Imagens e propagandas das fabricas de moveis artesanais do parana

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1 Imagens e Propagandas das Fábricas de Móveis Artesanais do Paraná, nas Décadas de 30 e 40 do Século XX. MENDES, Mariuze Dunajski. Doutoranda Interdisciplinar em Ciências Humanas - UFSC; Mestra em Tecnologia – UTFPR; Professora de Design da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR - Paraná. [email protected] Resumo O presente artigo objetiva refletir sobre o diálogo permanente entre as imagens e texto na constituição e representação de significados e práticas presentes na publicidade. Foram analisadas algumas propagandas e catálogos de fábricas de móveis artesanais da região sul do Brasil, das décadas de 30 e 40 do século XX, especialmente os da Fábrica de Móveis Artesanais Martinho Schulz, apontada como precursora do setor. Estas fontes de pesquisa propiciaram perceber o foco das empresas anunciantes, suas formas de atuação e produtos ofertados, bem como as relações sociais e as representações simbólicas expressas nas imagens em diálogo com os textos. No diálogo mediado pelas imagens - estabelecido com artesãos, consumidores e empresários - buscamos compreender as práticas e os significados atribuídos aos móveis artesanais apresentados nos anúncios publicitários e catálogos. O estudo dos anúncios publicitários da época possibilitou tecer considerações sobre a história da produção moveleira da região sul do Brasil e as tensões entre a tradição e modernidade presentes no fazer artesanal de móveis com fibras e os ideais modernizadores que constituíram o ideário nacionalista de desenvolvimento e progresso deste período histórico. Palavras-chave: História da publicidade do móvel artesanal; Artesanato e publicidade; Circulação dos móveis artesanais. Introdução Neste artigo irei refletir sobre o diálogo permanente entre as imagens, textos e memórias sobre o artesanato e sua contextualização, refletidas e refratadas nas propagandas e catálogos de fábricas de móveis artesanais do Paraná, nas décadas de 30 e 40 do século XX. Esta análise, iniciada com a dissertação de mestrado 1 , possibilitou fazer considerações sobre a história da produção moveleira artesanal com fibras de Curitiba e 1 Dissertação intitulada: A Fragmentária História da Fábrica de Móveis Martinho Schulz: tradição e modernidade na produção artesanal com fibras de Curitiba. Apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Tecnologia do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, sob orientação do Prof. Dr. Gilson Leandro Queluz.

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Imagens e Propagandas das Fábricas de Móveis Artesanais do Paraná,

nas Décadas de 30 e 40 do Século XX.

MENDES, Mariuze Dunajski. Doutoranda Interdisciplinar em Ciências Humanas - UFSC; Mestra em Tecnologia – UTFPR; Professora de Design da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR - Paraná. [email protected]

Resumo

O presente artigo objetiva refletir sobre o diálogo permanente entre as imagens e texto na constituição e representação de significados e práticas presentes na publicidade. Foram analisadas algumas propagandas e catálogos de fábricas de móveis artesanais da região sul do Brasil, das décadas de 30 e 40 do século XX, especialmente os da Fábrica de Móveis Artesanais Martinho

Schulz, apontada como precursora do setor. Estas fontes de pesquisa propiciaram perceber o foco das empresas anunciantes, suas formas de atuação e produtos ofertados, bem como as relações sociais e as representações simbólicas expressas nas imagens em diálogo com os textos. No diálogo mediado pelas imagens - estabelecido com artesãos, consumidores e empresários - buscamos compreender as práticas e os significados atribuídos aos móveis artesanais apresentados nos anúncios publicitários e catálogos. O estudo dos anúncios publicitários da época possibilitou tecer considerações sobre a história da produção moveleira da região sul do Brasil e as tensões entre a tradição e modernidade presentes no fazer artesanal de móveis com fibras e os ideais modernizadores que constituíram o ideário nacionalista de desenvolvimento e progresso deste período histórico. Palavras-chave: História da publicidade do móvel artesanal; Artesanato e publicidade; Circulação dos móveis artesanais.

Introdução

Neste artigo irei refletir sobre o diálogo permanente entre as imagens, textos e memórias

sobre o artesanato e sua contextualização, refletidas e refratadas nas propagandas e

catálogos de fábricas de móveis artesanais do Paraná, nas décadas de 30 e 40 do século XX.

Esta análise, iniciada com a dissertação de mestrado1, possibilitou fazer

considerações sobre a história da produção moveleira artesanal com fibras de Curitiba e

1 Dissertação intitulada: A Fragmentária História da Fábrica de Móveis Martinho Schulz: tradição e modernidade na produção artesanal com fibras de Curitiba. Apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Tecnologia do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, sob orientação do Prof. Dr. Gilson Leandro Queluz.

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perceber as tensões entre a tradição e modernidade do fazer artesanal, bem como, também,

percorrer os caminhos da constituição histórica da publicidade impressa no Brasil.

Os anúncios publicitários foram analisados em um diálogo com artesãos e

proprietários de fábricas, que, pelas memórias, traduziram as imagens em vivências, tanto

da esfera da produção, da circulação e consumo de móveis com fibras. As entrevistas se

constituíram na principal fonte referencial para a construção simbólica e contextualização

das indústrias da época em estudo. Para proceder às análises, partimos das imagens

encontradas, contextualizando-as historicamente, socialmente e culturalmente e da conversa

com os artesãos, que as significaram de acordo com suas memórias e percepções. As fontes

foram anúncios veiculados em revistas de divulgação de produtos, serviços e anuários

propagandistas do Paraná e região sul (incluindo São Paulo), assim como as imagens

fotográficas e catálogos das empresas.

Análise das representações da modernidade expressas nos anúncios do início do séc

XX, em convergência com as teorias da imagem publicitária

No registro, uso e análise de imagens, devemos sempre ter em mente que as mesmas

transmitem múltiplos significados que devem ser negociados culturalmente. Tanto quem

faz parte da imagem, quem a captura, assim como os receptores (leitores), participam de

uma criação conjunta, a partir do imaginário social. Quem produz as imagens, pode: no

enquadramento; seleção de cenas; silêncios e ausências, dar eloqüência e evocar a memória

individual e coletiva. Samain aponta em suas análises que “as imagens não são uma

extensão da realidade, mas sim uma criação interpretativa que é fruto de um imaginário

social, que, ao mesmo tempo, engendra outros que podem até mesmo vir a ser

transformados em realidade” (1998, p.117).

Para o autor as imagens estão presentes em todas as formas de comunicação e

informação, socializando as representações do imaginário dos indivíduos. Podemos nos

deixar sensibilizar pelas imagens como meros expectadores, trabalhar estas imagens

modificando-as, ou ainda nos deixar trabalhar pelas mesmas mudando nosso

comportamento, o que aumenta a responsabilidade do fotógrafo e/ou do pesquisador na

forma de construir e apresentar as imagens. Esta construção faz com que os suportes

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visuais, especificamente nas análises antropológicas - caso desta pesquisa - se

diversifiquem e não sejam excludentes ou complementares, mas enriquecedores pela

multiplicidade e diversidade de formas de perceber o objeto de estudo.

O registro e a interpretação de imagens nas pesquisas que envolvem as culturas e o

artesanato são fundamentais por aflorar a memória e a tradição das comunidades,

permitindo documentar os processos de produção artesanal e as suas transformações.

A compreensão das imagens depende da forma de apresentação e da aproximação

dos repertórios dos produtores e dos receptores, que são distintos, dependendo do saber

adquirido ao longo da vida. O sentido das fotografias é dado na “experiência referencial”,

ou seja, a significação da fotografia não está só na relação com o objeto real (referente),

mas também na construção do significado baseado na cultura, sendo que

... o princípio do traço por mais essencial que seja, marca apenas um momento no conjunto do processo fotográfico. De fato, a jusante e a montante desse momento de inscrição “natural” do mundo sobre a superfície sensível, existe de ambos os lados, gestos completamente “culturais”, codificados, que dependem inteiramente de escolhas e de decisões humanas (Antes: escolha do sujeito, do tipo de aparelho, da película , do tempo de exposição, do ângulo de visão etc. – Depois: todas a s escolhas repetem-se quando da revelação e da tiragem, em seguida a foto entra nos circuitos de difusão, sempre codificados e culturais – imprensa, arte, moda, pornografia, justiça, família...) (Dubois, 1993, p. 51).

Para Dubois, a “foto é em primeiro lugar índice. Só depois ela pode tornar-se

parecida (ícone) e adquirir sentido (símbolo)” (1993, p. 53). Esta posição é adequada às

análises sociais, pois neste campo de pesquisa, a imagem fotográfica é entendida como

responsável pela produção de uma “síntese peculiar entre o evento representado e as

interpretações construídas sobre ele, estando esta correspondência sujeita às convenções de

representação culturalmente construídas” (Feldman, 1998, p.199). Espaço e tempo também

interagem na construção e compreensão das imagens.

Nas análises de propagandas, em geral, os textos e as imagens interagem. Buscamos

nas imagens “pistas” para a interpretação dos significados construídos e atribuídos dentro

dos contextos particulares e coletivos. Na verdade são considerados, “uma série de

contextos no plural (cultural, político, material, e assim por diante), bem como os interesses

do artista e do patrocinador original ou do cliente, e a pretendida função da imagem”. As

imagens, “dão acesso não ao mundo social diretamente, mas sim a visões contemporâneas

daquele mundo” (Burke, 2004, p. 236).

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Para fazer a análise das imagens dos anúncios, além de nos remetermos às teorias

sobre a fotografia e suas relações com os textos escritos, também recorremos ao diálogo

sobre as mesmas, com pessoas que participaram destes contextos. Partindo do que coloca

Foucault: “o que vemos nunca está no que dizemos” (Burke 2004, p.43), acreditamos

também que: o que dizemos, por vezes, é muito mais do que vemos, portanto, o relato feito

pelos artesãos que de alguma forma tiveram contato com a produção da fábrica de móveis

de Martinho Schulz nos esclarece aspectos do cotidiano da empresa, suscitando a memória

passada, remetendo a outras situações, indo além do “conteúdo verista ou a realidade

figurada na fotografia” (Schapochinik, 1998, p.459). Buscamos por este diálogo mediado

pelas imagens compreender em conjunto os significados atribuídos aos móveis e sua

apresentação no anúncio.

Na análise das imagens dos anúncios percebemos uma intenção, inicialmente, de

mostrar os produtos reais através da fotografia de um ambiente. Os interiores domésticos,

nas suas representações (pictóricas ou retratos), sempre apresentaram uma necessidade

muito forte do “efeito realidade”, como se fossem instantâneos que nos conduzissem

diretamente para aquele lugar no passado (Burke, 2004, p.107).

A contextualização dos anúncios de revistas na virada do século XIX para o XX.

As revistas escolhidas para a análise das propagandas e das imagens de móveis artesanais

são do início do século XX, mais precisamente na década de 30 e 40, veiculadas no Paraná.

Os anúncios selecionados são referentes às fábricas de móveis da região Sul, em especial

das fábricas do Paraná que trabalhavam com fibras naturais, como junco, vime e cipó.

Estas fontes de pesquisa foram fundamentais para percebermos o foco das empresas

anunciantes, suas formas de atuação e produtos ofertados, bem como as relações sociais e

as representações simbólicas expressas nas imagens, em diálogo com os textos.

No período em questão, em todo o Brasil há a busca do desenvolvimento e do

progresso para inserir o país em uma nascente economia global, assim, a urbanização das

cidades, a industrialização e o “grande fluxo de imigrantes estrangeiros, [acabam]

reconfigurando o padrão demográfico e cultural do país” (Sevcenko, 1998, p.34).

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No final do século XIX e início do século XX, até a primeira guerra mundial, como

coloca Sevcenko, na Europa e Estados Unidos há uma euforia devido ao crescimento

econômico desencadeado pela revolução Científico Tecnológica. Este período conhecido

como “Belle Époque” teve um correspondente brasileiro, a “Regeneração”, que é um

projeto das elites, que acreditavam que o “país havia se posto em harmonia com as forças

inexoráveis da civilização e do progresso” (idem). A instauração de um novo regime, o

republicano, e o afã modernizador baseado nos princípios de racionalidade técnica, visavam

romper com o passado histórico e as tradições, estabelecendo uma nova ordem e nova

visualização das cidades e pessoas.

Muitos canais foram utilizados pelo capitalismo para “mascarar” relações

excludentes, uma vez que apenas os grupos de elite são beneficiados com este projeto

modernizador, sendo as classes populares excluídas destes planos A oferta de imagens e

artifícios, como exposições, que mostram o sistema como um espetáculo possível a todos,

criavam uma ilusão que buscava “uma harmonia social, tendo no proletariado o produtor e

cliente desta imagem ofertada” (Pesavento, 1997, p. 47).

O alvorecer do século XX esboça, sob certo ponto de vista, uma outra modernidade. A expansão do mercado, o aumento da produção, a explosão das técnicas impulsionam uma redobrada intensidade do consumo e do intercâmbio. Os cartazes publicitários exaltam o desejo. As comunicações instigam a mobilidade. Trem, bicicleta, automóvel, estimulam a circulação de pessoas e coisas. Cartões postais e telefonemas personalizam a informação. A capilaridade das modas diversifica as aparências. A foto multiplica a imagem de si. Um fogo de artifício de símbolos que, às vezes, dissimula a imobilidade do cenário (Perrot).

No cenário mundial é a partir do final do século XIX que a publicidade passa a ser

um destes artifícios ilusórios, segundo Pesavento se referindo ao que Benjamin aponta

sobre o consumo.

A publicidade é o artifício que permite ao sonho impor-se à indústria e é ainda por ela que as pessoas se prendem ao sonho.Tais técnicas de propaganda e publicidade utilizam toda persuasão e as “argúcias teológicas” da mercadoria para se imporem, convencerem, seduzirem. Artifício de sedução social, a publicidade e a propaganda não são pura criação ou arbitrariedade imposta: elas se apóiam em tendências latentes, em desejos manifestos, em inclinações não implícitas, mas detectadas e as manipulam, induzindo ao consumo, à aceitação, ao maravilhamento (1997, p. 49).

Esta nova concepção de estimular o consumo pela publicidade foi alavancada no

Brasil para divulgar os produtos nacionais. Nas análises de Sevcenko, esta época, da Belle

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Époque brasileira, (aproximadamente de 1900 a 1920, no período da grande guerra

européia), assinalou no país a introdução de

novos padrões de consumo, instigados por uma nascente mas agressiva onda publicitária, além desse extraordinário dínamo cultural representado pela interação entre as modernas revistas ilustradas, a difusão das práticas desportivas, a criação do mercado fonográfico voltado para as músicas ritmadas e sensuais e, por último mas não menos importante, a popularização do cinema (1998, p. 37).

A divulgação e propaganda através dos meios de comunicação passaram a ser um

importante fator que acompanhou o crescimento industrial nacional que se acentuou muito

neste período devido à necessidade de criar indústrias para substituir a importação de

produtos estrangeiros, abalada pelas guerras internacionais. Nas imagens veiculadas pelos

anúncios era ressaltado o poder criativo do homem, o crescente potencial de inovação das

indústrias e a capacidade administrativa dos empresários. Exaltava uma idéia de exemplo

do sistema de fábricas, conjugado com a ordem e harmonia da sociedade burguesa, além do

progresso técnico (Pesavento, 1997, p. 49).

Às mensagens de venda, segundo Marilda Queluz, são incorporados os desenhos

(principalmente as caricaturas) e as fotografias – figura 1 - passando os mesmos a serem o

principal chamariz nos anúncios publicitários, que passaram a ter uma veiculação mais

regular nas revistas, já a partir de 1860 (2003, p.192).

Figura 1: Anúncios veiculados em revistas de São Paulo, no final do século XIX e início do XX, respectivamente, utilizando a caricatura como elemento de divulgação. Fonte: ‘A Revista”, 2000, p.203 e 204.

No início do século XX, a publicidade passou a aproveitar-se dos avanços técnicos

da imprensa, responsáveis pela qualidade gráfica das ilustrações e das fotografias, além da

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exuberante novidade que foi a impressão em cores. Grandes nomes da caricatura e da

ilustração foram chamados para conceber anúncios “...Era pitoresca a propaganda nas

primeiras décadas do século XX.

A difusão de novas técnicas possibilitou pela impressão, a reprodução de imagens

fotográficas, através dos processos de “fotolitogravura, a fototipia e a cromofototipia”,

popularizando a reprodução das imagens (Schapochinik, 1998).

Ingênuos e adjetivados, tratando o leitor com um formalíssimo “vós” os “reclames”

como eram chamados, ofereciam enorme variedade de mercadorias e serviços, de acepipes

europeus a vaga de cozinheiras” (A Revista, 2000, p. 203).

Para exemplificar esta característica, escolhemos o anúncio da figura 2 - da fábrica

de móveis de vime Darcie, de Curitiba - no qual percebemos a utilização das formalidades

no tratamento, típicas da época, e a oferta variada de produtos citadas por “A Revista” no

texto: “V. As. Encontrará nesta fábrica qualquer typo de móveis...Queira V. Excia. ter o

prazer de fazer uma visita a nossa casa”.

Figura 2: Anúncio da fábrica de móveis de vime Darcie e Cia. Fonte: Livro Azul da cidade de Curitiba, 1938/39, p. 72.

Os anúncios da Fábrica de Móveis Schulz

As análises das propagandas veiculadas nas revistas paranaenses serviram para

percebermos o destaque da fábrica de móveis de Martinho Schulz, que publicou anúncios

regularmente nestas duas décadas, sempre mudando as imagens e a forma de apresentação

dos produtos, diferentemente das demais fábricas de móveis, que além de não manterem

uma periodicidade, repetiam os mesmos anúncios em todas as revistas analisadas.

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As fotos dos anúncios, bem como as dos catálogos da empresa apresentam a

variedade dos artefatos produzidos, os materiais e técnicas envolvidas na produção, como

exemplificado na figura seguinte, de um dos anúncios da empresa - figura 3 - publicado no

“Anuário Propagandista Sul do Brasil”, de 1934.

Figura 3: Anúncio veiculado em revista, com um ambiente produzido por Móveis Schulz. Fonte: “Anuário Propagandista Sul do Brasil”, 1934, p. 264.

A exposição das novidades na foto de um ambiente, convida o leitor a apreciá-lo

como em uma vitrine. Estes anúncios das revistas, formatados como vitrines, nos fazem

olhar através deles e vislumbrar as mercadorias como se estivessem dispostas em um

ambiente para serem apreciadas e usadas. As novidades são ressaltadas pela imagem e pelo

texto, que dirigem o olhar para o consumo da mercadoria (Queluz, 2000, p. 50).

É demonstrado no anúncio um forte significado referencial presente na fotografia,

pela preocupação em ambientar os móveis, mostrando uma linha completa de produtos,

simulando um interior de uma residência para o provável consumidor se sentir em casa e

ser seduzido pela ambientação.

Os anúncios das revistas abusavam dos textos exaltando as vantagens e as

qualidades dos artefatos, utilizando slogans bastante adjetivados, visando seduzir os

consumidores para a aquisição dos produtos das indústrias nacionais, colocadas como

símbolos da modernidade e progresso do país. Cada empresa procurava chamar a atenção

para seus produtos principais, entretanto, percebe-se pelos textos que as mesmas se

propõem a produzir qualquer tipo de móvel que o cliente desejar.

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Nas décadas de 30 e 40 há um investimento estratégico das indústrias do Paraná em

anúncios publicitários, pois a modernização da cidade, o enriquecimento das elites

cafeeiras, do mate e dos industriais instalados no Estado, proporcionou um crescimento

imobiliário o que, conseqüentemente aumentou a demanda por mobiliário e demais

artefatos para as residências.

Como as propagandas sempre se referem ao contexto social em que estão inseridas,

acabam refletindo e refratando o que está circulando socialmente, bem como reforçando

padrões que se quer que sejam consumidos. A propaganda se compõe de um conjunto de

elementos materiais, como: imagens, textos e elementos imateriais: desejos, imaginações,

que interagem induzindo ao consumo dos artefatos.

A análise seguinte é referente ao anúncio apresentado na figura 4, da fábrica de

móveis de Martinho Schulz, publicado em uma revista de divulgação de serviços e

produtos, o “Livro Azul da Cidade de Curityba”, de 1936. O texto presente no anúncio nos

revela uma característica das propagandas da época, que é o uso bastante comum e

exagerado de slogans para se referir às principais características dos produtos anunciados,

fazendo apelo ao consumo pelas características mais marcantes dos mesmos.

Com relação à apresentação formal dos anúncios, é difundido o uso de ornamentos e

orladuras requintadas os emoldurando - figura 4 - tradição que vem dos passe-partout,

usados para valorizar as fotos familiares (Schapochnik, 1998, p. 464).

Figura 4: Anúncio da fábrica de móveis de Martinho Schulz. Fonte: “Livro Azul da Cidade de Curityba”, 1936, p. 65.

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O texto demonstra a intenção de ressaltar a qualidade dos produtos e dos serviços da

fábrica, revelado pelo slogan colocado no pé do anúncio: “Não é a maior mais a melhor”. A

propaganda tem elementos que nos remetem às características do acabamento esmerado dos

móveis, que são citadas ainda hoje, fato que pudemos perceber através das entrevistas

realizadas com artesãos que participaram do dia-a-dia da referida fábrica e até por outros

que atuam na área, mas não foram contemporâneos de Martinho Schulz.

Você se visse não acreditava que era feito à mão (artesanato). Acha que é uma máquina que fez, e não, era tudo de vime feito à mão. Aquilo era arte! Arte! E hoje ninguém faz mais assim, ... igual à dele não ! Bem feito, perfeito!... Aquilo era uma coisa bem feita, você admirava! Você olha e vê que aquilo era uma perfeição! (Ferro, entrevista, novembro de 2004).

A qualidade e a modernização dos processos e serviços a que se referiram os

artesãos nas entrevistas marcaram por ir além da realidade produtiva e de divulgação dos

artefatos dos demais artesãos contemporâneos de Martinho Schulz, em Curitiba.

Dentre os novos recursos apontados como fatores que “modernizaram” e

“inovaram” a produção de móveis na época, são destacados pelos entrevistados: as técnicas

de produção implantadas; a utilização de novos materiais como vernizes especialmente

desenvolvidos para as peças e armação de ferro para os móveis; a pesquisa para o plantio de

vime, buscando melhor qualidade pela modificação do solo; a mistura de materiais

diversos, como vime, junco, cipó, madeira, fórmica e tecidos e a forma de gestão do

processo de produção visando à qualidade dos artefatos.

É preciso sempre relativizar estes conceitos de modernidade e inovação apontados

nas entrevistas e nos textos apresentados. Para entender a modernidade pensamos na

mesma não só como estratégias hegemônicas, mas como a reestruturação econômica e

simbólica dos cidadãos, imigrantes, trabalhadores, para reformular suas culturas frente a

novas tecnologias de produção, sem abandonar as crenças antigas. Canclini em suas

análises nos aponta que o desenvolvimento moderno não suprime as culturas populares

tradicionais, havendo sempre a inovação na tradição (1989).

Neste sentido, os artesãos de Curitiba, no início do século tiveram uma certa

resistência em mudar suas tradicionais formas de produção, que se resumiam basicamente à

cestaria. O processo de inserção nos “padrões de modernidade” ditados pelo capitalismo, na

época foi incorporado por poucos empresários da área, sendo um deles Martinho Schulz.

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Este processo de resistência é normal, pois a manutenção da tradição é uma forma de

preservar a cultura de um povo. Entretanto, a reformulação e interação com a modernidade

se mostraram essenciais para a inserção social e econômica das comunidades de imigrantes,

assim, os artesãos de Santa Felicidade, compelidos pelas novas demandas, passaram a

buscar novas alternativas de produção, além da cestaria e baús.

A variedade de produtos foi colocada como uma vantagem da fábrica Schulz em

suas propagandas, oferecendo todos os tamanhos e estilos de carrinhos para bonecas e

móveis. Esta característica de criação de uma linha de produtos com vários estilos,

tamanhos e materiais pode ser percebida nos catálogos de produtos da empresa, que

apresentam uma quantidade enorme de variações e possibilidades de produção, estando

representada no anúncio da figura 5, aonde lemos que na fábrica de móveis Schulz pode-se

encontrar “variado stock de mobílias diversas”.

Figura 5: Anúncio referente à fábrica de móveis de Martinho Schulz. Fonte: “Anuário Propagandista do Sul do Brasil”, 1936, p. 62.

Há nos anúncios da fábrica de móveis de Martinho Schulz um forte significado

referencial presente na fotografia, pela preocupação em ambientar os móveis, mostrando

uma linha completa de produtos, simulando um interior de uma residência para o provável

consumidor se sentir em casa, ser seduzido pela ambientação e optar pela compra.

Na figura 6, através do texto, percebemos a importância dada por Martinho Schulz

na divulgação quanto aos modelos que constam nos catálogos, com as “últimas novidades

neste ramo”, ressaltando que o “estilo moderno” está em sua produção, apresentando uma

imagem que é colocada como “um dos últimos modelos” da fábrica.

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Figura 6: Anúncio referentes à fábrica de móveis de Martinho Schulz. Fonte: “Anuário Propagandista Sul do Brasil”, 1936, p. 62.

As mudanças e tendências deste período, apontadas na propaganda como

“móveis modernos”, são ditadas por demandas de consumo, apresentadas pela publicidade

e pelas revistas, que na época criavam os cenários que seriam o desejo de posse de quem

aspirava se inserir na modernidade. Assim:

O objeto do desejo se torna inseparável do desejo do objeto. [...] O ato do consumo se torna assim, ele próprio carregado de uma energia sensual, ao mesmo tempo fetichista e voyerista, marcado pelo gozo de desfilar entre os artigos, ver bem de perto e tocar nos objetos, eventualmente possuí-los e exibi-los a outros olhos cobiçosos (Sevcenko, p. 603).

Segundo Benjamin, este sonho coletivo, ou as “fantasmagorias” são fabricadas pela

sociedade burguesa e apresentadas no mundo da circulação e do consumo, projetando para

as demais classes um ideal a ser alcançado. Esta construção do imaginário social mascara a

dominação e a exploração freqüente do trabalho do proletariado pelo capital.

Considerações

A leitura e a análise da propaganda podem revelar aspectos culturais e históricos

importantes para compreendermos significados construídos socialmente e culturalmente,

atribuídos à produção moveleira da fábrica analisada e que foram retratados através do

anúncio, fazendo parte da cultura material da cidade de Curitiba desta época. Entretanto,

partimos do pressuposto de não adotar a idéia de homogeneidade cultural de uma época e

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sim, analisar a especificidade deste caso, pois as propagandas analisadas foram produzidas

em um contexto específico. Por se tratar de uma fábrica com características híbridas, por

pertencer a um imigrante alemão e ter funcionários de outras etnias, devido ao recente

processo de incentivo à imigração no país, difere das demais fábricas e da cultura de

produção artesanal de Curitiba. O artesanato, de modo geral e em específico o paranaense,

é híbrido e complexo, se compondo de signos comuns a várias classes e nações.

Tradição? Inovação? Retorno? Transformação? Acredito que todas estas tensões,

presentes na produção, circulação e consumo dos artefatos das indústrias de móveis

artesanais com fibras de Curitiba, são valores e estratégias para entrar e sair da

modernidade (Canclini, 1997). Para compreender a complexidade de significados materiais

e simbólicos dos objetos, a esfera da circulação dos artefatos, mediada pela publicidade, se

mostrou uma fonte fundamental de análise. Os significados atribuídos aos artefatos pela

publicidade, se configuram como uma possibilidade de pensar o processo de consumo dos

bens, sendo estes transformados em objetos de desejo, de status e estilos de vida,

socialmente negociados.

Referências

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TROTTA, Tatiana de et al. As Questões de gênero nas propagandas de televisão. In: Relações de Gênero e Tecnologia: publicação do Programa de Pós Graduação em Tecnologia – PPGTE/CEFET-PR - Curitiba: CEFET PR, 2003.

Entrevistas e depoimentos:

FERRO, Adarcísio. Entrevistas concedidas. Curitiba, novembro de 2004 e fevereiro de 2005.

TÚLIO, Armando. Entrevistas concedidas. Curitiba, setembro de 2004, março, maio e junho de 2005.

Periódicos:

“Anuário Propagandista ‘Sul do Brasil’”. Curitiba: Herbert van Erven, 1932, 1933, 1934, 1935, 1936, 1937.

“Livro Azul da Cidade de Curitiba”. Curitiba: Max Roesner & Filhos Ltda,1936, 1937, 1938, 1939, 1940, 1942, 1943.

“Illustração Paranaense”. Curitiba: J.B.Groff, 1933.

“Folhinha Propagandista ‘Sul do Brasil’”. Curitiba: Herbert van Erven, 1930, 1932.