gentios.

V. 13: “Em quem também vós...” provavelmente se refere à maioria dos efésios, que tinham sido gentios. Começa aqui a parte doxologia dirigida à obra do Espírito Santo. Também todos os cristãos gentios, como os cristãos judeus a quem já se fez referência, depois de ouvirem a palavra da ver-dade e crerem nela, foram selados com o Espírito Santo da promessa. É o Espírito Santo o selo, a garantia, que preserva os crentes na fé verdadeira, como já Lutero afirmou na explicação do Terceiro Artigo.

V.14: O v. 14 apresenta mais uma imagem à obra do Espírito Santo, arrabón, que foi traduzida por “penhor” pela RA e por “garantia” pela NTLH. Sua tradução literal, porém, é “primeira prestação”. Era um termo técnico usado em transações comerciais nos papiros. A nossa posse presente do Espírito Santo é apenas a primeira prestação e ainda não a nossa completa herança envolvida em nossa adoção. A doxologia se encerra aqui com o refrão usado pela terceira vez: “em louvor de sua glória”.

PROPOSTA HOMILÉTICA

Se quisermos aprofundar apenas uma parte do texto, poderemos es-colher uma doutrina específica como, por exemplo, a eleição da graça, a redenção, ou a conservação na fé verdadeira. Mas seria também oportuno dar uma visão global de todo o texto em que poderíamos incluir todo o plano da salvação como, por exemplo:

Louvemos o Deus Triúno por causa das bênçãos derramadas sobre nós

1. pelo Pai2. pelo Filho3. pelo Espírito Santo.

Paulo F. Flor Dois Irmãos/RS

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CONTEXTO LITúRGICO

“Epifania” – a manifestação de Deus – é muito mais do que um dia na vida da igreja cristã. No seu sentido mais amplo é o que Deus sempre tem feito, a saber, fazendo-se conhecer e, pelos seus atos, fazendo-se ver. A criação é uma “epifania” de Deus porque os céus proclamam a sua glória. As visões que impulsionaram Abraão são epifanias. Yahweh falando a Moisés na sarça ardente, o êxodo do Egito, a aliança, o maná, a chegada à Terra Prometida – cada um destes episódios são de Deus. Até os profetas, ao se referir prolepticamente ao Messias, estão debaixo do guarda-chuva do conceito de epifania.

A vida do “Verbo que se tornou carne e habitou entre nós” é uma epifania. A cruz, tanto quanto a manjedoura, é uma epifania. Deus deixa a nuvem da invisibilidade para se deixar conhecer e, em Cristo, se deixar ver. Em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Esta é a maneira de Deus, o nosso Deus, agir na medida em que deseja a salvação do mundo. Esta é a única forma que tem o ser humano de conhecer e ver Deus, ou seja, na pessoa de Cristo. Vale lembrar a palavra de Lutero: “Se alguém procurar Deus fora de Jesus Cristo, não o encontrará”.

O evangelho de hoje é o ponto zero da Epifania na nomenclatura do ano eclesiástico. A epifania em Belém é paroquial, mas com os Magos do Oriente é global – eles representam o mundo gentio, de onde procedem. A relação da leitura do Antigo Testamento com o evangelho é, como na maioria das vezes, direta, complementar e, aqui, uma relação de profecia e cumprimento.

TEXTO E COMENTÁRIO

V.1: O texto da LXX e da Vulgata acrescenta “Jerusalém” depois dos verbos “levanta-te, resplandece” (cf. NTLH). Embora tenhamos de preferir a leitura mais breve, as duas traduções já indicam a quem se referem os dois verbos iniciais. Estes verbos estão no imperativo feminino; Jerusalém é descrita como uma mulher. Tais verbos dão a entender que “ela está prostrada por terra, em vergonha e fraqueza, cercada por uma noite de miséria” (Ridderbos, Isaías, p. 483). O povo pecou, sim, mas Sião é agora chamada a levantar-se do seu estado de prostração e abraçar a glória que,

EPIFANIA06 de janeiro de 2010

Isaías 60.1-6

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por meio de Deus, é sua. Não se trata de uma libertação da Babilônia. Trata-se de uma libertação para a vida empoderada pelo Espírito de Deus (cf. 59.21) na qual a luz de Deus é refletida no povo de Deus. Como uma cidade que refulge aos primeiros raios do sol matutino, o povo de Deus “reflete” a luz. Como a lua reflete a luz do sol (xrz), o povo reflete uma beleza que lhe foi presenteada.

O verbo “vir” (awb) descreve a vinda salvífica de Deus, frequente desde o cap. 40. Agora Deus está aqui, como o sol nascente após uma noite de tormentos. A “glória” (dAbK') de Deus não tem nada de majestático como por vezes se sugere, mas é a presença visível de Deus no meio do seu povo. Deus se revela na nuvem no tabernáculo e no templo. A glória de Deus é a sua santidade escondida. Na sua “glória” Deus se revela para que possamos reconhecê-lo e vê-lo. A glória que aparece nas campinas de Belém é a marca da graça de Deus cujo desejo é a salvação do seu povo. A “glória do SENHOR” é o evangelho por excelência. Cristo é a “glória do SENHOR” (cf. Jo 1.14-18) que “nasce” sobre o povo.

V. 2 apresenta o contraste. A linguagem nos reporta ao Êxodo: na terra do Egito havia espessas trevas, mas na terra de Gósen havia grande luz (Êx 10.22-23). “As trevas”, com artigo, são específicas; “escuridão” é treva densa. A conclusão é inevitável: as trevas cobrem a terra, mas sobre vós (observe o adversativo “mas”) “alvorece” (xrz) Yahweh e sua glória.

V. 3 apresenta o resultado. O termo é “gentios”, sem artigo; assim também “reis”. Não apenas o povo de Deus, mas multidões de gentios vêm de todas as partes para ver a glória do SENHOR. Nações deixarão de gravitar ao redor da escuridão da sua experiência com os ídolos para apreciar a luz do “alvorecer” (xr;z<, aqui substantivo) do povo de Deus. Por que elas vêm? Apenas por causa da Luz! O momento que Sião, a igreja de Deus, estava esperando, chegou. Alvorecendo no esplendor de Yahweh, a igreja de Deus irradia luz na escuridão do mundo de tal forma que a promessa feita a Abraão se cumpre: nações e reis são atraídos pela sua luz. Deus, por meio do profeta Isaías, antecipa em escala maior o que os Magos do Oriente experimentam como precursores dos eleitos dentre os gentios: “Vimos a sua estrela no oriente e viemos para adorá-lo”. Tam-bém reis – ainda hoje, acredite! – senhores do poder, intelecto e riqueza, também eles, vêm à luz que Sião irradia.

Vv. 4-5 descrevem o impacto que a vinda das nações causará em Israel. Sempre acostumada a olhar para a beleza do seu próprio umbigo e a olhar para as nações de maneira hostil e agressiva, o povo de Deus quase não acredita que as nações estejam vindo para ela espontaneamente. “Levanta os olhos e vê”, diz o SENHOR a Israel. Algo como: pare de olhar para o próprio umbigo! Pare de se lamentar! No horizonte não há inimigos, mas amigos. O horizonte está repleto também de teus filhos e tuas filhas que

ePIfanIa

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foram levadas a exílio. Agora estão voltando. Os que vêm com eles são amigos, embora antes olhados como inimigos. A luz transforma! Aniquila as trevas. Ilumina as consciências. As nações trazem os filhos e as filhas. A imagem é de carinho e sensibilidade: as nações trazem as filhas nos braços (dc;, lado do corpo). Esta é uma visão hollywoodiana. Quando o coração do povo vir esta cena, esse coração arderá de felicidade tão grande como o fogo que arde numa fornalha (Gn 15.17; Êx 8.3 [TM 7.28]).

Se nos v. 4 o destaque é para filhos e filhas, no v. 5 o enfoque é sobre os gentios e suas riquezas. Camelos e dromedários estão abarrotados. Isaías fala de um dia em que camelos, descansando de suas longas viagens, cobrem os espaços ao redor de Jerusalém, suas ruas e vielas. Indicação de paz e serenidade. Midiã e seu primogênito Efa aparecem em Gn 25 como descendentes de Abraão por meio de Quetura. Estes filhos de Abraão, embora distantes, não foram esquecidos. Eles se estabeleceram no golfo de Elat (o sogro de Moisés vem dessa região). Nessa região tinham hege-monia sobre o comércio que vinha do sul (Sebá), do norte (Damasco) e se estendia por todo o planalto da Transjordânia. O foco do seu comércio estava no ouro e no incenso. O motivo para as nações trazerem de suas riquezas é claro. Não se trata de ganhar favor por parte do povo de Deus, ou para reparar eventuais danos causados pelo exílio. Nem tampouco como reconhecimento de que Israel era uma grande nação ou de raça superior. Não! As nações trazem suas riquezas com o único objetivo de “proclamar os louvores do SENHOR”. O Deus, a quem Israel trocara por outros deuses, é revelado como o único Deus. Israel, tanto como as nações que se aproximam de Jerusalém atraídas pela Luz resplandecente, dará testemunho deste Deus. Por meio deste testemunho virá o único Salvador raiando como o primeiro sol da manhã no dia da criação.

SUGESTõES HOMILÉTICAS

1. O Natal fala do Messias, diz respeito a Israel; Epifania fala da luz que se expande com força solar: ela diz respeito ao mundo.

2. O impacto da Luz de Deus não pode ser minimizado na suas im-plicações sobre o mundo. Pelo plano de salvação de Deus, seu gracioso convite se estende a todas as nações, do mais simples ao mais impor-tante. Apenas esta luz pode trazer perdão e vida aos que se encontram oprimidos pelas trevas do pecado e da morte. É neste tempo especial de Epifania que enfocamos Cristo como a luz do mundo sobre o povo de Deus e especialmente sobre os gentios.

3. O impacto da luz traz naturalmente uma reação. As nações trazem o que têm de mais precioso para oferecer ao Rei recém nascido. Assim como os Magos do oriente, trazemos os nossos tesouros para oferecer

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ePIfanIa

Àquele que nos criou e nos redimiu. Por meio das nossas riquezas também servimos ao nosso Deus.

4. A luz e a estrela eram de Deus. As nações, assim como os Magos, viram, reconheceram e vieram para adorar. Neles a epifania estava res-plandecendo. Que todos nós possamos ter a mesma bênção cada vez que “empreendermos a jornada” para nos prostrar diante da manjedoura e do trono.

Acir RaymannSão Leopoldo/RS

[email protected]

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PRIMEIRO DOMINGO APóS EPIFANIA – BATISMO DE NOSSO SENHOR

1. TÍTULOS

A nova vida em Cristo – NTLH. Livres do pecado para a graça – ARA. A nova vida – Lutero.

2. CONTEXTUALIZAçãO

Após dizer a seus leitores que todos somos justificados perante Deus pela fé, sem as obras da lei, Paulo fala agora dos frutos da fé. Ele afirma que a fé, bem assim a nova vida do filho de Deus, inicia no santo batismo. Pelo batismo o filho de Deus se torna participante de Cristo. Ele participa da morte, da ressurreição e da nova vida de Cristo para glória de Deus Pai. A graça de Deus nos conduz a deixar o pecado e a viver uma vida de santificação.

Levando em conta o contexto litúrgico, é importante a lembrança de que somos herdeiros da graça de Deus mediante o batismo e que fomos chamados pelo nome (cf. Is 43.1-7) e que agora, como filhos e herdeiros de Deus, somos conclamados a louvar a Deus e anunciar a sua glória (Sl 29), pois é o Senhor que dá força ao seu povo e o abençoa. O texto de Lucas 3.15-22 destaca o batismo de Cristo e a mensagem de que Ele nos batiza com seu Espírito Santo.

3. CONTEúDO DO TEXTO

O texto mostra com precisão que deixar de pecar não é uma atitude que procede da vontade humana, mas é um fruto da fé, produzido pelo poder de Deus Espírito Santo através da mensagem do evangelho.

Vv. 1,2: “... será que devemos continuar vivendo no pecado para que a graça de Deus aumente ainda mais?” Há certa lógica nesta pergunta, porém seu conteúdo é frio, desprovido de amor, satânica, pois propõe explorar a bondade de Deus. A resposta do cristão, portanto, não pode ser outra: “É claro que não! Nós já morremos para o pecado!”

Vv. 3,4: “... quando fomos batizados ... fomos sepultados com ele

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Romanos 6.1-11

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... fomos ressuscitados com Cristo.” Pelo batismo somos participantes de Cristo. Participamos de sua morte, de sua ressurreição e de sua vida santa. O batismo nos reveste de Cristo, diz Paulo em Gl 3.27: “Assim se revestiram com as qualidades do próprio Cristo”.

Vv.5-8: “... se já morremos com Cristo, cremos que também viveremos com ele”. Com estas duas verdades em mente, o apóstolo descreve “a realidade de nossa união com Cristo”.

V. 5: Ele afirma que somos semelhantes a Cristo em sua morte e ressurreição.

V. 6: Ele diz que somos semelhantes a Cristo porque nosso velho ho-mem foi crucificado com ele.

V. 8: Ele declara que somos semelhantes a Cristo porque morremos e ressuscitamos com ele.

Vv. 9-11: “... A sua morte foi uma morte para o pecado ... E a vida que ele agora vive é uma vida para Deus!”. Esta é uma morte gloriosa e uma qualidade de vida bem especial. Jesus fala em Mateus 5.29,30 de alguém que arranca o olho, ou corta a mão por serem a causa de seu pecado. Aqui Paulo mostra que o poder para morrer para o pecado e de ressuscitar para uma nova vida procede unicamente de Cristo. Vida na qual o nosso corpo não é mais um “corpo do pecado”, mas corpo que agora é um “sacrifício vivo e agradável a Deus”. Sabedores de que a morte não tem mais poder sobre nós e de que Cristo nos dá vida verdadeira por graça, nossa res-posta não pode ser outra do que esta: “considerar-nos vivos para Deus”. E assim, viver e praticar as obras daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.

4. IMPLICAçõES DO TERMO “GRAçA”

O termo grego para graça é káris e implica não uma mentalidade desconhecida ou ignorada até então, mas sua ação que ocorre agora. A graça, ao contrário do que muitos pensam, não é uma desculpa para se continuar no erro, como se tudo o que fizermos de errado irá ser perdoado em algum momento. Mas a graça é a certeza de que apesar de errarmos podemos contar com o perdão divino.

A questão da culpa que assola tantas pessoas é trabalhada quando compreendemos que somos passivos do perdão divino e por isso não pre-cisamos viver continuamente o peso de nossas escolhas erradas. Quando falamos em graça de Deus é necessário compreender que o ato máximo da graça de Deus consiste no fato de que entregou Cristo à morte, e isso como sacrifício expiatório pelos pecados dos seres humanos.

Pode-se dizer então que a káris é o ato de Deus, um presente para os seres humanos. A graça também é tudo aquilo que Deus concede ao ser

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humano para que ele desenvolva seus dons e ministérios. Paulo chama de káris o dom do apostolado a ele confiado que, ao mesmo tempo, é missão: Rm 1.5; 12.3. A prática do amor cristão também é chamada de káris, pois ela é uma dádiva de Deus: 2 Co 8.1; 2 Co 9.8. Os dons espe-ciais que os cristãos recebem são chamados karismata (dons da graça): Rm 12.6; 1 Co 7.7.

Outra questão importante é que, para Paulo, por trás de todo o pro-cesso de salvação está sempre a ação e iniciativa de Deus. Nenhuma outra palavra expressa sua teologia tão claramente sobre a questão da salvação como “graça”. A graça em Paulo resume o evento de Cristo, mas também a graça que relizou a irrupção vital na experiência humana individual, ou seja, aquilo que nos é dado. A graça também expressa a capacitação divina que continua através das habilitações e missões espe-ciais. Em resumo, káris está ligada a agape (amor) no centro mesmo do evangelho de Paulo.

Mas porque Paulo usa este termo? Uma possível explicação está no contexto veterotestamentário. Havia duas palavras que tratavam da ques-tão da graça, e essas duas palavras denotavam ato generoso superior a um inferior: hen – graça, favor. Mais unilateral, podia referir-se apenas a uma situação específica e ser retirada unilateralmente. Hesed – favor gracioso, bondade amorosa, amor de aliança. A segunda palavra era mais relacional. No seu uso secular implicava grau de reciprocidade: quem re-cebia um ato de hesed respondia com um ato semelhante de hesed. Mas, no uso religioso, estava profundamente arraigado o reconhecimento de que a iniciativa de Deus era compromisso duradouro.

Para Paulo, então, podemos dizer que a palavra káris denota a unila-teralidade de hen e o compromisso duradouro de hesed. Outra forma de se explicar este termo por Paulo é através do uso do grego em sua época. Embora seja um termo comum no grego com uma larga faixa de sentidos (beleza, boa vontade para com, favor, gratidão por prazer em), káris não tinha conotação particularmente teológica ou religiosa.

No contexto grego, o termo káris trata de benefício, dos benefícios de deuses ou de indivíduos para cidades ou instituições, káris como favor feito, e regularmente no plural karites, “favores” concedidos ou retribu-ídos. Neste contexto o termo deve ter sido familiar para Paulo e seus leitores, diariamente visível nas numerosas inscrições que adornavam qualquer cidade grega, comemorando ou homenageando benfeitores do passado. Quando os leitores de Paulo liam a palavra káris, geralmente a linguagem do benefício terá sido o contexto imediato de significado para a sua compreensão do termo.

Com base nos significados acima, podemos dizer então que káris pode ser entendida das seguintes formas:

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PrIMeIrO dOMIngO aPóS ePIfanIa - batISMO de nOSSO SenHOr

1. A graça de Deus é sempre um presente – oriunda da relação com hesed. Isso é visto numa característica do uso paulino dos termos dorea (presente) e dorean (de presente), estes usualmente ligados com o conceito de káris. 2. A graça é vista como ação. É um conceito dinâmico para Paulo. Káris descreve a experiência dinâmica de ser coberto pela graça (2 Co 12.9). 3. É vista também como benefícios concedidos, isto é, derivado do con-ceito de hen, que evidencia. Toda graça é expressão da ação divina. 4. A graça é ação generosa e não merecida de Deus do começo ao fim. 5. A graça gera graça. Ao recebermos a graça de Cristo, isso gera em nós atos de bondade e fraternidade (1 Co 12.7). A graça se manifesta de forma concreta quando isso é compartilhado com a comunidade. A graça gera um benefício para o bem comum.

5. SUGESTãO DE TEMA

Pela graça de Deus estamos unidos com Cristo Jesus!1. unidos em sua morte!2. unidos em sua ressurreição!3. unidos em sua nova vida para a glória do Pai.

Paulo Gerhard PietzschSão Leopoldo/RS

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1. CONTEXTO

O texto faz parte da terceira grande seção do livro de Isaías. O povo repatriado da Babilônia tem que lidar com problemas do dia-a-dia, desâ-nimo, imoralidade, injustiça social. E a fidelidade de Deus continua sendo relembrada como fundamental para a salvação. O Deus que se manifesta é justo e amoroso, poderoso para transformar água em vinho, para derrotar impérios, indicar os pecados e mostrar-se como a única salvação.

2. TEXTO E INTERTEXTUALIDADE/PROPOSTAS HOMILÉTICAS

A. O amor de Deus pelo povo

Muitas autores traduzem !AYci ![;m;l. como “por amor de Sião” (Almeida, NTLH, Reina-Valera). Já a Septuaginta e a Vulgata preferem “por causa de”. Em ambos os casos fica claro que Sião, Jerusalém, ou seja, o povo, está sob o olhar gracioso de Yahweh e o profeta continua a falar da consolação divina (Is 61.1ss.). O cuidado de Deus tem sido revelado de geração em geração. A própria sequência das profecias destaca este cuidado em Lei e Evangelho. Seja sob a ameaça dos assírios, seja no cativeiro babilônico ou ainda na reconstrução da nação após a escravidão, Deus anuncia seu desejo de salvar e seu desejo de justiça. O amor de Deus se revela ape-sar de Sião, apesar dos pecados do povo e de sua idolatria. O pecado é ameaça constante de separação de (com) Deus. Em Is 59.2ss. o profeta relembra a injustiça humana, a podridão do coração afastado de Deus. E nessa situação o ser humano, a sociedade, não pode encontrar a paz, não só escatologicamente, mas na realidade presente. Aliás, como seu contemporâneo Amós, Isaías não deixa de enfatizar a justiça agora, o ~Alv' futuro que traz paz hoje.

Se a missão cristã de levar a justiça da fé a todos os seres huma-nos se fundamenta sobre a promessa javista feita a Abraão (Gn 12.3) e sobre a escatologia profética do livro de Isaías (Is 2.1-4; 25.6-8; 45.18-25; 60.1-22), devendo ela transformar essas es-peranças em realidades presentes, então seu horizonte não só abrange o estabelecimento da fé entre os gentios (Rm 15.18),

SEGuNDO DOMINGO APóS EPIFANIA

17 de janeiro de 2010

Salmo 128; Isaías 62.1-5; 1 Coríntios 12.1-11; João 2.1-11

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mas também aquilo que no Antigo Testamento se esperava como bênção, paz, justiça e plenitude de vida (ver Rm 15.8-13). Tudo isso é antecipado na força do amor, que une, em uma só comu-nidade, fortes e fracos, servos e livres, judeus e gentios, gregos e bárbaros. (MOLTMANN, 2005, p.409)

A justiça que Deus traz ao povo, a salvação, é e será vista por todos (cf. Is 58.11).

b. Justiça e Salvação

O profeta não se calará, não descansará até (d[;) que a salvação fique totalmente descoberta, sob a luz do dia. A consequência da justiça divi-na/salvação é a glória de Jerusalém. A voz do profeta se confunde com a voz de Deus desde 61.8 para atestar que a obra graciosa de Deus será executada. E os versículos 2 e 3 mostram os desdobramentos desta ação divina. As nações e reis não têm glória que se compare (conf. Rm 8.18). O cântico de Simeão (Lc 2.29-33), a partir de Isaías, aponta o Cristo como a salvação que é luz para todos. E o povo de Deus (gentios e judeus jus-tificados – a Igreja) será uma coroa de glória (NTLH: bela coroa) na mão de Deus, ou seja, o próprio Deus sustenta e ergue a coroa.

c. Casamento PerfeitoOs versículos 4 e 5 apresentam a imagem do casamento, o que nos

leva a Ap 19.7 e 21.2 onde o Cordeiro é apresentado como o noivo. A união entre o Cordeiro e Jerusalém é festejada como uma festa de casamento, um momento inigualável de alegria (cf. 61.10-11).

A união com Deus traz uma mudança radical até da visão que temos de nós mesmos. Em Is 49.14 Sião acusa Deus de tê-lo desamparado e em 62.4 Deus mostra que seu amor por Jerusalém a faz querida, esposa amada (NTLH).

Novamente percebemos o quanto nós somos indignos do amor perfeito de Deus. E nossa união com Ele, o estabelecimento de uma aliança de paz, a Igreja, só é possível por causa da justiça da fé, não a justiça das nossas obras ou méritos. Lutero, numa breve exposição de Is 62.2 de 1532 relembra que “o artigo da justificação e da graça é o mais prazeroso, e ele sozinho faz de uma pessoa um teólogo e de um teólogo um juiz da terra e de todos os assuntos. Mas há poucos que o tem entendido bem e que o ensinam corretamente.”

Note que a salvação e a justiça (v.1) aparecem sinonimicamente (justi-ficando a NTLH que usa “vitória” ao invés de justiça). A sua justiça (Hq'd>cii) e a sua salvação (Ht'['WvywI) já são plenamente ensinadas e apontadas no servo sofredor em Is 53. Paulo (Rm 5.1,2; 3.26) faz a conexão entre a

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justificação e a paz e ainda visualiza a glória de Deus (cf. Rm 8.18ss.). E então cada cidadão de Jerusalém, cada justificado, é beneficiado com um novo nome, uma nova vida (Is 62.10,12).

Com a justiça e a salvação que Deus traz, o povo e cada indivíduo

não precisam temer ameaças ou vergonha. O profeta Isaías (“o Senhor salva”) nos relembra que o Deus glorioso agradou-se em nos salvar e por mais que pareçamos desolados aos olhos do mundo, desamparados diante do materialismo e hedonismo atuais, seremos coroa de glória na mão do Senhor, queridos por ele, em paz eterna.

3. SUGESTãO DE TEMA

Justiça e Salvação (e um casamento glorioso)1. A noiva infiel

a. Do cativeiro ao retorno: histórias e injustiças.b. Das trevas para a luz: ainda imperfeitos (nós).

2. O noivo perfeitoa. Deus santo e justo: a tristeza e ira de um Deus perfeito b. Deus amoroso: a justiça e a salvação. c. O Messias veio!

3. O casamento glorioso a. Justificados: em paz com Deus. b. Aguardando a festa final e já brilhando a glória de Deus.

Fernando Henrique HufCEL Redentor - São Paulo/SP

[email protected]

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1. CONTEXTO HISTÓRICO E LITúRGICO

A primeira carta aos Coríntios é enviada para uma igreja que estava enfrentando muitos problemas, entre eles, confiar em outros deuses. A cidade possuía duas divindades locais, Poseidon, o deus do mar, e Afro-dite, deusa do amor sexual. Paulo nesta carta quer alertá-los das falhas e assim tentar redirecioná-los.

Corinto era uma das principais cidades comerciais do Império Romano. Sua localização fazia dela um centro natural de comércio e transporte, portanto muitas pessoas passavam por esta cidade.

Neste texto, Paulo está falando sobre os dons espirituais. O uso dos dons espirituais era um dos temas que os Coríntios tinham pedido conselhos para o apóstolo. Muitos deles eram atraídos pelos dons mais espetaculares assim como também nos nossos dias muitas pessoas são atraídas pelos dons que “aparecem mais”.

No que se refere ao contexto litúrgico, os textos falam da importância da Palavra de Deus. Na leitura do Antigo Testamento temos Esdras lendo a Palavra de Deus e as pessoas que o ouviram ficaram comovidas com o ouvir da Palavra.

É importante destacar o que Jesus ensina no evangelho. Ele destaca através de exemplos que Deus não resolveu todos os problemas sociais den-tro do povo de Israel, mas enviou, por exemplo, Elias a somente uma viúva de Sarepta. O que podemos entender disso em relação aos outros textos? Jesus quer mostrar que o mais importante é a fé em Jesus, que Ele não quer que nos vangloriemos por ter mais dons ou termos recebido de Deus mais do que os outros. Relacionando este texto com a Epístola, notamos a importância do dom do anúncio da Palavra de Deus e da importância do uso dos nossos dons para o bem de toda a Igreja. Nesta comparação podemos também destacar que na epístola o apóstolo coloca, entre os dons, os de apóstolo e profeta em primeiro lugar. Isso demonstra a grande importância do anúncio do Evangelho para edificação do Corpo de Cristo.

2. êNFASES, EXPRESSõES qUE SE DESTACAM, ANÁLISE

V.12: O versículo 12 contém a partícula ga.r (pois) que relaciona este versículo com o contexto anterior. O contexto anterior fala da diversidade

TERCEIRO DOMINGO APóS EPIFANIA24 de janeiro de 2010

1 Coríntios 12.12-31a

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de dons, onde cada pessoa cristã recebe de Deus o seu dom. Mas estes são diversos. E isso é extremamente relevante quando agora o apóstolo fala do corpo com diversos membros. Pois assim como um corpo possui muitos membros, assim também a Igreja possui várias pessoas com dons diferentes.

Paulo usa aqui a palavra sw/ma que significa “o corpo como um todo”. Ele usa esta imagem para ressaltar o aspecto da unidade. Ele mostra a realidade da unidade entre os membros em um só corpo. E esta unidade deve ser notada quando ele fala de Cristo como um só corpo. Quando ele fala do corpo de Cristo, ele destaca a natureza essencial da Igreja, a uni-dade sobre a cabeça do corpo, que é o próprio Cristo. Ele também ressalta as diferentes funções exercidas pelos diferentes membros do mesmo.

Vv.13-16: “Em um só Espírito fomos batizados” – Outra vez mostra a unidade, mas agora ele destaca que ela está em torno do mesmo Espírito Santo, um único Espírito. E todos aqueles que são batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo fazem parte de um só corpo. Aqui não importa qual a origem étnica (judeu ou grego), ou posição social (escravo ou livre); todos os que foram batizados fazem parte de um mesmo corpo. Essa referência parece ser uma resposta àqueles que estavam fazendo da Igreja uma grande divisão em diversos partidos (cf. 1 Co 1.12: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu de Cefas, e eu, de Cristo). Aqui podemos ressaltar um aspecto importante: é o batismo que nos faz membros do corpo de Cristo, da Igreja.

V.17: O apóstolo mostra a importância de cada membro do corpo de Cristo. Não temos os mesmos dons e isso é muito bom. Se todos tivessem os mesmos dons, a Igreja seria o caos, assim como se o corpo somente fos-se um membro não poderia realizar a maioria das suas funções vitais.

V.18: Deus nos coloca onde Ele quer. É Ele quem nos dá os dons e devemos desempenhá-los onde Deus nos envia. Não devemos procurar por dons que não sejam os nossos, mas aceitar o dom que Deus nos deu e usá-lo.

Vv.19-21: A Igreja precisa de todos os dons. Não podemos desprezá-los, mas usar a todos. Assim como um corpo só funciona bem se todos os membros estão bem, assim também a Igreja precisa de todos para estar “saudável”.

Vv.22-26: Todas as partes do corpo fazem suas atividades em con-junto. Assim também no corpo de Cristo todos estão unidos em um único objetivo. E se uma parte sofre, todas sofrem em conjunto.

Vv.27-31a: Na Igreja há a necessidade de uma ordem, e Deus coloca um certo parâmetro para o seu bom funcionamento. Nesta ordem estão em primeiro lugar os apóstolos e profetas. Com isso ele quer ressaltar novamente a importância da centralidade no anúncio do Evangelho. Não

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que os outros dons sejam menos importantes, mas eles provêm deste. O cristão deve buscar os melhores dons, isto é, aqueles que contribuem para o bem de todos.

3. PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

O texto da epístola vai na contramão do dia a dia em que vivemos. Estamos em um mundo que ressalta o bem estar pessoal. Denominações religiosas prometem resolver os problemas pessoais de cada indivíduo. Mas nós devemos buscar a unidade do corpo de Cristo, isto é, buscar o bem estar comum.

uma pergunta intrigante que devemos fazer após o estudo do texto: Estamos vivendo como corpo de Cristo? Estamos “sofrendo” ou nos im-portando quando algum membro do corpo de Cristo sofre?

Todos os dons são impotantes. Todos nós temos de Deus um dom especial que deve ser usado para o bem do corpo.

4. SUGESTãO DE USO HOMILÉTICO

Assunto: A unidade no corpo de CristoObjetivo: Mostrar a importância da Palavra de Deus, que edifica todo

o corpo.Tema: buscai os melhores donsDesdobramentos:I. O que são dons? Qual o seu benefício? (Para Igreja e para mim).

A busca por dons é um dos grandes objetivos de muitas pessoas. Mas diante disso devemos perguntar: Os dons que buscamos edificam o corpo de Cristo ou edificam somente a nós mesmos?

II. A busca por dons que edificam somente a pessoa. Estamos cercados por pessoas que querem se vangloriar por terem melhores ou mais dons (ver também 1Co 14). Nós também muitas vezes caímos no erro de achar que somos melhores cristãos do que outros.

III. busquemos os melhores dons. Anunciar a Palavra de Deus é o melhor dom e cada dom é importante e precisa ser usado. Como um corpo precisa de todos seus membros, assim a Igreja precisa de todos os dons. Colocando-nos à disposição a serviço do Senhor com nossos dons podemos mostrar a Jesus e edificar a toda a Igreja, o corpo de Cristo.

Clóvis Renato Leitzke BlankItinga do Maranhão/MA

[email protected]

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quARTO DOMINGO APóS EPIFANIA31 de janeiro de 2010

Salmo 71.1-6(7-11); Jeremias 1.4-10 (17-19); 1 Coríntios 12.31b-13.13; Lucas 4.31-44

CONTEXTO (CENÁRIO LITúRGICO, HISTÓRICO)

Epifania e Antigo Testamento: É o momento de lembrar como Deus se mostra aos seus filhos: estamos no 4º. Domingo do período de Epifa-nia. Quase um mês refletindo sobre as amostras grátis da glória divina. Quando Deus se manifesta e age, os homens reagem, respondem, atuam, vivem, amam de verdade. Deus nos cria com um propósito e atua inclusive antes da nossa vida: “Desde o ventre da minha mãe” (Salmo). “Antes de formá-lo no ventre, eu te escolhi. Antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações” (Jeremias). Esse ponto de partida, onde Deus trabalha em coisas que não vemos, permite que seus propósitos sejam cumpridos mais adiante. Ação divina, reação humana. “Tu és a minha esperança ... em ti está a minha confiança desde a juventude ... eu sempre te louvarei” (Salmo). Mesmo quando nos sentimos limitados, Deus nos diz: “Agora ponho em sua boca as minhas palavras” ... “Eu hoje dou a você autoridade sobre nações e reinos” (Jeremias). Precisamos ser lembrados que a capacidade sempre vem de Deus e ele atua onde e como quer.

Epifania e Evangelho: Enquanto as pessoas buscam a fama (ser visto junto a famosos, aparecer em fotos e revistas, Big Brother, etc.), a fama de Jesus surgia sozinha. “Sua fama se espalhava por toda a região”. Sua missão, porém, não era ficar famoso, mas salvar a humanidade. As pessoas se concentravam mais nos milagres e resultados que no arrependimento e confiança no Filho de Deus. Por isso saiu para um lugar deserto dizendo: “É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades”. Epifania nos ajuda a ver um Deus grande e poderoso, mas parafraseando a Jesus: “nem só de sobrenatural vive o homem”. Deus atua também nas coisas simples da vida. Deus segue atuando. Nós reagimos com amor.

ANALISANDO E APLICANDO – 1 CORÍNTIOS 13

O apóstolo Paulo analisa os diferentes dons na comunidade de Corin-to, comparando-os com um corpo humano (1 Coríntios 12). Todos são importantes e necessários. Cada um tem uma função. Mas não era o que

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pensavam os coríntios. Havia orgulho e discriminação quanto ao uso dos dons. Alguns até mostravam determinadas capacidades, mas não neces-sariamente eram respostas ao amor de Deus. Por isso, antes de entrar no capítulo do amor, como é tão conhecido o capítulo 13 da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, está a seguinte observação (válida também para nossa atualidade): “Passo agora a mostrar-lhes um caminho ainda mais excelente”. Mais que qualquer dom ou qualidade espiritual, precisamos do amor, do amor na prática.

Alguns destaques que podem ser úteis: - Amor: Paulo escolhe a palavra grega ágape. Deixa de lado o termo

eros, que significava um objeto desejável, adorado, especialmente para o amor entre o homem e a mulher (herdamos algumas palavras como erotismo, erótico). O termo mais utilizado para a reação de afeto, filia também é desprezado por Paulo (filosofia, filantropia). Ele prefere ágape, que é mais que afeição mútua, mas expressa a valorização altruísta no objeto amado. Ama não para receber algo em troca, mas porque tem vontade de amar. Assim é o amor de Cristo por nós: imerecido e não tem exigências de retorno.

Falar em outras línguas dos homens era o máximo para aquele contexto (ver 1 Coríntios 12). Imaginem então falar a língua dos anjos. “Mas se não tiver amor” é a expressão que se repete por três vezes, mostrando que estes dons podem ser importantes quando são respostas do amor de Deus em Cristo. Outras línguas nada mais seriam que um ruído como de um sino, de um prato, de uma bateria que toca fora do ritmo. Na Grécia, que priorizava o conhecimento, que visitava os oráculos para saber o futuro e desvendar os mistérios da humanidade, saber que isso não é importante quando falta o amor (características dos fracos e ingênuos), era um golpe muito forte na cultura e formação dos habitantes de Corinto. Estes tam-bém estavam animados com as palavras de Jesus que prometiam poder mudar montanhas só com a força da fé e da oração. Agora Paulo diz que, sem amor, tamanha fé não serve para nada. Inclusive a solidariedade é questionada. Nem se trata da quantia que é doada, de quem é ajudado ou inclusive do extremo de entregar o corpo para ser queimado por alguma causa: se não tiver amor, de nada serve.

Então, o que realmente é o AMOR? Paulo não utiliza seu academicis-mo para aprofundar a definição de amor, mas prefere relacionar o amor adequado com suas características. Na teoria, amar é fácil. Na prática, é um interessante desafio. Amor que é paciente e não olha no relógio. Que é bondoso porque sim, independente do que o outro tenha me feito ou vai deixar de fazer. Amor, que na relação com outras pessoas, mantém uma característica de humildade total: todos os outros são mais importantes e necessitam de ajuda. Amor que respeita e não é agressivo nem autoritário.

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Amor que nunca pode ser vingativo. Amor que tenha compromisso sempre com a verdade e não se esconde quando a crise ou a injustiça aparece.

Transitoriedade: antes de oferecer uma conclusão, Paulo abre uma ja-nela para mostrar a pequenez do homem em relação ao Criador. Agora tudo é provisório, passageiro, instável. Para esses momentos de turbulência, precisamos do mais importante: o amor que sofre, aguenta, confia, espera pela superação das dificuldades. Isso um dia deixará de existir. Será outra dimensão. Agora recebemos como que um reflexo da luz mais importante. Depois, na presença gloriosa de Deus, estaremos cara a cara com o Criador. Agora reagindo como crianças ingênuas, depois como adultos maduros na companhia daquele que é especialista em amar e, por amor, nos leva de volta ao Paraíso. Agora como num espelho opaco, depois com toda a nitidez, desfrutando do que Deus preparou aos seus filhos.

SUGESTõES HOMILÉTICAS

Introdução: Muito mais que aparências, é preciso ver o coração. Saint Exupéry: O essencial é invisível aos olhos. Como julgamos as pessoas: pelo que são ou pelo que têm ...

- Nossa realidade na sociedade: importância da aparência e da fama, dos resultados, do imediato. Os motivos são ignorados. Não interessa se é por amor ou não. Ação social pode ser uma boa maneira de acalmar a consciência, de dar ibope, de melhorar a fama.

- A realidade de Jesus: veio para servir e dar sua vida em favor de muitos. A fama era resposta do povo, pois Jesus se preocupava com os mais humildes e necessitados. Fama: ajuda, mas também pode tirar o foco da missão principal que era salvar os homens.

Conclusão: Nossa realidade na igreja: o mais importante são os resultados? Estamos preocupados com nossa fama? O desafio de Paulo, inspirado por Deus, ainda é válido: “Se não tiver amor ... não tem valor”. Como viver esse amor que é fiel, que perdoa, que é paciente numa socie-dade tão antagônica? Esse é o desafio que Cristo nos apresenta.

P.S.: Estimado colega:Que Deus te utilize para levar uma mensagem de vida e amor aos que

te chamaram como pastor. Que o Espírito Santo trabalhe tua mensagem para que o amor deixe de estar na mente e passe a estar no motor da vida, em cada coração. Desde Montevidéu, no uruguai, um forte abraço.

Christian HoffmannMontevidéu/Uruguai

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quINTO DOMINGO APóS EPIFANIA07 de fevereiro de 2010

Isaías 6.1-8(9-13)

A. CONTEXTO

- uzias começou a reinar sobre Judá, o reino do Sul, provavelmente em 791 a.C. Era, então, um jovem de dezesseis anos. Também era co-nhecido como Azarias (2 Reis 15.1). Ele reinou 52 anos (morreu em cerca de 740 a.C).

- Diante de Deus, uzias começou bem seu reinado, com reformas, e terminou mal, leproso, e excluído da casa do Senhor por causa de seu orgulho. Com a sua morte, indicada no texto de Isaías, a nação entrou em crise.

- É nesse contexto que acontece a visão e o chamado de Isaías. Após a morte de uzias, ele está no templo quando um cenário fantástico é construído para que ouvisse a voz de Deus e o chamamento para uma missão em nome dele.

b. TEXTO

- O texto é desenvolvido no contexto de uma visão. Na Bíblia, as visões costumam conter elementos sobrenaturais e figurados.

- Isaías vê o Senhor em seu trono, vestido de vestes imponentes. Serafins (seres celestiais somente mencionados em Isaías) voam ao re-dor dele. Obviamente, a intenção da narrativa é também demonstrar a grandiosidade, o poder de Deus.

- A mesma intenção aparece no trishagion dos serafins – a tríplice repetição do termo “santo” como referência a Deus. A tríplice repetição passou a fazer parte do culto cristão e é uma das marcas do Cristianismo. Alguns intérpretes também sugerem que é uma referência à Trindade.

- Diante da imponência da cena e da presença de Deus, Isaías se sentiu impotente e temeroso. Seu brado foi “ai de mim! Estou perdido!” (v.5). Ele mesmo explica o contraste diante do qual se encontrava: era um homem de “lábios impuros”, que vive no “meio de um povo de impuros lábios” – e viu o Santo, o Senhor dos Exércitos (v. 6).

- Mas bastou o poder de Deus tocar a boca de Isaías para que os seus pecados fossem perdoados e ele estivesse pronto para a missão diante do povo de Deus (vv. 6,7).

- O versículo 8 concentra a essência do chamamento. De um lado,

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está a pergunta (digamos retórica) de Deus: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?”. De outro lado está a resposta positiva de Isaías: “Eis-me aqui, envia-me a mim”.

- Os versículos 9-13, optativos para a leitura da perícope, concen-tram questionamentos de Isaías e orientações de Deus acerca da tarefa profética.

C. SERMãO – COMENTÁRIOS

- O texto de Isaías oferece várias ideias que podem ser utilizadas em um sermão. Todavia, é evidente que o foco é o chamado de Isaías para ser mensageiro de Deus diante do povo.

- O contexto do chamado de Isaías pode incorporar elementos impor-tantes do ensino bíblico e que podem resultar em um ou mais sermões: a) O poder de Deus; b) O pecado humano (no caso, individual e coletivo); c) O perdão de Deus; d) O chamado propriamente dito como mensageiro.

- A presença dos três “santos” sugere uma conexão com a estrutura litúrgica básica da Igreja Cristã.

- O tema do chamado para ser mensageiro de Deus é evidente nos textos do dia, particularmente no Evangelho, Lucas 5.1-11.

- A pecaminosidade humana é o foco da ação de Deus. Ele quer a sal-vação dos seres humanos. Essa é a sua natureza, a sua obra permanente. Essa é a missão dos seus mensageiros de todos os tempos, de acordo com a manifestação peculiar que o pecado toma no momento histórico.

- Deus usa agentes humanos. Se, de um lado, isso pode parecer as-sustador, diante do contraste existente entre o Criador e a criatura, de outro lado é consolador. Mostra o interesse de Deus pelas suas criaturas e que quer envolvê-las em seu projeto de restauração.

- O perdão de Deus é vital para o exercício profético. É ele quem chama e quem capacita. Hoje, ele o faz em nome e por causa de Jesus.

- O chamado de Deus à fé em Jesus é um chamado ao serviço cristão, que se manifesta concretamente de diversas maneiras no dia a dia. A “denúncia profética” é uma delas. O cristão precisa ser lembrado e orien-tado a “ouvir” a voz de Deus e responder a ela criativamente.

D. SERMãO – IDEIAS

Os comentários acima indicam um rumo para um desenvolvimento padrão do sermão. A seguir, algumas ideias de como agregar elementos que podem levar a novas perspectivas e promover a interação entre o pregador e o ouvinte. Note que certas interferências precisam de prepa-ração prévia dos participantes.

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QuIntO dOMIngO aPóS ePIfanIa

- Abrir o sermão com uma rápida encenação da essência do diálogo do texto de Isaías. Os atores podem ser o pregador e um ouvinte, ou dois ou três ouvintes.

- Após contextualizar o chamado de Isaías, o pregador pode solicitar a um ou dois ouvintes para que façam um exercício de imaginação sobre como um chamado divino espetacular poderia ocorrer hoje.

- O relato de Lucas pode ser usado para encenar rapidamente outra forma de como o chamado divino pode ocorrer.

- Na aplicação, o pregador pode solicitar a um ou dois ouvintes o que farão de concreto para responder ao chamado de Deus hoje.

Dieter Joel JagnowRibeirão Preto/SP

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1. CONSIDERAçõES PRELIMINARES

Por ser um texto, ou melhor, a descrição de um maravilhoso e especial acontecimento, que deixou os circunstantes extasiados, querendo muito “ficar ali porque era bom”, vale a pena reler e recordar a descrição da transfiguração no evangelho e reler e recordar também o texto do Antigo Testamento para esse domingo.

Deuteronômio 34: “... assim, morreu ali Moisés, servo do Senhor ... e ninguém sabe, até hoje, o lugar da sua sepultura. Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o Senhor ti-vesse tratado face a face”.

Lucas 9: “... E aconteceu que, enquanto ele (Jesus) orava, a aparência do seu rosto se transfigurou e suas vestes resplandeceram de brancura. Eis que dois varões falavam com ele: Moisés e Elias, ... veio uma nuvem ... e dela veio uma voz, dizendo: Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele ouvi. Depois daquela voz, achou-se Jesus sozinho. Eles calaram-se e, naqueles dias, a ninguém contaram coisa alguma do que tinham visto”.

A partir disso, o passo seguinte é concluir e reconhecer que Jesus se assemelha a Moisés, porém, é superior na qualidade de apóstolo e sumo sacerdote. Cristo é o cumprimento do que Moisés apontava e previu. Cristo não aponta para outro senão para si mesmo.

2. TEXTO

V. 1: “Por isso, santos irmãos, que participais da vocação celestial...”. O autor, sem dúvida, deseja nessas alturas enfatizar o estabelecido no início da epístola: o fato de que Deus diz sua palavra final e salvadora a respeito de seu Filho Jesus Cristo. Por isso os leitores são encorajados pelo definitivo nome de: santos irmãos. Todos cristãos são santos, san-tificados, consagrados a Deus em virtude da fé que foi acesa, iniciada em seus corações. Através do chamado de Deus pelo Evangelho, eles têm assegurada a participação em todas bênçãos e tesouros celestiais.

Vv. 2,3: “... Jesus, todavia, tem sido...”. A qualificação especial de Jesus para seu importante ofício eram e são sua fidelidade “àquele que o constituiu” na qual nós e todos fiéis podemos nos agarrar e crer. Moisés

úLTIMO DOMINGO APóS EPIFANIA -TRANSFIGuRAçÃO DO SENHOR

14 de fevereiro de 2010

Hebreus 3.1-6

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ÚLtIMO dOMIngO aPóS ePIfanIa - tranSfIguraÇÃO

também o fora “em toda a casa de Deus”, na congregação dos crentes do Antigo Testamento. Porém, pode-se concluir que o texto indica não poder comparar-se verdadeiramente a fidelidade de Moisés com a de Jesus.

V. 4: “Pois toda casa é estabelecida por alguém, mas aquele que es-tabeleceu todas as coisas é Deus”. Quem constrói, estabelece, equipa a “casa de Deus”, ou seja, a Igreja em toda sua plenitude é Jesus Cristo. Ele é, por assim dizer, o construtor da estrutura da Igreja. Deus, de qualquer modo, é o autor e criador de todas as coisas e, por conseguinte, Jesus, como Deus, merecedor de muito mais honra que Moisés.

Vv. 5, 6: “E Moisés era fiel ... como servo ... Cristo, porém, como Filho, em sua casa; a qual casa somos nós, se guardarmos firme, até ao fim, a ousadia e a exaltação da esperança”. Moisés, como servo, era fiel em toda casa de Deus como testemunha das coisas que precisavam ser anunciadas e estavam por vir. Jesus Cristo, porém, era fiel como Filho, em sua casa que somos nós. A esperança dos crentes não é instável, nem incerta, nem se apóia em certa quantidade de sentimentos. Ela, porém, está apoiada, sustentada nas promessas poderosas e amorosas do Senhor. E é muito importante não esquecer que todas as promessas e bênçãos são prometidas e asseguradas a aqueles que estiverem abraçados e fir-mados na esperança prometida em Cristo e que a guardarem firme, com ousadia e exaltação.

3. INDICATIVOS HOMILÉTICOS

Também dizemos com Pedro, como “novas criaturas” que querem estar sempre junto dos irmãos e irmãs e, principalmente, do Senhor: bom é estarmos aqui!

- Moisés foi o mediador humano da antiga aliança. Foi servo do Senhor especial e sem paralelo.

- Jesus é o mediador da nova aliança como Apóstolo e Sumo Sacerdote: como Deus, foi enviado para revelar Deus aos homens. Como Homem, tornou-se Sumo Sacerdote a fim de reconciliar os homens a Deus.

- É necessário, por todas essas coisas, “guardarmos firme, até o fim, a ousadia e a exaltação da esperança”, ou seja, aberta confiança e exul-tante testemunho.

Norberto Ernesto Heine Porto Alegre/RS

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1. TEMÁTICA DAS LEITURAS

Os textos do dia sinalizam que o legítimo arrependimento descarta rituais externos quando esta religiosidade transformou-se em ações vazias e simuladas. “O que tu queres é um coração sincero (...). Tu não queres que eu te ofereça sacrifícios; tu não gostas que animais sejam queima-dos como oferta para ti. Ó Deus, o meu sacrifício é um espírito humilde” (Salmo 51.6,16,17 - NTLH). É a confissão de um Davi que reconhece que os gestos do arrependimento não precisam de notoriedade. O profeta Joel segue no mesmo pensamento: “Em sinal de arrependimento, não rasguem as roupas, mas sim o coração” (Joel 2.13 - NTLH). O apóstolo Paulo, em meio à defesa do seu apostolado, exorta para que a graça de Deus não fique sem proveito, mas que reconheçam que o dia do arrependimento é o “agora” (2 Coríntios 6.1,2). Não deixar a graça sem proveito – em vão – é o resultado oculto da fé íntima que agarra oportunamente o Evangelho. E o Salvador, ao condenar o exibicionismo religioso dos fariseus, adverte: “Tenham cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos em público a fim de não serem vistos pelos outros” (Mateus 6.1 - NTLH).

2. qUARTA-FEIRA DE CINZAS

As leituras, portanto, resgatam a tradição litúrgica do culto cristão, ao lembrar-se do ritual das cinzas. Enquanto o período mundano e exibicionis-ta do Carnaval termina – e cinzas apontam para a brevidade das alegrias terrenas – começa o período da Quaresma em preparação à Páscoa, festa cristã onde as “cinzas e o pó” da morte transformam-se em ressurreição e numa festa que não termina. O costume de se colocar cinzas sobre a cabeça em sinal de arrependimento surge no Antigo Testamento. Em Neemias (9.1,2) lemos: “... o povo de Israel se reuniu para jejuar a fim de mostrar a sua tristeza pelos seus pecados (...). Em sinal de tristeza, vestiram roupas feitas de pano grosseiro e puseram terra na cabeça. Então se levantaram e começaram a confessar os pecados que eles e os seus antepassados haviam cometido”. Na igreja cristã a tradição da Quarta-Feira de Cinzas foi introduzida por Gregório, no final do século V.

quARTA-FEIRA DE CINZAS

17 de fevereiro de 2010

Salmo 51.1-13 (14-19); Joel 2.12-19; 2 Coríntios 5.20b-6.10; Mateus 6.1-6, 16-21

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3. TEXTOS EM DESTAqUE Salmo 51.6,19: ARA: “Eis que te comprazes na verdade no íntimo, e no recôndito me

fazes conhecer a sabedoria (...). Então te agradarás dos sacrifícios de justiça” (ARA).

NTLH: “O que tu queres é um coração sincero; enche o meu coração com a tua sabedoria (...). Então terás prazer em receber sacrifícios certos”.

Joel 2.13:ARA: Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos

ao Senhor vosso Deus.NTLH: Em sinal de arrependimento, não rasguem as roupas, mas sim

o coração. Voltem para o Senhor, nosso Deus...2 Coríntios 5.20; 6.1:ARA: Em nome de Cristo, pois rogamos que vos reconcilieis com Deus

(...). Também vos exortamos a que não recebais em vão a graça de Deus ...

NTLH: Em nome de Cristo nós pedimos a vocês que deixem que Deus os transforme de inimigos em amigos dele (...) pedimos o seguinte: não deixem que fique sem proveito a graça de Deus ...

Mateus 6.1:ARA: Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com

o fim de serdes vistos por eles;NTLH: Tenham o cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos

em público a fim de serem vistos pelos outros.

4. COMENTÁRIO

Os textos apontam para a unidade temática, que “o arrependimento agradável a Deus está no coração”. E se é do coração que brota o pecado (“tenho sido pecador desde o dia em que fui concebido” – Sl 51.5), é fora dele que surge o poder para uma nova vida, ou seja, o poder da “sabe-doria”. “Encher o coração” ou “fazer conhecer” (Sl 51) aponta para esta ação de fora para dentro. Paulo aponta para esta ação divina ao falar sobre reconciliação – a transformação de inimigos em amigos. A NTLH tem a melhor tradução de katallágete (2 Co 5.20) – imperativo passivo do aoristo segundo: “deixem que Deus os transforme de inimigos em amigos”. Na ARA deveria ser “sede reconciliados” e não “vos reconcilieis”. É uma ação ativa de Deus e passiva do ser humano (não sinergista).

A história oculta dos pecados de Davi (2 Samuel 11.1-12.15) desagra-dou a Deus (Sl 51.4) enquanto que o arrependimento oculto, no íntimo, no coração sincero, agradou o Senhor (Sl 51.6). uma atitude recomendada

Quarta-feIra de CInzaS

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pelo Salvador: “Mas você, quando orar, vá para o seu quarto, feche a porta e ore ao seu Pai, que não pode ser visto. E o seu Pai, que vê o que você faz em segredo, lhe dará a recompensa” (Mt 6.6). Diferentemente dos hipócritas que oram de pé nas sinagogas e esquinas, simulando arrepen-dimento. Nos dois casos há recompensas que vêm do alto: condenação e salvação, juízo e perdão.

A pregação do profeta Joel conclamando para que rasguem o cora-ção no lugar das roupas surge em meio a uma situação de calamidade pública: praga de gafanhotos e seca que arrasaram a terra de Judá. O “voltar para Deus com todo o coração” (2.12) aponta para o verdadeiro arrependimento destituído da falsidade religiosa. A resposta de Deus a esta conversão é o seu grande amor, demonstrado também em bênçãos materiais (2.18,19).

5. CONTEXTUALIZAçãO

Segundo alguns historiadores, o Carnaval tem origens no Egito an-tigo. O sagrado boi Apis era levado em procissão até o rio Nilo, numa festa repleta com orgias e promiscuidades sexuais de gente fantasiada. A festa chegou a outros lugares pela globalização da época. Na Grécia tomou o nome de Dionisíaca, em honra ao deus do vinho Dionísio. Em Roma chamou-se Bacanal, em homenagem a Baco, deus do vinho. Mais tarde, quando o império romano converteu-se oficialmente ao cristianismo, estas tradições deixaram de ser promovidas pelo poder público. Mas na Idade Média voltaram com outro nome: carnevale - vocábulo italiano que provavelmente significa “adeus à carne”. Foi a maneira para compensar o jejum da Quaresma, os quarenta dias antes da Páscoa quando nenhuma manifestação de alegria era permitida.

Dedicado ao Momo, deus da mitologia grega que representa a zombaria e o sarcasmo, o carnaval brasileiro transformou-se na maior festa popular do planeta. Por ser uma festa de origem pagã e com apelos imorais, a liberdade cristã nesta hora requer esclarecimento e orientação. As leitu-ras do culto da Quarta-feira de Cinzas são oportunas para a reflexão da vida que agrada a Deus. Segundo a mitologia grega, Momo é um deus morto que foi expulso do Olimpo para ser na Terra o rei dos loucos. Os cristãos se alegram com o Deus que veio espontaneamente à Terra, não para zombar mas para ser zombado, foi morto mas foi também ressus-citado. uma alegria expressa por Davi: “Dá-me novamente a alegria da tua salvação” (Sl 51.12).

Marcos SchmidtNovo Hamburgo/RS

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INTRODUçãO

Além do texto bíblico em duas versões e suas notas de rodapé, comen-tários de J.A.Thompson, Leon L. Morris, Martin Franzmann, Gerhard Von Rad, para enriquecimento do sermão será muito útil a leitura da Dogmá-tica Cristã de John Theodore Mueller – A Doutrina da Fé Salvadora. “Fé salvadora é, pois, sempre um ato do crente, embora seja operado pelo Espírito Santo” (Lutero).

Está conosco uma verdade que não precisa adendos, complementos, emendas, então proclamemos a todos ousadamente na forma dos após-tolos, Atos 4.20: “…pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos”. “Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva” (Ezequiel 33.11). “Deus, nosso Salvador, … deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1Timóteo 2.3 e 4).

TEXTOS

Salmo 91.1-13: Com uma linguagem cheia de imagens poéticas, este poema didático ou sapiencial convida a confiar em Deus. Uma grande verdade: tudo o que está em comunhão viva com Deus, está constan-temente seguro sob sua proteção, e pode manter, a qualquer momento, uma serenidade santa, porque ele é o único refúgio seguro em todas as adversidades e perigos. Salmo 27.1-6. Todos os seres humanos deveriam aprender o caráter do cristão de habitar no esconderijo do Altíssimo e descansar à sombra do Onipotente. Os cristãos não só terão uma hospe-dagem, mas uma residência, debaixo da proteção de Deus; ele será para sempre o seu descanso e refúgio. Podemos aí estabelecer um paralelo com os textos 2 Coríntios 5.1-9 e Salmo 46.1.

V. 2: “Meu refúgio; … em quem confio”. Outros fazem para si ídolos como seu refúgio, mas o salmista tem o Deus verdadeiro e vivo: qualquer outro é um refúgio falso – inexistente – ilusão. Ele é Deus e não homem, e então não há perigo de ser desapontado nele. A proteção oferecida ao seu povo ultrapassa a compreensão meramente humana.

PRIMEIRO DOMINGO NA QuARESMA

21 de fevereiro de 2010

Salmo 91.1-13; Deuteronômio 26.1-11; Romanos 10.8b-13; Lucas 4.1-13

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O salmista ainda destaca a proteção angelical que aparece descrita em Hebreus 1.14: “Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação?”

Deuteronômio 26.1-11: Este texto é uma liturgia para apresentação das primícias. A entrada na terra prometida ainda era algo futuro. Não é difícil imaginar Moisés preparando a nação de Israel para o culto. V.2: O que se tomava era uma amostra das primícias de todos os frutos do solo, que recolheres da tua terra. V.3: A declaração que aqui aparece é o reconhecimento de que o povo não entraria em uma terra qualquer, mas na própria terra que o Senhor (hw"hy>) prometera a seus ancestrais. Essa declaração era um reconhecimento de que a promessa de Deus se cum-prira. Este ato de trazer as primícias é, acima de tudo, um ato de fé.

O sacerdote deveria tomar das mãos do adorador o cesto das primí-cias e colocá-lo diante do altar do Senhor. Diferente do v.4, o v.10 parece sugerir que o cesto era entregue só no final da adoração. O mais razoável é pensar que a declaração era feita enquanto se apresentava a oferta.

Von Rad1 afirma que os versículos 5-9 são confissão histórica. Associa o nome de Deus a um ato histórico: Javé “que fez sair da terra do Egito” é certamente a forma de confissão mais antiga e mais divulgada de todas. Ele descreve os vv. 5-9 como o credo do Deuteronômio, com características de grande antiguidade. Este texto não é uma oração, pois lhe faltam a in-vocação e o pedido. É uma confissão do princípio ao fim. É uma celebração dos atos de Deus, o que é característica dominante de toda a vida religiosa de Israel. Na glorificação de Deus, Israel sempre é mais forte do que na reflexão teológica. Apesar da estilização que o distingue, apresentando-se como o discurso de Deus, o texto retrospectivo que resume a história em Josué 24.2ss. está intimamente ligado com Deuteronômio 26.5ss. Possui maior número de pormenores, mas se mantém exclusivamente na esfera dos fatos objetivos. Seu ponto de partida é também a época patriarcal e seu ponto de chegada é a entrada na Terra Prometida.

Romanos 10.8b-132: “A ação justificadora de Deus está aí, ao alcance do homem, na Palavra que chega até ele (“que pregamos”); o homem não precisa descobri-la ou inventá-la. Só precisa crer nela; é “palavra da fé”. Palavra que exige fé e a cria (cf. Romanos 1.17). Essa Palavra está perto dele, criando a fé em seu coração e provocando de seus lábios uma confissão.

V.10: Na linguagem da Bíblia, “coração” abrange todo o homem interior, sua mente não menos que suas emoções e sua vontade. Confessa e é

1 VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. Aste. p. 129 e 130.2 FRANZMANN, Martin H. Carta aos Romanos. Concórdia.

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PrIMeIrO dOMIngO na QuareSMa

salvo. Fé e confissão são dois aspectos da mesma realidade; constituem uma vida perante Deus sob a soberania de Jesus Cristo.

V.11: Paulo cita novamente Isaías 28.16, tal como o fizera em Romanos 9.33. Porém, há duas pequenas, mas significativas diferenças aqui. Uma é esta: no Antigo Testamento o objeto da fé é o Senhor, o Deus da aliança de Israel; aqui, em Paulo, “Senhor” deve significar o Senhor Jesus Cristo. Esta é uma das muitas ocasiões no Novo Testamento em que passagens do Antigo Testamento que se referem ao Senhor, o Deus de Israel, são aplicadas sem hesitação a Jesus (cf. Romanos 10.13). A outra diferença é esta: Paulo enfatiza a universalidade da promessa feita em Isaías; “aquele que” torna-se “todo aquele que”.

V.12: Todo aquele que crê não será confundido. Todos, judeus e gen-tios, pecaram (Romanos 3.23); todos são justificados pela fé.

V.13: A universalidade implícita na palavra de Isaías é expressa na palavra de Joel (Joel 2.32). Por intermédio de Joel, Deus prometera que, quando chegasse o “grande e terrível dia do Senhor”, todo aquele que invocasse o nome do Senhor seria salvo. Pedro repetira esta palavra de Joel em Pentecostes quando conclamou todo Israel a se arrepender e a invocar àquele que Deus fizera tanto Senhor como Cristo para sua liber-tação (Atos 2.21, 36, 40).

Lucas 4.1-13: Que tipo de Messias Jesus haveria de ser? Deveria usar seus poderes para fins pessoais? Estabeleceria um reino de poder mais poderoso que o romano? Ou seria um operador de milagres espeta-culares sem um fim de ser? Rejeitou todos estes conceitos pelo que são: tentações do diabo.

“Para nós não é uma tentação transformar pedras em pães e pular do pináculo do templo”.3 Mas, para Jesus, era. Ele não estava restrito às nossas limitações. Para refutar o tentador Jesus usou o Está Escrito. Tudo o que não concorda com o que Está Escrito (Bíblia) não procede de Deus. Acedendo ao que o Diabo lhe oferecia, não passaria de um obreiro social, provendo pão para si e para outros depois do deserto.

Isto ensina que o homem deve interessar-se por coisas muito além de pão (João 4.34). Não é simplesmente um animal, vivendo meramente no nível das necessidades físicas.

Deuteronômio 8.3, 6.13 e 6.16 foram as respostas claras que Jesus deu ao diabo. Estes capítulos se referem às experiências de Israel no deserto. Havia paralelos entre a experiência do povo antigo e sua experiência. Estava unido com o povo de Deus.

Enfrentou as tentações do mesmo modo que nós devemos enfrentá-las, com o uso da Escritura. O diabo acabara de tentar Jesus de todas

3 BARCLAY.

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as formas, mas Jesus não cedera. O diabo deixou Jesus até momento oportuno (v.13). Nesta vida, não há isenção da tentação. Não houve para Jesus, e não há para nós.

APLICAçãO HOMILÉTICA

Tema: Fé, confiança em DeusMuitas são as nuances daquilo que se costuma denominar fé. Mas,

fé em seu sentido absoluto é único e preciso. Tem um alvo único (Deus Triúno); tem uma única forma de acontecer (ação de Deus); usa meios exclusivos (meios da graça); destina-se à glorificação de Deus e salvação do ser humano. Não gera confusão.

Nota: Para uma apresentação mais precisa e preciosa da doutrina da fé, aprofundar o teor com o capítulo da Dogmática Cristã de John Theodore Mueller: A Doutrina da Fé Salvadora.

I - A realidade da féA. Não é utopia; ela é real e Deus usa meios para implantá-la nas

pessoas: Palavra (pregada) e Sacramentos (ministrados).B. Entrou e está dentro do cristão e o transforma.C. Tem um alvo e objetivoProezas da féII - A fé age e reageA. Ação e reação da fé1. Com o coração se crê (na linguagem da Bíblia, “coração” abrange

todo o homem interior, sua mente não menos que suas emoções e sua vontade).

2. Com a boca se confessa (essa Palavra está perto, criando a fé em seu coração e provocando de seus lábios uma confissão).

B. Fé cria a confissão verbal de Jesus (com a vida) para a salvação de outros.

1. Não por força de Lei, de imposição. É um estado natural. - Uma árvore frutífera no devido tempo produz frutos, sem que isso

lhe seja penoso.2. A Palavra é o próprio poder de Deus (Romanos 1.16). - É necessário seriedade e respeito no uso apropriado da Palavra. - Amar ao próximo é resultado da transformação que acontece.- Amar é um ato sacrificial.III - Acessibilidade da féÉ imparcial e destinada a todos (v. 11).Não confunde (v.11).Salva (v.13).O que cristão pode fazer com a fé que tem? – Deixá-la frutificar! Ela

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ensina que o homem deve interessar-se por coisas muito além de pão (João 4.34). Os cristãos – aprendem pela fé – não só terão uma hospedagem, mas uma residência, debaixo da proteção de Deus; ele será para sempre o seu descanso e refúgio. Esta orientação tem como fonte segura e única a Escritura: Palavra revelada de Deus.

Günter Martinho PfluckPasso Fundo/RS

[email protected]

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Salmo 4: o salmista expressa confiança no Senhor. É o Senhor quem separa para si o piedoso, o fiel (dysix'). É ele quem faz resplandecer a sua face sobre o seu povo (em Cristo, cf. Jo 1.14; 14.9). O piedoso é tal por depender da misericórdia (ds<x<) do Senhor. Enquanto nós pecamos e fa-do Senhor. Enquanto nós pecamos e fa-lhamos, o Senhor se mantém fiel em sua bondade misericordiosa, vai ao encontro do seu povo. Isto dá confiança aos que nele creem, diante dos próprios pecados e também diante das adversidades e dos inimigos.

Jeremias 26. 8-15: Jeremias não era um profeta querido pelas autoridades religiosas e pelo povo de Jerusalém. Isto porque apontava para a destruição da cidade e do templo como resultado dos pecados do povo. Ele anuncia no pátio do templo a mensagem do Senhor que anuncia destruição caso eles continuem a desprezar a Torá do Senhor. Os sacer-dotes, profetas e o povo querem matar Jeremias. Este diz que apenas está trazendo a palavra do Senhor: matá-lo não vai adiantar nada. O que realmente adianta é ouvir a Palavra do Senhor, para mudança de direção, para salvação.

Filipenses 3. 17-4.1: a teologia de Paulo é polarizada entre o já e o ainda não da ação de Deus em Cristo. Por isso, ele adverte os cristãos de Filipos contra os falsos mestres que insistem somente no já: são os que pensam viver uma escatologia já realizada, onde não há mais porque esperar a vinda de Cristo. Estes vivem só para o aqui e o agora, para o seu ventre e infâmia. Anteriormente no cap. 3 ele já advertira contra os falsos mestres que ensinavam somente o ainda não (“cães”, cf. 3.2), que ensinavam que o sacrifício de Cristo não é completo por si só, mas insistiam em cerimônias e práticas humanas, desprezando a suficiência da obra do Senhor.

Lucas 13. 31-35: o lamento de Jesus por Jerusalém expressa toda a ds<x<, do Senhor para com o seu povo, enviando seus mensageiros, os profetas, desde a madrugada como enfatiza Jeremias, para chamar o seu povo ao arrependimento através da mensagem de lei e evangelho. Nos últimos dias, ele envia o seu Filho, que mostra a plenitude da ds<x<, divina, na cruz.

SEGuNDO DOMINGO NA QuARESMA28 de fevereiro de 2010

Salmo 4; Jeremias 26.8-15;Filipenses 3.17- 4.1;Lucas 13.31-35

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O TEXTO: JEREMIAS 26. 8-15

Jeremias foi um profeta que viveu em tempos turbulentos de Israel, quando o reino de Judá sucumbiu diante dos babilônios. Seu ministério começou em torno de 626 a.C. e terminou algum tempo depois de 586 a.C., isto é, pouco após a destruição da cidade e do templo, e aconteceu em Jerusalém. Jeremias é um profeta que anuncia julgamento sobre Judá e Jerusalém. Ele é contra o ritualismo e a vazia confiança que o povo co-locava sobre o templo como inviolável por si só. É um crítico ferrenho do ex opere operato ensinado pelos líderes religiosos e vivido pelo povo.

Nossa perícope narra o que se sucedeu após Jeremias ter entregue uma mensagem do Senhor na Casa do Senhor, o templo. É uma mensa-gem de destruição e castigo que visa trazer o povo ao arrependimento e fé no Senhor. Os profetas são proclamadores da ds<x< a bondade amorosa do Senhor, que se mantém fiel mesmo quando o povo é infiel. Ela muitas vezes tem paralelo com tm<a/, a fidelidade (do Senhor) e ambos os termos são muitas vezes intercambiáveis. O Senhor mesmo se identifica como “grande em misericórdia e fidelidade” (tm<a/w< ds<x<-br:w> Êx 34.6). Jeremias disse que foi mandando em tm<a/ pelo Senhor (v.15).

A perícope se divide em duas partes. Nos vv. 8-9, após o discurso de Jeremias, o povo, os profetas e os sacerdotes prometem matar Jeremias porque profetizou contra o templo. Nos vv. 10-15 narra-se o julgamento de Jeremias diante dos príncipes (oficiais/autoridades) do reino de Judá. A ameaça de morte feita a Jeremias é expressa com as mesmas palavras que o Senhor usou para advertir Adão a não comer do fruto da árvore no meio do jardim (Gn 2.18). A sentença dele é semelhante, senão a mesma do próprio Cristo, dada pelo Sinédrio (“É réu de morte”; cf. Mc 14.64). Jeremias urge o povo de Jerusalém a ouvir a voz do Senhor: aqui é “ouvi a voz do Senhor” (v. 13) que se torna sinônimo da expressão “andar em minha Torá” antes usado (v. 4).

Os paralelos entre o capítulo 26 e o 7 de Jeremias são marcantes. Alguns defendem que são o mesmo relato, visto a partir de dois focos. O capítulo 7 enfoca mais o conteúdo da mensagem de Jeremias ao povo: advertência contra a confiança nas palavras de engano dos falsos profetas que prometem segurança para Jerusalém e o templo do Senhor, apesar da iniquidade do povo; descrição dos pecados cometidos pelo povo em sua desconsideração pela Torá do Senhor; e condenação dos sacrifícios ex opere operato que faziam no templo, em detrimento de guardarem a Palavra do Senhor e a seguirem. O capítulo 26, por sua vez, enfoca o resultado dessa pregação do profeta, os aspectos “externos”, isto é, a resistência dos sacerdotes, dos profetas e do povo em aceitar a (dura) mensagem do Senhor e o seu desejo de matar o profeta.

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O problema do povo está em não darem ouvidos à “minha Torá” (ytir'AT), é a incredulidade do povo de Israel (mostrada em sua justificação ex opere operato). É o abandono da aliança feita pelo Senhor com o seu povo, lá no Sinai, quando Deus prometeu ser o Deus de Israel e este o seu povo. Nela, o mais importante era que o povo de Deus ouvisse a voz dele (cf. Jr 7. 22-26). Lutero, ao explicar o 1º mandamento, diz que “devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas”. Confiar em Deus é ouvir a sua Palavra e praticá-la. A confiança em práticas religiosas ou locais santos de nada adiantará. Tanto que, mais adiante, Jeremias enviará uma carta aos exilados da Babilônia dizendo que o seu futuro de-penderá de viverem suas vidas lá (numa terra “pagã”), sem templo, mas em confiança no Senhor e em sua Palavra. (cf. cap. 29).

Os seres humanos não são capazes de guardar a Torá do Senhor. Desprezo pela Palavra de Deus é visto em toda parte, por vezes também em nosso meio. Proliferam ao nosso redor mestres que, como Paulo disse, são inimigos da cruz de Cristo: pregam uma graça barata preocupados somente com o seu próprio ventre (umbigo) e voltada somente para coisas terrenas (leitura útil é Discipulado, de Bonhoeffer, e sua discussão sobre graça barata e graça preciosa).

Em virtude dessa incapacidade, o Senhor mesmo escreverá a sua Torá, a sua Palavra nas mentes e nos corações de seu povo, conforme anuncia o próprio Jeremias (Jr 31.33). Ela será escrita em nossos corações por meio da fé naquele que a ouviu, cumpriu e seguiu fielmente, Jesus Cristo, pagando ele também pelo castigo que merecíamos por constantemente a desprezar. Para tanto era necessário (cf. Lc 9.22) ele ir para Jerusalém e, em três dias, morrer e ressuscitar. Por meio de sua morte e ressurreição, no terceiro dia, Jesus nos tornou filhos de Deus, cidadãos dos céus.

Período de quaresma é época de chamada ao arrependimento. Cha-mar o povo a ouvir a voz do seu Senhor e relembrá-lo o quanto a sua infidelidade a Deus custou ao próprio Filho que ele enviou ao mundo. É época de enfatizar, sobretudo, que só podemos ser fiéis, piedosos (dysix'), cf. o Salmo 4, porque Deus age em sua bondade amorosa e fidelidade (ds<x< e tm<a/) em nosso favor, ainda que às vezes numa dura palavra de Lei, preparando o caminho para o seu doce evangelho. É através dele que Jesus reúne todos os seus fiéis, como uma galinha faz com seus pintinhos sob suas asas, pois “quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo” (Jo 12.32).

Quaresma é tempo de relembrar do nosso batismo em uma vida de arrependimento diário. Nele o Espírito Santo nos deu a fé, que garante nossa cidadania divina. Nosso batismo é nosso RG divino, que mostra a nossa cidadania celeste, que pertencemos à pátria do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Já somos salvos por Cristo e temos a vida eterna, mas

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ela ainda não se manifestou plenamente; para tanto aguardamos o seu retorno. Somos santos de Deus lutando contra a nossa natureza pecami-nosa e as consequências do pecado em nossas vidas, relacionamentos, famílias, igreja e sociedade. Para tanto afogamos diariamente o velho homem para que ressurja novo homem que viva para justiça por meio da Palavra e do Sacramento.

SUGESTãO HOMILÉTICA

Título: Ouça a Palavra do Senhor

a) Que chama você em meio ao seu pecadob) Que o atrai para perto da cruz de Jesusc) Que faz com que você viva com confiança – já e ainda não.

Paulo AlbrechtCopacabana/RJ

[email protected]

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1. PERÍCOPE

Salmo 85: Introduz o tema do dia. É um pedido de perdão que o povo de Israel faz a Deus. Isto fica bem claro nas afirmações:

- “Restabelece-nos, ó Deus da nossa salvação, e tira de sobre nós a tua ira” (v. 4);

- “Porventura, não tornarás a vivificar-nos, para que em ti se regozije o teu povo?” (v. 6);

- “Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia e concede-nos a tua salva-ção” (v. 7).

Deixa claro que Deus perdoa os que, arrependidos, o buscam:- “Perdoaste a iniquidade de teu povo, encobriste os seus pecados”

(v.2);- “Próxima está a salvação dos que o temem” (v. 9);- “Encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram”

(v. 10).

Por último, mostra as consequências do perdão na vida dos filhos de Deus:

- “A justiça irá adiante dele, cujas pegadas ele transforma em cami-nhos” (v.13).

Ezequiel 33.7-20: Descreve como deve agir o verdadeiro atalaia, ou seja, deve anunciar o juízo ao pecador impenitente e o perdão ao pecador penitente. Os versículos 11 e 12 mostram o que Deus realmente deseja através do trabalho de seus servos: que o perverso se converta e viva, pois Deus não tem prazer na sua morte.

1 Coríntios 10.1-13: Apresenta o exemplo negativo deixado pelos “pais” na época de Moisés. Eles foram ricamente agraciados por Deus, pois:

- “estiveram sob a nuvem” (v.1 – Êx 13.21-22);- “passaram pelo mar” (v. 1 – Êx 14.22-29);- “comeram do manjar espiritual (v.3 – Êx 16.35);- “beberam da fonte espiritual” (v. 4 – Êx 17.6; Nm 20.11).

TERCEIRO DOMINGO NA QuARESMA07 de março de 2010

Salmo 85; Ezequiel 37.7-20; 1 Coríntios 10.1-13; Lucas 13.1-9

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No entanto, eles tornaram barata a graça de Deus, que, como o após-tolo diz, em Cristo, a pedra, lhes foi concedida:

- “cobiçaram as coisas más” (v. 6 – Nm 11.4);- foram idólatras (v.7 – Êx 32.6);- praticaram imoralidades (v. 8 – Nm 25.1-18);- colocaram Deus à prova (v. 9 – Nm 21.5,6);- murmuraram (v. 10 – Nm 16.41-49).Por causa disso:- “Deus não se agradou da maioria deles” (v. 5);- “ficaram prostrados no deserto” (v. 5);- “caíram, num só dia, vinte e três mil” (v. 8);- “pereceram pelas mordeduras das serpentes” (v.9);- “foram destruídos pelo exterminador” (v. 10).

Paulo diz que todas estas coisas foram escritas na Bíblia “para nossa advertência” (v. 11) e, então, acrescenta: “Aquele, pois, que pensa estar em pé, veja que não caia” (v. 12). Mas ele também nos consola ao dizer que Deus não permite que sejamos tentados além das nossas forças e que Ele proverá o livramento para as nossas tentações (v. 13).

Lucas 13.1-9: Jesus usa dois incidentes marcantes que ocorreram naqueles dias (a morte violenta de alguns galileus pela espada de Pilatos e a queda de uma torre em Siloé que matou 18 pessoas) para mostrar a necessidade de arrependimento (vv. 3 e 5). Em seguida, Jesus conta a parábola da figueira estéril, onde enfatiza a necessidade dos filhos de Deus produzirem os frutos dignos do arrependimento. Fica claro que é Deus quem capacita o pecador para tal.

2. PROPOSTA HOMILÉTICA

Introdução: Quando viajamos, vemos muitas cruzes na beira das es-tradas. Elas nos lembram de pessoas que morreram e, ao mesmo tempo, servem de alerta sobre os perigos que rondam aqueles locais.

Tema: Exemplos que não devem ser seguidos

- Dos que cobiçaram coisas más – 1 Co 10.6 – Nm 11.4;- Dos que praticaram a idolatria – 1 Co 10.7 – Êx 32.6;- Dos que praticaram a imoralidade – 1 Co 10.8 – Nm 25.1-18;- Dos que colocaram o Senhor à prova – 1 Co 10.9 – Nm 21.5-6;- Dos que murmuraram contra Deus e contra seus servos – 1 Co 10.10

– Nm 16.41-49.

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- Estes tornaram barata a graça de Deus – 1 Co 10.1-4;- As consequências foram desastrosas;- Estes exemplos foram escritos “para advertência nossa” (1 Co 10.11).

São como as cruzes no caminho ...- Paulo alerta: “Quem pensa estar em pé, veja que não caia” (1 Co

10.12);- Jesus nos alerta sobre a necessidade de arrependimento e a produção

de frutos dignos do arrependimento, mas também mostra que Deus pode e quer nos capacitar para isso (Lc 13.1-9);

- Deus é fiel e não permite que sejamos tentados além das nossas forças. E, o que é melhor, proverá o livramento da tentação. Podemos confiar nEle! E isso Ele faz através de seu Filho, Jesus Cristo, que age poderosamente em nós através dos meios da graça.

Conclusão: As cruzes à beira das estradas servem de alerta para tomarmos os cuidados necessários para evitarmos que também sejamos vítimas dos perigos que rondam nossas estradas. Na mensagem de hoje, Deus, que, movido pelo seu grande amor, não quer a condenação de ne-nhum pecador, nos advertiu para que não cometamos os erros que levaram muitos à perdição eterna. Confiemos em Cristo e permitamos que ele nos mantenha sempre em alerta! Amém.

Geraldo SchülerCacoal/RO

[email protected]

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quARTO DOMINGO NA QuARESMA

14 de março de 2010

Isaías 12.1-6

1. O SANTO DE ISRAEL ESTÁ ENTRE O POVO

O Quarto Domingo na quaresma é tradicionalmente chamado de Laetare, que pode significar, “regozijai-vos”. O consolo aqui consiste no fato de que o Santo de Israel (Is 12.6), apesar de ter motivos para irar-se contra o seu povo, permanece entre ele, com sua palavra de perdão. Ele não abandona no pecado, pelo contrário, onde existe pecado, lá Ele quer estar presente, quer receber o pecador, quer comer com ele e quer dar por achado o que estava perdido. Isso dá motivo para alegria e agradecimento.

A ênfase do capítulo 12 está nas obras de Yahweh e a razão da alegria é a presença do Santo de Israel, que é a salvação do povo.

A expressão “naquele dia” nos faz perguntar pelo referente. O capítulo 11 fala do rebento que sairá do tronco de Jessé, o qual julgará com justiça e estabelecerá uma nova ordem, segundo a qual “não se fará mal ou dano algum em todo o santo monte”. “Naquele dia” o restante do povo será res-gatado, de um modo semelhante ao resgate do Egito, embora com muito maior intensidade. Ele resgatará o restante do povo da Assíria, do Egito, de Patros, da Etiópia, de Elão, de Sinar, de Hamate e das terras do mar. “... recolherá desde os quatro confins da terra”. Yahweh, “naquele dia”, destruirá totalmente o braço do mar do Egito, ferirá até mesmo o Eufrates, dividindo-o em sete canais, sendo que será possível atravessá-lo de sandálias. O cami-nho será plano como foi para Israel no dia em que saiu do Egito.

A saída do Egito permanece viva na mente do povo de Israel de todos os tempos, de sorte que serve de exemplo e comprovação dos grandes feitos de Yahweh. Algumas expressões do cântico de Moisés e dos filhos de Israel de Êx 15 se repetem aqui em Isaías 12. O povo de Deus canta para agradecer pela salvação realizada e expressa assim a sua confissão: “O Senhor Deus é a minha força e o meu cântico; ele se tornou a minha salvação”.

A oração em Is 12 é um agradecimento, a ira de Yahweh se retirou e agora Ele consola. O voltar atrás da ira é uma característica de Yahweh, como Paulo explica em 2 Co 5.16-21: “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”. A verdade é que essa obra, essa troca, esse voltar atrás é resultado do amor do Senhor pelo seu povo. O Pai que recebeu o filho, o qual estava

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morto e reviveu, estava perdido e foi achado, fez uma festa e o recebeu de braços abertos, consolando-o (Lc 15).

Esta oração será feita “naquele dia”, quando sair do tronco de Jessé um rebento. Mateus ajuda a explicar esse “tempo” quando diz que “todas as gerações, desde Abraão até Davi (filho de Jessé), são quatorze; des-de Davi até ao exílio na Babilônia (tempo de Isaías), catorze; e desde o exílio na Babilônia até Cristo, catorze”. A referência ao exílio na Babilônia parece ter um significado especial quando visto na perspectiva de Isaías, que em profecia destacou que “naquele dia”, ou seja, quando surgir esse “rebento”, nesse dia “Yahweh tornará a estender a mão para resgatar o restante do seu povo ...”. Nesse dia também haverá razão para agradecer, pois a ira do Senhor voltará atrás.

A salvação é possível, porque grande é o Santo de Israel no meio do povo. Essa profecia se concretiza na presença de Jesus entre pecadores e publicanos (Lc 15). Jesus atraiu para si os pecadores, recebeu-os e comeu com eles. A parábola do Pai que recebe o Filho, depois deste sair de casa e gastar toda a herança, ilustra o amor de Yahweh pelo seu povo. Ele abre os braços e faz uma grande festa pelo “perdido que foi achado”.

O povo de Israel olhava as coisas que estavam para acontecer “naquele dia”, quando o rebento de Jessé estabeleceria o seu reinado. Ele também olhava para trás, para a salvação vivida na saída do Egito. Yahweh fez o povo passar pelo mar Vermelho em terra seca e salvou o povo. Com alegria também o povo de Deus atual olha para trás, para a salvação conquistada por Cristo na cruz e aguarda a travessia do “mar vermelho” de suas vidas. Em todas as situações da vida do cristão, especialmente aquelas que o colocam diante da realidade da morte, a Palavra de Deus quer consolar com o fato de que o Santo de Israel está presente, ele é o “Deus conosco” e, especialmente, ele quer receber e andar com os perdidos.

O objetivo da proclamação neste domingo é assegurar a todos que Yahweh está presente entre o seu povo, apesar dos pecados.

2. PROPOSTA HOMILÉTICA

Tema e desdobramentos:“O Santo de Israel está entre o povo”1. Apesar de ter motivos para a ira,2. Ele agora consola3. Onde existe pecado, ali o Senhor quer consolar, quer achar, quer

salvar.

Clécio Leocir SchadechCorbélia/PR

[email protected]

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quINTO DOMINGO NA QuARESMA

21 de março de 2010

Filipenses 3.8-14

1. CENÁRIO HISTÓRICO

A comunidade de Filipos foi a primeira fundada por Paulo na Europa (At 16.11-40 – 2ª viagem missionária 49-51 AD). A carta aos Filipenses foi escrita por Paulo da prisão em Roma entre 59-61 AD. Filipenses mos-tra Paulo como um crente, um missionário e um teólogo. Como alguém que acredita que a fé em Cristo lhe possibilita enfrentar com alegria toda e qualquer situação (Fp 4.13). A Epístola retrata um apóstolo preso que escreve para a uma igreja perseguida. E o verso chave de sua carta diz: “Eu me alegro! Vocês também se alegram?” Onde isto é possível senão onde a fé está e onde o Espírito Santo age?

O tema da perfeição cristã é latente em Filipenses. É necessário que aquela Comunidade seja alertada e instruída a respeito disto. No capítulo 3, Paulo alerta contra duas falsas ideias do que seria perfeição cristã: a ensinada pelos judeus legalistas (3.2-11), que baseavam a perfeição no cumprimento da lei, e a ensinada pelos libertinos inimigos da cruz de Cristo (3.17-21), que pervertiam a graça de Deus e a interpretavam con-forme sua licenciosidade (antinomistas - conferir também Judas 4). Paulo era aquela pessoa que teria todos os motivos para se vangloriar na sua observância da lei e dos costumes judeus. Era um fariseu exemplar. Teria a moral necessária para ser legalista. Mas seu ensino é diferente. Contra estas duas heresias, Paulo retrata a si mesmo, aquele que está em Cristo, como verdadeiro exemplo da perfeição e maturidade cristã (3.15).

2. CENÁRIO LITúRGICO

O Quinto Domingo na Quaresma é o último antes do Domingo de Ra-mos. A Igreja está sendo conduzida para aquela semana na qual meditará profundamente nos eventos decisivos da obra de Cristo para a salvação do mundo. Tempo de relembrar que Cristo não fez nada menos do que tudo o que era necessário. Não devemos ofuscar a obra do Salvador intrometendo nela nossas “bondades” e “perfeições”. A Igreja deve ser preparada a chegar à Semana Santa dizendo: “Nu me venho em ti vestir, só a graça te pedir”. O culto deve focar este “despir-se” para que livres de toda justiça própria possamos nos deliciar com aquela santa e perfeita justiça que vem de Deus, em Cristo.

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3. ANÁLISE DO TEXTO

V. 8: Tudo como perda – Diante do conhecimento de Cristo, tudo o que o Apóstolo era, tinha e fazia, suas boas obras e reputação (ver versículos 4-6) é reconhecido como “perda” (zhmi,a). zhmi,a significa per-der algo trazendo real prejuízo, algo valioso que não desejamos perder. Conhecimento de Cristo – Não apenas no sentido intelectual. Trata-se de um encontro pessoal com Cristo e uma associação a ele, tê-lo como o único Senhor, sendo encontrado nele, crendo nele. Conhecer a Cristo e ser conhecido por ele vem a ser a mesma coisa (1Co 8.2-3 ; 13.12 ; Gl 4.9). É inevitável a relação com o sacramento do Batismo. Refugo (sku,balon) – algo que agora se tornou detestável, totalmente sem valor. São as boas obras nas quais colocamos nossa confiança.

V. 9: Justiça própria (evmh.n dikaiosu,nhn) X justiça que procede de Deus (qeou/ dikaiosu,nhn) – não é possível conciliar as duas (Rm 10.3). Se crermos que a justiça de Deus é um dom, aceitamos que a salvação foi completamente conquistada por Cristo (Mt 5.6 ; 6.33 ; Rm 1.17 ; 3.21-31 ; 1Co 1.30 ; 2Co 3.9 ; 5.21 ; 3.10-11). A justiça do cristão é alheia. Atra-vés da fé, nos é imputada a justiça de Alguém outro, de Cristo. Somente esta conta para a justificação.

V. 10: Conhecer a Cristo – Como no v.8, este conhecimento não é meramente factual. Ele inclui a experiência do poder da ressurreição (Ef 1.17-20), a comunhão nos sofrimentos de Cristo (At 9.16) e o estar unido com ele em sua morte (2Co 4.7-12 ; 12.9-10). Os crentes sempre estão unidos com Cristo em sua morte e ressurreição (Rm 6.2-13 ; Gl 2.20 ; 5.24 ; 6.14 ; Ef 2.6 ; Cl 2.12-13 ; 3.1). No versículo 10, entretanto, Paulo fala sobre sua própria experiência do poder da ressurreição de Cristo e do sofrimento com e por ele, mesmo que isto venha a significar a sua própria morte.

V. 11: “de algum modo” – não é uma indicação de dúvida ou incer-teza, mas de intensa expectativa e envolvimento.

Vv. 12-14: A vida cristã é como uma corrida. O apóstolo Paulo cos-tuma usar imagens esportivas como comparação. Outras ocorrências: 1Co 9.24-27 ; 1Tm 6.12 ; 2Tm 4.7-8 ; Mt 24.13 ; Hb 12.1. “Nesta vida, constantemente avançamos em direção ao alvo, sem, contudo, alcançá-lo. Pode parecer a um cristão que em outros tempos era mais piedoso e santo e conseguia vencer melhor o pecado. Isto até pode ter sido o caso, e sua presente condição pode ser devido a seu retrocesso espiritual. Mas a explicação correta de seu estado atual também pode ser esta: que ele agora vê com muito maior clareza que ser frágil ele é. Um jovem cristão pode pensar que seu coração naquele exato momento está totalmente puro, que ele abandonou o mundo e tem o céu em seu coração. Mas ele

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QuIntO dOMIngO na QuareSMa

não está consciente das bestas vorazes que estão à sua espera. Quando a doçura de sua infância espiritual cessar e as tribulações chegarem a ele, ele pensará não poder mais lutar contra o pecado assim como costumava fazer. A verdade é, no entanto, que ele está sendo atacado com muito maior violência do que antes e que ele está bem mais consciente de seus desejos e vontades pecaminosos.” (WALTHER, Carl. Lei e Evangelho, p.271).

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Moléstia: A natural autoconfiança do ser humano de que pode con-tribuir com sua salvação.

Meio: A obra de Cristo é completa e total. Mesmo as melhores obras humanas são refugo diante dela. Cristo nos dá gratuitamente a “justiça que vem de Deus” abrindo a nós as portas dos céus.

Objetivo: Confiar na justiça própria e na justiça que vem de Deus ao mesmo tempo é impossível. Elas são auto-excludentes. O grande obje-tivo é animar o povo de Deus a seguir sua vida “esquecendo das coisas que para trás ficam” (seus méritos próprios) e “seguindo para o alvo da soberana vocação em Cristo”, firmes na fé e na esperança daquilo que foi conquistado por Cristo apenas (unidos com Cristo na sua ressurreição).

Tema: Esquecendo das coisas que para trás ficam, seguimos para o alvo!

Esboço:I - Esquecendo das coisas que para trás ficam (Esquecendo =

não colocando a confiança):- Não colocando a confiança naquilo que consideramos boas obras- Não colocando a confiança em nossos próprios méritos- Não julgando outros pela aparência- Não considerando cristãos apenas aqueles que preenchem determi-

nados critérios de “santidade”II - Vivendo unidos com Cristo- Acolhidos por Deus (já no Batismo)- Recebendo suas dádivas (Absolvição e Santa Ceia)- Ensinados por ele (na Palavra)- Apegados em sua justiça (rejeitando todo orgulho)- unidos em Comunidade (que compartilha a justiça de Cristo e que,

portanto, não tem “melhores” e “piores”).III- Seguimos para o alvo- Amando como somos amados por Deus- Proclamando esta salvação- Meditando continuamente no grande amor de Deus, em Cristo.

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- Convite a celebrarmos a Semana Santa, despidos de nossas justiças e crendo sem reservas na suficiência da obra de Cristo por nós.

5. bIbLIOGRAFIA UTILIZADA ROEHRS; FRANZMANN. Concórdia Self-Study Comentary. WALTHER, Carl. Lei e Evangelho.CONCóRDIA SELF-STuDY BIBLE.

Fernando E. GarskePastor no Colégio Luterano Concórdia – São Leopoldo/RS

[email protected]

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Isso procede do Senhor

O DOMINGO

Os textos desse domingo refletem a obra que Jesus tomou sobre si. Na palavra de Paulo aos Filipenses temos uma confissão que a igreja ado-tou que expressa o completo esvaziamento de Deus em Cristo. Deixou a majestade, assumiu a nossa humanidade e desceu até à morte de cruz onde as penas do inferno o afligiram. Todas as acusações que o diabo pode levantar, e efetivamente levanta contra nós, o atormentaram. Ele foi julgado e condenado com a nossa culpa. Não há como descrever o que aconteceu na sua morte de cruz. Abandonado por Deus, o diabo e suas forças certamente cantavam vitória.

Pode parecer estranho dizer isso, mas é necessário que se diga: esse é o Cristo que pode nos consolar. Nossa natureza humana, assim como os próprios discípulos, não consegue ficar ao pé da cruz. O quadro é por demais dantesco. Pois a cruz, da qual extraímos o conteúdo do evangelho como na expressão daquele hino: “Foi por mim que tu morreste” é, ao mesmo tempo, a revelação e constatação da grandeza do meu pecado. Deus nos é tão gracioso que não nos obriga a vermos o quanto o pecado em nós é grande. um segundo aspecto que revela a compaixão de Deus por nós está no fato de que ele, além de nos ter como perdoados, ainda nos impede de pecar segundo os impulsos da natureza em nós. Isso Je-sus nos ensina a crer quando nos ensina a orar: “Não nos deixes cair em tentação”. Deus providencia instrumentos, pessoas, educação, e nos envia dores e sofrimentos pelos quais refreia os nossos impulsos e preserva a dignidade de que necessitamos para viver em família e sociedade. Por isso, ao contemplar e confessarmos o Cristo crucificado, a lei que ali está expressa pelo juízo severo de Deus, ao lado do evangelho que dali brota, podem nos manter boquiabertos diante amor que Deus ali expressa por nós. A lei, com todo o seu peso, que nos atinge na cruz, essa Deus lan-ça sobre Cristo. Cada acusação que Satanás pode lançar sobre nós com justiça, essa precisamos reconhecer na pessoa do crucificado.

Bem por isso, podemos reconhecer nos relatos dos evangelistas e apóstolos como que um retorno permanente ao Calvário, de onde eles num primeiro momento se mantiveram distantes e até medrosos e en-

DOMINGO DE RAMOS

28 de março de 2010

João 12. 20-43

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vergonhados. Talvez esse fato esteja melhor expresso nas palavras de Paulo, que, talvez lembrado que ele ajudava a prender e apedrejar os seguidores do crucificado, exclama: “Pois não me envergonho da cruz”, ou então quando diz: “Nós pregamos a Cristo e, este, crucificado.” Ou: “Cristo vive em mim”, não um Cristo a quem o mundo renda glórias, mas um Cristo que somente serve para pecadores.

É talvez nesse ponto que os cristãos se dividem e a pedra angular (Salmo do dia, 118. 22) é rejeitada. O fato de Deus assumir essa cruz aniquila com todas as ilusões de justiça e piedade que o ser humano queira se atribuir. O ser humano é tão abençoado diária e constantemente por Deus ao ponto de achar que ter coisas boas é algo que lhe cabe natural-mente. Deus dá tudo de que o ser humano necessita para viver, dando até mais do que o necessário, que o ser humano não registra como benefício recebido sem merecimento. Estes, quando olham para a cruz, também veem nela o sinal e a prova do amor de Deus pela humanidade. Deste amor passam a esperar algo além, algo especial, algo extraordinário, além do “normal” e do “comum” a que estão habituados. Não só habituados, mas já enfastiados. Tal como Israel se enfastiou do maná. Lutero registra isso como “entediados da bondade de Deus” (OS 5, 25, O Sublime Louvor (Salmo 118). Convictos de que podem esperar de Deus mais do que o “normal” a que se julgam merecedores, desdobram-se a mostrar que sua fé é superior, melhor, comprometida com um programa de realizações em serviços prestados e notabilizados diante das pessoas e das instituições, grupos, igrejas e comunidades.

Um outro equívoco teológico marcado pelos pietistas foi apontar para a cruz como aquele feito extraordinário de Deus que agora demanda dos que a ele se apegam uma religiosidade de sacrifícios pessoais que se mostrem à altura do que Deus demonstrou por eles. Característico desta postura é aquele quadro conhecido que põe na boca do crucificado a frase: “Isto eu fiz por ti. Que farás tu por mim?” Expressão essa também cristalizada num aparentemente piedoso refrão de uma canção que muitos ensinam às crianças na escolinha bíblica.

O véu ainda lhes encobre o rosto na medida em que não se permitem articular com clareza e coragem a obra plena, perfeita e completa do crucificado, que é plena e incondicional no consolo e conforto. Rejeitam a pedra angular porque não se enquadra no seu anseio de adquirir aos olhos do mundo e do próprio Deus o status de dignidade superior, tal como o fariseu fazia no templo.

O esvaziamento total de Deus na cruz deve dizer-nos que nada do que fazemos ou pensamos pode se manter diante de Deus. Tudo o que somos e fazemos está marcado pelo pecado, pelo egoísmo, orgulho, soberba e desejo de vanglória. Por mais que pensemos em esvaziar-nos, e espe-

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dOMIngO de raMOS

cialmente se nos determinamos a tal, teremos de dar-nos conta que a própria tentativa de auto-esvaziamento é uma forma de soberba pessoal porque parte do pressuposto de que essa é uma possibilidade para o ser humano, mesmo o batizado e crente.

Por causa de Cristo a vida está presente no mundo. Deus alimenta, sustenta e protege. Deus faz “nascer o seu sol sobre bons e maus e descer a chuva sobre justos e injustos.” Lutero acrescenta: “Sem nenhum mérito ou dignidade da nossa parte”, quando o normal seria descer sobre nós o seu juízo e sofrermos dele o merecido abandono e condenação. Nascer, amar, cultivar, são presentes e ofertas que Deus renova e cuida em nós e para nós diariamente. Somos vazios, mas nele estamos plenos de feli-cidade porque ele é bom.

Não podemos por isso estranhar quando corrige e repreende a nossa soberba e orgulho enviando-nos sinais da nossa pequenez por meio de doenças, sofrimentos e amarguras. Ao comermos a comida dos porcos, e por vezes só então, nos damos conta que junto dele os jornaleiros são felizes.

Esse Deus e Pai nos mantém em uma “zona de conforto e bem estar” às vezes por longos períodos. Chamo zona de conforto o fato de que Deus atende as expectativas que temos em termos de saúde, relativo confor-to, amigos e bens que Lutero descreve na explicação do Primeiro Artigo nos Catecismos (Maior e Menor). É graça pura podermos, pecadores que somos, ter expectativas, poder planejar e realizar planos e até sonhos. Podemos aí fazer o bem ao próximo dentro dos limites dessa zona de conforto, como também nos faz encarar os perdidos, os abandonados e os maltratados para que sirvamos de seus instrumentos descendo/saindo da zona de conforto e prestando serviços sob a cruz e na cruz a estes enviados de Deus.

Assim como também muitos, ao longo de nossas vidas pessoais, servi-ram de instrumentos de Deus a nos amparar, orientar, socorrer e corrigir para que sejamos as pessoas que hoje somos. Esvaziar-se com Cristo, em Cristo e ao lado de Cristo: ter o mesmo sentimento de Cristo em relação ao mundo e às pessoas; andar em simplicidade na vida diante das pessoas, serviços e trabalhos que Deus dispõe diante de nós na vida em família e no espaço social ao qual fomos conduzidos por Deus em nossas escolhas, nisso a luz de Deus brilha em cada e em qualquer pessoa.

Paulo P. WeirichSão Leopoldo/RS

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SEXTA-FEIRA SANTA02 de abril de 2010

Hebreus 4.14-16;5.7-9

1. CONTEXTO

Pregar na sexta-feira santa é, com certeza, um desafio todo especial. Não pregar qualquer coisa, mas o que precisa ser pregado: o evangelho. Há um clima acentuadamente penitencial, um ambiente sombrio, que é próprio do dia. Fácil é fixar-se naquele “foi minha toda a culpa, que foste tu levar”, esquecendo o “Deus na cruz é meu amado” e o “grato sou por tanto amor, meu bendito Redentor”. Para pregar o evangelho é preciso, antes de tudo, focalizar Cristo. Toda reflexão centrada em nós mesmos não passará de lei. E para focalizar Cristo, nada melhor do que explorar o texto bíblico.

O texto da epístola (Hb 4 e 5) permite uma reflexão de sexta-feira santa como raramente se ouviu. Aliás, quando foi a última vez que pregaste um texto de Hebreus? Bem que está na hora. Normalmente, vemos o Cristo crucificado e até ouvimos falar do véu do templo que se rasgou de alto a baixo. Mas e o que aconteceu além do véu, ou, se preferir, em outra “dimensão”? Hebreus nos propicia esta perspectiva que vai além. Aliás, Hebreus é, no meio das epístolas, sem ser propriamente uma “epístola”, o que João é entre os Evangelhos: um texto diferente, com uma perspectiva própria. E, de quebra, para quem acha que nenhuma pregação deveria terminar sem uma aplicação mais direta (o que é discutível), a aplicação está presente, no texto, na forma de dois apelos em primeira pessoa: conservemos firme; acheguemo-nos.

Claro, seria possível fazer uma leitura em contraponto, relacionando Isaías 53 e o texto da epístola. Difícil dizer até que ponto será possível fazer isto, numa só pregação, mas poderia ser um enfoque ou um cami-nho a seguir. Ele, Jesus, tanto o sacerdote (Hebreus) quanto o sacrifício (Isaías). Normalmente só enxergamos a vítima. Ficamos impressionados com a dramaticidade de Isaías 53 e o impacto da narrativa da paixão. um Cristo passivo, padecente, sofrendo até o último suspiro. O texto de Hebreus nos mostra um Cristo ativo. Pendurado na cruz, ele exerceu seu ofício sumo-sacerdotal. Só que o autor aos Hebreus não o vê entrando no Lugar Santíssimo do templo que estava edificado sobre o monte Sião; ele o vê “penetrando os céus”. Literalmente, atravessando os céus. Claro, indo

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Sexta-feIra Santa

até a presença de Deus, onde está o santuário real e perfeito, do qual o santuário terreno, em Jerusalém, era apenas uma cópia.

2. DESTAqUES NA ANÁLISE DO TEXTO Interessante é a formatação do texto da epístola, ou seja, a justaposi-

ção de Hb 4.14-16 e Hb 5.7-9. Por que omitir os primeiros seis versículos de Hb 5? Acontece que neste trecho se fala sobre a escolha de um sumo sacerdote e suas funções, e como isto se aplica a Cristo. Na sexta-feira santa, este é um tópico menos importante. urge passar diretamente ao que Cristo fez, e isto aparece a partir de 5.7.

No que segue, colocamos o texto da tradução de Almeida em negrito, com alguns comentários entre colchetes:

Tendo [e esta afirmação é a base para o apelo que virá mais adiante], pois, a Jesus, o Filho de Deus [junto com o nome “Jesus”, Filho de Deus é outro destaque cristológico em Hebreus], como grande sumo sacer-dote [a novidade em Hebreus; só que nem nos damos conta da hipérbole: “grande grande sacerdote”; no grego, só um adjetivo – grande ou mégas – e um substantivo – archieréus; neste “grande” está sua superioridade em relação ao sacerdócio do AT] que penetrou os céus [literalmente “atravessou”; assim como o grande sacerdote passava os vários pátios ou recintos do templo para entrar no Lugar Santíssimo], conservemos firmes [isto é possível porque temos Jesus, o grande sumo sacerdote] a nossa confissão [pode ser tanto o ato de confessar quanto a doutrina que se confessa; sexta-feira santa é dia de professar lealdade a Jesus. Não é dia de ter pena de Jesus ou de se “sentir mal” pelo que fizemos a ele; é dia de culto]. 15 Porque não temos sumo sacerdote que não possa [aqui temos lítotes, ou seja, negação da negação – que resulta em afirmação com efeito retórico: com certeza temos!] compadecer-se das nossas fraquezas [não necessariamente pecados; no contexto dos hebreus, vacilação na fé, entre outras]; antes, foi ele tentado em todas as coisas [em tudo mesmo? qual teria sido a última tentação de Cristo? segundo o relato dos Evangelhos, a agonia no Getsêmani], à nossa semelhança, mas sem pecado [temos aqui um resumo de Hb 2.14-18]. 16 Acheguemo-nos [diferentemente de Jesus, que penetrou os céus, ainda precisamos aproximar-nos; sempre existe a ocasião opor-tuna de que fala o final do versículo], portanto [conclusão lógica baseada no que precedeu; por ele estar lá no céu e por compadecer-se de nossa fraqueza podemos nos achegar], confiadamente, junto ao trono [sim-boliza poder] da graça [construção de genitivo ambígua, mas que parece significar “onde está a graça”, ou “de onde provém a graça”; a melhor

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tradução para “graça” ainda é “favor imerecido”], a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça [no sentido de encontrar graça, ser alvo do favor] para socorro em ocasião oportuna [esta ocasião é um eu-kairón, um “bom tempo”, um tempo propício; cada culto, cada santa ceia é uma ocasião oportuna].

Ele, Jesus [até ARA explicita o sujeito, neste caso, para que não se pense que o sujeito é Melquisedeque], nos dias da sua carne [poderia ser lido como afirmação de que ele deixou a humanidade para trás; NTLH é mais feliz: “durante a sua vida aqui na terra”], tendo oferecido [aqui aparece o termo técnico para “oferecer sacrifícios”, que é o que se espera de um sacerdote], com forte clamor e lágrimas [o uso de dois termos semelhantes, que se completam, tem um interessante efeito retórico de ênfase], orações e súplicas [outra duplicação para efeito retórico; equi-valente a “fervorosas orações”] a quem o podia livrar da morte [possível referência ao “passa de mim este cálice”, o episódio no Getsêmani] e tendo sido ouvido [“ouvido” no sentido de “atendido”; mas como, “ouvido”? Ele não foi poupado da morte. Duas possibilidades: Deus o fortaleceu; Deus o vindicou, na ressurreição] por causa da sua piedade [não o mesmo termo que é traduzido por “piedade” em 1Tm; em Hb 12.28, única outra ocorrência no NT, é traduzido por “reverência”; poderia ser “submissão” ou “fidelidade”], 8 embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu 9 e, tendo sido aperfeiçoado [de forma ativa seria: “Deus o aperfeiçoou”. Linguagem desconcertante, aqui em Hebreus. Não que Jesus fosse imperfeito, mas no sentido de ter alcançado o seu obje-tivo], tornou-se o Autor [um termo diferente daquele empregado em 2.10; literalmente, a “causa” (em grego, aitía); logo, “fonte da salvação”, na NTLH] da salvação eterna para todos os que lhe obedecem [im-plícita afirmação de divindade, pois obedecer/crer é algo que ocorre só em relação a Deus], 10 tendo sido nomeado [nomear é verbo raro no NT, mas expressa isto mesmo] por Deus sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque. [Hb 5.7-10 é um longo período, bem formu-lado, em grego, sem ponto, reproduzido tal qual em ARA.]

3. ORDENAMENTO DO MATERIAL

Hebreus tem como uma de suas características a justaposição (ou até mesmo mistura) de trechos exortativos e trechos doutrinários. É o que acontece também na epístola de hoje. Não é, normalmente, a sequência que seguimos, na tradição aristotélica de ordenar as coisas. É uma lógica bíblica, diferente da grega. Uma opção é seguir esta lógica. Outra opção é reordenar os dados, para que a sequência seja mais “ocidental”. Neste caso, a sequência poderia ser, mais ou menos, esta:

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a. Mesmo na cruz, aparentemente inerte, Jesus esteve ativo: penetrou o santuário dos céus, como grande sumo sacerdote (empático ou com-passivo, diga-se de passagem) que é;

b. Aprendeu pelo que sofreu e alcançou seu objetivo (“foi aperfeiçoa-do”): ofereceu o sacrifício definitivo [elemento a ser importado de outra parte, em Hebreus] e se tornou a fonte de salvação eterna e o Rei que governa a partir do trono da graça;

c. Acheguemo-nos confiadamente dele, para recebermos misericórdia; e conservemos firmes a nossa confissão.

Vilson ScholzSão Leopoldo/RS

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1. CONTEXTO LITúRGICO E HISTÓRICO

Nunca é demais lembrar que o culto, e também especificamente o sermão, do domingo de Páscoa precisa refletir em tudo a celebração do maior evento de toda a história. Estamos celebrando o triunfo sobre o maior inimigo da humanidade: a morte. Se alguma coisa neste mundo merece ser celebrada, certamente é este acontecimento. Aqui o Evangelho—a Boa Nova—brilha em toda sua intensidade.

O convite para a fé no Evangelho e para a celebração daí decorrente está presente tanto no texto da epístola como também nas demais leituras do domingo. O evangelho reproduz as palavras dos anjos: “Por que buscais entre os mortos ao que vive? Ele ... ressuscitou” (Lc 24.5,6). O Salmo 16 celebra a ressurreição de Cristo (especialmente nos versículos 8-11, cita-dos em At 2.25-28; 13.35; e com uma provável alusão no versículo 4 de nosso texto). Isaías 65.17ss. aponta para a esperança do futuro tornado possível pela Páscoa (“folgareis e exultareis perpetuamente”; “crio ... alegria ... regozijo”; “exultarei ... e me alegrarei no meu povo”).

O convite para crer no Evangelho e para celebrá-lo está claro na Es-critura. Mas a história da humanidade revela que esta fé e celebração não são a resposta natural do ser humano. É difícil crer no Evangelho. É bom demais para ser verdade. É difícil pregar o Evangelho.

Já nos dias do apóstolo Paulo, os coríntios tinham dificuldade para se confortar e se alegrar com a ressurreição de Cristo. Séculos mais tarde, na teologia e pregação da Idade Média, a atenção foi desviada, quase inteiramente, dos grandes feitos de Deus para obras humanas.

Lutero, que tem como foco de sua Reforma o objetivo de recolocar o Evangelho da graça de Deus em Cristo no centro da teologia e vida da igreja, queria que a ressurreição não fosse lembrada apenas no dia da Páscoa mas, de forma especial, também em todo o período entre a Páscoa e o Pentecostes. No lecionário medieval, lia-se, neste período, na missa, as epístolas – especialmente Tiago, considerada a melhor. Lutero sugeriu uma mudança na seleção das leituras bíblicas para os cultos deste perío-do do calendário eclesiástico. Diz ele: “Seria melhor para a instrução e conforto das pessoas, e em consonância com o período, tratar o artigo

DOMINGO DE PÁSCOA – A RESSuRREIçÃO DO SENHOR

04 de abril de 2010

1 Coríntios 15. 20-28

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da ressurreição – a respeito tanto da ressurreição de Cristo quanto da nossa, ou de todos os mortos – entre Páscoa e Pentecostes”. [Complete Sermons, vol. 4:I, 286]. Lutero sugeriu a leitura do nosso texto para o 3º Domingo após a Páscoa.

2. DESTAqUES DO TEXTO

A leitura da epístola é parte do famoso “capítulo da ressurreição”. É significativo como o apóstolo inicia o assunto – 15.1: “Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho ...; v. 2: por ele, ... sois salvos”. A ressurreição é Evangelho puro!

Para os coríntios, a ressurreição de Cristo (v. 4) não estava em dúvi-da, ao contrário de hoje (teologia existencialista de Bultmann, Código da Vinci, tumba de Talpiot, etc.). A dúvida deles era com relação à nossa ressurreição, ou à ressurreição dos mortos em geral (v. 12). Paulo argu-menta que se os mortos em geral não ressuscitam (v. 16), “então Cristo também não ressuscitou”.

V. 19: Se Cristo não ressuscitou, e se nós não ressuscitaremos, então “somos os mais infelizes de todos os homens”.

Contra esse pano de fundo sombrio e negativo – da ausência de es-perança na ressurreição própria e dos demais – Paulo realça o aspecto positivo:

V. 20: Cristo, de fato, ressuscitou. Ele é as primícias dos que dormem (cf. v. 23).

Cristo vive. Não apenas sua memória ou seus ensinamentos sobrevi-vem. Ele, pessoalmente e fisicamente, retornou da morte à vida. O mesmo corpo que foi pregado à cruz, morreu e foi sepultado ressuscitou.

O conceito das “primícias” vem do AT. Os primeiros frutos duma colheita eram oferecidos a Deus como oferta de gratidão. (Êx 23.16; 34. 22,26; Lv 23.9-14). “Mas há apenas uma colheita. E há apenas uma ressurreição. A ressurreição de Jesus é as primícias de nossa ressurreição. Sua vitória completa sobre a morte e o pecado é a nossa vitória completa prometida sobre a morte e o pecado”. (GIBBS, Jeffrey. “Our faith, our funerals, our future”, The Lutheran Witness, 123, nº 4 [abril 2004]: 8). Pelo batismo, estamos unidos a Cristo, por isso seremos a colheita final e completa da qual o próprio Jesus é a primeira parte.

V. 26: A morte, embora já derrotada definitivamente, continua a nos atormentar. É verdade que a morte é como um sono para os cristãos (v. 20 “dos que dormem”), que “Tragada foi a morte pela vitória” (54) e “Graças a Deus que nos dá a vitória” (57). Mas, a morte é o último inimigo a ser destruído. Ela não foi ainda completamente vencida. Há, aqui, um “já e ainda não”. Já somos vitoriosos com Cristo, mas ainda não estamos no

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reino da glória. Ainda temos que passar pela morte antes de chegar lá. É como se estivéssemos numa guerra na qual o inimigo já se rendeu, mas a notícia ainda não alcançou seus aviões bombardeiros que já haviam partido para sua última missão e ainda continuam a causar destruição e sofrimento por um curto período. Pelo fato de a morte ainda causar ter-ror e sofrimento, precisamos, tanto mais, reafirmar a vitória presente na ressurreição de Cristo e o significado e esperança que a mesma nos traz. A morte é “o último inimigo”. Após a nossa ressurreição não haverá mais dor, nem tristeza, nem qualquer tipo de sofrimento. O pecado e todas as suas consequências terão sido eliminados para sempre para todos os que são de Cristo.

3. PONTOS DE CONTATO

O pastor Ken Schurb, num artigo da revista Concordia Journal, alega que os pregadores da atualidade perderam a ênfase no significado da ressurreição de Jesus que se encontra na proclamação do Novo Testa-mento, especialmente em Atos e nas epístolas. Segundo ele, em muitas pregações do Evangelho se enfatiza apenas a morte expiatória de Cristo. Ele resume diversos aspectos do Evangelho presentes na ressurreição de Cristo da seguinte forma:

1. A ressurreição confirma que Cristo realizou um sacrifício completo e aceitável a Deus como nosso substituto.

2. A ressurreição nos assegura que o diabo, o pecado e a morte não podem ter nenhum poder sobre nós, uma vez que eles não têm nenhum poder sobre Cristo, que os suportou por nós mas triunfou.

3. A ressurreição consiste em Deus absolver seu Filho de nossos pe-cados que foram imputados a ele, e, portanto, na nossa absolvição por Deus.

4. A ressurreição significa que Jesus vive para nos imputar a justiça de sua obediência.

5. A ressurreição sublinha a realidade do perdão que Cristo obteve para nós na expiação.

6. A ressurreição nos capacita a ter comunhão contínua com o Cristo que obteve nossa paz.

7. A ressurreição é a dádiva divina de vida que volta à tona agora que Jesus pagou pela culpa do pecado na expiação.

8. A ressurreição nos assegura que o Deus-Homem, nosso Mediador, vive como ele deve.

(SCHuRB, Ken. “The Resurrection in Gospel Proclamation,” Concordia Journal, 18, nº 1 [January 1992], 37.

Esses aspectos não precisam ser incluídos num único sermão, mas

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podem ser desdobrados e explicados ao longo de uma série de pregações e estudos em que o tema da ressurreição é apresentado.

O significado da ressurreição de Cristo pode e deve ser aplicado a si-tuações concretas de nossa vida e de nossos ouvintes. Convém enfatizar e aplicar o conforto e esperança que resultam desta sua ressurreição.

Se há um momento em nossas vidas onde a mensagem da primeira Páscoa deveria ter um lugar bem especial para nos trazer conforto e es-perança, esse momento deveria ser por ocasião de sepultamentos. Ou não?

O Dr. Jeffrey Gibbs, professor de Teologia Exegética no Seminário Con-córdia de Saint Louis, fez uma descoberta desconcertante com relação a isso. Conta ele, no artigo acima mencionado, que, num período de 12 anos em St. Louis, ele participou de vários funerais de cristãos “comuns” e de líderes sinodais mais conhecidos. E, raramente, ele ouviu uma referência às boas novas da ressurreição física nas alocuções fúnebres. Felizmente, diz ele, a liturgia sempre oferece esse consolo mas, por que, com o corpo ali presente, só se ouve que a alma do crente partiu para estar com Cris-to? Claro que isso também é confortador e bíblico. Mas, continua Gibbs, a Bíblia também diz que nossos corpos são importantes para Deus. (A criação é importante para Deus).

Rm 8. 22-23 diz: “Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.” E, v. 11: “Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita” (ver tb. 1 Pe 1.3-5).

No credo confessamos: Creio na ressurreição da carne. Mas, por que esquecemos isso na hora dum funeral? Seria por causa de uma visão neoplatônica? (cf. Paulo em Atenas). Mas, não somos um corpo corrupto existindo numa alma pura. A razão do esquecimento talvez seja, diz Gi-bbs, que as boas novas da Páscoa e do Último Dia não estão no centro da atenção no resto do tempo.

Para os tessalonicenses preocupados com seus entes queridos que haviam falecido antes do retorno de Cristo, Paulo não diz: “Não se preo-cupem, suas almas estão com Cristo no céu.” Mas ele diz: “os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro ... Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras” (1 Ts 4.16, 18). Este mesmo consolo pode ser nosso e também podemos consolar outras pessoas, que temem a morte, com a esperança da Páscoa e a promessa da ressurreição do corpo.

Na última parte de seu artigo, Gibbs acentua: A Páscoa é nosso futuro.

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Cristo, as primícias, já ressuscitou dos mortos. No tempo determinado por Deus virá o restante da colheita. Todos os que já morreram em Cristo e a última geração que ainda estiver vivendo na terra será parte desta colheita final. Pela fé já iniciamos nossa nova vida em Cristo. Isso envolve também nosso corpo. Podemos honrar a Deus com as escolhas que fazemos com nosso corpo (1 Co 6. 13b-15a). Mas, o mais importante é a esperança certa que podemos ter de que um dia nosso corpo vai ressuscitar e viver com Cristo no mundo que há de vir.

4. SUGESTãO DE TEMA E PARTES

Tema: Cristo, as primícias da ressurreição1. O significado da ressurreição de Cristo2. O conforto e a esperança que resultam dessa sua ressurreição.

Paulo W. BussSão Leopoldo/RS

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1. LEITURAS bÍbLICAS DO DIA

Sl 148: Hino de louvor que convida todos os seres do céu e da terra a cantar glórias ao Deus de Israel.

At 5.12-20(21-32): O crescimento da Igreja Cristã; a perseguição e prisão dos apóstolos; a coragem dos apóstolos para testemunhar a morte e ressurreição de Cristo.

Ap 1.4-18: João obedece a ordem do todo-poderoso Deus e, então, escreve a visão do Cristo glorificado e envia às igrejas de sete cidades da província romana da Ásia.

Jo 20.19-31: De forma milagrosa, Jesus entra no local em que os dis-cípulos estavam reunidos de portas trancadas e lhes deseja paz e também lhes concede o Espírito Santo. Jesus também prova a Tomé que, de fato, está vivo. É afirmado que alguns milagres de Jesus foram registrados neste Evangelho para que creiamos que Ele é o Messias, o Filho de Deus.

Relação entre as leituras e o período litúrgico: O poder de Deus e a obra de salvação (morte e ressurreição) de Cristo causam louvor, adoração e honra dirigidos ao único e verdadeiro Deus. Não é possível ficar calado frente à história da salvação.

2. TÍTULOS

Almeida Revista e Atualizada: Os apóstolos fazem muitos milagres (At 5.12-16). A prisão dos apóstolos (At 5.17-32). Nova Tradução na Linguagem de Hoje: Milagres e maravilhas (At 5.12-16). Os apóstolos são perseguidos (At 5.17-42). Concordia Self-Study bible – NVI: The Apostles Heal Many (At 5.12-16). The Apostles Persecuted (At 5.17-42).

3. CONTEXTO

O livro de Atos narra o começo da Igreja Cristã (At 1.1-2.42). A leitu-ra bíblica de At 5.12-32 é apresentada no contexto em que o evangelho é anunciado em Jerusalém (At 2.43-8.3). Após a mentira de Ananias e Safira e a consequente morte deles (At 5.1-11) e o, então, crescimento espantoso da Igreja, ocorre a segunda prisão e o segundo julgamento dos apóstolos (At 5.12-32). Observação: Jesus também teve dois julga-

SEGuNDO DOMINGO DE PÁSCOA

11 de abril de 2010

Atos 5.12-32

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mentos perante aquele grupo de juízes. O Sinédrio (Conselho Superior) já estava aborrecido com os apóstolos Pedro e João, porque falavam ao povo do Jesus ressuscitado como prova da ressurreição dos mortos (At 4.2). Foram presos por causa disso e ameaçados para que não ensinassem mais nada sobre Jesus. Naquela ocasião eles responderam: “... pois nós não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.20). Foram ainda mais ameaçados, mas acabaram soltos, pois não tinham como condená-los (At 4.1-22). Os apóstolos continuaram a ser perse-guidos além de continuarem a receber sérias advertências do Sinédrio para não falarem mais a respeito de Jesus (At 5.17-32), mas Pedro e os outros apóstolos responderam: “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29). Não fosse o medo do povo e a influência pacífica de Gamaliel, teriam apedrejado os apóstolos. Gamaliel era o mais famoso rabino daquele tempo, era fariseu. A hostilidade entre fariseus e saduceus era considerável. Sacerdotes e saduceus faziam a maioria do Conselho e detestavam a idéia da ressurreição dos mortos. Gamaliel, embora não fosse cristão, parecia simpatizar com os cristãos contra os saduceus. Os apóstolos, apesar de serem açoitados, continuavam a proclamar Jesus e regozijavam-se por sofrerem pela causa de Cristo (At 5.33-42). Ob-servação: O Sinédrio era o mais alto tribunal religioso dos judeus, do qual faziam parte os sumos sacerdotes (o atual e os anteriores), chefes religiosos (anciãos) e professores da Lei. Tinha 71 membros, incluindo o presidente (Jo 11.47).

4. DOUTRINA RELACIONADA

O texto bíblico de At 5.12-32 está relacionado com 4º Mandamento, especialmente o versículo 29 (“Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens.”). O Catecismo Menor de Schwan cita At 5.29, após as perguntas 48 e 49. “Que nos ordena, ao contrário, o Quarto Mandamento? Devemos honrar, servir, obedecer e amar os nossos pais e superiores e querer-lhes bem. Quando sucede isto? Veneramos nossos pais e superiores quando do íntimo os tomamos por representantes de Deus, fazendo-lhes também voluntariamente o que podemos, obedecendo-lhes em todas aquelas cou-sas em que Deus os constituiu nossos superiores e estimando-os como preciosos dons de Deus.” A Confissão de Augsburgo cita At 5.29 no Artigo 16 (Da Ordem Política e do Governo Civil): “... os cristãos têm o dever de estar sujeitos à autoridade e de lhe obedecer aos mandamentos e leis em tudo o que não envolva pecado. Porque se não é possível obedecer à ordem da autoridade sem pecar, mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (Atos 5). E num estudo do artigo, tratando sobre a “Obediência Condicional”, Horst Kuchenbecker escreve: “Nossa obediência ao governo

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SegundO dOMIngO de PáSCOa

não é absoluta. Se o governo nos ordena fazer algo contra a lei de Deus ou contra nossa fé, cabe-nos responder com Pedro: ‘Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens.’ (At 5.29), mesmo se isto nos levar à prisão, sofrimentos ou à morte.

5. COMENTÁRIOS E REFLEXõES

V.12: Todos os apóstolos estavam ensinando no Pórtico de Salomão quando os oficiais do Sinédrio os surpreenderam e prenderam a todos eles.

Vv.12-18: Era como uma repetição do ministério de Jesus na Galiléia, tantas eram as pessoas curadas pelos apóstolos. Não é de se admirar que as autoridades judaicas tenham ficado com inveja.

Vv.13-14: A falta de coragem para se aproximarem do grupo de segui-dores de Jesus, mesmo com o terrível medo da perseguição aos cristãos, não impediu o crescimento da Igreja Cristã.

V.15: “Sua sombra”: Acreditava-se que a sombra da pessoa tinha poderes mágicos.

Vv.19-21: um “anjo do Senhor” foi o agente especial de Deus para abrir as portas da prisão e comissionar os apóstolos novamente a testemunhar a salvação. Assim, o caráter milagroso desta façanha ficou impresso sobre o Sinédrio. O fato de serem logo soltos da prisão bem como a ordem do anjo do Senhor ajudaram a convencer os apóstolos da sua missão.

Vv.21-32: Nem as ameaças, nem a prisão, nem os açoites conseguem fazer frente ao poder de Deus. O poder de Deus ultrapassa os limites hu-manos (os apóstolos foram soltos por Deus). Mesmo diante de ameaças, os apóstolos não ficaram quietos. Não existe poder humano que interrompa a propagação do evangelho.

V.28: Os apóstolos haviam declarado publicamente que o Sinédrio era responsável pela morte de Jesus, e agora eles temiam represálias.

Vv.29-32: A defesa de Pedro ante o Sinédrio é novamente um teste-munho dos apóstolos a respeito da morte e ressurreição de Cristo.

V.31: “Destra / Direita”: Não é uma referência ao lado direito, literal-mente, mas é um sinal de poder e glória dados a Cristo.

Contrastes entre Deus e o ser humano: Deus comissionou os após-tolos para serem mensageiros do evangelho, levando o arrependimento e o perdão dos pecados – os homens estão obrigando os apóstolos a não falar mais ou ensinar o nome de Jesus (vv.17-21, 28; Mt 28.18-20; Mc 16.15); obedecer a Deus – desobedecer aos homens (v.29); Deus ressuscitou a Jesus – os homens mataram Jesus num madeiro (v.30; Dt 21.23).

Observações: a) O poder (dado por Deus) e popularidade admiráveis dos apóstolos (v.12-16). b) Semelhança entre os milagres e as maravi-

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lhas que os apóstolos estavam realizando (vv.12-16) e os dias de Jesus na Galiléia (Lc 4.14-9.50). c) Inabalável ousadia de Pedro em desafiar as autoridades (At 4.8-14; 5.29-32), o mesmo Pedro que, poucas semanas antes, negou a Jesus de forma covarde (Lc 22.54-65).

Passagens paralelas:At 5.12-32 – v.12: Jo 4.48; At 2.43; 4.32; Jo 10.23; At 3.11. v.13:

At 2.47; 4.21. v.14: At 2.41. v.15: At 19.12. v.16: Mt 8.16; Mc 16.17. v.17: At 15.5; 4.1. v.18: At 4.3. v.19: Gn 16.7; Êx 3.2; Mt 1.20; 2.13, 19; 28.2; Lc 1.11; 2.9; Jo 20.12; At 8.26; 10.3; 12.7, 23; 27.23; 16.26; Sl 34.7. v.20: Jo 6.63, 68. v.21: At 4.5-6; 5.27, 34, 41; Mt 5.22. v.22: At 12.18-19. v.24: At 4.1. v.26: At 4.21. v.27: Mt 5.22. v.28: At 4.18; Mt 23.35; 27.25; At 2.23, 36; 3.14-15; 7.52. v.29: Êx 1.17; At 4.19. v.30: At 3.13; 2.24; 10.39; 13.29; Gl 3.13. v.31: Mc 16.19; Lc 2.11; Mt 1.21; Mc 1.4; Lc 24.47; At 2.38; 3.19; 10.43. v.32: Lc 24.48; Jo 15.26.

6. SUGESTãO DE USO HOMILÉTICO

Assunto: O poder e a autoridade de Deus. Objetivo: a) Fé: Confiar no poder de Deus, pois sempre nos concede

forças para enfrentarmos qualquer situação, inclusive nos ajuda a superar as dificuldades para a propagação do evangelho. b) Vida: Na certeza da proteção e ajuda de Deus, testemunhar a salvação destemidamente, sa-bendo que a palavra que anunciamos tem autoridade, pois é de Deus.

Tema: Deus faz a sua Igreja crescer. a) Motivando seus seguidores a anunciar as maravilhas da salvação. b) Concedendo o seu poder e a sua autoridade através de sua palavra.

Conclusão: O amor de Deus supera qualquer barreira para que o mundo conheça o evangelho.

7. bIbLIOGRAFIA UTILIZADA

Catecismo Menor de Schwan – Editora Concórdia. p.48-50; Confissão da Esperança – Exposição Histórica e Doutrinária da Confissão de Augsburgo. p.109-113; Manual Bíblico – Edições Vida Nova; Manual Bíblico SBB – SBB; Comentários Bíblicos – Editora Concórdia; Bíblia de Estudo NTLH – SBB; Bíblia de Estudo Almeida – SBB; Dicionário da Bíblia de Almeida – Bíblia Online; Notas Introdutórias NTLH – Bíblia Online; Concordia Self-Study Bible – NIV – CPH.

Ezequiel BlumNovo Hamburgo/RS

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1. CONTEXTO

O apóstolo João relata nos capítulos 4 e 5 a adoração cheia de glória no templo celestial. Da “Epifania do Pai” (Ap 4 – capítulo do Pai – Criação) passa-se para o possível relato da Ascensão, vista de cima (Ap 5 – capítulo do Filho – Redenção). João vê Cristo recebendo um livro selado com sete selos (5.1-7), no qual contém o futuro. Enquanto Jesus se prepara para abrir o livro, toda a criação começa a cantar porque o Pai salvou o mundo do pecado através do Filho (5.8-10).

Enquanto o futuro é descrito por seis visões do fim do mundo, a visão celestial da corte de Deus reaparece várias vezes (7.9-17; 14.1-5; 15.2-8; 19.1-10). A visão da corte de Deus sustenta a promessa do descanso eterno aos filhos redimidos de Deus, que estão seguros na mão de Deus.

2. TEXTO

V. 1: Deus segura o livro que simboliza o seu plano de salvar a huma-nidade. Como o livro está todo escrito, por dentro e por fora, isso mostra que a salvação está completa, não há nada para acrescentar.

Vv. 2-4: O anjo proclama uma dura lei: quem é digno, equivalente, está à altura para abrir o livro? Ninguém! Em todo o universo não havia ninguém que pudesse abrir o livro. João começa a chorar de tristeza e desespero por isso.

V. 5: O único digno e qualificado é Cristo, por causa da sua morte sa-crificial e gloriosa ressurreição, para revelar e cumprir o plano da salvação de Deus. Os títulos messiânicos que aparecem no texto (Gn 49.8-12) comprovam a humanidade de Cristo e sua descendência real de Davi. Assim João não precisava continuar chorando. O livro fechado e selado tem solução, apresentou-se o Cordeiro, o único em todo o universo que é digno de abrir o livro.

V. 6: O trecho “como tendo sido morto” não enfatiza a morte de Jesus em sacrifício no passado, mas o efeito dela para o presente: a salvação.

V. 7: A morte do Cordeiro o fez Vencedor para sempre. O único digno de tomar e abrir o livro está pronto para julgar o futuro dos seres huma-nos. Ele tomou o livro da mão direita do Pai.

TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

18 de abril de 2010

Apocalipse 5.1-7

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3. SUGESTãO DE USO HOMILÉTICO

Os comentários a seguir foram retirados da revista Boas Novas, Apo-calipse (nº. 12), p. 20-21.

Quando um médico fala para um paciente que ele tem uma doença mui-to séria, o paciente fica preocupado com o futuro. Mas o médico garante ao paciente que, mesmo que ele tenha que passar por um tratamento longo, doloroso e desanimador, de acordo com as informações muito confiáveis de um livro de medicina especializado, tudo vai acabar bem no final.

Assim como um médico usa um livro de medicina para explicar ao seu paciente os estágios do seu tratamento, da mesma forma Cristo usa o livro com sete selos para nos avisar e consolar sobre “o que deve acontecer” antes que Ele volte. Mesmo em tempos difíceis nós podemos encarar cada novo dia com confiança porque, como Jesus explica em Apocalipse, vamos passar por momentos de tribulação até a sua volta, quando então seremos espiritualmente curados e totalmente restaurados por Deus.

Se estamos preocupados com o futuro, uma certeza podemos ter: depois que Jesus ressuscitou dentre os mortos, ascendeu ao céu, naquele momento Deus Pai colocou nas mãos de Jesus o segredo do futuro: o livro com os sete selos.

Esse livro mostra “o que deve acontecer” no futuro (Ap 4.1). À medida que Jesus abre cada um dos selos, revela como guerras, fome e morte continuarão a afligir a terra (Ap 6.1-8). Ele mostra que o povo de Deus irá enfrentar violenta perseguição (6.9-11) e que a terra vai começar a se destruir (6.12-17) – um diagnóstico aterrorizante!

Mas não há o que temer! Apocalipse 5 nos lembra que, como Cristo pagou o preço dos pecados ao morrer na cruz, Ele é digno de guiar o nosso futuro!

Assim como um médico preocupado, Jesus, através de Apocalipse, avisa que os cristãos irão passar por dias difíceis. Perante esses dias de angústia e incerteza, Jesus promete cuidar de cada filho redimido de Deus.

Embora Apocalipse profetize que o futuro irá trazer grande tribulação e desastres, nosso Médico celestial promete nos proteger e guardar. Assim como os anjos e santos descritos em Apocalipse 4 e 5, nós podemos louvar e glorificar a Cristo. O nosso futuro está em suas mãos!

Tema: O nosso futuro está nas mãos de Cristo.

Marcos Jair FesterScharlau – São Leopoldo/[email protected]

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1. O DOMINGO

Para muitos cristãos, este é o Domingo mais belo do ano da Igreja. É maravilhoso podermos ler o Salmo 23 com nosso povo atribulado, que vive os dias da grande perseguição! É confortador podermos ouvir dos lábios de Jesus que Ele é o Pastor de quem Davi fala poeticamente no Salmo 23!

Quem já conseguiu escrever alguma coisa mais simples e ao mesmo tempo mais profunda que o Salmo do pastor e rei Davi?

O Domingo do Bom Pastor está refrigerando tanto a Páscoa quanto o Pentecostes. Neste culto lembramos que o Bom Pastor morreu para salvar o rebanho e no terceiro dia venceu a morte e é vitorioso sobre ela para sempre. Olhando para frente, para o Pentecostes, pode-se lembrar aos ouvintes que o Bom Pastor, que está vivo, alimenta a Igreja, com tudo o que ela precisa para ir se juntando à grande multidão que já é alimentada pelo Cordeiro e Pastor no céu.

2. CONTEXTO

Para muitos, o que mais importa no livro de Apocalipse são os mistérios. Investem horas, noites e madrugadas preocupados (e ocupados) com a besta, com os monstros e outras coisas que o livro apresenta e que são importantes, mesmo que não sejam as mais importantes. Ao invés dos mistérios, eu prefiro aquilo que é muito claro, as revelações.

Para mim, o mais importante é aquilo que tenho como o centro teológico do Livro: os capítulos 5-8. Tudo bem que tem o Diabo. Mas tem o Cordeiro! Tudo bem que o Diabo tem poder. Mas o Cordeiro tem todo o poder! Tudo bem que tem as aflições, as perseguições e as tribulações. Mas o Cordeiro está conosco e um dia estaremos com a “grande multidão” e cantaremos com “uma forte voz” ao Cordeiro e ao que está sentado no trono.

No capítulo 5 estão o livro e o Cordeiro. O abrir dos seis selos forma o capítulo 6. O capítulo 7 começa com a informação que é dada a João sobre o número de pessoas que formam a grande multidão: cento e quarenta e quatro mil; isso em linguagem apocalíptica, simbólica, como quase tudo no Livro. E aí começa a perícope em foco.

quARTO DOMINGO DE PÁSCOA -DOMINGO DO BOM PASTOR

25 de abril de 2010

Apocalipse 7.9-17

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João está vendo e ouvindo o céu; está diante Daquele que está sentado no trono e diante do Cordeiro.

3. TEXTO

- A multidão. Nos versículos anteriores, João ouve quantos são. Aqui ele vê quantos são e afirma: “... vi uma multidão tão grande que ninguém podia contar.” Se ninguém podia contar, então não podem ser só 144 mil, claro. João vê toda a Igreja reunida.

Sobre a multidão, Lenski faz três destaques que julgo importantes:1. Esta multidão aqui não pode ser contada por ninguém, ao passo que

os 144 mil podem ser contados; 2. Os 144 mil foram marcados (selados) e sobre isso nada é dito dessa multidão aqui; 3. Os 144 mil estão na terra enquanto que os incontáveis estão no céu.

“144 mil é um número simbólico e aqui é interpretado como sendo um número tão grande que nenhum ser humano tem a habilidade para fazer a conta desse número literal que está simbolizado por 144 mil. A marca é feita quando cada um ainda está na terra; e esta é a razão porque todos estão agora no céu” (LENSKI, p. 257).

- Todas as nações, povos, tribos e línguas. Aparecem assim e nessa ordem aqui e em 5.9; 11.9; 13.7; 14.6. Parece evocar a ordem de Jesus em Mt 28.19.

- De pé diante do trono e do Cordeiro. Assim escreve o Dr. Rottmann: “Ninguém na terra é capaz de ficar de pé face a face com Deus. A Igreja que lá está reunida diante do trono e do Cordeiro, porém, não precisa ter medo; os eleitos no céu vivem em glória face a face com Deus.” E assim estamos também no culto aqui na terra; embora ainda com as dores da aflição e da tribulação, estamos de pé, diante do trono e do Cordeiro, unicamente por meio da fé.

- Vestidos de roupas brancas. Para o Dr. Rottmann, roupas brancas são um símbolo de santidade e de justiça. Para ele as palmas que eles tinham nas mãos são símbolo de salvação; ele nos lembra da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, quando as pessoas O receberam com palmas nas mãos. Podem significar ainda mais. Podem ser também um símbolo de vitória. No céu está a festa da Vitória. Vitória final.

- Do nosso Deus e do Cordeiro vem a nossa salvação. Monergismo puro, que é reforçado mais adiante (7.12), quando homens e anjos can-tam com uma forte voz. Vale a pena uma olhadinha nos Salmos; sugiro 40.1-3 e 119.166. Também lembrar de Hebreus 12.2, conforme ARA e de Isaías 43.11.

- A grande voz do coro celeste. Contrasta bastante com as nossas can-torias em nossas comunidades, mesmo quando cantamos bem afinadinho.

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QuartO dOMIngO de PáSCOa - dOMIngO dO bOM PaStOr

Quero exclamar com o Dr. Rottmann: “Que Deus, por sua infinita graça, me permita também cantar neste coro!”. O que a Igreja faz de forma im-perfeita aqui ela fará no céu, de forma magnificamente perfeita.

- A grande perseguição. Para Rottmann, trata-se da soma de todas as tribulações pelas quais os fiéis têm de passar antes de entrar, no fim de sua vida, no grande e eterno gozo da glória no céu, pois “através de muitas tribulações importa entrar no reino de Deus.” (Atos 14.22).

- São os que lavaram suas roupas no sangue do Cordeiro. O ancião não diz nada sobre méritos humanos, pessoais ou eclesiais. Ele não aponta para a uma suposta consagração ou dedicação no serviço a Deus. Não há espaço para as nossas justiças (Is 64.6). Ele não diz nada sobre qualquer coisa além do lavar as roupas sujas do pecado no sangue do Cordeiro. É o lavar por meio da fé. Todo aquele que lavar suas roupas sujas de pecados no sangue do Cordeiro as terá verdadeiramente brancas como a neve. Somos santos porque nos lavamos no sangue de Jesus (Lv 19.2). É a fé que nos faz ficar de pé na presença de Deus, mas não é por causa da fé. “... É por isso que essas pessoas estão de pé diante do trono de Deus...” (1Jo 1.7; Jo 1.36).

- O Cordeiro será o pastor dessas pessoas. Assim chegamos ao enfoque doce do Domingo do Bom Pastor. Aparece aqui a linguagem do Salmo 23 e também de Ezequiel 34-11-31. O autor aos Hebreus também escreve: “Deus ressuscitou Jesus Cristo, que, por causa de sua morte e ressurrei-ção, é o Grande Pastor do rebanho...” (Hb 13.20). O profeta Isaías tem a mesma linguagem (40.11).

O Cordeiro, que é o Supremo e Bom Pastor, nos dará simplesmente isto: vida. Pois como Ele mesmo disse, Ele é a vida (Jo 14.6). E vida é o que o Pastor mais quer para as suas ovelhas! E Jesus se alegra muito por nos “guiar às fontes das águas da vida!”.

Nestor DuemesEsteio/RS

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quINTO DOMINGO DE PÁSCOA

25 de abril de 2010

Salmo 148; Atos 11.1-8; Apocalipse 21.1-7; João 16.12-22

1. TEXTOS DO DIA

a) Salmo 148: O Sl 148 é um coro de aleluias. Nele, o salmista con-vida todas as criaturas para louvar ao seu criador. Começa no céu, com os anjos, os corpos celestes, passa pelos elementos da natureza e termi-na na terra habitada pelos seres humanos, rapazes, donzelas, velhos e crianças. Todos são convidados a louvar ao SENHOR porque o seu nome é excelso, a sua majestade está acima dos céus, ele exalta o poder do seu povo que lhe é chegado.

b) Atos 11.1-8: Os apóstolos do Senhor Jesus Cristo souberam que Pedro esteve na casa de Cornélio e que eles tinham recebido a palavra de Deus. Quando Pedro chegou em Jerusalém, foi questionado por ter entrado na casa de gentios, ao que Pedro respondeu que tivera uma visão, na qual Deus lhe mostrou uma série de animais, considerados imundos para os judeus, ordenando que os comesse. Pedro não o quis, ao que Deus lhe disse: “Ao que Deus purificou, não consideres comum”.

c) Apocalipse 21.1-7: O texto em foco começa a descrição da nova Jerusalém. É a parte final do livro, que começou com a mensagem de Deus às sete Igrejas da Ásia (1-3), os sete selos (4-8), as sete trombetas (8-11), os sinais simbólicos (12-14), os sete flagelos (15-1), as visões do juízo (17-20). Nele, o apóstolo João diz que viu novo céu e nova terra. Ele viu também Jerusalém, a cidade santa, que descia da parte de Deus, adornada como noiva. Ele ouviu a voz de Deus, que disse: Eis o taberná-culo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povo de Deus. Deus lhes enxugará dos olhos toda a lágrima, e a morte já não existirá, nem luto, nem pranto, nem dor. Deus disse: eis que faço novas todas as coisas. Conclui, dizendo: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida. O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho”.

d) João 16.12-22: Esse texto é parte do discurso de despedida de Jesus, quando ele falava da missão do Consolador. Ele diz que o Espíri-to Santo, que ele enviará, guiará seus discípulos a toda a verdade, e a principal delas é que Jesus iria realizar tudo o que seria necessário para a salvação da humanidade, na sua morte e ressurreição, e que, depois, voltaria para o céu. Isso, a princípio, deixou os discípulos tristes; mas Jesus lhes garantiu que a alegria iria tomar conta dos seus corações.

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2. O TEXTO E SUA EXPOSIçãO

V.1: “Vi novo céu e nova terra” – João vê o cumprimento de todas as profecias que dizem respeito à glória do fim, Is 65. 17; 66. 22; 2 Pe 3. 12, 13. Os cristãos herdam o reino que lhes foi preparado desde a fundação do mundo, Mt 25. 34. São chamados novo céu e nova terra, porque são completamente diferentes deste mundo atual, manchado pelo pecado. Tudo quanto tem alguma ligação com pecado será completamente afastado. Por isso, também o mar, que sempre foi obstáculo para o povo de Israel e do qual saiu o dragão, não mais existirá.

V.2: “A Cidade Santa, a Nova Jerusalém” – João viu a cidade santa, Nova Jerusalém, descendo do céu, da parte de Deus, toda adornada como uma noiva enfeitada para o seu noivo (Ef 5.25-27,32). Agora é o momento máximo: Cristo, o noivo, que comprou a sua noiva com o preço do seu sangue derramado na cruz, que a adornou com os dons da graça e da misericórdia, derramados pelo seu Espírito nos meios da graça, agora une-se definitiva e intensamente com a sua noiva, a Igreja.

V. 3: “Eis o tabernáculo” – Ouve-se uma voz que anuncia: Eis o ta-bernáculo de Deus com os homens. Essas palavras lembram a história do povo de Israel que, peregrinando pelo deserto, desfrutou da presença de Deus que, no seu tabernáculo, esteve com ele. Esse foi um tipo que apontava para frente, para Cristo, que veio “tabernacular” (João 1.14) com o mundo. Agora, esse tipo aponta para a eternidade, para a bendita perfeição no céu. Lá Deus habitará conosco. Ele será o nosso Deus e nós seremos seu povo, pois fomos comprados com o sangue do Cordeiro.

V. 4: Todas as lágrimas que derramamos aqui, por causa das triste-zas, angústias, pecados, sofrimentos, serão enxugadas dos nossos olhos. Não haverá mais qualquer ocasião para choro, não haverá mais morte, nenhuma tristeza, nenhum lamento, nenhuma dor. Todas as coisas foram características deste mundo, todas elas passaram quando o último dia nos trouxer a consumação de nossa salvação.

V. 5: As palavras aqui descritas têm o selo do próprio Deus: elas são fiéis e verdadeiras. Nossa fé e nossa esperança não se baseiam sobre nossas próprias opiniões e ideias, mas sobre a infalível palavra de Deus, que permanecerá quando céu e terra passarão.

V. 6: Lá na cruz Jesus exclamou: “Está consumado” (Jo 19.30) e, agora, com o selo da eternidade do Deus que é o Alfa e o Omega, o princípio e o fim, agora o Pai afirma: Feito está! A espera chegou ao fim. A salvação é unicamente obra de Deus, e cada pessoa no vasto mundo que tem sede desta salvação, que tem desejo da misericórdia de Deus em Cristo Jesus, pode ter, sem dinheiro e sem preço, a maravilhosa água da vida – Is. 55. 1,2; Jo 7.37,38 .

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V. 7: O vencedor – Em 1 Jo 5.4, o apóstolo João diz: “Esta é a vitória que venceu o mundo, a nossa fé”. Essa vitória não é produto do esforço e obra humana; mas é dádiva de Jesus, pelo evangelho. Ele venceu todas as coisas. Quem está nele é vencedor de tudo e sobre tudo. O Vencedor sempre tem uma coroa, uma medalha, um prêmio. O prêmio é “essas coisas”, ou seja, a bem-aventurança descrita nos versículos anteriores e a graça de chamar Deus de seu Deus, e de ter sido feito seu filho desde o batismo.

3. PERSUASãO

a) Pensamento central: João descreve o novo céu e a nova terra.b) Objetivo de fé: que meus ouvintes confiem que Deus cumprirá as

promessas fiéis e verdadeiras que fez: levar para o céu todo aquele que crê em Jesus e fazer desfrutar de todas as coisas maravilhosas do novo céu e nova terra.

c) Lei: no mundo onde reina a tristeza, por causa do pecado e suas consequências, somos tentados a não confiar nas promessas de Deus, especialmente de reconciliar-se conosco através de Jesus, de perdoar nos-sos pecados. Somos tentados a viver para o aqui e agora, a desprezar as promessas de Deus, a não ter a perspectiva de uma vida eterna feliz com Deus. Preferimos as lágrimas daqui a confiar nas promessas de alegria da vida eterna. Preferimos as vitórias insignificantes e pecaminosas da vida daqui à esperança da vitória perene da vida eterna. Isso tem reflexos na nossa vida: não consideramos a palavra de Deus santa, não a gostamos de ouvir e estudar; não buscamos em primeiro lugar o reino de Deus; não os envolvemos no serviço da igreja aqui; não testemunhamos nossa fé ao mundo. Quem perde a perspectiva da vida eterna, perde todo o ânimo para seguir e servir a Jesus aqui.

d) Evangelho: a visão do novo céu e nova terra invade a realidade de lágrimas, tristezas e sofrimentos da nossa vida. Eleva a nossa fronte para o céu, onde estão as promessas maravilhosas que ainda aguardamos. O texto bíblico aponta para a obra redentora de Jesus, que morreu e ressus-citou para nos reconciliar com Deus e nos dar a garantia da vida eterna. Essa certeza e garantia não vem sem meios; o Espírito Santo as traz a nós pelos meios da graça, pelas palavras e promessas fiéis e verdadeiras, que nos alcançaram no batismo, nos alimenta e nutre na palavra, certifica-nos pessoalmente do perdão e nos leva para o céu (água da vida, v.6; Is 55); lá todas as nossas lágrimas serão enxugadas, todos os sofrimentos e an-gústias não existirão mais. Mas, estamos aqui, por enquanto – aqui, onde Deus nos nutre com palavra e sacramentos e nos envolve no seu reino, no testemunho da ressurreição e da vida que só existem em Jesus.

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4. ESbOçO

Tema: Deus faz tudo novoIntrodução: Você pode imaginar a alegria de quem morou a vida intei-

ra numa casa bem velha, cheia de infiltrações, com muitas rachaduras, sem nenhum conforto e segurança, e agora ganha uma casa novinha, bonita, com boa estrutura e conforto. Morar numa casa boa e nova é o sonho de todos! O texto de hoje fala da nossa nova morada, que Deus preparou para todos os que crêem em Jesus. Ele criou o novo céu e a nova terra.

Parte 1 – Cria o novo céu e a nova terra1.1 – O primeiro céu e a primeira terra com suas dificuldades irão

passar (v. 12; 2 Pe 3.10)1.2 – No novo céu e nova terra, estaremos para sempre com o Se-

nhorTransição: Vai ser maravilhoso morar nessa “casa nova”Parte 2 – Nos faz desfrutar de todas as coisas que existem ali2.1 – Deus enxugará dos nossos olhos toda a lágrima: morte, luto,

pranto não existirão mais2.2 – Deus antecipa essas bênçãos aqui. Na Palavra e sacramentos,

nos perdoa, anima, consola e motivaConclusão: Vamos para a “casa nova”.Hino do Sermão: 529.

Silvio F. da Silva FilhoVila Velha/ES

[email protected]

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SEXTO DOMINGO DE PÁSCOA

1. CENÁRIO LITúRGICO

Salmo 67: Este é um cântico de ação de graças pela misericórdia de Deus a favor do seu povo. Israel é lembrado de ser agradecido ao Senhor e, assim, olhar para além das limitações humanas. Os versos iniciais são uma rememoração da Bênção Aaraônica (Nm 6.24-26).

Atos 16.9-15: Paulo, o apóstolo, tem uma visão na qual Deus o chama a anunciar o Evangelho na Macedônia. Lá chegando, pregam na cidade de Filipos. Lídia (uma comerciante) aceita a mensagem e é batizada, bem como a sua família.

Apocalipse 21.9-14,21-27: O texto faz referência à nova Jerusalém (a esposa do Cordeiro), na qual o povo de Deus fará morada eterna. João faz uma comparação para demonstrar o antagonismo entre Babilônia (a cidade prostituta, onde a besta habita) e Jerusalém (a cidade celestial, onde Deus habita).

João 5.1-9: A cura de um paralítico durante o Shabat demonstra que Jesus pode desobedecer à Lei de Moisés (proibição de trabalhar no Shabat) devido ao seu relacionamento com o Pai.

2. ESTUDO DO TEXTO bASE COM PARALELOS E PONTOS DE CONTATO: ATOS 16.9-15

V.9: o[rama – visão divinamente concedida durante um êxtase ou du-rante um sono – Deus utiliza-se de diversas formas para comunicar a sua palavra a outras pessoas. Ao oportunizar a visão a um mensageiro, Deus pretende que este, o mensageiro, comunique uma mensagem a alguém. Assim como, em nosso texto, fez com Paulo, já havia feito com Isaías (Is 1.1) e com Amoz (Am 1.1).

parakalw/n – rogar, solicitar, pedir de forma humilde e sem orgulho. O clamor por auxílio demonstra uma profunda necessidade daquele que está sedento pela palavra de Deus. O pedido por auxílio, dentro desta perspectiva, necessita de uma resposta sem demora, o que nos lembra Pv 3.27-28: “Não te furtes a fazer o bem a quem de direito, estando na tua mão o poder de fazê-lo. Não digas ao teu próximo: Vai e volta amanhã;

09 de maio de 2010

Salmo 67; Atos 16.9-15; Apocalipse 21.9-14,21-27; João 16.23-33 ou João 5.1-9

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então, to darei, se o tens agora contigo”. Dentro dessa pespectiva que o grupo de Paulo comprendeu a visão e sua mensagem.

V.10: O comprometimento para com a obra do Senhor passa pela prio-rização dada à resposta de seu chamamento. Nada deve impedir os servos de Deus na realização das tarefas a eles concedidas. O grupo, neste caso, consistia de Paulo, Silas, Timóteo e Lucas, todos interessados em conseguir imediatamente lugar em um barco que fosse rumo à Macedônia.

Todos os que estão envolvidos na tarefa de pregar o evangelho pre-cisam se encher da mesma ansiedade para assumir a obra. É preciso que os envolvidos percebam a urgência e a necessidade premente de trabalharem na seara do Senhor. Atitudes letárgicas que bloqueiam a ação não são bem-vindas, visto que atrapalham e destroem a unidade e o trabalho de equipe.

Vv.11 e 12: Nesta época, os portos do Mar Egeu contavam com um comércio florescente e de grande atividade. Não era difícil encontrar navios para viajar de um a outro porto. A rota indicada no versículo 11 mostra que Paulo e seus companheiros foram favorecidos por ventos bons e constantes, de sul para o leste, o que os levou sem demora à ilha de Samotrácia, localizada no extremo norte das ilhas gregas. Dali, seguiram em direção ao porto macedônico de Neápolis.

O texto nos relata que a viagem foi realizada de maneira excepcional, pois as condições atmosféricas, extremamente favoráveis, e a demora entre a chegada e a saída dos barcos, permitiu que o objetivo fosse al-cançado rapidamente.

Ao chegarem no porto de Neápolis, o grupo seguiu rumo à cidade de Filipos, colônia romana de importância histórica para o Império Romano, pois ali encontrava-se o leste e o oeste.

V.13: Paulo, o apóstolo, normalmente ia até a sinagoga para encontrar os judeus e os prosélitos que lá se reuniam. Como em Filipos a população judaica não contava com um número elevado de membros para mante-rem uma sinagoga, os judeus, ali, reuniam-se fora dos portões da cidade para orarem, por isso o lugar ficou conhecido como lugar de oração. As autoridades locais não permitiam que os judeus tivessem seus encontros dentro dos portões da cidade. Portanto, não havia um culto formal como acontecia nas sinagogas. Outro fator importante era o número expressivo de mulheres, muitas das quais estavam em posições sociais avantajadas. Entre estas havia ao menos uma que era prosélita: Lidia.

V.14: Como Lídia se havia tornado seguidora da fé judaica não se sabe ao certo, mas de onde ela provinha, Tiatira, onde havia uma comunidade. Provavelmente, ali ela aderira à fé judaica.

Apesar de a conversão de Lídia se atribuir ao fato de que o Senhor

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lhe abrira o coração, também é verdade que a resposta do grupo de mis-sionários em atender ao chamado do Senhor foi um importante meio de Deus anunciar a sua Palavra salvadora.

V.15: Ao batismo de Lídia seguiu-se o batismo de toda a sua casa e, também, a oferta de hospitalidade a Paulo e aos que com ele estavam. Rapidamente ela passou a praticar a sua fé e as boas obras seguiram-se à sua conversão. A hospitalidade é uma marca do cristão (Rm 12.13; 1 Tm 3.2; Hb 13.2; 1 Pe 4.9; 3 Jo 5-8), assim como compartilhar bens ma-teriais com aqueles que ensinam a palavra de Deus (Gl 6.6; 1 Co 9.14). A hospitalidade de Lídia é como uma prova da mudança de coração que a fé produz, agradando ao Senhor.

As pessoas, quando passam a fazer parte do povo de Deus, a Igreja Cristã, não podem deixar de falar das coisas que viram e ouviram nem de terem atitudes que comprovem a sua nova situação, agora salvos por Cristo.

3. SUGESTãO DE ESbOçO HOMILÉTICO

A sugestão é utilizar um dos hinos, 327 ou 330 (Hinário Luterano), construindo a ponte da exposição do texto e da sua aplicação à vida da comunidade, cantando uma estrofe entre as partes do sermão.

Exemplo: Estrofes 1 e 2

Tema da mensagem: Deus nos chama e capacita para a mis-são

I. A maneira que deus nos chama é particular, mas a missão é sempre universal: “Ide por todo o mundo...”

a) Paulo e o contexto do texto de Atos 16.9-15;b) o chamado é atendido com urgência; c) o chamado para servir não valoriza os problemas, mas as oportu-

nidades.Estrofe 3II. Em nossa vida, hoje, somos desafiados ao trabalho da missão de

Deusa) meditação – o estudo da palavra de Deus, que dá conhecimento e

autoridade para o cristão falar de sua fé;b) oração – a poderosa arma que o cristão tem para manter sua fé

“no bom combate da fé”;

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c) tentação – uma parte que deve ser lembrada, pois a vida cristã é fortalecida na tentação. Precisamos trabalhar em equipe a fim de nos fortalecermos mutuamente na palavra e nos sacramentos.

Estrofe 4.

Clóvis GedratSão Leopoldo/RS

[email protected]

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1. CONTEXTO LITúRGICO E DEMAIS LEITURAS

O escritor Philip Yancey, em seu livro “O Jesus Que Eu Nunca Conheci”1, relata que “se o Domingo de Páscoa foi o dia mais emocionante na vida dos discípulos, para Jesus foi talvez o Dia da Ascensão. Ele, o Criador, que descera tanto e desistira de tanto, estava agora voltando para casa. Como um soldado retornando de uma guerra longa e sangrenta através do oceano... Finalmente em casa.”

Jesus, ao retornar para a sua glória, para assentar-se à direita de Deus Pai, pode retornar feliz, com a certeza da missão cumprida. Essa certeza Jesus expressou antes de morrer, quando disse “Está consumado!” ( Jo 19.30). A obra que tinha que ser feita, para qual ele havia “se esvaziado”, para a qual ele abriu mão de poder e glória para estar entre os homens estava realizada. Como a leitura do Evangelho aponta, “importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24.44b).

A ascensão é o terceiro estágio do estado de exaltação de Jesus, des-crita no Credo Apostólico. O estado de exaltação tem início na descida de Jesus ao inferno, quando Ele vai até Satanás e seus anjos para mostrar que está vivo, que Ele venceu a morte (1 Pe 3.18-19). Essa notícia, tida por nós cristãos como uma boa notícia, como Evangelho, para o diabo e seus anjos soou como lei, como má notícia, pois nesse momento eles entenderam que estavam derrotados.

O segundo estágio da exaltação de Jesus foi a ressurreição dos mortos no terceiro dia. Dali em diante, durante 40 dias, Jesus aparece aos seus seguidores a fim de apresentar provas incontestáveis de que estava vivo, até o dia do seu retorno ao céu.

Como podemos ver, no estado de exaltação, terminou a humilhação. Jesus já triunfou, já é vencedor. O Salmo do dia expressa essa vitória: “Subiu Deus por entre aclamações”, ou como a NTLH nos esclarece: “Deus vai subindo para o seu trono. Enquanto ele sobe, há gritos de alegria e sons de trombeta” (Sl 47.5). A epístola do dia nos lembra que Jesus está “acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio... e pôs todas as coisas debaixo dos pés” (Ef 1.21-22).

1 YANCEY, Philip. O Jesus que eu nunca conheci. São Paulo: Vida, 2002, p.220.

ASCENSÃO DO SENHOR13 de maio de 2010

Salmo 47; Atos 1.1-11; Efésios 1.15-23; Lucas 24.44-53

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2. TEXTO: ATOS 1.1-11

Vv. 1-2: O “primeiro livro” (Evangelho de Lucas) destaca os ensina-mentos e acontecimentos da vida de Jesus até a sua subida ao céu. O segundo livro (Atos dos Apóstolos) relata os acontecimentos da ascensão em diante. A obra iniciada pelo Jesus encarnado agora prossegue através do testemunho da Sua nova encarnação: a Igreja.

Vv.3-4: “apresentou-se vivo” – o fato de Jesus apresentar-se vivo aos discípulos nesse interlúdio entre a Páscoa e a Ascensão é a grande diferença na vida dos discípulos, é nessa certeza que a Igreja se estabe-lece. “Com muitas provas incontestáveis” – Jesus procurou tirar todas as dúvidas dos discípulos. Permitiu que o apalpassem, que com suas próprias mãos percebessem que Ele não era um fantasma, mas que estava entre eles em carne e osso, além de ter participado de refeições junto com eles (Jo 24.39-43). A promessa do Pai a que Jesus se refere se cumpre com a descida do Espírito Santo sobre os discípulos dez dias depois (At 2.33).

V. 5: É importante destacar que baptisqh,sesqe (sereis batizados) está na voz passiva2. O batismo no Espírito Santo não é resultado de esforços de quem o recebe. Além disso, não é algo a ser buscado pelos discípu-los, mas é uma promessa do Pai. A condição para receber o batismo no Espírito Santo também não é psicológica. O único pedido de Jesus é que os discípulos permaneçam em Jerusalém, pois a promessa se cumprirá “não muito depois destes dias”. A obra do Espírito Santo não é diferente e separada da obra de Jesus. Jesus é o próprio sujeito da obra do Espírito Santo.

V. 6: Apesar de diversas vezes Jesus ter ensinado que o seu reino não seria um reino terreno e sim um reino espiritual (Lc 17.20-21), ain-da estava enraizada na mente dos discípulos a ideia de que Jesus faria a nação de Israel independente e poderosa, como no tempo do rei Davi. Johannes Rottmann3 escreve que, ao meditar sobre esta passagem, imagina-se diante de um estudante de teologia na última semana antes da sua formatura, pronto a receber o chamado fazendo a pergunta: – “E este Jesus Cristo – seu reino – sua obra – que significam?” Os discípulos tinham estado três anos com Jesus, mas o seu entendimento sobre o Reino de Deus ainda estava obscuro.

Vv.7-8: Se diante da pergunta dos discípulos, Jesus, como professor de teologia, tivesse todos os motivos para sentir-se frustrado, Ele demons-tra uma grande paciência “ajeitando” a pergunta feita pelos discípulos e afirmando que não cabia a eles saber o tempo exato do estabelecimento

2 BRuNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo: a experiência pentecostal e o testemunho do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1989, 2ª ed., p.127.3 ROTTMANN, Johannes H. Atos dos Apóstolos. v.1. Porto Alegre: Concórdia, 1997, 2ª ed., p.22.

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do Seu Reino. Jesus promete aos discípulos que o Reino virá por meio da descida do Espírito Santo, o qual dará a eles poder para testemunhar. O Reino não virá apenas para Israel, mas para todo o mundo e eles serão testemunhas nos lugares mais distantes da terra.

Vv.9-10: Chama a atenção que um evento tão extraordinário como a subida de Jesus ao céu é descrito de forma tão breve. Parece que Jesus sobe de repente, sem que os discípulos estivessem esperando por isso. A reação dos discípulos é como de crianças que se perderam dos pais. O céu já estava limpo e vazio, mas eles continuavam parados e olhando para o céu, sem saber para onde ir e o que fazer.

V.11: Este mesmo Jesus que subiu voltará da mesma forma. O mesmo Jesus que desceu ao inferno, ressuscitou dos mortos voltará de forma corpórea e visível, assim como subiu aos céus. Jesus subiu com a sua missão cumprida, com a vitória sobre os inimigos assegurada, com a paz selada entre Deus e o ser humano. Mas ainda há um capítulo final a ser concluído para o restabelecimento total do Reino de Deus: Jesus voltará para compartilhar o banquete messiânico com seus seguidores (Mc 14.25). E este dia é aguardado com ansiedade, pois também subiremos para onde Jesus já está, para os lugares que Ele nos preparou e estaremos eterna-mente na Sua presença gloriosa.

3. SUGESTãO DE USO HOMILÉTICO

Tema: Jesus voltou para casa- Voltou para casa depois de:a) Descer humilde e encarnado para fazer a vontade do Pai.- A vontade do Pai consistia em que Jesus restabelecesse o Seu Reino,

entregando o seu corpo como sacrifício concedendo-nos, assim, a absolvi-ção dos pecados e nos livrando do poder do diabo, do mundo e da nossa própria carne. Jesus desistiu e abriu mão de poder e glória para nos dar a salvação gratuitamente.

b) Consumar o plano de salvação.- A missão de Jesus na terra foi bem sucedida. Ele consumou (comple-

tou) a Sua obra de salvação entregando-se na cruz, descendo ao inferno, ressuscitando dos mortos, subindo aos céus “por entre aclamações”, sentando-se à direita de Deus Pai e colocando todas as coisas debaixo do Seu domínio.

c) Aparecer aos discípulos, dando-lhes provas incontestáveis de que havia ressuscitado e fazendo deles, a partir da descida do Espírito Santo, testemunhas do Reino; não apenas para Israel, mas para todos os confins da terra.

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d) Hoje confiamos na promessa de que Ele voltará visível e glorioso para nos buscar.

- Com esse retorno, o Reino de Deus será definitivamente restabe-lecido.

Timóteo Ramson Fuhrmann

Morro Redondo/[email protected]

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SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA16 de maio de 2010

Salmo 133; Atos 1.12-26; Apocalipse 22.1-6 (7-11)12-20; João 17.20-26

1. CONTEXTO - CENÁRIO LITúRGICO E/OU HISTÓRICO

O sétimo domingo de Páscoa divide dois dos maiores acontecimentos da ação de Deus em favor da salvação do pecador: Ascensão e Pente-costes. Na despedida de sua presença visível, Jesus reafirma a incum-bência dada aos discípulos quando eles perguntaram: “Será este o tempo em que restaures a Israel?” (Atos 1.6). O Mestre direciona os discípulos para outra questão: “Não vos compete ... mas recebereis poder ao des-cer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas” (Atos 1.8). No dia de Pentecostes cumpre-se a promessa de Jesus com a descida do Espírito Santo e, como nunca, a igreja testemunhou a vitória de Cristo em favor do pecador.

As leituras bíblicas do domingo estão neste contexto: 1. O Salmo 133 afirma que é muito bom e agradável viverem unidos

os irmãos. Era o cântico favorito dos peregrinos que iam a Jerusalém para tomar parte das grandes festas do Antigo Testamento, quando desfruta-vam da companhia dos outros irmãos. Esta, aliás, é a grande lacuna dos cultos transmitidos pela mídia.

2. Atos 1.12-26 detalha a providência dos discípulos, reunidos com os demais cristãos da comunidade de Jerusalém, enquanto aguardavam a vinda do Consolador. Eles escolheram Matias como o substituto de Judas para “preencher a vaga neste ministério e apostolado”.

3. Apocalipse 22.1-6(7-11)12-20 retrata a questão dos discípulos por ocasião da ascensão quando perguntaram: “Será este o tempo em que restaures a Israel”? A nova Jerusalém, com a árvore da vida no meio de sua praça, se estabelece no tempo que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade. Jesus, que com seu sangue nos deu o direito à árvore da vida, garante: “Certamente, venho sem demora”.

4. João 17.20-26 é parte da oração sacerdotal de Jesus proferida por ocasião da instituição da Santa Ceia na noite em que foi traído. Nessa oração Jesus intercede junto ao Pai também em nosso favor: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra”.

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2. êNFASES, EXPRESSõES qUE SE DESTACAM NA ANÁLISE DE APOCALIPSE 22.1-20

Os primeiros versículos de Ap 22 continuam a descrição da Nova Jeru-

salém iniciada no capítulo anterior. Há a referência à árvore da vida de Gn 2.9, a qual de acordo com Gn 3.17,22-24 ficou sem acesso aos homens por causa do pecado, mas que em Cristo será restabelecido (Rm 8.20,21).

A descrição da Nova Jerusalém é interrompida no v. 6, a partir do qual se destaca uma série de exortações não relacionadas entre si, dadas pelo anjo (Ap 6.9-11; 19;10) e por Jesus mesmo (Ap 22.12,20).

No v. 7 Jesus garante: “Eis que venho sem demora”. Segue-se a estas palavras: “Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro”. O livro termina como havia iniciado em Ap 1.3.

Enquanto Jesus é aguardado, o mundo continua seu curso. O verbo

usado no vers. 11 é avdikw/n (part. pres. at. de avdike,w = cometer injus-tiças). O particípio, usado como substantivo, indica aquela pessoa que tem o hábito de praticar erros, talvez com uma referência especial ao perseguidor.

A referência à brilhante Estrela da Manhã feita no v. 16 certamente está relacionada à profecia messiânica de Números 24.17: “Uma estrela procederá de Jacó, de Israel subirá um cetro que ferirá as têmporas de Moabe e destruirá todos os filhos de Sete”.

Jesus, aquele que dá testemunho destas coisas, diz: “Certamente, ve-nho sem demora. Amém”. Em 1 Coríntios 16:22 Paulo diz: “Se alguém não ama o Senhor, seja anátema. Maranata!” Esta palavra aramaica significa “Vem, nosso Senhor!”. Provavelmente a frase tenha sido incorporada, na forma aramaica, na oração dos cristãos.

3. PARALELOS, PONTES, PONTOS DE CONTATO

Não é tarefa difícil estabelecer paralelos entre os textos bíblicos selecio-nados para esse domingo. A igreja reunida em torno da Palavra testemunha aquele que é o Primeiro e o Último (Ap 22.13). É muito bom e agradável quando os irmãos se reúnem na Palavra (Sl 133.1; At. 1.15). Ali Deus ordena a sua bênção para sempre (Sl 133.3). O nosso Sumo Sacerdote Jesus intercede por nós junto ao Pai (Jo 17.21) para que todos sejam um em Cristo. Nele se fundamenta a nossa esperança de vida e salvação e, por conseguinte, aguardamos seu retorno final. Nossa oração é: “Vem, Senhor Jesus” (Ap 22.20).

“Vem, Senhor Jesus” é a súplica constante do cristão que, em meio às tentações presentes, não pode perder de vista aquilo que confessa no Credo Apostólico: “(Jesus) ... há de vir para julgar os vivos e os mortos”.

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4. APLICAçõES HOMILÉTICAS

Texto: Vem, Senhor Jesus” (22.20).“Vem, Senhor Jesus” engloba o amoroso feito de Deus ao reconciliar-se

com o pecador. Na época do apóstolo Paulo havia um termo aramaico para proferir a mesma oração: Maranata. Dependendo da acentuação, esta pa-lavra adquiria os seguintes sentidos: o nosso Deus veio; o nosso Deus vem ou vem, Senhor. Portanto, há referência ao passado, presente e futuro.

O Senhor Jesus veio. João faz sua dedicatória inicial da parte “daque-le que é, que era e que há de vir” (Ap 1.4). Esta expressão é derivada daquela usada no Antigo Testamento quando Deus apareceu a Moisés e disse: “Eu sou o que sou” (Êx 3.14).

Deus cumpriu sua promessa e fez-se história quando seu querido Filho Jesus nasceu em Belém, morreu no Gólgota e ressuscitou no Domingo da Páscoa e, assim, “pelo seu sangue nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai” (1.5).

O Senhor Jesus vem. É o que ele nos garantiu quando, por ocasião de sua ascensão, prometeu: “Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28.20). Esta promessa acontece conosco diariamente.

Para nos conscientizarmos de sua presença, costumamos orar antes das refeições: “Vem, Senhor Jesus, sê o nosso convidado, e tudo o que nos dás nos seja abençoado”. No momento da insegurança, do medo, da angústia, do pânico, da proliferação das religiões de auto-ajuda, precisa-mos, mais do que de outra coisa, da presença viva do Senhor Jesus.

O Senhor Jesus vem. Isto acontece diariamente através da palavra do Evangelho que perdoa, reanima e põe novo rumo em nossa vida.

O Senhor Jesus virá. Ele garantiu: “Certamente, venho sem demora”. Crendo ou não, querendo ou não, o Senhor Jesus virá. Teremos que prestar contas a Deus de nossa vida.

Apocalipse é um livro de conforto para a igreja que sofre muito em meio ao mundo em pecado. Viver na expectativa da segunda vinda de Cristo nos permite estar vigilantes.

Não é bom ficarmos olhando apenas para baixo, para as preocupações desse mundo, e ficar narcotizados por elas. Quem sabe precisamos exer-citar mais a última oração da Bíblia. “Vem, Senhor Jesus”. Jesus garante: “Certamente venho sem demora. Amém” (22.20).

“A graça do Senhor Jesus seja com todos” (Ap 22.21).

Edgar LemkePetrópolis, Porto Alegre/RS

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1. CONTEXTO LITúRGICO

O Salmo 143 é uma súplica por libertação escrita por Davi, que sente que o seu espírito esmorece e desfalece, mas que roga pela resposta do Senhor: “guie-me o teu bom Espírito”. Pela ação do Espírito Santo o filho de Deus é vivificado para andar no caminho do Senhor.

Gênesis 11.1-9, a história da Torre de Babel, mostra que o dilúvio destruiu apenas as pessoas pecadoras, e não a natureza pecaminosa. Quando o ser humano dá oportunidade ao seu espírito corrompido, sua natureza pecaminosa o leva para longe de Deus.

Atos 2.1-21 relata o cumprimento da promessa de Jesus – o Espírito Santo é dado aos discípulos. Há uma clara conexão entre este episódio e o relato da Torre de Babel, pois lá Deus confundiu com diversas línguas e aqui Deus fala uma só linguagem, a do seu amor, ainda que em diversos idiomas. O objetivo do Pentecostes está claro nas palavras de Pedro, ao citar o profeta Joel: “E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (v. 21).

A leitura do Evangelho, João 14.23-31, destaca as palavras de Je-sus com relação à obra do Espírito Santo, o Espírito que consola, ensina e lembra. É pela sua ação que a paz conquistada pelo Salvador – a paz entre Deus e o ser humano, e do ser humano consigo mesmo – torna-se real na vida do cristão.

Se o espírito da pessoa esmorece e desfalece, se a natureza pecami-nosa nos tenta a tornar famoso o nosso espírito empreendedor, a ação do Espírito do Senhor nos alcança com a salvação e a paz e reverte a dispersão causada pelo pecado, tornando-nos povo de Deus.

2. ANÁLISE DO TEXTO

11.1-4 – A rebelião: O fato de em toda a terra haver uma só lingua-gem não causa surpresa, pois todos eram descendentes de Noé. A partir do monte Ararate, houve migração para o leste, até que acharam uma planície fértil e a ocuparam. A Planície de Sinear fica na Mesopotâmia, no Crescente Fértil, entre os rios Tigre e Eufrates. Temos a informação da técnica usada para a construção: tijolos de barro queimados e betume (asfalto) como argamassa. Como naquela região as pedras eram escas-

PENTECOSTES23 de maio de 2010

Gênesis 11.1-9

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sas e argila havia em quantidade, desenvolveu-se o processo de queimar tijolos. Os habitantes da Planície de Sinear resolvem construir uma cidade e uma torre. Havia dois objetivos na construção: tornar célebre o nome e não ser espalhado pela terra. Questões que esta ação levanta: Será que havia medo de um novo dilúvio? Haveria propósitos religiosos nesta cons-trução? Deus havia abençoado Noé e seus filhos, dizendo: “Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra” (9.1). A ideia dos construtores de Babel coloca-se contra a bênção de Deus: “para que não sejamos espalhados por toda a terra”.

11.5-9 – O juízo: O “descer do Senhor” é uma descrição antropomór-fica da presença de Deus diante dos atos dos homens. Deus vê a intenção do coração humano e o perigo de deixar que siga seu caminho – o que poderia levar a um novo momento de violência extrema. Deus resolve in-tervir para confundir a linguagem, donde vem o nome Babel, que significa “confusão”. Esta confusão de linguagem faria com que as pessoas não se entendessem e, assim, seriam espalhadas pela face da terra. E Deus faz isto não porque eles queriam construir uma cidade e uma torre, mas por causa dos motivos que estavam por trás desta atitude.

Estavam os construtores de Babel querendo estabelecer um governo centralizado e uma estrutura de poder e dominação? Se não estavam, sua atitude logo os levaria a isto, pois queriam “tornar seu nome célebre”. Não seria bom ter um governo centralizado, uma luta por uma nação única e forte – nacionalismo? A pluralidade de nações e linguagem não impede avanços culturais, econômicos e religiosos? O processo de globalização não é algo bom? Talvez tudo isso fosse bom, mas não sendo o ser humano pecador e o coração humano corrupto. um governo mundial provavelmente resultaria não em progresso, mas em totalitarismo, destruição.

3. PONTES E PONTOS DE CONTATO

Deus não permite que a rebelião humana chegue ao mesmo nível de antes do dilúvio. Ele intervém ao agir com amor para preservar o ser humano. É melhor a divisão do que o afastamento de Deus.

A ação de Deus tem um caráter escatológico, pois, em contraste com a confusão deste episódio, temos a grande bênção do Pentecostes (Atos 2). O uso de uma linguagem comum pelo Espírito Santo demonstra que o evangelho, longe de estar restrito cultural ou linguisticamente, é para pessoas de todas as nações, conforme a promessa do Senhor: “derramarei do meu Espírito sobre toda a carne... e acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Atos 2.17,21).

As pessoas quiseram chegar ao céu por suas próprias obras. Esque-ceram que é Deus quem vem do céu ao seu encontro. Babel mostra que

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PenteCOSteS

a rebelião contra Deus leva a divisões entre as pessoas. Mas revela que o Senhor estava preparando reunir e abençoar todas as nações através do nascimento do Prometido, que viria da linhagem de Sem.

4. PROPOSTA HOMILÉTICA

Assunto: Pela ação do Espírito Santo, Deus vence a rebelião do ser humano e as divisões causadas por ele. Com a palavra ensinada pelo Espírito, Deus capacita sua Igreja a vencer as barreiras causadas pela linguagem e pelo pecado com o Evangelho da salvação em Jesus Cristo.

Tema: O Espírito Santo vence barreirasI. O Espírito Santo é enviado por Deus aos nossos corações

1. A rebelião humana busca fama e poder2. O juízo de Deus confunde e condena3. O Espírito de Deus ensina e salva 4. Está vencida a barreira entre Deus e nós

II. O Espírito Santo envia a Igreja ao mundo1. A divisão entre Deus e os seres humanos2. O Espírito Santo une e reúne os salvos3. A Igreja capacitada pelo Espírito é enviada ao mundo4. Está vencida a barreira entre Deus e os seres humanos.

Rony Ricardo MarquardtPorto Alegre/RS

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CRUZ: CAMINHO DE CRISTO E DOS CRISTãOS

Marcos 8.27-38

INTRODUçãO

Adoniram Judson foi o primeiro missionário americano a ser enviado a Burma (Mianmar, perto da China e Índia), em 1812, junto com sua esposa Nancy. Quando chegou lá, foi preso sob suspeita de ser um espião britâ-nico. Pouco depois, perdeu sua amada esposa, por causa de uma febre, e em seguida perdeu seu filho. Teve transtornos psicológicos e chegou a viver um tempo escondido na floresta.

Sarah, sua segunda esposa, ele perdeu quando retornava ao seu país natal pela primeira vez depois de 33 anos. Ele casou de novo e retornou a Burma e, depois de ficar muito doente, tentou retornar para ser curado, mas acabou morrendo durante a viagem de navio.

Algo parecido aconteceu com o primeiro missionário americano de nossa igreja enviado à Índia. Em 1894 ele foi e, em 1899, ele já havia sepultado dois dos seus quatro filhos. A sua própria morte foi por causa da peste bubônica, contraída quando do sepultamento de um jovem na missão. Para evitar contaminação, vestiu-se com um terno branco e deitou-se num caixão, pedindo que ninguém o tocasse depois de morrer.

O FATO

Não é preciso esforçar-se muito para reconhecer o que foi mais impor-tante na vida desses e de tantos outros missionários. Eles confessavam a Jesus Cristo como seu Salvador, disseram “não” para si mesmos, para seus desejos e sua vontade, tomaram a cruz e seguiram o Senhor de suas vidas. Foi uma “determinação sacrificial e um impulso incansável para compartilhar o Evangelho com aquelas pessoas para as quais foram enviados” (SCHuLZ, Klaus Detlev. O testemunho cristão num contexto de diálogo inter-religioso, 2007, p. 35).

TRANSIçãO

No texto do Evangelho de hoje, Jesus nos mostra os três grandes e mais importantes elementos da nossa fé. Em três cenas distintas, mas inter-relacionadas, o Filho de Deus ensina a seus discípulos o que real-mente importa.

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O contexto nos revela que só Jesus, em sua graça, pode operar a con-fissão e a compreensão da vida dos discípulos e, às vezes, é necessário que haja repetição.

Jesus havia realizado a primeira multiplicação dos pães (Mc 6.30-44), andou sobre o mar (6.45-51) e, no final disso, o evangelista Marcos nos diz que os discípulos estavam com o coração endurecido (6.52) e não compreenderam o milagre dos pães.

Jesus faz a segunda multiplicação dos pães (8.1-10) e, mais uma vez, os discípulos não compreendem nada e são chamados de cegos e surdos pelo próprio Jesus (8.17-21).

Foi então que Jesus preparou o ambiente para saber se os discípulos sabiam da sua verdadeira identidade e missão. Como que fazendo um prelúdio, ele cura um cego e gradualmente restabelece a visão dele. Primeiro, ele via homens pensando que eram árvores, para depois ver claramente (Mc 8.22-26).

O TEXTO – MARCOS 8.27-30

Claramente Jesus perguntou para seus discípulos sobre a opinião das pessoas sobre ele. Eles repetem basicamente o que está escrito em Mc 6.14-16: uns dizem que é João Batista (talvez porque Herodes estava com medo) e outros Elias, talvez uma lembrança da profecia de Malaquias (Ml 4.5).

Essas idéias estavam de acordo com as idéias populares e a maioria delas conectando Jesus a títulos messiânicos judaicos, insuficientes para definir a verdadeira identidade de Cristo e sua verdadeira missão.

Então ele perguntou a seus discípulos: e vocês? Pedro se antecipou e, em nome do grupo, confessou: “Tu és o Cristo”. Tu és o ungido de Deus, o verdadeiro Messias. Pedro confessou a Jesus como o Cristo e o colocou acima de todo nome (Fp 2.9-11).

O evangelista Mateus nos ajuda a entender que a grandiosidade dessa confissão não pode ser elaborada por um coração e lábios humanos, mas isto lhe foi revelado pelo Pai, que está nos céus (Mt 16.17).

Curiosamente, à primeira vista, mas não sem motivos, Jesus pede silêncio dessa confissão. Por causa da expectativa da libertação política, os olhos e corações de pessoas estavam sendo alimentados por esperan-ças políticas e econômicas. Por isso Jesus aconselha seus discípulos a se calarem por enquanto.

Ele não queria ser visto como um milagreiro, ver seu ministério vincu-lado tanto aos milagres de cura; queria evitar sua morte prematura, por acontecer na plenitude do tempo. Nem os discípulos, nem as multidões estavam aptos a assimilar a forma como Cristo realizaria a missão.

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MARCOS 8.31-33

E esse último motivo é facilmente percebido quando Jesus fala aber-tamente que, como Cristo, ele deveria tomar o caminho do sofrimento, da rejeição e da cruz - a morte mais humilhante e repulsiva que poderia ser imaginada na época. Pedro se nega a aceitar isso. Talvez ele tenha se lembrado das palavras de Dt 21.23, onde Moisés faz referência àquele que é pendurado no madeiro como maldito de Deus e não o Cristo, o ungido de Deus.

Jesus não justifica os pensamentos de Deus, mas afirma que a obra messiânica não segue modelos e expectativa humanas. Assim como já havia acontecido nas tentações, Cristo resiste de novo a Satanás, que agora estava tentando a Pedro.

Jesus deixa claro que não pode haver acordo ou meio termo, e o ca-minho da cruz está traçado.

MARCOS 8.34-38

A cruz foi o caminho de Cristo e é o caminho de todos os cristãos. Jesus chamou também a multidão para lhe dizer que aquele que quiser segui-lo, vai ter de tomar o caminho da cruz. Dizer “não” para si mesmo e seus desejos, olhar para Jesus e segui-lo. É o sofrimento por amor a Cristo e seu Evangelho. Não é uma nova lei, mas um convite e chamado do Senhor Jesus a viver em sua companhia pela fé nele.

APLICAçãO

O eco do convite original de Jesus ouvimos hoje em sua palavra. Negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.

Na companhia de Jesus começamos a andar pelo nosso batismo. Nele fomos unidos a Cristo com sua morte e sua ressurreição (Rm 6.4). Esta-mos na graça, somos filhos e herdeiros. Com Cristo sofremos e com ele somos glorificados. Confessamos com Pedro que Jesus é o Cristo, o nosso Salvador. Sabemos que Cristo morreu e ressuscitou. O nosso problema é a cruz. É o negar-se a si mesmo. O sofrimento por amor a Cristo. Talvez fosse preferível pular essa parte e ir direto para a transfiguração, a fim de vermos o céu e dizer com Pedro: “Bom é estarmos aqui”.

Mas assim não é. Os nossos pensamentos, vontade e desejos não são os de Deus. Jesus nos convida a caminhar com ele, fechar os olhos e nele confiar. E essa é justamente a cruz. É o negar-se a si mesmo e ouvir a vontade de Deus.

Assim como Pedro, confessamos a Jesus como Cristo e nos alegramos

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com a esperança do céu. Mas também como Pedro não aceitamos a cruz, negamos a Jesus dizendo sim para os nossos desejos (Mt 26.75).

Assim como aconteceu com os discípulos, queremos saber quem é o mais importante no Reino de Deus (Mc 9.34-35). Como Tiago e João, fazemos pedidos estranhos a Jesus, um sentar do lado direito, outro do lado esquerdo de Jesus (Mc 10.35-36).

São manifestações que revelam traços de orgulho e atenção aos de-sejos e anseios pessoais, vaidades e, acima de tudo, incompreensão com o que realmente importa.

A cruz muitas vezes é difícil de compreender, aceitar e suportar. O so-frimento nos baqueia. Na verdade, é impossível carregá-la. Jesus precisa continuar dizendo “arreda Satanás” quando este nos tentar.

Assim, gradualmente Jesus nos convence sobre o que é mais importante em nossas vidas. Dizer “não” para nós mesmos e para os nossos desejos e vontades e “sim” para o Senhor Jesus. Aos poucos Jesus nos convence que a vida não consiste na quantidade de bens e realizações pessoais; que a paz do perdão do Senhor Jesus é mais importante que qualquer outra paz que o mundo oferece; que é preciso fechar os olhos para as ondas e tempestades e caminhar com Jesus em fé.

CONCLUSãO

Jesus precisou repetir milagres e palavras para convencer seus dis-cípulos sobre o que realmente importa. Ele continua repetindo na sua Ceia Santa e no seu Evangelho que não é preciso fugir da cruz e querer pular essa parte para ir direto à transfiguração. Ele nos convence do que realmente importa.

Ele nos faz ver que é preciso olhar para sua cruz e tirar perdão, es-perança, vida e salvação; que a nossa existência e missão são preciosas aos seus olhos e que não há nada no mundo que possa ser dado em troca deles.

Negar a nós mesmos, tomar a nossa cruz e segui-lo em fé é motivo de regozijo, pois com Ele já somos cidadãos da transfiguração e já aqui podemos dizer: “Bom é estarmos aqui e viver confiando as nossas vidas ao Senhor Jesus”. Amém.

Mensagem proferida pelo professor Anselmo Graff na devoção do Se-minário Concórdia, em 11 de março de 2009

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