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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CAMPUS DE CURRAIS NOVOS PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS FRANCISCA ALDENORA MORENO FERNANDES IMPACTOS DE PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESCOLAR NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA Currais Novos RN 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CAMPUS DE CURRAIS NOVOS

PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS

FRANCISCA ALDENORA MORENO FERNANDES

IMPACTOS DE PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESCOLAR NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS - EJA

Currais Novos – RN 2015

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FRANCISCA ALDENORA MORENO FERNANDES

IMPACTOS DE PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESCOLAR NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS - EJA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para a obtenção do título de mestre em Letras. Área de concentração: Letramento e Linguagens Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz

Currais Novos – RN 2015

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FRANCISCA ALDENORA MORENO FERNANDES

IMPACTOS DE PRÁTICAS DE LETRAMENTO ESCOLAR NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS - EJA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Mestrado Profissional em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência para obtenção do título de mestre em Letras. Área de concentração: Letramento e Linguagens Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz

Aprovado em ______/_______/________

BANCA EXAMINDORA

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria de Oliveira Paz - UFRN

Orientadora

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Risoleide Rosa Freire de Oliveira - UERN

Examinadora Externa

______________________________________________________________________ Prof. Dr. Mário Lourenço de Medeiros - UFRN

Examinador Interno

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Dedico ao meu Deus,

Mestre dos mestres,

Rei dos reis, Senhor dos senhores

A quem tributo toda honra, glória,

louvor e adoração.

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AGRADECIMENTOS

Ao Senhor, que com sua destra fiel tem me conduzido em toda a trajetória e

cumprido suas promessas na minha vida: a Ele, todo meu louvor e adoração.

Aos meus pais, José Moreno e Maria das Graças que, de uma grandeza e

dedicação imensurável, estiveram presentes em todos os momentos da minha vida,

sobretudo nos mais difíceis, dividindo sorrisos, celebrando vitórias e enxugando

minhas lágrimas;

Ao meu esposo Fausto e filhos, Fagner, Adelgise e Allan que,

incondicionalmente, se doaram e me sustentaram em oração durante a realização

de mais este projeto: deles recebi compreensão, carinho, atenção e muita tolerância.

Aos meus dois irmãos, quatro irmãs e demais familiares, cuja distância não é

capaz de nos fazer menos unidos: sei que a recíproca é verdadeira.

Aos muitos amigos, os que já tinha, entre eles Gelvania Batista, Daguia

Rocha e Aparecida Evangelista, e àqueles que, por sua infinita graça, o Senhor me

acrescentou nesses tempos de mestrado, os quais estiveram me animando nas

lutas, celebraram comigo as conquistas e emprestaram os ombros durante as

inúmeras vezes em que me senti fragilizada.

Aos amados irmãos em Cristo, anjos do Senhor, que me cobriram com suas

orações, levando ao trono do Altíssimo meus sonhos e lutas, fortalecendo-me

espiritualmente nos momentos difíceis em que a aflição se fizera presente.

Aos mestres, entre os quais destaco minha orientadora Profa. Dra. Ana

Maria de Oliveira Paz, a mais pura gratidão, respeito e admiração pelos inúmeros

aprendizados, sem a mediação dos quais seria praticamente impossível consolidar e

construir conhecimentos.

Aos meus alunos, especialmente àqueles que aceitaram o desafio de se

aventurar neste projeto de vivenciar experiências escritoras, dizer obrigado é muito

pouco, os levarei sempre em minhas memórias.

Aos colegas de profissão e de trabalho, sinto-me igualmente lisonjeada e

grata pela torcida.

Finalmente, e não menos importante, meus agradecimentos se estendem a

todos que, de alguma forma, colaboraram para que o Profletras fosse essa porta

alargada para a formação de professores pesquisadores.

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“ Recebei o meu ensino, e não a prata,

preferi o conhecimento, antes do ouro puro.

Porquanto, melhor é a sabedoria do que as

mais finas joias, e de tudo o que se possa

ambicionar, absolutamente nada se compara

a ela! “

Provérbios 8:10-11

“ Escrever é afirmar uma vida. Isso porque

há sempre, atravessando uma escrita, uma

vida sendo afirmada (e muitas outras

negadas), seja qual for seu tema e propósito.

Não há como separar a vida da escrita. ”

(Walter Omar Kohan)

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Esquema de sequência didática ............................................................... 41

Figura 2 - Esquema de sequência didática 2 ............................................................ 57

Figura 3 - Sequência para o ensino do gênero crônica ............................................. 58

Figura 4 - Caderno para práticas escritoras .............................................................. 62

Figura 5 - Produção coletiva de ofício ....................................................................... 64

Figura 6 - Momentos na praça .................................................................................. 65

Figura 7 - Texto para reescrita coletiva ..................................................................... 68

Figura 8 - Texto revisado coletivamente ................................................................... 69

Figura 9 - Em poucas palavras... ............................................................................... 70

Figura 10 - Produção coletiva do convite .................................................................. 74

Figura 11 - Convite enviado com a assinatura dos alunos ........................................ 74

Figura 12 - Elaborando as questões para a entrevista .............................................. 75

Figura 13 - Digitando as perguntas ........................................................................... 75

Figura 14 - Roda de conversa: boas-vindas .............................................................. 79

Figura 15 - Vivenciando a roda de conversa ............................................................. 80

Figura 16 - Momento de autógrafos .......................................................................... 81

Figura 17 - Agradecimentos finais ............................................................................. 81

Figura 18 - Encontro pós roda de conversa .............................................................. 82

Figura 19 - Planejando a escrita ................................................................................ 84

Figura 20 - Planejando o título .................................................................................. 85

Figura 21 - Organizando as ideias ............................................................................ 86

Figura 22 - Primeira revisão da crônica ..................................................................... 87

Figura 23 - Versão final para publicação ................................................................... 88

Figura 24 - Produção inicial de Beta ....................................................................... 103

Figura 25 - Atividade de reescrita de Beta .............................................................. 105

Figura 26 - Produção inicial de Órion ...................................................................... 106

Figura 27 - Atividade de reescrita de Órion ............................................................. 108

Figura 28 - Produção inicial de Wei ......................................................................... 109

Figura 30 - Atividade de reescrita de Wei ............................................................... 110

Figura 31 - Produção inicial de Ain .......................................................................... 111

Figura 32 - Atividade de reescrita de Ain ................................................................ 113

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Figura 33 - Produção inicial de Delta ................................................................... 115

Figura 34 - Atividade de reescrita de Delta ............................................................. 117

Figura 35 - Produção inicial de Alya ........................................................................ 118

Figura 36 - Produção inicial de Sirius ...................................................................... 120

Figura 37 - Produção final de Beta .......................................................................... 123

Figura 38 - Produção final de Órios ......................................................................... 125

Figura 39 - Produção final de Wei ........................................................................... 127

Figura 40 - Produção final de Ain ............................................................................ 128

Figura 41 - Produção final de Delta ......................................................................... 130

Figura 42 - Produção final de Alya .......................................................................... 131

Figura 43 - Produção final de Sirius ........................................................................ 133

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Quadro de matrícula .................................................................................. 98

Tabela 2 - Participação na 1ª produção .................................................................... 98

Tabela 3 - Alunos participantes na produção inicial e produção final ........................ 99

Tabela 4 - Alunos participantes no início e no fim da pesquisa ................................. 99

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RESUMO

Após a década de 80, as questões em torno do Letramento têm sido amplamente discutidas no Brasil, provocando inúmeras reflexões em torno do processo da leitura e da escrita nas diversas situações. A escola, por sua vez, na qualidade de agência de letramento, tem sido desafiada a rever conceitos e ações voltadas para o processo de ensino da língua materna, de modo que o aluno perceba a função social da língua e participe das situações comunicativas de maneira satisfatória. Visando a contribuir para o aprimoramento do letramento do aluno, este trabalho objetiva analisar as implicações de práticas de letramento escolar na escrita de alunos jovens e adultos do Ensino Fundamental, a partir da utilização de sequência didática para o ensino do gênero crônica. A intervenção tem como público alvo uma turma do Ensino Fundamental, de uma escola estadual de Educação de Jovens e Adultos, localizada na área urbana do município de Currais Novos/RN. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa-ação, (BOGDAN e BIKLEN,1994); (GRESSLER,2003), que se fundamenta nas orientações da abordagem de dados qualitativos, (MOREIRA e CALEFFE, 2006) e (STAKE, 2011). Em termos teóricos, a pesquisa proposta tem como embasamentos aportes dos Estudos de Letramento (KLEIMAN 1995; 1999; OLIVEIRA, 2011; ROJO, 2009), subsídios da Teoria dos Gêneros (BRONCKART, 2003; 2006; MARCUSCHI, 2008) bem como suporte dos estudos que versam sobre a sequência didática e a formação docente (DOLZ; SCHNEUWLY; NOVERRAZ, 2013; FREIRE, 2006; PASSARELLI, 2012). A pesquisa evidenciou maior participação e autonomia dos alunos nas atividades de leitura e de escrita, e a compreensão de que a atividade escritora contempla estágios que requerem esforço, cujas práticas recorrentes tornam o sujeito mais proficiente em seus usos. Percebeu-se ainda que os alunos sentiram-se mais encorajados a usar a escrita para expressar e defender seus próprios interesses. PALAVRAS-CHAVE: Letramento. Sequência Didática. Crônica.

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ABSTRACT

After the 80s, the issues around literacy have been widely discussed in Brazil, causing numerous reflections around the reading and writing process in different situations. The school, in turn, being the of literacy agency, has been challenged to review concepts and actions for mother tongue teaching process, so that students realize the social function of language and participate in communicative situations so satisfactory. To contribute to the improvement of student literacy, this paper aims to analyze the implications of school literacy practices of writing of students young and adults of Elementary School, as of the use of didactic sequence to the teaching of the chronic gender. The intervention's target audience is a group of Elementary School, a state school of Youth and Adult Education, located in the urban area of the municipality of Currais Novos / RN. Methodologically, it is an action research (BOGDAN and BIKLEN, 1994); (GRESLLER, 2003), that is based on qualitative data approach guidelines, (MOREIRA and CALEFFE, 2006) and (STAKE, 2011). Theoretically, the research proposal is emplacements contributions of Literacy Studies (KLEIMAN 1995; 1999; OLIVEIRA, 2011; ROJO, 2009), the Gender Theory of subsidies (BRONCKART, 2003; 2006; MARCUSCHI 2008) as well as support of the studies that deal with the teaching sequence and teacher training (DOLZ; SCHNEUWLY; NOVERRAZ, 2013; FREIRE, 2006; PASSARELLI, 2012). The research showed greater participation of students in reading and writing activities, and the understanding that the writer activity includes stages that require effort, whose recurring practices make the subject more proficient in their use. Also realized that students felt more encouraged to use writing to express and defend their own interests. KEYWORDS: Literacy. Didactic sequence. Chronic.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................... 12

1 FUNDAMENTOS QUE DISCUTEM O ENSINO E OS USOS DA LÍNGUA NA

EDUCAÇÃO BRASILEIRA ....................................................................................... 18

1.1 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: UM HISTÓRICO DE LUTAS ....... 18

1.2 PERCURSOS DE LETRAMENTO ............................................................................................ 22

1.2.1 Perspectivas do letramento como prática social.................................................... 23

1.2.2 Eventos e práticas de letramento ............................................................................ 26

1.2.3 Letramento escolar: implicações para o ensino de língua materna...................... 27

1.3 CONCEPÇÃO INTERACIONISTA SOCIODISCURSIVA E O ENSINO DE GÊNEROS . 30

1.4 O ENSINO DO GÊNERO CRÔNICA PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO TEXTUAL NA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA .............................................................................. 34

1.5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA E OS GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL –

MODALIDADE EJA ............................................................................................................................ 39

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS QUE NORTEIAM E SUSTENTAM A PESQUISA

.................................................................................................................................. 44

2.1 ABORDAGEM DE DADOS DA PESQUISA ............................................................................ 45

2.2 TIPO DE PESQUISA ................................................................................................................... 47

2.3 COLABORADORES .................................................................................................................... 47

2.4 CENÁRIO DA PESQUISA .......................................................................................................... 50

2.5 INSTRUMENTAIS DE GERAÇÃO DE DADOS ...................................................................... 51

2.5.1 Observação ............................................................................................................... 52

2.5.2 Questionário .............................................................................................................. 52

2.5.3 Entrevista .................................................................................................................. 53

2.5.4 Rodas de conversa .................................................................................................................. 54

2.5.5 Notas de campo ........................................................................................................ 55

2.5.6 Fotografia .................................................................................................................. 55

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3 APLICAÇÃO DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA: TRABALHANDO O GÊNERO

CRÔNICA EM SALA DE AULA ................................................................................ 57

3.1 APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO ..................................................... 58

3.2 MÓDULO 1 : APRESENTAÇÃO DO GÊNERO ...................................................................... 60

3.2.1 Estabelecendo o primeiro contato com o gênero................................................... 60

3.2.2 Caderno de crônicas ................................................................................................. 62

3.2.3 Circuito leitor: com a mão nas crônicas ................................................................. 63

3.3 PRODUÇÃO INICIAL: CRÔNICAS NA PRAÇA ..................................................................... 63

3.4 MÓDULO 2 - A NOTÍCIA E A CRÔNICA: ESTABELECENDO COMPARAÇÕES ........... 66

3.5 MÓDULO 3 - ESTUDO DAS PRINCIPAIS FIGURAS DE LINGUAGEM ............................ 67

3.6 MÓDULO 4 - PRATICANDO A REESCRITA TEXTUAL: UM OLHAR SOBRE O TEXTO

DO OUTRO ......................................................................................................................................... 68

3.7 MÓDULO 5 - EU, ESCRITOR ................................................................................................... 70

3.7.1 Em poucas palavras... reativando conhecimentos ................................................. 70

3.7.2 De olho na imagem ................................................................................................... 71

3.8 MÓDULO 6 – RODA DE CONVERSA: DIALOGANDO COM O ESCRITOR .................... 73

4 RODA DE CONVERSA COMO EVENTO DE LETRAMENTO PARA

PRODUÇÃO E REESCRITA TEXTUAL NA EJA ..................................................... 77

4.1. DESCRIÇÃO DO EVENTO “RODA DE CONVERSA” ......................................................... 77

4.2 PRODUÇÃO COLETIVA DA CRÔNICA .................................................................................. 82

4.3. ESCRITA PROCESSUAL: O TEXTO DO ALUNO COMO UNIDADE SIGNIFICATIVA DE

ENSINO ............................................................................................................................................... 89

5 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS: ANÁLISES E REFLEXÕES ............................... 96

5.1 ANÁLISES DAS PRODUÇÕES COM VISTAS A ASPECTOS DE SUA CONSTRUÇÃO

............................................................................................................................................................. 102

5.1.1 Análise das produções de Beta ............................................................................. 103

5.1.2 Análise das produções de Órion .......................................................................... 106

5.1.3 Análise das produções de Wei .............................................................................. 109

5.1.4 Análise das produções de Ain .............................................................................. 111

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5.1.5 Análise das produções de Delta ............................................................................ 115

5.1.6 Análise das produções de Alya ............................................................................. 118

5.1.7 Análise da produção de Sirius ............................................................................... 120

5.2 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES FINAIS CONTEMPLANDO OS ASPECTOS GLOBAIS DA

CONSTRUÇÃO ................................................................................................................................ 121

5.2.1 Produção final de Beta ........................................................................................... 123

5.2.2 Produção final de Órios .................................................................................... 125

5.2.3 Produção final de Wei ............................................................................................. 127

5.2.4 Produção final de Ain ............................................................................................. 128

5.2.5 Produção final de Delta .......................................................................................... 130

5.2.6 Produção final de Alya .......................................................................................... 131

5.2.7 Produção final de Sirius ........................................................................................ 133

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 136

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 141

APÊNDICE .............................................................................................................. 145

ANEXOS ................................................................................................................. 146

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao longo dos anos, a educação brasileira tem acumulado em seu currículo

um vasto histórico de exclusão e fracasso escolar e essa crise, como atesta

Schwartz (2012, p.34), tem como principais elementos motivadores os “equívocos

nas políticas governamentais, voltadas à educação”, a “negligência em relação ao

ensino fundamental” e o “descuido com a qualidade do ensino oferecido”, o que

constituem agravantes para o alcance de um aprendizado de qualidade ao término

dos Ensinos Fundamental e Médio, em que os alunos concluintes realizam

atividades leitoras frágeis e não dominam a linguagem matemática, gerando ainda

altos índices de reprovação, os quais não apenas são os maiores responsáveis pela

evasão escolar, como pelo baixo nível de ensino-aprendizagem.

O Decreto n° 6.094, de 24 de abril de 2007, que estabelecera o Plano de

Metas Compromisso Todos pela Educação, cuja proposta reunia esforços dos

governos Federal, do Distrito Federal, Estaduais e Municipais em regime de

colaboração com a sociedade civil buscava, a partir de metas preestabelecidas,

desenvolver um conjunto de ações que pudessem provocar melhorias na educação

brasileira. As metas definidas contemplavam, por exemplo, programas da ordem de

Gestão Educacional como o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) e o

Programa de Dinheiro Direto na Escola (PDDE) que procuravam dar mais autonomia

às instituições de ensino, tornando-as mais participativas.

Essas metas incluíam também os programas de Formação de professores e

profissionais da educação, como o Programa de Formação Continuada Mídias na

Educação e o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), de modo a dar

condições para o desenvolvimento de formação contínua frente às exigências de

superar os déficits que produzem os atuais índices educacionais brasileiros.

Nessa mesma direção, como parte do Plano de Metas Compromisso Todos

pela Educação, foram definidos programas de Infraestrutura de Apoio Educacional

como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) o Programa Brasil Alfabetizado

(PBA) cujo objetivo era “Promover a superação do analfabetismo entre jovens com

15 anos ou mais, adultos e idosos e contribuir para a universalização do ensino

fundamental no Brasil” e o Programa Nacional de Informática na Escola (PROINFO).

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No entanto, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de

2013, por exemplo, revela que o Brasil ainda está se organizando no Ensino

Fundamental. Esses índices mostram também que apenas nos anos iniciais da rede

pública houve uma pequena melhora, mas nos anos finais do Ensino Fundamental e

do Médio nenhum dos indicadores atingiram as metas previstas. É um cenário que

demonstra, a partir dos dados obtidos, duas tendências: um avanço lento na

qualidade da aprendizagem e o rebaixamento das médias a cada ciclo escolar.

Outros dados que chamam a atenção são os obtidos pelo Indicador de Alfabetismo

Funcional (INAF), que fornece informações sobre o nível de alfabetismo funcional da

população adulta brasileira, biênio 2011-2012.

Os números da pesquisa demonstram que nos dez anos que antecederam

esse período, apesar de o percentual de analfabetismo absoluto e da alfabetização

rudimentar ter diminuído e o nível básico de habilidades de leitura, escrita e

matemática terem apresentado um aumento de qualidade, proporcionalmente, o

grupo dos que atingiram um nível pleno de habilidades (26%) permanece com um

índice quase inalterado havendo, inclusive, um decréscimo em relação ao ano de

2007 em que se obteve 28%, considerado o maior índice, resultados esses

comprobatórios da ineficiência do Brasil na promoção de progressos visíveis no

alcance de habilidades que tornem o sujeito proficiente frente às novas demandas e

exigências da sociedade letrada.

Dessa forma, mesmo com diversas ações governamentais a partir da

implantação de políticas públicas voltadas para a diminuição das taxas de

reprovação nas séries iniciais, essas iniciativas além de não terem se mostrando

eficazes na oferta de um ensino de qualidade, não garantem a permanência escolar

dos jovens e adultos, de modo que esse percurso seja significativo e rico de

experiências, pois

essa população que conquistou o acesso, ainda não conquistou, entretanto, a escolaridade de mais longa duração. E isso significa outro tipo de fracasso e exclusão escolar, que se traduz pela reprovação, pela evasão e pelos poucos resultados em termos de aprendizagem, conhecimentos e letramentos que o ensino em geral tem alcançado no Brasil. Essa é a razão que justifica políticas públicas como a de ciclos e de progressão continuada, a de reserva de cotas, mas que são objetos de controvérsia na sociedade e na mídia, como indica, por exemplo, a terminologia pejorativa frequentemente usada de “aprovação automática”. (ROJO, 2009, p.28)

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Nesse cenário, em que a palavra superação parece nortear todas as ações

que desencadeiam um processo de educação emancipatória, a Educação de Jovens

e Adultos (EJA), como denuncia Christofoli (2012, p. 11), “se caracteriza por uma

história construída à margem de políticas públicas, portanto marcada pela exclusão”

e, apesar do envolvimento de vários segmentos da sociedade como Organizações

não governamentais (ONG) e movimentos populares que acabaram por garantir de

forma expressiva o acesso dessa parte excluída da escola”, esta não tem

conseguido evidenciar resultados expressivos em relação ao aprendizado efetivo

dos alunos, aproveitando e ampliando os saberes construídos ao longo do período

em que, por circunstâncias diversas, se mantiveram afastados do cotidiano da sala

de aula.

Ainda segundo a autora, considerando que o Brasil é detentor de um dos

índices mais elevados de Analfabetismo na América Latina,

reverter esse quadro, mais que uma tarefa a ser cumprida, é um compromisso sociopolítico a ser assumido por aqueles que se dedicam à Educação. Ressalta-se, ainda, que a questão da expansão do atendimento na EJA, no Brasil contemporâneo, não envolve apenas as pessoas que frequentaram a escola, mas as que não realizaram aprendizagens suficientes para participar plenamente da cultura letrada do país, utilizando os conhecimentos construídos em seu cotidiano. (CHRISTOFOLI, 2012, p. 11)

Diante disso, o grande desafio da escola tem sido não somente combater o

analfabetismo, mas, sobretudo, ofertar uma educação que seja capaz de diminuir os

níveis baixos de alfabetismo e, concomitantemente, aumentar o nível de letramento.

Deverá, portanto, desenvolver uma proposta de ensino da língua materna com foco

nas práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o sujeito responda

“adequadamente às intensas demandas sociais pelo uso amplo e diferenciado da

leitura e da escrita” (SOARES, 2012, p. 20).

Quando se trata da EJA, a tarefa de ministrar o ensino para alunos que

estiveram afastados do contexto da educação formal, embora tenham construído

experiências de aprendizado em outros contextos socioculturais que, conscientes de

suas limitações, buscam sistematizar e ampliar esses saberes na instituição escolar,

esses desafios se tornam ainda maiores.

Nas experiências com esse público, é possível perceber que nem sempre

conseguimos nos preparar para receber, reinserir e convencer esse sujeito a

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permanecer na escola, construindo situações de ensino-aprendizagem significativas

e úteis para seu cotidiano. Dessa forma, as experiências com práticas de leitura e

escrita têm se tornado, muitas vezes, tarefa árdua para alunos e alunas que não

percebem a função social da escrita, e para os próprios professores que não têm

alcançado muito êxito com suas proposições de produções escritas.

Essa realidade provocou alguns questionamentos, os quais motivaram a

pesquisa que tem como objeto de estudo a aplicação de sequência didática nas

práticas de escrita dos alunos do ensino fundamental, da modalidade EJA, em busca

de caminhos possíveis para a problemática das práticas escritoras desses discentes,

a saber:

i – Que iimpactos o letramento escolar pode causar nas práticas escritoras

dos alunos do ensino fundamental, modalidade EJA?

ii - Quais as implicações da aplicação de sequência didática para a

elaboração de textos escritos pelos alunos da EJA?

iii - Que situações de produção de texto podem ser vivenciadas pelos alunos

da EJA, a partir do estudo do gênero crônica?

O estudo tem, portanto, como objetivo geral analisar os impactos gerados

por práticas de letramento escolar na escrita de alunos do ensino fundamental, da

modalidade EJA, a partir da aplicação de sequência didática com o gênero crônica.

Com esse propósito, constituem-se objetivos específicos:

a) Vivenciar práticas de letramento escolar para elaboração do texto escrito.

b) Utilizar sequência didática para o ensino de gêneros.

c) Empregar o gênero textual como ferramenta de ensino-aprendizagem,

conforme os pressupostos do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD).

Com base no exposto: a) conhecedores das inúmeras dificuldades presentes

na educação de jovens e adultos que refletem muito bem essa realidade de

exclusão; b) diante do anseio de práticas de ensino que melhorem os níveis de

letramento e da necessidade de ressignificar as práticas de leitura e escrita frente

aos novos desafios para o ensino-aprendizagem da língua materna; e c)

considerando ainda os estudos do letramento, propomos a realização de uma

intervenção pedagógica em que as práticas de leitura e escrita com função social se

presentifiquem e sejam ressignificadas no cotidiano de sala de aula.

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Nesse sentido, a partir da proposta de letramento escolar que se delineia na

perspectiva do modelo ideológico1, tendo em vista o caráter institucional da escola,

considerada uma das principais agências de letramento, pôde-se observar de que

forma o desenvolvimento de sequência didática com os alunos da EJA incidiu sobre

as práticas de leitura e escrita em contextos intra e extraescolares.

A estrutura dessa dissertação compreende cinco capítulos. No primeiro

capítulo, a pesquisa é problematizada, de modo a situar as questões norteadoras,

apresentando os aportes teóricos que versam sobre o letramento, um breve relato

em relação à problemática da Educação de Jovens e Adultos, e uma abordagem

sucinta do Interacionismo Sociodiscusivo que sustenta a perspectiva do trabalho

com os gêneros textuais para o ensino da língua materna. Além disso, tecemos

algumas considerações sobre a crônica, bem como discorremos sobre a aplicação

da sequência didática para o ensino de gêneros, ancorando-a na concepção de

Schneuwly, Noverraz e Dolz (2013).

No segundo capítulo, são apresentados os aspectos teóricos e

metodológicos responsáveis por orientar os processos de levantamento e análise de

dados, e a linha de pesquisa, de modo que os objetivos traçados recebam o

tratamento necessário para o seu alcance. Nesse capítulo podemos também

conhecer o perfil dos colaboradores e do campo de pesquisa, de modo que

compreendamos melhor as circunstâncias em que os materiais foram gerados.

O terceiro capítulo versa sobre a aplicação da sequência didática e detalha

os módulos trabalhados para o desenvolvimento da intervenção com vistas ao

ensino do gênero crônica.

O quarto capítulo traz uma discussão em torno da Roda de Conversa e da

escrita colaborativa que permearam todas as atividades de elaboração de textos

escritos, imprescindíveis para a motivação dos alunos e ressignificação de suas

práticas escritoras.

No quinto capítulo, analisamos as produções textuais de modo a observar na

produção escrita dos alunos: problemas e dificuldades ocorridos durante o processo,

as respostas dos colaboradores diante dos desafios, seus avanços e, sobretudo,

1 Enquanto no modelo autônomo de Letramento, segundo Street (2014) são enfatizados os aspectos técnicos

da leitura e da escrita sem levar em conta o contexto social, no modelo ideológico defende-se que as práticas de leitura e escrita são resultantes de práticas sociais.

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possíveis contribuições para o aprendizado e, consequente exercício autônomo e

proficiente da escrita.

A partir dessa proposta de trabalho com gêneros, orientada por práticas de

letramento escolar para o ensino de produção textual, esperamos observar de que

maneira o desenvolvimento de sequência didática com os alunos da Educação de

Jovens e Adultos (EJA) incide sobre as práticas de leitura e escrita em contextos

intra e extraescolares. Espera-se ainda, suscitar discussões, reflexões, e possíveis

encaminhamentos para posteriores intervenções que minimizem a problemática do

ensino-aprendizagem da língua materna, principalmente com foco na atividade

escritora voltada para os usos sociais da língua.

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1 FUNDAMENTOS QUE DISCUTEM O ENSINO E OS USOS DA

LÍNGUA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

1.1 EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: UM HISTÓRICO DE

LUTAS

No cenário da educação pública, sempre houve uma história de busca por

novas oportunidades de vida por parte dos indivíduos que buscam o ensino

sistematizado. Por meio da escolarização, os sujeitos têm procurado novos

significados que possam ser incorporados aos seus saberes, aos seus valores,

estejam no que se convencionou chamar de sistema regular de ensino, estejam na

educação de jovens e adultos, os denominados alunos fora de faixa etária.

Nessa perspectiva, os primeiros movimentos em prol da educação de jovens

e adultos surgem no contexto da educação brasileira como uma necessidade de

reintegração entre os povos, partindo do princípio de que assim se promoveria o

exercício da paz e da democracia. Diante desse processo de redemocratização,

após a ditadura de Vargas, a educação de jovens e adultos ganhou destaque dentro

da preocupação que norteava a universalização da educação elementar.

No entanto, apesar de essa modalidade de ensino, no final da década de

1950, ter como referência principal Paulo Freire – cuja pedagogia inspirara os

principais programas de alfabetização e educação popular do início de 1960 – e de

os anos seguintes terem sido de sucessivas conquistas, mesmo com as intensas

repressões após o golpe militar de 1964, a história da educação de jovens e adultos

chega ao novo milênio, reclamando ações que consolidem as reformulações

pedagógicas e sejam capazes de promover um ensino que atenda, de fato, às

necessidades e expectativas daqueles que se encontram excluídos da escola.

É certo que, desde o momento em que essa modalidade de ensino começou

a delimitar seu lugar na história da educação do país como atesta a Proposta

Curricular para a Educação de Jovens e Adultos, “a educação de jovens e adultos

vem se atualizando ante as novas exigências culturais e as novas teorias

pedagógicas” (BRASIL, 1999, p.13) tendo havido, portanto, uma preocupação por

parte dos estudiosos da educação em elaborar planos de ação que promovam a

volta e a permanência de jovens e adultos no sistema educacional de ensino.

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Ao longo de sua trajetória, entretanto, essas ações têm conseguido alcançar

apenas parte de seu propósito que é trazer de volta à instituição escolar aqueles que

se encontravam, até então, afastados desse contexto de ensino sistematizado. São

pessoas que ainda veem na escola a possibilidade de inserção e participação mais

efetiva na sociedade letrada, como resultado dos conhecimentos construídos nesse

espaço institucionalizado.

Segunda Kruppa (1994), é, na busca por direitos interrompidos por um

processo de exclusão, afastamento e negação da instituição pública burocrática,

produtora de submissão, acomodação, medo e preconceito, que os jovens e adultos

tentam retornar ao sistema educacional, pois ainda confiam no poder de promoção

social da escola. No entanto, apesar da busca, por parte dos alunos, pela reinserção

no sistema escolar e por novos sentidos e novas práticas educativas, a realidade

tem mostrado que as práticas pedagógicas

não levaram em conta as contingências do processo educativo e, em particular, dos sujeitos envolvidos no processo, gerando transtornos e problemas a serem enfrentados com intervenções nem sempre adequadas, revestindo-se de um caráter exclusivamente classificatório. (LIMA, 2003, p. 42)

Desse modo, mesmo quando os professores se esforçam para corresponder

a esses anseios e se dispõem a realizar práticas educativas diferenciadas, os

resultados apresentados no final do processo não demonstram uma perspectiva real

de inclusão, de promoção, o que faz com que os jovens e adultos continuem não

obtendo êxito no aprendizado, frustrando-se em suas expectativas e investiduras

rumo à aquisição e consolidação do saber sistematizado. Torna-se, portanto,

necessário repensar, redefinir e experimentar as diversas possibilidades de

aprendizagem vivenciadas em sala de aula.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a escola afasta-se da tarefa para a qual

foi criada em primeiro plano: a de preparar os alunos para o exercício pleno de sua

cidadania, oferecendo-lhes as condições necessárias para tornarem-se sujeitos-

agentes, capazes de manipular e transformar o conhecimento, de romper as cadeias

que os impedem de preparar-se para a construção do real, ressignificando o

conhecimento além das quatro paredes da escola.

Analisando essa trajetória em que a instituição escolar não tem conseguido

cumprir a tarefa de ensinar com qualidade, o que percebemos são estudantes sem

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grandes estímulos que seguem apenas uma rotina de frequentar a escola, em que

alguns persistem na busca, pelo menos, do certificado de conclusão do ensino

fundamental e/ou médio. Outros, apesar de constantemente visitarem a escola e

realizarem matrícula no início do ano letivo, têm mantido a mesma rotina de

afastamento, se estabelecendo um quadro efetivo de evasão que só aumenta ano

após ano.

Sobre essa questão, Rodrigues (1991, p. 5) afirma que, “quando não se

coloca o centro da gravidade do ato educativo na educação do educando para a

vida, lança-se a vida fora do ato educativo”. Lançando-se a vida para fora do ato

educativo, entre outras implicações, o que se tem é um quadro contínuo e crescente

de reprovações e repetências em grande escala, e aprovações desvinculadas da

aprendizagem.

Dessa forma, sem ter muita escolha, os alunos acabam por acostumar-se

com esse tipo de “aprendizagem” e, consciente ou inconscientemente, adaptam-se,

moldam-se e sem nenhuma resistência aceitam passar pela escola e dela levar

apenas um certificado que, como herança, deu-lhe apenas o registro oficial de notas,

às quais são incapazes de intervir significativamente no cotidiano da vida presente,

seja pessoal, seja profissional, dentro ou fora dos muros da instituição escolar.

No contexto atual, o ensino voltado para a educação de jovens e adultos

ainda enfrenta grandes desafios para atender às demandas requeridas, o que

muitas vezes torna a tarefa árdua e desestimuladora, tendo em vista que os alunos

trazem em sua bagagem não apenas os conhecimentos construídos nos espaços

extraescolares, mas também um histórico de fracasso e de descrédito da própria

instituição que, na maioria dos casos, fora a maior responsável pelo afastamento

desses alunos.

O retorno para a escola, por vezes, é acompanhado de outros rótulos que

acabam servindo de justificativa para um novo ciclo de desistências, fracassos e

afastamentos da instituição, estando entre tais assertivas a de que jovens e adultos

não gostam de estudar, não conseguem ou querem aprender conteúdos de forma

diferente ou retornam às salas de aula apenas para terem sua certificação garantida.

Equivocadamente, muitas vezes acreditei nessa máxima e, talvez por isso, a tarefa

de ensiná-los acumulasse inúmeras frustrações ao longo de pouco mais de uma

década.

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A realidade acima descrita é acrescida de outras situações típicas da EJA,

como a falta de formação para trabalhar com esse público específico, o que ocorre

porque a maioria dos professores migra do ensino regular para completar carga

horária, deparando-se com modalidades de ensino totalmente diferente das demais

com as quais costuma lidar, tendo de adequar práticas e currículos de ensino

utilizados para atender alunos do chamado “ensino regular”.

De fato, apesar das orientações contidas nos parâmetros e referenciais da

EJA, não conseguimos ainda estabelecer uma discussão mais profunda voltada para

a formação do docente, de modo a atender às especificidades desses alunos. Essa

situação vem sendo discutida exaustivamente por educadores e pesquisadores

dedicados à questão da aprendizagem, que investigam as causas e as relações

entre os fatos que norteiam o processo ensino-aprendizagem e têm se lançado na

busca de propostas pedagógicas diferenciadas e estratégias de ensino, capazes de

mostrar caminhos para a resolução dessa problemática que, a priori, passa por um

ensino com função social.

De acordo com o modelo da Andragogia de Paulo Freire (2006), o êxito no

aprendizado do público jovem e adulto justifica-se por uma prática que valorize as

experiências que o aluno traz, e pela oportunidade de acrescentar novos saberes,

em que a aprendizagem, e não o conteúdo, constitui-se no foco do processo de

ensino.

Considerando as peculiaridades dos alunos jovens e adultos que são

detentores de inúmeras experiências adquiridas ao longo de suas vivências

extraescolares, a compreensão da utilidade do que estão aprendendo,

principalmente quando o conteúdo tem aplicação prática na vida cotidiana, seja

pessoal seja profissional, torna-se um fator preponderante para o envolvimento com

práticas de ensino pautadas nessa perspectiva.

Desse modo, como princípio, a andragogia postula que, para alcançar êxito

com os alunos jovens e adultos, o trabalho do professor deverá ser permeado por

uma orientação contínua e individual para auxiliar no processo de compreensão dos

alunos, para que, a partir dessa orientação, eles possam aplicar na prática o que

aprenderam.

Nesse sentido, a proposta de letramento escolar pressupõe trabalhar o

conhecimento de forma significativa e com funcionalidade para a vida do aluno, de

modo que possa ressignificar os saberes construídos fora e dentro da instituição

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escolar e, o que é mais importante, desenvolver um maior protagonismo nas

diversas situações do cotidiano, utilizando esses aprendizados para sua inserção

nos espaços extraescolares com autonomia.

1.2 PERCURSOS DE LETRAMENTO

O cenário da educação em meados dos anos de 1980 mobilizou a atenção

de estudiosos da educação e da linguística, diante do surgimento de um novo termo

que colocava em xeque a concepção de domínio da língua como sendo resultado da

codificação e decodificação de sinais linguísticos. Assim, o termo letramento

traduzido da palavra inglesa literacy passou a ser empregado para designar o

estado ou a condição daquele que é capaz de ler e escrever, incorporando práticas

sociais que requeressem seu uso nos diversos contextos da atividade humana.

Segundo Soares (2012, p. 17-18), está

implícita, nesse conceito está a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, politicas, econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda a usá-la [...] Letramento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um individuo como consequência de ter-se apropriado da escrita.

No entanto, a realidade da educação brasileira era muito diferente da que se

encontrava em países desenvolvidos como França, Inglaterra e Estados Unidos, que

não precisavam lidar com déficits de alfabetização, cuja preocupação ao incorporar o

uso de letramento centrava-se nos usos que os jovens faziam da leitura e da escrita,

no domínio dessas atividades, nas diversas situações de uso; enfim, em ampliar a

proficiência em função dessas novas demandas sociais de uso da leitura e da língua

escrita, de exercitar plenamente suas competências comunicativas.

A discussão sobre o letramento, no Brasil, provocava também essa reflexão

mais profunda em torno das práticas sociais da leitura e da escrita, reconhecendo a

linguagem como um processo dinâmico, cujos significados são construídos e

reconstruídos nos diversos espaços de vivências, de forma interativa; mas também

chamava a atenção para a grande problemática do analfabetismo.

„Desse modo, numa era tecnológica da comunicação em que o sujeito

depende cada vez mais dessa ferramenta para realizar tarefas corriqueiras que vão

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desde o manuseio de um panfleto ao exercício de preencher um formulário, dentre

outras práticas, em que o contato com a escrita tem tomado proporções cada vez

maiores na vida das pessoas, mesmo quando não percebem essa demanda,

repensar novas formas de resolver essa problemática é um dos grandes objetivos

nesse cenário da educação brasileira.

1.2.1 Perspectivas do letramento como prática social

As inúmeras assertivas que remetem à definição do letramento ora têm

como foco a dimensão individual, dando ênfase a habilidades que envolvem desde a

decodificação das palavras escritas à compreensão dos textos escritos, ora

privilegiam a dimensão social, reconhecendo no letramento a ação mútua das

pessoas em um espaço determinado, socioculturalmente construído, em que ambas,

leitura e escrita, são concebidas como uma tecnologia que requer habilidades de

natureza linguística e psicológica, sem que estas se contraponham, mas, ao

contrário, se complementem.

Assim, enquanto as habilidades de leitura estendem-se da habilidade de decodificar palavras escritas a capacidade de entregar informações provenientes de diferentes textos, as habilidades de escrita estendem-se da habilidade de registrar unidades de som até a capacidade de transmitir significado de forma adequada a um setor potencial. (SOARES, 2012, p.69).

Considerar, portanto, somente as habilidades individuais de leitura e escrita

para definir o letramento não torna essa tarefa fácil, diante das inúmeras habilidades

cognitivas e metacognitivas requeridas pela leitura e pela escrita, bem como a

natureza heterogênea dessas habilidades aplicadas a gêneros diversos, por isso a

necessidade de recorrer à natureza social de letramento que, de igual modo, traz

interpretações consideradas conflitantes e mais uma subdivisão de ideias em torno

dessa dimensão: uma interpretação de ordem progressiva e outra de ordem

revolucionária.

Dentro da perspectiva progressista, “liberal”, das relações entre letramento e

sociedade, considerada por Soares (2012) como uma versão “fraca” dos atributos e

implicações,

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as habilidades de leitura e de escrita não podem ser dissociadas de seus usos, das formas empíricas que elas realmente assumem na vida social [...] é definido em termos de habilidades necessárias para que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social vem daí o termo letramento funcional (ou alfabetização funcional)(SOARES, 2012, p.72).

Em contrapartida, as relações estabelecidas entre letramento e sociedade a

partir da vertente denominada revolucionária, nomeada como versão “forte” por

Soares (2012), fazem com que seus adeptos se recusem a ver o letramento pelo

viés da neutralidade “a ser usado nas práticas sociais quando exigido” afirmando,

sobretudo, que este

é essencialmente um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais.(SOARES, 2012, p.75).

Nesse quadro que busca teorizar e atribuir significados ao letramento, Street

(2014) nomeou essas versões “fraca” e “forte”, respectivamente, como modelo

autônomo e ideológico. No primeiro modelo, os “expoentes estudavam o letramento

em seus aspectos técnicos, independentes do contexto social”, enquanto no modelo

ideológico, os pesquisadores viam “as práticas letradas como inextricavelmente

ligadas a estruturas culturais e de poder numa sociedade” (STREET, 2014, p. 172).

É nesse último que se reconhecem os múltiplos usos que podemos fazer da

atividade de ler e escrever, em contextos sociais diversos.

Street (2014) postula ser o modelo ideológico aquele que melhor atende aos

pressupostos do letramento, pois tem como cerne as práticas sociais que são

específicas da leitura e da escrita, de modo a enfatizar a importância “do processo

de socialização na construção do significado do letramento para os participantes”.

Nessa perspectiva, traz à tona e dá evidência a outras “instituições sociais gerais por

meio das quais esse processo se dá e não somente com as instituições

pedagógicas” (STREET, 2014, p.44).

Além de não existir um único lugar para a ocorrência do letramento, fica

evidente que não se pode postular a existência de um único modelo de letramento,

mas de práticas que variam no tempo e no espaço, atendendo às demandas sociais,

de modo que

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as práticas de letramento, no plural, são social e culturalmente determinadas e como tal, os significados específicos que a escrita assume para um grupo social dependem dos contextos e instituições em que ela foi adquirida. Não pressupõe esse modelo, uma relação casual entre letramento e progresso ou civilização, ou modernidade, pois, ao invés de conceber um grande divisor entre grupos orais e letrados, ele pressupõe existência e investiga as características, de grandes áreas de interface ente práticas orais e práticas escritas (KLEIMAN,1995, p.21).

As discussões teóricas em torno do conceito plural de letramento

fundamentado por Street (2014), que amplia o significado atribuído ao letramento,

são retomadas também a partir das reflexões de Rojo (2009, p.102) ao citar

Hamilton (2002, p. 4) que distingue, e renomeia os letramentos dominantes em

letramentos institucionalizados e os letramentos locais em letramentos vernaculares,

“autogerados”, compreendendo-os como categorias que são interligadas, cuja

diferença se estabelece, sobretudo, pelo grau de formalidade quanto aos espaços

que se delineiam, pela menor ou maior valorização atribuída a estes, e ainda pelo

maior ou menor nível de empoderamento que os seus usos podem trazer aos

falantes.

Essa relação de interdependência está contida também nos pressupostos de

Street (2014, p. 172) segundo o qual se estabeleceu uma “falsa polaridade entre os

aspectos técnicos e culturais do letramento” por parte daqueles que se ocupavam de

estudar os aspectos técnicos do letramento, o modelo autônomo. Ainda segundo o

autor, o contrário do que se postulava nesse modelo de letramento, o modelo

ideológico

não tenta negar a habilidade técnica ou os aspectos cognitivos da leitura e da escrita, mas sim entende-los como encapsulados em todos culturais e em estruturas de poder. Nesse sentido, o modelo ideológico subsume, mas do que exclui, o trabalho empreendido dentro do modelo autônomo. (STREET, 2014, p. 172)

Tais concepções nos levam a reconhecer a existência “dos múltiplos

letramentos, que variam no tempo e no espaço, mas que também são contestados

nas relações de poder” (ROJO, 2009, p.102). Como o próprio Street defende, não

existe, portanto, um único letramento, mas vários letramentos construídos em grupos

sociais diversificados que ocorrem numa dinâmica casual corriqueira.

Nesse sentido, o que diferencia os letramentos dominantes dos letramentos

locais? Tendo suas bases firmadas em espaços institucionalizados como escolas,

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locais de trabalho, comércios, igrejas, entre outros, os letramentos dominantes, por

conseguinte, requerem a ação direta de profissionais diversos e ferramentas que

tomem possível sua realização. Ainda segundo Rojo (2009, p.102), esses

letramentos dominantes, que ocorrem em organizações formais, preveem “agentes

que em relação ao conhecimento, são valorizados legal e culturalmente, são

poderosos na proporção do poder da sua instituição de origem”.

Em relação aos letramentos locais, estes não são de igual modo,

regularizados ou reconhecidos, tendo em vista estarem associados a culturas locais

e surgirem nas situações advindas da vida cotidiana. Talvez essa desvalorização

seja a razão pela qual “os novos estudos de letramentos têm se voltado, em

especial, para os letramentos locais ou vernaculares de maneira a dar conta da

heterogeneidade das práticas não valorizadas, e, portanto, pouco investigadas”.

(ROJO, 2009, p.105).

Essa percepção nos direciona para a construção e consolidação de um

percurso em torno de uma concepção de letramentos, prática plural, como resultado

de uma ação dos sujeitos enquanto coautores do processo de apropriação,

ampliação e compartilhamento de saberes que são constantemente revisitados e

revistados por seus agentes.

Desse modo, será o uso competente da leitura e da escrita que nos

proporcionará vivências capazes de modificar nossa percepção e relação com o

mundo letrado, tudo isso porque o letramento cobre uma vasta gama de

conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, uso e funções sociais (SOARES,

2012, p.66).

1.2.2 Eventos e práticas de letramento

Partindo da concepção de letramento enquanto possibilidade de uso real e

contínuo da língua, os diversos usos sociais da leitura e da escrita se tornam

evidentes e notórios numa dinâmica de ações que, naturalmente, se complementam

sem que, na maioria das vezes, percebamos toda a complexidade desse fenômeno.

As situações “em que uma pessoa ou várias agem por meio da leitura e da

escrita” (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2011, p. 21), objetivando a atender

demandas, são, portanto, denominadas eventos de letramento. Em outras palavras,

trata-se de “ocasiões em que se potencializa o ato de ler e escrever” sem que haja

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“fragmentação, mas a complementação de ações” (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS,

2011, p. 21).

Em relação ao evento de letramento, Street (2012, p. 75) o evidencia do

ponto de vista da utilidade para capacitar “pesquisadores, e também praticantes, a

focalizar uma situação particular onde as coisas estão acontecendo, [podendo] vê-

las enquanto acontecem”. O termo prática de letramento, a partir da compreensão

acima, passa a ser usado de forma mais ampla para se “referir não só ao evento em

si, mas a concepções do processo de leitura e escrita que as pessoas sustêm

quando engajadas no evento”. (STREET, 2014 p. 147).

Para Kleiman (1995, p. 12), a prática de letramento se traduz em

um conjunto de atividades envolvendo a língua escrita para alcançar um determinado objetivo numa determinada situação, associadas aos saberes, às tecnologias e às competências necessárias para a sua realização... (como) assistir a aulas, enviar cartas, escrever diários.

A prática de letramento atribui, portanto, sentido às propostas de ensino,

tornando os alunos cientes da importância de sua ação para o alcance dos objetivos

propostos e, por conseguinte, coparticipantes do processo de ensino.

Nesse sentido, Oliveira, Tinoco e Santos (2011) afirmam “ser a situação

concreta o evento de letramento, do qual práticas de letramento emergem”. O evento

seria, portanto, o que Heath (1982, p. 93; apud STREET, 2012, p.74) caracteriza

como “qualquer ocasião em que um fragmento de escrita é integral a natureza das

interações entre os participantes e de seus processos interpretativos” enquanto as

práticas de letramento seriam, conforme estabelece Street (2012, p. 74), “modelos

sociais de letramento a que os participantes recorrem nos eventos que lhes dão

significados”.

1.2.3 Letramento escolar: implicações para o ensino de língua materna

O termo letramento, tão amplamente discutido, cujo significado primeiro

remete à capacidade de aprendizado da leitura e da escrita, hoje pluralizado quanto

às possibilidades de materialização, tem implícito em seu conceito “a ideia de que a

escrita traz consequências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas,

linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o indivíduo

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que aprenda a usá-la [ou que consiga ampliar seus usos]”, conforme explica Soares

(2003, p. 17). Isso porque o uso consciente da escrita permite aos usuários circular

irrestritamente nas mais diversas esferas, possibilitando um maior grau de

participação, de envolvimento, como assegura a referida escritora, nas práticas

leitoras e escritoras.

Essa imersão no universo da escrita, no conhecimento dos múltiplos usos

que podemos e devemos fazer nas mais diversas situações requeridas, deve ser um

dos principais compromissos da escola que, reconhecidamente, é uma das

principais agências de letramento institucional em quase todas as sociedades,

embora não tenha conseguido cumprir plenamente seu papel, uma vez que o

letramento “é, pois o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e a escrever:

o estado ou a condição que, adquire um grupo social ou indivíduo como

consequência de ter-se apropriado da escrita”. (SOARES, 2003, p. 18).

É na escola que o aluno poderá efetivamente aprender outros dialetos e

incorporá-los ao próprio dialeto, sendo consciente das situações em que mais se

adequará ao uso de um ou de outro. No entanto,

aprender o letramento não é simplesmente adquirir conteúdo, mas aprender um processo. Todo letramento é aprendido num contexto específico de um modo particular e as modalidades de aprendizagem, as relações sociais dos estudantes com o professor são modalidades de socialização e aculturação. (STREET, 2014, p. 154).

Essa compreensão justifica-se porque, na escola, as práticas de letramento

estão alicerçadas por uma concepção de letramento dominante, institucionalizado,

que tem como objetivo adequar o cidadão às exigências sociais, partindo do

princípio de que a escrita por si só, com experiências metalinguísticas, provocaria

mudanças que interfeririam na consciência, cognição e linguagem humana,

aumentando os níveis de alfabetismo.

Dentro do modelo de letramento que circunda e orienta as práticas

escolares, o modelo autônomo segundo Street (2014, p. 146) “tem sido um aspecto

dominante da teoria educacional”, ignorando-se que o fenômeno do letramento

“extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido, pelas instituições que se

encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita” (KLEIMAN,

1995, p. 20), ocorrendo num continuum entre oralidade e escrita, sem que haja uma

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forma definida, preestabelecida, para dar conta do fenômeno do uso da língua, em

qualquer esfera.

O que se observa ao longo dos anos é que a instituição escolar não

conseguiu transpor os muros dos currículos didáticos, de modo a desenvolver

propostas de ensino por meio das quais o sujeito amplie suas competências de uso

da língua. Desse modo, centrando o ensino na aquisição de um padrão de língua,

sem dar conta das demandas sociais,

a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente percebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e a promoção na escola . Já outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho mostram orientações de letramento muito diferentes (KLEIMAN, 1995, p. 20)

Enquanto a escola, ignorando a realidade na qual o sujeito está inserido,

concentra seus esforços apenas em um aspecto da aprendizagem do aluno,

havendo o que Street (2014) denomina de “pedagogização do letramento”2, em que

o modelo autônomo é disseminado a partir de processos, procedimentos e papéis

sociais, e assimilado pelos indivíduos que “passam a conceituar o letramento como

um conjunto separado, reificado de competências „neutras‟, desvinculado do

contexto social” (STREET, 2014, p. 129).

Para desfazer o que, no mínimo, pode ser considerado um equívoco dessa

visão homogênea de manifestação da linguagem, tendo em vista que as práticas de

letramento não são exclusividade de uma instância social, mas de inúmeras

vivências que se diferenciam a partir do contexto social, torna-se necessário que

essas práticas não se configurem tão somente como resultado de uma ação

particular, cujas habilidades individuais recobririam esses usos, mas de ações

coletivas sobre a leitura e a escrita.

2 Street (2014) destaca alguns meios pelos quais se constrói e interioriza o modelo autônomo de letramento.

Como responsáveis pela pedagogização do letramento são citados, portanto: o “distanciamento entre língua e sujeitos” (a língua é tratada como uma coisa, distanciada da realidade do professor e do aluno, cujo esforço centra-se na imposição de regras e exigências externas aos usos); “as maneiras como os processos sociais de leitura e escrita são referenciados e lexicalizados dentro de uma voz pedagógica”; as maneiras como se confere status à leitura e à escrita em comparação com o discurso oral” e o estabelecimento de unidades e fronteiras para os elementos de uso da língua como se fossem neutros”, todos esses desconsiderando, portanto, o caráter heterogêneo que envolve os usos sociais da língua.

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Como resolução para essa visão de letramento, Street (2014) propõe a

adesão ao modelo ideológico que considere a validade e a importância dos aspectos

técnicos e cognitivos da apreensão da leitura e da escrita – “decodificação,

correspondência som/forma e „dificuldades‟ de leitura” – sem deixar de levar em

conta o fato de que “esses aspectos de letramento estão sempre encaixados em

práticas sociais particulares” (STREET, 2014, p. 161).

Sobre a possibilidade de trabalho com a perspectiva de letramento

ideológico, “deve-se enfatizar a interação de boa qualidade entre educadores e

educandos, a experiência linguística em projetos extracurriculares, a aproximação

com a comunidade”, conforme propõe Magalhães (2012, p. 62), mantendo uma

atitude reflexiva sobre as demandas do ensino, a partir da qual assumamos um

papel ético e democrático frente à pluralidade de letramento e a multiplicidade

cultural que constitui a instituição escolar e a sociedade como um todo, conscientes

dos papéis a serem assumidos para a consolidação de um processo de educação

linguística cidadã.

1.3 CONCEPÇÃO INTERACIONISTA SOCIODISCURSIVA E O ENSINO DE

GÊNEROS

O uso competente da leitura e da escrita pode se operacionalizar a partir de

práticas de ensino com base na abordagem de gêneros, considerando que estes se

materializam a partir de práticas sociais situadas, que se consolidam nos processos

interativos, mediados pela ação de seus interlocutores.

Nesse sentido, não há como pensar no texto dissociado das condições

externas e contextuais que envolvem sua construção, por isso, os novos estudos

que defendem uma concepção de trabalho com gêneros textuais se caracterizam, a

princípio, por conceber o gênero como a materialização dos textos em construção,

nas diversas situações do cotidiano.

Esses textos, conforme Marcuschi (2008, p. 155),

apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas,

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constituindo um princípio de listagens abertas [...]. Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.

Partindo dessa prerrogativa, a relação de uso e coexistência entre atividade

social e linguagem justifica a diversidade de gêneros e ao mesmo tempo explica a

dificuldade de defini-los e quantificá-los, pois cada atividade social tem sua

realização própria, características que a individualizam e, por vezes, é até

imprevisível quanto às ocorrências. Toda classificação ou agrupamento de gêneros

passa, portanto, pela avaliação da atividade comunicativa em que estiver inserido.

A compreensão do texto enquanto unidade comunicativa requer, portanto, o

reconhecimento de que a construção textual se realiza pela atuação consciente dos

sujeitos envolvidos na situação comunicativa. Requer, ainda, práticas de ensino que

levem em conta a função comunicativa e social dos textos, relacionando-os às

atividades humanas que se constroem nesses processos de interação.

Sobre o ensino de gêneros, Bazerman, Dionísio e Hoffnagel (2006) chama a

atenção para a ação pedagógica que centraliza suas preocupações no aprendizado

de formas linguísticas, sendo apenas uma pedagogia formal, e o consequente

abstracionismo desse ensino aplicado fora das situações de uso, com propósitos

apenas metalinguísticos.

Vários problemas são elencados pelo autor diante de ações pedagógicas

dessa natureza, entre eles a falta de motivação, o nível de atenção e compreensão,

“que surgem quando se tenta ensinar um assunto a alguém, sem considerar o

interesse, o envolvimento, a experiência e a atividade da pessoa” (BAZERMAN;

DIONÍSIO; HOFFNAGEL, 2006, p. 10), para realizar suas práticas discursivas.

Nesse sentido, o autor defende que o gênero precisa ser visto como uma

ação tipificada pela qual podemos tornar nossas intenções e sentidos inteligíveis para outros. Como resultado, gênero dá forma a nossas ações e intenções. É um meio de agência e não pode ser ensinado divorciado da ação e das situações dentro das quais aquelas ações são significativas e motivadoras. (BAZERMAN; DIONÍSIO; HOFFNAGEL, 2006, p. 10)

A utilização do gênero textual como ferramenta para alcançar objetivos

delineados a partir das intenções e necessidades sociais, inevitavelmente, fará o

sujeito compreender a língua como instrumento vivo, dinâmico, que se manifesta

cotidianamente. Dessa forma, com fins para o ensino da língua “o gênero pode ser

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considerado como uma megaferramenta que fornece um suporte para a atividade

nas situações de comunicação e uma referência para os aprendizes” (NEVES, 2011,

p. 35).

Nesse sentido, o interacionismo sociodiscursivo, que se caracteriza pela

aplicabilidade ao ensino da língua materna e recorre à psicologia da linguagem e às

orientações dos princípios epistemológicos contidos no interacionismo social como

embasamento teórico, postula que

uma língua natural só pode ser apreendida através das produções verbais efetivas, que assumem aspectos muito diversos, principalmente por serem articuladas a situações comunicativas muito diferentes [...] e [...] embora toda língua natural pareça, de fato, estar baseada nas regras de um sistema, essas só podem ser identificadas e conceitualizadas por um processo de abstração-generalização, a partir das propriedades observáveis dos diversos textos em uma comunidade. (BRONCKART, 2012, p. 69)

Resultado de uma profunda reflexão sobre as diversas correntes que se

preocuparam em encontrar respostas que ajudem na compreensão das condutas

humanas, de modo a oferecer possíveis respostas sobre sua estrutura e

funcionamento social, e esclarecer as ocorrências do processo de ensino-

aprendizagem, o Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) tem como tese central o

pressuposto de que “a ação constitui o resultado da apropriação, pelo organismo

humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem”

(BRONCKART, 2012, p. 42).

A concepção do ISD parte, portanto, do pressuposto de que somente

através do uso da linguagem, a socialização entre os homens torna-se possível, e

que, muito mais do que uma necessidade pura e simplesmente de comunicação, a

linguagem norteia e promove o desenvolvimento das interações humanas.

Como possibilidade de compreender as realizações da linguagem o

interacionismo sociodiscursivo propõe que consideremos as ações humanas a partir

das dimensões sociais e discursivas que a constituem, tendo em vista:

a) a diversidade e complexidade das formas de organização e de atividade

que caracterizam a espécie humana;

b) o processo evolutivo que provém da necessidade emergente de

estabelecer uma comunicação particular, a partir do uso da linguagem, o que,

segundo Bronckart (2012, p. 31), “confere às organizações e atividades humanas

uma dimensão particular, que justifica que sejam chamadas de sociais, dessa vez,

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no sentido estrito do termo”, tendo em vista aos usos diversificados da linguagem

para atender propósitos previamente definidos pelos interactantes.

Nesse interim, a ação de linguagem pode sofrer influência de

representações sociais, contexto próprio do agir humano a partir do qual a atividade

social é avaliada. Isso porque, segundo Bronckart (2012, p.33),

além do fato de ser constitutiva do psiquismo especificamente humano [...], a emergência do agir comunicativo é também constitutiva do social propriamente dito. Com efeito, na medida em que os signos cristalizam as pretensões à validade designativa, se estão disponíveis para cada um dos indivíduos particulares, eles também têm, necessariamente, devido a seu estatuto de formas negociadas, de uma dimensão transindividual, veiculando representações coletivas do meio, que se estruturam em configurações de conhecimentos.

O acúmulo desses conhecimentos produzidos coletivamente, de acordo com

por Popper (1972/1991) e Habermas (1987) citados por Bronckart (2012), é

chamado de mundos representados, sendo que Habermas (1987) classifica-os em:

mundo objetivo, social e subjetivo. Esses mundos formais podem ser definidos a

partir da incidência dos signos sobre o agir comunicativo dos seres humanos:

a) Mundo objetivo – os signos fazem referência, em primeiro plano, a

aspectos ligados ao meio físico, o que requer do coletivo, conhecimentos prévios do

ambiente.

b) Mundo social – os signos se relacionam às formas de cooperação

estabelecidas pelo grupo, que define a organização das tarefas.

c) Mundo subjetivo – resulta da incidência dos signos sobre as

características comportamentais que individualizam cada sujeito.

Dentro dessa proposta, ao tratar da relação entre ação e texto, Bronckart

(2012) reforça a existência da mediação que se estabelece entre essas duas

unidades que, segundo o autor, se constituem nas maiores unidades de análise,

sendo que o próprio texto funciona como mediador da ação de linguagem.

No que concerne à organização de um texto, de acordo com o autor, existem

três estratos que o constituem, partindo do princípio de que “todo texto é organizado

em três níveis superpostos e, em parte, interativos” (BRONCKART, 2012, p. 119)

constituindo, assim, o que denominou de “folhado textual”. Esses elementos

constitutivos do folhado textual são denominados: infraestrutura geral do texto,

mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos.

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A infraestrutura geral do texto, considerada como a camada mais profunda,

compreende o plano mais universal do texto, os tipos de discurso que podem se

materializar, as modalidades de articulação entre os discursos e pelas sequências

que ocasionalmente venham a surgir a partir desses usos. É nesse nível que se

encontra a construção do conteúdo temático de um escrito, o qual posteriormente é

notado pelo leitor, com possibilidade de ser compilado em uma síntese.

Em relação aos mecanismos de textualização - conexão, coesão nominal e

verbal - que constituem o estrato secundário, são imprescindíveis para que a

coerência temática seja garantida. Dessa forma, eles “explicitam as grandes

articulações hierárquicas, lógicas e/ou temporais do texto”, afirma Bronckart, (2012,

p.122).

Por fim, tendo em vista a compreensão do leitor, os mecanismos

enunciativos existem para a conservação da coerência pragmática de um folhado

textual. É nesse terceiro e último estrato que são explicitados os posicionamentos

enunciativos e as vozes presentes numa obra literária, cuja finalidade é orientar a

interpretação do texto por seus destinatários. Bronckart (2012) considera essa etapa

bastante complexa, justificando que isso ocorre porque o autor produz seu texto a

partir da interpretação de discursos anteriormente vivenciados.

Frente à problemática de ensino da língua e à necessidade de recorrer ao

uso de gêneros como prática de ensino que levasse em conta esse sujeito social,

que pratica ações semiotizadas, a partir das proposições contidas no interacionismo

sociodiscursivo, em que as atividades de linguagem são construídas em meio a

processos interativos, como “traços de condutas humanas socialmente

contextualizadas” (BRONCKART, 2012, p. 23), norteamos as estratégias

pedagógicas para o ensino de gêneros com os alunos do Ensino Fundamental da

Educação de Jovens e Adultos para que assim pudéssemos observar os impactos

dessas ações nas produções textuais dos discentes.

1.4 O ENSINO DO GÊNERO CRÔNICA PARA A PRÁTICA DE PRODUÇÃO

TEXTUAL NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS - EJA

O trabalho com gêneros na turma de Ensino Fundamental II da EJA se

configura numa ação metodológica preocupada em preparar os alunos para as

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situações que requerem o uso da escrita, mediante: a concepção postulada pelo

Interacionismo Sociodiscursivo em que as práticas de linguagem são concebidas e

transformadas em atividades linguageiras, e as orientações para o desenvolvimento

de sequência didática em que o ensino de produção escrita tem como eixo central o

estudo de gêneros textuais.

A escolha da crônica se justifica pelo caráter cotidianístico do gênero e, bem

como pela possibilidade de tomar como ponto de partida para as práticas leitoras e

criadoras de texto, situações do cotidiano, de modo a estabelecer relações das

próprias vivências do grupo com o gênero abordado para práticas de escrita situada,

desenvolvendo a autoria de textos interessantes, elaborados para serem lidos e

apreciados por outros leitores.

Etimologicamente, a palavra crônica está associada ao termo grego

“chronikós”, significando tempo (chrónos), e ao latim “chronica(m)”. Quando surgiu, o

termo crônica fazia referência aos registros de acontecimentos históricos, relatos

feitos à medida que os fatos iam acontecendo, ou seja, em ordem cronológica; por

isso, “situada entre os anais e a História, limitava-se a registrar os eventos sem

aprofundar-lhes as causas ou tentar interpretá-los” (MOISÉS,1978, p. 245)

Registrar o circunstancial era a missão inicial desse gênero que, segundo

Jorge de Sá (1987), eternizou as impressões causadas nos colonizadores por

ocasião do reconhecimento das terras brasileiras, dando início à literatura brasileira.

A crônica, no entanto, foi além e “perdendo a extensão da carta de Caminha,

conservou a marca de registro circunstancial feito por um narrador-repórter que

relata um fato não mais a um só receptor privilegiado como el-rei D. Manuel, porém

a muitos leitores” (SÁ, 1987, p. 7).

Em relação à carta de Pero Vaz de Caminha ser a precursora da crônica no

Brasil, Soares (2014) discorda dessa assertiva, argumentando que o referido gênero

se configura como um registro diário em forma de carta, narrativas de viagem, ou

seja, na sua concepção:

a razão de discordância é bem simples: a Carta não pertence efetivamente ao gênero, nem se a encarássemos do ponto de vista dos relatos historiográficos tal como os praticados por Afonso Cerveira, Gomes, Gomes de Zurara ou Fernão Lopes, também conhecidos pela mesma designação de crônicas. (SOARES, 2014, p. 31)

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O autor, a partir do exposto, associa a carta de Pero Vaz aos demais diários

de bordo em que os escrivães portugueses da época costumavam fazer para

registrar os fatos mais importantes ocorridos durante as viagens, tratando-se, assim,

de uma carta diário, própria da literatura portuguesa. Não sendo nossa pretensão

aprofundar a discussão em torno da questão, o certo é que, segundo Moisés (1978),

o caráter histórico da crônica se estendeu ao longo dos séculos e apenas no século

XIX passou a ter uma conotação literária, materializando-se em textos jornalísticos.

No cenário brasileiro, a crônica concentrou-se também, por volta do século

XIX, para o exercício de registro do cotidiano. Assim, de uma concepção que varia

do gênero jornalístico ao gênero literário, estabeleceu-se e pôde ser apreciada de

diversas formas: prosa, ensaios, narrativas, ora cômicas ora mais sérias, críticas,

sempre mantendo uma relação bem próxima com os acontecimentos do cotidiano,

de modo a conseguir dialogar com os mais diferentes tipos de leitores.

Desde o início, no Brasil, a crônica se manifestou nos espaços urbanos,

principalmente, em um determinado período no Rio de Janeiro. No entanto,

conforme Soares (2014, p. 21), “o vínculo entre a crônica e o espaço urbano diz

respeito ao meio de comunicação, revistas e jornais, principalmente diários, cuja

diretriz está voltada para o registro escrito do cotidiano da cidade”. Por isso, embora

o Rio de Janeiro fosse o principal referencial devido a maior concentração de

autores, jornais e editoras, esse gênero, esclarece o autor, se expandiu para outros

centros urbanos sendo, quanto à nacionalidade, sobretudo, um gênero

metropolitano, e não carioca.

Ainda em relação à nacionalidade, mais especificamente à influência

francesa, Soares (2014) afirma que assim como não é possível negar a matiz

jornalística da crônica, tampouco há como ignorar a origem francesa e que, “a

atribuição de um novo gênero à crônica, no cenário brasileiro, pode ser entendida

em sua perspectiva histórica: a versão brasileira, por assim dizer, e mais

propriamente moderna, seria uma modalidade nova do gênero”. Para reforçar o que

denomina de lugar comum dessa assertiva, “mera remissão generalizada à

historiografia literária”.

O autor afirma ainda que

tanto Candido quanto Bender e Laurito aludem a uma matiz europeia que não pode ser ignorada quando empregam o mesmo verbo „aclimatar‟, sugerindo o bom acolhimento, em solo cultural brasileiro, de forma

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discursiva originalmente francesa. Nesse sentido, o que os autores sugerem, principalmente Candido, é que a partir de determinado momento histórico, a crônica apresentou características peculiares que a diferenciaria não só dos modelos europeus contemporâneos como, também, das realizações oitocentistas, delineando aquilo que passou a ser chamado de

„moderna crônica brasileira (SOARES, 2014, p.29).

Desse modo, fica esclarecido que apesar de se reconhecer a influência

europeia por ocasião do surgimento da crônica no Brasil, os autores não se

prenderam, nem mantiveram suas produções sob o referencial da cultura que dera

origem ao gênero, mas conseguiram se estabelecer e seguir

seu curso à revelia do desenvolvimento do contexto original europeu, restando-lhe apenas reagir a demandas preponderantemente nacionais. Nesses termos, a questão da nacionalidade da crônica é reforçada por perspectiva histórica mais propriamente diacrônica, que nos remete menos às influências externas do que internas: se a crônica brasileira não se nutriu do constante convívio com o que se produziu lá fora, ela acabou por manter uma linha evolutiva voltada para a sua própria trajetória de tal maneira que a pergunta de quem teria influenciado Ponte Preta, Nelson Rodrigues ou Mário de Andrade poderia muito bem ser respondida com os nomes de França Júnior, Machado de Assis ou João do Rio (SOARES, 2014, p. 31).

Coutinho (2004) lembra que a crônica brasileira teve como expositor

Francisco Otaviano de Oliveira Rosa, com publicações em folhetim no Jornal do

Commercio e no Correio Mercantil, ambos no Rio de Janeiro, entre os anos de 1852

e 1854, sendo Oliveira Rosa, segundo afirma Coutinho (2004), quem conseguiu

elevar o referido gênero “a mais alta categoria intelectual”.

Do ponto de vista de Soares (2014), Machado de Assis é o grande

responsável pela consolidação do gênero no país. Para o autor, uma das

características marcantes de suas crônicas, que as fazem se diferenciar dos demais

escritores reside em conseguir manter um distanciamento dos fatos, fazendo deles

material de reflexão, embora tivesse de participar dos diversos círculos da época e,

assim, tomar ciência dos acontecimentos que se configurariam na sua matéria-

prima.

Dessa forma,

logo numa situação muito próxima daquela que se encontra o anônimo leitor de jornal com o qual dialoga, o cronista machadiano dá novo contorno ao gênero, ao se afastar do rebuliço da vida mundana e ao manter com a crônica, na sua acepção de gênero histórico, uma proximidade relativa: por um lado Cronos permanece, contudo sujeito às contingências do cotidiano. (SOARES, 2014, p. 232).

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Machado de Assis, reforça Soares (2014), conseguia distanciar-se das

cenas que dariam corpus às crônicas que escrevia, mantendo-se autônomo, crítico,

irônico e, por vezes, polêmico, problematizando os temas que tinha oportunidade de

abordar. É certo, que assim como Machado de Assis, outros escritores também

tiveram papel preponderante no fortalecimento da crônica no Brasil, embora não

seja, no momento, objetivo nosso aprofundar essa discussão.

Nesse contexto, é relevante ressaltar as características da crônica, entre às

quais, Moisés (1978) destaca aspectos, tais como:

a) Brevidade – pelo espaço destinado para publicação, é geralmente um texto

curto, incidindo diretamente nos outros aspectos que a identificam;

b) Subjetividade – pelo foco narrativo que centra-se sempre na primeira pessoa

do singular, mesmo quando o narrador não está diretamente participando,

mas, sobretudo por a cena ser construída sempre a partir de seu olhar;

c) Estilo híbrido – entre o coloquial e o literário, “direto, espontâneo, jornalístico,

de imediata apreensão” (MOISÉS,1978, p. 256)

Em relação a esse último aspecto, convém destacar que

o dialogismo, assim, equilibra o coloquial e o literário, permitindo que o lado espontâneo e sensível permaneça como o elemento provocador de outras visões do tema e subtemas que estão sendo tratados numa determinada crônica, tal como acontece em nossas conversas diárias e em nossas reflexões, quando também conversamos com um interlocutor que nada mais é do que o nosso outro lado, nossa outra metade, sempre numa determinada circunstância. (SÁ, 1987, p. 11)

Em meio às características elencadas, acreditamos que essa proximidade

com o dia-a-dia dos alunos, que podem perceber mais ainda nesse gênero textual a

relação dos fatos abordados com sua própria vida, seja um dos fatores facilitadores

para que concebam a escrita como algo próximo de sua realidade, possível de ser

utilizada e retextualizada a partir dos sentidos, das concepções e da visão de

mundo. Com essa finalidade, tendo em vista a proposta de ensino modular para o

ensino e aprendizado dos gêneros textuais de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2013),

elaboramos uma sequência didática que pudesse ainda tornar esse processo mais

dinâmico.

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1.5 SEQUÊNCIA DIDÁTICA E OS GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO

FUNDAMENTAL – MODALIDADE EJA

Discutir o ensino da língua numa perspectiva que considere os usos sociais

e funcionalidade para as práticas de linguagem que acompanham o sujeito requer

definir ações teórico-metodológicas que repensem o ensino da escrita.

Compreendendo a importância dos gêneros para essa ação pedagógica, tomamos

como pressupostos as ideias contidas em Schneuwly, Noverraz e Dolz (2013), que

diante da verificação dos desafios presentes nas tentativas de utilização dos

gêneros para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem desenvolveram uma

proposta metodológica de trabalho com sequência didática.

Os referidos autores defendem que a aplicação desse instrumental mostra-

se funcional para o ensino não só da escrita textual, como também na preparação

do aluno para expressar-se oralmente de forma adequada nas situações

comunicativas dentro ou fora da escola.

Nesse sentido, se propõem a “desenvolver a ideia de que o gênero é que é

utilizado como meio de articulação entre as práticas sociais e os objetos escolares,

mais particularmente no domínio do ensino da produção de textos orais e escritos”,

(SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 61), em que a linguagem estará

mediando as situações comunicativas nos contextos sociais, sofrendo variações de

acordo com as vivências dos sujeitos.

Estudar o gênero e suas especificidades na esfera escolar, relacionando-os

às realizações de linguagem, efetivamente contribuirá não só para adequá-lo ao

momento oportuno de utilização como para tornar o sujeito autônomo e consciente

nas escolhas linguageiras, o que na prática não acontece.

Independente do contexto ou segmento de ensino, Schneuwly, Noverraz e

Dolz (2013) asseguram que nenhuma prerrogativa voltada para o ensino da língua

oral ou escrita tem dado conta de atender às expectativas de ensino de modo a

permitir o ensino da oralidade e da escrita a partir de um encaminhamento, a um só tempo, semelhante e diferenciado; propor uma concepção que englobe o conjunto da escolaridade obrigatória; centrar-se, de fato, nas dimensões textuais da expressão oral e escrita; oferecer material rico em textos de referência, escritos ou orais, nos quais os alunos possam inspirar-se para suas produções; ser modular, para permitir a diferenciação do ensino; favorecer a elaboração de projeto de classe. (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 81).

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Os autores partem do pressuposto de que é possível, através da

modularidade, dar conta do ensino de gêneros e preencher essas lacunas de tal

forma que ao término de um ciclo de escolaridade os discentes consigam adequar

suas escolhas textuais às situações comunicativas. Dessa forma, propõem que, a

partir de sequências didáticas, os alunos tenham a oportunidade de vivenciar

práticas de linguagem diversas, principalmente aquelas que têm mais dificuldade de

acesso e domínio. Nesse sentido, esclarecem que

a perspectiva adotada nas sequências didáticas é uma perspectiva textual, o que [...] implica levar em conta os diferentes níveis do processo de elaboração de textos. É no nível da textualização, mais particularmente, que o trabalho conduzido nas sequências torna-se complementar a outras abordagens. Nesse nível, as sequências didáticas propõem numerosas atividades de observação, de manipulação e de análise de unidades linguísticas (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 96).

O trabalho sequenciado, portanto, tomando o gênero como ponto de partida

e de chegada, com finalidades previamente definidas, conhecidas por todos que

participarão ativamente de sua execução, garantirá a divisão de responsabilidades e

exigirá deles o papel de coautores nas práticas direcionadas de escrita e reescrita e

também na elaboração e divulgação do produto final. Consequentemente, essas

ações com e sobre o gênero incidirão no amadurecimento dos alunos para enxergar

a dinâmica que envolve o texto nas situações sociocomunicativas em que estão

inseridos cotidianamente.

Como procedimentos para possibilitar essas práticas de linguagem, para que

tenham melhores condições e maiores possibilidades em dominar os gêneros

textuais, adequando-os às situações de uso requeridas, a sequência didática se

organiza a partir de um esquema constituído pelos seguintes componentes:

apresentação da situação, realização da primeira produção, módulos e produção

final.

Essa estrutura pode ser observada no esquema proposto por Schneuwly,

Noverraz e Dolz (2013), que orienta as práticas de ensino de gêneros textuais numa

perspectiva de organização modular, norteando as produções textuais mediante

ações planejadas a partir do conhecimento prévio do respectivo gênero selecionado

para estudo, para ampliação e consolidação do aprendizado, compreendendo sua

estrutura e usos sociais.

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Figura 1 - Esquema de sequência didática

Fonte: Dolz; Noverraz; Schneuwly (2013, p. 83)

Na apresentação da situação, o aluno toma conhecimento do projeto de

trabalho, do gênero e da modalidade que será explorada, oral ou escrita, sendo,

portanto, “o momento em que a turma constrói uma representação da situação de

comunicação e da atividade de linguagem a ser executada”, reforçam Schneuwly,

Noverraz e Dolz (2013, p. 84), o que os tornará cientes do caminho a se percorrer

até a produção final.

No primeiro contato com a proposta de trabalho, é imprescindível que toda a

situação comunicativa fique bem clara, além da definição do gênero a ser

trabalhado, que tanto pode ser decidido pelo grupo quanto pode ser sugerido pelo

professor, os possíveis destinatários para a produção definitiva, os participantes que

estarão engajados na elaboração do texto e ainda a forma de registro e de

divulgação da produção. Essa seria a primeira dimensão da apresentação da

situação.

Outra dimensão considerada igualmente relevante é a que trata dos

conteúdos dos textos a serem produzidos, de modo que os envolvidos no projeto

percebam a importância desses conteúdos, precisando aqueles com os quais irá

trabalhar para aprimorar a linguagem. Para esse fim, os autores sugerem a adoção

de projetos de classe, que podem ser parcialmente fictícios, tendo em vista o caráter

dinâmico e significativo das atividades das aprendizagens desenvolvidas nessa

perspectiva.

A fase seguinte da sequência didática, primeira produção, se configura numa

tentativa preliminar de representação oral ou escrita do gênero em estudo, através

da qual os alunos “revelam para si mesmos e para o professor as representações

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que têm dessa atividade” (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 86) e tornam

mais evidente o que já conhecem do gênero abordado.

O primeiro registro individual em torno da situação de comunicação

previamente estabelecida tem sua importância definida pelo caráter regulador que

permitirá aos participantes perceberem o que já conhecem e as dificuldades que

ainda precisam superar para produzir textos que atendam as especificidades do

gênero. O professor também terá suas ações norteadas pelos textos elaborados, os

quais lhe darão maior precisão em relação à tomada de decisões para tratar das

dificuldades apresentadas e intervir adequadamente, individual e coletivamente,

para, no decorrer dos módulos, realizar atividades que contemplem cada capacidade

de linguagem a ser alcançada.

A sequência didática será norteada pela execução de módulos, etapa que se

caracteriza pelo trabalho com os problemas textuais que surgirem nessa primeira

produção, de forma que sejam oferecidos subsídios aos alunos para superarem e

solucionarem essas dificuldades.

Essa etapa compreenderá tantos módulos quantos sejam considerados

necessários ao alcance dos objetivos propostos para o trabalho com o gênero

selecionado. Trata-se, segundo os autores, de uma decomposição da produção

inicial, de modo a tornar perceptível que capacidades serão abordadas. Para tanto, o

professor realiza atividades e exercícios diversificados em torno das problemáticas

que comprometem a aprendizagem do gênero em estudo, realizando assim uma

avaliação formativa.

O retorno ao texto para acompanhar o aprendizado em decorrente das

vivências textuais, encerra a sequência didática. Trata-se da produção final em que

o aluno retorna à produção inicial para verificar quais intervenções serão

necessárias para que seu texto corresponda ao gênero textual estudado.

A importância da realização dessa etapa reside nos seguintes aspectos:

indica-lhe os objetivos a serem atingidos e dá-lhe, portanto, um controle sobre seu próprio processo de aprendizagem (O que aprendi? O que resta fazer?); serve de instrumento para regular e controlar seu próprio comportamento de produtor de textos, durante a revisão e a reescrita; permite-lhe avaliar os progressos realizados no domínio trabalhado (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p. 90).

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As ações do aluno, nessa perspectiva, não são justificadas simplesmente

pela necessidade de dar respostas às exigências didáticas pedagógicas do

professor, mas pela consciência da utilidade do texto nas esferas sociais, precisando

se adequar a esses contextos de uso. Tais ações sobre a produção escrita

justificam-se ainda pela tomada de consciência dos sujeitos de que os progressos

requeridos na reelaboração do texto para adequar-se às situações em que será

utilizado, dependem de sua ação imediata.

A realização desse estágio, portanto, permitirá uma atitude mais crítica e

reflexiva do aluno em torno da própria escrita, decorrente do aprendizado construído

durante a aplicação dos módulos, tornando-se mais proficiente em relação ao

gênero e mais autônomo nas suas práticas escritoras.

Entretanto, apesar de a produção final se constituir na última etapa do

trabalho com sequência didática, isso não implica necessariamente o término das

intervenções para o aprendizado do gênero em questão, podendo ser um indicativo

da necessidade de novas ações para consolidação das lacunas que porventura

precisem ser preenchidas, se os objetivos estabelecidos nos módulos aplicados, e

na sequência didática como um todo, não tiverem sido devidamente alcançados.

Como prática de letramento, a circulação da produção final dentro e fora da

comunidade escolar dará maior visibilidade à prática da escrita com função social,

revestida de significado, resultante de práticas sociais que são um continuum na vida

dos sujeitos. Por isso, algumas produções foram selecionadas para publicação e

divulgação junto à comunidade escolar, aos familiares e amigos dos alunos

envolvidos na coletânea.

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2 ASPECTOS METODOLÓGICOS QUE NORTEIAM E SUSTENTAM A

PESQUISA

Como metodologia de pesquisa, optamos pelo uso da pesquisa-ação, cuja

origem é atribuída por alguns pesquisadores a Kurt Lewin que a teria utilizado como

uma forma de superar condições adversas (CHIZZOTTI, 2013). Segundo essa

proposta o papel do pesquisador é de experimentador que, ao manter contato com

um determinado campo, terá a oportunidade de consolidar conhecimentos acerca

deste, auxiliando-o a intervir e modificar esse meio.

Além de evidenciar as inúmeras contribuições em torno dos significados e

atribuições da pesquisa-ação, Chizzotti (2013) classifica essa metodologia em quatro

tipos: pesquisa-ação tradicional de Lewin, pesquisa-ação contextual de Trist,

pesquisa-ação radical e pesquisa-ação educacional, que tem como apoio as ideias

conceituais de “Dewey que propunha o envolvimento dos educadores profissionais

na solução de problemas nas instituições escolares” (CHIZZOTTI, 2013, p. 85).

Nossa pesquisa parte, portanto, do entendimento dessa necessidade de

uma ação mais efetiva na tarefa de investigar as questões que envolvem o contexto

de sala de aula, de modo a engajar-se na busca de possíveis soluções para a

promoção de uma educação mais igualitária.

Reforçando nossa escolha pela pesquisa-ação, destacamos o que diz

Baldissera (2011, p.6) ao afirmar que

para alcançar o objetivo proposto na pesquisa-ação no sentido de estabelecer uma relação entre o conhecimento e ação, entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada e destes com a realidade, Michel Thiollent (1985) diz ser necessário: uma ampla e explícita interação entre os pesquisadores e envolvidos na pesquisa e que esta não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo), mas pretende aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou nível de consciência das pessoas e grupos que participarem do processo, bem como contribuir para a discussão ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas.

Considerando a preocupação maior de envolver os alunos em práticas

leitoras e escritoras de forma interativa e participativa, de modo que tenham

consciência da função social da língua, estabelecemos no curso das atividades

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desenvolvidas a relação contínua entre conhecimento e ação, sem a qual não

haveria o engajamento necessário para obtenção dos objetivos propostos.

2.1 ABORDAGEM DE DADOS DA PESQUISA

Para realização deste estudo adotamos a investigação de natureza

qualitativa que possibilita, a partir da orientação de atividades escritoras e leitoras,

observar como os alunos se portaram diante das experiências com práticas de

letramento e as contribuições dessas vivências para desenvolvimento das

habilidades de escrita, tendo em vista a aplicação da sequência didática.

Segundo Bogdan e Biklen (1994), para realização dessa prática de

pesquisa, torna-se necessária a inserção do investigador no ambiente natural em

que os dados serão gerados de modo que se consiga elucidar as indagações

contidas no objeto de estudo. Nesse sentido, a observação atenta da ação dos

sujeitos jovens e adultos na dinâmica do espaço da sala de aula foi fundamental

para compreendermos e respondermos como se efetivava a produção de crônicas

por esses alunos, a partir da utilização de sequência didática como estratégia

metodológica de ensino.

De acordo com os referidos autores, a investigação qualitativa apresenta

cinco características. A primeira refere-se ao fato de o ambiente natural de trabalho

ser a fonte direta dos dados e o investigador o principal instrumento para constituí-

los. Em relação a essa abordagem, Bogdan e Biklen (1994, p. 48) reforçam que

os investigadores qualitativos frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Entendem que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência. Os locais têm de ser entendidos no contexto da história das instituições a que pertencem.

Nesse sentido, efetivamos um contato direto com os alunos no cotidiano da

sala de aula a fim de acompanhar suas atividades no decorrer das práticas leitoras e

escritoras.

A segunda característica da abordagem diz respeito ao caráter descritivo da

investigação qualitativa, cujos dados não são registrados em forma de números,

mas, sobretudo pelo uso de palavras e imagens. Sobre isso, Stake (2011, p.108)

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esclarece que “a primeira responsabilidade do pesquisador é saber qual o

acontecimento, enxergá-lo, ouvi-lo, tentar compreendê-lo”. Dessa forma,

complementa o autor, se soubermos o que aconteceu exatamente, todos os

registros escritos deverão ser vistos como possibilidade de aprimorar nossa

compreensão.

No estudo proposto, primamos por analisar como se desenvolvem as

práticas de letramento mediante a aplicação de sequência didática, ressaltando as

implicações para a melhoria dos alunos no que se refere às práticas de leitura e

escrita, centrando-nos no processo de elaboração das produções e,

consequentemente, das vivências escritoras. Esse interesse maior pelo processo, do

que simplesmente pelos resultados ou produtos, conforme estabelecem Bogdan e

Biklen (1994, p. 50) é a terceira característica dos investigadores qualitativos. Sob

essa mesma visão, as técnicas e estratégias qualitativas são aplicadas para que a

partir de atividades, procedimentos e interações se observe “simultaneamente quem,

o quê, quando, onde e por que [...] relacionando-os à questão da pesquisa” (STAKE,

2011, p. 103).

A quarta característica da investigação qualitativa diz respeito à análise dos

dados e costuma ser realizada de forma indutiva. Os dados particulares recolhidos

no ambiente onde estão os sujeitos, alvos do estudo, são, portanto, imprescindíveis

para a construção das abstrações cuja análise procede de baixo para cima. Por isso,

“o investigador qualitativo planeia utilizar parte do estudo para perceber quais são as

questões mais importantes. Não presume que sabe o suficiente para reconhecer as

questões importantes antes de efetuar a investigação”, segundo propõem Bogdan e

Biklen (1994, p. 50).

A quinta característica aferida à abordagem qualitativa pelos autores diz

respeito à importância dada ao significado, por isso o ponto de vista do participante

é de igual relevância para a dinâmica da abordagem que se pretende realizar.

Consequentemente, os investigadores qualitativos acreditam que no momento em

que são apreendidas as expectativas do participante “a investigação qualitativa faz

luz sobre a dinâmica interna das situações, dinâmica esta que é frequentemente

invisível para o observador exterior” (BOGDAN; BIKLEN; 1994, p. 50).

Além disso, de acordo com Bogdan e Biklen, os investigadores qualitativos

“fazem questão em se certificarem de que estão a apreender as diferentes

perspectivas adequadamente” (1994, p. 50). Dessa forma, a investigação se guiou

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pelo princípio de participação efetiva dos sujeitos envolvidos, considerando suas

experiências e pontos de vista, conduzindo as ações “por uma espécie de diálogo

entre o investigador e os respectivos sujeitos, dado estes não serem abordados por

aqueles de uma forma neutra” (BOGDAN; BIKLEN; 1994, p. 50).

2.2 TIPO DE PESQUISA

Tendo em vista a natureza desta investigação que busca compreender os

impactos gerados pelo desenvolvimento de práticas de letramento nas atividades de

escrita dos alunos da educação de jovens e adultos, no ensino fundamental, optou-

se pelo uso da pesquisa explicativa. Esse tipo de pesquisa tem como principal

objetivo “identificar fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos

fenômenos” (MOREIRA; CALLEFE, 2006, p. 70).

Para esses autores, esse tipo de exploração possibilita conhecer a realidade

com mais profundidade, devido à preocupação em compreender e tornar visível os

fatos analisados, procurando explicar o porquê das ocorrências dentro desse

universo constitutivo da pesquisa.

Com essa finalidade, norteamos as investigações do nosso objeto de

estudo, procurando encontrar respostas que nos ajudem não somente a entender o

processo de escrita dos colaboradores, mas a explicar a dinâmica dessas práticas

no cotidiano da sala de aula.

2.3 COLABORADORES

Esta pesquisa teve como colaboradores os alunos de ensino fundamental da

educação de jovens e adultos e a professora da disciplina de Língua Portuguesa que

também foi responsável pelo desenvolvimento da pesquisa. O grupo, constituído de

seis mulheres e seis homens, apresentou uma faixa etária que variava entre 29 e 49

anos. Destes, apenas dois eram solteiros e um deles tinha filhos; entre os casados

um não tinha filhos, outro tinha cinco filhos e os demais variavam entre um e três

filhos, caracterizando, em sua maioria, famílias pequenas. Todos declararam ser

residentes e domiciliados no município de Currais Novos/RN sendo que um aluno

morava em casa cedida, dois pagavam aluguel e os demais residiam em casa

própria.

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No que se refere às ocupações dos discentes, apenas um informou que não

trabalhava enquanto os demais exerciam profissões diversas: mecânico, tecelão,

doméstica, motorista, cozinheiro, assistente de serviços gerais, churrasqueiro e

profissional liberal. Desse universo, sete trabalhavam com carteira assinada, entre

os quais quatro ganhavam pouco mais que um salário mínimo, sendo que a renda

de cinco informantes era complementada por programas do Governo Federal como

Bolsa Família e Bolsa Escola. Os colaboradores que não tinham vínculo

empregatício formalizado, ou seja, que não trabalhavam com carteira assinada,

recebiam abaixo do mínimo.

A maioria desses alunos passou um tempo significativo fora da escola, entre

dez e trinta anos e estavam frequentando recentemente a EJA. Dentre os motivos

que provocaram esse afastamento longínquo foram elencados o trabalho, os

problemas pessoais, a mudança de cidade, a falta de motivação e o próprio

desinteresse pelos estudos, como afirmara o aluno mais velho da classe.

Apesar de se tratar de uma turma que se dispunha a realizar a maioria das

atividades desenvolvidas em sala, a mesma disponibilidade não se aplicava às

propostas para casa, sendo apresentado como principal justificativa o trabalho. Os

alunos demonstravam ainda inúmeras dificuldades de leitura que incluía problemas

desde a simples decodificação, identificação de informações e compreensão dos

textos, às quais se refletiam diretamente na escrita e também na oralidade. Isso

fazia com que se angustiassem muito durante a realização das atividades,

demonstrando falta de proficiência no uso da língua, no registro escrito e na

expressão oral.

Com a intenção de conhecer a opinião dos alunos em relação aos estudos

de Língua Portuguesa e o que pensam sobre a leitura e a escrita, pois embora o

foco dessa intervenção fosse a escrita não há como dissociar uma prática da outra,

foi aplicado um questionário que contemplava questões de múltipla escolha e

questões abertas. A aplicação desse questionário ajudou ainda a traçar o perfil dos

colaboradores e ter uma maior percepção das expectativas e concepções de

aprendizado de cada um deles.

Quando indagados sobre a utilidade da Língua Portuguesa para suas vidas,

em suas respostas, alguns atribuíram à disciplina uma possibilidade de aprender a

se comunicar, a falar corretamente e a escrever melhor, de aplicar os conhecimentos

às práticas de “redação”, de aprendizado da escrita; uns evidenciaram a utilidade

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nas situações cotidianas, e outros foram específicos, considerando-a “fundamental”,

“bom”, como tendo “utilidade total”. De modo geral, as falas demonstravam a

importância da referida disciplina em todos os momentos de suas vidas, como

afirmara um dos alunos em sua resposta. Essas declarações foram complementadas

algumas vezes nas rodas de conversa, promovidas para estabelecer um diálogo

mais descontraído e efetivo entre professora e discentes, em que, por exemplo, um

aluno revelara que “tinha vergonha quando ia participar de uma reunião na empresa

e não sabia escrever” ou outros afirmavam que eram muito ruins de escrita.

Em relação ao questionamento sobre as expectativas de aprendizagem, em

que alguns alunos afirmaram querer aprender tudo o que tivessem oportunidade,

como: “aprender a ler bastante”, “escrever certo” e a “interpretar textos”, foi possível

perceber a preocupação em tentar recuperar o tempo perdido.

As respostas para o item “O que mais gosta de estudar” e “O que mais tem

dificuldade de apender” carregavam o mesmo teor da questão anterior: queriam

aprender a ler, escrever e interpretar, destacando alguns aspectos de ordem

gramatical e ortográfica, sobretudo usar os sinais de pontuação.

Quanto aos hábitos de leitura e escrita, apesar de afirmarem considerá-los

importantes, tais práticas, segundo os alunos, estavam condicionadas às demandas

do trabalho ou eram vivenciadas apenas quando sobrava algum tempo, tendo,

portanto, um caráter secundário na vida desses sujeitos. Ainda assim, alguns

afirmaram ler jornais, revistas, histórias infantis, bíblia e romances. Dessa forma, o

hábito de ler estava mais ligado às necessidades imediatas, o mesmo acontecendo

com as práticas de escrita. Essas informações foram imprescindíveis para o

planejamento e desenvolvimento da proposta de trabalho.

Durante aplicação dos módulos, para identificar as produções dos

colaboradores, seus respectivos nomes foram substituídos pela designação de

estrelas ou constelações, inspirada no filme indiano de Aamir Khan “Como estrelas

na terra, toda criança é especial”, pela mensagem de respeito e de credibilidade que

devemos ter com o outro e, consequentemente, a importância de reconhecer o

potencial que existe em cada sujeito, independente das limitações, dos obstáculos

ou do próprio descrédito das pessoas, e o papel do professor enquanto mediador

desse processo.

A escolha dos pseudônimos resultou de uma reflexão sobre os alunos da

EJA que, embora muitas vezes estejam desmotivados e desacreditados da própria

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capacidade, corajosamente retornam à escola, decididos a enfrentar as inúmeras

barreiras para continuar estudando, o que os torna, de fato, muito especiais. Por

isso, requerem um olhar respeitoso e práticas pedagógicas comprometidas com o

exercício da cidadania, dando-lhes a oportunidade de exercer o protagonismo na

elaboração e reelaboração de seus saberes.

Em relação à docente colaboradora, que também fazia a intervenção como

pesquisadora, tratava-se da professora titular da turma, com vinte e um anos de

docência, ao longo dos quais trabalhou com alunos de diversos segmentos e nos

últimos nove anos vinha se dedicando ao ensino de jovens e adultos, público com o

qual enfrentou os maiores desafios da carreira.

O envolvimento direto enquanto docente e pesquisadora, tendo, portanto,

como colaboradores os próprios alunos, significou mais uma grande oportunidade de

encontrar caminhos para o desenvolvimento de ações metodológicas eficazes, de

modo a tornarem-se sujeitos mais ativos na reelaboração de saberes e na

construção de novos conhecimentos, reconhecendo o potencial que têm para o

aprendizado, valorizando as experiências e aceitando o desafio de serem

protagonistas e não meros espectadores nas situações voltadas para o processo de

ensino-aprendizagem.

2.4 CENÁRIO DA PESQUISA

O espaço escolhido para investigação tratou-se de uma sala de aula de

Educação de Jovens e Adultos (EJA), do ensino fundamental, turno noturno, de uma

instituição pública escolar da cidade de Currais Novos, cuja modalidade de ensino se

dá por oferta de disciplinas em blocos. Essa modalidade atende, sobretudo, alunos

trabalhadores que buscam em curto espaço de tempo concluir os estudos e, desse

modo, tentar obter qualificação e melhores condições de inserção no mercado de

trabalho.

A escola atende ainda alunos oriundos do ensino regular, fundamental ou

médio, que se encontram desnivelados em razão de reprovações consecutivas ou

por necessitarem trabalhar veem nesse tipo de oferta de ensino um meio de conciliar

estudos e trabalho. Outros encontram na modalidade EJA uma possibilidade de

retorno aos estudos depois de estarem afastados da escola por um longo período.

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A referida unidade de ensino funciona com alunos apenas em dois turnos,

vespertino e noturno, por falta de demanda para o turno matutino, que sempre

funcionou com um número reduzido de discentes. Além disso, a escola trabalha com

outro tipo de oferta, o da Banca de Exames Permanente, de caráter certificatório,

aberto a quaisquer alunos, desde que atendam a faixa etária mínima requerida,

sejam de escolas públicas sejam de escolas privadas, por motivos diversos: situação

de dependência, necessidade de certificado para assumir concurso ou vagas em

universidades, por uma oportunidade de emprego ou simplesmente por desejarem

acelerar a conclusão dos ensinos fundamental e médio. Por esse caráter eclético de

oferta de ensino, acaba atendendo constantemente alunos de toda a região.

Projetadas a princípio para o atendimento em sistema de cabines, uma vez

que os alunos recorriam à escola apenas para realizar provas de caráter

certificatório, as salas não foram adaptadas para atender às atuais ofertas de ensino

e, por isso, não são suficientes para dar conta das demandas, principalmente do

turno noturno, sendo apenas cinco salas de aula. A unidade de ensino conta ainda

com uma biblioteca e uma sala de vídeo que, por necessidade, é utilizada também

como sala de aula no turno noturno.

Desde que começou a oferta de ensino presencial ou semipresencial, o

maior desafio da escola tem sido lidar com os altos índices de evasão, os quais

ocorrem tanto no início quanto no decorrer de cada semestre. O grande índice de

falta dos alunos, o número reduzido de docentes efetivos no quadro, aliados ao curto

período para ministrar as disciplinas, têm se configurado em grandes problemas

para o processo de ensino-aprendizagem dos alunos que frequentam a referida

escola.

2.5 INSTRUMENTAIS DE GERAÇÃO DE DADOS

A geração das informações necessárias para o desenvolvimento desta

pesquisa ocorreu, principalmente, com a utilização dos seguintes instrumentais:

observação, questionário, entrevista, a partir de rodas de conversa, notas de campo

e fotografia.

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2.5.1 Observação

Visualizar os detalhes do comportamento dos atores envolvidos no cenário

de estudo e as características desse universo torna-se imprescindível para o

pesquisador conhecer com mais propriedade a realidade em que estará atuando e, a

partir desse conhecimento, poder agir sobre o meio de maneira positiva, agregando

resultados que se configurem em propostas significativas de intervenção e

melhoramento da realidade em que se encontram os sujeitos.

Entre as preocupações que envolvem a tarefa de elaboração dos

instrumentos que auxiliarão na geração de dados, a documentação dos fatos, de

forma precisa para que não se percam de vista os detalhes dos acontecimentos, é

considerada por Stake (2011, p. 107) o centro das atenções e uma das grandes

responsabilidades do pesquisador iniciante cuja preocupação primeira “é saber qual

é o acontecimento, enxergá-lo, ouvi-lo, tentar compreendê-lo”.

Nesse sentido, é preciso ser um pesquisador atento e ativo. Daí a

observação ser uma forma ativa e participante, observa Stake (2011, p. 107), “em

que o pesquisador se junta à atividade como participante, não apenas para se

aproximar dos outros participantes, mas para tentar aprender algo com a experiência

que eles têm descrita no papel” e na vida.

.A observação é instrumento que deverá estar presente em todas as etapas

da investigação, aproximando o pesquisador dos seus colaboradores e dos fatos

que envolvem a realidade estudada, sendo esta uma ação necessária à realização

de inferências e interpretações.

2.5.2 Questionário

Gressler (2003, p.153) vê o questionário como um instrumento versátil que

possibilita maior liberdade de expressão em torno das opiniões requisitadas, além de

ser um instrumento mais dinâmico. Outro aspecto favorável à escolha do

questionário é a possibilidade de realizar pré-testes antes da aplicação definitiva.

Além de nos tornar cientes quanto às qualidades inerentes ao uso do

questionário, o autor também chama a atenção para algumas desvantagens, tais

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como: dificuldade de obter a devolução do questionário devidamente respondido,

falta de compreensão das questões e respostas apresentadas, capacidade de

fornecer informações, bem como a influência sobre as possibilidades de respostas

que serão fornecidas pelo informante.

Assim como é importante tomar conhecimento das vantagens de utilizar

esse instrumento, conhecer suas desvantagens torna-se igualmente imprescindíveis.

Dessa forma, podemos ser mais cuidadosos na elaboração das questões e atentos

para a aplicação, de modo a minimizarmos a ocorrência de problemas e, com efeito,

evitarmos que tais problemas comprometam a veracidade das respostas fornecidas.

Dessa forma, quanto à elaboração das perguntas a serem aplicadas,

contemplamos questões fechadas e abertas que contribuíram para conhecermos o

perfil dos nossos colaboradores e, a princípio, para sabermos o que pensam sobre o

exercício da leitura e da escrita, e como a atividade leitora e escritora se presentifica

em suas vidas. A posteriori foram evidenciadas outras questões que contemplaram o

olhar dos alunos sobre peculiaridades do objeto de estudo, apontando ainda

caminhos para melhorar a ação interventiva do pesquisador.

2.5.3 Entrevista

Entre os vários propósitos para os quais a entrevista possa ser utilizada, três

deles são destacados por Stake (2011, p. 108) como os de maior interesse para o

pesquisador qualitativo: primeiro, para obtenção de “informações singulares ou

interpretações sustentadas pela pessoa entrevistada”; segundo, para “coletar uma

soma numérica de informações de muitas pessoas” e terceiro, para “descobrir sobre

„uma coisa‟ que os pesquisadores não conseguiram observar por eles mesmos”.

Além disso, de acordo com o autor, dois desses propósitos, o primeiro e o

terceiro, devem ser adaptados ao perfil dos entrevistados, prevalecendo o aspecto

da informalidade quanto a sua realização, para atender aos propósitos do

entrevistador no esclarecimento e refinamento das informações e interpretações.

Dessa forma, as entrevistas devem ser adequadas ao perfil dos candidatos e

ao manuseio que o pesquisador se propõe a fazer dos dados evidenciados, levando

em conta também sua dinâmica de aplicação, de modo que não a torne cansativa e

desinteressante.

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2.5.4 Rodas de conversa

Diante da pretensão de realizar a entrevista em um formato mais vinculado à

informalidade, decidiu-se por recorrer ao uso de rodas de conversa, tendo em vista o

fato de os alunos jovens e adultos se mostrarem pouco à vontade quando

precisavam expressar opiniões individualmente. Como recurso metodológico, as

rodas de conversa são muito utilizadas

nos processos de leitura e intervenção comunitária, consistem em um método de participação coletiva de debates acerca de uma temática, através da criação de espaços de diálogo, nos quais os sujeitos podem se expressar e, sobretudo, escutar os outros e a si mesmos. Tem como principal objetivo motivar a construção da autonomia dos sujeitos por meio da problematização, da socialização de saberes e da reflexão voltada para a ação. Envolve, portanto, um conjunto de trocas de experiências, conversas, discussão e divulgação de conhecimentos entre os envolvidos nesta metodologia. (NASCIMENTO; SILVA, 2009, p. 1)

O uso da roda de conversa teve como propósito também a construção de

um diálogo em que pesquisador e colaboradores sintam-se à vontade para opinar

sobre as atividades realizadas, avaliar os resultados obtidos, propor mudanças,

enfim, para interagir e cooperar efetivamente durante o desenvolvimento de todas as

etapas da sequência didática.

Reforçando o exposto, os Parâmetros Curriculares Nacionais orientam que:

O sucesso de um projeto educativo depende do convívio em grupo produtivo e cooperativo. Dessa forma, são fundamentais as situações em que se possa aprender a dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a pedir ajuda, aproveitar críticas, explicar um ponto de vista, coordenar ações para obter sucesso em uma tarefa conjunta etc. É essencial aprender procedimentos dessa natureza e valorizá-los como forma de convívio escolar e social. Trabalhar em grupo de maneira cooperativa é sempre uma tarefa difícil, mesmo para adultos convencidos de sua necessidade. [...] A comunicação propiciada nas atividades em grupo levará os alunos a perceber a necessidade de dialogar, resolver mal-entendidos, ressaltar diferenças e semelhanças, explicar e exemplificar, apropriando-se de conhecimentos.

(BRASIL,1998, p. 91)

De fato, as rodas de conversa propiciaram inúmeros momentos de reflexão e

interação em que, aos poucos, os alunos foram se sentindo mais à vontade para se

posicionar em relação às atividades propostas.

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2.5.5 Notas de campo

As notas de campo se constituíram no registro das observações realizadas

no decorrer das ações que integraram a sequência didática. Nessas notas, além do

registro das coisas que se viu e ouviu, foram registradas as impressões,

expectativas ou decepções durante a geração dos dados. Esse tipo de instrumento,

além de ser imprescindível para o exercício da observação participante, pode “ser

um suplemento importante para outros métodos de recolha de dados” (BOGDAN;

BIKLEN, 1994, p. 150).

O referido recurso para o levantamento de dados, a partir da definição de

Bogdan e Biklen (1994, p. 152) é constituído de dois tipos de materiais, de modo que

“o primeiro é descritivo, em que a preocupação é a de uma imagem por palavras do

local, pessoas, ações e conversas observadas. O outro é reflexivo – a parte que

apreende mais o ponto de vista do observador, as suas ideias e preocupações”.

Partindo dessa prerrogativa, as informações dos elementos envolvidos no

cenário da investigação são complementadas pelo olhar reflexivo do observador que

capta as informações construídas pelos partícipes do contexto de ação. Para melhor

utilização das notas de campo, é aconselhável que os registros sejam feitos, na

medida do possível, diariamente, incluindo informações que vão desde os aspectos

que caracterizam o comportamento das pessoas envolvidas no contexto da

pesquisa, passando pela descrição do espaço físico, das atividades realizadas e do

próprio comportamento do observador (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 150).

Os autores destacam ainda que, como os demais métodos de investigação,

as notas de campo apresentam aspectos fracos e fortes que o pesquisador deverá

estar atento para contornar e corrigir as situações advindas de sua fragilidade e

aproveitar os aspectos fortes para construção das ações reflexivas advindas das

intervenções vivenciadas.

2.5.6 Fotografia

A fotografia como instrumento de construção de dados, apesar de

contestada por alguns que a consideram de pouca utilidade, pode fornecer

informações importantes que, no momento da captura, passaram despercebidos e

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deixaram de ser registrados pelo observador, sendo possível sua retomada a partir

da análise posterior da imagem. Na investigação educacional, a captura das

imagens pode se efetivar a partir de duas óticas: de outras pessoas que não estão

envolvidas na pesquisa, ou pelo próprio investigador, representando em sua

essência o ponto de vista daquele que fez o registro do evento.

Para utilizar a fotografia como meio de produção de dados, temos de colocá-

la “no seu contexto próprio e compreender o que ela é capaz de nos dizer antes de

extrairmos informação e compreensão” (FOX; LAURENCE, 1988; apud BOGDAN;

BIKLEN, 1994, p.185). Apesar de não garantir nenhuma prova conclusiva das

situações registradas, o uso de tal recurso serve para fortalecer os dados reunidos

com a utilização de outros instrumentais.

Dessa forma, durante a realização das atividades práticas, as fotografias

inseridas serviram para complementar e reforçar o que se expôs em relação aos

acontecimentos, oferecendo ainda ao leitor a possibilidade de ler na imagem o que

deixou de ser dito.

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3 APLICAÇÃO DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA: TRABALHANDO O

GÊNERO CRÔNICA EM SALA DE AULA

Seguindo as orientações da sequência didática postulada pelo grupo de

estudo de Genebra, tendo como principais expoentes Schneuwly e Dolz (2013),

ampliou-se o trabalho com sequência para o ensino de gêneros para que pudesse

contemplar práticas de letramento.

Embora a sequência didática tenha sido elaborada seguindo, principalmente,

o esquema apresentado pelo grupo de Genebra, concordando com a assertiva de

Swderski; Costa-Hübes (2009) em relação ao sistema de ensino do Brasil que, ao

contrário da Suíça, lugar de origem desse modelo didático para o ensino de gêneros,

não contempla no currículo aulas voltadas diretamente para o ensino de produção

textual, decidiu-se por deslocar um módulo, colocando-o antes da produção inicial,

denominado módulo de reconhecimento, no intuito de familiarizar o aluno com o

gênero a ser estudado.

Considerando a decisão de trabalhar com práticas de letramento e, por isso,

a preocupação com a função social dos textos produzidos, corroborando com as

ideias de Swderski e Costa-Hübes (2009), acrescentou-se o módulo circulação de

gênero que é posto em prática após a realização da produção final, outra adaptação

à sequência proposta pelo grupo de Genebra, conforme representação a seguir:

Figura 2 - Esquema de sequência didática 2

Fonte: Swiderski e Costa-Hübes (2009)

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Tendo em vista o perfil dos colaboradores, não foi possível realizar uma

sequência com muitos módulos. Assim sendo, o projeto elaborado para trabalhar o

gênero textual crônica apresentou, portanto, o seguinte esquema:

Figura 3 - Sequência para o ensino do gênero crônica

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

A sequência didática foi desenvolvida de acordo com os objetivos propostos

em cada uma das etapas e módulos descritos.

3.1 APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Duração: 3 aulas

Objetivo:

Apresentar a proposta de trabalho aos alunos.

Esclarecer os papéis dos sujeitos para realização da sequência didática.

Através da exibição de slides, os alunos tomaram conhecimento das etapas

e principais objetivos do projeto de trabalho, das ações requeridas pelos atores

envolvidos e das intenções quanto à elaboração de um produto final: a publicação

de uma coletânea com os principais textos com o propósito de circular na própria

escola, entre amigos, familiares e outros espaços leitores. A turma tomou

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conhecimento também da metodologia do trabalho, das práticas escritoras em que

estaria envolvida e da importância dessa ação para desempenhar os papéis sociais

requeridos.

Conforme postulam Schneuwly, Noverraz e Dolz (2013), na etapa inicial,

foram oferecidas informações precisas da problemática, sobretudo, quanto ao

gênero a ser estudado nas situações sociocomunicativas a serem vivenciadas,

respondendo a alguns questionamentos, como os descritos a seguir.

Gênero a ser abordado: crônica

A escolha da crônica pela professora, gênero caracterizado por anunciar as

representações do nosso dia-a-dia, partiu do pressuposto de que a produção textual

pareceria menos abstrata e, à primeira vista, mais acessível aos alunos, embora

saibamos que qualquer produção textual resulta de um grande esforço por parte

daqueles que se aventuram em realizá-la. Por isso, a decisão de tentar fazer com

que essa tarefa fosse menos árdua, elegendo a crônica face à proximidade deste

gênero com o cotidiano das pessoas, parafraseando Nelson Rodrigues3, de “a vida

como ela é”, o que, provavelmente, constitui um elemento facilitador e instigante às

experiências escritoras do público jovem e adulto.

A quem se dirige a produção?

A coletânea circulará entre a comunidade escolar, familiares, amigos e

demais pessoas da comunidade local cujo acesso será por intermédio dos meios de

comunicação local.

Que formato assumirá a produção? As produções comporão coletânea

configurada sob a forma de livro.

Quem participará da produção? Alunos do ensino fundamental da EJA

Ainda de acordo com a proposta de sequência didática para o ensino de

gêneros, procurou-se atender à segunda dimensão da apresentação da situação, a

abordagem dos conteúdos para o ensino do gênero textual. Com esse propósito, os

alunos foram informados que estudariam a origem, os tipos, as características das

crônicas, algumas crônicas de autores brasileiros, bem como tópicos de análise

3 Nelson Rodrigues era um escritor procurava retrata em seus textos a realidade de forma clara, demonstrando uma preferência pela linguagem coloquial para escrever, sendo reconhecido também pela polêmica que suas obras causavam. É considerado pelos críticos como um dos maiores dramaturgos brasileiros.

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linguística, havendo a possibilidade de abordar outros aspectos à medida que

fossem requeridos no decorrer da aplicação dos módulos.

3.2 MÓDULO 1 : APRESENTAÇÃO DO GÊNERO

Duração: 5 aulas

Objetivo:

Estabelecer um contato inicial com a crônica.

Identificar elementos constitutivos do gênero.

Como justificado anteriormente, tornou-se necessário o acréscimo de um

módulo introdutório para reconhecimento do gênero, tendo em vista não só a

fragilidade do ensino de produção de textos na EJA mas também o público

envolvido, o qual é constituído, em sua maioria, por jovens e adultos que estiveram

afastados da escola por longo período. Devido a isso, eles demonstram muita

insegurança para escrever textos, o que se torna um entrave quando não é

promovido um contato inicial do aluno com o gênero a ser trabalhado.

Acreditamos que Schneuwly, Noverraz e Dolz (2013) não ignoram a

importância desse primeiro contato com o gênero escolhido, embora não

estabeleçam um módulo para essa atividade, o que para a realidade dos alunos

brasileiros se torna imprescindível diante de um currículo inespecífico em relação ao

ensino de produção textual. Não podemos esquecer que quando se trata da EJA

que tem um público muito heterógeno em relação a diversos fatores, entre eles os

níveis de escolarização e o tempo de permanência e afastamentos da escola, a

definição de um módulo voltado especificamente para o desenvolvimento de

atividades que auxiliem o aluno no reconhecimento do gênero é extremamente

relevante para a realização das etapas subsequentes.

3.2.1 Estabelecendo o primeiro contato com o gênero

Diante do exposto, para que pudessem manter os primeiros contatos com o

referido gênero, exibiu-se um vídeo produzido com base na crônica “Cobrança” de

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Moacyr Scliar4. Após a exibição, realizou-se uma discussão sobre a temática

abordada, em que o grupo identificou os elementos constitutivos, as circunstâncias

em que ocorria o fato relatado, ações e reações dos personagens e o desfecho da

narrativa.

Em seguida, manusearam o texto original, realizando a leitura para, a partir

da compreensão de sua composição, verificar as semelhanças e diferenças entre o

texto escrito e o vídeo produzido.

Após discutirem e identificarem no texto escrito aspectos relativos ao

enredo, cenário, narrador, personagens e desfecho, os alunos conseguiram também

compreender o aspecto irônico da cena. Em seguida, foram elencadas algumas

questões para discussão e registro escrito, no intuito de ampliar a compreensão

texto e familiarizar-se com o gênero em estudo.

1- Questões para discussão oral no grande grupo:

a) Apenas pela leitura do título “Cobrança”, mesmo que não tivéssemos acesso

ao resto do texto, que ideias passariam pela nossa cabeça?

b) Uma vez lido o texto, o que teria motivado a forma como a cobrança foi

realizada?

c) Uma cobrança dessa natureza poderia ser realizada em circunstâncias

normais? O que possibilitou a cobrança da dívida daquela maneira?

d) Em outra circunstância, com outros personagens, que não fossem marido e

mulher, a crônica teria o mesmo desfecho?

e) Que elementos podem ser citados como constitutivos dessa produção?

2- Questões para registro escrito:

a) O texto foi narrado em que pessoa do discurso: 1ª ou 3ª?

b) Qual o significado da frase; “Aqui mora uma devedora inadimplente”?

c) Por que o título do texto é “Cobrança”?

d) O texto se encontra no discurso direto, ou seja, há uma representação do que

cada um dos personagens falou. Transcreva do texto duas passagens que

comprovem isso.

e) A crônica surge a partir da observação de um fato do cotidiano? Qual fato

motivou o autor a escrever essa crônica?

4 Moacyr Scliar é apontado como um dos maiores escritores da literatura brasileira contemporânea,

reconhecido pelo estilo humanista que predominava em sua obra.

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3.2.2 Caderno de crônicas

Para incentivar a produção escrita, foi organizado um caderno volante

intitulado “Tudo aqui acaba em crônicas” de modo que os alunos pudessem manter

uma rotina de observadores do cotidiano e, ao mesmo tempo, experimentassem

transformar esses fatos em crônicas.

Dessa forma, voluntariamente, os alunos iam se alternando na construção

do caderno de registros. Essa atividade proporcionou também momentos de

interação, uma vez que antes de passar o caderno adiante, a produção elaborada

era compartilhada com a turma, encorajando outros colegas e motivando-os a dar

sequência ao circuito escritor.

Figura 4 - Caderno para práticas escritoras

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

No dia em que essa proposta foi apresentada à turma, uma das alunas se

ofereceu para encapar o caderno antes que este começasse a circular, deixando-o

assim mais convidativo para o manuseio e registros. De fato, essa estratégia

permitiu que os alunos pudessem apreender mais do gênero, compreendendo seu

caráter cotidianístico, além de minimizar a resistência para o exercício da escrita.

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3.2.3 Circuito leitor: com a mão nas crônicas

Ainda com vistas à familiarização com o gênero, foi proposta a leitura e

exploração de crônicas retiradas do manual das Olimpíadas de Língua

Portuguesa “A ocasião faz o escritor” (LAGINESTRA; PEREIRA, 2014). Em

grupo, discutiram e socializaram as ideias contidas nos textos. Para tanto,

consideramos que

a leitura tem sido chamada a atividade cognitiva por excelência pelo fato de envolver todos os nossos processos mentais. A compreensão de um texto (seja ele escrito ou falado),exige o envolvimento da atenção e a percepção, a memória, o pensamento. Esses processos mentais realizam, durante a leitura, operações necessárias para a compreensão da linguagem tais como o raciocínio dedutivo (próprio da inferência, da leitura das entrelinhas) e o raciocínio indutivo (necessário para a predição baseada no conhecimento de mundo, de outros textos, do autor, das condições sociais em que vive). (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 126)

Embora se tratasse de atividade grupal e os alunos fossem familiarizados

uns com os outros, observou-se que o diálogo em torno da temática dos textos e das

questões propostas ocorreu de forma tímida. Alguns fatores nitidamente contribuíam

para isso, principalmente as dificuldades acentuadas de leitura por parte de alguns

alunos, de compreensão do texto e de domínio vocabular, o que tornou o processo

de leitura e discussão dos textos lento e disperso.

Apesar das dificuldades durante o compartilhamento do texto, os alunos não

demonstraram resistência para realizar as demais atividades propostas. No entanto,

o mesmo não se aplicava quando se tratava de realizá-las em casa, alegando falta

de tempo e, segundo eles, em virtude de trabalhar o dia inteiro e à noite estarem

tomados pelo cansaço. Assim, a maioria da turma não realizava as tarefas

extraclasses e aqueles que chegavam a realizá-las, não faziam de forma contínua, o

que gerava preocupação em relação ao desenvolvimento dos demais módulos.

3.3 PRODUÇÃO INICIAL: CRÔNICAS NA PRAÇA

Duração: 5 aulas

Objetivo:

Escrever uma crônica a partir de fato observado na praça da cidade.

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Considerando que o desenvolvimento da sequência didática contemplava

práticas de letramento escolar, planejamos a ida a uma das praças da cidade,

cenário da produção inicial. Tendo em vista a dificuldade de deslocamento dos

alunos, tornou-se necessário um transporte para fazer o itinerário de ida e volta ao

local escolhido. Por isso, decidimos elaborar coletivamente um ofício e enviá-lo à

Secretaria Municipal de Educação solicitando a concessão do transporte escolar.

Figura 5 - Produção coletiva de ofício

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Na data estabelecida, com o acompanhamento da professora e da

coordenadora pedagógica, os alunos dirigiram-se para a Praça Cristo Rei, escolhida

como o local para produção de versão inicial, com as seguintes orientações:

a) Caminhe pela praça;

b) Observe as ações das pessoas presentes;

c) Escolha um fato que mais tenha chamado sua atenção;

d) Registre tudo o vê, pensa e sente em relação ao fato escolhido. Não deixe

escapar nenhum aspecto que considere importante.

Apesar de ser uma turma de jovens e adultos, houve grande euforia no

ônibus, durante o percurso para a praça.

Ceja Profa. Creuza Bezerra Ofício nº ____ Ilma secretária de educação Maria Aparecida de Medeiros Vimos através deste, solicitar um transporte para nos deslocar até a praça Cristo Rei, para a realização de uma atividade de Língua Portuguesa, no dia 15/09/2014, das 19h às 20h30min.

Atenciosamente, Alunos do CEJA do Ensino Fundamental

Currais Novos, 11/09/2014.

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Figura 6 - Momentos na praça

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Na praça, todos procuraram seguir as orientações e, apesar dos

transeuntes, mantiveram-se concentrados, atentos, focados na escolha do melhor

ângulo ou da cena que mais os interessasse para transformá-la em crônica. Alguns

momentos naquele lugar serviram para que vivenciassem uma verdadeira nostalgia.

De volta à sala de aula, Órion comentou que “ali foi onde começaram os

primeiros namoros”, Win partilhou que observando as cenas “vinham lembranças do

tempo de criança”, Delta surpreendeu-se ao reencontrar “as amigas do tempo da

juventude”. Esses e outros depoimentos revelaram que a praça promoveu um

retorno ao passado, um reencontro com as próprias memórias.

Após a socialização destas e outras impressões, em silêncio começaram a

elaborar seus textos e o único som que se ouvia era dos ventiladores. A

concentração da turma era impressionante, mesmo se tratando de um dia de

segunda-feira, em que costumavam reclamar por considerá-lo um dia desagradável.

Esse comportamento revelava uma surpreendente entrega à tarefa de escrever.

De acordo com Kleiman e Moraes (1999, p.129),

o sujeito cognitivamente engajado mobiliza seus conhecimentos para fazer sentido de uma situação. O empenho é concomitante com a relevância que a situação apresenta para sua realidade e, nesse sentido, a motivação do aluno é um requisito. Mas o engajamento cognitivo envolve uma reelaboração de conhecimento que vai além do interesse que motiva o aluno a prestar atenção

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O nível de envolvimento dos alunos, diante da atividade escritora a partir de

práticas de letramento, demonstrava o primeiro impacto da intervenção proposta,

contrariando a ideia incutida em suas cabeças de que não sabiam escrever.

3.4 MÓDULO 2 - A NOTÍCIA E A CRÔNICA: ESTABELECENDO COMPARAÇÕES

Duração: 10 aulas

Objetivos:

3- Reconhecer a diferença entre a notícia e a crônica.

4- Estudar os tipos de discurso.

5- Conhecer as principais características e os tipos de crônica.

a) Estudo de texto

Para realização do estudo, recorreu-se à notícia intitulada “Gato recebeu R$

20 do Bolsa Família em MS por cinco meses”. Após a leitura, realizou-se a

discussão do texto e o registro escrito das questões de estudo para ampliar a

compreensão da temática abordada. Em seguida, efetivou-se a leitura da crônica

“Gato Família”, de Moacyr Scliar, com o mesmo teor da notícia para que pudessem

estabelecer a comparação entre a notícia e a crônica.

b) Características e tipos de crônica

Além de situar historicamente o gênero, os alunos tomaram conhecimento

das principais características e tipos de crônica, e dos objetivos de quem se dispõe a

produzir textos dessa natureza, de modo a consolidar a compreensão quanto ao

eixo temático da crônica e sua intrínseca relação com os fatos do cotidiano. Como

forma de perceber as marcas próprias do gênero em estudo, realizaram a leitura de

crônicas diversas para tentar identificar essas características e aplicá-las em outras

situações de linguagem.

c) Tipos de discurso

A exploração dos tipos de discurso colaborou para a compreensão do

discurso enquanto prática social que se realiza em textos orais e escritos dentro de

um contexto específico, devendo atender às condições de produção. Durante a

exploração dos textos utilizados nesse módulo, os alunos puderam identificar e

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diferenciar os tipos de discurso existentes, percebendo que cabe ao escritor,

portanto, a decisão de definir o tipo de discurso, podendo utilizar mais de um tipo no

mesmo texto.

3.5 MÓDULO 3 - ESTUDO DAS PRINCIPAIS FIGURAS DE LINGUAGEM

Duração: 5 aulas

Objetivos:

Estudar as figuras de linguagem.

Identificar a ocorrência das figuras de linguagem em crônicas e autores

diversos.

Observar a importância do uso das figuras de linguagem para a construção de

sentidos.

Nessa fase, estudamos as principais figuras de linguagem, o efeito causado

nas crônicas de outros escritores e a possibilidade de utilizá-las na própria produção.

Para tanto, além da fundamentação, recorreu-se à caixa de crônicas, como

estratégia de leitura e identificação dessas figuras.

Como atividade de fixação, os alunos receberam textos fatiados que, em

grupos, deveriam organizar e construir uma sequência coerente. Para tanto, tornou-

se imprescindível diversas leituras, “considerando a importância do engajamento

cognitivo para a compreensão do texto escrito, e a importância da leitura para a

aprendizagem” (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 126).

Embora fosse uma atividade coletiva, alguns alunos demonstraram bastante

dificuldade em montar os textos, precisando ser ajudados por outros colegas para

operacionalização da atividade proposta. A dificuldade de leitura foi o maior

empecilho para efetivação da tarefa proposta.

Após a “reconstrução”, foram retomadas as principais características da

crônica e o estudo das figuras de linguagem, configurando-se numa estratégia de

revisão e mobilização de conhecimentos.

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3.6 MÓDULO 4 - PRATICANDO A REESCRITA TEXTUAL: UM OLHAR SOBRE O

TEXTO DO OUTRO

Duração: 3 aulas

Objetivos

Realizar reescrita coletiva.

Observar os aspectos estruturais e gramaticais do texto.

Estudar regras de pontuação.

A oficina para reescrita foi planejada a partir de um texto elaborado em

outros contextos de produção, sendo mantido o sigilo em relação à autoria. Para

tanto, o texto original foi digitado e entregue uma cópia a cada aluno para que

participasse ativamente das intervenções necessárias à reescrita.

O processo de reelaboração se deu de forma reflexiva, a partir de inúmeras

leituras para que observassem a organização e apresentação das ideias, de modo

que pudessem ser compreendidas por qualquer leitor. Os alunos demonstraram

atenção e interesse pela atividade desenvolvida, apesar de apresentarem

dificuldades em intervir ativa e continuamente durante o processo de reescrita.

Alguns se mostraram inquietos e confusos com a discussão em torno do texto e

houve até quem sugerisse “Professora, é melhor você mesma fazer essa correção”

(Ain). O registro escrito dessa atividade teve como escriba um dos alunos e, ao

término, todos fizeram o registro escrito da versão final nos próprios cadernos.

Figura 7 - Texto para reescrita coletiva

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Em uma noite de quarta-feira na praça Cristo rei sentada de longe eu observava toda a praça eu via velhinhos conversando dando risadas, lembrando coisas da vida; neste mesmo momento, havia uma garota sentada em um banco da praça falando ao celular a conversa ao celular parecia esta muito divertinda pois a menina dava muito risada; em outros lugares da praça tinha crianças correndo, brincando com suas motocicletas elétricas, meninos trocando figurinhas da copa; todo o tempo passavam, carros, motos, pessoas havia pessoas cantando em bares pertinho da praça, tudo aquilo estava muito divertindo pois todos que estava na praça estava muito alegre.

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Figura 8 - Texto revisado coletivamente

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

A preocupação dos alunos, sobretudo, com a escrita das palavras e o uso

dos sinais de pontuação, sem aprofundar-se na leitura e releitura do texto que ia

sendo reelaborado, foi uma constante, colocando em segundo plano as questões

relativas aos mecanismos de textualização. Sabemos que isso acontece porque,

muitas vezes,

o aluno não lê, pois não compreende o texto, apenas o decifra, o compreende parcialmente, sem costurar os fragmentos. O texto escrito é um objeto diferente do texto falado, e, em vez de olhar as partes relevantes desse objeto, a fim de perceber suas funções, ele foi acostumado a olhar seus aspectos superficiais. ( KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 127)

A realização da leitura para reescrita acaba exigindo, portanto, um olhar

mais aguçado em torno das ideias, requerendo dos sujeitos envolvidos inúmeros

retornos ao texto para a construção de sentidos, o que não era uma prática

recorrente da turma.

Diante das dificuldades, no presente módulo foi realizado também o estudo

dos sinais de pontuação, tomando como referência a leitura compartilhada do texto

“Pontos de vista”. Após a discussão em torno das ideias contidas, foram

apresentadas algumas orientações para o uso dos sinais de pontuação, observando-

se a recorrência no texto reescrito.

Revisão textual coletiva Era noite de quinta-feira. Cheguei à praça Cristo Rei, de Currais Novos, onde não

vinha há muito tempo, embora sempre passasse rapidamente nos afazeres do cotidiano. Aquela noite se apresentava com uma cara alegre, o vento gostoso tocava

maravilhosamente meu rosto. Sentei em um banco para melhor observar o movimento e as pessoas que ali se encontravam.

Logo vi um casal que se beijava apaixonadamente. Meu pensamento começou a divagar por esse lugar que tanto frequentei na minha juventude. Aos domingos, eu sempre ia à missa na Matriz de Sant‟Ana e depois ficava em um banquinho resenhando com minhas amigas. Muitas vezes, surgiam aquelas paqueras para apimentar a noite.

São lembranças de um tempo maravilhoso que recordei naquela noite. Hoje, só me resta reviver aquela época bem diferente de agora em que a segurança das pessoas é colocada à prova, a todo instante, afastando-as de momentos tão preciosos na praça.

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3.7 MÓDULO 5 - EU, ESCRITOR

Duração: 5 aulas

Objetivos:

Reativar o conhecimento em relação ao gênero crônica.

Vivenciar práticas de escrita a partir de imagens.

3.7.1 Em poucas palavras... reativando conhecimentos

Para reativação dos conhecimentos em torno do gênero em estudo foi

solicitado aos alunos que elaborassem o próprio conceito de crônica, de modo que

pudessem refletir sobre sua carga significativa, os conhecimentos até então

construídos, bem como confrontar e discutir as dúvidas existentes, respondendo ao

enunciado: “Eu entendo que crônica é...”. As respostas suscitaram novas discussões

e serviram para o planejamento das ações seguintes.

Figura 9 - Em poucas palavras...

Crônica é algo que nós observamos qualquer coisa ao nosso redor e formamos uma estória uma notiça um jornal etc... Ain

Crônica para mim é uma história contada ou vivida por alguén, que vem a ser escrita por pessoas que gostam muito de ler. Celeste

Eu entendo que uma crônica é uma história contada por protagonista ou outra pessoa que observou o fato, e que as vezes não necessariamente é um fato verídico, e pode até ser comigo. Eta

Para mim CRÔNICA é falar, escrever algo que se refere a determinado assunto e focar em algo, tentar passar para o leitor a situação que se escreve. Delta

É um meio de comunicação onde você consegue relatar a vida real ou uma história que você pode criar em seu pensamento, ou seja é um texto com começo, meio e fim. Jih

Para mim crônica e um negosso ruim porque eu não gosto de usar minha memoria pensando e escrevendo Nash

Crônica pra mim é contar coisas do dia, dia de forma fácil de se entender. Órion A vida da gente é uma crônica cheio de altos, e baixos, com momentos Bacanas ás vezes um polco dificio. Polaris Crônicas e tudo aquilo que ouvinos alguen Falar alguma coisa inportante Para min isto e uma crônica. Rigel

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Crônica é um Fato, uma história que se Pode acontecer no dia a dia com qualquer Pessoa. É uma coisa que agente via uma Pessoa fazendo algo e a gente transformar aquilo em uma crônica um fato. Tabit A crônica é um tipo de texto que agete fala é lora (estória) Tyl Uma narrativa breve, que conta histórias da vida cotidiana Veja Para mim cornica Em FALA sorbri As cosia Do MunDO qui noi FAZENO Wei

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Analisando os registros, foi possível perceber que, embora alguns

apresentassem construções de sentido bem elementares, a maioria conseguia

formular uma ideia coerente sobre o gênero, com exceção de um dos alunos cuja

representação estava relacionada ao fato de não gostar de escrever. Inclusive, foi

preciso muita insistência para conseguir esse registro segundo o qual crônica é

sinônimo de ter que ler e escrever, um verdadeiro esforço mental que não gostaria

de realizar.

Essa fala retratava, em parte, a grande dificuldade que o referido aluno

apresentava de se expressar, fosse oralmente fosse através da escrita, mas

apontava também para o desencanto e desinteresse em estudar, provocados por

uma rotina árdua de trabalho que fazia com que chegasse sempre com sinal de

extremo cansaço e desânimo, por isso, não foram raras as vezes em que passava

quase toda a aula cochilando debruçado na carteira . Para agravar a situação, tinha

uma frequência muito irregular, ausentando-se da escola por dias seguidos, com

histórico recorrente de evasão e repetência.

3.7.2 De olho na imagem

Para execução dessa etapa, foi adaptada uma sugestão de produção textual

do material de Olimpíadas de Língua Portuguesa, adequando-a ao perfil da turma.

Como os alunos não dispunham de tempo para fotografar cenas, como sugeria a

oficina proposta no material consultado, a professora pesquisou cenas do cotidiano

no site de imagens do google, escolhidas aleatoriamente e reveladas em estúdio

fotográfico, tendo em vista que o sinal da internet no laboratório de informática da

escola era muito fraco, impossibilitando a consulta direta no ambiente virtual.

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A princípio, os alunos puderam manusear as fotos, escolher entre as

imagens a que mais lhes chamara a atenção e socializar a escolha com os colegas,

tendo como fio condutor os seguintes questionamentos:

a) O que mais lhe chamou a atenção na foto escolhida?

b) Que cena é retratada?

c) Quais personagens aparecem na cena?

d) Como é o cenário em que a cena foi registrada?

e) O que a cena sugere para quem a observa?

Após a exposição oral correspondente às indagações formuladas

previamente e a outras que surgiram naturalmente, a produção textual foi orientada

levando em conta os seguintes elementos da narrativa.

Conforme ocorrera nos demais módulos, todas as fases da produção foram

vivenciadas em sala de aula. Nesse módulo teve continuidade o trabalho de

reescrita coletiva e individual. A proposta era que, em duplas, os alunos lessem os

textos uns dos outros e sugerissem possíveis mudanças. De modo geral, limitaram-

se a compartilhar as produções, sem que houvesse intervenções significativas e, em

apenas dois grupos, um aluno de cada equipe conseguiu realizar a tarefa conforme

as orientações.

Em seguida, as produções foram recolhidas para leitura do professor e

orientações necessárias ao direcionamento da tarefa individual de reescrita. Dessa

forma, os textos retornaram aos seus autores para devida intervenção, sendo

extremamente relevante não somente as observações do professor como também o

olhar crítico doa aluno sobre o próprio texto, imprescindíveis à realização satisfatória

dessa etapa.

Nesse sentido, Soares (2009, p. 44) postula que

o trabalho deve privilegiar a construção conjunta do conhecimento sobre o discurso escrito, por meio da participação ativa dos alunos, tanto como autores quanto como leitores e lendo os seus textos criticamente, buscando adequá-los às expectativas do seu público-alvo e a seu propósito comunicativo.

Nesse estágio, os alunos não demonstravam muita confiança quanto à

própria capacidade de revisar o texto e creditavam ao professor a responsabilidade

em realizar essa tarefa. A reclamação foi intensa e suscitou vários questionamentos:

“Vou ter que fazer outro texto?” (Beta); “Professora, eu sou muito ruim para

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escrever” (Ain); “Eu não consigo fazer” (Alya); “Acho que é melhor desistir” (Zeta);

“Prefiro escrever outro texto” (Jih). Essas reclamações e justificativas representavam

a angústia que sentiam diante da tarefa de revisar o próprio texto, um trabalho longo

e exaustivo.

Diante de tantos argumentos, alguns tendo se transformado em verdadeira

resistência, além de fornecer orientações escritas nos textos devolvidos, tornou-se

necessário um acompanhamento individualizado, principalmente com os que

apresentaram maiores dificuldades. Apesar dessas dificuldades e os desafios da

reescrita, estando mais consciente quanto à função social da escrita e da circulação

que seus textos teriam, a turma realizou a primeira revisão individual.

3.8 MÓDULO 6 – RODA DE CONVERSA: DIALOGANDO COM O ESCRITOR

Duração: 15 aulas

Objetivos:

Estabelecer diálogo em torno da atividade escritora.

Conversar sobre o processo de criação de uma crônica.

Obter informações sobre a vida profissional do escritor.

Sabemos que muitas vezes o aluno concebe a figura do escritor distanciada

da realidade em que está inserido e, por isso, o encontro entre autor, obra e leitor

parece quase impossível de acontecer, mesmo quando se trata de alguém que não

está tão distante geograficamente. A possibilidade de dialogar com o escritor

pareceu apropriada para otimização e incentivo das práticas de produção textuais,

estabelecendo uma proximidade maior com o gênero em estudo.

A ideia surgiu por ocasião da apresentação de uma revista de circulação

regional, cujo jornalista responsável pela produção, era também o escritor das

crônicas publicadas no final de cada edição. Dessa forma, os alunos tiveram acesso

a exemplares de três edições dessa revista, cujas crônicas foram compartilhadas

numa roda de leitura. Do diálogo descontraído em torno das temáticas abordadas

nas publicações, surgiu a ideia de convidar o escritor para um bate papo a fim de

que pudesse compartilhar sua experiência como cronista.

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Os alunos ficaram muito entusiasmados com a possibilidade de estar frente

a frente com um escritor e jornalista. Na aula seguinte, foi elaborado um convite

oficializando o interesse em realizar a roda de conversa.

Figura 10 - Produção coletiva do convite

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

O referido convite, elaborado coletivamente, foi digitado, assinado pelos

alunos e encaminhado ao ilustre convidado.

Figura 11 - Convite enviado com a assinatura dos alunos

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Após o primeiro contato estabelecido com o jornalista, mesmo estando com

a agenda cheia, fato que nos fez aguardar dois meses para realizar o evento, este

se prontificou a atender o convite da turma, que recebeu a notícia com grande

euforia.

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Figura 12 - Elaborando as questões para a entrevista

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Em seguida, tiveram início os preparativos para realização da atividade, em

que os alunos se organizaram em grupos para elaboração das perguntas a serem

feitas ao escritor durante a roda de conversa.

Figura 13 - Digitando as perguntas

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Para que houvesse um melhor aproveitamento do tempo durante a

realização do evento, essas perguntas passaram por uma seleção, foram revisadas

quanto à clareza e objetividade, evitando-se ainda perguntas repetidas. Depois de

revisadas e digitadas, fez-se a distribuição dessas questões com os alunos,

garantindo de alguma forma a participação efetiva de todos na roda de conversa.

A organização do evento se destacou entre os demais módulos por suscitar

a capacidade mobilizadora dos alunos. As decisões foram tomadas em grupo, de

forma entusiástica, pois pela primeira vez estariam conversando com um escritor.

Ficaram também definidos alguns papéis tais como: o responsável por recepcionar o

jornalista, o responsável por fazer os agradecimentos e o grupo destinado a

providenciar e servir um lanche no final do evento. A realização da roda de conversa

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superou as expectativas de tal forma que não caberia em apenas um módulo e, por

isso, um capítulo foi dedicado à descrição do evento.

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4 RODA DE CONVERSA COMO EVENTO DE LETRAMENTO PARA

PRODUÇÃO E REESCRITA TEXTUAL NA EJA

4.1. DESCRIÇÃO DO EVENTO “RODA DE CONVERSA”

Passarelli (2004, p. 20), ao discorrer sobre o sentimento de aversão e

apreensão demonstrado pelos estudantes diante da tarefa de dar vida à folha em

branco, aponta algumas causas que provocam desânimo e falta de vontade de

imprimir suas ideias nas inúmeras linhas a serem preenchidas. Uma das causas

elencadas é incompreensão por parte dos educadores acerca do texto como

atividade de caráter processual, resultante das interações e reflexões, individuais e

coletivas, aliada ao caráter metalinguístico de ensino do texto, geralmente usado

como pretexto para o ensino de regras e conceitos.

A questão da tradição do ensino é outro fator problemático para a produção

escrita, cujo propósito inicial não é de ser ensinada, mas servir de objeto de

cobrança para observação da tríade textual: descrição, narração e dissertação,

ignorando a existência de tantos outros textos com os quais os alunos mantêm

contato fora do contexto escolar. Alie-se a essa evidência a adoção de materiais

didáticos que se preocupam apenas em estabelecer modelos prontos como

exercício de produção.

Outra causa são os mitos construídos em torno da atividade de escrever,

responsáveis pela omissão de todos os processos pelos quais qualquer escritor,

mesmo os mais experientes, precisam se submeter até chegar à versão final do

texto. Falta o entendimento de que essa versão definitiva da produção não é

simplesmente resultado de inspiração, mas de várias etapas que envolvem desde o

planejamento, etapas de revisão e versão final, o que demanda muito esforço.

Frente à problemática descrita, faz-se necessário compreender que a ação

de escrever se realiza não a partir de regras preestabelecidas, mas pelos usos

contínuos em que o sujeito, em contato com o contexto e o interlocutor, produz um

discurso que o individualiza e, nas ações interlocutivas dos outros sujeitos, tem o

próprio discurso reconstruído. As vivências do cotidiano são o esteio para essa

concepção de sujeito e de linguagem por ele praticada.

Nesse cenário,

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as evidências nos dizem que nenhuma língua existe em função de si mesma, desvinculada do espaço físico e cultural em que vivem seus usuários ou independente de quaisquer outros fatores situacionais. As línguas estão a serviço das pessoas, de seus propósitos interativos reais, os mais diversificados, conforme as configurações contextuais, conforme os eventos e os estados em que os interlocutores se encontram. (ANTUNES, 2009, p.35)

O desafio da escola consiste não somente em compreender as exigências

frente ao ensino comprometido com o desenvolvimento das competências

sociocomunicativas, mas também em assumir a responsabilidade de oferecer um

ensino que considere as necessidades reais de uso da língua, as motivações e

possibilidades dos educandos no processo de ensino-aprendizagem

institucionalizado.

Diante dos novos paradigmas para desenvolver a competência escritora do

aluno, o desenvolvimento de atividade cooperativa se configurou numa experiência

cuja contribuição consistiu em conduzir os alunos a desenvolverem habilidades, que

lhes permitissem adequar o uso a cada situação comunicativa, uma vez que,

funda-se sobre o postulado de que comunicar-se oralmente ou por escrito pode e deve ser ensinado sistematicamente. Ela se articula por meio de uma estratégia, válida tanto para a produção oral quanto para a escrita [...]. As sequências didáticas instauram uma primeira relação entre um projeto de apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitarão essa apropriação. [...] As práticas de linguagem são consideradas aquisições acumuladas pelos grupos sociais no curso da história. Numa perspectiva interacionista, são a uma só vez, o reflexo e o principal instrumento de interação social. (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2013, p.43)

A realização da roda de conversa como elemento motivador, frente ao

desânimo de alguns alunos para a realização de produção de texto, se apoiou na

proposição de Warschauer (1993), que, a partir da própria experiência, viu nessa

prática inúmeras possibilidades de troca e construção de saberes, tendo em vista

que os encontros põem os sujeitos em constante situação de interação.

Nessa perspectiva, os diálogos constituem-se em verdadeiras ferramentas de

desenvolvimento do “potencial interativo, criativo e de construção dos

conhecimentos” (WARSCHAUER, 1993, p. 47) para os sujeitos envolvidos, os quais

têm a possibilidade de assumir o mesmo protagonismo nessa situação de ensino-

aprendizagem.

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Chegado o tão esperado dia de realização do evento, após dois meses de

espera, a sala fora devidamente organizada e no horário determinado os alunos

aguardaram ansiosos a chegada do convidado. As boas-vindas foram dadas por

Órion que o saudou em nome da turma, com a leitura de uma das crônicas escritas e

publicadas pelo jornalista em edições anteriores da revista.

Figura 14 - Roda de conversa: boas-vindas

.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Logo após, Gerson Luiz que estava acompanhado de sua esposa, parceira

de todos os projetos, inclusive da revista, afirmara o escritor, fez questão de relatar

suas principais vivências com jornal, rádio, televisão e demais atividades envolvendo

a escrita desde o período da juventude, incluindo nas memórias relatadas recortes

de sua vida pessoal, considerados importantes para o entrevistado.

Após a apresentação, embora algumas perguntas já tivessem sido

contempladas, os alunos puderam continuar interagindo, a partir das perguntas

elaboradas anteriormente e de outras que surgiram naturalmente, como a de Sirius

que quis saber qual a “pior notícia dada pelo jornalista” quando era locutor de rádio.

Os demais colegas, a exemplo de Sirius, fizeram outros questionamentos, queriam

saber sobre o processo criativo do jornalista: inspiração, critérios para seleção dos

temas, elementos motivadores para o processo de produção, o surgimento das

ideias para elaboração do texto.

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Figura 15 - Vivenciando a roda de conversa

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

O depoimento do escritor revelou alguns momentos interessantes que

serviram de inspiração para a produção de crônicas, como a cena de um senhor

sentado numa calçada que lhe rendera uma crônica reflexiva. A roda de conversas

transcorreu com a revelação de outras histórias, de forma dinâmica e descontraída,

com a participação efetiva da turma.

De acordo com a Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos

(BRASIL,2002), o uso efetivo da palavra em situações de participação social

possibilita desenvolver as capacidades construtiva e transformadora dos alunos, a

partir do exercício do diálogo.

Diante da empolgação dos alunos e do entrevistado, o evento se estendeu e

terminou após o horário previsto, sem que ninguém demonstrasse o desejo de ir

embora. Presenteados com a edição mais recente da revista, os alunos conheceram

um pouco sobre sua dinâmica de elaboração e circulação, e o momento de

autógrafos que não fora planejado se tornou inevitável. Todos queriam de alguma

forma eternizar aquele momento de trocas de saberes e ampliação de

conhecimentos.

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Figura 16 - Momento de autógrafos

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

A roda de conversa terminou por um inesperado desafio para a turma:

produzir uma crônica coletiva para ser publicada em uma das edições da revista.

Visualizava-se, portanto, a oportunidade do exercício da autoria. Para encerrar

oficialmente a atividade, Jih fez os agradecimentos finais em nome da turma,

oferecendo uma pequena lembrança como símbolo de gratidão, pelos momentos

prazerosos de aprendizado proporcionados pelo jornalista.

Figura 17 - Agradecimentos finais

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Desafio aceito, despedidas devidamente formalizadas, encerramos o

momento com o compromisso de elaborar a produção coletiva, a fim de fazê-la

circular na revista.

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4.2 PRODUÇÃO COLETIVA DA CRÔNICA

A aula pós roda de conversa foi marcada inicialmente pela euforia do

encontro com o escritor e todos queriam compartilhar suas impressões. Órion era o

mais resistente diante da tarefa de escrever e, mesmo tendo gostado da experiência,

foi categórico ao afirmar: “não é pra mim, esse negócio de escrever crônica”. O

passo posterior à socialização dessas impressões foi discutir sobre a crônica que

iriam produzir através de uma conversa informal e descontraída, predominando o

entusiasmo e ânimo do grupo diante do desafio de protagonizar uma produção

textual.

Figura 18 - Encontro pós roda de conversa

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Entre os aspectos evidenciados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais

(1998) que garantem uma aprendizagem significativa, a autonomia, a interação e a

cooperação são citadas como capacidades comuns a serem desenvolvidas no

contexto escolar, como resultado de uma prática educativa eficaz, em que

o desenvolvimento da autonomia como princípio educativo considera a atuação do aluno, valoriza suas experiências prévias, buscando essencialmente a passagem progressiva de situações em que o é dirigido por outras pessoas, a situações dirigidas pelo próprio aluno. A autonomia refere-se à capacidade de saber fazer escolhas e de posicionar-se, elaborar projetos pessoais e participar enunciativa e cooperativamente de projetos coletivos, ter discernimento, organizar-se em função de metas eleitas, governar-se, participar da gestão de ações coletivas, estabelecer critérios e eleger princípios éticos etc. (BRASIL, 1998, p.89-90)

O projeto assumido pela turma se delineava, sobretudo, por essas

características contidas no princípio educativo da autonomia, tendo em vista que

partira de uma escolha dos próprios alunos, os quais assumiram a responsabilidade

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de definir os caminhos para tornar esse projeto realizável. Havia a consciência de

que a delimitação desses caminhos passava não por escolhas arbitrárias ou

individuais, mas resultaria das discussões direcionadas pelo grupo. O papel do

professor seria tão somente de cooperador, tendo os alunos total liberdade de, em

equipe, definir seus próprios rumos, o que a turma não demonstrou maiores

dificuldades em fazer.

O êxito de um projeto de natureza coletiva segundo os PCN (BRASIL,1998)

é, portanto, resultado de um processo de interação e cooperação estabelecidas

entre as partes envolvidas, a partir dos propósitos definidos pelo grupo. Para isso,

são fundamentais as situações em que se possa aprender a dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a pedir ajuda, aproveitar críticas, explicar um ponto de vista, coordenar ações para obter sucesso em uma tarefa conjunta etc.[...] Assim, a organização de atividades que favoreçam a fala e a escrita como meios de reorganização e reconstrução das experiências compartilhadas pelos alunos ocupam papel de destaque no trabalho em sala de aula. (BRASIL,1998, p.90)

Dessa forma, desde os primeiros momentos em que se reuniram para definir

os rumos de sua produção, um amplo diálogo estabeleceu-se, em que o

envolvimento e o interesse do grupo demonstravam uma empolgação atípica diante

da tarefa de produzir um texto.

Nesse momento, do planejamento, estabelecido no roteiro para o ensino de

produção textual, conforme Passarelli (2004) são definidos os rumos iniciais para a

atividade escritora. Apesar de se constatar que os alunos geralmente utilizam com

pouca frequência ou até não se dão conta da importância do planejamento, na

produção coletiva é praticamente impossível ignorá-lo, tendo em vista a necessidade

de estabelecer um diálogo em torno do que se pretende produzir a partir de decisões

consensuais.

Preocupados em definir os rumos do texto que produziriam, após discutirem

sobre os possíveis temas para a crônica, optaram por reunir fragmentos de suas

próprias histórias destacando, sobretudo, as situações que os obrigaram a se afastar

da escola. Para tanto, Jih foi escolhida pela turma para exercer o papel de escriba,

tomando nota dos depoimentos dos colegas.

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Figura 19 - Planejando a escrita

Depoimentos para a sugestão de reunir as próprias histórias em uma crônica:

ÓRION - Um dia em trabalho atendi um cliente com poucas informações e analfabeto e como acho

correto tratei ele bem com igualdade e depois de resolver o problema dele ele muito me agradeceu

por minha educação, e isso me incentivou a voltar a escola e investi no meu futuro, e com isso ajudar

mais pessoas!!

DETA - Trabalha muito, rotina cansativa, filhos, casa e muitos compromissos.

SIRIUS - Muitas vezes em meu trabalho eu assistia palestas, e com meu pouco estudo eu não

conseguia acompanhar, tinha medo de escrever errado, e isso me angustiava. Muito.

ALYA - Com 13 anos comecei a trabalhar e isso atrapalhou meus estudos.

JIH - Não tive muito insentivo familiar, depois de tempos um amor me fez voltar.

TYL - Sempre tive muita vontade de estudar e trabalhei em britaria, carvoeira, sempre quis vencer.

Ajudar meus pais. Roçado. Vendi peixe.

WEI - 10 anos fora da escola, vim do interior e com a separação dos meus pais tudo ficou mais difícil,

tivemos que viajar para longe separou toda a família.

ZETA - 5 anos repetindo a mesma série.

Pi1 - Educação vem de berço”, me afastei por causa do trabalho. Me casei cedo e hoje posso e tenho

que estudar, para manter meu emprego.

ETA - Por gosto ou desgosto Zeta repetiu 5 anos a mesma série.

DELTA - Sai porque comecei a trabalhar cedo, e voltei porque quero um futuro melhor.

AIN - Parei de estudar por que...

NASHIRA - Minha história é longa... Casei, fui mãe aos 16, o casamento não deu certo e fui trabalhar

na noite.

ÓRION - Ter que trabalhar foi a desculpa para preguiça de estudar e o momento atual requer mas

conhecimento, então decide me enserir nesse contesto. Ponderou Órion.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Na aula seguinte, os registros iniciais e as decisões tomadas para a

produção do texto foram compartilhados com os alunos que estiveram ausentes,

sendo acrescentados seus depoimentos. Também discutiram e deram sugestões

para o título da crônica.

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Figura 20 - Planejando o título

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Para isso, à medida que o texto ia sendo redigido, fazia-se a leitura do

depoimento e os alunos opinavam sobre os trechos, de forma descontraída,

demonstrando interesse e cumplicidade na realização daquele projeto de escritura.

Foram momentos desafiadores em que as ideias começavam a ser transformar em

texto. White e Arndt (1991, p. 117; apud SOARES, 2009, p. 33) afirmam que “o que

faz a escrita ser desafiadora é que os escritores, por si sós, têm de estabelecer os

problemas certos para serem resolvidos”

A releitura dos depoimentos revelou, a partir do comentário de cada aluno,

experiências de vida das mais diversas: traumáticas, de decepção, de perdas e

algumas engraçadas como a da aluna que disse ter deixado de estudar porque

gostava muito de namorar. Entre choros e risos, aquela turma empenhada em

reescrever a muitas mãos a própria história não parecia a mesma que, em outras

situações em que precisaram se dedicar à tarefa de escrever, era tomada por um

grande desânimo. Nesse clima, os ajustes foram sendo feitos a partir de sugestão

dos alunos e a crônica foi parcialmente elaborada.

No processo de construção da crônica, tendo Eta como escriba,

estabeleceu-se uma discussão em torno dos recortes necessários para que o texto

não ficasse tão extenso, afinal de contas, tinham apenas uma página da revista

disponível para sua publicação.

Contar nossa história de uma forma resumida. Título (sugestões): O recomeço da escrita Voltando á escrever De volta á escola Coisas de escola Rumo ao futuro melhor Nossa história Em busca do conhecimento Recomessando nosso futuro Um pouco de cada um História de um recomeço

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Figura 21 - Organizando as ideias

Estávamos reunidos discultindo como unir quinze historias em uma. E decidimos que nossa

crônica averia um pouco de cada um: Os motivos que nus trouxeram de volta a escola, a luta para não desiste, o desanimo diante das dificuldades, a falta de estimulo para continuar.

A principio pessamos que pela história de vida, Sirius ou Órion estaria nus representando, o que viria em seguida seria os textos que comporiam nossa coxa de retalhos. Disse Nashira: - Minha história é longa... - Casei cedo, fui mãe aõs 16 anos, o casamento não deu certo e vive os perigos da vida noturna para sobreviver. Embora muito calado Wei nos revelou: - Tudo ficou mais dificil depois que meus pais se separaram. Com apenas 12 anos comecei a trabalhar para ajudar o sustento da família o que me afastou da escola.* Mais de 30 anos distante da escola Sirius confeçou: - Muitas vezes em meu trabalho eu assistia palestras. E com meu pouco estudo eu não conseguia acompanhar, e tinha medo de escrever errado, e isso me angustiava muito. * A história de Tyl não foi muito diferente. - Sempre tive muita vontade de estudar, mas desde de cedo tive que escolher: trabalhei na lavora, britarias e até carvoeira, para poder sobreviver, sobrevivi e hoje estou aqui estudando. Os desajustes familiares foram um dos maiores motivos para que Jih se afastasse de estudos: “Eu achava que para mim era o fim que nunca mais voltaria para a escola. Mas uma pessoa me resgatou” E entre risos Beta disse: - Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje separada, esquecida, abandonada tive que escolher entre a cademia e a escola. Depois de 26 anos sem estudar por causa do trabalho sem estimulo e muitas criticas. Delta não se deixou abater, e hoje firme e forte acredita que: “a vida só é dura pra quem é mole.” Exclamou Pi1: Me afastei da escola por causa trabalho, minha vó e meu trabalho me trouxeram de volta. Por gosto ou desgosto Zeta repetiu cinco anos a mesma série. Ter que trabalhar foi a desculpa para preguiça de estudar e o momento atual requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contesto. Ponderou Órion. Para Ain estudar não era necessário. Hoje seu lema é outro. Ninguem ri, ninguem chora Ain começou a estudar agora! Timidamente, Alya revelou: Com 13 anos comecei a trabalhar e os estudos ficaram em segundo plano... Depois de ver a tantas histórias motivantes o que falar? Já me vi em todos vocês.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Na reunião posterior, em um processo de elaboração e reelaboração da

escrita, sempre com a intervenção efetiva da turma, o texto foi finalizado. Em virtude

ainda de estarmos encerrando o ano letivo, a professora fez a primeira revisão para

discussão e apreciação da turma.

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Figura 22 - Primeira revisão da crônica

Detalhes de um recomeço Reunir histórias de vida em uma única crônica: esse era o nosso desafio. A muitas mãos estaria ali

um pouco de cada um: os motivos que nos trouxeram de volta à escola, o desânimo diante das dificuldades, a falta de estímulos para continuar e uma luta constante para não desistir. A princípio pensamos que as histórias de vida de Sirius e Órion estariam nos representando, e o que viria seriam os trechos que comporiam nossa colcha de retalhos.

Nashira revelou um tanto quanto emocionada: _ Minha história é longa. Casei cedo, fui mãe aos 16 anos. O casamento não deu certo e vivi os

perigos da noite para sobreviver. Wei embora sempre muito calado disse que tudo ficara mais difícil depois que os pais se separaram: _ Com apenas 12 anos comecei a trabalhar para ajudar no sustento da família. Isso me afastou da

escola. Os desajustes familiares também foram o principal motivo para que Jih se afastasse dos estudos. “Eu

achava que para mim era o fim, que nunca mais voltaria para a escola, mas uma pessoa me resgatou”. Sirius que passara mais de trinta anos afastado da escola e, por isso, a turma o tomava como

exemplo de persistência confessou que muitas vezes em seu trabalho tinha medo de escrever errado e isso o angustiava muito.

Tyl também tinha uma história de abandono da escola provocada pela necessidade de trabalhar: _ Trabalhei na lavoura, britaria e até em carvoeira para poder sobreviver. Sobrevivi e hoje estou aqui

estudando – disse com muito orgulho. Timidamente, Alya disse ter sido o trabalho também, a principal causa que fez com que deixasse os

estudos em segundo plano. Entre risos, Beta confessou, surpreendendo a todos: _ Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje, separada, esquecida, abandonada, tive que

escolher entre a academia e a escola. Os motivos de Delta eram outros: _ Depois de 26 anos sem estudar por causa do trabalho, não me deixei abater e hoje, firme e forte

acredito que a vida só é dura para quem é mole. Pi1 que sempre reclamava das fotos, segundo ele por causa do trabalho – era segurança e não podia

ter a imagem exposta, explicava – disse que foi o trabalho também seu maior motivo de afastamento da escola.

Por gosto ou desgosto Zeta repetira cinco anos a mesma série mas, gostava da escola. Órion não teve vergonha de admitir: _ Ter que trabalhar foi a desculpa para a preguiça que tinha de estudar. Como o momento atual

requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contexto. No passado, Ain também não considerava importante estudar. Hoje, seu lema é outro: _ Ninguém ri, ninguém chora, Ain começou a estudar agora! Depois de ouvir tantas histórias motivantes, o que falar? Já me vi em todos vocês, falou Eta, que

adiou o máximo possível para disponibilizar um pouco de suas memórias, num tom quase que misterioso. O fato é que estávamos prontos para recomeçar e, corajosamente nos apoiar um no outro para conseguir concluir a jornada.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Passarelli (2012, p. 99) lembra que “sendo o próprio autor responsável pela

revisão, observa-se que quanto maior for o intervalo de tempo transcorrido entre a

composição e a revisão, mais produtiva ela será”. Diante das circunstâncias

expostas, a leitura da versão revisada foi apresentada aos alunos apenas no ano

letivo subsequente, o que retardou um pouco mais a publicação.

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De posse do texto, os alunos decidiram por fazer ajustes principalmente no

último parágrafo, revelando os avanços em torno da tarefa de revisar o texto, em que

o aluno-escritor passa a ser leitor de si mesmo, para manter a unidade de seu texto, isto é, para não perder de vista o sentido global, enfim para burilar seu texto.[...] Ao debruçar-se sobre a primeira versão de seu trabalho, lê e relê, ajusta daqui e dali, alterando sucessiva e recorrentemente sua figura: de leitor para escritor e vice-versa. (PASSARELLI, 2012, p.99)

Partindo dessa compreensão, os alunos puderam experimentar todo o

processo de produção textual, atuando como autor, coautor e revisor, paralelamente,

para projetar as ideias da melhor forma possível, tendo em vista um projeto que fora

construído a partir de vivências significativas.

Nos ajustes finais, a professora colaboradora manteve a participação como

corrrevisora para concluir a versão que seria publicada, uma vez que o professor

“não só pode desempenhar papel de correvisor ao orientar seu aluno a reescrever

durante a revisão, mas também intervir no produto final” (PASSARELLI, 2012, p.

101).

Figura 23 - Versão final para publicação

Detalhes de um recomeço

Reunir histórias de vida em uma única crônica: esse era o nosso desafio. A muitas mãos estaria ali

um pouco de cada um: os motivos que nos trouxeram de volta à escola, o desânimo diante das dificuldades, a falta de estímulos para continuar e uma luta constante para não desistir. A princípio pensamos que as histórias de vida de Sirius e Órion estariam nos representando, e o que viria seriam os trechos que comporiam nossa colcha de retalhos.

Nashira revelou um tanto quanto emocionada: _ Minha história é longa. Casei cedo, fui mãe aos 16 anos. O casamento não deu certo e vivi os

perigos da noite para sobreviver. Wei embora sempre muito calado disse que tudo ficara mais difícil depois que os pais se

separaram: _ Com apenas doze anos comecei a trabalhar para ajudar no sustento da família. Isso me afastou

da escola. Os desajustes familiares também foram o principal motivo para que Jih se afastasse dos estudos.

“Eu achava que para mim era o fim, que nunca mais voltaria para a escola, mas uma pessoa me resgatou”. Sirius que passara mais de trinta anos afastado da escola e, por isso, a turma o tomava como

exemplo de persistência, confessou que muitas vezes em seu trabalho tinha medo de escrever errado e isso o angustiava muito.

Tyl também tinha uma história de abandono da escola provocada pela necessidade de trabalhar: _ Trabalhei na lavoura, britaria e até em carvoeira para poder sobreviver. Sobrevivi e hoje estou

aqui estudando – disse com muito orgulho. Timidamente, Alya disse ter sido o trabalho também, a principal causa que fez com que deixasse

os estudos em segundo plano. Entre risos, Beta confessou, surpreendendo a todos:

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_ Eu queria estudar, mas era doida pra casar. Hoje, separada, esquecida, abandonada, tive que escolher entre a academia e a escola.

Os motivos de Delta para voltar à escola eram outros: _ Depois de vinte e seis anos sem estudar por causa do trabalho, não me deixei abater e hoje,

firme e forte acredito que a vida só é dura para quem é mole. Pi1 que sempre reclamava das fotos, segundo ele por causa do trabalho – era segurança e não podia

ter a imagem exposta, explicava – disse que foi o trabalho também seu maior motivo de afastamento da escola.

“Por gosto ou desgosto”, confessou Zeta, repetiu cinco anos a mesma série mas, gostava da escola.

Órion não teve vergonha de admitir: _ Ter que trabalhar foi a desculpa para a preguiça que tinha de estudar. Como o momento atual

requer mais conhecimento, então decidi me inserir nesse contexto. No passado, Ain também não considerava importante estudar. Hoje, seu lema é outro: _ Ninguém ri, ninguém chora, Ain começou a estudar agora! Depois de ouvir tantas histórias motivantes, o que falar? Já me vi em todos vocês. Falou Eta, que

até então assumira apenas o pael de escriba, adiando o máximo possível o momento de revelar um pouco de suas memórias. O fato é que ali estavam, prontos para recomeçar e, corajosamente, seguir em frente, apoiando-se uns nos outros para tentarem concluir a jornada.

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

4.3. ESCRITA PROCESSUAL: O TEXTO DO ALUNO COMO UNIDADE

SIGNIFICATIVA DE ENSINO

Os caminhos para repensar o ensino da escrita, segundo Passarelli (2004, p.

25), não se limitam necessariamente à eliminação dos modelos de produção

aplicados, mas passam pela adoção de novos paradigmas para o ensino das

competências linguísticas que permitam a ação criativa do sujeito, dando sentido aos

usos imediatos e significativos da língua, seja em sua manifestação oral seja na

escrita. De fato,

um ensino de línguas que, em última instância, esteja preocupado com a formação integral do cidadão, tem como eixo essa língua em uso, orientada para a interação interpessoal, longe, portanto, daquela língua abstrata, sem sujeito e sem propósito (ANTUNES, 2009, p.35)

Essa proposição de ensino defendida por Antunes (2009) evidencia o perfil

de uma escola comprometida com a formação cidadã do aprendente, em que o texto

“é construção e interpretação de um dizer e de um fazer.[...] É o texto vivo, que

circula, que passa de um interlocutor para outro, que tem finalidades, que não

acontece apenas para servir de treino” (ANTUNES, 2009, p. 39).

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90

A escrita processual, nesse sentido, é apresentada por Passarelli (2004)

como uma ação que possibilita planejar práticas de ensino que trata o texto escrito

enquanto conteúdo de ensino-aprendizagem, capaz de materializar fazeres

necessários à prática efetiva de uso significativo da língua e mobilizar a atenção dos

alunos, apresentando “o texto sob o ponto de vista do processo de produção”

(PASSARELLI, 2004, p. 59). Sustentando essa prerrogativa, a autora propõe quatro

etapas para direcionar o ensino da escrita como processo: planejamento, tradução

de ideias em palavras, revisão e editoração, todas devidamente monitoradas durante

suas realizações.

O planejamento diz respeito à etapa em que são pensados e selecionados

os elementos necessários para a produção de dados e geração das ideias que

constituirão o texto. “A seleção das informações requer que se colete o material, os

fatos, as ideias e as observações com os quais o texto será elaborado”

(PASSARELLI, 2004, p. 89). Nesse momento, a partir das escolhas de fontes,

seleção e exclusão de materiais, busca de fontes e registros, vai se delineando o

tema a ser abordado.

Hayes e Flower (1980 apud PASSARELLI, 2004, p. 90) defendem que

é por meio da memória de longo termo do escritor que serão ativadas as ideias que servirão de esteio para a organização e o estabelecimento de metas- etapas que concorrem concomitantemente, fomentadas pelas ideias produzidas pela geração. A memória de longo termo compreende: conhecimento do tópico, conhecimento do receptor e planos de escrita armazenados.

Após a seleção das ideias, passa-se para organização dos materiais obtidos

de modo a analisar e categorizar os tópicos em um plano textual. Encerrada a fase

do planejamento, o autor se preocupa em produzir a versão inicial do texto,

registrando por escrito todas as ideias, organizando-as em parágrafos, interligando

os parágrafos de modo a manter a unidade textual. É a fase de tradução das ideias

em palavras, segunda etapa da escrita processual.

O escritor deverá, por conseguinte, se debruçar sobre a revisão do texto,

terceira etapa, que requer dele o retorno ao material produzido e o olhar atento para

o exame da versão provisória. Nesse sentido, o escritor assume o papel de leitor e

revisor da própria produção para que possa avaliar a “adequação ao que a língua

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escrita convenciona, exatidão quanto ao significado, e tendo em pauta o leitor,

acessibilidade e aceitabilidade” (PASSARELLI, 2009, p. 64).

O que se percebe no contexto escolar é que, na contramão das proposições

para a etapa de revisão a qual objetiva, sobretudo, observar se a organização das

ideias ocorreu de forma clara e coerente, a preocupação da atividade de revisão

está no aspecto avaliativo, como pretexto para estabelecer uma nota, o que acaba

fazendo com que o aprendente se coloque cada vez mais distante dos propósitos

primeiros que deverão nortear o trabalho com o texto, deixando “de chamar a

atenção do aluno para a real função da língua na vida diária e nos seus modos de

agir e interagir” (MARCUSCHI, 2008, p.55).

Realizadas as releituras necessárias ao processo de intervenção, o texto

produzido deverá passar pela etapa de editoração. Esta, por sua vez, compreende o

momento em que a produção será compartilhada com outros públicos, extrapolando

os espaços da sala de aula, o que requer do escritor a certeza de sua adequação

para a circulação e socialização das ideias impressas.

A clareza do objetivo do produto final fará com que os alunos compreendam

a necessidade de vivenciar todas as etapas do processo de escrita, esforçando-se

para atingir os objetivos propostos. Caberá ao professor assumir “os pressupostos

da avaliação formativa para ajudar o aluno a descobrir os processos que permitirão

seu progresso em termos de aprendizagem” (PASSARELLI, 2009, p. 99).

O processo de revisão requer do professor um papel de cooperador, cuja

preocupação não se limita à superfície do texto. Para atingir esse fim Ruiz (2013),

indica como possibilidade de intervenção o tipo textual-interativa em que, através de

bilhetes escritos após o texto do aluno, se estabelece um diálogo em torno da

produção, de modo a ajudá-lo a refletir sobre as possíveis intervenções a serem

realizadas.

As intervenções do tipo textual-interativa sugeridas por Ruiz (2013, p. 56),

constroem-se quando o professor toma como objeto de discurso de sua correção não mais apenas o modo de dizer do aluno (como é o caso das demais correções

5), mas também o dizer desse aluno, ou atitude

55

As demais correções a que Ruiz (2013) se refere são: a correção indicativa que se preocupa em mostrar palavras, frases ou períodos problemáticos à margem dos textos; a correção resolutiva, em que os erros além de ser apontados são, exaustivamente, corrigidos pelo professor e a correção classificatória, em que o professor destaca os erros, classificando-os mas, geralmente atribui ao aluno a tarefa de corrigi-los sozinho.

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92

comportamental (não verbal) refletida pelo seu dizer (ou seu não dizer), a propósito da correção do professor; ou ainda, a própria tarefa interventiva que ele mesmo, professor, está realizando no momento.

A abordagem da perspectiva processual para o ensino eficaz e significativo

da escrita na escola e, consequente consolidação da competência escritora do

aluno, que se configura como uma possibilidade de vivenciar práticas de uso real da

língua, também é alvo das discussões de Soares (2009), que descreve a abordagem

processual como um conjunto de ações que envolvem estágios. Para fins didáticos,

esses estágios são constituídos por três momentos: pré-escrita, escrita e revisão ou

pós-escrita.

O primeiro, estágio da pré-escrita, se caracteriza pelo uso de atividades que

motivem e estimulem os alunos no surgimento das primeiras ideias, ajudando-o “a

descobrir formas de abordar a tarefa, a coletar as informações e a gerar ideias”

(SOARES, 2009, p. 23), lançando-se mão de atividades individuais ou coletivas

como as sessões de tempestade de palavras. Essa é a parte do planejamento, em

que o autor deve ter em mente uma série de fatores como o leitor para quem será

endereçado e qual o contexto de circulação de seu texto, para que assim possa

organizar suas ideias de modo a atender um propósito comunicativo previamente

definido e conhecido por quem escreve.

Cumprida a primeira etapa, o sujeito entra no segundo estágio, o da escrita,

que é considerada cumprida quando as ideias geradas foram devidamente

organizadas e o texto encontra-se apto a passar pela fase da reavaliação: trata-se

da primeira versão do texto.

Na terceira etapa, revisão ou pós-escrita, se configura o estágio em que o

autor estará preocupado em promover melhorias que atendam a seu objetivo inicial.

Não é o momento, portanto, de o professor pensar em atribuir uma nota ao texto,

tendo em vista que, a partir de momentos de compartilhamento com o público leitor

inicial, alunos e professor, o escritor fará uma leitura com olhar avaliativo, de modo a

intervir no próprio texto, reelaborando-o e fazendo os ajustes necessários.

Nessa perspectiva de trabalho com a produção textual, invocando os

pressupostos de O‟brien, a autora adverte que

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93

Devemos ter consciência de que não há uma entidade chamada de “pedagogia de processo” e que esta é mais bem definida, não como uma teoria completa ou uma abordagem pedagógica, mas como um conjunto de práticas pedagógicas que podem ser adaptadas para qualquer forma de instrução com dois componentes essenciais: a consciência (como se escreve) e a intervenção (o feedback durante o processo), que não deve ser confundida com correção de erros. (SOARES, 2009, p.25)

Para fazer as intervenções necessárias através das atividades de reescrita,

e da recorrência aos feedbacks, a realização da escrita processual requer a

compreensão do tipo de feedback que o professor deverá fornecer ao aluno e do

consequente papel do ato de dar e receber feedback. Torna-se indispensável,

portanto, fazer com que o processo de escrita ocorra de forma dinâmica em todas as

suas etapas de realização, levando em conta as intenções comunicativas inerentes.

Por isso,

O trabalho pedagógico deve privilegiar a construção conjunta do conhecimento sobre o discurso escrito, por meio da participação ativa dos alunos, tanto como autores quanto como leitores, analisando textos autênticos e lendo os seus textos criticamente, buscando adequá-los às expectativas do seu público-alvo e ao seu propósito comunicativo. (SOARES, 2009, p.44)

Nesse processo, a partir dos novos paradigmas que orientam a produção de

texto, o professor deixa de ter sua ação limitada ao papel de revisor ou corretor e

passa a ter participações mais significativas que orientem as vivências dos alunos,

de modo que essas experiências corroborem para a formação de leitores e

escritores proficientes. De acordo com Trible (1996, p. 118-134; apud SOARES,

2009) são quatro os papéis a serem desempenhados pelos professores: leitor,

assistente, avaliador e examinador.

Dentro desses papéis estabelecidos, é possível comentar os textos dos

alunos, dando indicadores em relação ao gosto pelo texto e ao conteúdo ali

expresso (papel de leitor); atuar com o escritor, orientando as possíveis

transformações requeridas pelo texto (papel de assistente); tecer comentários sobre

o desempenho do escrevente (papel de avaliador), de modo que fiquem claros “os

aspectos da escrita que foram bem desenvolvidos e os que precisam melhorar”

(SOARES, 2009, p. 54).

A apresentação para o aluno das habilidades de escrita que foram

observadas nos textos escritos, de forma clara, objetiva e precisa, a partir de uma

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avaliação formal, e averiguação da produção textual, constitui o quarto papel que

deve ser exercido pelo professor para constatação do feedback requerido em cada

fase de trabalho com o texto.

Trabalhar a escrita em uma perspectiva sociointerativa, cuja materialização

se dá dentro de um contexto comunicativo, situado histórico e culturalmente, numa

relação intersubjetiva, requer da escola a criação de situações de ensino que

reconheçam a importância de uma atitude reflexiva do professor e do aluno, acerca

dos esforços depreendidos para sua realização. Para tanto, há a necessidade de

intervenções constantes, que norteiem o aluno não só rumo à materialização das

ideias embrionárias do texto, como também para as vivências de elaboração e

reelaboração das atividades escritas para a formação do escritor-autor.

A experiência com a roda de conversas e a produção coletiva possibilitou

essas vivências, dando a oportunidade de o aluno participar ativa e reflexivamente

da avaliação e reelaboração da escrita, seguindo orientações contidas nos PCN da

EJA para uma avaliação reguladora de aprendizagem, em que:

• A aprendizagem se concebe como uma construção pessoal do sujeito que aprende, influenciada tanto pelas características pessoais – esquemas de pensamento, ideias prévias, motivação, experiências anteriores etc. – como pelo contexto social em que ela se desenvolve. • O êxito na aprendizagem também é garantido pelas mediações que se produzem entre o aluno e o professor e entre um aluno e os demais. Em função de distintos esquemas de conhecimento e contextos culturais, os alunos nem sempre percebem, da mesma maneira, as demandas do professor. Por isso, é necessário promover processos de negociação que lhes permitam compartilhar as mesmas ideias sobre os objetivos a serem atingidos. • A aprendizagem pode ser favorecida se os alunos se apropriarem progressivamente, por meio de situações didáticas adequadas, dos instrumentos e critérios de avaliação do professor. • A autonomia dos alunos é promovida quando o professor compartilha com eles o controle e a responsabilidade sobre suas aprendizagens, mediante estratégias e instrumentos de autoavaliação que propiciem a construção de um sistema pessoal para regular seus processos de aprendizagem. (BRASIL, 2002, p.109-110)

O desenvolvimento dos demais módulos permitiu essa mesma atuação dos

alunos, de modo a avaliar e intervir em suas práticas à medida que as atividades iam

sendo desenvolvidas. Os avanços constantes e contínuos no processo de ensino-

aprendizagem dos referidos alunos, que tiveram que vencer vários obstáculos, entre

eles o desânimo e o receio frente às dificuldades que algumas vezes os

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desencorajavam e os faziam pensar em desistir, também foram perceptíveis ao

término da aplicação da sequência didática.

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5 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS: ANÁLISES E REFLEXÕES

Antes de adentrarmos na análise propriamente dita dos textos que

constituíram o corpus deste estudo, faz-se necessário pontuar algumas questões a

fim de nos situar, sobretudo, quanto aos sujeitos da pesquisa.

O perfil dos alunos colaboradores ao mesmo tempo em que nos desafiava,

funcionando como elemento motivador, causava medos e incertezas quanto à

possibilidade de desenvolvimento da pesquisa. Isso porque tratava-se de alunos da

educação de jovens e adultos, do turno noturno, cuja faixa etária variava inicialmente

entre 15 e 55 anos, que trabalhavam arduamente em casas de família, vendendo

água, no comércio, em pedreiras, e vinham exaustos para a escola cumprir um

terceiro turno de atividades. Diante disso, não tinham tempo para realizar tarefas de

casa e, muitas vezes em que vinham para a escola, diante do cansaço, já avisavam

não estar com cabeça para nada.

Apesar de os alunos pagarem disciplinas por blocos, às quais tinham

duração de seis meses, não havia uma frequência regular, de modo que, caso fosse

cobrado o percentual exigido para concluir a disciplina, muitos seriam reprovados

por falta. Alguns desses alunos se evadiram antes do primeiro dia de aula e não

voltavam à escola sequer para oficializar o cancelamento da matrícula.

Provavelmente, esse quadro apresentado fosse resultado das inúmeras

responsabilidades que acabavam adquirindo maior protagonismo em suas vidas,

como o trabalho, a família e a questão de sobrevivência. Pelo que observávamos,

essas eram as maiores responsabilidades e prioridades, o que justificava não serem

poucos os alunos que começavam a estudar por estar temporariamente

desempregados ou esperando novas oportunidades e que, praticamente na mesma

proporção, deixavam a escola por conseguirem se locar ou relocar no mercado de

trabalho.

Esses fatores que permeavam o universo dos alunos tornavam as ações

tensas, carregadas de reflexões, alguns momentos de desânimos, mas outros tantos

de encorajamento, diante do tríplice papel de professor, pesquisador e colaborador

nesse processo de intervenção e foram preponderantes para o nível de resultados

alcançados pelo grupo.

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97

Diante disso, tornou-se necessário o trabalho cotidiano de convencimento

dos colaboradores, a partir da própria dinâmica da aplicação de sequência didática

que propõe a apresentação inicial da proposta de trabalho para o ensino de gêneros,

de modo que os sujeitos estejam cientes das etapas que requerem a participação

efetiva de todos. O uso de palavras de encorajamento e elevação da autoestima

diante das inúmeras dificuldades e desafios também foi imprescindível nessa

trajetória.

Certamente, um dos motivadores para contínua participação no projeto foi a

perspectiva da construção de um produto para circulação: saber que o texto teria

outros leitores, além do professor, realmente aumentava o ânimo da turma, mas ao

mesmo tempo acabava gerando receio, medo de conseguir realizar o que para eles

seria uma verdadeira façanha.

Na fase inicial da aplicação, alguns alunos advertiam que eram muito ruins

de escrita, que não sabiam colocar os sinais de pontuação. Outros, talvez, por

estarem acostumados não estarem acostumados a trabalhar com essa proposta de

ensino, olhavam meio desanimados, desconfiados. Os alunos repetentes que

estudaram com a professora colaboradora no ano anterior e já tinham

experimentado o trabalho com produção textual, questionavam se teriam de estudar

textos novamente. Esse era, portanto, o perfil dos sujeitos com os quais se faria a

intervenção.

Embora a pesquisa tenha um caráter qualitativo, os números seguintes em

relação, principalmente, à permanência dos alunos, ajudarão a visualizar melhor

esse universo, assim como possibilitarão compreender a queda dos índices de

participantes durante a pesquisa.

Nesse semestre em curso, apesar de contar com uma matrícula inicial de 43

alunos, apenas 22 concluíram o 1º semestre. Parte dos alunos que desistiram não

compareceram ao primeiro dia de aula. Tais dados refletem pouco mais de cinco

meses de curso que os discentes precisavam frequentar para concluir a disciplina.

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Tabela 1- Quadro de matrícula

Fonte: Arquivos da pesquisa 2015

No início da pesquisa, 33 alunos responderam à entrevista. No entanto,

apenas 17 participaram da primeira produção. No intervalo de um mês entre a

entrevista e a realização dessa atividade, os demais 16 tinham desistido.

Tabela 2 - Participação na 1ª produção

Fonte: Arquivos da pesquisa 2015

Ao término da pesquisa, marcada oficialmente pela reescrita da produção

inicial, dos 17 alunos que fizeram a 1ª produção, apenas 11 alunos continuavam

estudando e participaram do processo de reescrita da produção inicial.

51% 49%

Alunos que concluíram a disciplina Alunos desistentes

34%

66%

Participantes da 1ª produção Alunos entrevistados

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Tabela 3 - Alunos participantes na produção inicial e produção final

Fonte: Arquivos da pesquisa 2015

Dessa forma, do universo dos alunos que estiveram presentes no início da

pesquisa, um total de 33 que responderam a entrevista, apenas 11 conseguiram

participar de todos os módulos contidos na sequência didática.

Tabela 4 - Alunos participantes no início e no fim da pesquisa

Fonte: Arquivos da pesquisa 2015

Nessas condições, o corpus para análise constituiu-se de 18 produções dos

alunos que participaram de todas as etapas da pesquisa, cujas análises foram

distribuídas da seguinte forma: seis textos da primeira produção, seis da reescrita e

outras seis versões da reescrita, revisadas com as reflexões feitas juntamente com o

professor.

Apesar de a escola ser o contexto imediato das produções, estas também

foram realizadas em outros espaços, tendo em vista os usos da língua como práticas

sociais situadas, desenvolvendo ações voltadas para que o aluno atuasse sobre

61%

39%

1ª produção Produção final

75%

25%

Início da pesquisa Término da pesquisa

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suas produções na qualidade de leitor e revisor. No entanto, o centro da

preocupação dos discentes não só nessas produções que constituem o corpus como

nas demais foi, principalmente, os aspectos gramaticais e ortográficos, uma vez que,

reincidentemente, ao entregar as produções avisavam: “tem muitos erros” (Ain); “não

sei direito onde colocar os sinais de pontuação” (Beta); “não sei se o sinal tá no lugar

certo, professora, veja aí” (Delta); “eu sou ruim de texto” (Win); “escrever não é pra

mim” (Sirius).

De acordo com a perspectiva da Linguística Aplicada e dos novos Estudos

de Letramento, a intenção em analisar os textos dos alunos deve estar voltada para

a questão da ampliação de sua prática escritora, tendo como elemento motivador o

estudo dos gêneros, em que os textos são resultado da atividade de linguagem

humana, os quais se adequam aos objetivos constitutivos das mais diversas ações

comunicativas que se presentificam no cotidiano das pessoas, conforme Bronckart

(2012).

Considerando-se ainda os princípios contidos no uso de sequência didática,

a análise pretendida só seria possível a partir do estudo da produção inicial e da

reescrita desse mesmo texto, realizada pelos alunos, para observar os aprendizados

elaborados e reelaborados, construídos mediante as vivências com as práticas de

produção escrita vivenciadas no decorrer dos módulos aplicados.

A análise dos textos fundamenta-se, sobretudo, nos elementos segundo os

quais o texto encontra-se organizado, os três estratos do folhado textual6, conforme

Bronckart (2012), que estabelece como níveis de análise textual a observação da

infraestrutura geral do texto, dos mecanismos de textualização e dos mecanismos

enunciativos, elementos estes , segundo o autor, ora se sobrepõem ora interagem. A

análise ancora-se também em Antunes (2010), que propõe como foco de primeiro de

análise, e de maior importância para compreensão de sua construção, o aspecto

global, que constituem o eixo de coerência textual.

6 Bronckart (2012) define assim os três elementos que considera como camadas que corroboram

para a organização de um texto: infraestrutura geral do texto - “constituído pelo plano mais geral do texto, pelos tipos de discurso que comporta, pelas modalidades de articulação entre esses tipos de discurso e pelas sequências que nele eventualmente aparecem” (p. 120); mecanismos de textualização - séries isotópicas de organizadores e de retomadas nominais, “que contribuem para o estabelecimento da coerência temática”, enfatizando os mecanismos de conexão (conjunções, advérbios ou locuções adverbiais, grupos preposicionais, grupos nominais e segmentos de frases), de coesão nominal (anáforas e sintagmas nominais) e de coesão verbal (verbos e unidades com valor temporal) (p.122-126); mecanismos enunciativos – contribuem “para a manutenção da coerência pragmática (ou interativa) do texto” que se materializam através do posicionamento enunciativo e vozes e pelo uso de modalizadores (130-132).

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Concordando com a proposta de Bronckart (2012) não incorrer no erro de

restringirmo-nos ao subjetivismo ou mesmo distanciarmo-nos da conjectura global

do texto, as análises foram guiadas por esses fundamentos teóricos “a partir dos

quais são definidos os pontos mais relevantes e, consequentemente, são

estabelecidas as prioridades de observação” (ANTUNES, 2010, p. 79). Tal assertiva

parte do princípio de que

somente assim podemos fugir a uma análise feita segundo as impressões de cada um, e, assim, eventualmente inconsistente. Aquilo que apontamos como dito no texto deve ser respaldado pelo que, de fato, consta lá. Na sua superfície ou nas entrelinhas. Deve estar autorizado pela presença de uma palavra, de uma expressão, de um sinal qualquer. Do dito é que se parte para o não dito; ou para os diferentes tipos do dizer implícito. (ANTUNES, 2010, p. 79)

Nossa análise orientou-se, portanto, pelos aspectos inerentes à construção

do texto, certos de que a observação dos elementos globais aplicada à produção

inicial e à versão final do mesmo texto, revisado e reescrito pelos próprios alunos

com a colaboração da professora, nos dariam indícios da ampliação de sua

competência e, consequentemente, da autonomia comunicativa. É importante

lembrar que as produções analisadas resultaram da proposição que orientou a

prática escritora tendo como cenário uma praça, cujos acontecimentos observados

seriam utilizados como material para a proposta de trabalho contida nas orientações

da primeira produção.

A análise foi organizada da seguinte forma: na produção inicial e na

reescrita, analisaríamos os textos enfocando alguns aspectos relacionados a sua

composição, como os mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos

conforme Bronckart (2012). Na produção final, procuraríamos contemplar elementos

voltados para a dimensão global, levando em conta a abordagem do autor e

apoiando-se também nos critérios estabelecidos por Antunes (2010).

Finalmente, vale salientar que os alunos conseguiram evidenciar em suas

produções as principais características da crônica e que, parte do êxito devido à

compreensão e materialização dos elementos desse gênero nos próprios textos é

resultante do planejamento de oficinas com práticas de letramento, colocando-os em

situações de produção textual que tornavam mais perceptíveis, por exemplo, o

caráter cotidianístico, o caráter subjetivo, o uso da ironia, dentre outros aspectos que

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102

permeiam o gênero textual crônica, como pode-se observar nos textos analisados,

embora não nos detenhamos na análise desses elementos.

5.1 ANÁLISES DAS PRODUÇÕES COM VISTAS A ASPECTOS DE SUA

CONSTRUÇÃO

Segundo Bronckart (2012), a produção textual enquanto materialização da

linguagem pode ser influenciada por mundos formais – físico, social e subjetivo –

que incidirão na organização do texto, a partir das representações externas ou

interiorizadas pelo seu produtor. O autor reforça que as representações sobre os três

mundos podem ter duas direções: por um lado, como contexto da produção textual e

por outro lado como conteúdo temático ou referente, ou seja, essas representações

decorrem tanto dos conhecimentos que se constroem a partir das situações de

interação e comunicação, como dos temas a serem abordados.

Desse modo, o estudioso (2012) estabelece uma divisão dos fatores ligados

ao contexto de produção que interferem nos comportamentos verbais do sujeito em

dois planos: no primeiro plano estaria o mundo físico, relacionado ao lugar e

momento de produção, aos interlocutores, segundo o qual a ação de linguagem é

resultado de um comportamento verbal concreto. No segundo plano, estariam o

mundo social e subjetivo, que denomina de contexto sociosubjetivo, segundo o qual

o lugar social, a posição social dos interlocutores e o objetivo de interação se

constituem nos principais parâmetros desse contexto.

Em relação ao conteúdo temático, as representações são construídas

também pelos produtores, embora sua análise independa desses mundos formais. A

compreensão de que um texto deve ser analisado observando o conjunto de

aspectos que estabelecem uma estrutura significativa, coerente e com status de

texto é compartilhada, entre outros autores, por Antunes (2010), segundo a qual

todo e qualquer aspecto é material de análise nos textos, pois “neles toda língua, em

suas múltiplas dimensões pode estar presentes” (p. 55), embora reconheça que não

dão conta de abranger “todos os fatos linguísticos e todos os aspectos responsáveis

por sua funcionalidade sociointerativa” (p. 55).

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Nessa perspectiva, na primeira produção e na reescrita, procuramos analisar

como as ideias foram organizadas pelos alunos e a que elementos recorreram no

processo de elaboração e reelaboração textual para que tivéssemos uma visão mais

ampla desse conjunto, observando, sobretudo, as reflexões sobre a organização do

texto e orientações para análise desses elementos, segundo os postulados de

Bronckart (2012).

5.1.1 Análise das produções de Beta

5.1.1.1 Produção inicial de Beta

Figura 24 - Produção inicial de Beta

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

A aluna começa o texto evidenciando no título em que gênero pretende

desenvolver sua produção, organizando suas ideias em apenas um parágrafo. No

início cita objetos que compõem um espaço, a princípio não especificado, mas que

pode ser identificado pela referência feita aos objetos, bem como pela locução

adverbial “na vitrine” que denota se tratar de uma loja.

O plano geral do texto é construído com a introdução de uma sequência

narrativa em que são inseridos personagens – duas crianças, uma jovem - reforçado

o cenário onde os fatos se delinearão – a vitrine – utilizando modalizadores verbais

para indicar diversas ações e o estado das personagens – “passou”, “parou”, “ficou

olhando”.

Apesar de praticamente não usar sinais de pontuação, os mecanismos de

conexão são assegurados pelo uso de uma série de verbos que mostram toda a

sequência dos acontecimentos e, consequentemente, a dinâmica da narrativa. A

Crônica

Equipamentos Eletrônicos, na vitrine / tinha uma linda guitarra , Passou / uma jovem com duas crianças em / frente, só uma criança parou e ficou / olhando, a vitrine a mãe não percebeu / que ele tinha ficado pra traz, voltou e / chamou vamos filho ta tarde e eu tou / com sono, amanhã ajente vem, o / menino começou a chorar porque queria / a guitarra, a irmazinha quando percebeu que seu irmao queria uma / guitarra também queria, a mãe com / muita paciência convenceu ir embora / que voltava no dia seguinte, eles foram / mais ele foi chorando... será que ela vai / voltar mesmo ou mentiu pra ele?????

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situação de conflito se dá a partir do momento em que uma das crianças fica parada,

admirando o objeto que desencadearia toda a tensão: a guitarra.

Quando o problema surge, os personagens ganham voz através de um

ligeiro diálogo que, apesar de não estar sinalizado, torna-se perceptível pelo uso do

verbo “chamou”. O uso do dêitico temporal “tarde”, da frase “estou com sono” e do

outro dêitico “amanhã” nos faz deduzir que o fato ocorre bem depois do horário

comercial.

Podemos identificar o clímax da narrativa com a introdução da locução

verbal “começou a chorar” referindo-se à menina, no momento que percebeu a

resistência do irmão em se afastar da loja. Certamente, a compreensão de que o

irmão insistia em ganhar a guitarra foi gerada por uma reivindicação expressa

oralmente pelo menino, pois, mesmo que essa fala não esteja explícita, levando em

consideração a referência “irmãzinha” para citar a criança, podemos inferir que se

trata de alguém bem novo, que não conseguiria ler a cena do irmão desejando

ardentemente a guitarra se estivesse apenas observando tudo que passava.

O desfecho se dá quando a mãe conseguiu convencê-los, argumentando

que voltaria no dia seguinte. Nesse momento, podemos dizer que a aluna

estabelece um diálogo com o interlocutor, deixando que ele tire suas próprias

conclusões, embora, ao afirmar que as crianças saíram chorando, nos dê evidência

de que elas, assim como a autora, não acreditaram nos argumentos utilizados pela

mãe.

Como podemos perceber, apesar de ser curto, o texto traz todas as

características próprias de uma crônica narrativa, apesar da opção por introdução

descritiva que se delineia naturalmente para uma crônica predominantemente

narrativa.

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5.1.1.2 Atividade de reescrita de Beta

Figura 25 - Atividade de reescrita de Beta

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Apesar de a organização do texto continuar se limitando a um parágrafo, já é

possível perceber avanços no título que demonstra preocupação em evidenciar a

temática que será abordada. Ao contrário do que aconteceu na primeira escrita em

que o narrador se comportou como um observador que apenas registrava o que se

passava, resolvendo se posicionar apenas no final da narrativa, nessa versão decide

indicar sua presença na cena: “Estava sentada no banco da praça” ampliando para o

leitor o contexto situacional que, quanto ao acontecimento que desencadeia o

processo composicional, é especificado pela utilização do dêitico de lugar “em

frente”.

De igual modo, o enunciador deixa explícito o local em que se encontram os

objetos – uma loja de equipamentos. No entanto, a compreensão do contexto

imediato ou desenvolvimento do tópico frasal fica comprometida pela omissão de um

elo coesivo entre a locução adverbial e a utilização de sinal de pontuação que

pudesse indicar o término ou continuidade do período no trecho “Em frente uma loja

de equipamentos eletrônicos ia passando uma jovem com seus dois filhos pela

calçada”, dando margem à dupla interpretação, tendo em vista a possibilidade das

seguintes inferências:

a) Em frente (à praça) havia uma loja de equipamentos eletrônicos e ia

passando uma jovem com seus dois filhos, pela calçada;

b) Em frente a uma loja de equipamentos eletrônicos, ia passando uma jovem

com seus dois filhos, pela calçada.

Mãe e filhos

Estava sentada no banco da / praça Em frente uma loja de / equipamentos eletrônicos ia / passando uma jovem com seus / dois filhos Pela calsada O menino / parou e ficou olhando os aparelho / a mãe dele não percebeu que ele / ficou pra traz voltou e chamou / o garoto ele sem querer ir começou / chorar Porque queria uma guita- / rra. a mãe com muito carinho / chamou vamos filho tá tarde / amanhã ajente vem o menino / não queria acordo queria levar / a guitarra a irmãzinha também / queria uma em fim a mãe conse- / guiu convencer as crianças. e foi / embora com os dois ainda choran- / do.

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Na ausência da pontuação e dos parágrafos, os verbos de ação garantem a

progressão temática, o que demonstra que embora haja insegurança quanto ao uso

adequado dos sinais de pontuação e das letras maiúsculas e minúsculas, a aluna

busca meios de suprir essa dificuldade, preocupando-se em tornar o texto

compreensível.

A sequência textual não apresenta mais nenhuma alteração em relação à

primeira produção, a não ser no final em que foi retirado o questionamento, uma

espécie de convite para o leitor dialogar com o narrador, o que acaba se constituindo

na perda do recurso da ironia.

5.1.2 Análise das produções de Órion

5.1.2.1 Produção inicial de Órion

Figura 26 - Produção inicial de Órion

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Organizado em cinco parágrafos, o texto se desenvolve em torno da

temática da praça como um lugar de encontro entre o presente e o passado de

Órion. A progressão temática se evidencia pelos elementos anafóricos recorrentes

pelo uso repetido de “praça” em locuções adverbiais - “na praça”, “toda a praça”,

“naquela (praça)”; “na praça”; “ praça” - e pelos advérbios “ali”, “lá”.

“A Praça”

Hoje estive na praça, no centro da cidade de / Currais Novos, onde moro desde

pequeno. Ao chegar na praça dei voltas e depois sentei / em um dos bancos, que ali existem,

quando sentei / olhei fixamente para toda a praça e logo vieram / boas lembranças. Lembrei que quando jovem, eu / quase todos os domingos estava naquela, e vi / algumas senas parecidas como as de antigamente, poreim hoje vejo menas pessoas no centro da cidade.

Hoje sei que antes as pessoas gostavam mais / de estarem juntas na praça e como seria bom / se os jovens ainda gostassem de está na praça.

Fazia muito tempo que eu tinha ido lá pra / sentar e ficar pesando nos muitos momentos / que vivi lá, me lembrei de todas as vezes que / logo após as missas dominicais, eu ia brincar, / comer pipocas e depois pouco maior ou seja / adolecente ia namorar.

É uma pena que a maioria dos jovens / não tenha tempo de ir a praça e ver / como é maravilhoso esta na

“PRAÇA”

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No segundo parágrafo, são usados marcadores temporais e espaciais –

“hoje”, “desde”, “na praça”, “no centro”, “na cidade”, “onde” – de modo a situar o

leitor quanto ao tempo e à posição do narrador.

A ênfase no papel da praça para retornar ao passado faz com que as cenas

do presente desapareçam, como se naquele momento não houvesse ninguém e

nada acontecesse. As ações indicadas pelos verbos na primeira pessoa do singular

reforçam essa profunda imersão: “dei voltas e depois sentei...” “... quando sentei

olhei fixamente...”.

Simultaneamente, os dêiticos temporais localizam cada momento da

enunciação ou seja, os momentos em que o retorno ao passado foi acontecendo:

1º - “Ao chegar” (quando cheguei);

2º - “depois sentei”;

3º - “logo vieram boas lembranças”.

O uso do dêitico “lentamente” informa o modo contemplativo com que o

narrador personagem retoma suas lembranças. O trecho seguinte revela uma certa

confusão mas, ao mesmo tempo, marca a saída do estado de transe: a praça não

está mais vazia, é o que indica o trecho que afirma haver semelhanças entre as

cenas do presente e as de antigamente.

“... vi algumas senas parecidas com as de antigamente.”

Com certo ar de decepção, afirma melancólico:

“...porém hoje vejo menos pessoas no centro da / cidade...”

No terceiro parágrafo, há uma reflexão e ao mesmo tempo uma constatação

quanto ao nível de interesse pela praça por parte de um público específico – os

jovens:

“Hoje sei que antes as pessoas gostavam mais de estarem juntas na praça e

como seria bom se os jovens ainda gostassem de está na praça”

No quarto parágrafo, podemos entender melhor esse olhar voltado para os

jovens: a praça está, sobretudo, fortemente ligada com os momentos vivenciados

nessa fase da vida em que começaram os primeiros namoros. O último parágrafo

reforça a importância histórica daquele cenário, o que, provavelmente, motivou o

mesmo destaque conferido ao título.

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5.1.2.2 Atividade de reescrita de Órion

Figura 27 - Atividade de reescrita de Órion

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

De modo geral, a reescrita não apresenta maiores alterações em relação à

produção inicial. No entanto, é possível perceber o esforço de intervenção como

alguns acréscimos, trocas ou supressão de palavras e a reorganiização dos

parágrafos. O que pode parecer mais significativo é a particularização da praça

através da inserção de “central” no título. No primeiro parágrafo, a repetição da

locução “no centro”, embora não acrescente significado ao parágrafo e provoque

redudância, é outro indício desse esforço.

Há também a decisão em aumentar o número de parágrafos, o que não

significa acréscimo de informação, mas, a tentativa de reagrupamento do primeiro

parágrafo com parte do segundo parágrafo e o desmembramento do quinto

parágrafo que foi transformado em dois parágrafos.

A Praça Central Hoje fui a praça no centro da cidade, no centro de / Currais Novos, onde moro

desd05 anos e ao chegar / na praça dei algumas voltas e logo depois sentei / em um dos bancos que ali existem, quando sentei / olhei fixamente para todos os lados da praça, / logo vieram boas lembranças.

Lembrei que quando muito jovem eu ia qua- / se todos os domingos até a praça, e ter ido / depois de tanto tempo me fez lembrar de fatos/ do passado, porem hoje vejo tão poucas pessoas / no centro da cidade, na praça Central.

Hoje pude ver que no passado as pessoas / gostavam mais de estarem mais juntas na praça, parei um instante e pensei como seria / bom se a maioria das pessoas ainda pudessem / encontrar-se com mais frequência na praça.

Depois de tanto tempo, poder sentar no banco / da praça e imaginar os muitos e muitos momentos que / ali vivi, foi ótimo, lembrei de todas as vezes / que logo após as missas dominicais , eu me / divertia bastante naquela praça.

Também na praça central já fui na adolecência / comecei os primeiros namoros. É uma grande pena que a maioria dos / jovens não tenham tempo de ir a praça e

/ ver como é maravilhoso esta na “PRAÇA”.

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5.1.3 Análise das produções de Wei

5.1.3.1 Produção inicial de Wei

Figura 28 - Produção inicial de Wei

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

O texto de Wei não apresenta título e se organiza em apenas um parágrafo

em que são relatadas cenas visualizadas pelo aluno que revela: “o que vi foi as

criaça Bincado, gostano di mais...”; ”... a mãe senpri xamava e xamava”; as criaça

sircorava para não i para A sua casa.”.

Desse modo, a crônica apresenta uma breve sequência narrativa em que

uma criança se diverte enquanto brinca com areia e insiste em permanecer no local,

quando é chamada pela mãe. Para conectar as ideias, por falta de repertório e pela

dificuldade em utilizar os sinais de pontuação, o uso do conectivo “i/é – e – são

recorrentes.

Podemos perceber uma dificuldade muito grande do aluno em dar corpo ao

texto e ao mesmo tempo um esforço em tentar realizar a proposta de produção que,

de modo geral, torna-se de difícil compreensão para seus possíveis interlocutores,

mas não impossível.

O que eu vi foi as criança bircado gostano / di mais num pé de cocó com Areia i / serpri qui ela Bircava axava Bom i A / maê sepre xamava ela não ligava Para / ela que a mae falava é ela sepri Bircava / corlate di um lardo quarto i um Porco / mais sAia para confessa com um adunto / com fosse perdi espriquação i a mamãe ´/ xamava i xamava i um o pé di coco foi / A bardonado pela As criança i a mamae / dizia Filia vamo iBora para casa A / criaça sircorova Para não e Para A Sua casa.

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5.1.3.2 Atividade de reescrita de Wei

Figura 29 - Atividade de reescrita de Wei

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

A princípio, é utilizada a locução adverbial “Naquele dia” para situar o fato

visualizado no tempo e “na praça” para fazer referência ao espaço. Há ainda o

registro da reação do narrador diante da cena que o deixou “surpreso”, de modo a

recorrer à cena e aproveitar melhor o conteúdo do que presenciara. Além disso,

tenta demonstrar uma dinâmica maior quanto ao que se passava no local ao afirmar

ter visto muita coisa importante.

A dificuldade em avaliar a própria produção, ainda que sob orientação da

professora, é demonstrada no decorrer do texto a partir da supressão de

informações, como ocorre na tentativa de estabelecer um diálogo entre as

personagens contida na primeira produção, e da repetição desnecessária de uma

mesma ideia:

“...prezessei muita coirza importante...” - presenciei muita coisa importante

“...ve muita coirsa importante...” - vi muita coisa importante

Nesse processo, talvez, devido à falta de clareza quanto à definição da

própria temática, o texto permaneceu sem título, embora haja alguns indícios de

reflexão sobre a apresentação das ideias, perceptíveis quando situou a cena no

tempo e no espaço. Alguns avanços do aluno são, portanto, perceptíveis.

na quele dia que eu foi ar prassa / prezessei muita coirza importante / de mais que eu fiquei muito surpeso / de ve muita coirsa importante e / escorzivo (inclusive) ar criança bricando de o lado / puouto (pro outro) em ela queria de maneira / de ferente achava muito bom e ela / não pecebia que a sua, mais (mãe) a darva (andava) / de um lado pruoto e xamava para e (ir) embora para / casa

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5.1.4 Análise das produções de Ain

5.1.4.1 Produção inicial de Ain

Figura 30 - Produção inicial de Ain

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

O texto “brincadeira”, organizado em três parágrafos, retrata em sua

composição algumas situações observadas pelo narrador, as quais mostram um

pouco da dinâmica da praça e reforçam a mensagem contida no título: a praça é um

local de entretenimento para muitas pessoas.

No primeiro parágrafo, há o relato de um momento de descontração entre

pai, filho e filha. No meio deste, fica clara a perda de visibilidade ou de interesse do

narrador em relação à continuidade da cena, cuja narração é interrompida

bruscamente quando informa: “minhas colegas de aula foram para o meio”.,

Igualmente de forma abrupta, o fato é retomado para dar sequência às ações das

personagens, como pode-se perceber no fragmento abaixo:

“... o pai pegou os filhos e se retirara / do local, foram lanchar pois quando terminou vou-

/ tara novamente a brincar de bola no mesmo / local e a criaças adoraram ficaron muito

felizes.”

No segundo parágrafo, a progressão do tema é assegurada pela locução

adverbial “Mais na frente” que introduz outra situação observada na praça: “um

senhor escorado na palmeira com sua bicicleta”. O narrador faz questão de

demarcar o tempo em que esteve observando aquela cena, “vinte e seis minutos”,

(brincadeira) logo quando cheguei na praça olhei um pai / brincando de bola, mais seus dois filhos,

logo / a brincadeira parou, minhas colegas de aula foram / mesmo para o meio da, , o pai pegou os filhos e se-retiraro / do locau, foram lanchar pois quando terminou vou- / taro novamente a brincar de bola no mesmo local / e as criaças adoraram ficaram muito felises.

Mais na frente encontrei um senho escora- / do na palmeira com sua bicicleta fiquei olhan- / do mechamou muito a tenção porque eu marquei / 26 minuto e ali estava o senho escorado, eu / me adimirei tanta paciencia da quela pessoa.

Ao meu lado 2 crianças brincando uma menina / e um menino o mais novo do que a menina / era danado jogando areia p/ cima – a menina falou / para de jogar areia , Filipe, eu já falei, - o menino / disse, não vou parar – é, assim, espere um pouco, vou / falar p/ mãe, o menino não gostou e jogou uma / pedra na cabeça da menina, a menina começou a / chorar, a mãe falou – o que foi isso – a menina / respondeo foi ele que jogou uma pedra na minha cabe- / ça, amãe pegou os dois e colocou de castigo. assi / terminou a brincadeira das criança.

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anunciando outro público que, como ele, apenas observava a praça, ao que

interpretou como sendo uma atitude passiva.

O dinamismo do local volta a ser mostrado no terceiro parágrafo em que faz

mais uma narrativa breve envolvendo duas crianças e uma mulher. Uma cadeia de

referentes se estabelece através do uso de formas nominais reiteradas e

semelhantes, e da repetição de palavras idênticas.

“Ao meu lado 2 crianças brincando uma menina / e um menino o mais novo do que a

menina / era danado jogando areia p/ cima – a menina falou: / para de jogar areia, Filipe,

eu já falei – o menino / disse, não vou parar – é, assim, espere um pouco, vou / falar p/

mãe, o menino não gostou e jogou uma / pedra na cabeça da menina, a menina começou

a / chorar, a mãe falou – o que foi isso, - a menina / respondeo – foi ele que jogou uma

pedra na minha cabe- / ça amãe pegou os dois e colocou de castigo. Assi / terminou a

brincadeira das criança.”

crianças – uma menina e um menino – das criança – os dois

o mais novo – danado – Felipe – ele

a menina – da menina

Ainda no último parágrafo, o dinamismo da cena tem continuidade pela

presença do diálogo. Trata-se de um trecho em que ficam perceptíveis elementos da

narrativa tais como: tema, personagens, conflito, clímax e desfecho, sendo que nos

parágrafos anteriores já é possível identificar o espaço e do tempo.

O conjunto do texto reproduz para o leitor os diferentes usos da praça, o

espaço utilizado apenas para relaxar, o local apropriado para levar as crianças ou

para se divertir.

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5.1.4.2 Atividade de reescrita de Ain

Figura 31 - Atividade de reescrita de Ain

Fonte: Arquivos da pesquisa, 2015.

O texto reescrito de Ain se organiza em torno de oito parágrafos em que

torna-se evidente a opção do narrador em fazer um recorte da primeira produção e

detalhar apenas um dos fatos observados. A escolha do título “Um acontecido na

praça” confirma essa intenção e indica a temática que será tratada.

O tempo e o cenário de ação são apresentados no primeiro parágrafo pelos

dêiticos de tempo “No dia 15/09/2015, quando logo...” e lugar “...cheguei na praça”.

A presença do narrador-observador no cenário dos fatos faz-se conhecer pelos

verbos “cheguei”, “parei” e “observei” e os personagens da história também são

apresentados: o pai e as crianças,.

O segundo parágrafo, muito breve, se limita a informar uma ação do pai.

Essa opção por expor as cenas se verifica também ao longo dos demais parágrafos

– 2º ao 7º – em que os verbos de ação encontram-se no presente, como se o

narrador não tivesse conseguido sair do momento em que os fatos aconteciam:

2º parágrafo: “ O pai sai...”

3º parágrafo: “Paulinho corre...”;

4º parágrafo: “Sua irmã logo toma um susto e grita...”;

5º parágrafo: “O menino se assusta...”

6º parágrafo: “O pai não sabendo de nada chega e olha sua filha...”

Um Acontecido na Praça

No dia 15/09/14, quando logo cheguei na / praça parei e observei um pai e duas

crian- / ças, tavam brincando com a bola. O pai sai para comprar alguma coisa para / comer. Quando derrepente, Paulinho corre para pe- / gar a bola, que tinha ido para

outro la- / do da rua. Sua irmân logo toma um susto e gri- / ta – Paulinho o carro!

O menino se asusta com o carro, que quase / le atropela. O pai não sabendo de nada chega e olha / sua filha Marília e Paulinho

chorando. _ ele nervoso Pergunta: o que acontecia. a menina falou _ o carro quase atropelou Pau- / linho. _ O pai ainda abalado não acreditar no/ que tinha acontecido e logo pegou os dois / e foram para casa.

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7º parágrafo: “ele nervoso pergunta...”

Em relação à estrutura composicional, no terceiro parágrafo, o advérbio

“quando” e a locução “derrepente” (de repente) são usados para complementar a

ideia do período anterior e introduzir o conflito da situação.

No 4º parágrafo assim como no 7º parágrafo, há a introdução de um diálogo

entre as personagens e o desfecho ocorre naturalmente no 8º parágrafo. Apesar de

os parágrafos estarem organizados de forma aleatória, a progressão temática é

garantida pelo uso de formas verbais e pela recorrência aos dêiticos de tempo:

“quando”; “de repente”, “logo”, “ainda”. As cadeias referenciais se realizam no

decorrer dos parágrafos, por meio de: formas nominais reiteradas e sinônimas;

pronomes – lhe, ele; numerais – duas, dois e elipses.Como referentes, retomam, por

exemplo:

Pai Paulinho irmã

A segunda produção, revela a compreensão de reescrita mais como

processo de exclusão, retirada de elementos ou fatos, do que reorganização das

ideias. Independente desse entendimento, o aluno demonstra esforço e interesse

em aperfeiçoar a produção.

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5.1.5 Análise das produções de Delta

5.1.5.1 Produção inicial de Delta

Figura 32 - Produção inicial de Delta

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

A produção inicial de Delta, “Encontro na praça”, está organizada em oito

parágrafos cujo título, a princípio, dar margem para que o leitor imagine mais de uma

possibilidade de encontro, logo revela tratar-se das amigas de outrora, remetendo ao

passado da observadora. O encontro anunciado, entretanto, acontece apenas na

perspectiva da escritora, visto que, em nenhum momento, há, de fato, qualquer tipo

de contato entre as partes.

No parágrafo inicial, a intenção é informar ao leitor quanto ao propósito comunicativo

que está na praça com o objetivo de extrair daquele cenário o objeto para sua

produção textual, diferentemente das outras pessoas. Para reforçar sua intenção

usa a expressão modalizadora “Não posso deixar de relatar”, recorrendo ainda à

modalização apreciativa “interessante”, que indica o grau de envolvimento com a

atividade realizada, definindo-a com uma “missão”.

Para estabelecer uma relação com o parágrafo anterior, o segundo

parágrafo é introduzido pelo conectivo “e”, seguido de um dêitico temporal – quando.

As expressões modalizadoras utilizadas em todo plano textual expressam o

“ENCONTRO NA PRAÇA”

Não posso deixar de relatar / esse momento interessante, vim até / aqui com a missão de escrever / sobre qualquer cena que me chamasse a atenção.

E quando cheguei tive uma sur- / presa muito boa: colegas que / não via a tempos estavam aqui / se exercitando com uma turma / muito bacana. Gostei de ver como / elas são dedicadas, pois traba- / lham o dia inteiro e ainda / acham tempo e disposição para / cuidarem do corpo e da mente.

Sempre com aquele sorriso es- / tampado no rosto felizes com o / que estavam fazendo.

Me vi ali com elas fazendo / ginástica e sorrindo muito, pare- / ciam se divertirem e eu se não / estivesse escrevendo com certeza / estaria com elas, naquela brinca- / deira gostosa.

Queria continuar aquí nesse banco / de praça, a observar tudo, ouvindo / uma boa música, mas tenho que / voltar, meu tempo acabou.

Espero reve-las em outra oportu- / nidade pra gente jogar conversa fora. O importante é que consegui achar / o momento que eu estava

procurando. Pra encerrar adorei a experiência / é muito bom se sentir quase uma /

escritora.

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envolvimento emocional da aluna com os momentos vivenciados,: “tive uma

surpresa muito boa”; “gostei de ver...” (2º parágrafo); “me vi ali com elas fazendo

ginástica e rindo muito...”; “... se não estivesse escrevendo com certeza estaria com

elas...” (4º parágrafo); “Queria continuar aqui...” (5º parágrafo); “Espero revê-las...”

(6º parágrafo); “...adorei a experiência...); é muito bom se sentir...” (8º parágrafo).

A organização dos parágrafos se dá de forma intuitiva, como pode ser

comprovado no terceiro parágrafo em que apenas complementa uma ideia citada

anteriormente, provocando uma quebra na progressão do texto.

“... sempre com aquele sorriso es- tampado no rosto, felizes com o / que estavam fazendo.”

Nos parágrafos seguintes, o relato continua e a aluna demonstra um olhar

mais contemplativo, apreciativo, que pode ser identificado, sobretudo, nas

expressões modalizadoras, como comprova-se no trecho seguinte:

“Me vi ali com elas fazendo / ginástica e sorrindo muito, pare- / ciam se divertirem e eu se não / estivesse escrevendo com certeza / estaria com elas, naquela brinca- / deira gostosa.

Queria continuar aquí nesse banco / de praça, a observar tudo, ouvindo / uma boa música, mas tenho que / voltar, meu tempo acabou.

Espero reve-las em outra oportu- / nidade pra gente jogar conversa fora. O importante é que consegui achar / o momento que eu estava procurando.”

O processo de referenciação anafórica é evidenciado no decorrer do texto

pela retomada dos seguintes termos:

Encontro na praça – “esse momento interessante” (1º parágrafo);

praça – (1º parágrafo);

colegas – elas (2º e 3º parágrafos); revê-las (6º parágrafo);

ginástica – brincadeira gostosa (3º parágrafo);

No quinto parágrafo, a referenciação catafórica ocorre por meio do uso do

marcador espacial “aqui” indicando não mais a praça, mas especificamente o “banco

da praça”.

“Queria continuar aquí nesse banco / de praça, a observar tudo, ouvindo / uma boa música, mas tenho que / voltar, meu tempo acabou.”

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Da mesma forma que no início, a aluna anuncia nos dois últimos parágrafos

o término do texto e da estadia na praça, através das expressões modalizadoras

“tenho que voltar...” (5º parágrafo); “Pra encerrar...” (último parágrafo).

O prazer em realizar a atividade fica evidente em toda a produção,

expressando assim uma avaliação positiva da aluna em relação ao momento

vivenciado. A escolha em se colocar no texto, a contínua inserção da aluna no

universo em que se deu a produção torna-se perceptível pelas escolhas linguísticas,

sobretudo dos verbos em primeira pessoa, comprovando o envolvimento emocional

com o seu objeto de análise: a praça.

5.1.5.2 Atividade de reescrita de Delta

Figura 33 - Atividade de reescrita de Delta

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Na versão reescrita, Delta não apresenta quase nenhuma alteração do texto,

a não ser pela reorganização dos parágrafos, antes oito e agora apenas cinco;

“ENCONTRO NA PRAÇA”

Cheguei aqui com a missão de / escrever qualquer cena que me / chamasse

a atenção e de cara / não posso deixar passar esse mo- / mento tão bom, colegas que não via a / tempos aqui se exercitando / com uma turma muito bacana. Gostei / de ver como elas são dedicadas pois / trabalham o dia inteiro e ainda acham / tempo e disposição para cuidarem do / corpo e da mente, sempre com aquele / sorriso estampado no rosto felizes com o que estavam fazendo.

Me vi ali com elas praticando gi- / nastica e sorrindo muito, curtindo uma musica animada e mandan- / do toda a tristeza, dores, mau hu- / mor e cansaço do dia a dia irem embora.

Queria continuar aqui nesse banco / de praça a observar tudo, ou como/ diria uma pessoa que conheci outro / dia “a escrevinhar” mas tenho que- /

voltar, meu tempo aqui acabou pre- / ciso agora melhorar minha estória. Espero reve-las em outra oportuni- / dade pra gente jogar conversa fora, o /

importante é que consegui cumprir a / minha missão e achar algo interes- / sante para escrever, adorei a esperiência / é muito bom me sentir quase uma “uma /escritora”.

Só não posso deixar de frizar o or- / gulho que sinto em ser “MULHER” e o/ porque é simples somos guerreiras, faze- / mos tudo, resolvemos qualquer problema, / cuidamos da família, cuidamos da casa, dos filhos, do marido, de nós / mesmas e ainda trabalhamos fora.

Esses são os motivos que me deixa/ orgulhosa e ainda sobra um tempinho / para fazer ginastica na praça.

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inversão de períodos no interior dos parágrafos; substituição de expressões ou

palavras por outras sinônimas e exaltação da mulher no último parágrafo.

No primeiro parágrafo, reúne as ideias contidas nos três primeiros

parágrafos da produção inicial, utilizando o advérbio “aqui” para situar o leitor em

relação ao lugar em que se encontrava. Ao decidir deslocar períodos e agrupar os

três parágrafos, a aluna suprimiu a frase “tive uma surpresa muito boa”, embora

afirmasse “de cara não posso deixar passar esse momento tão bom”, diminuindo o

impacto demonstrado anteriormente por esse encontro com o passado.

No segundo parágrafo, como nos demais, nenhuma intervenção significativa

é realizada, a exemplo do primeiro, a não ser as trocas de palavras ou expressões

por outras equivalentes e acréscimo de períodos, que enfatizam o estado de espírito

das mulheres cujos exercícios na praça serviam para “mandar toda a tristeza, dores,

mau humor e cansaço do dia a dia embora”, dando indícios de serem senhoras

maduras.

Desse modo, a intervenção mais significativa parece ser a reorganização

dos parágrafos. No final, a aluna acrescenta um parágrafo que demonstra o desejo

de enfatizar a figura feminina frente às inúmeras responsabilidades do cotidiano.

5.1.6 Análise das produções de Alya

5.1.6.1 Produção inicial de Alya

Figura 34 - Produção inicial de Alya

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

O nosso dia a dia

Vivemos em uma cidade bastante / agradavel, bem movimentada, cheia

de / eventos, festas e cada um dos seus / organizadores com seus afazeres. A noite costumamos sair para / nos divertimos um pouco, levando / as

crianças na praça para que / possamos nos distraimos, observa- / do com bastante atenção tudo que / acontece em nosso auredor.

O que mais nos chama atenção é / as aulas de educação física em que / a maioria dos alunos são de teceira / idade, mais com grande disposisão / e em primeiro lugar cuidado bem / a sua saúde, enquanto iso do outro / lado observamos casas, crianças brin- / cando e cada um se divertindo da / maneira que pode.

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119

O texto de Alya que está organizado em três parágrafos, não segue a

orientação inicial, que era obter na praça uma cena para elaboração do texto.

Diferentemente disso, inexplicavelmente, se refere a festividades, eventos que, de

fato não retratam a cidade.

No segundo parágrafo, a introdução feita com o modalizador temporal “à

noite” reforça a intenção de evidenciar a dinâmica noturna da cidade, citando a

praça como um espaço de lazer que se costuma frequentar. A aluna atribui às outras

pessoas também a tarefa que a trouxe até ali, afirmando ser esse um dos objetivos

dos transeuntes, o que demonstra certa dificuldade em encontrar a cena ideal para

criar a crônica:

“... para que possamos nos distrairmos, observa com bastante atenção tudo que acontece em nosso auredor.”

De modo geral, a sequência apresentada é predominantemente descritiva e

mantém dois focos: a cidade como um todo, no primeiro parágrafo, e a dinâmica da

praça no 2º e 3º parágrafos. Alya, portanto, limita-se a descrever os cenários

visualizados a partir das memórias ou do momento no qual se encontra.

A expressão catafórica “O que mais nos chama a atenção” foi usada para

anunciar um dos atrativos do lugar: “as aulas de educação física” com o público

idoso e introduz pela primeira vez o ponto de vista da escritora:

“... idade, mais com grande disposisão e em primeiro lugar cuidado bem / a sua ...”

A expressão dêitica temporal e de lugar “enquanto isso, do outro lado da rua”

anuncia o encerramento do texto, centrando-se mais uma vez no relato das

vivências na praça.

Na atividade de reescrita, a aluna apenas copiou, literalmente, o que tinha

sido produzido na versão inicial, sem fazer nenhum tipo de intervenção, mantendo

inclusive os mesmos desvios ortográficos, erros de concordância, distribuição de

parágrafos e ideias apresentadas, ou seja, não houve uma reflexão sobre o texto

elaborado.

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120

5.1.7 Análise da produção de Sirius

5.1.7.1 Produção inicial de Sirius

Figura 35 - Produção inicial de Sirius

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Diferentemente dos alunos, Sirius não participou da primeira oficina que

ocorreu na praça, segundo o próprio aluno por não estar preparado para escrever

um texto. Por isso, só depois de muita insistência, resolveu elaborar uma produção

sem, no entanto, partir da escolha de uma cena como sugerido à turma.

O texto “Nossa vida”, segundo Sirius uma forma de desabafo, expõe a

insatisfação diante da omissão de políticos e cidadãos frente ao cumprimento e

execução das leis. No início do texto, o modalizador “Há muito tempo” além de

sinalizar para a problemática que será abordada, reforça a insatisfação e resignação

expostas.

Assim como a aluna Beta, o aluno não observou a proposta para a produção

inicial, escrever a partir da observação da praça. Dessa forma, optou por abordar

uma problemática, a partir de sequência expositivo-argumentativa, embora não haja

argumento de autoridade para a discussão proposta, mas o ponto de vista de um

cidadão pautado no sentimento de indignação.

Apesar de, aparentemente, estar organizado em três blocos, o segundo

parágrafo dá continuidade à ideia abordada no período que “encerra” o primeiro

parágrafo, acontecendo o mesmo com o que seria o terceiro parágrafo,

demonstrando que o aluno não tem clareza nem segurança quanto à organização

das ideias no plano textual. Assim como Beta, apesar das orientações, Sirius teve

nossa Vida

Há muito Tempo nosso pais Perdeu o respeito a / vida. Quando digo nosso Pais / me Refiro Tantos aõ governante quanto / aõ cidadãos, Não todos claro, mais / uma parte que possui um grande / peso em nosso dia a dia. Mesmo sob todas as leis que nos/ regem e que não são compridas, alem / de Falta de bom senso e Racionalidade / para tantos. mais simples decisoes no que diz a / Respeito a nossa vida e sua pratica que / Teremos que Partir para a ultima / instancia a Pena de morte Para que / a cordarmos no choque essa pacela / da sociedade Ficam a sequer a minha sugestoes aõ Povo desse país.

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121

dificuldades em realizar a reescrita e apenas passou o texto a limpo, o que é

perfeitamente compreensível, considerando que, além de estar retornando à escola

depois de alguns anos sem estudar, nunca havia realizado uma atividade dessa

natureza.

5.2 ANÁLISE DAS PRODUÇÕES FINAIS CONTEMPLANDO OS ASPECTOS

GLOBAIS DA CONSTRUÇÃO

Antunes (2010, p.55) ressalta que “os textos são o campo natural para a

análise de todos os fenômenos da comunicação humana. Neles é que os aspectos

da produção, da recepção de nossas atuações verbais se tornam acessíveis à

observação”. A autora observa que o processo de análise de textos deve ser guiado

pela observação do todo que o constitui, dos aspectos que tornam possível sua

elaboração, devendo ser esse olhar, sobre o global, o ponto de partida e objetivo de

chegada que norteiem toda e qualquer análise.

A autora esclarece ainda que

essa abertura de possibilidades não implica que, metodologicamente, não escolhamos um recorte entre as questões analisáveis. O “tudo” que é possível ver em textos será desapontador e improdutivo se não for submetido a um determinado recorte em torno daqueles fenômenos a serem analisados e descritos. (ANTUNES, 2012, p. 55)

A orientação de Antunes (2010) vem acompanhada da observação de que

independe da amplitude da análise que se pretenda realizar e dos aspectos tomados

como elemento de estudo, o texto deve ser sempre o ponto de partida e de chegada

de modo a compreender, principalmente, o propósito comunicativo, as escolhas para

elaboração do texto, tendo em vista um determinado interlocutor, ou seja, a análise

deve ser realizada “sempre em função do sentido, da compreensão, da coerência,

da interpretabilidade do que é dito” (ANTUNES, 2010, p. 59).

Embora admita haver outras possibilidades de analisar a estrutura global de

uma produção textual, os elementos elencados pela autora são definidos como:

a) universo de referência – diz respeito às relações estabelecidas no interior

da produção, com o mundo real ou fictício, e o campo social-discursivo (científico,

didático, religioso, político, artístico, de divulgação, entretenimento, entre outros);

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122

b) unidade semântica – tema, tópico ou ideia central em torno da qual o texto

se desenvolve;

c) progressão do tema – capacidade de articular e ampliar as ideias de tal

modo a garantir o desenvolvimento do tema;

d) propósito comunicativo – corresponde compreender a que fim atende:

expor, explicar, convencer, persuadir, informar, relatar, entre outros;

e) esquemas de composição – como são elaborados os textos, que modelos

característicos apresentam, tendo em vista o tipo e o gênero textual;

f) relevância informativa – esse requisito diz respeito ao grau de novidade

que se consegue imprimir ao texto, considerando-se as situações

sociocomunicativas, as circunstâncias de circulação, conforme Antunes (2010).

g) relação com outros textos – diz respeito à presença de outros textos na

elaboração de novas ideias, seja de forma ampla, implícita, seja de forma explícita,

estabelecendo um diálogo mais direto através de alusões, remissões, paráfrases,

citações para atender a determinado propósito comunicativo.

Tendo em vista o objetivo de organizar e publicar uma coletânea com as

produções dos alunos ao término da aplicação da sequência didática, considerando

as inúmeras dificuldades demonstradas no processo de reescrita, em que alguns

dos alunos sequer conseguiu realizá-la, a produção final foi realizada com

intervenção da professora pesquisadora, de forma individual, levantando

questionamentos sobre as intenções enunciativas e a melhor forma de apresentar as

ideias, com a cooperação efetiva de cada discente.

Como as produções partiram da observação de um mesmo espaço, na

análise de alguns textos exploramos um pouco mais determinados elementos, por

exemplo, universo de referência, unidade semântica, progressão do tema, enquanto

em outros tecemos mais comentários sobre outros elementos como o propósito

comunicativo, a relevância informativa, intertextualidade, de modo a não sermos

redundantes nessa abordagem.

Ressaltamos ainda que alguns desses aspectos sugeridos por Antunes

(2010) não apareceram de forma tão expressiva nos textos analisados, como as

marcas de autoria e intertextualidade explícita, tendo em vista se tratar de escritores

iniciais e sem familiaridade com práticas dessa natureza. Isso aconteceu também,

por exemplo, em relação à relevância informativa que torna-se evidente pelo

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123

conjunto da obra, que é a materialização de práticas significativas de escrita por

jovens e adultos.

5.2.1 Produção final de Beta

Figura 36 - Produção final de Beta

Fonte: Arquivos da pesquisa ( 2015)

a) Universo de referência – o texto “Vitrine”, cujo título reflete as intervenções

realizadas pela aluna durante o processo de reescrita e reelaboração das versões

anteriores, traz elementos que dizem respeito ao mundo real, uma situação

envolvendo mãe e filhos e um objeto exposto na vitrine. Por se tratar de uma

crônica, o texto remete para o campo socialdiscursivo do jornalismo, embora a

pretensão principal seja colocar o texto em circulação com pessoas do próprio grupo

social da aluna, o que faz com que a linguagem utilizada seja simples e as escolhas

lexicais pertençam ao repertório construído no seu cotidiano.

b) Unidade semântica – o texto tem como tema uma vitrine, cujos objetos ali

expostos chamam a atenção de duas crianças, sendo que a guitarra torna-se o

centro do interesse delas, orientando a continuidade do texto.

c) Progressão do tema – o desenvolvimento do texto resulta da sequência de

fatos que tem como ponto de partida a loja de equipamentos eletrônicos e o desejo

do menino, impossível de ser realizado, uma vez que a loja estava fechada, pois era

Vitrine

Estava sentada no banco da / Praça. Em frente, havia uma / loja de equipamentos eletrônicos. / Pela calçada ia passando uma jovem / com seus dois filhos.

O menino parou e ficou olhando / os aparelhos a mãe não percebeu / que ele ficou para trás. logo que / sentiu sua falta voltou e chamou / o garoto:

_ Vamos filho, está tarde e eu / estou com sono, amanhã a gente / volta. O menino começou a chorar / porque queria uma guitarra. / a mãe

continuou insistindo para irem embora, mas ele não queria acordo. Nesse momento, a irmãzinha começou a chorar, pedindo também uma

guitarra. A mãe, com muita paciência, con- / venceu as crianças a irem embo- / ra

se comprometendo a voltar no dia seguinte. Assim, os irmãos foram para / casa chorando, sem conseguir / ganhar a

tão cobiçada guitarra. será que iria voltar mesmo ou apenas mentiu aquela história para

convencê-los a ir?

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noite: como reforça o fragmento: ”...está tarde e eu estou com sono, a manhã a

gente volta”. A sequência temporal das ações torna-se evidente no início e interior

dos parágrafos pelas formas verbais: Estava sentada (1º parágrafo); o menino

parou (2º parágrafo); o menino começou a chorar (3º parágrafo); a irmãzinha

começou a chorar (4º parágrafo); os irmãos começaram a chorar (5º parágrafo).

As marcas de tempo, além de serem expressas pelos verbos, também são

evidenciadas pelo uso de advérbios e locuções.

d) Propósito comunicativo – evidencia-se pelo próprio projeto em que está

inserido, a escrita de uma crônica a partir de observação na praça central, embora

houvesse a orientação para ir além dos que os olhos pudessem registrar, o texto

relata um acontecimento com base no que se visualizava: “estava sentada no banco

da praça”; “ia passando uma jovem com seus dois filhos”.

e) Esquemas de composição: tipo e gênero – o texto é do tipo narrativo e se

organiza em torno de fatos reais, do cotidiano que ocorrem próximo à praça (em

frente à vitrine de uma loja), com predominância de verbos no pretérito imperfeito.

Todos os personagens têm um significado expressivo para o desenvolvimento do

texto (mãe, crianças), cujos fatos situam-se em determinado espaço de tempo (o

momento em que o narrador estava sentado em um banco de praça). O narrador é

apenas um observador, apesar de fazer uma espécie de questionamento em relação

ao comportamento da mãe, emitindo um prejulgamento, fazendo uma denúncia

implícita de que muitas vezes as mães inventam histórias para convencer os filhos a

respeito de algo. Pertencente ao gênero crônica, o texto traz o relato de um fato

cotidiano e, embora a aluna não consiga demonstrar um estilo próprio, no final do

texto, vai além do relato de um acontecimento e convida o leitor para uma possível

reflexão: “será que a mãe iria voltar mesmo...”.

f) Relevância informativa – apesar de não ter um enredo que traga grandes

novidades ou surpresas, como em toda narrativa há uma necessidade mínima de ler

o texto completo para poder confirmar um desfecho, ainda que este pareça

previsível.

g) Relações com outros textos – O texto “Vitrine” apesar de não revela

intertextualidade explícita com outro texto específico, a ocorrência de

intertextualidade é percebida quando o narrador, que até então observava a cena,

insere-se no final do texto, levantando um questionamento em torno da veracidade

da proposta da mãe, indicando comportamentos típicos e recorrentes de mães que

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quando estão diante de situações conflituosas com crianças pequenas, mentem ou

as engana, por isso provoca o leitor: “será que ela vai voltar mesmo ou mentiu pra

ele?”

.

5.2.2 Produção final de Órios

Figura 37 - Produção final de Órios

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

a) Universo de referência – O texto de Órios remete à realidade psicológico-

afetiva do enunciador que imprime todo o saudosismo dos tempos da

infância e da juventude ao cenário da praça. O título aspeado que causa

certa estranheza, pois, não é comum o título de um texto receber esse

destaque, denota a intenção de evidenciar, chamar a atenção para a

carga significativa da palavra.

b) Unidade semântica – a elaboração da crônica se desenvolve em torno da

descrição das lembranças provocadas pela ida à praça que trouxe à

memória do escritor momentos especiais: da adolescência, do primeiro

namoro, das missas e inúmeros momentos de descontração.

c) Progressão do tema – o ponto de partida do texto é a chegada à praça.

No segundo parágrafo, faz-se a descrição do ambiente e das primeiras

lembranças, as quais vão reconstituindo o fio condutor. Dois momentos

marcam os parágrafos seguintes: no terceiro, um mergulho no passado

A Praça

Hoje fui a praça do Centro de Currais Novos, / cidade onde moro desde os cinco anos.

Chegando lá dei algumas voltas, depois sentei em / um do bancos, fiquei olhando fixamente para todos / os lados. Logo vieram boas lembranças, como / da adolescência; na Praça comecei o primeiros na- / moros.

Lembrei também que quando muito jovem / ia quase todos os domingos aquele lugar e me / divertia bastante após as missas. Porém, hoje vejo / tão poucas pessoas no centro da cidade e doi fico / pensando como seria bom se a maioria das pessoas / pudessem encontra-se com mais freque- / cia na praça.

Depois de tanto tempo foi ótimo poder sentar / no banco da praça e imaginar os muitos momen- / tos ali vividos. Ao mesmo tempo, não posso / deixar de lamentar que a grande maioria dos / jovens não tenham mais tanto interesse nem / tempo de ir a praça, momentos maravilhosos / que o tempo jamais poderá apagar eles, não teram chance de registrar.

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(lembrei que quando muito jovem...); no quarto parágrafo, o retorno à

realidade e a constatação das mudanças no comportamento dos

principais frequentadores da praça (... não posso deixar de lamentar que

a grande maioria dos jovens não tenham tempo...).

d) Propósito comunicativo – a relação entre presente e passado dá a tônica

da produção, esclarecendo quanto à escolha do aluno na breve

descrição que faz do cenário da praça: possibilitar uma reflexão a partir

da comparação entre as saudosas memórias e a dinâmica do presente.

e) Esquema de composição: tipo e gênero – a crônica predominante

narrativa, traz em sua construção outros elementos característicos do

gênero como: cena do cotidiano para construção da sequência, uso de

verbos de ação e modalizadores espaciais para desenvolvimento do

tema.

f) Relevância informativa – não são apresentadas grandes novidades no

decorrer da narrativa, porém, o leitor poderá ser atraído pelo saudosismo

que o texto traz, estabelecendo uma conexão com as próprias memórias,

pelo menos na parte inicial da produção, apesar de ao longo dos

parágrafos o aluno não conseguir se desprender da situação visualizada

e desenvolver marcas de autoria, o que poderá causar certo desinteresse

no leitor.

g) Relações com outros textos – a intertextualidade que ocorre é de ordem

geral, em que nossas produções estão sempre dialogando com outros

textos.

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5.2.3 Produção final de Wei

Figura 38 - Produção final de Wei

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

a) Universo de referência – a produção remete ao mundo real e, mesmo

apresentando sequência muito curta, se materializa em torno de um fato

que aconteceu em determinado espaço, apresentando personagens –

filha e mãe – e um ligeiro conflito: a resistência da criança em ir para

casa. No final da exposição, o narrador insere-se no texto, retomando

uma cena da infância, inserindo um rápido diálogo com sua mãe, de

forma inusitada e interessante.

b) Unidade semântica – o texto se desenvolve em torno das brincadeiras de

criança como em outras produções, e acaba trazendo à tona lembranças

da infância do aluno, nesse caso, sem lamentações, pois o narrador

observador até se divertia visualizando a cena.

c) Progressão do tema – o tema avança à medida que vão sendo dados os

detalhes da brincadeira, a resistência das crianças em ir embora e a

inusitada lembrança do passado.

d) Propósito comunicativo – além do principal propósito, atender a

orientação didática para o processo de produção, essa reelaboração tem

como preocupação envolver minimamente o leitor, tendo em vista que

fará parte de uma coletânea.

e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – há uma sequência

narrativa, perceptível a partir do uso de verbos que demarcam as ações

(fui, presenciei, lembrei) com episódios de descrição que podem ser

atestados, entre outros fatores, pelo uso do imperfeito do indicativo

Naquele dia em que fui à praça / fiquei surpreso com a cena que presenciei/ e ao mesmo tempo lembrei da minha infância. criança brincavam, correndo de / um lado para O outro, mexiam com / areia e ficavam empurravam umas às / outras, tudo na maior algazarra, Elas se divertiam, tanto que nem / percebiam suas mãe, chamando para / ir embora. Lembrei da minha / mãe fazendo a mesma coisa. _ Ei, mínimo, venha sembora pra casa! _ Já vou, mãe. Respondia e fazia carreira pra casa.

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(brincavam, mexiam, empurravam, divertiam, percebiam) e se insere no

gênero crônica, pelas razões já evidenciadas em outras análises como

temática voltada para o cotidiano das pessoas.

f) Relevância informativa – as relações estabelecidas entre a cena e a

infância do narrador podem ser um fator de relevância para os possíveis

leitores.

g) Relações com outros textos – insere-se no plano da intertextualidade

ampla que, segundo Antunes (2010), está inserida em qualquer ação de

linguagem.

5.2.4 Produção final de Ain

Figura 39 - Produção final de Ain

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

a) Universo de referência – a crônica de Ain tem como elemento referencial

a cena de pai e filhos em um momento de lazer e descontração.

b) Unidade semântica – o tema se desenvolve a partir da descrição da

brincadeira entre duas crianças, o que desencadeia toda a narrativa.

c) Progressão do tema – após a introdução do texto, o tema avança com o

momento em que, longe dos olhos do pai, as crianças se distraem o que

Um Acontecido na Praça

No dia 15/09/14, logo que cheguei na / praça parei e observei um pai e

duas / crianças que estavam brincando com / a bola. Pouco tempo depois o pai saiu para /

comprar um lanche e as crianças com- / tinuam brincando. De repente Paulinho correu para / pegar a bola, que tinha parar no / parar

do outro lado da rua. Sua irmã ficou apavorada e gritou: – Paulinho, olhe o carro!

O menino se assustou com o carro,/ que quase / o atropelou. Começou a chorar / e chamar pelo pai aos prantos:

O pai não sabendo de nada que / aconteceu ao encontrar Marília e Paulinho chorando, nervoso perguntou:

_ O que aconteceu? A menina respondeu ainda ofegante: _ O carro quase atropelou Paulinho.

_ O pai muito abalado ainda sem / acreditar no que tinha acontecido,/ pegou as crianças e voltou para casa..

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vai gerar todo o conflito que a narrativa envolve, a partir do qual terá

continuidade.

d) Propósito comunicativo – o relato de um fato configura o principal

propósito comunicativo dessa produção.

e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – composição do gênero

crônica, organizada, sobretudo, em torno de uma sequência narrativa,

situando um fato em determinado tempo (dia 15/09/2014), espaço

(praça), personagens (pai, Paulinho e Marília) conflito (corrida para pegar

a bola no meio da rua), clímax (quase atropelamento) e desfecho (fim

antecipado do programa entre pai e filhos; retorno para casa). Os verbos

de ação no pretérito perfeito são outra materialização do tipo textual.

f) Relevância informativa – a exemplo das produções anteriores,

novamente a relevância dessa crônica não se enquadra, a priori, na

propriedade estabelecida por Antunes (2010, p. 46) segundo a qual “a

relevância informativa do texto tem a ver com sua maior ou menor

novidade, seja ela expressa pela forma, seja ela expressa pelo

conteúdo”, mas, considerando-se as condições de produção, torna-se

relevante pelo projeto inicial da atividade escritora.

g) Relações com outros textos – pela questão da falta de proficiência, não

há relação imediata com outros textos, embora isso esteja previsto no

plano de elaboração, levando-se em consideração as leituras realizadas

de crônicas diversas.

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5.2.5 Produção final de Delta

Figura 40 - Produção final de Delta

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

a) Universo de referência – o referencial para a construção desse texto é

um momento feliz, segundo a aluna inserida no contexto da praça,

portanto do mundo real que resultou de uma “missão” como atesta no

início do texto: “Cheguei aqui com a missão de escrever sobre qualquer

cena”. A linguagem utilizada é simples e os destinatários imediatos são

pessoas do círculo de convivência do próprio narrador.

b) Unidade semântica – o tema para a produção é uma aula de ginástica,

que chama a atenção do narrador pelas pessoas envolvidas e o

entusiasmo que demonstram.

c) Progressão do tema – tendo como ponto de partida a “missão” recebida,

a descrição da cena, do perfil das pessoas envolvidas e do sentimento

que provoca na narradora, vão encadeando as ideias e o avanço do

tema.

d) Propósito comunicativo – o texto tem o propósito de narrar e descrever

uma cena e, ao mesmo tempo, chamar a atenção do leitor para

valorização dos momentos simples.

e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – o texto é elaborado

com trechos narrativos, especialmente nos dois primeiros parágrafos,

“ENCONTRO NA PRAÇA”

Cheguei aqui com a missão de es- / crever sobre qualquer cena que me

cha- / masse a atenção e de cara não pu- / de deixar passar esse momento tão / feliz: colegas que não via há tempos estavam aqui na minha frente, se exercitando com uma turma que parecia muito bacana.

Gostei de ver como elas são dedica- / das, pois trabalham o dia inteiro e / ainda acham tempo e disposição para cuidar do corpo e da mente, sempre / com aquele sorriso estampado no rosto, / felizes com o que estavam fazendo.

Me vi alí com elas praticando ginás- / tica, sorrindo muito, curtindo uma / música animada e mandando toda / a tristeza, dores, mau humor e cansaço / do dia a dia embora.

Queria continuar nesse banco / de praça a observar tudo, ou como diria / o escritor e jornalista “GERSON LUIZ” que conheci outro dia, / “a escrevinhar”, mas tenho que voltar, meu / tempo acabou, preciso agora melhorar minha / estória.

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131

que podem ser comprovados pelo uso dos tempos verbais seguido de

trechos descritivos em que o narrador emite opinião sobre o

comportamento dos personagens envolvidos.

f) Relevância informativa – levando-se em conta a situação sociodiscursiva,

a produção torna-se relevante pela possibilidade de despertar o olhar do

leitor para os espaços de convivência, muitas vezes esquecidos pela

dinâmica dos tempos atuais.

g) Relações com outros textos – Irandé (2010, p. 77) adverte que “a

intertextualidade está intrinsecamente presente em cada evento de

linguagem” por isso, mesmo implicitamente esse texto se relaciona de

alguma forma com outros textos a que a aluna teve acesso durante os

momentos leitores de crônicas que traziam reflexões sobre a importância

das coisas simples como em “A última crônica” de Fernando Sabino.

5.2.6 Produção final de Alya

Figura 41 - Produção final de Alya

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

a) Universo de referência – a definição referencial de Alya faz parte do

mundo real, ao apresentar a cidade como um local agradável para viver,

cuja praça é utilizada como espaço de lazer e de diversão que revela a

dinâmica de uma cidade pequena, tornando-se o ponto de encontro.

Dessa forma, Alya argumenta para convencer o leitor da assertiva. Pelas

mesmas razões citadas em análises anteriores, apresenta uma

O desejo de ser feliz

Vivemos em uma cidade bastante agradável. / À noite, as pessoas

costumam sair para / se divertir, levando as crianças para a / praça e aproveitando para se / distrair um pouco. E assim, enquanto algumas / passeam, outras simplismente observam / o que acontece ao redor.

As aulas de educação física são uma / outra opção de diversão, principalmente / para o pessoal da terceira idade que, / com muita disposição aproveita para / cuidar da saúde.

Quando a música toca nem parece / que sentem dores ou que tem qualquer / outra preocupação, a não ser aproveitar / o momento e tentar entrar no ritmo / da música. Naquele instante, o que / importa é somente o desejo de ser feliz.

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132

linguagem simples, característica do meio social em que a aluna está

inserida, tendo como públicos-alvo familiares, amigos e comunidade

escolar.

b) Unidade semântica –, apesar de a autora intitular a produção como “O

desejo de ser feliz”, o tema é a cidade e o seu atrativo principal: a praça.

c) Progressão do tema – o desenvolvimento do texto parte do cenário de

satisfação que se delineia especialmente na aula de educação física

vivenciada pelos idosos, um indicativo da busca pela felicidade, ilustrada

com a presença das crianças e transeuntes que procuram aquele lugar

com esse mesmo objetivo, deduz o narrador: encontrar na praça

momentos de descontração, alegria e bem-estar.

d) Propósito comunicativo – apresentar os elementos que fazem com que a

cidade seja um local agradável, bom de viver, a partir da descrição da

praça como um espaço de entretenimento.

e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – a tipologia do texto é

predominantemente descritiva, em que os objetos de referência, segundo

Antunes (2010, p. 74), “apresentam-se parados, estáticos, sem remissão

a uma progressão temporal, a uma mudança de tempo” o que justifica as

escolhas de verbos no presente ou no perfeito do indicativo, como é

possível identificar desde o primeiro parágrafo: “Vivemos em uma

cidade...”; como também no início do segundo e terceiro parágrafos, além

das ocorrências no interior do texto: “As de educação física são uma

outra...”; “Quando a música toca...”.

Em relação ao gênero, traz também as características da crônica, o que

se deduz com a escolha da temática, uma cena do cotidiano. O narrador

um mero espectador, avalia de modo geral o comportamento das

pessoas e, no final do texto, chega à conclusão que a busca pela

felicidade é o elemento motivador para a presença delas na praça.

f) Relevância informativa – Antunes (2010) lembra que o status de bom

texto deve ser conferido a uma produção tendo em vista que o grau de

informatividade que possa proporcionar, considerando as circunstâncias

em que a produção irá circular. Diante do exposto, levando-se em conta

o projeto no qual se insere, o contexto de circulação, através desse texto,

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133

as pessoas poderão refletir sobre o lugar onde moram, a importância de

valorizá-lo, e sobre o sentido da felicidade. .

g) Relações com outros textos – embora não traga marcas diretas de

intertextualidade, é provável que a produção da aluna mantenha relações

com crônicas lidas nos momentos promovidos em sala de aula.

5.2.7 Produção final de Sirius

Figura 42 - Produção final de Sirius

Fonte: Arquivos da pesquisa (2015)

Apesar de essa produção não resultar do processo de reescrita dos textos

anteriores de Órion, o grau de importância dentro da intervenção no que diz respeito

aos impactos causados nas práticas de escrita está no fato da disposição em tentar

escrever uma crônica seguindo as orientações iniciais, tendo em vista que desde o

início o aluno se recusara a vivenciar a experiência utilizar a praça como cenário

para sua prática escritora. Ao mesmo tempo, reforça a enorme dificuldade

demonstrada no processo de reescrita em que não conseguiu fazer nenhuma

intervenção sobre a primeira produção, limitando-se à copiá-la durante a proposta de

reescrita.

a) Universo de referência – como os demais textos analisados, o texto tem

como unidade de referência um elemento que traz marcas do psicológico

boas Recordações

Era noite de domingo. cheguei / à praça Aproniano Pereira, do bairro / Paizinho Maria, onde há muito tempo / não vinha, mas todos os dias passo / rapidamente em frente, quando vou ou venho de / algum lugar, mas naquela noite / Apresentava um clima muito / agradável e sentei em um banco para / observar momente e as pessoas que / ali se encontravam e avistei varias / crianças brincando tão inocentente / com um sorriso estampado no rosto. / a alegria que contagiava todos aõ / redor. Comecei a imaginar o quanto que / já brinquei com meus amigos / na naquele lugar Frequentemente. / brincadeira que hoje as crianças não / brincam mais, são lembranças boas / de um tempo maravilhoso da minha / inFância que recordei naquele /momento. nas que são aPenas / lembranças que Ficaram no / Passado. Pois hoje a realidade de / é outra. São raro momento / que você ver uma criancia / brincar com segurança.

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134

afetivo, o saudosismo dos tempos de criança em que a praça era o

principal espaço das brincadeiras, demonstrando ainda o distanciamento

que o tempo provocara entre o narrador e aquele espaço de

entretenimento, embora afirme: “todos os dias passo rapidamente

quando vou ou venho de algum lugar”. Pertence ao domínio do

jornalismo, é uma crônica e, como as demais, escrita em linguagem

simples devido ao próprio conhecimento enciclopédico e linguístico do

aluno.

b) Unidade semântica – o texto se organiza em torno da descrição da

dinâmica da praça, pessoas circulando, crianças brincando, o que leva o

narrador a estabelecer uma comparação das brincadeiras do passado,

ao ar livre, e a frequência com que são realizadas atualmente pelas

crianças, atribuindo essa impossibilidade, ainda que de forma discreta, a

questões ligadas à segurança.

c) Progressão do tema – o encadeamento de ações a partir de marcadores

temporais acionados desde a chegada à praça garante a progressão do

tema: “Era noite de domingo...”; “quando cheguei à praça...” e continua

sendo ampliado com a descrição das ações do narrador em relação ao

cenário que se delineava: sentar no banco, avistar crianças, comparação

das cenas atuais com vivências do passado, momento em que assume

uma atitude saudosista, reflexiva, até o fechamento do texto.

d) Propósito comunicativo – como Antunes (2010) reforça ao descrever

esse critério, nenhum texto acontece desprovido de objetivo,

independente do gênero, do autor, se é principiante ou um escritor

proficiente, há sempre uma intenção, que nesse caso se aproxima do

relato de uma cena, comparando-a com situações do passado, fazendo

uma possível avaliação das circunstâncias atuais.

e) Esquema de composição do texto: tipo e gênero – a materialização das

ideias se dá de forma híbrida, com trechos descritivos (“era noite...”;

“...apresentava um clima agradável...”) alternados por sequências

narrativas (“...cheguei a praça...”; “...sentei em banco...”; “...avistei várias

pessoas...”). O gênero crônica se torna evidente pela elaboração do texto

em torno de questões do cotidiano.

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f) Relevância informativa – o texto “Boas recordações” torna-se relevante

por permitir ao leitor um encontro com o passado, refletindo sobre a

dinâmica dos dias atuais e a importância de retomar alguns hábitos que

possibilitam momentos agradáveis, embora sejam comuns, simples.

g) Relações com outros textos – o texto não recupera ou faz menção

imediata a outras produções, mas pode-se afirmar que sofre influência de

várias leituras de crônicas realizadas em sala de aula, a partir das quais

foram mobilizados conhecimentos que permitiram essa elaboração.

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136

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação ou ação cultural para a libertação, em lugar de ser aquela alienante transferência de conhecimento, é o autêntico ato de conhecer, em que os educandos – também educadores – como consciências “intencionadas” ao mundo ou como corpos conscientes, se inserem com os educadores – educandos também – na busca de novos conhecimentos, como consequência do ato de conhecer o conhecimento existente. (FREIRE, 2006, p. 117)

Aprender a ler e escrever compreende um ato de cidadania em que homens

e mulheres consolidam sua compreensão de mundo e passam a dizê-lo a partir do

uso crítico e reflexivo da linguagem, assegura Freire (2006), de modo que “dizer a

palavra, em um sentido verdadeiro, é o direito de expressar-se e expressar o mundo,

de criar, de decidir, de optar.” (FREIRE, 2006, p.59). Entretanto, o processo de

exclusão a que o aluno muitas vezes é submetido retira-lhe esse direito e ao retornar

à escola, não se sente usuário da palavra por direito, mas por dever, para atender

comandos, responder e fornecer respostas que satisfaçam as expectativas de

ensino-aprendizagem da escola.

Nesse contexto, a aplicação da sequência didática foi marcada por

momentos de intensa reflexão, um conjunto de sentimentos contraditórios que

consolidavam as vivências escritoras dos alunos, na medida em que as oficinas de

produção textual e de reescrita iam acontecendo. Não é exagero afirmar que tudo

naquela forma de aprender a elaborar o texto era diferente para os alunos, o que

acabava tornando o desafio ainda maior.

Desde a apresentação da sequência, estabelecemos um diálogo em torno

da tarefa de escrever e vários depoimentos atestavam as principais dificuldades.

Nessas conversas, um dos alunos confessou que, por medo de errar, tinha vergonha

de falar e de registrar por escrito os pontos tratados durante as reuniões da empresa

onde trabalhava o que fez com que sentisse necessidade de estudar e aprender a

escrever, outra dizia que as ideias estavam todas na cabeça, mas não conseguia

registrá-las adequadamente.

Assim um quadro de dúvidas e inseguranças pairava no ar, como uma

sombra que não queria se dissipar, por isso, propor práticas de escrita causou muita

inquietação e receio à turma. Dessa forma, a proposta da oficina de produção em

que os alunos se deslocaram para uma praça da cidade e tiveram a oportunidade de

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137

elaborar textos a partir de situações reais, tornando a tarefa menos abstrata,

evidenciou o primeiro impacto da intervenção. A experiência permitiu ainda um

retorno ao passado, pois, apesar de haver outras praças na cidade, os alunos

escolheram a que costumavam frequentar nos finais de semana quando eram mais

jovens o que, pelos depoimentos, já não faziam com a mesma ou quase nenhuma

frequência. Esse saudosismo foi retratado em grande parte das produções.

O fato de os alunos saberem que haveria um produto final, a publicação dos

textos produzidos, alcançando assim outros leitores, deixou-os motivados, de modo

a enfrentar seus medos e participar de diversas práticas de escrita. A elevação da

autoestima, de acordo com a andragogia, é um dos grandes motivadores para o

processo de ensino aprendizagem. Isso pôde ser observado no texto de uma aluna

que afirmava “me sinto quase escritora”.

Durante a aplicação dos módulos, surgiram algumas dificuldades que

acabaram proporcionando um dinamismo diferente do que fora planejado. Um

desses fatores era a frequência irregular dos alunos, que obrigava a retomada

frequente de atividades além do prazo estabelecido. Outro aspecto era a falta de

tempo dos alunos para realizar algumas propostas de atividades em casa, por isso,

todo o processo de escrita, reescrita e revisão ou tarefa de qualquer outra natureza

tinha de ser feita em sala de aula.

Essas instabilidades, aliadas a fatores de readequação de calendário

escolar, como suspensão de aulas e antecipação do término de ano letivo, fizeram

com que houvesse inúmeros momentos de tensão e incertezas e que a pesquisa

transcorresse num misto de apreensão e incertezas quanto aos possíveis

resultados.

De igual modo, não era fácil assumir o papel de pesquisadora na própria

sala de aula devido à necessidade de cumprimento do currículo e ao mesmo tempo

de gerar dados a partir de um olhar investigativo sobre a própria prática, tarefa que

às vezes se tornava confusa, quase inconciliável. Entretanto, continuava convicta da

necessidade de instigar e orientar os alunos a trilhar novos caminhos para um

aprendizado em que pudessem ser coautores e, ao mesmo tempo, perceber a

escrita como realização do cotidiano e, por isso, uma prática social.

Apesar desses percalços, o desenvolvimento dos módulos com vistas à

vivência de escritas individuais e coletivas permitiu que os alunos desenvolvessem a

prática de voltar aos textos para avaliar a organização das ideias, refletir e intervir

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nas próprias produções, a partir dos processos de reescrita e revisão. A abertura

para o diálogo, embora de forma tímida, se consolidou em cada roda de leitura e de

conversa realizada e o discurso do “sou muito ruim de escrever” foi amenizado e

substituído por “antes eu não conseguia, hoje estou melhor”, “antes eu tinha mais

dificuldade de falar, agora, melhorei um pouco”. Na fala dos alunos, tornou-se

perceptível um processo de mudança lenta, porém contínua.

No início da intervenção, alguns discentes cogitaram desistir da disciplina

por não se acharem capazes de produzir um texto, atitude seguida de reclamações e

lamentações, embora não se recusassem a realizar as propostas de produção. Ao

término da intervenção, as atividades de escrita já eram realizadas com

naturalidade, embora demonstrassem medo e vergonha de errar, de não conseguir

pontuar adequadamente, enfim, insegurança diante do desafio da escrita.

Dois momentos foram extremamente significativos nessa trajetória: a oficina

na praça, em que os alunos deram significado à escrita, não pelo fato de estarem na

praça, mas por ter a oportunidade de escrever a partir de um projeto que envolvia

práticas situadas, permitindo-lhes refletir sobre as funções e usos da língua. A outra

atividade foi a realização de uma roda de conversa com jornalista e escritor local,

cujo contato motivou ainda mais os alunos e culminou em uma produção coletiva

para publicação na revista coordenada pelo entrevistado, demonstrando o efeito da

atividade prática para dar visibilidade à função social da escrita.

Durante o processo de produção, reescrita e elaboração versão final das

produções coletivas e individuais, se estabeleceu um diálogo contínuo para que os

alunos pudessem refletir sobre a elaboração e reelaboração de seus textos, de

modo a enxergar a escrita na perspectiva processual.

Antunes (2009) lembra que, a construção das habilidades leitoras e

escritoras é um processo que se consolida por essa tomada de consciência de cada

indivíduo “que pode assumir a condição de interlocutor, com autoria e poder de

participação” e, assim agir com mais autonomia, nos diversos mundos em que a

linguagem se faz presente.

Essa trajetória revela que os impactos das práticas de letramentos se

evidenciaram de várias formas: na primeira produção, em que motivados pelo

cenário externo que a atividade, a princípio, aconteceria, os alunos escreviam sem

maiores lamentações como ocorria em outros momentos que antecederam a

pesquisa. Na elaboração coletiva de textos significativos como o ofício à Secretaria

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Municipal de Ensino requerendo o ônibus escolar, o convite para o jornalista e a

elaboração da crônica coletiva para a revista.

Os impactos das práticas de letramento se fizeram notar ainda na produção

coletiva de uma crônica publicada no facebook da escola e em outras situações

após o encerramento da pesquisa, que requeriam a prática da escrita, como a

elaboração de um documento solicitando à direção da escola um professor para a

disciplina de matemática, ou seja, os alunos compreenderam a função social da

escrita, e que cada situação requer a utilização de um gênero, daí a importância em

estudar e compreender os diversos gêneros.

Quanto às implicações do uso de sequência didática, sua aplicação permitiu

que os alunos participassem mais ativamente do desenvolvimento dos módulos,

visto que requeria um compromisso constante da turma, embora tenhamos utilizado

mais tempo que o previsto inicialmente, devido às dificuldades apresentadas pela

turma, principalmente, no cumprimento de atividades extraescolares.

Ao mesmo tempo, a sequência didática se revelou dinâmica, de modo que

um determinado módulo funcionava como motivador para elaboração de módulos

seguintes. A roda de conversas com o jornalista e escritor é um exemplo desse

dinamismo impresso pelo uso da sequência didática em que, a partir da estratégia

de leitura de crônicas publicadas em uma revista de circulação local, surgiu a ideia

para realização do evento.

O gênero crônica, por sua vez, se mostrou um elemento facilitador desde as

primeiras práticas, pois como costumava falar para os alunos, tudo pode acabar em

crônica, e assim surgiram inúmeras situações para exploração desse gênero, como

a organização de um caderno volante, como estratégia de escrita, além das demais

situações descritas nos módulos.

Embora o alvo da pesquisa tenha sido as práticas escritoras dos alunos, e

agora abro uma exceção para falar em primeira pessoa, inquieta-me omitir os

impactos dessa intervenção sobre minha prática pedagógica e o olhar em torno do

aprendizado do aluno, cujo rigor e as questões em torno do ensino da EJA me

impediram, por muitas vezes, de enxergar suas habilidades e os possíveis caminhos

para criar situações de ensino em que o aluno pudesse ampliar seu conhecimento,

desempenhando um protagonismo nesse processo.

Faltava-me ainda o olhar de pesquisadora para tratar com mais

profundidade as questões acerca do trabalho com o texto, com vistas ao

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aprendizado da língua, pautado em práticas situadas que tornem o sujeito ciente do

papel de agente, que pode e deve exercer sobre o próprio aprendizado. Com esse

olhar aprimorado, tenho certeza de que as inúmeras situações desafiadoras servirão

para a busca de práticas que sejam capazes de tornar essas situações superáveis,

de modo que a aprendizagem seja cada vez menos abstrata para alunos, em

especial para o público da EJA.

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APÊNDICES

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APÊNDICE 1

FICHA DE ENTREVISTA

CURRAIS NOVOS, _______/________/________

DADOS PESSOAIS:

Nome completo: _____________________________________________________

Data de nascimento: ____/_____/____ Naturalidade: _______________________

Endereço: ___________________________________________________________

Bairro: _________________________________ Fone: ___________________

Estado civil: ( ) solteiro ( ) casado

QUESTIONÁRIO

Você tem filhos? Quantos? _________________________

Incluindo você, quantas pessoas moram na sua casa? _________________

Sua casa é: própria ( ) alugada ( ) cedida ( )

Profissão: ____________________

Em que trabalha atualmente? _______________________

Você trabalha de: ( ) carteira assinada ( ) sem carteira assinada

( ) é profissional liberal ( ) não trabalha

Em média, qual a sua renda mensal? ________________________________

Quantas pessoas trabalham na sua casa, incluindo você? _________________

Você ou alguém que mora na sua casa participa de algum programa do governo

federal? Qual?

_______________________________________________________________

Em relação à escola:

Você já passou algum tempo afastado da escola? Quanto tempo foi? Por que isso

aconteceu?__________________________________________________________

___________________________________________________________________

Há quanto tempo você estuda na modalidade de educação de jovens e adultos?

___________________________________________________________________

Sobre a disciplina de Língua Portuguesa:

O que imagina estudar na disciplina? _____________________________________

___________________________________________________________________

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147

O que espera aprender?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Qual a utilidade da língua portuguesa para a sua vida?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

O que mais gosta de estudar em Português? Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

O que mais tem dificuldade de aprender em Português? Por quê?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

Sobre a leitura e a escrita:

O que você pensa sobre o hábito de ler e escrever? Justifique sua resposta.

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

O que você costuma ler, seja em casa, na escola ou no trabalho, ou em outros

ambientes?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

O que você costuma escrever, seja em casa, na escola ou no trabalho, ou em outros

ambientes?

___________________________________________________________________

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148

APÊNDICE 2

TERMO DE AUTORIZAÇÃO

Declaro para os devidos fins que se fizerem necessários que eu,

__________________________________________________________________,

portador da identidade de n° ________________ autorizo a publicação de fotos,

vídeos ou gravações, para fins acadêmicos, gerados durante a aplicação de

sequência didática para o ensino do gênero crônica, nas aulas de Língua

Portuguesa da professora Francisca Aldenora Moreno Fernandes.

____________________________________________________________

Ciente

Currais Novos, ______/______/______.

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APÊNDICE 3

Revisando a produção textual: elementos da narrativa

1) O texto foi narrado em qual pessoa do discurso: 1ª ou 3ª?

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2) Qual o título de seu texto? Por que você escolheu esse título?

___________________________________________________________________

3) Sua história tem personagens? Quais são?

___________________________________________________________________

4) Se na sua história há personagens, elas dialogam entre si?

___________________________________________________________________

5) Em que pessoa do discurso sua produção textual foi escrita: 1ª (você participa da

história) ou 3ª (apenas narra a história, sem nenhuma participação). Transcreva do

texto uma passagem que confirme isto.

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___________________________________________________________________

6) A crônica surge a partir da observação de um fato do cotidiano. Qual fato lhe

motivou a escrever sua crônica?

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7) O seu texto se encontra no discurso direto ou indireto?

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APÊNDICE 4

Como todo texto, a crônica é feita para alguém ler, por isso, o escritor procura

escrever um texto atrativo. Com essa mesma preocupação, considerando ainda as

principais características do gênero crônica, leia novamente a sua produção e faça a

versão final. Lembre-se que seu texto será publicado e encontrará vários leitores.

Que tal conquistá-los com uma boa história?

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ANEXOS

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ANEXO 1 – CRÔNICA COLETIVA PUBLICADA EM REVISTA

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ANEXO 2 – CAPA DO LIVRO

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ANEXO 3 - TEXTOS PARA COLETÂNEA

Vitrine

Estava sentada no banco da praça. Em frente, havia uma loja de

equipamentos eletrônicos. Pela calçada ia passando uma jovem com seus dois

filhos. O menino parou e ficou olhando os aparelhos e a mãe não percebeu que ele

ficou para trás. Logo que sentiu sua falta voltou e chamou o garoto:

- Vamos, filho, está tarde e eu estou com sono, amanhã a gente volta.

O menino começou a chorar porque queria uma guitarra. A mãe continuou insistindo

para irem embora, mas ele não queria acordo. Nesse momento, sua irmãzinha

começou a chorar, pedindo também uma guitarra.

Com muita paciência, a mãe convenceu as crianças, se comprometendo a voltar no

dia seguinte. Assim, mesmo chorando, os irmãos foram para casa sem conseguir a

tão cobiçada guitarra.

Será que iria voltar mesmo ou apenas inventou aquela história para convencê-los a

ir?

Brincadeiras de criança

Naquele dia em que fui à praça, fiquei surpreso com a cena que presenciei.

Ao mesmo tempo lembrei de minha infância. Crianças brincavam, correndo

de um lado para o outro, mexiam com areia e ficavam empurrando umas às

outras. Tudo na maior algazarra.

Elas se divertiam tanto que nem percebiam suas mães chamando para ir

embora. Lembrei de minha mãe fazendo a mesma coisa no terreiro lá de

casa:

- Ei, menino, venha simbora!

- Já vou mãe – respondia esbaforido e fazia carrêra pra casa.

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Boas recordações

Era noite de domingo. Cheguei à praça Aproniano Pereira, bairro Paizinho

Maria, onde há muito tempo não vinha, apesar de todos os dias passar rapidamente

em frente, quando estou indo ou voltando de algum lugar.

Naquela noite, o clima estava muito agradável e resolvi sentar em um banco

para observar o movimento e as pessoas que ali se encontravam e vi várias crianças

brincando inocentemente, com um sorriso estampado no rosto. Uma alegria que

contagiava todos que estavam ao seu redor.

Comecei a imaginar o quanto já havia brincado com meus amigos naquele

lugar. Brincadeiras que as crianças de hoje, geralmente, não brincam. Lembranças

boas de um tempo maravilhoso da minha infância que recordei, naquele momento.

Na verdade, são apenas lembranças. Hoje a realidade é outra e são raros os

momentos em que você ver uma criança brincar com segurança.

Desejo de ser feliz

Vivemos em uma cidade bastante agradável. À noite, as pessoas

costumam sair para se divertir, levando as crianças para a praça e

aproveitando para se distrair um pouco. E assim, enquanto algumas

passeiam, outras simplesmente observam o que acontece ao redor.

Na praça, as aulas de educação física são outra opção de diversão,

principalmente para o pessoal da terceira idade que com muita disposição

aproveita para cuidar da saúde.

Quando a música toca e os idos começam a se movimentar, nem

parece que sente dores ou que têm qualquer outra preocupação a não ser

aproveitar o momento e tentar entrar no ritmo da música.

Naquele instante, o que importa é somente o desejo de ser feliz.

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Em família

No dia quinze de setembro de dois mil e catorze, logo que cheguei na praça parei e

observei um pai e duas crianças brincando com uma bola. Pouco tempo depois, o

pai saiu para comprar um lanche e as crianças continuaram brincando. De repente,

Paulinho correu para pegar a bola que foi jogada do outro lado da rua, sem perceber

o perigo. Sua irmã gritou:

- Paulinho, olhe o carro!

O menino se assustou com o grito e carro que quase o atropelou, começando a

chorar e, aos prantos, a chamar pelo pai:

- Painho... Painho...

Quando o pai voltou, sem saber o que tinha acontecido, ao ver Marília e Paulinho

chorando, ficou muito nervoso. Então perguntou:

- O que aconteceu?

A menina respondeu, ainda ofegante:

- O carro quase atropelou Paulinho.

O pai, muito abalado, ainda sem acreditar no que tinha acontecido, pegou as

crianças e voltou para casa.

Encontro na praça

Hoje fui à praça do centro de Currais Novos, cidade onde moro desde os cinco anos.

Chegando lá, dei algumas voltas, depois sentei em um dos bancos e fiquei olhando

para todos os lados. Logo vieram boas lembranças, como da adolescência: na praça

comecei o primeiro namoro.

Lembrei também que quando muito jovem ia quase todos os domingos àquele lugar

e me divertia bastante após as missas. Porém, hoje há tão poucas pessoas no

centro da cidade que chega a doer de saudades e fico pensando como seria bom se

as pessoas se encontrassem como mais frequência na praça.

Não posso deixar de lamentar que a grande maioria dos jovens não tenha mais tanto

interesse nem tempo de vir à praça. Mesmo assim, depois de tanto tempo, foi ótimo

poder sentar no banco da praça e imaginar os muitos momentos ali vividos,

momentos maravilhosos que o tempo jamais poderá apagar.

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Infância

Ao sentar-me em um banco da praça, algo me chamou a atenção. Muitos

gritos, risadas, uma correria só, resumindo: crianças. Pude ver a inocência nos olhos

de meninos e meninas que sorriam, corriam, caiam e choravam. Lá no fundo, dava

para ouvir dois rapazes cantando. Logo me veio à cabeça que eles também já foram

crianças e talvez, nessa mesma praça correram e brincaram muito.

Meu pensamento foi interrompido quando, de repente, um menino de dois

anos, aproximadamente, começou a bater numa menina mais velha, enquanto a

mãe do garoto, muito “ocupada”, provavelmente falando da vida alheia, não percebia

o que acontecia.

Mais atenta, a mãe da menina rapidamente afastou a filha e falou:

_ Por que você não bateu nele também, Ruth?

_ Ele é menor do que eu, mamãe, não achei justo.

_ Mas em seu irmão, que também é mais novo, você bate! _ Respondeu a

mãe, irritada.

Nesse momento, o movimento ao redor continuava intenso, outras crianças

se divertiam, podia-se perceber demonstração de carinho entre amigos, sem

preconceitos, nem preocupações. Como seria bom se fôssemos mais verdadeiros,

se tivéssemos mais da sinceridade e inocência de uma criança.

Linda praça

Num certo dia, à noite, fomos passear na praça e me chamou atenção a

beleza da praça. Além disso, também tinha uma animada aula de aeróbica. Muita

gente aproveitava para fazer caminhada e algumas crianças, acompanhada dos pais

andavam de bicicleta.

Havia também alguns barzinhos em que os amigos se encontravam para

conversar e se descontrair. Era noite de quinta-feira, mas a praça estava muito

movimentada.

Sentei em um banco para melhor observar tudo que acontecia e vieram as

lembranças da minha adolescência, quando estuda no Capitão Mor Galvão e

sempre sentava por ali para conversar e passar o tempo. Lembrei também das

festas maravilhosas que participei com minhas amigas nessa linda praça de Currais

Novos.

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Lição de vida

Todas as noites, um senhor de pele morena, baixinho e bem velhinho vai com seu

humilde carrinho de confeito para a praça do centro de Currais Novos. Creio que seu

sustento vem daquele pequeno carro. Sentado em seu banquinho, fica à espera de

alguém que venha comprar algo.

Às vezes fico imaginando o quanto ele passa frio toda noite, em que fica ali até

tarde, esperando algum trocado cair para levar para casa: quem sabe se todo

sustento da família não seja tirado somente dali. O mais impressionante é sua

disposição, pois com aquela idade deveria estar em casa descansando, mas está ali

todas as noites no mesmo local, pegando no trampo.

Ainda assim, aquele senhor aparenta ser feliz da maneira que vive e deve se

orgulhar de seu pequeno negócio, do seu trabalho honesto, embora que algumas

vezes não ganhe nada. Ele é um exemplo de vida, um guerreiro, um trabalhador.

Tenho certeza que Deus sempre estará lhe protegendo em todas as noites, ao sair e

ao voltar.

A família deve sentir muito orgulho daquele grande homem que com sua força de

vontade e coragem serve de exemplo para muitas pessoas que vivem de cara pra

cima, sem fazer algo de útil. Uma lição de vida para mim e outras pessoas, nos

mostrando que é possível vencer as batalhas da vida com garra e determinação.

Creio que Deus vive e reina na vida desse senhor e de sua família.

Momentos

Estava sentada em um banco na praça vendo as crianças brincarem, eram muitas

delas.

Elas corriam brincando de tica, o que fez com que lembrasse da minha

infância. Outras brincavam em seus velocípedes ou em suas motos elétricas.

Alguns comiam pipoca, tomavam sorvete e até água para espantar o calor,

sempre acompanhadas pelos olhares atentos dos pais.

Enquanto estava envolvida com as brincadeiras de criança, um menino

galego foi se chegando até começar a conversa, puxar assunto, mas sua mãe logo

veio buscá-lo, interrompendo aquele momento tão bom, em que fui notada e recebi a

atenção de uma criança pura e inocente.

O menino se foi, mas continuava a me observar: o que será que se passava

pela sua cabeça? Eu permaneci ali por algum tempo da mesma forma, sentada e

vendo as crianças brincarem.

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O homem do carrinho de confeito

Quando cheguei na praça, naquela noite linda e espetacular, lá estava Zé pretinho

com um chapéu preto, camisa azul, calça marrom, sandálias nos pés. Sentado numa

cadeira de ferro, forrada com espumas ao lado de seu carrinho de confeito e com um

lindo sorriso no rosto como sempre.

Então aproximei-me e perguntei:

- Olá Zé Pretinho, como vai você?

- Vou bem! Respondeu com aquela simpatia de sempre.

- Zé, como está sua família? E o seu trabalho? Voltei a indagar.

- Minha família vai bem! E o trabalho tem dia que é mais movimentado e dia com

menos movimento, mas mesmo assim estou feliz.

Zé Pretinho olhava de um lado para o outro daquele lugar, observando cada

cena daquele lugar, com cara de quem se sentia realizado. O homem parecia

satisfeito com a vida simples e humilde que levava. Afinal de contas há muito tempo

era ali que trabalhava para retirar o sustento de sua família.

Apesar de enfrentar muitas dificuldades, Zé Pretinho demonstrava ser, de fato, um

homem feliz, que nunca desistia de lutar por aquilo que queria, sem maiores

lamentações.

O tempo não para

Em uma noite de quarta-feira na praça Cristo Rei, sentada em um daqueles tantos

bancos de uma das praças de minha cidade, eu observava as pessoas que

gastavam alguns momentos de sua vida naquele lugar.

Velhinhos conversando, davam risadas, parecia que estavam lembrando coisas da

vida. Ao mesmo tempo uma garota falava ao celular e a conversa parecia estar

muito divertida, pois a menina ria o tempo todo.

Em outros lugares da praça, era possível ver crianças correndo, brincando com suas

motocicletas elétricas, meninos trocando figurinhas da copa enquanto outras

pessoas tocam violão e cantavam, tornando o ambiente ainda mais agradável.

Todo tempo passavam carros, motos e as pessoas continuavam aproveitando os

ares da aconchegante praça. Tudo aquilo estava muito divertido, contagiante, pois

todos que estavam na praça pareciam muito alegres.

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Passeios

Noite de quinta-feira, sai de casa e fui andar; passei pelo centro e parei na

praça Cristo Rei, bem conhecida cidade. Passeavam por ali mulheres, crianças,

além de jovens e adolescentes.

Alguns meninos se juntaram e começaram a brincar de esconde-esconde.

Para surpresa de muitos, no meio deles havia um rapaz que participava da

brincadeira. Ele se comportava como uma criança e era o centro das atenções

porque parecia com Bob Marley. Foi muito engraçado, o rapaz corria para lá e para

cá, sempre com as crianças correndo atrás dele.

Depois de algum tempo fui à sorveteria e encontrei uns colegas, mas

continuei observando aquele rapaz que chamou muito a atenção.

De volta à praça, sentei no banco e fiquei resenhando, sempre prestando

atenção àquela brincadeira. Assim foram aqueles momentos da minha ida à praça

Cristo Rei.

Recantos

Estava na praça passeando com minha professora e alguns colegas de sala.

Também estavam conosco a filha e a irmã da professora. Enquanto passeavam,

fiquei observando o movimento. De frente ao banco em que estava tinha uma

lanchonete.

Dois casais e mais duas moças apareceram, juntaram as mesas e começaram a

conversar. O garçom chegou na mesa, entregou o cardápio. Sorridentes, fazem o

pedido. Três minutos depois o garçom voltou com o pedido, fiquei impressionado

com a rapidez.

Nesse instante, dois rapazes chegaram, sentaram em um banco próximo e

começam a conversar sobre o quanto trabalhavam para sobreviver. Mais adiante a

filha e a irmã da professora conversavam descontraidamente.

Depois de um tempo, fomos à sorveteria e ficamos conversando sobre a atividade, e

quando recomeçariam as aulas depois das férias enquanto tomávamos um delicioso

sorvete.

Após o sorvete, retornamos para a praça e lá estava um rapaz trocando

violão. Todos ficamos encantados, admirados e passamos alguns momentos

observando ele cantar. Quando parou, nós aplaudimos muito. Então, alguns colegas

resolveram ir embora, enquanto outros preferiram permanecer um pouco mais. Eu

peguei uma carona com a professora até a lan house para, de lá, pegar um outro

transporte e ir para casa.

De fato, aquela foi uma noite muito agradável, cheia de surpresas e pequenas

emoções.

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Recordações

Naquela noite de quarta-feira, pude ir à praça Cristo Rei. De onde estava, observei

uma menina falando ao celular, ela estava bem alegre, parecia que tinha recebido

uma boa notícia, algo de muito bom deveria ter acontecido para deixa-la tão feliz

como demonstrava. Fiquei um pouco curiosa. O que teria sido?

Para mim também aquele era um momento muito especial, pois há muito

tempo não saia de casa para ir na praça. Essa noite foi uma das mais felizes para

mim.

Aproveitei para andar, conversar com os amigos e observar o movimento. Fazia

muito tempo que não conversava assim com eles, apesar de continuar observando o

movimento na praça.

As crianças brincavam muito numa espécie de pátio da praça, elas pareciam felizes

brincando com seus brinquedos legais. Tinha também famílias reunidas,

conversando, desfrutando da companhia uns dos outros.

Na sorveteria, a turma se reencontrou para tomar um sorvete, onde ficamos

conversando e compartilhando as horas de descontração que vivemos ali.

Aprendemos que ainda é possível ser feliz desfrutando de momentos simples como

aquele que tínhamos vivido.

Reencontro

Cheguei aqui com a missão de escrever sobre qualquer cena que me

chamasse a atenção e de cara não pude deixar passar esse momento tão feliz:

colegas que não via há tempos estavam aqui na minha frente, se exercitando com

uma turma que parecia muito bacana.

Gostei de ver com eram dedicadas, pois trabalhavam o dia inteiro e ainda

achavam tempo e disposição para cuidar do corpo e da mente, sempre com aquele

sorriso estampado no rosto, felizes com o que estavam fazendo. Me vi ali com elas,

fazendo ginástica, sorrindo muito, curtindo uma música animada e mandando toda a

tristeza, dores, mau humor e cansaço do dia a dia embora.

Queria continuar nesse banco de praça a observar tudo, ou como diria o escritor e

jornalista Gerson Luiz que conheci outro dia, a escrevinhar, mas tenho que voltar,

meu tempo acabou. Espero rever as amigas em outra oportunidade. Pra gente jogar

conversa fora.

O mais importante é que consegui cumprir minha missão e achar algo interessante

para escrever. Adorei a experiência, é muito bom me sentir quase escritora.

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Sonhos

Numa bela noite, quando estava passeando no centro da cidade, me deparei

com uma loja muito bonita. O que mais chamou a atenção foi uma vitrine muito

estilosa, em que manequins eram vestidos com belos looks. Um dos manequins

tinha um vestido muito brilhante.

Eu fiquei parada admirando esse vestido por muito tempo, imaginando se

algum dia iria usar um desses.

- Claro que sim! - Respondi pra mim mesma. – Por que não?

Pensei mais alto.

Não só posso ter um vestido desses, como posso, no futuro, ser dona de uma loja

dessas, pois nada é impossível para quem sonha, tem força, capacidade para lutar e

acima de tudo, muita fé para conquistar aquilo que quer e Deus realizará nossos

sonhos.

Trabalho na praça

Eu fui à Praça Cristo Rei fazer um trabalho escolar. Chegando lá me deparei

com várias pessoas: umas caminhando, se exercitando, e outras trabalhando. Na

sorveteria, o garçom circulava de um lado para o outro, atendendo aos pedidos.

Do outro lado, um casal de namorados conversava, crianças brincavam e

meus colegas de classe estavam todos concentrados no mesmo trabalho. Havia

também muitas outras pessoas que me conheciam.

Aquele lugar me trazia também boas lembranças. Recordei ainda o quando

trabalhei de garçom num barzinho em frente à praça, onde o tempo parecia não

passar jamais.

Cena de Perigo

Uma bela tarde quando estava passeando na rua, me deparei com uma cena

muito perigosa em que uma família, o pai, a esposa e três filhos, passavam em cima

de uma moto.

Nesse momento, me perguntei: “Será que esse pai tem noção dos riscos que

corre? Riscos de perder o equilíbrio ou até mesmo se envolver em um acidente mais

grave!”

Será que esse pai não tinha noção que as leis de trânsito?

Mesmo que fosse o único meio de transporte da família, ele acabava

colocando a vida de toda família e a própria vida em perigo, pois não usavam sequer

capacete.

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Casal apaixonado

Era noite de uma quinta-feira, cheguei à praça Cristo Rei de Currais Novos. Não

sabia ao certo, mas fazia muito tempo que não ia aquele lugar, apenas passava

rapidamente, nos afazeres cotidianos.

Aquela noite se apresentava com uma cara alegre. Resolvi sentar em um banco

para melhorar apreciar uma linda estátua luminosa do Cristo Rei. Logo observei um

casal de namorados: ela era alta, loira e de olhos azuis, vestia calça jeans e

camiseta básica, ele usava bermuda jeans e camiseta regata.

Os dois prenderam minha atenção enquanto conversavam e se beijava

apaixonantemente. Meu pensamento começou a divagar nas lembranças daquele

lugar que tanto frequentei na minha juventude.

Aos domingos sempre ia à missa na Matriz de Sant‟Ana. Ali ficava resenhando, e

muitas vezes surgiam aquelas paqueras para apimentar a noite. Mas eram apenas

lembranças que ficaram num passado maravilhoso, que veio à memória ao observar

aquele lindo casal que parecia tão feliz.

Desabafo de um Cidadão

No lixão trabalham muita gente vivem catando coisas que são consideradas lixo por

várias pessoas, mas que para eles eram oportunidades de trabalho e sustento. De lá

podiam tirar seu alimento, trabalhando de forma digna, mesmo que em condições

precárias.

Os catadores tentavam conseguir com os representantes da cidade providências

para melhorar seu ambiente de trabalho, mas, infelizmente essa realidade estava

longe de acabar.

Com a esperança de mudar de vida, muitos continuavam chegando de outras

cidades para tentar a vida na baixada e, por falta de experiência e oportunidade,

acabavam indo para os lixões buscar um meio de sobrevivência, levando toda a

família, inclusive as crianças.

Assim dia após dia o trabalho que realizavam não só ajudava na sobrevivência

daqueles trabalhadores mas acabava sendo uma lição de cidadania.

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Feira livre

Tudo acontecia em uma feira livre. Muitas pessoas comprando, outras

passeando e no meio de tantas barracas com roupas e manequins, pessoas

conversavam, enquanto as crianças ficavam só olhando os pais fazerem compras.

No entanto, ninguém prestava muita atenção em um senhor deficiente que

estava no meio da rua e que, com uma vasilha na mão, ficava pedindo esmola.

Inesperadamente, um jovem saiu do meio da multidão, parou alguns instantes

perto daquele homem e deu uma contribuição para aquele sujeito deficiente.

Depois disso, demonstrando curiosidade, uma mulher aproximou-se, parecendo

disposta a ajudar também.

No trânsito

Hoje o Garcia não acordou bem. O despertador quebrou e saiu às pressas para o

trabalho.

O porteiro do prédio ao vê-lo apressado, disse:

– Dormiu demais hoje, né, seu Garcia?

Ele deu um sorriso irônico enquanto o porteiro folgado abria o portão.

Muito apressado e preocupado em não levar repreensão do chefe, acelerou

bastante, mal sabendo que o trânsito do Rio de Janeiro naquele treze de setembro

estaria mais uma vez um verdadeiro caos.

Ao se deparar com aquele monte de carros congestionados, o pobre homem

tentou pegar um atalho e acabou batendo no carro do João. O João, indignado com

o acontecido, saiu do carro estressado, gritando:

– Você está louco? Não me viu aqui?

O Garcia também saiu do carro aos berros:

– Cara, a culpa é sua que deu ré sem olhar no retrovisor.

Nesse momento, eles se encararam, como touros bravos prestes a se

enfrentar. O silêncio tomou conta dos dois, mesmo em meio ao barulho intenso

provocado pelas buzinas e pelo trânsito intenso.

João olhou mais profundamente para o Garcia e seu semblante mudou, a

expressão de raiva se transformou em um sorriso, e ele indagou:

– Garcia, você aqui?

– Pois é, João. Respondeu, meio sem graça, também reconhecendo o colega. Que

momento para nos reencontrar...

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No lixão

Certo dia enquanto caminhava, resolvi parar e observar a natureza, quando me

deparei com um lixão. Lá, estava uma menina, catando lixo, com um aspecto de

tristeza, suja e com ar de faminta.

Naquele local, muitas famílias catavam lixo para reciclagem. Aquele lixo

coletado era o sustento de muitas famílias carentes, inclusive daquela pobre menina.

Provavelmente, aquela triste garota tinha sonhos: sonhos de estudar, ser uma

pessoa bem-sucedida, podendo ajudar seus pais e a outros que precisassem. Será

que o lixo iria mudar o destino daquela pobre criança?

Legalizar?

Uma turma de amigos se reuniu na praça para um protesto. Utilizando vários

cartazes e balões e demonstravam muito ânimo, mostrando a que vieram.

Cláudia, a líder do grupo estava superconcentrada na organização, sempre à

frente com suas ideias e lutando por causas em que acreditava, passava segurança

para todos que a seguiam.

Diferente dela havia várias pessoas que só observavam como se não

entendessem ou não se importassem com o que estava acontecendo. A moça, no

entanto, não se importava e continuava distribuindo os cartazes entre os colegas.

Esse protesto tratava-se de legalizar ou não a maconha para fins medicinais,

pois segundo alguns estudos, em alguns casos essa droga poderia ser usada e

ajudar na recuperação dos pacientes. Por isso, a moça acreditava que, mesmo a

longo prazo, a mobilização de um grande número de pessoas iria despertar

interesse político e sensibilizar a população em relação ao problema.

Certa de que conseguiria realizar seu protesto com sucesso, não se abatia

com especulações, pois era uma pessoa determinada. Sinceramente, espero que

ela e seus colegas consigam realizar o protesto com sucesso, sem nenhum tipo de

violência.

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Tempos de criança

Quando vi muitos meninos e meninas reunidos e brincando, senti saudades dos

meus tempos de criança. Em toda minha infância fui um garoto muito feliz. Hoje,

nem sempre as crianças podem brincar nas ruas como antigamente.

Mesmo assim, quando vejo crianças brincando, fico imaginando se todos fossem

meus filhos.

Não sei porque, mas gostaria de ser pai de pelo menos sessenta filhos ou

mais, chego até a achar que seria muito mais feliz. Chego a imaginar que o céu está

cheio delas e um belo dia irei brincar com todas.

Acho que no fundo, bem no fundo, ainda sou uma criança muito, muito feliz.

Vovó no Parque

Numa tarde bem alegre, Esther, uma menina linda, foi ao parque, muito ansiosa para

encontrar sua vó. Quando a viu chegar, deu-lhe um grande abraço e falou:

- Vovó, estou muito feliz em lhe ver!

A avó respondeu:

- Eu também, querida. Que saudades!

Além da menina, no parque havia várias crianças brincando e se divertindo muito,

fazendo coisas que toda criança adora.

Esther, radiante de alegria, não largava a avó pois há muito tempo não a via.

Por isso, passaram várias horas brincando e matando a saudade. A avó, inundada

por um sentimento de amor, demonstrava muita felicidade por estar com sua neta.

Então, a avó prometeu à neta e a si mesma que nunca mais ficaria tanto

tempo sem vê-la.

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Um amor por acaso

Em uma tarde como outra qualquer, no parque da cidade do Rio de Janeiro,

dois jovens, por sinal muito bonitos, treinavam na pista de skate: um rapaz de nome

Miguel, e uma bela moça de nome Renata. Por azar, Miguel esbarrou em Renata e

ela, com muita raiva, falou:

– Você não olha por onde anda?

Miguel levantou o olhar e disse:

– Desculpa, sou assim mesmo, todo atrapalhado!

A moça, desconcertada com aquela resposta, meio envergonhada, com jeito mais

dócil, perguntou:

– Você vem sempre aqui?

Miguel respondeu:

– Quase sempre.

Naquele instante, começou uma paquera entre os eles.

Então passaram a se ver todos os dias no parque, naquele mesmo horário e

nasceu um grande amor. Miguel e Renata namoraram por muito tempo, participaram

de vários campeonatos de skate e numa desses campeonatos, por obra do destino,

tiveram que competir um contra o outro. O prêmio seria nada mais, nada menos do

que uma viagem para realizar um treinamento fora do país, sem direito a

acompanhante. Eles nunca imaginaram que o esporte que os uniu agora poderia

separá-los.

Um dia antes da competição, o casal se amou intensamente, foram muitos beijos e

longos abraços apertados, parecia até que estavam pressentindo algo. Na manhã

seguinte, se encontraram na pista de skate, como sempre faziam, dessa vez para

competir um contra o outro.

Ansiosos, após o término das exibições, finalmente chegou o momento de

conhecerem o grande vencedor. Entre tantos outros skatistas, ouviram os juízes

anunciarem que o jovem Miguel tinha vencido aquela competição. Agora, o rapaz

teria que escolher entre o treinamento fora do país e seu grande amor.

Renata parou e naquele momento ficou se perguntando “Será, Deus, que o meu

grande amor vai deixar para trás todos os momentos bons que vivemos? Será que

vai embora e escolher o esporte ao invés de nós?” E assim ela deixou o local sem

se despedir de ninguém.

Ao anoitecer, Miguel ligou e a convidou para jantar. Durante o encontro, ele

disse:

- Não posso deixar passar essa oportunidade, por isso farei a viagem. Será

uma experiência boa e poderá abrir outras portas para nós. Mas, não iremos

terminar, pois eu amo você e é com você que quero ficar.

Passaram-se seis meses e a moça finalmente também foi morar nos Estados

Unidos, onde casaram e tornaram-se skatistas profissionais. Um casal que continuou

unido pelo esporte e pelo amor.