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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO “A VEZ DO MESTRE” Imigração Italiana: Economia Cafeeira e Industrialização no Brasil – 1890 – 1930 Jorge Edilson Reis Vieira ORIENTADOR: Prof. Fabiane Muniz Rio de Janeiro Abril/2002

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDESPRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAISPROJETO “A VEZ DO MESTRE”

Imigração Italiana:Economia Cafeeira e Industrialização no Brasil –

1890 – 1930

Jorge Edilson Reis Vieira

ORIENTADOR:Prof. Fabiane Muniz

Rio de JaneiroAbril/2002

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO “A VEZ DO MESTRE”

Imigração Italiana:

Economia Cafeeira e Industrialização no Brasil –

1890 - 1930

Jorge Edilson Reis Vieira

Trabalho monográfico apresentado como

requisito para a obtenção do Grau de

Especialista em Docência do Ensino

Superior.

Rio de Janeiro

Abril/2002

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INTRODUÇÃO

O tema do presente trabalho, entitulado: Imigração Italiana: Economia

Cafeeira e Industrialização no Brasil – 1890-1930, foi escolhido devido ao meu grande

interesse pela imigração de maneira geral. Aliás, esse fenômeno é de grande importância não

só porque serviu de sustentáculo à lavoura de café em São Paulo, na segunda metade do

século XIX e no século XX, como também porque foi fator de colonização e de formação dos

primeiros núcleos industriais no país.

Creio que com esta pesquisa foi possível, de certa forma, situar, no

tempo e no espaço, os primeiros grandes contingentes de imigrantes italianos, contribuindo,

assim, com alguns novos dados que espero sejam valiosos para a temática imigração.

A imigração no Brasil, na época em foco, está relativamente pouco

estudada e escassos são os trabalhos objetivos que têm sido escritos a respeito,

predominantemente relatos de italianos, que por aqui estiveram, e que, exagerando a

realidade, quer no sentido bom, quer no mal, contribuíram com obras as quais devem ser lidas

e apreciadas com uma certa cautela. Encontramos ainda autores nacionais que, não raro,

repetem uns aos outros.

Levando em conta essas considerações, foi utilizada a bibliografia

especializada existente na Biblioteca Nacional, na Biblioteca do Instituto de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Biblioteca de Pós-

Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da documentação do

Departamento de Imigração e Colonização, bem como dos registros de entrada de imigrantes

italianos na Hospedaria dos Imigrantes, existentes no Arquivo Nacional.

Quanto às fontes primárias manuscritas e outras impressas, embora

existam em grande quantidade, muitas vezes são insuficientes para se poder completar lacunas

surgidas no decorrer da pesquisa. Por outro lado, a falta de documentos referentes a diferentes

aspectos nem sempre nos permite chegar a uma explicação mais concreta dos fatos.

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A documentação para a confecção deste trabalho foi , em sua maioria,

utilizada a partir de consulta aos documentos existentes no Arquivo Nacional referente ao

Departamento de Imigração e Colonização e dos livros de Registro da Hospedaria dos

Imigrantes.

No que concerne ao período aqui estudado, devemos explicar porque

escolhemos como data de balizamento do trabalho 1890-1930. A primeira, porque foi por

volta desse ano que a corrente imigratória procedente da Itália tomou maior impulso,

desenvolvendo-se cada vez mais até princípios do século XX. A Segunda, porque notamos

que no período entre essas datas se fortaleceu e se ampliou a economia cafeeira baseada na

mão-de-obra do imigrante italiano, bem como o surgimento dos primeiros núcleos industriais.

Assim, buscamos com esse trabalho tentar mostrar, utilizando como

metodologia a crítica às fontes através da comparação dos textos públicos e privados

(Relatórios de diversos organismos estatais, Registros de entrada de imigrantes, etc.), o

método estatístico para analisar quantitativamente os dados referentes à entrada dos

imigrantes e o seu deslocamento para os setores rurais e urbanos, não só a importância do

imigrante italiano em alavancar a economia cafeeira, mas também mostrar como se deu a sua

instalação nas fazendas de café, os conflitos de interesses existentes entre fazendeiros e

colonos, e como esses conflitos foram sendo superados. Procuramos mostrar, também, como

as iniciativas de uma parcela significativa desses imigrantes contribuiu, de maneira decisiva,

para o surgimento de um incipiente núcleo industrial, não só na capital, mas também nas

cidades do interior, e apontar sua importância para o futuro desenvolvimento industrial do

país.

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CAPÍTULO I

O IMIGRANTE ITALIANO NAS FAZENDAS DE CAFÉ DE SÃO PAULO

É bem conhecida a importância que as imigrações transatlânticas

tiveram a partir do início do século XIX, quando grandes contingentes populacionais se

deixaram levar pelo “sonho da América”, imigrando para tentar resolver seus problemas de

sobrevivência.

Forte pressão de atração exerciam, no caso brasileiro, as fazendas de

café que, em constante expansão pelo oeste de São Paulo e diante da crise do regime

escravocrata, necessitavam de constante suprimento de braços. Levas e mais levas de

imigrantes, principalmente italianos, desembarcaram nas duas últimas décadas do século XIX

e nas primeiras do século XX em Santos, demandando as fazendas de café do planalto, não se

devendo esquecer que não poucos se fixaram nas cidades, transformando-se em agentes de

industrialização, como veremos no capítulo seguinte.

Além das fazendas de café, atraíam os imigrantes as áreas desocupadas

de três Estados sulinos e do Espírito Santo, que eram consideradas favoráveis para a

implantação de um “campesinato à européia”, de pequenos proprietários policultores, como

sonhavam políticos reformadores e pensadores liberais durante o império. Visavam a criação

de uma classe média, já que dentro de uma ideologia modernizadora não havia lugar para

uma sociedade polarizada por senhores latifundiários e escravos.

Para ambas as áreas, com funções distintas, o imigrante foi dirigido.

Em ambas as áreas a experiência do imigrante foi diferente, sucessos e insucessos têm outros

fundamentos. Anseios e sonhos, fomentados pela propaganda direta e pelas dificuldades de

sobrevivência em sua pátria, muitas vezes se chocavam com a realidade.

A corrente imigratória para São Paulo confunde-se de tal maneira com

a economia cafeeira que qualquer tentativa de desvinculá-las torna toda a problemática

incompreensível.

Toda a política imigratória para São Paulo foi conseqüência dos

reclamos dos fazendeiros de café por braços para suas lavouras, desempenhando o imigrante

italiano papel de suma importância, não só porque mostrou que o trabalho livre era possível

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na lavoura de café, como porque com ele se definiu o sistema de trabalho assalariado, o assim

chamado Colonato. Examinando a história do trabalho em São Paulo vai se constatar também

que a organização institucional, não só dos serviços de imigração, como do próprio trabalho,

foram feitas em função do imigrante italiano, de suas necessidades, de suas queixas e

reclamações. A legislação e as instituições que definiram a imigração e o trabalho começaram

a surgir na década de 1880, concomitantemente com a “descoberta” dos imigrantes italianos

pelo fazendeiros de café.

Como subproduto dessa política de imigração desenvolvida pelo

Estado dominado pelos fazendeiros de café que pretendiam o imigrante exclusivamente como

braço na lavoura, e apesar dos poucos estímulos econômicos que o “império do café” oferecia

em outros setores, houve também a participação dos imigrantes italianos em atividades

comerciais e industriais.

Igualmente não se deve esquecer a pressão do imigrante italiano a fim

de que se criassem em São Paulo condições para o desenvolvimento da pequena propriedade,

já que o sonho da maioria ao se expatriar era se tornar dono de um lote de terra.

A rápida expansão cafeeira pelo oeste de São Paulo, a partir das três

últimas décadas do século XIX até 1930, não podia ter acontecido sem a contribuição dos

imigrantes italianos, que a partir do início da década de 1880 afluíram em grande escala. São

Paulo, a fim de manter a economia cafeeira diante da crise do trabalho escravo, teve que

disputar uma parcela dos braços disponíveis no mercado internacional do trabalho, a fim de

suprir com abundância e, portanto, a baixo custo, suas fazendas de café.

Sem esquecer os projetos de colonização com a pequena propriedade

em áreas vazias, principalmente nos Estados sulinos, a partir de 1824, a primeira incursão do

Brasil no mercado internacional do trabalho foi feita na década de 1840, quando os

fazendeiros de café do oeste paulista organizaram as colônias de parceria com imigrantes

alemães, suíços e portugueses. Depois do fracasso desse sistema idealizado pelo senador

Vergueiro, a fazenda de café, diante da crise do regime escravista, recorreu a uma série de

tipos de contratos para, finalmente, em fins da década de 1870, se cristalizar o que se

convencionou chamar de assalariado, convocando principalmente imigrantes italianos.

Nesse sistema assalariado, que perdurou praticamente até o Estatuto da

Terra de 1964, a renda do trabalhador na fazenda de café provinha de uma soma para cuidar

de 1000 pés de café, geralmente com 4 carpas anuais, uma quantia determinada por alqueire

colhido, oscilando essa conforme o preço do café no mercado exportador. Continuava, pois, o

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trabalhador diretamente interessado no volume da colheita, como o fora nas colônias de

parceria, onde a remuneração provinha da divisão do produto da colheita entre colono e

fazendeiro.

É bom lembrar que, enquanto no sul do país a palavra colono designava

o pequeno proprietário, em São Paulo tem o sentido diverso: tratava-se do empregado

assalariado da fazenda de café.

No sentido restrito da palavra, não se poderia falar em colono

assalariado na fazenda de café, já que parte de sua renda provinha da quantia de café colhido.

Na realidade, as condições do colono na fazenda de café eram “sui generis”, ainda mais que

lhe era cedida uma casa para morar e lhe era facultado plantar gêneros nas “ruas” do cafezal,

havendo ainda a possibilidade de fazer o mesmo em um pedaço de terra da fazenda

especialmente designado para tal fim. Esses gêneros se destinavam ao consumo próprio,

sendo os excedentes comercializados, possibilitando aos colonos mais uma fonte de renda.

Analisando documentos da época percebe-se a importância que o

imigrante dava para a possibilidade de se cultivar gêneros de subsistência e de vender os

excedentes. No início da grande imigração os fazendeiros pretendiam que essas culturas

fossem feitas a “meia”; com o tempo, entretanto, perceberam que essa atividade era estímulo

para os colonos. Tratava-se de poderoso incentivo econômico, sem exigir despesas por parte

do fazendeiro. Os imigrantes imediatamente perceberam a importância dessas culturas de

subsistência e sempre procuravam fazendas onde havia melhores condições para essa

atividade. Não foram raros os atritos quando os fazendeiros pretendiam cercear essa lavoura

de gêneros. Assim, por exemplo, foi a causa da greve de 1913, em Ribeirão Preto, onde

aproximadamente 1000 colonos, a maioria italianos, pararam devido a proibição de se plantar

cereais entre os cafeeiros, além dos problemas de pagamento e da carestia.

Essa especificidade do contrato de trabalho nas fazendas de café tem

gerado não pouca polêmica sobre a sua natureza e a perplexidade leva muitos estudiosos a

procurar, em outras realidades históricas, explicações teóricas nem sempre convincentes para

o caso paulista.

Sem entrar nessa polêmica, basta lembrar que a expansão cafeeira e o

afluxo da massa de imigrantes para se engajarem naquele tipo de contrato de trabalho está

intimamente ligado à expansão e ao fortalecimento do capitalismo. Imigração e exportação de

café desempenharam um papel importante na integração capitalista das áreas envolvidas.

Essa integração se faz a partir da comercialização do café, da importação de produtos para o

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mercado consumidor em crescimento formado por fazendeiros e colonos imigrantes; faz-se

através do próprio imigrante como mão-de-obra que recebe remuneração em moeda, como

produtor e consumidor e como passageiro nas rotas transatlânticas. A organização viária e

urbana no “império do café” também deve ser lembrada, sem falar na acumulação capitalista

que as atividades ligadas ao café propiciavam.

Apenas para se ter uma idéia do que foi a expansão cafeeira em São

Paulo, observe o quadro abaixo:

ANO PÉS DE CAFÉ

1880............................. 69.540.000

1900................................220.000.000

1910................................696.701.000

1930.............................1.188.000.000

SAFRA SACAS COLHIDAS

1890/91.............................. 3.000.000

1904/5 ............................... 7.200.000

1929/30.............................. 19.484.000

A corrente imigratória italiana para São Paulo, embora constitua em

fins do império e nas décadas subsequentes a mais importante fornecedora de braços para a

fazenda paulista, começou tardiamente em comparação às outras . Alemães, portugueses,

suíços, espanhóis e austríacos antecederam os italianos, sendo que os registros assinalam os

primeiros cinco imigrantes em 1874, aparecendo uma leva de 2000 em 1877, mas foi

somente a partir de 1882, com 1886 imigrantes, que a corrente imigratória italiana se tornou

contínua e em constante crescimento.

Durante o império entraram em São Paulo cerca de 157.000 italianos,

perfazendo cerca de três quartos do total registrado para a Província, devendo ser lembrado o

ano de 1888, em que entraram 88.747 imigrantes italianos. Esse contingente que veio para

São Paulo correspondia a quase metade dos italianos entrados no Brasil no mesmo período,

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sendo, portanto, a fazenda de café paulista o grande concorrente dos projetos de colonização

no sul do país e no Espírito Santo, no que toca à atração dos imigrantes.

De 1890 a 1929, São Paulo atraiu mais de 2.000.000 de imigrantes, que

correspondiam a cerca de 57% do total recebido pelo país. Cerca de um terço dos imigrantes

entrados (694.489) em São Paulo eram constituídos por italianos.1 Apenas para ressaltar a

importância da imigração italiana em São Paulo, vale a pena lembrar que o segundo maior

contingente foi formado por espanhóis, com 374.658 imigrantes, seguido pelos portugueses,

com 363.156. Na década de 1890, São Paulo recebeu o maior contingente de imigrantes,

predominando os italianos, com cerca de 58% do total. Na década de 1900, os italianos

perfaziam 47% do total; na de 1910, passaram para 23% e, finalmente, na década de 1920,

constituíam apenas 15%.

• A POLÍTICA IMIGRATÓRIA

A presença do imigrante italiano, mais do que qualquer outra, marcou a

vida nas fazendas de café de São Paulo. Mas, para que isso acontecesse, foi necessário criar

uma estrutura que incentivasse a imigração. Foi na última década do império que a

administração paulista definiu todo o processo de recrutamento de mão-de-obra, visando

principalmente o italiano. Foi organizada toda uma infra-estrutura para receber e distribuir os

imigrantes. Foi nessa década que se definiu o maior trunfo da política: as passagens

subsidiadas. A oferta de passagens pagas pelo Estado foi responsável pela preferência que os

imigrantes italianos passaram a dar à fazenda de café, em detrimento dos projetos de

colonização em outras partes do Brasil. Paralelamente a essa política de subsídios para as

passagens, definiu-se, como já foi dito, o sistema de contrato nas fazendas de café, que se

convencionou chamar de assalariado.

Embora já tivesse havido algumas experiências antes, foi na década de

1880 que várias leis provinciais definiram a política de subsídios às passagens dos imigrantes

agricultores organizados em famílias. Os fazendeiros de café, sempre ligados ao poder,

conseguiram nele influenciar, de maneira que ele ficasse a serviço de seus interesses e, no

caso da imigração, conseguiram que somas não descuráveis dos orçamentos fossem

destinadas às passagens subsidiadas, tanto é que na década de 1890 chegaram a São Paulo

596.004 com passagens subsidiadas, contra 139.072 imigrantes “espontâneos”. Daí para

1 Conforme Boletim do Departamento de Colonização e Imigração (1952).

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frente, entretanto, predominaram os imigrantes, apesar de a administração continuar com os

programas de subsídios às passagens, só que mantendo o número dentro de um limite

planejado. A principal causa da diminuição do número dos imigrantes subsidiados se deve à

proibição, pelo governo italiano, de tais passagens para seus súditos, através do famoso

“Decreto Prinetti”2, de 1902, como resposta às péssimas condições de trabalho nas fazendas e

às viagens em navios superlotados e mal equipados.

A propaganda mais intensa, a melhor organização dos serviços de

imigração, procurando evitar as fraudes, concorreram para aumentar o fluxo de imigrantes

italianos espontâneos para São Paulo. Segundo os documentos analisados, boa parte dos

imigrantes espontâneos não era constituída de agricultores, mais sim por artesãos e operários

que, fixando-se nas cidades, contribuíram para a industrialização.

Além dos subsídios às passagens, na década de 1880, as leis se

sucediam para ampliar os meios de ação do Estado e regularizar os serviços de imigração,

concedendo aos imigrantes hospedagem gratuita durante oito dias no alojamento provincial e

o pagamento das passagens e dos fretes dos imigrantes nas estradas de ferro até seu destino

nas fazendas de café. São essas medidas que tornaram São Paulo mais conhecida que o Brasil

na Itália, transformando o “império de café” no maior pólo de atração dos contigentes

imigracionistas. Foi graças a essas medidas que os fazendeiros de café conseguiram um

suprimento de braços sempre acima de suas reais necessidades, tornando, portanto, possível a

manutenção de salários baixos.

Essa legislação, entretanto, também favoreceu o imigrante sem

recursos, que anteriormente dependia de um fazendeiro antecipar a soma da passagem, que

devia ser reembolsada com juros, constituindo um foco de descontentamento, devido aos

abusos praticados. Assim, graças ao auxílio da administração, o imigrante, não estando preso

por dívidas ao fazendeiro, podia escolher livremente a fazenda à qual queria se dirigir,

funcionando na Hospedaria do Imigrante uma verdadeira “Bolsa de Empregos”.

• A SOCIEDADE PROMOTORA DE IMIGRAÇÃO

Para dinamizar, organizar e moralizar os serviços de imigração, os

fazendeiros paulistas organizaram em 1886 a Sociedade Promotora de Imigração, na capital

2 Na verdade esse decreto foi uma Portaria baixada pelo governo italiano, em 26.03.1902, proibindo otransporte gratuito de imigrantes e a ação de recrutadores, vigorando até a Primeira Guerra Mundial.

Na verdade esse decreto foi um Portaria baixada pelo governo italiano.
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da Província, sob a inspiração do Conde de Parnaíba, Antônio Queiroz Telles3. Coube à

Sociedade, somando esforços com a administração, atrair imigrantes de origem agrária,

conseguindo trazer até 1895, quando deixou de existir, cerca de 266.000 imigrantes.

A Sociedade Promotora desapareceu justamente quando não tinha mais

razão de existir, pois o fluxo contínuo de imigrantes estava garantido e os serviços de

imigração organizados.

O primeiro Diretor-Presidente da Sociedade Promotora foi o fazendeiro

de café Martinho da Silva Prado Junior, talvez o mais entusiasta propugnador da imigração

de italianos. Ele fez várias viagens ao norte da Itália, examinando cuidadosamente todos os

problemas referentes à imigração e à viagem ao Brasil. Os documentos nos revelam que

Prado Junior, como era conhecido, ia às aldeias vênetas para fazer propaganda das fazendas

de café, misturando-se com os camponeses e cantando com eles em dialeto. Graças aos seus

esforços, a maior parte dos imigrantes que chegavam por intermédio da Promotora eram

italianos, sendo que já em 1888 seu Relatório mostra que, dos 36.000 pedidos de passagem

subsidiada, apenas 1000 não eram de italianos.

A Sociedade Promotora dava preferência a agricultores constituídos em

famílias, como exigia a lei, como também aos que eram chamados por familiares e amigos.

Em Relatório da Diretoria, de 1887, se mostra a importância que propugnadores da imigração

italiana davam aos chamados por carta:

“os cem mil italianos aproximadamente estabelecidos em todas as

zonas da Província, em todas as cidades, vilas, freguesias e fazendas,

ainda as mais remotas, ocupados em vários misteres, relativamente

felizes, bem aceitos, despreocupados das misérias de seu país natal,

dos tributos vexatórios de um fisco cruel e do bárbaro serviço militar,

aí estão fazendo a única propaganda real, séria e convincente, por

meio de cartas e informações detalhadas aos que nos atacam

injustamente. A propaganda dos livros, brochuras e jornais não têm a

importância que se lhes atribui e muito pouco influíram para trazer

imigrantes”.

3 Antônio Queiroz Telles foi presidente da Província de São Paulo.

Antônio Queiroz Telles foi presidente da província de São Paulo.
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No jornal O Estado de São Paulo, quase 20 anos mais tarde, se frisa a importância das

cartas dos imigrantes: “mil comissões para aqui enviadas não poderiam conseguir para a

sua causa o que conseguem as castas dos colonos das fazendas de café de São Paulo”.

A Sociedade Promotora de Imigração fazia contrato com a

administração, recebendo as verbas, que repassava, também por contratos diretos, às

transportadoras, procurando fiscalizar as condições de viagem. O primeiro contrato, apenas

para dar um exemplo, feito com o governo de São Paulo em julho de 1886, devia introduzir,

através da transportadora Ângelo Fiorita, 6000 imigrantes.

Dos 14 contratos feitos pela Sociedade Promotora, destacamos o

sétimo, que deveria trazer, em 1888, 100.000 imigrantes através da transportadora Fiorita &

Zerrener. Como os subsídios deveriam ser dados, de preferência, aos imigrantes agricultores

organizados em famílias, muitos contratos da Promotora estipulavam o número de famílias

que deveriam ser introduzidas.

Do total de 266.732 imigrantes trazidos pela Promotora, cerca de 65%

tinham idade superior a 12 anos e 34% eram do sexo masculino, demonstrando que o

objetivo era mesmo trazer apenas famílias, famílias que, pelos Relatórios, em média

constavam de cinco membros. A Sociedade Promotora, interessando-se apenas por famílias,

queria evitar a imigração temporária, como a que se dirigiu para a Argentina, já que a

cafeicultura necessitava de trabalhadores fixos na fazenda.

Mostrando a filosofia da Promotora, vale a pena citar o Relatório de

1888 de Martinho Prado Junior: “Todas as críticas que a Sociedade Promotora recebe, por

trazer velhos octogenários, mulheres grávidas e recém-nascidos, demonstram a profunda

ignorância, pois é inegável a influência extraordinária, que sobre a moral do imigrante exerce

o fato de transportar consigo os que lhe pertencem pelo sangue e pelo coração”. O

repatriamento ou reemigração seria bem mais difícil aos imigrantes constituídos em famílias.

Além do mais, interessava ao fazendeiro o trabalho familiar no cafezal e a Promotora

garantia a todas as famílias emprego logo que chegassem, desvanecendo as dúvidas do

governo italiano quanto à permissão do embarque de famílias.

Além de organizar a vinda de imigrantes, a Promotora ainda recebeu a

incumbência de administrar a Hospedaria dos Imigrantes na capital da Província. A

Hospedaria dos Imigrantes do Brás, constituída durante a presidência do Conde de Parnaíba,

com todos os requisitos para alojar 4.000 imigrantes, funcionou como uma verdadeira “Bolsa

de Empregos” para os imigrantes italianos. A hospedaria desempenhou ainda ação

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polarizadora intensa, fazendo crescer ao seu redor o bairro italiano mais típico da cidade, o

Brás, fixando mão-de-obra para a incipiente industrialização.

A política de imigração, visando principalmente trazer italianos para as

fazendas de café paulistas, foi um sucesso de administração que, sempre a serviço dos

fazendeiros, fez de tudo para resolver os principais problemas que aquele movimento de

massa continha em seu bojo. Fraudes por parte dos contratantes, das companhias de

navegação e até de funcionários ligados aos serviços de imigração eram uma constante.

Atritos com os fazendeiros acostumados ao trabalho escravo se faziam presentes

constantemente. No entanto, a Sociedade Promotora sempre soube resolver a maior parte dos

impasses causados pelos interesses tanto de imigrantes, quanto da elite agrária dominante.

• OS ORGANISMOS DE ASSISTÊNCIA

Se a organização institucional de atração de imigrantes, de sua

recepção e de sua distribuição pelo interior data, como já foi mostrado, da última década do

império, a assistência ao imigrante, enquanto trabalhador rural, data da primeira década do

século XX.

Foram tomadas uma série de medidas, tanto no âmbito federal, quanto

no âmbito estadual, que possibilitasse o surgimento de instituições que iriam tentar resolver

os problemas oriundos das relações de trabalho existentes no mundo rural.

Um dos graves problemas que os imigrantes tinham que enfrentar era a

dívida do fazendeiro para com eles. As relações de trabalho foram beneficiadas pelas leis

federais de 19044 e de 19065, que já declaravam privilegiadas as dívidas proeminentes do

trabalho agrícola, que deviam ser saudadas com o produto da colheita, de preferência a

qualquer outra.

A fim de diminuir as queixas dos imigrantes, principalmente dos

italianos, que em 1902 tinham dado origem ao “Decreto Prinetti”, criou-se em 1906 a

Agência Oficial de Colonização e Trabalho, mais tarde Agência Oficial de Colonização. A

Agência funcionava anexa à Hospedaria dos Imigrantes, devendo disciplinar o mercado de

trabalho e exercer a vigilância sobre a execução dos contratos de trabalho. A Agência

elaborou um contrato modelo, que devia uniformizar o sistema de colonato nas fazendas

4 Lei Bernardino de Campos de 1904.5 Lei Cardoso de Almeida de 1906.

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paulistas. Em 1911 criou-se o Patronato Agrícola, que deveria fornecer assistência jurídica

gratuita aos imigrantes, a fim de obterem o fiel cumprimento de seus contratos. O Patronato

também deveria levar às autoridades competentes as queixas dos imigrantes a respeito de

atentados a sua honra, vida ou bens.

As medidas para institucionalizar os serviços para a defesa do trabalho

culminaram com a criação do Departamento Estadual do Trabalho, em 1911. Este

departamento passou a englobar a Hospedaria dos Imigrantes e a Agência de Colocação. A

finalidade principal do Departamento do Trabalho era a assistência aos imigrantes, dando-

lhes condições mais favoráveis de trabalho. Convém lembrar que, quando de sua criação, o

Departamento do Trabalho visava apenas o trabalho rural, passando a agir no meio urbano

mais tarde.

Com essa institucionalização dos serviços de imigração e de defesa dos

imigrantes, já na segunda década do século XX, as queixas dos imigrantes diminuíram e as

relações de trabalho também se tornaram menos conflituosas, superando em parte as causas

que levaram o governo italiano ao “Decreto Prinetti”, em 1902.

Instituições, leis, medo de ficar sem um suprimento abundante de

braços e gradual perda da mentalidade escravocrata por parte dos fazendeiros tornaram as

relações de trabalho menos conflituosas, mais humanas e mais modernas. Enfim, os

movimento de pressão por parte dos imigrantes italianos, reivindicando e reclamando,

começou a dar seus frutos, depois do susto provocado entre os cafeicultores pelo “Decreto

Prinetti”.

Apesar de toda a modernização que perpassa o trabalho agrícola no

oeste de São Paulo, objetivando tornar mais claras as obrigações entre fazendeiro e colono,

não deixou de haver atritos no mundo rural paulista.

Os próprios italianos procuraram criar instituições que os protegessem.

Assim, por exemplo, em Santos foi criado em 1902 um “Instituto di Patronato”, que devia

auxiliar os recém-chegados, receber pedidos de fazendeiros e repatriar indigentes. Esse

Instituto era mantido por sócios, e também recebia auxilio do Comissariado Italiano. Em São

Paulo foi criado no mesmo ano um “Instituto di Patronato” com apoio do Consulado Italiano

e da Sociedade de Mútuo Socorro Galileu Galilei. Esse Instituto enviava um delegado à

estação a fim de receber os imigrantes, além de procurar empregos e internar doentes e

órfãos. Ele era mantido por contribuições de sócios, subscrições de italianos na cidade e por

auxílio do Comissariado Italiano do Fundo de Imigração.

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Instituições semelhantes funcionavam em Campinas e em São Carlos

do Pinhal a partir de 1903. Por volta de 1910 tentou-se instalar um instituto semelhante em

Ribeirão Preto. Todas essas iniciativas foram bem sucedidas no Estado de São Paulo. Os

próprios imigrantes, quer na fazenda, quer nas cidades, procuraram se organizar em

sociedades de mútuo socorro, que proliferaram em São Paulo, a fim de resistir a todas as

adversidades a que estavam sujeitos.

As queixas mais freqüentes no início da grande imigração referiam-se

ao tratamento dispensado pelo fazendeiro ao colono italiano. Vigilância do tipo escravocrata,

multas que os fazendeiros acostumados a tratar com escravos queriam impor ao braço livre

por o que eles consideravam faltas, ausência de liberdade de ir e vir, fiscalização do horário e

de serviço eram conferidos constantemente. O fazendeiro não raro achava-se no direito de se

imiscuir nos assuntos domésticos dos colonos, em geral não considerados como

colaboradores, mas como trabalhadores inferiores, muito próximos aos escravos. Os excessos

de fazendeiros e de administradores, quanto ao tratamento dispensado ao imigrante italiano,

se devia sempre ao fato de esquecerem que se tratava de homens livres. Essa mentalidade

escravocrata, difícil de ser vencida, provocou não poucos atritos, que causaram dissabores à

administração e funcionava como contrapropaganda na Itália.

Nos primeiros tempos, em que as relações entre fazendeiros e colonos

ainda não estavam bem definidas, problemas como esse eram comuns.

A mentalidade escravocrata também se fazia sentir quanto aos

alojamentos que deveriam ser cedidos aos recém-chegados. Não foram poucos os italianos

que, no início da grande imigração, foram alojados em antigas senzalas ou em casas muito

ruins. Só com o tempo os fazendeiros perceberam que tinham que oferecer casas mais bem

construídas para manter o colono na fazenda.

Outro problema que criava constantes atritos era o endividamento dos

imigrantes nas fazendas, principalmente nos primeiros meses, já que tinham que recorrer aos

armazéns da fazenda para se abastecer, pois as grandes distâncias impediam a ida até o

núcleo urbano. Os preços nesses armazéns eram quase sempre abusivos, pois os fazendeiros

acreditavam que com as dívidas podiam prender os colonos à fazenda.

Nos primeiros tempos da grande imigração, apareceram também

inúmeras queixas sobre o pagamento impontual do salário, deixando os colonos, às vezes,

esperar por meses, quando não por anos.

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Em geral, também apareceram queixas sobre as rendas que os

imigrantes podiam conseguir na fazenda de café. A propaganda, funcionando como fábrica de

sonhos, costumava afirmar que as famílias, trabalhando bem, poderiam, no fim de alguns

anos, comprar um lote de terra para se estabelecer como pequenos proprietários. Assegura-se

que as economias que os colonos poderiam fazer eram constantes e não desprezíveis. Nem

sempre, entretanto, isso foi possível. Em muitos casos o balanço de fim de ano nem sempre

era favorável ao colono, principalmente, quando a família não era composta de pelo menos 4

membros aptos para o trabalho no cafezal, e quando as doenças arruinavam suas finanças.

Os serviços de imigração havia muito tinham percebido a importância

da família, tanto que, como já se falou, as passagens subsidiadas eram de preferência dadas às

famílias. Mulheres e crianças eram muito importantes no esquema de trabalho da fazenda.

Cálculos apontam que um homem podia cuidar de 2.500 pés de café; enquanto mulheres e

crianças de 1.000.

Talvez mais que todos os problemas referidos, o isolamento a que os

colonos eram sujeitos na fazenda de café era a queixa mais contundente. Os imigrantes,

arrancados de suas aldeias, onde talvez fossem paupérrimos, mas jamais privados de

satisfações culturais, sociais e religiosas, se sentiram profundamente frustrados, quando

jogados em fazendas completamente isoladas, com distâncias enormes entre umas e outras e

sem estradas vicinais carroçáveis para chegar a uma vila ou cidade.

As queixas contra o isolamento, a falta de assistência religiosa eram

uma constante e, ao que parece, muito mais comuns no “império do café” do que nas áreas de

pequenas propriedades no sul do país. Esse problema, à medida em que as plantações de café

se consolidavam, foi sendo minimizado com a organização da infra-estrutura e com a gradual

urbanização do Estado. Permaneceram, entretanto, nas frentes pioneiras as queixas contra o

isolamento social, cultural e religioso. Aos poucos os próprios imigrantes foram

reconstituindo, não só os laços sociais semelhantes aos da pátria, como também uma cultura

que lhes desse satisfação cultural e de lazer, daí surgindo, por exemplo, as inúmeras

associações para cultivar a música e o teatro e a proliferação de jornais no “país das

fazendas”.

As fontes deixam entrever uma gradual melhoria nas condições de vida

e de trabalho nas fazendas de café, principalmente a partir da segunda década do século XX.

São muitos os testemunhos que revelam que as condições de trabalho, de um modo geral,

tiveram uma sensível melhora depois do “Decreto Prinetti”.

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Capítulo II

OS ITALIANOS E PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO

Para que se possa entender melhor a participação do imigrante italiano

no processo dentro do qual se originou a industrialização do país, é necessário antes de mais

nada, ter em mente o fato de que, embora de forma relativamente modesta, iniciativas

voltadas para atividades de natureza industrial já se verificavam no decorrer do século XX,

em particular na segunda metade.

Algumas mudanças verificadas em meados do século contribuíram de

forma sensível para que se originassem condições que propiciaram, especialmente a partir do

último quartel, o surgimento de atividades industriais mais significativas no país. A lei de

1850 proibindo o tráfico de escravos, a lei de terras de 1850, regulamentada em 1854,

contribuindo para modificar radicalmente o processo de acesso à terra, praticamente

transformando-a em mercadoria, a criação pelo Senador Vergueiro das primeiras “colônias de

parceria”, na mesma época, com a introdução de colonos europeus para a lavoura de café,

ainda na mesma época, superando o açúcar como principal produto de exportação do país, a

fato de a balança comercial ter se caracterizado pela apresentação de saldo comercial na

maior parte da segunda metade do século, a construção de ferrovias próprias para o

escoamento da produção para o exterior, são alguns elementos que pautam as mudanças a que

se fez referência. No conjunto, o fato mais significativo foi a geração de renda possibilitada

pela lavoura cafeeira que, embora em parte, reinvestida na própria expansão das áreas de

cultura, pôde ser empregada, também, para alimentar outras iniciativas econômicas não

necessariamente agrária.

Um pouco por toda parte surgiram fábricas, de fiação e tecelagem, de

calçados e artigos de couro em geral, alimentos, sabão e louças, e de muitos outros produtos,

em número e variedade que lhes davam um significado bem mais amplo daqueles que

tiveram iniciativas anteriores, a exemplo das fábricas de tecidos de algodão criadas em São

Paulo sob o amparo oficial no início do século XX. Isso, ao mesmo tempo em que se

inaugurava a divisão do trabalho na área rural com implantação dos “engenhos centrais” e a

conseqüente distinção entre o fabricante de açúcar e o cultivador de cana.

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Os contornos das condições geradas por elementos como os referidos

acima tornaram-se sempre mais nítidos à medida em que foi se aproximando o início do

século XX, em particular com a abolição da escravatura em 1888 e com o início do grande

fluxo imigratório na década de 1870, praticamente implicando na definitiva substituição do

trabalho servil pelo trabalho assalariado, dito livre.

A grande imigração verificou-se particularmente no período de 1890 a

1920. De 1820 até 1890 ingressaram no país pouco menos de um milhão de imigrantes. De

1891 a 1920 o Brasil acolheu mais de 2.500.000 imigrantes, convindo lembrar que de 1820

aos nossos dias o total de imigrantes que ingressaram no país somou cerca de 5.500.000. Essa

massa de imigrantes significou antes de mais nada, como já se disse, um elemento dos mais

expressivos no processo de mudança de trabalho escravo para assalariado. Mas significou, ao

mesmo tempo, instrumento não descurável no aceleramento do ritmo de crescimento

demográfico, assim como na gênese de uma urbanização mais vigorosa da que o país

conhecera até o período considerado. Cabe apenas acenar para o fato de que em 1890 a

população do Brasil totalizava pouco mais de 14.000.000 de pessoas, passando para mais de

30.000.000 em 1920.

A grande imigração significou, principalmente, elemento de inegável

importância para a definição de um razoável esboço de desenvolvimento de um mercado

interno. Sua presença, a do imigrante, o que eqüivale dizer do assalariado, aliada à crescente e

dominante economia cafeeira, contribuiu sensivelmente para privilegiar economicamente

determinadas partes do país, em particular o atual Estado de São Paulo, tendo tido portanto

participação nos mecanismos que originaram ao mesmo tempo um “mercado interno” e uma

diferenciação econômica regional que conduziria aos desequilíbrios que caracterizam hoje

territorialmente o Brasil.

É evidente que o mercado interno já existia anteriormente. As “áreas de

economia de exportação”, em certos casos monocultoras, eram abastecidas em determinados

produtos, em grande parte alimentos, através da produção das “áreas de economia de

sustentação”. A partir da segunda metade do século XIX, entretanto, e principalmente a partir

de fins do século, uma dessas áreas de economia de exportação, correspondente ao território

paulista, transforma-se de modo a liderar economicamente o país à medida em que se impõe

com sua lavoura cafeeira e a medida em que passa a destacar-se graças à sua indústria.

Expressão significativa dessa mudança está no fato de que o porto de Santos, no fim do

século XIX o porto de São Paulo, o porto do café, no decorrer do século XX acaba tornando-

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se antes de mais nada um porto de importação, dado que as exportações paulistas passam a

interessar basicamente ao território nacional.

Em termos de mercado, cabe fazer uma referência ainda a um aspecto

dos mais importantes e que interessou de perto à massa imigrante. Nas áreas urbanas que

começavam a conhecer uma importância relativa, crescente, e em algumas áreas rurais do

sudeste e do sul do país, com a industrialização e desenvolvimento da policultura em

pequenas propriedades, esboçou-se o surgimento de uma categoria sócio-econômica

intermediária que, com o tempo, passaria a ter uma expressão ponderável na economia de

consumo que iria se desenvolver.

No conjunto verificou-se no país, durante o período considerado, um

processo de reordenação territorial do trabalho, com definição de uma particular organização

interegional do trabalho, coerente e incluso no de mais amplo respiro, interessando a divisão

internacional do trabalho no quadro do mercado mundial sob a égide dos mecanismos

comandados pelos interesses do capital.

A transferência para o Brasil de alguns milhões de pessoas oriundas de

várias partes do globo, mas principalmente da Europa, da mesma forma como a transferência,

no período considerado e em períodos imediatamente anteriores e posteriores, de massas de

imigrantes para os E.U.A, ou Canadá, Argentina ou Uruguai, Venezuela ou Chile, Austrália

ou outros países, implicou um processo de redistribuição de força de trabalho a serviço das

novas necessidades, frutos das solicitações do capital. Nesse quadro, no qual o

desenvolvimento do capitalismo adquiria traços específicos nas áreas de origem dos

imigrantes, a presença italiana foi inegavelmente muito significativa.

Interessante o fato de que, aparentemente pelo menos nas intenções, e

nos primeiros lustros tudo indicando que o foi de fato, a importação de força-de-trabalho no

Brasil se tenha verificado com o objetivo de reforçar as condições inerentes à tradicional

organização do mercado. Assim é que, muito simplificadas as coisas, enquanto para o Brasil

de sudeste e em particular para São Paulo, importava-se força-de-trabalho para manter e

fortalecer uma economia de exportação, com o robustecimento do complexo cafeeiro, nos

Estados do sul, particularmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o fluxo imigratório

iria interessar fundamentalmente o incremento de atividades relacionadas com a economia de

sustentação, voltada, portanto, para o mercado interno. Este último aspecto não foi estranho

também no sudeste onde, ao mesmo tempo em que eram importados colonos para as fazendas

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de café, implantavam-se “núcleos coloniais” que a partir de “reservas de mão-de-obra”,

funcionariam também como abastecedores de produtos alimentícios.

Conforme foi lembrado anteriormente, a par de um crescimento

demográfico, de uma ou de outra forma essa presença imigrante implicou em um momento de

razoável crescimento da população urbana, inclusive com o surgimento de um elevado

número de novas cidades, paralelamente à definição de uma sempre nítida divisão do

trabalho, social e territorial ao mesmo tempo. Cresceu em conseqüência o mercado, de resto

mais diversificado nas suas solicitações como decorrência da presença de estoques étnico-

culturais de origem diversas. A necessidade de abastecer uma população urbana em

crescimento sempre mais rápido e o incremento das solicitações qualitativamente

diferenciadas e não restritas às elites econômicas numericamente pouco expressivas, mas

passando a interessar sempre mais também as camadas sócio-econômicas intermediárias

ascendentes, a par de estimular as importações, particularmente de produtos industriais, tudo

contribuiu para favorecer o desenvolvimento das atividades policultoras nas zonas rurais e

das atividades de natureza industrial em particular nos centros urbanos.. Tudo sob o manto da

cafeicultura.

O fato é que durante os últimos lustros do século XIX verificou-se um

extraordinário surto de atividades de natureza industrial, em particular na cidade de São Paulo

e no restante do Estado e, secundariamente, em outras partes do Brasil de Sudeste e nos

Estados do Sul. tratava-se de fábricas e oficinas, geralmente de dimensões muito modestas –

mão-de-obra numericamente reduzida, quando não limitada ao trabalho familiar, emprego de

força motriz modesta ou simplesmente do “motor animado”, capital escasso, pequena

produção – distribuídas um pouco por toda parte, embora marcante concentração em alguns

centros urbanos (Rio de Janeiro e São Paulo), voltadas para a produção de bens de consumo

ao alcance de um mercado ainda caracterizado por um baixo poder aquisitivo. A presença de

alguns grandes estabelecimentos não invalida o quadro geral apontado.

Nos Estados do Sul, essas atividades interessavam, antes de mais nada,

a alemães e italianos, e não poderia ser de outra forma. A população luso brasileira dedicava-

se a outras atividades, quer fosse a pecuária das coxilhas gaúchas ou dos campos dos

planaltos meridionais, quer fosse a pesca e policultura de subsistência das populações

litorâneas. É no seio das grandes colônias homogêneas, primeiramente nas teutas e em

seguida nas italianas que, a par da policultura em pequenas propriedades, de condução

familiar, surgem e desenvolvem-se as atividades de natureza industrial, inicialmente

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marcadamente artesanais. No Brasil de Sudeste, e no Estado de São Paulo em particular, a par

da presença de iniciativas de lusos brasileiros, avultaram-se as iniciativas de imigrantes de

todas as origens, portugueses, alemães, sírio-libaneses e outros, entre todos eles merecendo

um particular destaque os italianos.

A verdade é que não seria é que não seria possível compreender o

processo de desenvolvimento industrial do país sem considerar o significado do período que

vai de 1890 até a Primeira Guerra Mundial, ou até 1920, assim como o papel do “complexo

cafeeiro” nesse período, e a natureza da participação do imigrante, no último caso

principalmente italiano.

Cabe lembrar alguns aspectos que interessam de perto ao problema a

que, salvo melhor juízo, merecem ser considerados para um mais amplo entendimento da

natureza e significado da participação do imigrante italiano nessa fase. Convém lembrar

também que outros estoques étnico-culturais, além do italiano, tiveram participação

significativa nas mudanças verificadas no país durante o período apontado e que a presença

italiana, embora repercussões mais nítidas, deve ser compreendida como parte do conjunto.

Convém lembrar ainda, que a presença italiana foi numericamente vultosa, somente

equiparável à dos portugueses, acima de 1.500.000 imigrantes para um total de

aproximadamente 5.500.000, e que, em particular no período considerado, para um total de

cerca de 2.500.000 imigrantes entrados (1891 a 1920), os italianos participaram com cerca de

1.000.000. Em conseqüência, no caso da imigração italiana, foram ressaltados sempre os

aspectos eventualmente de significado merecedor de uma atenção maior> Em outras palavras,

determinados aspectos valorizados para casos de contingentes étnico-culturais

numericamente menos significativos, em muitos casos perderam-se ou foram transcurados

quando se tratou de considerar o contingente italiano.

Das observações acima decorre o fato de que, ao se abordar o

significado da imigração para o Brasil é necessário ter sempre em mente que a seu respeito

definiram-se inúmeros estereótipos, como todos os estereótipos tendo relações apenas

parciais com a realidade. Tais estereótipos com muita freqüência estão presentes nas

interpretações a respeito do fenômeno imigratório italiano. A estereotipia , relacionada com o

caráter de imigração de massa, permite compreender, por exemplo, o porquê da idéia

dominante de que em geral os imigrantes eram pobres ou miseráveis, transcurando-se o fato

de que parte da imigração interessou gente oriunda da pequena burguesia e excepcionalmente

de categorias sócio-econômicas melhor aquinhoadas. Permite compreender, também, a idéia

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dominante de que todos ou quase todos eram analfabetos, e não somente um percentual deles,

embora elevados, ou ainda, que eram agricultores, todos eles, quando uma grande parte na

verdade tinha uma outra condição profissional e dirigiu-se, com ou sem passagem por zona

rural, para os centros urbanos.

É necessário ter em mente que, no conjunto da massa de imigrantes

italianos, uma percentagem relativamente baixa de alfabetizados, ou de pessoas com alguns

recursos econômicos, assim como de pessoas com alguma formação técnico-profissional,

poderia representar números absolutos não raros superiores a totais de alguns grupos de

imigrantes de outras procedências.

No quadro da estereotipia a que se fez referência insere-se a idéia do

imigrante pobre, sem qualquer recurso a não ser a sua extraordinária força de vontade, a sua

engenhosidade e sua dedicação ao trabalho, imigrante não raro analfabeto que, com empenho

sistemático, incontáveis e inenarráveis sacrifícios, consegue primeiramente ascender

economicamente e, a seguir, com ou sem casamento com membros de famílias luso-

brasileiras tradicionais, ou mais especificamente com membros de famílias de “paulistas de

quatrocentos anos”, acabando por impor-se socialmente, mesmo que a contra gosto mal

disfarçado da sociedade em que está inserido.

Como se verá, tal estereótipo também corresponde a uma parte da

realidade, difícil senão impossível de pesar ou de medir, certamente muito significativa, mas

também certamente longe de corresponder à totalidade da realidade. No contingente de

imigrantes entrados no país durante o período considerado, decididamente extraordinário para

a época, não foram poucos aqueles chegados com alguns recursos financeiros, não raros

suficientes para permitir iniciativas de vulto relativamente significativo no quadro da

economia brasileira de então, particularmente no quadro das economias locais ou regionais.

Com muita freqüência tais iniciativas interessaram antes de mais nada atividades de natureza

comercial – representação e importação de produtos europeus, por exemplo – mas também

com freqüência interessavam atividades de natureza industrial, somadas às primeiras, ou

sucedendo-se às primeiras e aproveitando-se dos recursos por elas gerados.

Em casos numericamente não descuráveis, a precariedade dos recursos

financeiros pôde ser contrabalançada pelo fato de o imigrante portar uma bagagem técnica

especializada, em um particular setor da atividade fabril. Tal circunstância podia colocá-lo na

condição de unir-se a quem dispunha de capital para implantação de uma oficina de fundo-

de-quintal, ou um “atelier” ou, então, podia permiti-lhe pôr-se a serviço de iniciativas de

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terceiros, na condição de assalariado, numa segunda etapa abrindo-lhe perspectiva para o

encetamento de alguma atividade por conta própria, geralmente modesta, pelo menos no seu

início. Em determinados casos o imigrante com formação técnica era praticamente importado

por algum industrial já bem sucedido.

Na realidade em que o quadro a que se fez referência sobre as

mudanças econômicas – poder-se-ia dizer, sobre a “modernização – foi adquirindo maior

consistência e, portanto, propiciando maiores oportunidades, a presença do imigrante com

recursos financeiros e/ou técnicos conheceu uma tendência para aumentar numericamente.

Dessa forma, especialmente a partir da última década do século XIX, no seio da massa de

imigrantes orientados principalmente para as fazendas de café ou para os “núcleos coloniais”

dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, ou ainda para as colônias dos Estados meridionais

ou do Espírito Santo, vieram também aqueles que, principalmente nos centros urbanos, e

particularmente em São Paulo, tinham como objetivo dedicar-se ao comércio, praticar suas

atividades artesanais ou implantar oficinas e mesmo fábricas. Eram atraídos por um mercado

em pleno crescimento que poderia atrair, como de fato aconteceu, também profissionais

liberais, professores, jornalistas, artistas, e muitos outros. O “fazer a América”, para muitos

deles, deixava de ser alguma coisa ancorada à esperança, para tornar-se fruto não raro de

cálculo de possibilidades.

Como se disse, talvez seja impossível pesar ou medir esse tipo de

presença do imigrante italiano. Entretanto, basta folhear não apenas as publicações dedicadas

a este ou aquele industrial, na maioria das vezes intencionalmente laudatórias, e

principalmente a soma não descurável de publicações comemorativas, mas também álbuns e

livros do tipo “A colaboração italiana no desenvolvimento do Brasil” ou de São Paulo, etc.

para que se perceba que a imigração italiana para o país implicou basicamente na importação

de “motores animados”, de força-de-trabalho, mas implicou também na importação de técnica

e inclusive de capital, neste último caso necessariamente modesto – o capitalismo italiano era

relativamente pobre – porém não irrelevante.

Cabe lembrar que, juntamente com o estoque luso-brasileiro

tradicional, de raízes rurais, assim como imigrantes de outras origens, essa parcela do

contingente imigrante italiano acabou por adquirir um papel de expressão no processo de

formação de uma burguesia urbano-industrial, de fato relativamente modesta no cenário

mundial, mas de indiscutível significado no cenário nacional.

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A burguesia urbano-industrial em processo ascendente que, como foi

frisado, contou com ponderável participação imigrante, preponderantemente de origem

italiana, em parte associou-se à burguesia agrária tradicional, na medida em que esta era

detentora de grande parcela dos recursos que de uma ou de outra forma eram gerados pela

cafeicultura e canalizados para a indústria, e na medida em que os troncos familiares

tradicionais, nem sempre economicamente decadentes, cruzavam-se através do casamento

com as famílias de “novos ricos”, em especial com as famílias daqueles que pejorativamente

eram considerados “carcamanos” enriquecidos, em grande parte industriais portadores ou não

de títulos nobiliárquicos de raízes antigas ou não. No conjunto, através de um relacionamento

altamente contraditório, em que os preconceitos e prejuízos eram mais ou menos superados

pelas identidades de interesses econômicos, verificava-se um favorecimento do processo de

concentração do capital. O fenômeno em questão interessou mais de perto ao Estado de São

Paulo.

No caldo de cultura sócio-econômico de recente definição que passava

a caracterizar determinadas partes do país, São Paulo antes de mais nada, mas também o Rio

de Janeiro e Porto Alegre, assim como muitas cidades do interior do Estado de São Paulo ou

das áreas de colonização estrangeira do Brasil meridional, floresceram fortunas

freqüentemente geradas pela atividade industrial e freqüentemente por estar associada a

outras atividades, financeiras, comerciais ou de serviços. Destacaram-se logo alguns nomes

que, no decorrer do tempo, passaram a ser mencionados sempre como paradigmas do trabalho

italiano no Brasil e padrões representativos do processo de ascensão sócio-econômico do

imigrante. Mais numerosos em São Paulo, tais nomes multiplicaram-se também no Rio de

Janeiro, em Porto Alegre, assim como em cidades como Juiz de Fora, Curitiba, Caxias do Sul

ou Campinas. Matarazzo e Crespi, De Camuillis e Siciliano, Gamba e Bonfiglioli, Eberle e

Gazola, Ramenzoni e Fileppo, Todeschini e Termignoni, Falchi e D’Aangelo, Puglisi-

Carbone e Scarpa, Germani e Pagnocelli, Giorgi e Morganti e muitos outros, em escala

nacional ou regional, tendo sido referidos alguns tão somente à guisa de exemplos, passaram

a identificar a idéia de sucesso do imigrante, em particular a idéia de valorização do papel do

imigrante no processo de industrialização. O mesmo verificou-se, de resto em outros setores

de atividades, e o mesmo sentido tem sido dado aos Lunardelli, Martinelli, Bricola e outros.

Não há como negar a indiscutível importância dos casos referidos, e de

muitos outros, no crescimento da indústria –e de outras atividades – em particular na fase que

está sendo objeto de abordagem. Não há como não reconhecer, também, que em

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determinados casos trata-se de “self made man”, “uomini che si son fatti da se”, que

construíram “impérios” econômico-financeiros mais menos significativos a partir de recursos

materiais às vezes irrisórios. Não seria possível, portanto, compreender as vicissitudes da

economia brasileira nos fins do século XIX e início do século XX sem atentar-se para o tipo

de contribuição dessa gente. Há necessidade de lembrar, entretanto, que ao lado daquelas

pessoas que inegavelmente se destacaram na condição de grandes empreendedores industriais

e freqüentemente ao mesmo tempo financeiros e comerciais, houve uma multidão de

responsáveis por pequenas fábricas, oficinas, “ateliers”, uma multidão de artífices e artesãos.

Em 1900, já existiam numerosas indústrias italianas de vulto, muitas

das quais deveriam se transformar com tempo, em vigorosos esteios de nosso parque

industrial, como pode ser constatado no quadro da pg. 28 e 29:

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INDÚSTRIAS ITALIANAS DE SÃO APULO EM 1900

NOME DA EMPRESA RAMO DE ATIVIDADE PROPRIETÁRIO FUNDAÇÃORegoli, Crespi & Cia. Fab. Tec. lã, algodão, meia Regoli, Crespi 1897Guilherme Poletti & Cia. Fáb. Tec. lã G. Poletti 1895Fáb. E. Dell`Acqua & Cia. Tec. algodão E. Dell`Acqua 1891Sociedade Dell`Acqua Fáb. lã e algodão E. Della`Acqua ---Irmão Refinetti Fáb móveis Ir. Refinetti 1888Ant. de Masso Fáb. Móveis A, de Masso 1888Indústria Paulista Fáb. calçados Miguel Melillo ----Fáb. Instrum. Música Instrum. Musicais José D`Aló 1894Atelier de Escultura Atelier de escultura Martinho Del Favero 1893Fábrica de Pianos Fábrica de pianos Isidoro Nardelli 1881A Industrial Fáb. a vapor de massas alimentícias Romali & Cia. 1892A Suíça Fáb. de doces e vermute Cesare Brinato 1895Gravino Fáb. a vapor de calçados Vicente Costabile

Antonio Gravino 1898Santa Maria Fáb. tecidos de algodão Marchisio Loureiro,

Silverio & Cia. 1865Fratelli Secchi Fáb. massas alimentícias Henrique, Roberto

e Atilio Secchi 1896Fáb. a vapor de Tecidos São Paulo Fábrica de tecidos Alexandre Ranzini 1897Fáb. de Massas Christofani Fábrica de massas Ludovico Dal Portoz

E Francisco Casini 1878L`Artistica Estab. Tipo-Litográfico Innocencio M. Pagani 1890Única no Brasil Fáb. de material antisséptico Giacomo de Mattia 1900Francisco Regoli Fáb. de massas Francisco Regoli

e Cornélio Viadana 1898Moinho Matarazo Moinho Francisco Matarazzo 1900Monzini Schiffini & Cia. Fáb. de chapéus Deodato leme 1892Casa Helvétia Ladrilhos, cimento, etc. Achilles Isella 1891Luiz Trevisan & Irmão Licores, doces, etc. Luiz Trevisan & Irmão 1886Fábrica de Massas Piccirillo Fábrica de massas Giovanni Piccirillo 1896Fáb. de Massas a Vapor Paulista Fábrica de massas Irmãos Quaranta 1900Fáb. de Chapéus Deodato Leme Fábrica de chapéus Antonio Leme, Cesario Matano

e Nicola Serricchio 1899Antonio Bove Fáb. licores, vinagre, etc. Antonio Bove 1899Fáb. a Vapor de Tecido e FiaçãoDe Corda e Barbante Fáb. fiação de corda e barbante Enrico Maggi 1890Estab. Dos Irmãos Falchi Cerâmica, tecidos, graxa, confeitos Emigdio, Pamphilo,

e chocolates Bernardino Falchi 1890Lenise & Merati Fáb. de construção de ferro Lenise & Merati 1895Fracalanza Fáb. vassouras, cestos, etc. Angelo Fracalanza 1886Fáb. de Velas de Cera Brasil China Fáb. de velas de cera Antonio Felix Sarafana 1822Fáb. de Toldos, Colchões e Almofadas Fáb. toldos, colchões, almofadas Scorzato & Cia. 1879Ao Acordeon Cromático Fáb. instrumentos musicais Pedro Baccaglini 1889Cia. Mecânica Importadora de SP. Fabricação de máquinas Àlexandre Siciliano, Joaquim

F. Camargo e Cândido F.Lacerda 1890

BANDEIRA JUNIOR, A. F. A Indústria no Estado de São Paulo em 1901.

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Embora na maioria esmagadora dos casos não tenham originado

grandes empreendimentos, artesãos, artífices, proprietários ou não de oficinas e fábricas

modestas, no conjunto são merecedores de uma particular referência. Serralheiros e ferreiros,

seleiros e fabricantes de móveis, sapateiros e marceneiros, oleiros e fabricantes de doces,

carpinteiros e latoeiros, fabricantes de massas alimentícias e extratores de areia, alfaiates e

fabricantes de cerveja, litógrafos e fabricantes de calçados, tipógrafos e confeiteiros,, padeiros

e fabricantes de sabão, chapeleiros e fabricantes de instrumentos musicais, ceramistas e

torrefadores de café, produtores de vinho e modistas, refinadores de açúcar e proprietários de

serrarias, mestres de obra e marmoristas, assim como muitas e muitas outras atividades

mereceram a iniciativa e a dedicação de um elevado número de imigrantes, difícil senão

impossível de avaliar quantitativamente. Na esmagadora maioria dos casos tratava-se, cabe

insistir, de empreendimentos modestos exigindo a aplicação de parcos recursos financeiros,

não raro encaminhados exclusivamente à custa do emprego do trabalho individual de que

tivera a iniciativa, ou com auxílio de seus familiares. Tratava-se de atividades que, quando

segundo sua natureza não exigiam dependências especiais, instalavam-se na maioria dos

casos em dependências improvisadas, barracões, simples telheiros, fundo de quintais, quando

não um porão numa modesta casa de um cortiço ou mesmo num cômodo da própria

habitação.

Tais atividades multiplicaram-se por toda a parte onde chegou o

imigrante italiano. Naturalmente não foi o único imigrante a praticá-las. Nem foi o introdutor

de muitas delas. Outros grupos de imigrantes também participaram dessas iniciativas, e

muitas delas já eram praticadas pela população luso-brasileira. Foram os imigrantes italianos

que deram a essas atividades, entretanto, um impulso desconhecido até então. Isto sem falar

que, em muitos casos, contribuíram para multiplicar e diversificar atividades que implicavam

na aplicação de inegáveis dotes artísticos, a exemplo, entre outros, dos fabricantes de imagens

do Rio Grande do Sul ou dos marmoristas de São Paulo.

Uma particular menção merece o fato de que em determinadas áreas, a

exemplo do Rio Grande do Sul (zona de Caxias do Sul e de Santa Maria), do Espírito Santo

(especialmente Santa Tereza), de Santa Catarina (em particular no Sul do Estado) e

principalmente em São Paulo, particularmente de sua capital, os italianos tiveram uma

presença marcante na denominada indústria de construção civil, que através de atividades de

projetistas tecnicamente qualificados, quer através do papel desempenado pelos mestre de

obras, quer, ainda, através do trabalho dos pedreiros e demais profissionais voltados para a

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edilícia. A presença dessa gente foi de tal ordem importante que não se viu completo, hoje,

qualquer estudo sobre a evolução da arquitetura nas áreas referidas, em particular a

arquitetura popular, sem uma especial atenção ao seu trabalho. Felizmente, verifica-se uma

crescente preocupação com este aspecto da imigração em São Paulo e particularmente no Sul

do país.

Cabe insistir no fato de que tais atividades multiplicaram-se por toda

parte onde chegou o imigrante italiano. Naturalmente disseminaram-se de forma mais

significativa nos centros urbanos.

Nas áreas de colonização italiana, a exemplo daquelas do Rio Grande

do Sul, evidentemente tais atividades na prática interessavam só imigrantes dessa origem.

Mas os italianos tiveram papel preponderante também em outras partes onde a população era

formada por elementos de diferentes origens étnico-culturais. No início do século XX, por

exemplo em Campinas já existiam cerca de 70 oficinas e “ateliers”, além de 40 pequenas

fábricas pertencentes a italianos. Em Sorocaba, os italianos fabricavam desde sapatos e

chapéus a espelhos e instrumentos musicais de corda, desde produtos alimentícios a móveis,

etc. Em Piracicaba, num total de 144 oficinas, 129 pertenciam a italianos. Em Ouro Preto, os

italianos contavam com 22 oficinas, “ateliers” e pequenas fábricas. Em Uberaba, pertenciam

a italianos 6 fábricas e 52 oficinas. Em Lorena, italianos egressos do núcleo colonial de Canas

passaram a dominar todas as atividades de natureza artesanal. Na cidade de São Roque,

enquanto os italianos possuíam cerca de 60 fabriquetas e oficinas, os não italianos não

atingiam a soma de 20. Em Tambaú e outras localidades de concentração de cerâmica, os

italianos eram praticamente os únicos a desenvolver essa atividade. E o mesmo verificou-se

por um cem número de outras cidades.

Embora concentradas nos centros urbanos, tais atividades foram

desenvolvidas pelos imigrantes também nas áreas rurais. Naturalmente nestas as atividades

mais desenvolvidas foram aquelas mais pertinentes ao próprio mundo agrário, mas não

sempre exclusivamente limitadas a ele. Especialmente nas zonas de colonização do Rio

Grande do Sul e de Santa Catarina, mas também nas áreas rurais de São Paulo, Minas Gerais

e Espírito Santo, ou ainda do Paraná, na “colônia” ou na pequena propriedade, o artesão

trabalhava freqüentemente para um mercado local e não raro acabava por expandir suas

atividades relacionando-as com mercados mais amplos, da “capela”, da “linha colonial”, ou

do “travessão”, do “bairro rural” ou do “núcleo colonial” para o povoado, vila ou cidade

vizinha, com o tempo podendo verificar-se o crescimento para mercados mais distantes. Até

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que ponto a diversificada e importantíssima indústria dos municípios habitados por italianos

do Rio Grande do Sul em grande parte não teve origem em atividades artesanais do mundo

rural?

Multiplicaram-se, nas áreas com a presença de italianos, da mesma

forma como aconteceu no Sul com a presença de elementos germânicos, não apenas os

celeiros ou os fabricantes d carroças, os ferreiros e fabricantes de cadeiras e móveis em geral,

os funileiros e muitos outros, mas também os proprietários de serrarias, de atafonas, de

estabelecimentos voltados para o beneficiamento de produtos agrícolas. Os italianos estão

presentes com a disseminação dos equipamentos para o beneficiamento de arroz, no interior

de São Paulo ou no vale do Itajaí em Santa Catarina, beneficiamento de trigo nas zonas

colônias do Rio Grande do Sul, beneficiamento de café, a exemplo dos pequenos

estabelecimentos do vale de Santa Maria do Rio Doce no Espírito Santo, do açúcar, da

mandioca com as fecularias e, dentre outros, naturalmente aqueles relacionados com a

vitivinicultura, em São Roque ou no Sul de Santa Catarina e, principalmente, nas zonas de

colonização do nordeste do Rio Grande do Sul.

Em particular nos Estados meridionais desenvolveu-se, no seio das

colônias italianas, como de resto com mais ou menos intensidade verificou-se também nas

germânicas e eslavas, uma importante atividade relacionada com o abate de animais e

desenvolvimento de modestas indústrias de produtos de derivação animal.

No mundo rural multiplicaram-se também os pequenos

estabelecimentos voltados para a fabricação ou repara de instrumentos e utensílios agrícolas,

inclusive voltados para a fabricação de equipamentos para o beneficiamento de produtos

agrícolas.

Na generalidade dos casos trata-se sempre de iniciativas modestas, não

raro pouco duradouras, em muitos casos interessando apenas uma economia familiar com

excedentes disponíveis para a venda. O grandes moinhos existentes atualmente, assim como

muitos grandes frigoríficos, vinícolas importantes, assim como indústrias metalúrgicas

voltadas para a produção de equipamentos para a agropecuária, na maioria dos casos não têm

suas raízes nas iniciativas apontas acima. Mas é possível encontrar a grande vinícola ou o

grande moinho que praticamente nasceram na colônia de uma “linha” remota, especialmente

no Sul. O importante, entretanto, é que, a exemplo do que se verificou nos centros urbanos,

também nas áreas rurais as iniciativas disseminadas por toda parte constituíram uma base

para o posterior desenvolvimento das atividades de grande porte. Em certos casos, mesmo as

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indústrias localizadas nos centros urbanos tiveram sua origem pelo menos relacionada com

atividades do mundo rural. Um exemplo dos mais significativos é o da indústria de Piracicaba

no Estado de São Paulo, na qual de resto, verificou-se uma não descurável presença italiana.

Não se trata de atividades facilmente detectáveis e mensuráveis através

da documentação existente. A memória do pequeno empreendimento perde-se com

facilidade. É possível avaliar sua importância, entretanto, através das várias publicações

comemorativas e particularmente através dos “álbuns” dedicados a esta ou aquela localidade,

inclusive os nem sempre suficientemente valorizados “almanaques”. Naturalmente, ainda é

possível contar, também, com contribuição da memória dos mais velhos.

É evidente que, ao se considerar a gênese e os primeiros tempos da

indústria no país há de se destacar as iniciativas que deram origem a grandes fábricas, os

grandes grupos industriais, as indústrias que se caracterizaram, por um ou por outro motivo,

pela “modernização”, mas é inegável, também a necessidade de não olvidar justamente o

papel desempenhado por milhares de iniciativas modestas que, na maioria, nem seque

mereceram o reconhecimento da condição de “fabris”, mas que sem dúvida pesaram

sensivelmente no encaminhamento dos processos de mudança.

Não há dúvida que uma numerosa parcela de artífices e artesãos, assim

como de proprietários de pequenos estabelecimentos fabris, não conseguiu firmar-se, ficou no

caminho. Tal fato verificou-se principalmente de forma sempre mais sensível à medida em

que o capital, indispensável para acompanhar as iniciativas para uma economia de escala,

contribuía para derrotar àquelas que não dispunham de recursos. Em outras palavras, a

concentração sempre maior de capital acabou por marginalizar ou modificar o papel daqueles

que já haviam dado uma contribuição inegável para a formação do caldo de cultura do

processo de industrialização. Mais tarde, o fenômeno passaria a adquirir proporções bem

mais significativas, de resto comparáveis com a racionalidade própria de um capitalismo

sempre mais vigoroso. Que o digam os “colonos do vinho” do Rio Grande do Sul, ou os

inúmeros fabricantes de cerveja de cidades grandes e pequenas, ou ainda os modestos

fabricantes de doces, ou de ensacados de produtos de origem animal, e assim por diante. Que

o digam, também, os artesãos de todo tipo, submersos sob a avalanche da indústria moderna.

Na verdade o pequeno empreendedor de origem italiana via-se à frente dos mesmos

problemas que em muitos casos contribuíram para a derrocada das pequenas atividades de

natureza artesanal e que a população luso-brasileira alimentava um pouco por todo o país.

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Em determinados casos, a razão imediata da marginalização esteve

diretamente relacionada com o processo de mudanças técnicas, a exemplo da passagem das

“fábricas a vapor” para estabelecimentos cuja produção passou a ser gerada a partir de outros

recursos energéticos.

De qualquer forma, a partir dos grandes empreendimentos industriais,

mas também no seio das pequenas iniciativas, interessando as atividades inclusive de fundo-

de-quintal, foi possível alimentar a dinâmica do processo de mudança que o país estava

vivenciando naquele momento.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos distinguir, com relação às condições de vida e de trabalho do

imigrante italiano nas fazendas de café, duas fases. A primeira, extremamente violenta, que se

estenderia até o primeiro lustro ou até o fim da primeira década do século XX. Os

fazendeiros, saídos de um quadro econômico e social presidido pela escravidão, só aos poucos

compreenderam os anseios dos trabalhadores livres em suas fazendas, anseios esses ligados a

uma real melhoria das condições de vida, comparadas com aquelas que deixaram ao se

expatriar.

As forças de modernização que a imigração trouxe em seu bojo muitas

vezes foram os pomos da discórdia entre colonos e fazendeiros. A necessidade de escolas, de

assistência médica, jurídica e religiosa, além de um maior contato com o mundo, forçaram

mudanças no tradicional quadro do “império do café”.

A segunda fase se caracteriza por uma melhor adequação entre

interesses e necessidades de fazendeiros e imigrantes, o que não quer dizer que não houvesse

mais atritos. Além da diminuição da corrente imigratória, desenvolveu-se, como já

mostramos, uma organização institucional que intervém nas relações de trabalho na fazenda

paulista, além da melhoria dos serviços aos imigrantes ao chegar.

Quase que como uma reação por parte da classe dos fazendeiros a essa

nova realidade que exigia um maior respeito pelo colono, pode ser considerada a atração de

imigrantes japoneses, a partir de 1908, que seriam mais “dóceis”, mais frugais, mais

trabalhadores e menos exigentes. Revelaram-se, entretanto, não tão poucos exigentes e muitos

conflitos abalaram as áreas onde foram fixados, praticamente repetindo o que tinha acontecido

vinte anos antes com os italianos.

A instabilidade da mão-de-obra nas fazendas de café foi uma das

características do sistema de trabalho paulista. Perseguindo o eterno sonho de “fazer a

América”, os imigrantes italianos abandonavam as fazendas para se engajarem em outras

onde as condições pareciam melhores.

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Maior proximidade de uma vila, melhores casas, cafezal novo e mais

produtivo, patrão mais humano e mais pontual, maiores possibilidades de plantar gêneros

entre os cafeeiros ou em terras especialmente cedidas para tal, eram os principais fatores que

explicavam a grande mobilidade da mão-de-obra na fazenda paulista. Assim, por exemplo em

inícios do século passado, os imigrantes italianos preferiram se engajar nas fazendas novas,

organizadas em terras extremamente férteis, como as de Jaú ou Ribeirão Preto, a engajar-se

em áreas mais antigas, como Campinas.

As aspirações dos imigrantes, portanto, se casavam com a dinâmica

inerente à economia de tipo colonial como a cafeeira e que obrigatoriamente levava à

constante renovação das frentes pioneiras, diante do esgotamento do solo e do

envelhecimento dos cafeeiros.

Devido às condições inerentes ao sistema de trabalho nas fazendas de

café, e graças aos incentivos econômicos representados pela possibilidade de plantar gêneros,

havia uma constante preocupação da força de trabalho para que suas rendas não minguassem,

passando a pressionar e dirigir a frente pioneira, frente esta que, a partir doe início do século

XX, deixava de ser apenas resposta à procura de café pelo mercado consumidor, levando à

superprodução e a intervenção do Estado.

O sonho máximo, entretanto, era o de se tornar dono de um lote de terra

e não poucos italianos, depois de um estágio na fazenda de café, conseguiram alcançar esse

objetivo.

Se a imigração em massa reforçou as estruturas da grande propriedade

monocultora para o mercado externo, ela, como agente de mudanças modernizadoras, foi

responsável pela difusão da pequena propriedade policultora. Os dados referentes a 1904/5

apresentam cerca de 37% das propriedades rurais arroladas em São Paulo como tendo até 10

alqueires, sendo que em 1930/31 a mesma faixa de tamanho já apresentava 52%. Houve

também um aumento de propriedades nas mãos de estrangeiros: em 1904/5 cerca de 15% das

propriedades arroladas eram de estrangeiros tratando-se de pequenas propriedades.

Predominavam os italianos, perfazendo 66,4% dos proprietários estrangeiros. Em 1920 o

número de proprietários estrangeiros atingia 27,3% do total arrolado, sendo que desses 44,4%

eram italianos. Em 1934, 32,5% das propriedades rurais arroladas eram de estrangeiros,

constituindo os italianos ainda a maioria.

Como se pode explicar esse crescimento das pequenas propriedades e o

grande número de proprietários estrangeiros numa terra onde tudo foi organizado em função

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da grande propriedade cafeicultora? Quais os objetivos da camada hegemônica em permitir a

proliferação da pequena propriedade durante o período em que tantos imigrantes foram

convocados para trabalhar nas fazendas de café?

O imigrante desempenhou papel de destaque na organização da rede

fundiária durante a Primeira República. O imigrante, especialmente o italiano, agiu como

indivíduo, como família e como grupo para ter acesso a um pequeno pedaço de terra. O sonho

do imigrante abandonando a pátria, onde imperava o pauperismo e a impossibilidade de

acesso à terra, era transformar-se em proprietário de um lote de terra, sendo o trabalho na

fazenda considerado apenas um estágio de aprendizado das técnicas agrícolas de um país

tropical.

O imigrante italiano obrigou o Estado a rever sua atitude frente à

pequena propriedade, e muitas vezes continuava como assalariado, apesar de ser proprietário.

E nesse caso também o trabalhador familiar era de extrema

importância: os homens se assalariavam, as crianças e mulheres cultivavam a pequena

propriedade.

As camadas hegemônicas, porquanto temessem a pequena propriedade

como concorrente das fazendas de café com relação ao aliciamento dos recém-vindos, se

viram frente ao imperativo de criar condições para que os imigrantes tivessem acesso à

propriedade fundiária, depois de trabalhar certo número de anos na fazenda de café. Sem dar

condições mínimas para que o imigrante pudesse se tornar proprietário, os grandiosos

programas da Sociedade Promotora de Imigração não teriam surtido efeito.

Pode-se, portanto, ressaltar, de início, que a pequena propriedade surgiu

em São Paulo com objetivos bem diferentes do que nos outros estados, integrando-se em

outra realidade. Curiosamente, as iniciativas feitas durante o império, anteriores à década de

1880, pretendiam implantar em São Paulo núcleos de pequena propriedade com os mesmos

objetivos daqueles implantados nos estados sulinos. Com o advento da imigração em massa

de italianos, a pequena propriedade assume objetivos diferentes, mas nem sempre

complementares do latifúndio cafeeiro.

A administração paulista e a própria dinâmica da economia cafeeira

deram origem à multiplicação da pequena propriedade. A administração, sempre agindo em

conformidade com os interesses dos fazendeiros, teve de recorrer à criação de núcleos

coloniais que deviam funcionar como iscas para atrair os imigrantes e formar reservatórios de

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braços aos quais os fazendeiros pudessem recorrer. Tratava-se, portanto, de projetos inseridos

na economia cafeeira, conciliando os interesses de fazendeiros com os dos imigrantes.

Ao todo, foram criados, por iniciativa estadual, durante a Primeira

República, quinze núcleos coloniais, enquanto, durante o Império, tinham sido criados

dezessete núcleos, que podem ser considerados o resultado do “Decreto Prinetti” e das

pressões dos imigrantes, principalmente italianos, face às dificuldades de acesso à terra.

A própria dinâmica da economia cafeeira também deu origem ao

retalhamento do solo diante da pressão dos imigrantes. Fazendas com terras esgotadas – o

ciclo do cafeeiro fica em torno dos trinta anos – e próximas dos centros urbanos foram

loteadas e vendidas.

Fazendeiros loteavam terras impróprias para o café ou nos limites de

suas propriedades a fim de instalar um reservatório de braços ao qual pudessem recorrer em

épocas de colheita, por exemplo.

Além de promover a baixo custo a valorização fundiária com a

instalação de pequenas propriedades, os imigrantes deviam cultivar produtos que não se

davam bem no latifúndio, funcionando, portanto, esses lotes como complementares da

economia cafeeira, fornecendo inclusive alimentos para as populações urbanas em constante

crescimento diante da complexidade cada vez maior da vida econômica de São Paulo.

No tocante à indústria, a história da presença do imigrante italiano no

Brasil, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, tem sido contada privilegiando-se os “heróis”, na

indústria ou em outros setores de atividade. Como já se disse anteriormente, têm sido

privilegiado alguns nomes, praticamente em casos extremos, chegando a dar a impressão de

se estar definindo uma nova “nobiliarquia” através do destaque a esses nomes e à organização

a eles relacionadas. Nunca é demais insistir no fato de que não cabe dúvida sobre sua

importância. Porém não é tão-somente por essa forma de ver que o processo pode ser melhor

compreendido.

A imigração não foi e não deve ser vista apenas à luz daqueles que

ascenderam econômica e socialmente e que, por isso, passaram a merecer destaque na

imprensa, particularmente “colonial”, ou nas publicações de natureza comemorativa e até

mesmo nos trabalhos científicos. Ao lado do “herói” da imigração, amplamente conhecido,

cabe também a consideração do “imigrante desconhecido”. No caso particular da imigração

italiana, cabe a consideração e a valorização do colono da fazenda de café, o que em grande

parte tem sido feito, das centenas e centenas de engraxates e jornaleiros das cidades grandes e

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pequenas, dos milhares de pequenos proprietários cultivadores diretos das colônias dos

estados meridionais ou do Espírito Santo, o que está sendo feito, dos mascates do interior

paulista e de muitos outros. No setor industrial em particular, além dos artífices e artesãos,

cabe a consideração da massa representada pela mão-de-obra, pelo operariado.

Acreditamos que tratar a industrialização no Brasil e, em especial, em

São Paulo e nos estados do Sul, e, no caso em apreço, tratar particularmente da participação

do imigrante italiano no processo de industrialização não significa apenas abordar o imigrante

e a criação dos estabelecimentos industriais, mas principalmente pensar em como esse

imigrante inseriu-se no processo de definição de todo o quadro próprio de uma economia

industrial emergente no bojo do capitalismo, com todas as suas características, e naturalmente

com todas as suas contradições. Sob tal aspecto cabe uma referência ao extraordinário

significado da presença do operariado italiano na nascente indústria brasileira.

Porém, o mais importante é verificar a influência do imigrante italiano

na indústria, na fazenda de café, ou em qualquer outra atividade, e tentar perceber a

importância de seu papel na dinâmica socioeconômica do Brasil no período estudado.

Enfim, o que se tenciona referir é que os mecanismos dos quais

participaram os italianos, embora possam, com a sua participação, adquirir alguns contornos

particulares, na verdade não são marcados necessariamente pela presença do italiano como

tal, mas pela presença do italiano como industrial, como operário, ou ainda como artesão, e,

em outros setores, do italiano como comerciante, como banqueiro, como jornaleiro,

engraxate, etc.

Percebe-se e insiste-se ainda mais uma vez, que o imigrante italiano

esteve presente efetivamente em todos os aspectos relacionados com a gênese e os primeiros

tempos do processo de industrialização do país, sendo que, em alguns momentos, e, em

determinados casos específicos, praticamente identificou-se com ele. Sua presença foi

multifacetada: grande capitão de indústria ou pequeno empresário, colono produtor, artesão

ou proprietário de modesta manufatura, operário ou artífice autônomo, produtor ou

consumidor, integrante da burguesia urbano-industrial nascente e em processo de afirmação

ou de uma “classe média” anteriormente de descurável significado, “exército de reserva”

alimentando o proletariado urbano e, em determinados casos, gerando o modesto trabalhador

autônomo.

A presença desses imigrantes se fará sentir de forma sensível ainda a

seguir, quer pelo fato de que as bases para cujo lançamento contribuíram de forma ponderável

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foram importantíssimas para o desenrolar dos sucessos posteriores, quer porque não poucas

suas iniciativas puderam se desenvolver, em vários casos agigantando-se mesmo, de forma a

adquirir um inegável significado no conjunto, quer ainda porque os seus descendentes, filhos

e netos, nos centros das decisões do empresariado, nos estabelecimentos dedicados à

produção, nos laboratório de pesquisa “desinteressada” ou aplicada, evidente que na condição

de brasileiros, continuaram a ampliar todo o processo socioeconômico do país.

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