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IMPACTOS DE MINERAÇÃO E SUSTENTABILIDADE NO SEMI-ÁRIDO. ESTUDO DE
CASO: UNIDADE DE CONCENTRAÇÃO DE URÂNIO – URA (CAETITÉ, BA)
1. LAMEGO SIMÕES F o , F.F. 1; FERNANDES, H.R.S.M.1; FRANKLIN, M.R.1; FLEXOR, J-M.2;FONTES, S.L.2; PEREIRA Fo, S.R.3; NASCIMENTO, F.M.F.3
Resumo. Localizada no semi-árido brasileiro (Caetité, BA), a nova instalação de mineração ebeneficiamento de urânio que possui uma planta industrial de lixiviação estática, tem assim extremarelevância nos impactos potenciais sobre as águas subterrâneas, uma vez que os aqüíferos são aúnica fonte de água disponível para a população local. Resultados do programa de monitoraçãoambiental, conduzido pelo operador, revelaram o aumento das concentrações de Urânio na águasubterrânea em áreas sob influência direta da cava da mina. Igualmente, outras fontes de poluiçãoimportantes, como o depósito de estéreis e os tanques de licor e efluentes também precisam seravaliadas. Além disso, foram observadas elevadas concentrações de U, Al, F e Fe em poçoslocalizados fora da área de influência da mineração. Assim, o consumo destas águas não pode serliberado para população local ou precisa ser submetido a algum tipo de tratamento ou restrição deuso, além do que torna-se necessário provar aos usuários que estas águas não estão sendoimpactadas pelas atividades de mineração e beneficiamento. Neste trabalho, apresenta-se algunsresultados preliminares da pesquisa, são discutidos aspectos relacionados ao conflito de uso dosrecursos hídricos, dentro da perspectiva ético-social, e propõe-se uma nova metodologia paraabordagem da questão.
Abstract. The newest Brazilian uranium mining and milling facility consists of a Heap Leach plantand is located at a semi-arid region. Consequently, impacts into the groundwater may be of primaryconcern since aquifers are the only source of water for the local communities. Data from themonitoring program carried out by the mining operator revealed that increases in uraniumconcentration in groundwater at the influence area of the open pit is already being observed. Besidesthe influence of mining activities in the groundwater other pollutant sources have to be assessed likethe waste-rock/leached ore piles as well as the leaching tanks. In addition, elevated U, Al, F and Feconcentrations in wells located out of the influence of the mining activities are also observed.Because of that, water from these wells can not be released to the local population and there is aneed to prove the inhabitants that these waters are not being affected by the mining and millingoperations. This work presents research preliminary data concerning the aspects related to water useconflicts regarded in a social-ethical perspective and proposes a new methodology to approach thedrought issue.
Palavras-Chave: Impacto, Mineração, Semi-árido, Sustentabilidade, Urânio
_______________________________________________________________________________1 IRD/CNEN/MCT, Av. Salvador Allende, s/n Rio de Janeiro Tel:(21)3411-8092, fax:2442-2699, [email protected]
2 ON/MCT, R. Gal. José Cristino, 77, Rio de Janeiro. Tel: (21) 3878-9143, fax: 2580-7081, [email protected]
3 CETEM/MCT, Av. Ipê, 900, Rio de Janeiro. Tel: (21) 3865-7265, fax: 2290-9196, [email protected]
INTRODUÇÃO
O gerenciamento holístico da água doce, recurso finito e vulnerável, associado a planos
setoriais e programas governamentais pertinentes ao contexto de uma política sócio-econômica
nacional, é uma ação de extrema importância a perseguir neste terceiro milênio. Este gerenciamento
integrado dos recursos hídricos baseia-se na percepção de que a água é parte integrante da biosfera,
um recurso natural, um bem social e econômico, cuja quantidade e qualidade devem determinar a
natureza de sua utilização. Deste modo, os recursos hídricos devem ser avaliados e protegidos
conciliando-os com as necessidades de água para as atividades humanas. Dentre as atividades
potencialmente poluidoras dos recursos hídricos encontram-se aquelas relacionadas ao ciclo do
combustível nuclear. No caso das atividades de mineração de urânio, em adição aos poluentes não
radioativos, geralmente associados a estas praticas, têm-se ainda os rejeitos radioativos.
Curioso notar a importância da percepção do risco por parte da população e demais órgãos de
governos, i.e., nestas instalações atribui-se mais relevância aos impactos associados a elementos
radioativos do que aos elementos não radioativos, como os metais pesados. Foi demonstrado em um
estudo realizado na área de mineração de urânio de Poços de Caldas [1], que as emissões de Mn
eram muito mais significativas, do ponto de vista da saúde humana, do que aquelas relativas aos
elementos radioativos, que sofriam (e ainda sofrem) um rígido controle pela Comissão Nacional de
Energia Nuclear.
É na verdade a etapa da lavra e beneficiamento do minério de urânio a primeira fase do ciclo
do combustível nuclear A liberação de poluentes nestas atividades pode ocorrer através do
lançamento de efluentes líquidos no meio ambiente ou de processos de mobilização e/ou migração
de metais e radionuclídeos a partir das áreas da cava da mina, das pilhas de estéreis de mineração,
dos pátios de estocagem de minérios, das bacias de rejeitos e áreas decapadas. Importante notar que
após a mineração e o beneficiamento do urânio, os radionuclídeos e os metais presentes nos rejeitos
de mineração e nos rejeitos de processo encontram-se potencialmente muito mais disponíveis para
entrar nos ciclos ambientais do que nas suas condições originais. Dentre os radionuclídeos de maior
toxicidade para o homem destacam-se o próprio 238U, assim como o 226Ra, o 222Rn, o 210Pb e o 210Po
alem 228Ra da serie do 232Th. Estes são chamados de radionuclídeos de meia-vida longa das series
naturais do 238U e 232Th.Dependendo da localização dos projetos de mineração, pode-se ter uma situação de maior
ameaça aos recursos hídricos. Com exemplo, pode-se citar os projetos localizados em áreas onde as
águas subterrâneas se constituem na principal fonte de recurso hídrico para a população. Aqui cabe
lembrar que se por um lado o volume de água existente no nosso planeta é avaliado em cerca de 1,4
x 109 km3 , por outro somente 6%, ou 8,2 x106 km3 , são de água doce. Deste total, quase 80%
consistem em águas subterrâneas que constituem importante fonte de abastecimento de água em
todo o mundo. Entretanto boa parte não está disponível ou é de difícil utilização por se encontrar em
grandes profundidades nas bacias sedimentares ou em zonas fraturadas do embasamento cristalino
quando podem então ocorrer fortes concentrações em sais minerais.
O semi-árido brasileiro caracteriza-se por um acentuado déficit hídrico, com precipitação
anual média em torno de 800 mmm, com elevada variabilidade na distribuição espacial e temporal
das chuvas (sazonalidade internaual), onde se localizam as áreas com menor índice de
desenvolvimento humano [2]. Essas características climatológicas e hidrológicas, associadas a
conformação do relevo regional com escoamentos para vertente atlântica, dão origem a uma rede
hidrográfica na qual são recorrentes os cursos com nascentes intermitentes, cuja descarga ocorre
apenas durante restritos períodos de chuva torrencial. Assim, a população regional sofre uma forte
dependência de poços e cacimbas para o aproveitamento das águas subterrâneas do cristalino e das
chuvas, respectivamente. Como a ocorrência de água subterrânea depende das características
geológicas e das condições climáticas, a sua distribuição espacial nessa região se faz de maneira
extremamente heterogênea. O domínio das rochas cristalinas, que predomina no semi-árido,
apresenta sistemas aqüíferos do tipo fraturado, de baixa produtividade, onde aos poços estão
geralmente associadas vazões inferiores a 3m3/h. Nos aqüíferos fraturados em áreas desprovidas de
cobertura vegetal, a recarga é ineficiente e a falta de energia do sistema é responsável pelo teor
elevado de sais fazendo com que seja necessário submeter a água a um processo de dessalinização.
O planejamento do aproveitamento desses recursos hídricos deve conter indicadores sócio-
ambientais que identifiquem a disponibilidade, restrições, vulnerabilidades e riscos de extinção dos
mesmos, subsidiando os comitês de bacia com informações que possam estimular ações que
promovam a sustentabilidade. Ao se inserir o conceito de sustentabilidade como paradigma do
gerenciamento, é preciso ter em mente que quando se faz o projeto de um empreendimento privado,
há que se prever os efeitos colaterais produzidos, denominados externalidades que envolvem o
conceito fundamental de que os preços formados pelo mercado não refletem plenamente os efeitos
paralelos dos processos de produção e consumo na utilização dos bens públicos, no caso, os
recursos hídricos. As externalidades podem ser negativas e, por isto, representam um custo externo
para a sociedade, ou podem ser positivas, geradoras de benefícios externos à mesma.
A problemática dos recursos hídricos no semi-árido brasileiro abrange dois aspectos básicos:
1) Oferta de água, que implica na gestão dos estoques e transporte de água e 2) Demanda de água,
que implica na gestão eficiente do aproveitamento de um recurso escasso e no ordenamento do
território. Além disso, deve-se considerar o fato de que, embora necessária, a disponibilidade de
água muitas vezes não é condição suficiente para garantir o desenvolvimento regional, persistindo
sempre uma questão subjacente de ordem econômico-social.
O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNGRH), estabelecido na Lei
9.433/97, demarca a sustentabilidade dos recursos hídricos em três aspectos: disponibilidade de
água, utilização racional e utilização integrada. Fica implícito que a gestão de recursos hídricos deve
ser feita de forma sistemática envolvendo quantidade e qualidade. Procurou-se adotar a micro ou
sub-bacia como unidade de estudo uma vez que é possível integrar todas as atividades que nela
ocorrem, tornando-a mais adequada para ações de conservação dos recursos naturais.
No semi-arido nordestino, desenvolve-se hoje o projeto de lavra e beneficiamento de urânio
da Unidade de Concentração de Urânio (URA) das Industrias Nucleares do Brasil (INB). É a partir
do urânio gerado por esta unidade que serão abastecidos os dois reatores nucleares de potencia do
Brasil (Angra I e II) e eventualmente um terceiro cuja a construção ainda é objeto de discussão a
nível governamental.
A partir de observações que serão descritas ao longo deste texto, ficou claro que a inserção de
uma unidade industrial desta natureza num local que apresenta escassez de recursos hídricos e
que por isso mesmo dependeria da disponibilidade das águas subterrâneas para o seu
desenvolvimento (e ai já se inserindo a questão de um conflito de uso) seria um estudo de
caso muito apropriado para se colocar em pratica um modelo geral de gerenciamento deste
recurso, a partir de um diagnóstico prévio que pudesse dar conta de uma série de fatores, todos
eles muito importantes, como subsídios para a tomada de decisão. Nesse contexto, foi
elaborado no Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD/CNEN) o projeto
“Sustentabilidade Hídrica em região semi-árida submetida a impactos de atividades de
mineração – Estudo de Caso da URA/INB em Caetite (BA)”. A partir deste núcleo inicial
foram criadas parcerias com o Observatório Nacional e o CETEM (Centro de Tecnologia
Mineral). O escopo do projeto inicial foi expandido e outras áreas piloto estão sendo
consideradas.
São justamente as bases deste projeto que serão discutidas no presente trabalho, com ênfase
na área piloto de Caetité. Serão apresentados alguns resultados preliminares da pesquisa e
serão discutidos, ao final, aspectos relacionados com o conflito de uso do recurso dentro de
uma perspectiva ética-social da questão.
CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
Unidade de Concentração de Urânio (URA)
Trabalhos de prospecção realizados entre 1952 e 1982 descobriram um grande número de
anomalias radioativas (Figura 1) em várias regiões do país (Amorinópolis – GO; Campos Belos, Rio
Preto – TO; Espinharas – PB; Figueira – PR; Itataia – CE; Lagoa Real – BA; Quadrilátero Ferrífero,
Gandarela, Caldas – MG e Rio Cristalino – PA).
Figura 1 – Localização das principais anomalias uraníferas conhecidas no Brasil, com destaque para
a província de Lagoa Real e a planta da Unidade de Concentração de Urânio (URA): 1 – Tanques de
efluentes; 2 – Britador; 3 – Pátio de lixiviação; 4 – Tanques de licor; 5 – Área Industrial e 6 – Área
Administrativa.
A província uranífera de Lagoa Real situa-se na região Centro-sul do estado da Bahia,
possuindo depósitos de minério de urânio superficiais com elevada concentração de U3O8, com
média de 0,3 % em U3O8. Devido a estas características, o custo final de obtenção de diuranato de
amônio (DUA) torna-se atrativo. Constituída por 34 anomalias radiométricas, abrange uma área de
1.200km2, onde as jazidas distribuem-se ao longo de uma estrutura em arco, de cerca de 40 km de
comprimento, e sua parte central é definida pelas coordenadas geográficas 13o56’ S e 42o15’ W [3].
As distâncias aproximadas dos núcleos populacionais mais significativos e mais próximos, em
torno da área são: Maniaçu e Juazeiro, pertencentes ao Município de Caetité, a 12 km; da sede do
município de Lagoa Real, 35 Km; São Timóteo, pertencente ao Município Livramento do Brumado,
20 Km. Uma visão geral da planta da URA também pode ser vista na figura 1.
Como a jazida da Cachoeira concentra o maior teor médio de urânio ,i.e., 3500 ppm em U3O8
geológico, e armazena a maior reserva entre as 34 anomalias pesquisadas até o momento, a INB
optou, inicialmente, pelo seu aproveitamento, partindo de uma produção anual de 300 t de
concentrado de urânio. A lavra é desenvolvida à céu aberto, até a profundidade de 140 m, de modo a
produzir minério com teor médio de 1900 ppm em U3O8 recuperável, para o beneficiamento.
Considerando a operação normal e continuada dos sistemas, é estimado um período em torno de 16
anos para as atividades de lavra e beneficiamento desta jazida.
A extração do urânio se dá através da lixiviação estática em pilhas de minério de
aproximadamente 25.000 t, podendo chegar até a 35.000 t. O minério é britado de modo que a
granulometria esteja 45% abaixo do valor de 3/8” (9,4 mm) e 100% abaixo de 1” (25,4 mm).
Nessas condições, a solubilidade estimada do urânio é de 70%. Concluída a extração do urânio, o
minério lixiviado, ou rejeito sólido, é retomado e disposto juntamente com os estéreis da mina em
módulos.
Aspectos Fisiográficos
A descrição dos aspectos fisiograficos mais relevantes da área de estudo [3] reporta que o
clima local é classificado como tropical quente e úmido, com precipitação superior a 700mm anuais
e com duas estações bem definidas: seca, de abril a outubro; e úmida, de novembro a março, durante
a qual se concentram 80% da precipitação anual da qual, em média, 55 % são observados nos meses
de dezembro e janeiro.
A vegetação dominante é do tipo caatinga, sendo que nos pontos mais elevados ocorre cerrado
denso, de natureza semi-agreste e de porte médio. As drenagens perenes são balizadas por matas
galerias e os chapadões, cobertos pelos “campos gerais”.
O maciço de Caetité, onde se situam as jazidas, é limitado geomorfologicamente, ao norte e
ao sul, respectivamente por superfícies aplainadas de Paramirim e Caculé. As altitudes variam de
750 a 1.100m, sendo o relevo colinoso, modelado pela ação erosiva dos rios São João e Paramirim,
que progressivamente avançam sobre o platô de Maniaçú, correlacionável ao ciclo Sul-americano.
A área de estudo é composta por três unidades principais de relevo: plano, encostas e baixadas
aluvionares. A unidade relevo plano ocupa a porção topográfica mais elevada da área, com
declividades inferiores a 10% e sustentada por litologias graníticas e álcali-gnáissicas. A cobertura é
detrítica-residual com zonas restritas de afloramentos rochosos. A drenagem é incipiente devido ao
baixo gradiente topográfico e os processos de infiltração das águas pluviais são acentuados. A
unidade encosta ocupa a porção topográfica intermediária entre os topos planos e as baixadas,
possuindo declividade variável entre 10 a 20%, e apresentam vertentes desenvolvidas sobre rochas
do tipo granítico e gnáissico. Essa unidade é recoberta na maior parte por solos residuais e/ou
transportados de composição areno-argiloso a silto-argilosa. As vertentes exibem morfologia do tipo
retilínea suave, convexa e raramente côncava. Em função da concentração do escoamento pluvial
apresentam, localmente, formas de erosão associada a sulcos e ravinas. A cobertura vegetal
predominante é secundária, havendo um revezamento entre antigas pastagens e culturas de
subsistências. As baixadas aluvionares ocupam as calhas dos vales e planícies de inundação das
principais drenagens da região e são preenchidas por sedimentos aluvio-coluvionares, de
composição areno-argilosa de granulometria fina a média.
A área de estudo é drenada pelo riacho das Vacas, tributário do alto curso do riacho Fundo,
englobando na margem direita as sub-bacias dos córregos Gameleira, Cachoeira e do Engenho e na
esquerda o córrego Varginha, pertencentes a bacia hidrográfica do rio das Contas. Todos se
caracterizam por regime temporário, seco no inverno e torrencial na estação chuvosa. O padrão de
drenagem é de forma geral dendrítico e com densidade variável. A vazão média do Rio de Contas é
de 106 m3/h.
A região está relacionada ao conjunto de planaltos que constituem o divisor de águas da bacia
hidrográfica de São Francisco, situada a uma dezena de quilômetros a oeste das jazidas, e os rios
pertencentes a bacia do rio das Contas, que flui de leste em direção ao oceano Atlântico.
Geologia Local
Em uma compilação sobre a geologia local [4] foi informado que, no âmbito restrito das
anomalias uraníferas de Lagoa Real, afloram rochas metamórfico metassomático do embasamento
cristalino, com estrutura cataclástica, notadamente granitóides, microclina-plagiclásio-augen-
gnaisses e albititos. Essas rochas são parcialmente recobertas com sedimentos detríticos areno-
argilosos de origem terciária-quatenária, pouco ou nada consolidados, com espessura que não
ultrapassa a 50 metros.
O metamorfismo regional dos granitóides conduziu à formação dos ortognáisses, à
metassomatose cálcico-sódica e à mineralização uranífera associada. Esta formação constitui a
rocha encaixante dos albititos portadores da mineralização uranífera. A análise mineralógica dos
corpos de minério mostra que o minério apresenta: 65-70% de plagioclásio albítico; 10-20% de
piroxênio (aegirina-augita, ferro-hastingsita ou hornblenda); 2-5% de granada; 2-5% de epidoto; 1-
5% de magnetita e 1-2% de carbonatos. O quartzo não é freqüente e raramente ultrapassa 5% em
volume. O urânio ocorre sob a forma de uraninita através de diminutas inclusões ou grânulos
intersticiais dos minerais máficos, principalmente aegirina-augita, ou estão presentes no interior dos
cristais de albita [5].
Os albititos receberam também, uma classificação de campo baseada nas características
mineralógicas e radiométricas. Assim sendo foram classificados como albititos férteis (potenciais
mineralizações) e estéreis.
Os albititos férteis mineralizados exibem, geralmente radioatividade bastante elevada,
atingindo, por vezes, valores superiores a 15.000 cps (contagem por segundo) ao cintilômetro.
Trata-se de albitito que contém via de regra, uma percentagem de minerais ferro-magnesianos da
ordem de 20 a 30% e carbonatos em inclusões de uraninita ou em veios cortando zonas
mineralizadas [6]. Os albititos estéreis não mineralizados apresentam radioatividade baixa da ordem
de 100cps (que correspondem ao “background”) e são representados por albititos com percentagem
de albita em torno de 80%, contendo acessoriamente biotita e quartzo.
Os resultados da geocronologia U-Pb suportam a seguinte seqüência de eventos para explicar
a evolução geológica da área: a) Intrusão do granito São Timóteo há 1760 Ma; b) Alteração
hidrotermal, formação dos albititos e da mineralização de Urânio há 960 Ma e c) Recristalização
final, remobilização e perda de Pb nos estágios finais do Ciclo Brasiliano há 500 Ma [7].
SISTEMA HIDROGEOLÓGICO REGIONAL
O padrão de fluxo de água subterrânea, assim como a composição dessas águas e a
distribuição de aqüíferos no sistema geológico local está condicionado tanto pelas feições
geológicas (litotipos existentes, estatigrafia e feições estruturais), quanto pela geomorfologia local.
Analisando o sistema geológico e geomorfologico local, para fins de estudos hidrogeológicos,
pode-se inferir com base nas investigações geológicas e geofísicas (sondagens mistas) realizadas,
que a seção geológica típica da área de mineração é constituída por: 1) Coberturas superficiais com
espessura de 8 a 10 metros com geometrias variadas constituídas pelos solos de alteração
(coluvionar e residual) areno-argiloso com permeabilidade variando de 10-4 a 10-5 cm/s; 2) Rochas
cristalinas, constituídas basicamente de granitóides e ortognáisses, com grau de fraturamento
variado, com permeabilidade muita baixa (Perda específica PE<0.1l/min/m/kg/cm2) e 3) Depósitos
aluvionares e coluvionares de constituição areno-argilosa e distribuição espacial de forma
desordenada nos leitos das drenagens principais da área.
No que tange aos propósitos deste trabalho deve ser entendido que a exploração de águas
subterrâneas nos terrenos cristalinos da bacia do rio das Contas, o sistema relevante da região,
requer basicamente a aplicação de critérios geológico-estruturais. A existência de zonas que foram
submetidas a esforços tectônicos ou próximas a coberturas aluviais, coluviais ou elevações
topográficas, que facilitam a circulação da água subterrânea e a recarga dos aqüíferos, constitui , a
princípio, os locais mais propícios para exploração dos mananciais subterrâneos.
Embora limitado por sua baixa capacidade de produção, este sistema aqüífero tem
tradicionalmente sido suficiente para o suprimento de propriedades rurais e vários núcleos urbanos
em áreas com carência de abastecimento. No entanto com o início das operações de produção de
concentrado de urânio houve acréscimos na demanda, decorrentes não só do consumo de água pela
planta industrial como também da pressão exercida sobre os recursos hídricos pelo crescimento da
população, causado pelo desenvolvimento econômico da região o qual, em boa parte, deve-se as
atividades de mineração conduzidas pela empresa. Em função dessas reservas d’água se
constituírem em recursos estratégicos, é necessário que a sua exploração seja feita de forma
racional, e que este uso esteja definido dentro de um plano de gerenciamento de recursos hídricos da
região.
AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE CONTAMINAÇÃO A PARTIR DAS PRINCIPAIS
FONTES POLUENTES
Como acontece com vários projetos de mineração as fontes de poluição para o meio ambiente,
com repercussão no sistema hidrológico da região, são as liberações de efluentes líquidos para os
cursos superficiais e sistemas subterrâneos. Os efluentes não são somente aqueles relacionados com
a parte industrial, mas há que se considerar também as drenagens, especialmente as acidas, no caso
em que minerais piritosos estejam presentes nas rochas. Não estamos aqui levando em consideração
as emissões para a atmosfera de gases e particulados que podem contaminar cursos d’água através
da sua introdução nestes junto as águas de chuva. Outro aspecto a ser mencionado é que o próprio
desenvolvimento da lavra (que da origem a cava da mina ou as galerias subterrâneas) tem o
potencial de alterar o padrão hidrogeológico local e causar alteração de composição nestas águas
que deverão ser drenadas (e eventualmente tratadas) antes de serem liberadas para o meio ambiente.
No caso da URA, não esta prevista, no processo de licenciamento, a liberação de efluentes
líquidos para o meio ambiente. Isto implica que toda a água industrial será recirculada no processo.
As fontes potenciais mais significativas seriam as pilhas de estéreis/minério exaurido, que poderiam
ter metais e radionuclídeos mobilizados pela água de chuva, as piscinas (tanques) de licor de
urânio, resultante da lixívia acida com H2SO4 (aqui o problema maior seria no caso de um
vazamento nos tanques e a eventual contaminação das águas subterrâneas) e as piscinas de rejeito. Análises prévias [4] do potencial de contaminação a partir das pilhas de estéreis/minério
exaurido estimaram que numa abordagem realista apenas 0,1% do total de urânio depositado nos
sistemas teriam o potencial de ser mobilizado pela água da chuva. No entanto os autores apontam
para a necessidade de se avaliar o comportamento dos demais radionuclídeos (como o 226Ra e 210Pb).
Quanto a problemas de contaminação devido a vazamentos a partir dos tanques de licor, os
resultados de uma simulação, ainda em caráter preliminar, indicam para a remota possibilidade de
que caso ocorra, venha a trazer conseqüências indesejáveis. Isto, obviamente, desde que o mesmo
seja prontamente detectado e os motivos que deram origem ao problema sejam sanados em curto
espaço de tempo. Deve-se dizer que após a ocorrência de uma ruptura numa das mantas de PEAD
(Poli Etileno de Alta Densidade) de um dos tanques, o operador alterou conceitualmente o projeto
de construção dos mesmos passando a usar um sistema de redundância (duas mantas) com
dispositivos de detecção rápida (DDR) entre as mesmas.
Se as fontes acima aludidas não parecem demonstrar o potencial de causar impactos
relevantes nos recursos hídricos da região, chamou atenção o fato das concentrações de 238U na
águas subterrâneas na área de influencia da cava da mina terem sofrido um aumento após o inicio
das operações de lavra. Observa-se em um poço piezômetro adjacente a área da mina da cachoeira
que as concentrações de U vêm aumentando acentuadamente após o início das operações (Figura 2).
Esse aumento foi detectado através do programa de monitoração, conduzido pelo operador, com o
objetivo de detectar rapidamente qualquer eventual alteração na qualidade das águas subterrâneas,
sendo o mesmo relativo aos dados do programa de monitoração pré-operacional (conduzido
previamente ao inicio das operações e com o objetivo de definir a linha de base das concentrações
de elementos radioativos no meio ambiente antes da entrada em operação da instalação).
Aqui, a possibilidade de que águas da mina (em contacto com as áreas mineralizadas) tenham
infiltrado e contaminado os aqüíferos parece não ser a razão para o que se observa, pois o
monitoramento das águas de escoamento superficial, realizado pela CNEN no ano de 2002, não
indicou qualquer aporte relevante de radionuclídeos dissolvidos (Figura 3). Uma outra possibilidade
seria que, uma alteração (elevação) no nível das águas subterrâneas, em função das operações de
lavra, tenham colocado-as em contato com áreas mineralizadas. Esta via de contaminação vem
sendo avaliada e modelos geoquímicos estão sendo aplicados para discutir os processos de interação
água-rocha e as conseqüências no que diz respeito a mudanças na composição destas águas.
Figura 2: Concentração de U-total em um piezômetro instalado na área de influência do processo de
lavra. Correlacionar as atividades com o início da operação de atividades em janeiro de 2000.
Figura 3: Concentração de U-238 dissolvido (Bq/L) e valores de pH das amostras de escoamento
superficial coletadas na vetente da cava da mina ao longo do ano de 2002.
DA DISPONIBILIZACAO DAS AGUAS PARA AS COMUNIDADES LOCAIS
Um outro aspecto a ser discutido é a questão da qualidade das águas que são ofertadas a
população como uma espécie de contrapartida do operador da instalação. A principio, este poderia
ser visto como um impacto positivo da entrada em operação do projeto. Todavia, pode haver
restrição ao uso destas águas por parte da população. Se tomarmos os resultados apresentados nas
tabelas 1 e 2 veremos que para o caso do Al e do F- os valores medidos estão acima daqueles
postulados pela Resolução 020 CONAMA de 1986 que para um corpo d’agua classe 1 são
respectivamente de 0,1 e 1,4 mg/L. Há um ponto onde a concentração de Fe solúvel, de 1,6 mg/L,
excede aquela preconizada na resolução acima, que dá o valor de 0,3 mg/L para este elemento.
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
jun/94 out/95 mar/97 jul/98 dez/99 abr/01 set/02
Período
U to
tal (
Bq/L
)
U total
fev/00
mai/00
set/00
jan/01
mai/01
set/01
out/01
Tabela 1: Caracterização das águas subterrâneas coletadas a partir de cinco poços tubulares
posicionados na região de influência da área de lavra. Os valores são relativos a amostras coletadas
ao longo do ano de 2001. Os valores estão expressos em mg/L, exceto pH, Alcalinidade-carbonatos
(ppm), Condutividae (mS/cm) e Turbidez (NTU).
LRpHAlcCondTurbDurezaKMgCaBaMnFeAlSiO2SO4F
ClNO2NO3NH4227,070,795,21789,16,1750,10,31,60,336,519,02,11110,0112,90,04236,8121,000,82248,39,1
740,30,50,20,251,632,92,31160,019,60,12766,890,980,61808,45,3610,10,10,10,454,173,32,91080,0112,60,
052796,8
160,840,91567,36,9490,10,20,10,259,511,32,01270,033,50,12806,9290,900,92767,78,2710,31,80,20,143,55
,20,71220,011,50,9
Tabela 2: Caracterização das águas subterrâneas coletadas a partir de cinco poços tubulares
posicionados próximos ao dique de diabásio. Os valores são relativos a amostras coletadas ao
longo do ano de 2001. Os valores estão expressos em mg/L, exceto pH, Alcalinidade-carbonatos
(ppm), Condutividae (mS/cm) e Turbidez (NTU).
Do ponto de vista da saúde humana, os efeitos decorrentes da ingestão e/ou inalação de
elementos radioativos bem como da exposição externa a radiação podem ser divididos entre efeitos
deterministicos e efeitos estocásticos. Se imaginarmos uma curva dose x efeito haverá um limiar
onde os efeitos da radiação serão proporcionais ao aumento da dose radiológica. No entanto, na
região das chamadas baixas doses a relação entre efeito e dose não é totalmente conhecida. Assume-
PCpHAlcCondTurbDurezaKMgCaBaMnFeAlSiO2SO4F ClNO2NO3NH4057,216,50,890,22069,83,2790,10,20,10,247,831,12,8720,011,
00,01
096,620,71,092,326911,84,31040,10,50,40,541,61295,3970,010,
90,04
107,021,31,120,52379,35,7890,20,10,10,251,131,72,71370,011,
40,01
126,931,20,691,22607,514,8840,30,30,30,255,351,13,31790,019,
00,08
166,820,50,980,71748,35,6610,10,20,10,354,2763,1550,0128,
00,1
1,00E-02
1,10E-01
2,10E-01
3,10E-01
4,10E-01
5,10E-01
6,10E-01
jan/02 mar/02 abr/02 jun/02 ago/02 set/02 nov/02 jan/03
meses
U d
isso
lvid
o (
Bq
/L)
6,9
7,1
7,3
7,5
7,7
U-238pH
pH
se a hipótese da linearidade sem uma fronteira definida (Linear Non-Treshold – LNT) na premissa
de que um aumento na dose é correspondido por um aumento no risco, sendo a manifestação do
efeito algo totalmente probabilístico. Esta peculiaridade das radiações ionizantes em relação a saúde
dos seres humanos difere de alguns elementos não-radioativos cujos efeitos a saúde são de
característica eminentemente deterministica, i.e., não haverá restrição de uso se os valores de
determinados parâmetros estiverem abaixo de certos limites.
Tomando como exemplo a situação apresentada nas tabelas 1 e 2 fica claro que tais águas
violam os limites de concentração impostos pela legislação no que diz respeito ao Al, F e Fe (o
último no caso apenas de um ponto de coleta). Todavia, há poços localizados na área de influência
da mineração onde as concentrações naturais de radionculideos são importantes. Num desses poços
a concentração de U alcançou valores de cerca de 8 Bq/L (Figura 4). A ingestão da água deste poço
pela população a uma taxa de 2 L/dia iria acarretar um incremento do risco de doenças causadas
pela radiação da ordem de 0,1 %. Bem verdade que o urânio tem uma restrição de consumo maior
devido as suas propriedade toxicológicas do que as radiológicas. No entanto, o cerne da questão se
baseia no seguinte: É aceitável não disponibilizar as águas da região, nas quais as concentrações de
radionuclídeos pudessem, em associação com o seu consumo, ensejar um aumento na probabilidade
do desenvolvimento de doenças (especialmente carcinomas) tendo como contrapartida a escassez do
recurso na região que poderia per si causar problemas mais graves no curto prazo? Assim, torna-se
necessário discutir-se a seguinte questão de natureza ética. Os fundamentos da proteção radiológica,
nos quais se baseiam as normas nacionais preconizam que nenhuma prática pode ser desenvolvida
se os valores de dose para o indivíduo do público excederem os limites estabelecidos, no caso 1
mSv/a. Este limite se aplica para os impactos associados a prática propriamente dita, e é calculado
como incremento sobre o nível de base (valor de background). No entanto, ao se disponibilizar água
para a população a partir da perfuração de poços, mesmo se considerando que os níveis
eventualmente mais altos de radioatividade destas águas sejam naturais da região, a disponibilização
desta água para a população precisa ser avaliada detalhadamente e de forma negociada com os
representantes das comunidades, pois o risco de doenças associadas aos efeitos nocivos da radiação
deve ser ponderado com o benefício da oferta. Assim, a caracterização da qualidade das águas é um
elemento importante na definição das estratégias de uso, assim como é muito importante se
conhecer os mecanismos responsáveis pela composição das mesmas, seja por causas naturais ou de
origem antrópica.
Em seu devido momento, os comitês de bacias hidrográficas deverão tomar para si a tarefa de
acordar níveis aceitáveis de poluição. Isto exigirá balancear os vários interesses dos usuários da
água. A estrutura dos comitês de bacia oferece mecanismos adequados para o desenvolvimento de
soluções que atendam demandas conflitantes sobre os recursos hídricos, porém o que tem faltado é
algum tipo de enfoque de avaliação e gestão da qualidade da água que leve em conta a superposição
de interesses causadas pelos múltiplos usos da água [8].
Figura 4: Concentração de U total em um poço situado na área de influência da mina, mostrando
valores naturalmente elevados desde a fase pré-operacional.
DOS CONFLITOS DE USO
Assim, o conflito de interesses entre o uso da água para fins industriais e para fins de consumo
humano deve ser encarado como um problema de gerenciamento estratégico. Devem então ser
consideradas as seguintes diretrizes para uma atuação regional no semi-árido. O gerenciamento da
oferta: a) Desenvolvimento de estruturas, antrópicas ou naturais, para o armazenamento, mitigando
os efeitos da evaporação e regularizando o abastecimento; b) Desenvolvimento de sistemas locais
de baixo custo para sistemas de dessalinização; c) Sistemas de informação geo-referenciados para
dar suporte a tomada de decisão e proteção dos mananciais. O gerenciamento da demanda: d)
Redução de desperdícios, melhorando a operação e manutenção dos sistemas; e) Utilização de
instrumentos econômicos para alocação das disponibilidades entre os setores usuários (e.g.
industria, abastecimento, irrigação); e) Ordenamento espacial da demanda com consolidação de
redes urbanas e promoção de reassentamentos. A adequação do SNGRH: f) Flexibilização da
outorga para eventos de curta duração e sujeita a regimes de racionamento; g) Essencialidade do
desenvolvimento de sistemas de informação para tomada de decisão. Os sistemas Institucionais: h)
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
meses
U to
tal (
Bq/
L)
Jan-98 May-98 Sep-98 Jan-99 May-99 Sep-99 Jan-00 May-00 Sep-00 Oct-00 Nov-00 Dec-00
Dinâmica social dos comitês centrada nos usuários; i) Estabelecimento de circunstâncias
particulares para empreendimentos econômicos; j) Adequação do perfil de atividades ao meio físico
regional.
No caso em questão, a empresa conduziu estudos hidrogeológicos preliminares que
envolveram a perfuração de vários poços. Alguns deles foram disponibilizados para a população,
que sofre com a escassez de água. Importante notar que, como alternativa a este problema, a
população se utiliza de cacimbas, o que confere às águas padrões não desejáveis para o consumo.
Além disso, deve-se ter em conta que, na medida que não existem cursos de água perenes na
região, toda a água a ser utilizada pelo projeto advém dos aqüíferos da região. A situação atual da
relação produção-demanda de água da URA é satisfatória com uma demanda de cerca de 90.000 l/h
e um volume disponível, proveniente dos poços da instalação, em torno de 115.000 l/h, porém esta
condição pode ser rapidamente revertida a medida que vários poços estão se exaurindo. Por outro
lado, apesar do manancial hídrico subterrâneo ser bem superior ao disponível nos cursos d’água, a
empresa realiza também o aproveitamento de águas superficiais através de uma barragem construída
no Riacho das Vacas para armazenar água a ser usada no processo. Entretanto, este projeto de
armazenamento e aproveitamento da água do Riacho das Vacas não parece ser sustentável, uma vez
que o nível da barragem vem caindo acentuadamente, pois o aproveitamento destas águas é feito
sem informações prévias sobre as taxas de infiltração e evaporação das águas superficiais na área.
Nesse contexto, as pressões sócio-econômicas exercidas sobre os recursos hídricos,
notadamente as águas subterrâneas, representam um cenário onde só o planejamento efetivo dos
usos múltiplos das águas, baseado no conhecimento científico do sistema, obtido através de estudos
multidisciplinares, pode evitar conflitos a longo e médio prazo. Do ponto de vista quantitativo é
necessário determinar as reservas de águas subterrâneas existentes, assim como suas taxas de
recarga, e gerenciar o seu aproveitamento de acordo com as necessidades da população local e da
Unidade de Concentração de Urânio (URA). Com relação as alterações qualitativas dos recursos
hídricos da região, poderão ser previstas as alterações provocadas em caso de liberação de fluxos
poluentes da URA, garantindo a conservação dos aqüíferos. Outros impactos podem advir também
em razão do aumento da erosão do solo, devido a sua exposição após a remoção da cobertura
vegetal, resultando no assoreamento dos corpos d’água.
AS BASES CONCEITUAIS DO PROJETO DE PESQUISA
Deve-se ter em mente que quando se pensa em desenvolver um projeto atráves de parcerias
multi-institucionais, a ampla gama de interesses envolvidos facilmente transforma uma boa idéia em
um projeto sem prioridades ou objetivos bem definidos. O louvável desejo de desenvolver
programas científicos que integrem os vários aspectos da gestão da água tem resultado, com
freqüência, na proposição e aprovação de projetos que parecem verdadeiras “árvores de natal” [8],
cobrindo variada gama de atividades desencontradas, sem muito efeito prático sobre a execução dos
objetivos planejados. Assim, a fase de definição do escopo e linhas de ação prioritárias do projeto
não deve jamais ser vista como uma etapa a ser rapidamente ultrapassada e, mais do que isso,
precisa ser encarada de forma a permitir um questionamento permanente ao longo do seu
desenvolvimento, o qual precisa ser acompanhado com o uso de indicadores de fácil assimilação.Nesse contexto, o presente projeto foi concebido dentro de uma visão sistêmica e sua proposta
básica se fundamenta no desenvolvimento de tecnologias para o diagnóstico e planejamento
ambiental, com simulação de diferentes cenários. Visa implantar uma rede técnico-científica para
subsidiar arranjos de gestão integrada das águas subterrâneas, de modo a garantir a sustentabilidade
hídrica em regiões semi-áridas submetidas a impactos ambientais, sociais e econômicos da industria
extrativa de mineração e da atividade mínero-metalúrgica. Entre seus objetivos, estão:
desenvolver num contexto multi-institucional um conjunto de atividades de investigação e de
desenvolvimento científico e tecnológico necessário ao gerenciamento, proteção e
aproveitamento sustentável do Sistema Aqüífero Fraturado, Sistema Aqüífero Aluvionar e
Bordas de Bacias do Semi-Árido Nordestino;
identificar as estruturas geológicas, mapeando os aqüíferos a partir dos levantamentos
aerogeofísicos e avaliando a disponibilidade de água subterrânea;
mapear zonas de recarga dos aqüíferos e propor ações para preservação;
aplicar, de forma integrada, métodos geofísicos, geoquímicos, isotópicos e ambientais no estudo
hidrogeológico das áreas piloto Lagoa Real (mineração e beneficiamento de urânio) e Guaribas
(jazidas de fosfato) que permitirão compreender os processos dinâmicos associados à recarga e
à explotação;
estudar sistematicamente processos físico-químicos da dessalinização com vistas a um aumento
do rendimento de água doce e valorização do aproveitamento dos rejeitos salinos.
estudar os meios físicos, econômicos e técnicos de conservação da água e sua efetividade sob as
condições socioculturais do semi-árido nordestino;
desenvolver e implementar novas tecnologias ambientais aplicando-as na definição de um
sistema de gestão dos recursos hídricos;
propor formas de ordenamento do uso da água nas sub-bacias e controle dos efluentes
industriais e de impactos ambientais que venham a mitigar a escassez de água;
contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população do semi-árido através do
desenvolvimento de métodos inovadores para a dessalinização e purificação das águas
subterrâneas do cristalino, caracterizadas por sua elevada dureza.
Assim, o projeto desenvolverá, através do estudo de áreas piloto, uma metodologia estruturada
(Figura 5) para responder às seguintes questões técnico-científicas, ambientais e sócio-econômicas
com impactos esperados no conhecimento científico e tecnológico e no gerenciamento sustentável
dos recursos hídricos :
a. Qual a oferta potencial de água a partir dos aqüíferos da região?
b. Qual a demanda projetada de água a partir desta fonte (demanda social + demanda
industrial)?
c. Quais as taxas de recarga dos aqüíferos da região?
d. Que tipo de restrição a qualidade das águas impõe ao seu uso pela população?
e. Qual o risco à saúde envolvido neste consumo (ingestão direta ou por vegetais
irrigados)? e
f. Que tipo de tecnologia pode ser aplicada para melhorar a qualidade das águas em
benefício da sociedade?
CONCLUSÃO
Do que foi exposto, dois usos concorrentes se estabelecem: a) uso de água pela industria, e
b) uso de água pela população (dentro da nova perspectiva de oferta advinda da implantação da
unidade industrial). A compatibilização de ambas as demandas é fundamental para conferir a
sustentabilidade do uso confrontando com a vazão dos poços perfurados e principalmente com as
taxas de recarga verificadas para a situação. Neste contexto, a possibilidade da ocorrência de
conflitos no aproveitamento das águas, entre a empresa e a população local, deve ser vista como
uma questão a ser encaminhada no plano diretor da bacia, de forma a desenvolver o planejamento
de ações de ordenamento dos múltiplos usos das águas, através de instrumentos como
enquadramento e outorga, que garantam a sustentabilidade regional.
No entanto, o uso da água é condicionado por sua qualidade, que depende em grande escala de
influências das litologias com as quais estão em contacto e também ao uso que se pretende dar a
elas. Mais um fator deve ser adicionado neste cenário que são os possíveis impactos associados a
operação da planta industrial, sendo os principais, as alterações verificadas pelas operações de lavra
e em casos de vazamentos a partir das fontes poluidoras principais, notadamente as piscinas de licor
uranífero e piscinas de rejeitos (drenos sub-aéreos).
Assim, espera-se lograr um acordo entre os usuários de modo a estabelecer um equilíbrio
político entre os custos e os benefícios das metas de qualidade e quantidade, as formas de alocação
da água e a identificação de beneficiários e compradores dos serviços ambientais, a serem
estabelecidos pelo comitê de bacia.
Figura 5: Fluxograma mostrando a metodologia proposta, com as etapas previstas e o encadeamento
das áreas prioritárias para o atingimento da sustentabilidade do semi-árido.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer as Industrias Nucleares do Brasil (INB) pelo seu efetivo
engajamento no projeto, que reflete a preocupação desta empresa de base tecnologica com a
responsabilidade social de sua atuacao, particularmente no tocante as questoes relacionadas a
sustentabilidade da regiao semi-arida, onde hoje se inserem suas atividades de mineracao.
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