IMAGENS PARA A INFÂNCIA - Repositório da Universidade de...
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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES
IMAGENS PARA A INFNCIA
PROCESSOS CONSTRUTIVOS DA ILUSTRAO DO LIVRO INFANTIL EM PORTUGAL
Catarina Isabel Martins de Azevedo
MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA
2007
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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES
IMAGENS PARA A INFNCIA
PROCESSOS CONSTRUTIVOS DA ILUSTRAO DO LIVRO INFANTIL EM PORTUGAL
Catarina Isabel Martins de Azevedo
MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA
Dissertao orientada pelo Prof. Doutor Jorge Ramos do
2007
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos ao Professor Doutor
Jorge Ramos do pela orientao, pela transmisso dos seus
conhecimentos e pela constante disponibilidade, sem os quais este trabalho
jamais seria possvel.
Agradeo a preciosa ajuda e colaborao da Professora Doutora Ana Bela
Mendes.
A minha profunda gratido ao Jorge Maurcio pelo apoio incondicional
desde o comeo. A sua presena e compreenso foram elementos
imprescindveis de motivao e auxlio em todos os momentos.
A todos os meus familiares e amigos que me apoiaram e incentivaram ao
longo deste percurso, o meu sincero obrigada, especialmente a Andreia
Moreira pela colaborao e pelas palavras carinhosas.
Aos ilustradores e aos colegas Christine Reyntjens e Pedro Delgado,
agradeo a colaborao e disponibilidade dispensada, sempre que foi
necessrio ao longo deste estudo.
A todos os meus amigos e colegas do mestrado, especialmente Lgia
Duverg, Ana Graa, Catarina Martins e Helena Cabeleira.
Esta tese dedicada minha me por nunca ter deixado de acreditar em
mim e a quem devo tudo o que sou.
I
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
RESUMO
Esta dissertao de mestrado apresenta como proposta a pesquisa sobre o
processo construtivo da ilustrao no livro infantil em Portugal, tendo como
ncleo de anlise dez entrevistas sobre a produo grfica de alguns
ilustradores: Alain Corbel, Andr Letria, Carla Pott, Cristina Sampaio, Ins de
Oliveira, Joo Fazenda, Joo Vaz de Carvalho, Margarida Botelho, Pedro
Morais e Teresa Lima. Pretende-se com este estudo contribuir para um
conhecimento e uma compreenso melhores do quotidiano do ilustrador,
atravs do estudo das suas preocupaes, expectativas, decises e da
percepo que apresenta no trabalho criativo. A construo de todo o
processo de estudo teve em considerao uma breve contextualizao
sobre o panorama infantil em Portugal. Para auxiliar o desenvolvimento da
pesquisa foram tratadas questes relacionadas com a criao como um
acto comunicativo, analisando-se: a noo que o ilustrador tem da
percepo da criana leitora e as suas imposies; a importncia da
memria de infncia na produo grfica; a relao existente entre o
discurso narrativo e a linguagem visual; por ltimo, a inteno e
fundamentao pedaggica na narrativa visual. O que o presente estudo
visa, afinal, ajudar a lanar novos olhares acerca do papel da ilustrao,
enquanto elemento na educao do olhar esttico da criana.
Palavras-chave: ilustrao, literatura infantil, ilustradores, infncia,
educao artstica.
II
Armindo B SerraRectangle -
IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
RSUM Le thme de cette dissertation de matrise est la recherche sur le processus
constructif de lillustration du livre infantile au Portugal. Lanalyse se base sur
dix entrevues sur la production graphique de quelques illustrateurs savoir :
Alain Corbel, Andr Letria, Carla Pott, Cristina Sampaio, Ins de Oliveira,
Joo Fazenda, Joo Vaz de Carvalho, Margarida Botelho, Pedro Morais et
Teresa Lima. Cette tude, a comme objectif de contribuer pour une
meilleure connaissance et comprhension du quotidien de lillustrateur,
avec ltude de ses proccupations, expectatives, dcisions et avec la
perception quil prsente dans le travail cratif. La construction de tout le
processus de ltude a tenu en compte un bref encadrement du panorama
infantile au Portugal. Pour aider le dveloppemennt de la recherche on a
ralis des questions connexe avec la cration comme un acte
communicatif, en analysant la motion que lillustrateur a de la perception de
lenfant lecteur et ses impositions ; limportance de la mmoire de lenfance
dans la production graphique ; la relation existante entre le discours narratif
et le langage visuel et, pour finir, lintention et la justification pdagogique
dans la narrative visuelle. Ce que la prsente tude vise, au fait, cest
profiter dun veil des consciences, ayant comme objectif lhypothse du
rle de lillustration, en tant qulment dans lducation du regard
esthtique de lenfant.
Mots-clef : illustration, littrature infantile, illustrateurs, enfance, ducation
artistique.
III
Armindo B SerraRectangle -
NDICE GERAL
AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... I RESUMO ......................................................................................................................... II RSUM.......................................................................................................................... III NDICE GERAL ............................................................................................................. IV NDICE DE FIGURAS .................................................................................................... VI NDICE DE ANEXOS.....................................................................................................VII INTRODUO................................................................................................................1 1. Seleco e caracterizao da amostra ............................................................3 2. Guio de entrevista.................................................................................................4 3. Metodologia de anlise das entrevistas .............................................................5 4. Roteiro de escrita da dissertao.........................................................................6 CAPTULO I - A ARTE DE ILUSTRAR PARA A INFNCIA.............................................8 1. Breve introduo sobre o panorama da ilustrao infantil em portugal .....8 2. Definio do conceito ilustrao infantil ..........................................................12 3. Ilustrao ou Arte? ................................................................................................15 4. A criatividade na ilustrao para a infncia ...................................................16 CAPTULO II - A IMAGEM E O DISCURSO NARRATIVO ..........................................18 1. Introduo ..............................................................................................................18 2. A importncia da imagtica no discurso narrativo ........................................21 3. A liberdade de expresso no processo criativo ..............................................22 4. A autonomia ou descrio da imagtica........................................................23 5. Uma ilustrao, um significado...........................................................................27 CAPTULO III - O AUTOR ILUSTRADOR.......................................................................40 1. Introduo ..............................................................................................................40 2. Biografias .................................................................................................................42 3. O processo pessoal e o pblico alvo.................................................................63 4. Incluso do autor no processo imagtico........................................................65 5. Ilustrao e memrias de infncia.....................................................................67 6. Tcnicas de representao no processo criativo ...........................................67 CAPTULO IV - O PBLICO DA ILUSTRAO...........................................................70 1. Introduo ..............................................................................................................70 2. O pblico-alvo........................................................................................................71 3. Especializao do ilustrador por faixa etria ...................................................72 4. Imposies do pblico-alvo ................................................................................73 CAPTULO V - PEDAGOGIA NA ILUSTRAO.........................................................76 1. Introduo ..............................................................................................................76 2. Inteno pedaggica na narrativa visual........................................................78 3. Fundamentao pedaggica na narrativa visual .........................................79
IV
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
4. Funo da imagem na criana .........................................................................81 5. A criana e as novas tecnologias ......................................................................82 CONSIDERAES FINAIS ...........................................................................................85 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................88 ANEXO I Entrevistas aos Ilustradores..................................................................92 ANEXO II Grelha de Categorias.......................................................................177
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Armindo B SerraRectangle -
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NDICE DE FIGURAS Ilustrao 1 Alain Corbel, Ilhas de fogo..............................................................27
Ilustrao 2 Andr Letria, Versos para os pais lerem aos filhos em noites de
luar .......................................................................................................................28
Ilustrao 3 Andr Letria, Letras e Letrias............................................................29
Ilustrao 4 Carla Pott, O Soldadinho de Chumbo..........................................31
Ilustrao 5 Cristina Sampaio, Bom dia Benjamim ..........................................32
Ilustrao 6 Ins de Oliveira, Lendas e Contos Indianos..................................33
Ilustrao 7 Joo Vaz de Carvalho, Prendas de Natal ...................................35
Ilustrao 8 Joo Fazenda Um Saltinho a Madrid ............................................34
Ilustrao 9 Margarida Botelho, Os Lugares de Maria.....................................36
Ilustrao 10 Pedro Morais, Branca Flor, o Prncipe e o Demnio .................37
Ilustrao 11 Teresa Lima, Histrias de Animais de Rudyard Kipling..............38
Ilustrao 12 Pedro Morais, Os Super 4 Sangue Secreto ..............................66
VI
Armindo B SerraRectangle -
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NDICE DE ANEXOS
(Algumas disponveis em suporte digital na Contracapa)
ANEXO I 1 - Entrevista ao ilustrador Alain Corbel.............................................93
ANEXO I 2 - Entrevista ao ilustrador Andr Letria............................................101
ANEXO I 3 - Entrevista ilustradora Carla Pott...............................................117
ANEXO I 4 - Entrevista ilustradora Cristina Sampaio...................................122
ANEXO I 5 - Entrevista ilustradora Ins de Oliveira......................................129
ANEXO I 6 - Entrevista ao ilustrador Joo Fazenda........................................134
ANEXO I 7 - Entrevista ao ilustrador Joo Vaz de Carvalho.........................144
ANEXO I 8 - Entrevista ilustradora Margarida Botelho................................149
ANEXO I 9 - Entrevista ao ilustrador Pedro Morais..........................................158
ANEXO I 10 - Entrevista ilustradora Teresa Lima..........................................167
VII
Armindo B SerraRectangle -
IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
INTRODUO
A ilustrao para a infncia oferece-nos um campo de estudo inesgotvel.
No entanto, apesar da vasta publicao de estudos referentes literatura
para crianas e jovens, existe uma lacuna no que diz respeito
investigao terica sobre a ilustrao no livro infantil e o seu processo. A
presente dissertao apresentar um estudo introdutrio sobre o processo
criativo do mundo pictrico da literatura infantil em contraste com o
enriquecimento esttico e contributo para a educao artstica.
Em algumas partes do mundo a ilustrao para a infncia considerada
uma manifestao de arte. De acordo com algumas entrevistas realizadas
a alguns escritores sobre o significado da cor e da ilustrao na literatura
infantil em 1980, podemos analisar a relevncia proporcionada pelas
diferentes opinies, tal como refere Sophia de Mello Breyner Andresen (1980)
a ilustrao deve ser iniciao cultural no s atravs do texto mas
tambm atravs da ilustrao e da qualidade grfica. A autora defende
que o ilustrador deve ser um verdadeiro pintor e artista por isso ser
fundamental que o pintor esteja disposto a mergulhar no reino da
imaginao primordial que o conto infantil.
Segundo Ilse Losa (1980) a ilustrao torna-se um elemento fulcral na
literatura infantil, deve ser encarada como arte e imprescindvel o contacto
da criana desde cedo com os artistas plsticos do pas, da o cuidado de
recorrer a ilustradores de qualidade. Lusa Ducla Soares (1980) indica que
tanto a ilustrao como a cor, constituem um apoio visual para o texto e
simultaneamente um meio de estimular a sensibilidade esttica. J Maria
Lcia Namorado (1980) refere que so complementos enriquecedores da
obra literria para a infncia e que no pode deixar de ser uma expresso
de arte. Alice Gomes (1980) classifica a ilustrao para a infncia como um
complemento na literatura infantil, independentemente de apresentar cor,
o desenho auxilia a criana leitora a formar imagens mentais que o texto
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lhe prope e sobre as quais tem dificuldade de concretizao. Maria
Ceclia Correia defende a necessidade da visualizao da imagem nos
primeiros anos de vida de uma criana, pois guardar consigo aquilo que
lhe for dado, da a urgncia de boas ilustraes.
luz da citao da ilustradora checa Kveta Pacovsk - um livro ilustrado
a primeira galeria de arte que uma criana visita - poderamos afirmar que
um livro ilustrado dotado de imagens de acentuado valor esttico, pode
assumir um contributo importante para a Educao Artstica; tanto na
formao do leitor visual como na criana produtora de imagens,
promovendo a sensibilizao do olhar e uma experincia esttica atravs
de um acesso mais fcil e generalizado.
Apesar do confronto de inmeros veculos culturais para o pblico infantil,
nomeadamente o cinema de animao, a banda desenhada e a
publicidade foi escolhida a arte de ilustrar para a infncia por vrios
motivos:
a) a conscincia do interessante e promissor desafio de tentar associar a
formao visual do pequeno leitor com um objecto que lhe prximo e
acessvel: o livro ilustrado;
b) A preocupao com o livro entendido no apenas como suporte de
palavras e ideias, mas tambm como um volume que se projecta no
espao e que desperta sentidos estticos, sensaes, amplia-se a
percepo visual do que nos rodeia e como estimulante da criatividade,
tudo atravs de um simples contacto do imaginrio pictrico do ilustrador;
c) O imenso fascnio que a ilustrao infantil exerce sobre a minha
sensibilidade esttica;
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d) Devido carncia de investigao terica sobre a imagem no livro
infantil, mesmo nos casos em a linguagem verbal e plstica so
indissociveis;
e) E, sobretudo pela evoluo da ilustrao infantil em Portugal.
O intuito do trabalho aqui desenvolvido traduz-se num estudo comparativo
de alguns ilustradores residentes em Portugal, tendo como objecto a
apreenso do processo criativo na concepo de imagens, tal como o seu
contributo para o enriquecimento esttico na criana leitora. A amostra do
estudo composta por dez ilustradores, nomeadamente: Alain Corbel,
Andr Letria, Carla Pott, Cristina Sampaio, Ins de Oliveira, Joo Fazenda,
Joo Vaz de Carvalho, Margarida Botelho, Pedro Morais e Teresa Lima,
alguns atravs de encontros directos, com auxilio de um gravador udio
digital Olympus-Digital Voice Recorder VN-480 PC, quando no foi possvel
o encontro pessoal entre mim e o ilustrador, foi feito o inqurito atravs de
correio electrnico. As declaraes dos entrevistados encontram-se em
anexo atravs do suporte de papel, assim como as gravaes udio
disponveis em suporte digital na contracapa. (Ver Anexo I, pg. 92)
1. Seleco e caracterizao da amostra
a) Que todos os ilustradores entrevistados apresentassem nacionalidade
portuguesa ou que residissem em Portugal h pelo menos dois anos;
b) Em relao experincia, todos os ilustradores deviam ter participado ou
ainda participam na publicao de livros infantis ilustrados.
Todos os ilustradores concordaram em fazer parte da amostra, depois de
expostos os objectivos de estudo.
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2. Guio de entrevista
Foi utilizada uma entrevista com o objectivo de recolher as informaes
relativas ao pensamento e auto-percepo do processo criativo dos
ilustradores, onde ser discutido:
a) A formao acadmica e profissional
1. Qual foi o seu percurso escolar?; 2. Qual foi o seu percurso profissional?; 3.
Como chegou ilustrao?
b) A existncia ou no de uma recolha pedaggica sobre o pblico infantil.
4. No processo de criao de uma ilustrao, tem por hbito a realizao
de alguma recolha documental de carcter pedaggico sobre o pblico
infantil?; 5. Como se apercebe da formao do gosto e dos costumes
culturais das crianas em torno das novas tecnologias?; 6. Existe uma faixa
etria determinada, no pblico das suas ilustraes? Se no h, como
convive com ideias de pblicos diferentes?; 7. Entende que importante
especializar-se numa faixa etria especfica, por exemplo, dos zero aos trs
anos ou dos trs aos seis anos?; 8. Esteve alguma vez ligado ilustrao
didctica, relativa a manuais escolares?
c) Os processos de traduo imagtica da obra.
9. O que para si a ilustrao?; 10. Ilustrao ou arte?; 11. A construo de
uma ilustrao depende dos autores do texto, ou tem bastante liberdade
de expresso?; 12. Considera o seu trabalho, como ilustrador, entre o
descritivo ou autnomo em relao ao texto?; 13. Que tcnica artstica
costuma utilizar na Ilustrao?; 14. Quando falamos de criatividade em
ilustrao de livros infantis, estamos a falar de qu, exactamente?; 15. At
que ponto, o pblico infantil impe processos criativos diferentes: se altera
toda a linguagem plstica ou s os temas, o que muda?; 16. Sente que o
processo criativo o reenvia para a infncia? Como? (Se atravs de filmes,
livros ou revistas); 17. O que mais decisivo no processo criativo: a imagem
de si, como ilustrador, ou as fantasias que lhe surgem, sobre a criana
leitora?;18. Como define a importncia de um texto ser ilustrado?; 19. No
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processo criativo, d mais importncia originalidade ou tcnica?; 20. J
alguma vez aconteceu sentir a necessidade de se incluir nas ilustraes que
produz?
d) O impacto esperado na criana.
21. Qual a sua opinio sobre o impacto esperado na criana, ao observar
uma ilustrao? Seduzi-la para a leitura? Lev-la a evadir-se da leitura; 22.
Quais os temas que costumam fazer parte da sua ilustrao (Ambiente,
Cincia, Homem, Criana); 23. As suas ilustraes apresentam algum cariz
pedaggico; 24. Escolha uma imagem produzida por si e descodifique-a.
3. Metodologia de anlise das entrevistas
A metodologia utilizada para analisar as entrevistas ser a anlise de
contedo, que segundo Bardin (1977), um mtodo que possibilita
inferncias sobre as condies de produo das comunicaes a partir de
indicadores quantitativos ou no. Em seguida sero apresentados os passos
a ter em conta nos procedimentos utilizados na anlise de dados, e a sua
posterior transformao em categorias. Em relao metodologia de
anlise, a aplicao das entrevistas foi precedida de algumas
preocupaes a ter na aplicao desta tcnica. Desta forma, foi
necessrio percorrer os seguintes passos, procedimentos e regras:
a) Elaborar o guio de questes para a entrevista guiada;
b) Contacto anterior com os ilustradores, para a autorizao da entrevista e
respectiva publicao na dissertao;
c) Garantia da no utilizao indevida ou abusiva das entrevistas e
ilustraes;
d) Preparao para a entrevista, tentando diminuir os receios que a
entrevista sempre provoca nos entrevistados.
Aps a gravao udio das entrevistas, foi necessrio transcrever as
declaraes dos entrevistados para protocolo escrito, de forma a proceder-
se mais facilmente anlise de contedo. O passo seguinte foi eliminar os
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segmentos sem significado, bem como as repeties de palavras, muitas
vezes naturais num discurso. O sistema de anlise foi efectuado atravs do
processo de categorizao e de inferncias. Segundo Bardin (1997) a
categorizao uma operao de classificao de elementos
constitutivos de um conjunto, por diferenciao e, seguidamente, por
reagrupamentos segundo o gnero (analogia), com os critrios
previamente definidos. Este procedimento permitiu quantificar os dados da
entrevista para posterior anlise, juntamente com os dados referentes ao
processo criativo dos ilustradores.
No que diz respeito ao sistema de categorizao das entrevistas, foi
realizada uma grelha categorial com as respectivas inferncias que se
encontra em anexo. (Ver Anexo II, pg. 177)
Categorias:
1 Formao Acadmica; 2 Fundamentao Pedaggica; 3 Novas
Tecnologias; 4 Pblico-Alvo; 5 Especializao por Faixa Etria; 6 Manuais
Escolares; 7 Definio do Conceito; 8 Ilustrao ou Arte; 9 Relao
Imagem/Texto; 10 Autonomia da Imagem; 11 Tcnicas de Representao;
12 Conceito Criatividade/Ilustrao; 13 Dinmica do Processo Criativo; 14
Processo Criativo/Infncia; 15 Processo Pessoal/Pblico-Alvo; 16
Texto/Ilustrao; 17 Originalidade/Tcnica; 18 Incluso do Autor; 19
Funo da Ilustrao na Criana; 20 Temas; 21 Inteno Pedaggica
4. Roteiro de escrita da dissertao
A presente dissertao dividir-se- em cinco captulos: no primeiro far-se-
uma breve introduo acerca do panorama da ilustrao para a infncia
em Portugal. Sero abordados os conceitos dentro do tema, tais como: a
ilustrao infantil, a criatividade e a ilustrao como forma de arte.
No segundo captulo proceder-se- a uma anlise acerca da relao entre
a imagtica na literatura infantil e o discurso narrativo. Para tal, abordar-se-
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
o os aspectos inerentes a estes dois factores, que implicam a relevncia
da ilustrao; analisar-se- a existncia ou no de liberdade por parte do
ilustrador, na concepo da imagem; procurar perceber-se se o trabalho
ilustrativo se apresenta autnomo ou descritivo em relao ao texto; por
fim, proceder-se- a anlise descritiva por parte do ilustrador de uma
ilustrao da sua autoria.
No terceiro captulo perspectivar-se- uma contextualizao do autor
ilustrador, atentando nos seguintes aspectos: anlise das biografias; imagem
de si como ilustrador e o impacto esperado na criana leitora; envolvimento
pessoal no processo criativo, particularmente a incluso ou no de si na
ilustrao; concepo de imagens como processo de reenvio para a
infncia e anlise de procedimentos tcnicos nas propostas visuais.
O quarto captulo do presente estudo ocupar-se- do processo de avaliar o
pblico da ilustrao, no sentido de determinar a existncia de uma faixa
etria determinada; a pertinncia no que diz respeito a uma especializao
do ilustrador a um pblico-alvo especfico e as imposies da criana
leitora em relao aos temas propostos e respectiva linguagem plstica.
O ltimo captulo desta dissertao visa a anlise do papel pedaggico
referente alfabetizao visual da criana leitora, ou seja, a existncia de
uma inteno de cariz pedaggico na proposta visual por parte do
ilustrador; a presena ou no de uma fundamentao pedaggica na
ilustrao infantil; a inteno da ilustrao para a criana, referentemente
ao discurso narrativo, se existe um papel sedutor em relao ao texto ou de
evaso e por ltimo, o espao das novas tecnologias em relao leitura.
O que o presente estudo visa, afinal, tirar partido de um despertar de
conscincias em relao ilustrao infantil e o seu processo de
concepo, como papel fundamental na formao artstica da criana.
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
CAPTULO I - A ARTE DE ILUSTRAR PARA A INFNCIA
Os ltimos vinte anos trouxeram inovaes tecnolgicas de relevo que
beneficiaram o aspecto grfico da produo editorial. O frequente uso
da impresso a quatro cores, o recurso ao computador, tanto para a
impresso como para o desenho e tambm para a apresentao de
originais, so elementos que contriburam para notveis alteraes no
trabalho de edio. Ligando estes benefcios expanso do livro para o
pblico infanto-juvenil, no podia deixar de se esperar que os reflexos da
nova situao se avolumassem no campo da ilustrao. (Rocha:
2001:163)
1. Breve Introduo sobre o Panorama da Ilustrao Infantil em
Portugal
A extenso de assuntos a abordar nesta dissertao impossibilita uma viso
histrica muito pormenorizada do panorama da literatura infantil em
Portugal. Assim, sero mencionados, de um modo sucinto, apenas alguns
marcos fundamentais, especialmente os aspectos conotativos do tema
primordial deste estudo, sendo excludos nomes de escritores e os seus
respectivos livros.
No sculo XIX assistimos a um momento marcante no historial da literatura
para crianas. As profundas transformaes sociais, derivadas da revoluo
burguesa na Europa da viragem do sculo XVII, impuseram alteraes
significativas ao conceito de infncia que, paralelamente a uma
metamorfose no domnio da educao, foram responsveis pelo princpio
de uma literatura destinada aos mais novos.
Ressalte-se que, nas primeiras dcadas do sculo XX, Portugal presencia o
nascimento das correntes estticas modernistas, que se fazem sentir de uma
forma indirecta na ilustrao de alguns livros infantis. Assim, surgem
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
ilustraes assinadas por nomes como: Mmia Roque Gameiro (1901-1996);
Raquel Roque Gameiro (1889 -1970); Milly Possoz (1888 -1967); Martins Barata
(1899 1970); Raul Lino (1879 - 1974); Sarah Afonso (1899-1987) ou em
edies mais recentes, Lus Filipe de Abreu (1935).
Em 1936 o governo de Oliveira Salazar leva a cabo uma reforma do Ensino
Primrio, que implica a reduo da escolaridade obrigatria a trs anos, o
que resulta no encerramento de vrias escolas generalizando-se a
separao dos alunos por sexo. Diversas escolas do magistrio Primrio so
encerradas, dando-se a extino de classes infantis no ensino oficial.
Portugal assiste por um lado transformao de contedos de ensino
simplistas e ideolgicas, marcando assim nos anos trinta a sua poltica
educativa, por outro lado, tal como refere Jos Antnio Gomes,
Os livros infantis ressentem-se desta situao: assiste-se ao surto de
uma literatura de pendor nacionalista (por vezes historicista), no raro
de cariz moralizante, onde se exaltam pretensos valores nacionais no
contexto dos objectivos de doutrinao ideolgica do Estado Novo.
Neste perodo e salvo algumas excepes (...) no se regista, pois,
um enriquecimento significativo da nossa literatura para crianas.
(Gomes: 2002,15)
Para alm dos ilustradores referidos, outros nomes evidenciaram durante
estas dcadas nomeadamente, Jos de Lemos (1910-1995) tambm
escritor; scar Pinto Lobo (1913-1995); Mrio Costa; Emmerico Nunes (1967-
1888); Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005); Manuela Lapa; Laura Costa;
Cambraia; Oflia Marques (1902-1952); Maria Vasconcellos e mais tarde,
Neves e Sousa (1921-1995); Jlio Pomar (1926) e Fernando Bento (1963) - que
se impor nos anos seguintes.
Todavia, em 1956 a escolaridade passa a ser obrigatria para o sexo
masculino, em 1960 para o sexo feminino e, em 1964, ser alargado at seis
anos. Estas transformaes provocam uma exploso escolar e,
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
consequentemente, um aumento do pblico leitor que requer um maior
nmero de material de leitura e maior diversidade. Salienta-se assim, em
1958, a criao da rede itinerante por parte da Fundao Calouste
Gulbenkian e das bibliotecas fixas, trs anos mais tarde, constituindo assim
um passo importante no encontro facilitado da criana leitora e do adulto
com o livro.
Surgiam ento vrias movimentaes que divulgavam os autores e a
literatura para crianas mostrando a importncia desta rea cultural.
Importa salientar que, entre os anos cinquenta e sessenta, se assiste
revelao ou confirmao do talento de vrios ilustradores, realando os
nomes de Maria Keill (1914); Cmara Leme; Csar Abbott; Armando Alves;
Tssan (1943); Fernando Bento (1963) e Leonor Praa.
Em 2 de Abril de 1967 iniciou-se a comemorao do Dia Internacional do
Livro Infantil, iniciativa do IBBY (International Board on Books for Young
People).
Entre 1974 e 1980, muitos foram os escritores e ilustradores que se dedicaram
a esta rea da criao. No poderia deixar de destacar Manuela Bacelar
(1943), vencedora de prmios de ilustrao e que se ligou tambm a uma
experincia dedicada ao lbum para crianas em idade pr-escolar, alm
de Jlio Resende (1917), Drio Alves (1940), Joo Machado (1942) e Joo
Botelho (1949).
Embora em Portugal fossem raras as apostas na criao e edio de livros
ilustrados para os mais pequenos, a dcada de setenta assiste a um
aparecimento de uma produo com interesse, destinada faixa pr-
escolar ou a crianas no incio da Escola Primria.
Importa salientar que a nossa literatura para a infncia continuou a dispor
de ilustradores de qualidade, cujo trabalho tem sido reconhecido, tanto a
nvel nacional como internacional. Assim, desde a dcada de setenta do
sculo XX at actualidade so muitos os que se vo dedicando com mais
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
regularidade ilustrao para crianas, tais como Henrique Cayatte (1957);
Antnio Modesto (1957); mais tarde juntaram-se Teresa Lima (1962); Andr
Letria (1973); Joo Caetano (1962); Joo Fazenda (1979); Danuta
Wojciechowska (1960); Alain Corbel(1965); Joo Vaz de Carvalho (1958);
Cristina Valadas (1965); Lus Mendona (1965); Elsa Navarro; Marta Torro
(1974); Carla Pott (1973); Margarida Botelho (1979); Ins de Oliveira (1979);
ngela Melo; Jos Manuel Saraiva (1974); Pedro Morais (1962); Cristina
Sampaio (1960); Fernanda Fragateiro (1962); Carlos Marques; Jos Miguel
Ribeiro (1966) entre outros.
Todavia, no poderemos esquecer que para esta evoluo de criadores e
de novos talentos, contriburam iniciativas como o Prmio Nacional de
Ilustrao (promovido pelo Instituto Portugus do Livro e das Bibliotecas e
pela Associao Portuguesa para a Promoo do Livro Infantil e Juvenil
seco portuguesa do International Board on Books for Young People) que
teve incio no ano de 1996, o Grande Prmio Calouste Gulbenkian de
Literatura para Crianas e jovens, modalidade ilustrao, o Prmio do
Melhor Livro de Ilustrao Infantil (promovido pelo Festival Internacional de
Banda Desenhada da Amadora, que teve incio em 2003) e o Prmio
ILUSTRARTE 1.
J em 1997 se realizava em Salamanca o IV Simpsio sobre a Literatura
Infantil e Leitura intitulado La ilustracin: primera lectura e educacin
artstica. No incio do encontro, a directora da Fundao de Madrid referiu
que, tendo a literatura infantil um indiscutvel valor, constituindo um
caminho que conduz a um grande prazer e utilidade da leitura, ser
evidente que a ilustrao constituir a porta para esse caminho.
Neste captulo apresenta-se uma questo fulcral desta dissertao: a
definio de ilustrao infantil, um facto que por lacuna, no est patente
1 Um dos maiores contributos para a divulgao desta rea em Portugal, um projecto cultural centrado no livro infantil ilustrado, com a primeira edio em 2003 e mais tarde a segunda edio em 2005, a Bienal Internacional de Ilustrao para a Infncia, ILUSTRARTE que tem lugar no Barreiro.
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
no panorama literrio infantil. Numa primeira seco ser feita uma anlise
sobre a opinio pessoal de cada ilustrador com o intuito de esclarecer e
definir o conceito.
Numa segunda seco discutir-se- o estatuto da ilustrao como arte,
sendo que esta questo surgiu atravs da leitura da entrevista inserida no
catlogo pertencente ILUSTRARTE e de como alguns pases,
nomeadamente Espanha, promovem a ilustrao nesse sentido.
Na ltima seco deste captulo ser feita uma anlise acerca da
concepo de criatividade na ilustrao infantil. De que forma poder o
ilustrador conceber um trabalho criativo, a partir do momento em que est
condicionado a um tema que lhe imposto pelo escritor que cria a histria.
2. Definio do Conceito Ilustrao Infantil
No que concerne s opinies dos ilustradores, relativamente definio
pessoal sobre a ilustrao, grande parte destes referiram que a ilustrao
para a infncia constitui um complemento do texto e que esta no
funciona como uma interpretao do mesmo. Segundo Joo Vaz de
Carvalho a ilustrao apresenta-se como uma forma de expresso que
faz uso da imagtica com o objectivo de transmitir ao leitor emoes que
o autor tenciona transmitir. Assim, o ilustrador tem o dever de pesquisar,
atravs da ideia do escritor, complementando atravs de imagens que
seduzam o leitor, estabelecendo assim um ponto de contacto com o
discurso literrio.
No que diz respeito a Joo Fazenda, este refere que a ilustrao no se
demonstra ilustrativa ou como uma legenda desenhada; relaciona-se
de uma forma muito dinmica com o texto, tendo a obrigao de o
completar e o enriquecer, excluindo a prpria reproduo, transmitindo
todos os factores exteriores. J Andr Letria, alega que a ilustrao
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deve ser uma coisa entendida como uma leitura paralela em
relao ao texto. Alguma coisa que no repita aquilo que est no
texto. No fundo uma maneira de dar a conhecer a histria, mas
atravs das imagens e sempre com a preocupao de que cada
imagem deve ter essa ligao com o texto, mas tambm deve ela
prpria contar uma histria e deve permitir s pessoas que lem o
livro, poder imaginar mais qualquer coisa para alm daquilo que est
naquele livro, para alm daquilo que est naquela histria e naquela
ilustrao. (Ver Anexo I, pg. 106)
Cristina Sampaio define ilustrao como uma linguagem, ou seja, uma
maneira visual de transmitir uma histria, funcionando como um
complemento do texto, no sentido de aparecer em primeiro lugar o
discurso literrio e posteriormente a solicitao para a ilustrao da
narrativa.
No entanto, alguns dos entrevistados fizeram referncia ao seu trabalho
como uma recriao nica do prprio ilustrador, o que pode resultar num
imaginrio dos autores reflectido numa imagem, baseado num texto ou
numa histria. Imaginrio que segundo Postic (1989) Visa criar um mundo
medida da sua fantasia, nela se libertando. Tudo possvel. Tudo se realiza.
Na vida quotidiana, imaginar uma actividade paralela aco que
desempenhamos, ancorada na realidade. A imaginao um processo. O
imaginrio o seu produto.
Para Teresa Lima a ilustrao transmite a recriao do prprio ilustrador,
tal como um complemento, nunca como uma explicao, devido ao
acrescento de elementos ao texto. Apesar de no estar descriminada, a
imaginao actua como um veculo para outras ideias. Melhor dizendo, a
autora refere que uma ilustrao, que se apresenta independente do texto,
confere a este um valor prprio e intrnseco. Tambm Joo Fazenda
refere que o enriquecimento e a interpretao do texto depende do
universo do ilustrador, visto que seria impossvel dois ilustradores
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
procederem mesma interpretao de um texto. Ressalte-se a opinio
de Margarida Botelho em relao a esta questo
o interessante da ilustrao poder abrir portas para a histria,
acentuar certas coisas que esto na histria de forma atenuada e
que so interessantes de explorar, ou ento ao contrrio, mostrar o
outro lado do espelho, coisas que esto l, mas que esto de uma
forma subliminar ou de uma forma muito low profile e a ilustrao
poder atravs da imagem acentu-las. (Ver Anexo I, pg. 152)
O conceito de ilustrao parece remeter para uma relao de
engrandecimento do texto, ou seja, o trabalho do ilustrador reflecte a
criatividade de acrscimo de elementos atravs da imagem,
independentemente de se encontrarem ou no referidos no prprio texto.
Contudo, a ilustrao para a infncia poder surgir de uma forma
completamente autnoma do texto, tal com se tem verificado nas
inmeras exposies realizadas em Portugal, nomeadamente exposies
individuais e colectivas de vrios ilustradores, ILUSTRARTE Bienal
Internacional de Ilustrao para a Infncia e Ilustrao Portuguesa Salo
Lisboa Ilustrao e Banda Desenhada, Centro Nacional de Banda
Desenhada e Imagem da Amadora, Auditrio Municipal Augusto Cabrita
Barreiro, organizao VER PRA LER, entre outros.
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3. Ilustrao ou Arte?
Os inquiridos manifestaram a sua opinio quanto classificao de
ilustrao como forma de arte. A grande maioria respondeu que a
ilustrao uma forma de arte, 90%; no entanto salientaram uma diferena
em relao a outras variveis do ramo da arte que diz respeito ao facto
tema, ou seja, na maioria dos casos de ilustrao o tema no se apresenta
intrnseco ao ilustrador, o tema surge atravs do texto que por sua vez
fornecido pelo autor/escritor. Assim, o processo criativo parece remeter
para algumas regras estabelecidas priori por todo o processo envolvente
da prpria ilustrao em si. Ressalte-se a opinio de Andr Letria, que define
a ilustrao como uma
arte aplicada, porque estamos a fazer uma coisa que vai ser feita
em funo de determinadas regras, tem a ver com a paginao, a
encadernao do livro e o seu formato. Portanto uma arte
aplicada a um determinado objecto ou suporte, mas no deixa de
ser arte. A ilustrao deve ser vista consoante a maneira como
utilizada, isso tambm importante. Tanto pode ser exposta numa
galeria, mesmo tendo sido j utilizada para ser ilustrao de livros,
como pode ser vista como uma tal arte aplicada, se estiver impressa
ao lado de um texto ou se representar um conjunto de ilustraes
que funcionam como um todo. H diferentes maneiras de ver a
ilustrao. Tem tudo a ver com a funo que se lhe d. (Ver Anexo
I, pg. 107)
Como referem Ins de Oliveira e Margarida Botelho, a ilustrao um
ramo ou uma forma de arte que est dependente de algumas regras
que surgem a partir do trabalho do ilustrador, excluindo a ideia de uma
tabela ou receita pr-concebida, que possa dar essa definio.
Segundo o ponto de vista do ilustrador Joo Fazenda, o autor no
apresenta preocupaes ao nvel da catalogao da ilustrao no livro
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infantil. Invoca fundamentalmente o resultado do processo criativo e a
recepo do leitor e o respectivo feedback como principal relevncia no
seu trabalho.
J a ilustradora Cristina Sampaio, no apresenta nenhuma apreenso a
este nvel. Focando a questo do ilustrador ser ou no ser considerado
artista, refere como fundamental a autonomia do criador no que diz
respeito submisso ou no do prprio texto.
4. A Criatividade na Ilustrao Para a Infncia
Os ilustradores entrevistados manifestaram a sua opinio em relao ao
conceito de criatividade na ilustrao de um livro infantil. Enquanto um
grupo de ilustradores referenciaram que a criatividade se conceptualiza no
trabalho original 20%, outro registo indicou, 70%, que a criatividade est
inerente composio da imagem e a linguagem entre ilustrao e o
texto (Andr Letria).
No que diz respeito opinio da ilustradora Teresa Lima, a criatividade
surge atravs do
facto de a minha ideia partir de um texto, que a condicionante
que eu no posso fugir, mas que possibilita o retirar de ideias que
depois me permitem criar imagens e criar solues que so s vezes,
independentes, no que sejam completamente independentes do
ponto de partida. (Ver Anexo I, pg. 173)
Segundo a ilustradora Carla Pott, a criatividade na ilustrao para a
infncia consiste num estmulo para a imaginao, assim o livro para alm
de se apresentar como um brinquedo no se deve esquecer a funo
ldica e educativa, conjugando os factores design, ilustrao e texto.
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J Joo Vaz de Carvalho, no fez discernimento entre a criatividade na
ilustrao do livro infantil com outras actividades (10% das respostas).
Esta questo parece remeter para uma grande preocupao da parte do
ilustrador quanto ao aspecto criativo no processo de ilustrar um texto. De
acordo com a maioria das respostas, torna-se imprescindvel a capacidade
do autor ilustrador criar a partir do texto uma linguagem visual singular, tal
como refere Andr Letria esse facto tem a ver com a persuaso do
ilustrador de transmitir a histria atravs da imagtica, interligando a sua
interpretao do texto com a habilidade de criar um objecto grfico.
Concluindo, a criatividade parece estar subjacente prpria ilustrao.
Tomemos como exemplo a citao de Pedro Morais que refere que a
criatividade depende do livro em questo, surgindo de uma forma
espontnea e conforme o processo criativo: existe uma tentativa de
adaptao entre o seu universo e o mundo criado pelo escritor. No
entanto, cada ilustrador interpreta o texto de forma divergente, surgindo
assim a criatividade.
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CAPTULO II - A IMAGEM E O DISCURSO NARRATIVO
1. Introduo
Este segundo captulo da dissertao dedicado relao existente entre
o discurso literrio e a imagtica no livro infantil. Numa primeira seco
sero analisadas as ideias dos autores ilustradores acerca da importncia
de um texto ser ilustrado. Esta questo foi colocada devido ao facto de
surgirem ao longo do tempo opinies controversas em relao ao conto
ilustrado. Bruno Bettelheim, psiclogo reconhecido mundialmente como um
nome de referncia na psicologia infantil e autor de Psicanlise dos Contos
de Fadas, defendia que o conto ilustrado poderia ser uma fonte para
tornar o texto mais fraco, um texto que lido ou ouvido, permite uma
abordagem pessoal dos significados e possibilita um campo livre
imaginao que o retomaria como entendesse, a ilustrao provoca um
efeito contrrio. Assim, considerava que o conto, ao apresentar uma
linguagem plstica, ficaria desprovido de grande parte do significado
pessoal que poderia ter, a partir do momento em que existe uma
imposio ao leitor de associaes visuais do ilustrador impedindo assim
que a criana apresente as suas prprias, isso seria permitir que o
ilustrador determinasse a nossa imaginao que deixaria de nos
pertencer totalmente. (Bettelheim, 2005:83)
Bettelheim afirmava ainda que, de acordo com o estudo dos livros
ilustrados, a imagtica intercepta o processo de aprendizagem ao
contrrio de o promover, visto que a ilustrao desvia a imaginao da
criana leitora apesar de terem a capacidade de por si s sentir a histria
sem qualquer auxlio. (Bettelheim, 2005:79)
Eis por que um conto de fadas perde muito do seu sentido
pessoal quando as figuras e as ocorrncias tm a substncia
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dada pelo desenhador e no pela imaginao da criana. Os
pormenores, sem igual, derivados da sua vida individual, com os
quais o esprito do ouvinte retrata a histria que lhe contam ou
que lhe lem, fazem dela uma experincia muito mais pessoal.
Tanto os adultos como as crianas preferem frequentemente o
caminho fcil de algum que, por eles, toma a tarefa de imaginar
o cenrio do conto. Contudo, se deixarmos o desenhador
determinar a nossa imaginao, ela ser menos nossa e o conto
perde muito do significado pessoal. (Bettelheim, 2005:80)
Importa sublinhar que esta afirmao apesar de ser de 1975 a primeira
edio do livro j referido, - no deixa de fazer sentido se analisarmos a
ilustrao infantil como este pedagogo, que tende a ver a narrativa visual
ao servio da leitura, e no como fim em si mesma ou pelo menos, com
igual individualidade e possibilidade de explorao.
Tambm Perry Nodelman (1988), citando o psiclogo S. Jay Samuels,
confirma a hiptese de than when pictures and words are present
together, the pictures would function as a distracting stimuli and interfere
with the acquisition of reading responses.
No entanto, segundo a opinio de Bruno Duborgel, professor de Filosofia e
autor do livro Imaginrio e Psicologia
A comunicao com as imagens plsticas constitui um acto
complexo, no qual se encontram empenhadas, e so solicitadas,
as potencialidades imaginativas, sensveis e intuitivas do leitor de
imagens. Para funcionar como instrumento de fantasia ou
engrenagem de uma dinmica do imaginrio, a prpria imagem
deve conter uma dimenso onrica, uma complexidade plstica e
uma amplitude simblica. (Duborgel, 1992:74)
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
Na segunda seco, os inquiridos manifestaram a sua opinio em relao
existncia ou no de um acompanhamento por parte do autor escritor
durante o processo criativo. Esta questo surgiu no sentido de tentar
perceber se seria benfico essa ligao entre escritor e ilustrador ou se, pelo
contrrio, esse procedimento poderia condicionar o acto criativo da
prpria ilustrao.
Na terceira seco deste captulo perspectivar-se- a posio do ilustrador,
no sentido de apresentar um trabalho autnomo ou descritivo face ao texto
apresentado. Como diria Emlio Remelhe, a ilustrao no uma candeia
frente ou atrs do texto mas uma quantidade de lmpadas colocadas a
mais em dias de festa. um elemento de exaltao do livro, enquanto
objecto (e que dele reclama atributos, enquanto suporte, capazes de a
ajudar nessa tarefa. luz da citao que acabmos de ler, a ilustrao
surge no como um complemento, mas como um atributo, que nasce da
criao de dois autores, o autor literrio e o pictrico. No entanto surge
uma dvida, que diz respeito ao relato de cada um, que se apresenta sobre
a mesma temtica, se seria ou no possvel a autonomia imagtica em
relao ao texto apresentado.
Na ltima seco deste captulo abordar-se- o imaginrio pictrico dos
ilustradores entrevistados. Foi realizada a proposta de escolha de uma
ilustrao ao prprio critrio, com o objectivo de descodificar e interpretar
as suas propostas visuais num sentido aleatrio. No entanto, houveram dois
ilustradores que apenas seleccionaram a imagem, recusando-se
descodificao da mesma.
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2. A Importncia da Imagtica no Discurso Narrativo
Quando questionados acerca da importncia de um texto ser ilustrado, seis
dos entrevistados assumiram que a ilustrao representa um papel
fundamental na literatura infantil. Tal como refere Andr Letria, a ilustrao
representa um papel indispensvel na literatura infantil, mas no delimita
o imaginrio da criana leitora. Apesar de opinies contraditrias que
defendem que a ilustrao poder restringir a criatividade, o autor defende
que a ilustrao deve expressar um acentuado valor esttico,
transportando consigo uma novidade para alm do que o discurso
narrativo apresenta, correspondendo assim s exigncias que consistem no
contar uma histria proporcionando um espao para sonhar e evadir-se
do texto e da prpria ilustrao.
Carla Pott, apesar de afirmar nunca ter reflectido sobre este assunto,
pondera a possibilidade da ilustrao funcionar como um auxiliar no sentido
de atrair a ateno para o texto e a descodific-lo. Tambm Ins de
Oliveira partilha uma opinio favorvel ilustrao defendendo que
Quando a ilustrao surge ao lado de um texto num livro, o leitor
tem sua disposio duas apresentaes de diferente gnese
que concorrem para a diversificao de relatos de autor sobre
uma temtica. Desta maneira, a ilustrao assume uma
importncia fulcral no enriquecimento pictrico e
simultaneamente literrio do leitor. (ver Anexo I, pg. 132)
No entanto, nem todos os inquiridos manifestaram a mesma opinio em
relao a este aspecto; alguns defendem que o texto pode no ser
obrigatoriamente enriquecido pictoricamente, 20% ou tal como afirma Joo
Vaz de Carvalho, que depende exclusivamente da vontade do autor do
texto. Segundo Joo Fazenda, um texto no deve ser ilustrado
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forosamente mas sempre que existe espao para isso acontecer, o autor
considera que os textos no so obrigatoriamente ilustrveis.
De acordo com a opinio de Teresa Lima, a ilustrao no altera a
qualidade de um texto de literatura infantil, no entanto sublinha o facto de
enobrecimento do livro enquanto objecto atravs da imagtica, devido ao
acrescento da linguagem plstica.
J Pedro Morais chega a comparar a ilustrao com um quadro, no
sentido de ambos dispensarem uma descodificao ao lado das mesmas
ou de um ttulo para descrever o que o leitor contempla. Segundo o
ilustrador, um texto que apresente alguma qualidade literria torna a
ilustrao prescindvel.
3. A Liberdade de Expresso no Processo Criativo
Os ilustradores foram convidados a reflectir sobre o seu trabalho, no que diz
respeito a uma escolha entre a liberdade de expresso no processo criativo
de uma ilustrao ou uma dependncia dos autores do texto. A opinio
dominante incidiu no facto de existir autonomia criativa no seu trabalho e
no haver a condicionante opinio do escritor, (100%). Tal como refere
Teresa Lima, no existe contacto directo: a editora representa um elo de
ligao entre o dois, onde especificado o texto a ilustrar, a paginao e
o local onde se vai situar a imagem produzida pelo ilustrador. A autora
considera favorvel a inexistncia de influncias de ambas as partes,
singularizando cada linguagem e diferenciando formas de domnio.
J Joo Vaz de Carvalho argumenta que este factor est dependente do
escritor, no entanto, a possvel sugesto pictrica poder condicionar a
liberdade de expresso e comprometer a qualidade da proposta visual.
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
Tal como refere Andr Letria a histria apresentada representa uma
condicionante no processo criativo. No entanto defende tambm que o
ambiente e a atmosfera do prprio livro devero ser determinados em
funo do texto.
Segundo o ponto de vista dos inquiridos, a criao de uma ilustrao est
sujeita a uma interpretao do prprio ilustrador em relao ao texto.
Tomemos como exemplo a afirmao de Carla Pott, segundo a qual
prevalece a ilustrao como complemento, a autora considera
importante tambm a ligao entre o discurso literrio e a imagtica, tal
como a opinio pessoal que o ilustrador implementa ao texto.
Assim como referem Alain Corbel e Pedro Morais, a ilustrao um processo
criativo intrnseco que parte do texto apresentado pelo autor escritor. O
primeiro afirma que raro obedecer ao texto exactamente como ele se
apresenta e que tenta sempre desviar ou contornar a histria. J Pedro
Morais considera que o seu trabalho no depende de opinies de outras
pessoas, a interpretao vem de dentro de si, intrnseca e depende da
maneira como o sente.
4. A Autonomia ou Descrio da Imagtica
No que concerne identificao do trabalho ilustrativo como autnomo ou
descritivo em relao ao texto, grande parte dos inquiridos referiram que
consideram ambos importantes, (50%). Tal como refere Carla Pott, o seu
trabalho apresenta-se autnomo mas estabelece uma relao com o
texto. Andr Letria, por seu turno, considera que o trabalho ilustrativo deve
ser autnomo e descritivo em relao ao texto, no sentido do leitor
interpretar a ilustrao pertencente aquela histria.
No entanto, apesar dos questionados privilegiarem a autonomia como um
factor que apresenta algumas vantagens, acabam por referir que o facto
de a ilustrao ser descritiva em relao ao texto, tambm pode
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
representar os seus benefcios. Assim, Teresa Lima identifica o seu trabalho
como autnomo excluindo alguns casos pontuais em que a descrio se
apresenta to potica com imagens visuais to fortes que
possivelmente pondera sobre uma ilustrao mais descritiva, no entanto
sublinha que a ilustrao no a traduo em imagem do texto.
Como refere Joo Vaz de Carvalho, uma ilustrao que se apresente muito
descritiva pode representar alguns benefcios e boas solues por conter
uma carga expressiva; no entanto o autor procura a maior autonomia
possvel no seu processo criativo.
Por outro lado, Pedro Morais considera as suas ilustraes descritivas em
relao ao texto, sendo a partir da que surgem as ideias, tornam o seu
trabalho condicionado, excepto os elementos e pormenores que o
ilustrador vai acrescentando e que no apresentam uma ligao directa;
porm, est tudo relacionado e complementam novas pistas de leitura.
Quanto identificao do seu trabalho como autnomo ao texto, quatro
responderam de forma positiva, assim como refere Cristina Sampaio, no
considera que as suas ilustraes sejam descritivas, utilizando assim,
metforas grficas o que resulta num trabalho autnomo.
No caso da ilustradora Margarida Botelho, assinalada a importncia da
presena de referncias do texto na ilustrao. Por isso no considera o
seu trabalho descritivo, mas parece-lhe imprescindvel a existncia de uma
ligao com o texto, visto que a criana leitora procura elementos comuns
entre a imagtica e a linguagem literria.
O processo de construo de uma ilustrao infantil parece reportar para
um procedimento autnomo e descritivo relativamente ao texto que
proporcionado pelo autor escritor. Apesar do ilustrador se esforar para
apresentar um trabalho independente, existe obrigatoriamente uma
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
ligao com o texto, visto que a criana leitora procura na imagem
referncias apresentadas no texto. Tal como defende Andr Letria,
a ilustrao deve ser autnoma porque deve abrir mais portas
para alm do texto e isso tem muito a ver com a forma como se l
o texto, que deve ser lido pelo ilustrador ao pormenor, e deve ser
lido vrias vezes. Primeiro para perceber o que que o escritor
quis, depois para perceber o que possvel criar de novo a partir
dali e como se pode dar a sensao de que o leitor est a ler a
mesma coisa olhando para a ilustrao e para o texto ao mesmo
tempo. Essa autonomia deve permitir que se consiga ler a tal
histria em cada ilustrao e para alm do que est naquele livro.
A autonomia tambm muito importante para a ilustrao. Se
no houver autonomia na ilustrao ela deixa de ter valor, porque
para isso o texto j diz o que importante. Se a ilustrao no
acrescenta nada de novo, penso que no beneficia em nada o
livro. (ver Anexo I, pg.108)
Pode concluir-se que o processo criativo de um ilustrador de livros para
infncia no depende do autor do texto, sendo assumida bastante
liberdade de expresso. Apenas Pedro Morais apresentou um exemplo
pouco comum, com um contacto que teve com um autor escritor: j tive
autores de textos a pegarem no papel e a fazerem um rabisco a dizerem
como que as ilustraes vo ser. No entanto, os inquiridos defendem, na
grande maioria, que no deve existir interferncia entre o autor do texto e o
ilustrador, considerando importante a percepo do escritor no que diz
respeito ao estilo particular do ilustrador.
Contudo, existe uma grande diferena entre a interpretao do escritor e a
do ilustrador em relao a um texto. A imagem geralmente uma nova
abordagem, algo que deve sugerir ao leitor no s uma leitura especfica
do discurso narrativo, mas muitas outras possibilidades de imaginar a
histria. Nesse sentido, a imagem recria a histria que aparece no livro
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
expressa em texto. Alm disso, constitui tambm uma pausa, algo como um
momento em que a imaginao do leitor se desprende do texto, uma
forma de evaso que apela ao imaginrio.
A maioria dos livros para crianas apresenta o texto e a imagem em
espaos distintos muito bem definidos, funcionando a imagem como um
despertar da leitura. A ilustrao s elaborada aps o contacto e
reconhecimento do texto, que produzido sempre previamente. A imagem
potencialmente pode ganhar autonomia, evitando a redundncia em
relao ao texto, sugerindo leituras contidas de forma implcita no texto,
mas, como princpio, sem nunca deixar de partir deste.
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
5. Uma Ilustrao, um Significado
Alain Corbel
Ilustrao 1 Alain Corbel, Ilhas de fogo. Texto de Pedro Rosa Mendes, Lisboa, Edies ACEP, 2002 Esta imagem a preto e branco, uma mulher feita a lpis de carvo que
se chama Maria e muito grande. guineense e a mulher do dono da
residncia onde me encontrava, no bairro Quebeque em Bissau. Ela
gostava de mim, fazia-me a comida e um dia fiquei perto dela enquanto
ela estava a matar uma galinha. Matou, tirou as penas, desfez a galinha e
cozeu-a. medida que desenvolvia a sua actividade, eu desenhava-a,
mas eram esboos muito rpidos. Houve um momento em que ela se
cansou e ficou sentada na cadeira frente do lume, juntou as mos e ficou
numa posio como se estivesse a rezar, desenhei-a nessa posio, mas
no se sabe se ela est a rezar ou a dormir e eu gostei desta ilustrao
porque est ligada a um momento que aconteceu quando eu j tinha 38
anos, mas no fundo, poderia ter acontecido quando tinha 9 ou 13 anos,
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
quando estava com as minhas tias e com a minha av. Acompanhei um
processo que quotidiano, fazer a comida para toda a gente e h aquele
lado espiritual de no saber se esta mulher estaria a rezar. Agora quem v a
ilustrao no sei, quem olha para este desenho talvez no perceba todo o
processo, mas o meu objectivo era transmitir um pouco dessa magia o que
difcil. Dar a parecer no complicado, mas que haja alma difcil,
seno se transmite um pouco dessa alma a ilustrao fica meramente
decorativa, plana, bonita. Conheo ilustradores portugueses muito bons
que desenham pessoas, mas sinto que falta qualquer coisa, so ilustraes
bonitas, bem feitas, mas nas quais no transparece a alma da pessoa o que
para mim uma falha, isto depende muito do trabalho em si e para onde
vai. Este trabalho especfico destinava-se a um livro que se chama Ilhas de
Fogo que um livro sobre associaes comunitrias, sobre pessoas que
tentam desenvolver pequenos projectos e fala precisamente da alma
dessas pessoas, porque elas merecem. (ver Anexo I, pg.99)
Andr Letria
Ilustrao 2 Andr Letria, Versos para os pais lerem aos filhos em noites de luar. Texto de Jos Jorge Letria, Porto, Ambar, 2003 Isso a parte mais complicada, porque todas as imagens destes livros que
eu trouxe aqui, era possvel isol-las e falar sobre elas. No caso dos Versos
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
para os pais lerem aos filhos em noites de luar, estamos a falar de ilustrao
para poesia que deixa logo partida uma margem enorme de escolhas.
Costumo fazer um exerccio quando vou s escolas que ler um verso e
depois pergunto o que poderia resultar da ilustrao, porque isto dava para
muita coisa. Se fosse a prpria criana a ilustrar ou outro profissional, podia
ser qualquer coisa diferente e difcil fazer a ligao desta imagem com
este texto. Aqui no se fala de um homem com uma chamin na cabea,
mas h pequenos pontos de contacto que se podem fazer, at pela
prpria mensagem que o texto quer passar que uma mensagem de apelo
descoberta, de apelo vontade de aprender. Assim, uma coisa estranha
que brinque com as imagens e brinque com o sentido das coisas, se calhar
a melhor maneira de resolver isto. (ver Anexo I, pg.115)
Ilustrao 3 Andr Letria, Letras e Letrias. Texto de Jos Jorge Letria, Lisboa,Dom Quixote, 2005 Aqui nesta imagem h uma surpresa maior, devido a qualquer coisa que
no bate certo e isto funciona como um conjunto, mas h algumas coisas
que podem ser isoladas s por si e o facto de aparecerem na pgina,
como por exemplo, este caso da lmpada que aparece fora do contexto,
isolada. Escolher uma imagem separada difcil. Neste livro Versos e Letrias
aparece uma brincadeira constante com as palavras, a juntar depois a
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
imagem. A brincadeira comea no texto, o objectivo de quem est a ler
que se divirta primeiro e depois se ponha a pensar que isto poderia ser de
outra maneira e isso resulta muito bem em conjunto, ver o texto e a
ilustrao ao mesmo tempo. O facto de estar a ler uma coisa que diz A
alegria de um menino d frutos do tamanho do seu sorriso, sozinho
provavelmente no sugere nenhuma imagem, mas por aparecer a
imagem, isto faz outro sentido e percebe-se que seria difcil separar ou se
separssemos se perdia qualquer coisa. Nesta imagem possvel identificar
alguns exemplos de como a ilustrao, mesmo utilizando elementos
comuns, pode desmontar o sentido das coisas, pode obrigar-nos a olhar
para as coisas de outra maneira, eu pessoalmente gosto muito desta
ilustrao e gosto do efeito que ela provoca nas crianas quando eu
mostro. Eu costumo ler o texto antes de mostrar a imagem e ento um
grande choque quando vem isto. Primeiro porque difcil imaginar o que
poderia sair daqui como imagem e depois porque percebem que afinal,
realmente, pode-se brincar com isto com coisas que eles conhecem.
Podem passar a ver de outra maneira as situaes habituais do dia-a-dia.
Se calhar nunca viram uma banana como um sorriso, a banana como fruto
normalssimo, ao estar nesta posio numa cara, no s uma banana,
mas tambm a boca do boneco que se est a rir. Este um bom exemplo
de como gosto de trabalhar, estar muito atento s coisas que existem e que
desprezamos ou que no damos muita ateno e perceber que elas
podem ser postas num livro e de repente transformarem-se numa coisa
fantstica e real. (ver Anexo I, pg.115)
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
Carla Pott
Ilustrao 4 Carla Pott, O Soldadinho de Chumbo de Hans Christian Andersen Nesta ilustrao que me foi encomendada para uma exposio dedicada
a Hans Christian Andersen, por se tratar de uma histria da qual no
gostava pois para mim fala sobre a morte e um amor no consumado, usei
o tom azul no fundo por ser uma cor que tambm associo tristeza, como o
enredo passa-se essencialmente num quarto, coloquei a cadeira para dar
essa ideia. Usei um tom quase branco na face do soldadinho para expressar
o tom plido da pele na morte, e este afasta-se no barco de papel pois na
verdade o soldado parece estar sempre distante e a dizer um adeus eterno
bailarina. A bailarina tem os olhos fechados pois durante a histria parece
estar sempre indiferente ao amor do soldadinho, que alis julgava que esta
por viver num palcio era algum com um estatuto para ele, impossvel de
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alcanar. Os dois coraes na boca do pssaro simbolizam o amor de
ambos que acaba na fogueira. O soldado tem na mo o corao de
chumbo que foi o que sobrou nas cinzas (juntamente com uma lantejoula
do vestido da bailarina). Tentei colocar vrios elementos que so relevantes
neste conto de Andersen, mas sobretudo sugerir e passar essa sensao de
Tristeza e Morte. Alis uma ilustrao que me lembra sempre a morte. (ver
Anexo I, pg.121)
Cristina Sampaio
Ilustrao 5 Cristina Sampaio, Bom dia Benjamim. Nuno Artur Silva,Rui Cardoso Martins, Jos Peixoto e outros, Lisboa, Movieplay/Texto Editora, 1995 Este foi um livro que saiu juntamente com um CD, com msicas do Jos
Peixoto, Paulo Curado e os textos so do Nuno Artur Silva. O que est aqui
so as letras das msicas, um dia da vida de um mido que entretanto foi
adaptado para uma pea de teatro que eu adorei. Em relao
interpretao, este livro bastante linear, no difcil descodificar, gosto
muito desta banheira. Em relao ao texto, conta a histria do mido que
vai tomar banho (normalmente os midos no gostam de tomar banho),
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mas podem entusiasmar-se e neste caso ele pensa que um golfinho.
Porm, h um barco que pensa que ele um tubaro por causa da
barbatana. Digamos que no h nada aqui que seja de leitura oculta, nem
nenhuma destas ilustraes. No so coisas muito elaboradas, mas h uma
metamorfose da gua da banheira que se transforma na onda do mar,
tambm h uma planificao do espao da casa de banho, eu gosto de
desenhos muito planos, talvez pela caracterstica do meu desenho, no
gosto de coisas demasiado elaboradas mas sim de coisas mais simples e
directas. (ver Anexo I, pg.128)
Ins de Oliveira
Ilustrao 6 Ins de Oliveira, Lendas e Contos Indianos. Texto de Jos Jorge Letria, Porto, Ambar, 2006
A imagem escolhida integra o livro Lendas e Contos Indianos, de Jos
Jorge Letria, recentemente editado pela Ambar. Esta imagem tem como
ttulo O tamanho da fome, o mesmo ttulo do conto que ilustra. Aconselho
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
uma leitura do conto (pg.42) para um melhor entendimento dos aspectos
descritos. Procurou-se, com esta imagem, a criao de um ambiente
quente derivado no s do pas onde a aco tem lugar a ndia mas
tambm de um calor que se imagina iminente numa tenda de venda e
fabrico de po. A apresentao das duas personagens que figuram na
histria o rapaz e o padeiro revelou-se essencial para a sugesto de uma
tenso derivada do conflito de interesses dos dois personagens (acentuada
ainda pela diagonal que parte da figura central padeiro em direco
ao rapaz que tranquilamente sacia a sua fome). O tecido que forma a
tenda representado na parte superior da imagem, cria um ambiente
cmplice que acolhe o rapaz vitorioso desta histria. (ver Anexo I, pg.133)
Joo Fazenda
Ilustrao 8 Joo Fazenda Um Saltinho a Madrid Texto de Isabel Zambujal, Oficina do Livro, 2004 Esta uma imagem do livro Um Saltinho a Madrid, relativa ao momento
onde se fala do museu Rainha Sofia e, naturalmente da Guernica. No
tenho grande vontade de explicar porque escolhi esta imagem, alis foi-me
difcil escolher uma, mas penso que foi por estar muito prxima da sensao
que se tem quando se v to impressionante obra. O mido que aparece
no meio o heri da histria. (ver Anexo I, pg.143)
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Joo Vaz de Carvalho
Ilustrao 7 Joo Vaz de Carvalho, Prendas de Natal Actual/ Expresso, 2004 No sei descodificar. A tentativa de explicao de um trabalho resulta
normalmente mal. Alm disso, seria uma tarefa penosa para mim. (ver
Anexo I, pg. 148)
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Margarida Botelho
Ilustrao 9 Margarida Botelho, Os Lugares de Maria. Texto de Margarida Botelho, Lisboa, Edies Paulinas, 2005 Lembrei-me de representar esta imagem onde h uma srie de
associaes que eles fazem de uma forma directa, mas existe aqui um
aluno que no est sentado na cadeira e de propsito, para eles
pensarem O que que ser que aconteceu a este personagem?. H aqui
coisas imperceptveis e s com o visionamento dos originais que se
percebem certos segredos, que se descodificam certas coisas, uma delas
que este livro existe dentro do prprio livro, e est escrito, consegue-se ler
at segunda pgina. Aqui no se consegue ou no se percebe, quando
eu mostro as ilustraes, mostro-lhes o livro, eles vo mesmo ler, h um que
l o livro, outro que l o original e coincide. bvio, so as duas primeiras
folhas! Tentei fazer com este livro da Maria uma coisa. Eu queria que eles se
aproximassem deste universo e que se reconhecessem nele, da esta
organizao que perfeitamente normal, das cadeiras, das mesas, dos
materiais, do que esto a fazer, do que esto a escrever, ou seja isto uma
identificao directa. Tentei que houvesse uma srie de pequenos mistrios
para descobrir ao ver o lado original e no s. Por exemplo, a histria das
letras, que uma coisa importante porque as letras no costumam estar
assim, mas muitas vezes eles tm na sala de aula as letras em placards
quando esto a aprender, no primeiro ano. H a rgua, h os nmeros que
entretanto esto espalhados, ou seja h coisas reais, mas depois h o outro
lado que tem que ser ou no descoberto. H coisas que eles s se
apercebem vendo os originais, o que engraado. (ver Anexo I, pg.157)
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Pedro Morais
Ilustrao 10 Pedro Morais, Branca Flor, o Prncipe e o Demnio. Texto de Alexandre Parafita, ASA, 2001 A imagem pertence ao livro Branca Flor e o Prncipe Demnio. um livro
curioso. No saiu nada como eu tinha imaginado, porque foi imaginado de
outra maneira, mas foi um livro onde existiu um texto paginado e depois
logo a seguir dupla pgina s com ilustrao. Eu acho que esta ilustrao
interessante, mais do que todas as outras. Penso que consegui colocar aqui,
apesar de tudo, um universo mais pessoal, uma histria que no tem nada a
ver com o que eu fao. Eu adaptei esta ilustrao (que j tinha utilizado
noutra histria) a esta histria. por isso que eu gosto dela, a maneira como
consegui colocar o meu mundo pessoal, adaptando bem histria.
Descodificar esta imagem. O texto fala de uma princesa que a Branca
Flor, que vive no castelo do demnio e h um prncipe que a vai salvar. Isto
um conto tradicional de Trs-os-Montes. Por isso que eles esto atrs dos
montes. So estes pormenores que eu vou utilizando nas ilustraes, coisas
invisveis, mas que so associaes de ideias que eu vou fazendo, conforme
vou lendo o texto e que s aparecem conforme se vai trabalhando. uma
ilustrao que eu gosto bastante porque tem uma das caractersticas dos
desenhos que eu fao. Tem um horizonte vasto, tem espao, tem os
primeiros planos e tem paisagens de fundo, panormico, acho que a
melhor maneira de fazer as ilustraes. Para mim muito mais fcil fazer
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
uma ilustrao ao baixo, bastante longa do que uma ilustrao ao alto.
Gosto mais do formato de fotografia e acho que resulta bem. Fiquei
satisfeito com a cor, o enquadramento, o desenho, a composio; tem um
pr-do-sol com nuvens que aparece muito nas minhas ilustraes. uma
ilustrao da qual me orgulho. (ver Anexo I, pg.166)
Teresa Lima
Ilustrao 11 Teresa Lima, Histrias de Animais de Rudyard Kipling Texto de Rudyard Kipling, Porto, Ambar, 2006 Esta ilustrao reporta-se passagem do texto em que Darzee, o pssaro-
alfaiate e a sua mulher lamentam a morte do seu filho que foi comido por
Nag, a cobra-capelo. No sabendo o que era um pssaro-alfaiate, nem
to pouco o tendo descoberto nas pesquisas que fiz em livros de zoologia e
na Internet, resolvi utilizar elementos relacionados com o desempenho da
costura: fita-mtrica (que serve de cachecol), dedal (que serve de chapu)
e porta-alfinetes e agulhas (que serve de pulseira). A infelicidade do casal
de pssaros-alfaiates acentuada por dois movimentos opostos de ambos
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
os protagonistas: Darzee de asas para baixo, inclinando a cabea na
mesma direco, deixa transparecer a tristeza pela perda do filho. A sua
mulher, por outro lado, reflecte o seu desespero levantando a cabea e
cobrindo-a com as asas. O filho morto, em posio jacente deixado ver
no interior da cobra que se estende , parcialmente, na linha horizontal
inferior. Em termos formais a composio estrutura-se nas duas verticais dos
pssaros, chegados esquerda e pela horizontal da cobra, na zona inferior.
Esta estabilidade quebrada pela movimento da fita mtrica e pela
vegetao do roseiral que serve de fundo. O verde cria uma unidade tonal
a nvel do plano de fundo e da base onde poisam os dois pssaros e a
cobra. A variedade lumnica e textural criada pelo contraste da aguarela
do fundo e o acrlico usado nos restantes elementos que compe a
ilustrao. As rosas, de diversos tamanhos, pontuam cromaticamente a
composio criando um certo ritmo e dinamismo. (ver Anexo I, pg.176)
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CAPTULO III - O AUTOR ILUSTRADOR
O universo de imagens a que recorro tem razes fundas na
minha memria distante, na minha infncia. Qualquer tema
a ilustrar sempre abordado luz dessas vivncias.
Considero cada vez mais importante esse patrimnio
pessoal de memrias. (Joo Vaz de Carvalho)
1. Introduo
Apesar de ser um trabalho pouco valorizado bibliograficamente, o processo
criativo do ilustrador no deve ser ignorado. Temos assistido a um salto
esttico no lado pictrico do livro infantil, alcanado pelo ilustrador. Cada
um com o seu estilo particular, formam narrativas visuais que despertam
sentidos e emoes, que deve perpetuar-se na memria do leitor. No
entanto, no se torna um trabalho complacente visto que para o escritor as
palavras permitem uma maior flexibilidade na disposio da aco no que
diz respeito ao tempo e ao espao. O ilustrador apresenta-se dependente
da ambiguidade do signo visual, combatendo com a dificuldade de
construir de imagem em imagem o sentido da narrativa. No entanto, como
em geral os ilustradores se encontram muito mais preocupados com a
qualificao em termos artsticos do que com compromissos de ordem
moral ou didctica, a produo nacional de livros de imagens marcada
pela diversidade de materiais, tcnicas e estilos empregados na criao
das imagens.
Neste captulo pretende-se abordar uma perspectiva essencialmente
orientada para questes de anlise e representatividade actual,
relacionada com o processo criativo de dez ilustradores. O criador de
imagens para a infncia apresenta-se muitas vezes como um artista plstico
que utiliza dois suportes: a tela (onde expressa as suas vivncias pessoais e
interiores) e o livro (onde retrata as histrias dos outros), criando assim toda
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
uma sucesso de imagens com maior ou menor valor plstico, capaz de
despertar sentidos e estados de alma. Deste modo, criando e transportando
a arte para o mundo da criana, contribui para a motivao e clarificao
do texto escrito, tornando-o extensivo aos professores.
Este terceiro captulo da dissertao visa uma anlise sobre o autor
ilustrador, assim como os procedimentos utilizados na concepo de uma
ilustrao. Foram analisadas questes sobre o pensamento, decises e
comportamento do ilustrador, a sua relao com o leitor e as suas
preocupaes.
Numa primeira seco proceder-se- a uma apreciao das biografias dos
ilustradores entrevistados, por ordem alfabtica: Alain Corbel (1965), Andr
Letria (1973), Carla Pott (1973), Cristina Sampaio (1960), Ins de Oliveira
(1979), Joo Fazenda (1979), Joo Vaz de Carvalho (1958), Margarida
Botelho (1979), Pedro Morais (1962) e Teresa Lima (1962). Na segunda
seco sero analisados dois temas preponderantes para a ilustrao
infantil: o processo criativo do ilustrador e o seu pblico-alvo. Na terceira
seco perspectivar-se- sobre a possibilidade de uma incluso do autor na
prpria narrativa visual. Na quarta seco sero desenvolvidas opinies
acerca do reenvio para a infncia durante o procedimento de concepo
da imagem. Na ltima seco deste captulo abordar-se- os materiais e as
respectivas tcnicas de representao artstica.
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
2. Biografias2
1.1. Alain Corbel Nasceu em Saint Brieuc, Bretanha,
Frana, em 1965. Diplomado em
1988 do ensino superior artstico
(Banda desenhada), em Bruxelas,
Blgica. Trabalha na rea da
ilustrao desde 1988. Vive e
trabalha em Portugal desde 1997.
Participou em vrias exposies colectivas, nomeadamente: Nuevas
vietas. MEAC. Madrid em 1991; Autarcic Comix . Bruxelas de 1998 a
2000; Festival de Saint-Malo em Saint-Malo, no ano de 1996; Opera
Komix, Cracvia, Polnia em 1996; Ilustrao Portuguesa em Lisboa de
1998 a 2002; 3.4 em Loures,1994,1996,1999; Dirios grficos. Biblioteca
Orlando Ribeiro em Telheiras em 2004; Andersen, CM de Oeiras em Abril
de 2005; Le 9me Rve, Muse de la Bande Dessine, Bruxelles, em 2006.
Exps individualmente no Salo Lisboa em 1998, com uma exposio
intitulada Mulheres de Lisboa e do Porto. Realizou uma Retrospectiva na
Casa Roque Gameiro, Amadora em Outubro de 2003. Na Escola Politcnica
de Beja, a exposio O branco do Sul as cores dos livros em 2005;
Yaylalar, Bedeteca de Beja em Abril de 2005. Na Mediateca, Instituto
Franco Portugus de Lisboa, uma Retrospectiva em Abril/Maio de 2005.
Em 2002 foi-lhe atribudo o Prmio Nacional de Ilustrao, com Contos de
Macau, de Alice Vieira, Edies Caminho e recebeu uma meno honrosa
com A Mquina infernal, em 2005. No mesmo ano foi vencedor do Prmio
FIDBA da Melhor Ilustrao Infantil no Festival Internacional de Banda
Desenhada da Amadora, com O Pai Natal e a Rena Rodolfa, texto de Ana
Saldanha, edies Caminho, o que se repetiu em 2006, para A Mquina
2 As informaes acerca destas ilustraes so apresentadas no captulo II.
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
infernal, com texto seu, edies Caminho. Foi candidato portugus ao
Prmio Hans Christian Andersen (IBBY) em 2006.
Foi editor das revistas de banda desenhada Mokka e Pelure Amre, de1990
at 1995. Foi responsvel do suplemento juveno-infantil Nekepell Bihan, do
semanal Nekepell (Bretanha, Frana) em 1996-1997. Foi professor de
Ilustrao no IADE de 2001-2002 e de 2005-2006. Ilustrou vrias revistas e
dirios: O Independente, Mxima, Cosmopolitan, Activa, Pais e Filhos, con,
Dirio Econmico, Revista das Bibliotecas Pblicas, Pblico. Dirio de
Notcias. O Independente. Coordenou e animou de vrias oficinas de
ilustrao com as escolas Aruna Embal e Penha-Br, no bairro Quell em
Bissau (Guin-Bissau) de 2001 a 2003. Coordenou e animou vrias oficinas no
contexto de France Vacances em So-Tom e Principe, com o apoio da
Alliance Franaise de STP, 2005. Foi professor de Ilustrao em MICA,
Maryland Instittute College of Art (EUA), durante o primeiro semestre 2007.
Consta da sua bibliografia de ilustrao os livros: Les yeux de la lune, de
Martine Dora. Syros diteur, 1996 (Frana). Pour une poigne de shamallows,
de Didier Cohen, Syros diteur, 1994 (Frana). O pssaro verde, de Alice
Vieira, Edies Caminho, 1994; O conto do nadador, de Ldia Jorge. Edies
Contexto, 1996; Contos da terra do drago, de Wang Suoying e Ana Cristina
Alves, Edies Caminho, 2001; No meio da cidade, com Ana Esteves, Salo
Lisboa. 1999; Gulliver, de Lusa Ducla Soares, Edies Civilizao, 2002;
Contos de Macau, de Alice Vieira, Edies Caminho, 2002; Ilhas de fogo,
com Pedro Rosa Mendes, Edies ACEP Ong), 2002; A cor Instvel, com
Joo Paulo Cotrim, Edies Afrontamento em 2003; A cerejeira e outras
histrias da China, de Antnio Torrado, Edies ASA, 2003; A minha terra
com textos de Joo Paulo Cotrim, Edies rea Metropolitana de Lisboa,
2001; Um oceano de histrias, com textos de Joo Paulo Cotrim, rea
Metropolitana de Lisboa, 2004; Uma montanha de verde, com textos de
Joo Paulo Cotrim, rea Metropolitana de Lisboa, 2004; Travessa do calado,
com textos de Joo Paulo Cotrim, Edies Novo Embondeiro, Outubro de
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IMAGENS PARA A INFNCIA Processos Construtivos da Ilustrao do Livro Infantil em Portugal
2003; Contos judaicos, com textos de Jos Jorge Letria, Edies Ambar,
2003; Todos os gatos so rapazes, com texto de lvaro Magalhes, Edies
ASA, 2004; O pai natal preguioso e a rena esquecida, com texto de Ana
Saldanha, Edies Caminho, 2004; Madre Cacau-Timor, com textos de
Pedro Rosa Mendes, Edies ACEP, 2004; Lenin Oil, romance de Pedro Rosa
Mendes, Edies Dom Quixote, 2006; O ladro de palavras, com textos de
Francisco Duarte Mangas, Edies Caminho, 2006; O pas azul, com textos
de Teresa Balde, Porto editora, 2006; O livro que falava com o vento, com
textos de Jos Jorge Letria, Texto editora, 2006. Quanto a livros com texto da
sua autoria: A viagem de Djuku (Livro recomendado pelo Servio de Apoio
Leitura do Instituto Portugus do Livro e das Bibliotecas) com ilustraes de
Eric Lambe, Editorial Caminho de 2003 e A mquina infernal, com texto e
ilustraes suas, Editorial Caminho, 2005.
A sua pgina pessoal pode ser visitada em http://alaincorbel.in-netz