IMPACTOS NA GESTÃO DO CONHECIMENTO UM ESTUDO …banco.consad.org.br/bitstream/123456789/1177/1/A...

30
A ADMINISTRAÇÃO DE CARREIRAS E SEUS IMPACTOS NA GESTÃO DO CONHECIMENTO: UM ESTUDO DE CASO DO INCAPER NEY NAKAZATO M IYAHIRA CARINA L ABBATE M AUGÉ SIMÕES DANIEL C AMPOS NETO

Transcript of IMPACTOS NA GESTÃO DO CONHECIMENTO UM ESTUDO …banco.consad.org.br/bitstream/123456789/1177/1/A...

A ADMINISTRAÇÃO DE CARREIRAS E SEUS

IMPACTOS NA GESTÃO DO CONHECIMENTO: UM ESTUDO DE CASO DO INCAPER

NEY NAKAZATO MIYAHIRA CARINA LABBATE MAUGÉ SIMÕES

DANIEL CAMPOS NETO

2

Painel 12/035 Instrumentos de gestão de carreiras e critérios para a nomeação de dirigentes públicos

A ADMINISTRAÇÃO DE CARREIRAS E SEUS IMPACTOS NA GESTÃO

DO CONHECIMENTO: UM ESTUDO DE CASO DO INCAPER

Ney Nakazato Miyahira

Carina Labbate Maugé Simões

Daniel Campos Neto

RESUMO

A gestão do conhecimento tem sido amplamente discutida, contudo em poucas ocasiões o tema é abordado juntamente com administração de carreira. Este artigo

pretende estudar essa relação em uma organização pública. Foi realizado um estudo de caso no Incaper – Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e

Extensão Rural – que passou por uma reformulação no seu modelo de administração de carreira, visando reforçar o fluxo de gestão de conhecimento, tão necessário ao Instituto. Os principais resultados encontrados foram que a

configuração de carreira adotada anteriormente privilegiava apenas um grupo de profissionais a gerar conhecimento (devido ao critério de promoção por titulação),

causando sentimento de desconforto por parte dos demais profissionais. Na nova configuração, distintos critérios foram estabelecidos considerando os diferentes perfis profissionais, dando maior ênfase na transmissão do conhecimento. Este

trabalho oferece uma alternativa promissora para motivar organizações do setor público a aprimorarem seus sistemas de carreira e fortalecerem, ao mesmo tempo, a

gestão do conhecimento.

3

1 INTRODUÇÃO

O conhecimento é objeto de estudo de longa data. No período clássico, o

conceito de conhecimento foi inicialmente introduzido por Platão como “crença

verdadeira justificada” (NONAKA e TACKEUCHI, 1995). Esta definição não é

considerada perfeita, induzindo acadêmicos e práticos a buscarem métodos para

melhor estabelecer este conceito tão presente na vida das pessoas e ao mesmo

tempo tão abstrato.

Na administração, o tema “conhecimento” tem ganhado cada vez mais

importância. Lastres et al. (2002) destaca que vivemos na “era do conhecimento”, na

qual o conhecimento é apontado como fator de vantagem competitiva para as

empresas. Cassiolato e Lastres (2005) falam em “economia do conhecimento”

ressaltando que após a virada do milênio o conhecimento se tornou ativo

indispensável para as empresas. Saber fazer a gestão deste ativo na organização se

tornou um dos desafios da atualidade.

Em virtude da grande amplitude de assuntos abarcados na temática de

gestão do conhecimento, procurou-se nesta pesquisa focar na interface entre gestão

do conhecimento e os processos de gestão de pessoas, em especial, os

relacionados à administração de carreira. O interesse pelo recorte em Administração

de Carreira se deve pela capacidade de, por um lado, estimular e instrumentalizar as

pessoas para pensar suas carreiras e seu desenvolvimento profissional e pessoal;

de outro, oferecer à empresa os conceitos e ferramental necessários para se pensar

a gestão de Recursos Humanos (RH) de forma estratégica e para integrar o conjunto

das políticas e práticas de administração de pessoas (DUTRA, 1996).

Não foram identificados estudos que abordassem de forma direta a

relação entre gestão do conhecimento e administração de carreira. Em linhas gerais,

foram encontrados estudos que exploravam o papel do RH em contextos em que a

gestão do conhecimento é relevante, destacando, em alguns casos, as contribuições

específicas dos processos de RH, tais como avaliação, treinamento, remuneração,

seleção e retenção (LENGNICK-HALL e LENGNICK-HALL, 2012; McIVER et al.,

2012; OLTRA, 2005; YAHYA e GOH, 2002; BOXALL e HAESLI, 2005). Como os

estudos de carreira possuem grande interface com outros processos de RH, foi

possível extrair contribuições dos estudos identificados para a atual pesquisa.

4

Tendo em vista esta carência de estudos sobre a relação da carreira e a

gestão do conhecimento, este artigo busca responder a seguinte pergunta de

pesquisa: como a administração de carreiras contribui para o processo de criação do

conhecimento organizacional?

Para responder o problema de pesquisa, adotou-se como estratégia de

pesquisa o estudo de caso. O objeto de estudo foi o Instituto Capixaba de Pesquisa,

Assistência Técnica e Extensão Rural – INCAPER.

2 OBJETIVOS DO ESTUDO

Com este estudo, pretendemos contribuir, para academia, com o

entendimento da relação entre gestão do conhecimento e administração de carreira,

esperando também despertar o interesse para futuras pesquisas. Para os práticos,

pretendemos contribuir, oferecendo às organizações os resultados obtidos com este

trabalho, para que possam enxergar oportunidades de melhorias nas suas práticas

de gestão de pessoas, em especial, aquelas relacionadas à administração de

carreira. O quadro 1 apresenta os objetivos do estudo, relacionados às variáveis e

análise de dados propostas.

PERGUNTA PESQUISA

OBJETIVOS DO ESTUDO DE CASO

VARIÁVEIS COLETA DADOS

ANÁLISE DADOS

Como os

critérios de movimenta-ção na

carreira contribuem para o processo de criação do

conhecimento organizacio-nal?

Compreender o papel da gestão do conhecimento na Instituição.

Analisar se a gestão do conhecimento é ressaltada nas ações de natureza estratégia da organização. Verificar como ocorre o fluxo de criação do conhecimento organizacional

Análise documental Entrevista com gestor chave e consultor

Análise da gestão do conhecimento no INCAPER

Compreender o que motivou a configuração dos critérios de movimentação na carreira.

Analisar o sistema de administração de carreira, considerando seus dois componentes: estrutura de carreira e instrumentos de gestão.

Análise dos critérios de carreira e sua contribuição para o processo de criação do conhecimento em duas fases: antes e depois da reestrutu-ração da carreira

Verificar quais destes critérios estão relacionados com a criação do conhecimento.

Analisar se, por meio destes critérios de carreira, há incentivos para a criação de conhecimento em cada etapa deste fluxo.

Avaliar a percepção dos profissionais sobre os critérios de movimentação na carreira e seus impactos na criação do conhecimento.

Identificar se a configuração dos critérios de carreira propiciou um contexto de reciprocidade e troca de conhecimento

Quadro 1: relação pergunta problema, os objetivos e o referencial conceitual

Fonte: Elaborado pelos autores.

5

3 RESGATE CONCEITUAL E MODELO CONCEITUAL ADOTADO

3.1 Gestão do Conhecimento

O referencial teórico utilizado sobre gestão do conhecimento envolverá

três autores conceituados nesta temática: (1) Nonaka e Tackeuchi (1995); (2)

Davenport e Prusak (1998); (3) Von Krogh, Ichijo e Nonaka (2001).

Antes de abordarmos o referencial teórico sobre gestão do conhecimento

é importante mencionar a definição de conhecimento como “crença verdadeira

justificada”, conceito inicialmente introduzido por Platão (NONAKA e TACKEUCHI,

1995). Krogh, Ichijo e Nonaka (2001) se apropriam deste conceito, destacando que

as pessoas justificam a veracidade de suas crenças com base na sua observação

do mundo, portanto estas observações dependem de percepção e experiências

individuais. Conhecimento, assim, é uma construção de realidade e não algo

verdadeiro e universal, não é uma simples compilação de fatos, mas um processo

humano singular e irredutível, que não se reproduz com facilidade. Na mesma linha,

na qual reforça a vivência e experiência do indivíduo para criação do conhecimento,

Davenport e Prusak (1998) definem conhecimento como uma mistura fluida de

experiência condensada, valores, informação contextual e insight experimentado.

Para Nonaka e Tackeuchi (1995) conhecimento é criado por um fluxo de

informações ancorado nas crenças e compromissos de seus detentores.

Nonaka e Takeuchi (1995) não utilizam o termo “gestão do

conhecimento”. Os autores se apropriam do conceito de “criação de conhec imento

organizacional”, que significa a “capacidade de uma empresa criar novo

conhecimento, difundi-lo na organização como um todo e incorporá-lo a produtos,

serviços e sistemas”. Nota-se, portanto, que os autores se utilizaram de um conceito

amplo, que não só consideraram a geração e disseminação do conhecimento entre

pessoas, mas também sua incorporação na organização. Já Von Krogh, Ichijo e

Nonaka (2001) criticam o termo “gestão do conhecimento”, pois consideram o termo

em si limitado. Os autores argumentam que o termo “gestão” remete a controle,

no entanto quando se trata de criação de conhecimento, estamos nos referindo

a “processos que talvez sejam intrinsecamente incontroláveis ou, ao menos,

6

que talvez sejam sufocados por um gerenciamento mais intenso” (VON KROGH,

ICHIJO E NONAKA, 2001, p. 6). Os autores reforçam que as empresas devem, ao

invés de controlar o conhecimento, promover um ambiente favorável para criação do

conhecimento organizacional.

Nonaka e Tackeuchi (1995) afirmam que a criação do conhecimento

organizacional ocorre na conversão do conhecimento entre tácito e explicito e

novamente tácito. Seus estudos sobre os ciclos de conversão de conhecimento os

autores trabalham tanto a dimensão epistemológica (conhecimento tácito e

explícito), como a dimensão ontológica (passagem do conhecimento do indivíduo ao

grupo e do grupo à organização e vice-versa), estabelendo quatro estágios:

socialização; externalização; combinação; internalização, conforme Figura 1 (a

seguir).

Figura1: Ciclos de conversão do conhecimento

Fonte: Nonaka Tacheuchi, 1995.

Nonaka e Tackeuchi (2002) elencaram as condições capacitadoras para a

gestão do conhecimento, são elas: a) intenção (deve estar na estratégia do

negócio); b) autonomia (automotivação individual, estrutura facilitadora e sistema de

gestão que possibilite tal autonomia); c) flutuação (deve-se permitir a crítica, o

aprendizado com a crise, o pensamento e o caos criativo); d) redundância; e e)

variedade de requisitos. O primeiro item já se encontra na estratégia do Instituto.

Discute-se aqui o segundo item, a automotivação individual e o quanto o sistema de

gestão pode facilitar a autonomia.

7

Enquanto Nonaka e Tackeuchi (1995) dão luz ao processo de criação do

conhecimento, Von Krogh, Ichijo e Nonaka (2001), diferentemente, oferecem

destaque às condições do contexto para a criação do conhecimento. Os autores

defendem que o conhecimento é relacional e específico ao contexto , que sua

criação é dinâmica por meio de interações sociais, e sua natureza é subjetiva,

profundamente arraigada em sistemas de valores individuais. A forma como as

pessoas interagem - compartilhamento cooperativo (contexto capacitante) versus

acumulação competitiva (contexto hipercompetitivo) - afeta o compartilhamento de

conhecimento tácito nas organizações. Em linhas gerais, o contexto capacitante

pode ser definido como um lugar onde se compartilha, se cria e se utiliza o

conhecimento. Trata-se de uma rede de interações, determinada pela solicitude e

pela confiança dos participantes.

Davenport e Prusak (1998) também reforçam a importância do contexto e

das interações no compartilhamento de conhecimento, todavia dão luz ao que

denominam mercado do conhecimento. Reconhecer que estes mercados existem é

importante para a gestão do conhecimento nas organizações, para que

compreendam como eles funcionam e torná-los eficientes. No mercado do

conhecimento existem compradores, vendedores, inclusive corretores. Estes atores

avaliam o saldo na relação ‘comercial’ em busca de satisfação de interesses, ou

seja, trocam conhecimento, porque acreditam que ganham com esta transação. Os

autores listam três fatores operando como “recompensa” no mercado do

conhecimento: reciprocidade (o ganho recíproco ao compartilhar o conhecimento);

reputação (reconhecimento perante os outros de ser um bom fornecedor de

conhecimento); e, por último, o altruísmo (prazer em ajudar). Portanto, nota-se que

os autores defendem que o compartilhamento deve ser atrativo, recompensador

para as pessoas. Os autores defendem que para estabelecer uma cultura

consistente de compartilhamento do conhecimento, é necessário usar moedas

valiosas, como gratificações monetárias, aumentos salariais, promoções,

mecanismos para aferir a gestão do conhecimento na avaliação de desempenho dos

profissionais, bem como colocar pessoas respeitadas em funções facilitadoras.

8

Assim como Von Grogh, Davenport e Prusak (1998) também exploram o

fator confiança na troca de conhecimento, caso não haja confiança, qualquer projeto

de gestão do conhecimento ou envolvendo conhecimento poderá ser um fracasso.

3.2 Modelo estratégico de gestão de pessoas

Apesar de Nonaka e Takeuchi (1995) se dirigirem ao conceito de criação

do conhecimento organizacional, eles entendem que uma organização não pode

criar conhecimento por si mesma, sem a iniciativa do indivíduo, sem a interação que

ocorre entre o grupo. Nesse sentido, Von Krogh defende que o ato de conhecer é

um processo humano singular e irredutível, logo o conhecimento não se reproduz

com tanta facilidade. Portanto, quando falamos de criação de conhecimento

organizacional, estamos nos referindo a pessoas (indivíduos) e à interação destas

com o grupo. O modelo que a Organização adota para fazer a gestão das pessoas

não pode ser, portanto negligenciado num contexto em que a organização que visa

a criação de conhecimento organizacional. Dessa forma, as práticas de gestão de

pessoas passam a ter um papel de crescente destaque nos estudos sobre gestão do

conhecimento.

Um modelo de gestão de pessoas, segundo Fischer (2002, pág. 12),

consiste na “maneira pela qual uma empresa se organiza para gerenciar e orientar o

comportamento humano no trabalho.” Na visão de Dutra (2009), modelo de gestão

de pessoas pode ser comparado com uma lente que auxilia a enxergar a realidade e

a compreender as pessoas.

Moreira (2010) ressalta que o debate acadêmico sobre gestão de

pessoas, estratégia e desempenho organizacional tem se concentrado em dois

modelos normativos de integração: o modelo universalista defendido pela Escola

das “Melhores Práticas”- Best Practices - e o modelo configuracional e contingencial

da Escola do Alinhamento - Best Fit .

Como demonstrado em Moreira (2010), a Escola de Melhores Práticas

(Best Practices) apresenta uma abordagem universalista, ou seja, proposições que

assumem como premissa a existência de um conjunto de melhores práticas de

gestão de pessoas, cuja adoção está diretamente relacionada a níveis superiores de

9

desempenho organizacional. A Escola do Alinhamento (Best Fit) considera duas

formas de ajuste: a) Alinhamento Configuracional ou Interno (Internal Fit) também

denominada Horizontal Fit, que requer políticas e práticas de gestão de pessoas

consistentes em toda empresa de tal forma que as pessoas trabalhem de forma

alinhadas; b) Alinhamento Contingencial ou Externo (External Fit), também

denominado Vertical Fit ou Strategic Fit, que se refere à necessidade de integração

das políticas e práticas de gestão de pessoas com a estratégia da organização.

Considerando as duas escolas mencionadas, neste estudo de caso,

nossa abordagem está mais aderente à Escola do Alinhamento (Best Fit), tanto

horizontal como vertical. Vertical, uma vez que a pesquisa está centrada em analisar

os critérios de administração da carreira do INCAPER e sua aderência com a

estratégia do Instituto que é gerar e transmitir conhecimento para o ruralista (Fit

External/ Alinhamento Vertical). Horizontal, por observar a integração (Fit Internal)

dos critérios de administração na carreira com outras práticas de gestão de pessoas.

3.3 Administração de carreira

A definição operacional de carreira utilizada nesta pesquisa se refere à

perspectiva da organização, que engloba políticas, procedimentos e decisões

ligadas a espaços ocupacionais, níveis organizacionais, compensação e

movimentação de pessoas (LONDON e STUMPH, 1982). Dutra (1996) estabelece

que um sistema de administração de carreira possui dois componentes principais:

estrutura de carreira e os instrumentos de gestão.

Por estrutura de carreira temos como definição: uma “sucessão de

posições, a valorização e os requisitos de acesso às mesmas”. Em se tratando do

conceito de instrumentos de gestão constituem mecanismos que oferecem suporte

para que a pessoa planeje a carreira e a organização balize expectativas. Há uma

íntima relação dos instrumentos de gestão com os demais instrumentos de gestão

de pessoas, como por exemplo, o processo de avaliação e desempenho.

10

3.4 Relação entre gestão de pessoas e gestão do conhecimento

Lengnick-Hall e Lengnick-Hall (2012) postulam que na economia do

conhecimento, a gestão de pessoas passa a ser responsável pelo gerenciamento

das capacidades que as pessoas criam e pelos relacionamentos que devem

desenvolver. Levando em consideração as reflexões de Ulrich (1999), os autores

destacam que o RH não pode se confinar aos seus processos convencionais. Nessa

era, inclui-se o trabalho com a funções tradicionais (seleção, treinamento e

desenvolvimento, gestão da performance), mas, também, com funções não

tradicionais, como a gestão do conhecimento.

Boxall e Haesli (2005) exploram as relações entre as estratégias de

Recursos Humanos e as medidas de Gestão do Conhecimento. Em particular, o foco

principal da análise é sobre como essas relações afetam as etapas de recrutamento

e retenção de talentos. O autor faz um cruzamento entre a necessidade de

personalização ou codificação do conhecimento e a necessidade de reter ou recrutar

pessoas neste contexto.

Os estudos que mais se aproximaram do tema de pesquisa foi de Oltra

(2005) e Yahya e Goh (2002).

Oltra (2005) defende a relação entre práticas de RH e a eficácia da

gestão do conhecimento (GC). Dentre elas, destacamos aquelas mais relacionadas

ao nosso objeto de estudo: inclusão formal das atividades de GC na descrição dos

cargos; produtividade do compartilhamento de conhecimento medido na avaliação

de desempenho; produtividade do compartilhamento do conhecimento considerado

nas revisões de salário; ações de treinamento centradas em CG inseridas no

planejamento geral de treinamentos.

Yahya e Goh (2002) trazem para a discussão a questão da política de

remuneração e recompensas que incentive a gestão do conhecimento. Os autores

observaram que as práticas de remuneração devem: a) recompensar atitudes que

promovam criatividade na resolução dos problemas diários; e b) os pagamentos

devem ser baseados em grupos e recompensas que estimulem a troca de

conhecimento e o compartilhamento entre os membros do grupo.

11

Fazendo um paralelo com Davenport e Prusak (1998), nota-se que as

práticas de RH devem reconhecer a importância da gestão do conhecimento, tornar

o objeto atrativo, passar mensagens para as organizações e orientar o

comportamento dos profissionais.

Para concluir este capítulo de referencial teórico, relacionados os

principais autores abordados com as variáveis que se pretende observar no estudo

de caso. Ver Quadro 2.

CONCEITOS ATRELADOS VARIÁVEIS DE OBSERVAÇÃO

Ciclo de conversão do conhecimento tácito e explícito (Nonaka e Tackeuchi, 1995)

Best fit vertical e horizontal (Moreira, 2010) Relação entre GC e Gestão de Pessoas

Analisar se a gestão do conhecimento é ressaltada nas ações de natureza estratégia da organização. Verificar como ocorre o fluxo de criação do conhecimento organizacional

Sistema de Administração de carreira Dutra (1996)

Analisar o sistema de administração de carreira, considerando seus dois componentes: estrutura de carreira e instrumentos de gestão.

Mercado do conhecimento Davenport e Prusak (1998)

Analisar se, por meio destes critérios de carreira, há incentivos para a criação de conhecimento em cada etapa deste fluxo.

Contexto capacitante (Von Krogh, Ichijo e Nonaka, 2001) Condições capacitadoras para a gestão do conhecimento (Nonaka e Tackeuchi, 1995)

Identificar se a configuração dos critérios de carreira favoreceu para um contexto de reciprocidade e troca de conhecimento

Quadro 2: Conceitos versus variáveis observadas no estudo de caso

Fonte: Elaborado pelos autores.

4 METODOLOGIA

A pesquisa efetuada constitui em um estudo de caso. Segundo Martins

(2008), o estudo de caso é adequado quando se deseja entender a fundo o contexto

de uma organização e também quando se deseja construir uma teoria. “O estudo de

caso possibilita a penetração em uma realidade social, não conseguida plenamente

por um levantamento amostral e avaliação exclusivamente quantitativa” (MARTINS,

2008, p.9).

As técnicas de coleta de dados uti lizadas no estudo de caso foram:

análise documental e entrevistas semiestruturadas.

12

Por ser uma autarquia, o INCAPER tem seu funcionamento todo

normatizado por regras e decretos governamentais. Este fato tornou a análise

documental muito rica. O estudo de caso iniciou-se com uma detalhada leitura de

todas as normas, estatutos, decretos que se relacionavam com critérios de carreira

do INCAPER.

Com relação à entrevista, houve uma restrição, por parte da organização,

de envolver os profissionais do Instituto, uma vez que no período de realização da

pesquisa, os novos critérios de carreira estavam sob negociação sindical. Foi

possível realizar uma entrevista com um gestor sênior do INCAPER que possui uma

visão ampla e estratégica do Instituto e uma percepção sobre os principais aspectos

positivos e a desenvolver dos critérios de carreira e sua interface com a gestão do

conhecimento. Além deste gestor sênior, um dos consultores especializados, que

apoiaram os trabalhos de remodelagem dos critérios de carreira do INCAPER,

participou da pesquisa. Tal consultor participou de diversas entrevistas com gestores

chave da organização, visitou os principais processos do Instituto, bem como foi

envolvido em discussões de validação com a Alta Administração e instâncias de

validação do novo desenho de cargos e carreira. O fato do consultor não ser

servidor do INCAPER possibilitou um olhar mais isento sobre o contexto, fato

relevante, principalmente quando se trata de estudos sobre carreira e remuneração.

Por outro lado, número restrito de participantes, pode ser considerado uma limitação

da pesquisa.

5 BREVE DESCRIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO ESTUDADA

O Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural

– INCAPER teve origem a partir da junção dos seguintes Insti tutos: Empresa

Capixaba de Pesquisa Agropecuária - Emcapa; Empresa de Assistência Técnica e

Extensão Rural do Espírito Santo - Emater-ES e Empresa Espírito-Santense de

Pecuária – Emespe.

13

A missão do INCAPER é a promoção de soluções tecnológicas e sociais

por meio de ações integradas de pesquisa, assistência técnica e extensão rural,

visando ao desenvolvimento do Espírito Santo. Tem como visão, posicionar o

Espírito Santo como referência em soluções integradas de pesquisa, assistência

técnica e extensão rural, tendo como objetivos estratégicos: a garantia de geração

de renda, a inclusão social e a transferência de informações, conhecimentos e

tecnologias para melhorar a qualidade de vida da população que vive no campo;

pautando-se por valores como ética, transparência, confiabilidade, respeito,

probidade, utilidade, comprometimento, trabalho em equipe, pa rticipação, gestão

democrática e valorização do conhecimento.

O papel de destaque da gestão do conhecimento na estratégia do

INCAPER reforçou e ratificou a escolha desta Instituição como estudo de caso para

os propósitos do artigo.

O Instituto passou, no ano de 2012 e início de 2013, por uma

reformulação no seu modelo de estrutura de cargos e carreiras e modelos

promocionais, adotando instrumentos de gestão de pessoas condizentes com as

mensagens e práticas que se almejavam incentivar no ambiente organizacional.

Este recente processo de mudança possibilitou, neste estudo de caso,

confrontarmos a estrutura de carreira antes e depois desta reformulação.

Sobre a carreira no INCAPER, os cargos efetivos são divididos em dois

grupos ocupacionais: o Grupo de Suporte em Desenvolvimento Rural, que

compreende as atividades meio que permitem o funcionamento do INCAPER nas

áreas de administração e apoio técnico, e o Grupo de Desenvolvimento Rural,

compreendendo as atividades finalísticas nas áreas de Pesquisa Agropecuária,

Assistência Técnica e Extensão Rural. Apenas este último Grupo foi objeto de

análise.

O estudo em questão foca-se nas funções de pesquisador e de

extensionista, que anteriormente pertenciam ao um cargo amplo único, o de Agente

de Desenvolvimento Rural. Após a reformulação de carreira, o Instituto optou por

separar as funções em cargos distintos.

14

6 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Debruçando-se sobre o material coletado, faz-se agora a análise dos

dados, utilizando-se como estrutura de organização os objetivos do estudo de caso,

contemplados no quadro 3.

6.1 Análise da gestão do conhecimento

Por meio da análise documental da missão, visão e valores, pudemos

observar que a criação do conhecimento faz parte da razão de ser do INCAPER, por

possui um papel importante para gerar, adaptar, divulgar e aplicar novos

conhecimentos, considerando suas áreas de atuação e o público alvo, como os

produtores rurais e a agroindústria artesanal. Destacamos no quadro a seguir os

aspectos que podem ser associados à criação de conhecimento organizacional.

Missão “Promover soluções tecnológicas e sociais por meio de ações

integradas de pesquisa, assistência técnica e extensão rural ...”

Visão “... referência em soluções integradas de pesquisa, assistência técnica e extensão rural”

Valores Valorização do conhecimento.

Objetivo

estratégico

...Garantia de (...) a transferência de informações, conhecimentos e

tecnologias para melhorar a qualidade de vida da população que vive no campo.”

Quadro 3: Missão, visão, valores e objetivo estratégico do INCAPER

Fonte: Elaborado pelos autores.

O fluxo da transferência do conhecimento pretendido pelo INCAPER

(Figura 2) envolvem as figuras do pesquisador, do extensionista e do ruralista

(apenas o pesquisador e o extensionaista são servidores do INCAPER). O primeiro

seria o responsável por gerar o conhecimento, por meio de suas atividades

acadêmicas; faz-se então a transmissão desse conhecimento aos extensionistas

que devem repassá-los, de forma palatável, aos ruralistas. Estes, por sua vez,

retroalimentam o ciclo, comparti lhando necessidades da rotina rural, o que

demandam novas vertentes de pesquisas, que devem chegar aos pesquisadores por

meio dos extensionistas. E assim, fecha-se o ciclo.

15

Figura 2: Fluxo da disseminação do conhecimento do INCAPER para o ruralista

Fonte: Elaborado pelos autores.

Trazendo o referencial do ciclo de conversão do conhecimento do Nonaka

e Tackeuchi (1995), pudemos identificar os momentos em que ocorrem a conversão

de conhecimentos no INCAPER.

Ocorre a socialização (conversão do conhecimento tácito a tácito) no

momento em que o pesquisador encontra-se em suas atividades acadêmicas. Uma

vez concluída a pesquisa, ocorre a externalização do conhecimento consolidado

como conceitual, isto é, dissemina-se o conhecimento entre distintos pesquisadores

(passagem do conhecimento tácito a explícito). Em um terceiro passo, o grupo de

pesquisadores repassa o conhecimento aos extensionistas, por meio da etapa

conhecida como combinação, que é a inter-relação entre conhecimentos sistêmicos

dos grupos (passagem do conhecimento explícito a explícito). Na sequência, os

extensionistas devem repassar o conhecimento ao ruralista, que vai aplicar de fato o

conhecimento; ocorre então a internalização, fase conhecida como o “aprender

fazendo” (passagem do conhecimento explícito a tácito). Uma vez internalizado, o

conhecimento passou da organização (INCAPER) ao grupo (extensionista) e depois

ao indivíduo (ruralista). O ruralista, em sua prática rural diária pode acumular novos

conhecimentos tácitos e praticar a socialização com o extensionista. Reinicia-se,

então, o ciclo do NONAKA e observa-se o retorno do fluxo de conhecimento

idealizado pelo INCAPER).

16

6.2 Análise do sistema de administração de carreira

Neste item pretende-se fazer uma reflexão dos instrumentos de gestão e

da disposição da estrutura de carreira dos pesquisadores e extensionistas e o

quanto estes dois tópicos encontram-se condizentes com os preceitos do INCAPER:

a criação e disseminação de conhecimento agropecuário. Encontram-se em

discussão a descrição do cargo, os critérios de movimentação, as avaliações de

desempenho e seu uso na evolução da carreira e os reflexos da sinergia desse

conjunto de ferramentas na criação do conhecimento, tanto na situação anterior à

reestruturação de carreira, quanto na posterior.

6.2.1 Antigo modelo de estrutura de carreira

Estrutura de carreira e instrumentos de gestão relacionados

Conforme citado, as atribuições de pesquisa e extensão encontravam-se

dispostos em um mesmo cargo “Agente de Desenvolvimento Rural” cujo requisito de

acesso era curso de graduação de nível superior completo, bacharelado, em área

relacionada com a atividade a ser desempenhada e registro em órgão de classe

respectiva, quando houver.

A descrição deste cargo era a seguinte:

Pesquisador e extensionista para elaborar, coordenar, supervisionar, avaliar e executar programas, projetos, subprojetos e ações de estudos e de

pesquisa agropecuária e de assistência técnica e extensão rural relacionados com a atividade fim do Instituto, com geração de tecnologias, inovação e desenvolvimento, publicação de trabalhos técnico-

científicos, abrangendo diversas especialidades de interesse da Instituição. Atuar junto aos produtores rurais, pescadores e suas famílias em atividades educativas, transferências de tecnologias, de profissionalização,

organização, agroturismo, agroindústria, indústria artesanal, empreendedorismo e parcerias junto a segmentos da sociedade rural e outras atividades correlatas ligadas ao meio rural.

O requisito de acesso bem como a descrição do cargo estavam

propositadamente genéricos e abrangentes, visando maior maleabilidade de

recrutamento, almejando polivalência na execução das tarefas e maior integração e

sinergia nas atividades de pesquisa e extensão.

17

Em relação à sua estrutura de carreira (Figura 3), o cargo de Agente de

Desenvolvimento Rural encontrava-se com um horizonte vertical de 4 classes e

horizontal de 17 referências, tendo uma variação interclasses de 10% e

interreferências de 3%.

Figura 3: estrutura de carreira do antigo cargo de Agente de Desenvolvimento Rural

Fonte: Legislação do INCAPER

Quanto às regras de promoção, ou seja, mudança de classe, deste cargo

seguia o modelo de promoção por titulação automático, isto é, era promovido todo

servidor que alcançasse uma titulação maior que a atual. Dessa forma, o servidor

ingressava com o título de graduação e, após o estágio probatório era promovido à

classe II caso apresentasse o título de especialização lato sensu, à classe III caso

apresentasse o diploma de mestrado e à classe IV na apresentação do título de

doutorado.

Como este estímulo era único aos dois tipos de profissionais existentes

no cargo (pesquisador e extensionista), havia o incentivo único e exclusivo à

obtenção de títulos, que condizia com a realidade do pesquisador, mais voltado às

atividades acadêmicas, porém, destoava da prática diária do extensionista, que se

encontrava frequentemente em visitas técnicas, em fazendas e regiões interioranas,

sem acesso a ofertas de cursos acadêmicos. Estes viam baixa condição de

evolução na carreira por conta da obrigatoriedade de titulação como critério para

ascensão. Isso porque a obtenção de títulos, para grande parte dos profissionais

que reside no interior, é muito difícil de conciliar com a atuação profissional. Além

disso, a titulação não se configurava como elemento determinante para a atuação

em extensão; suas atribuições requeriam muito mais uma vivência prática, uma

habilidade relacional com o ruralista do que diplomas e certificados escolares.

18

Em relação à movimentação entre referências, era aplicada uma

progressão por desempenho, com um ciclo bianual, que se baseava na média de

das avaliações anuais aplicadas a esse público. As progressões eram automáticas,

caso o profissional recebesse nota acima de 70%.

Tal avaliação estava alicerçada em 142 critérios que, embora tivessem

como preceitos o louvável intento meritocrático e traduziam, em diversos

indicadores, a tentativa de estímulo não só à geração do conhecimento

(publicações), como também sua transmissão (atividades de extensão, como visitas

técnicas, capacitações no campo, etc), encontravam-se excessivos, mal utilizados,

sub ou super utilizados, isto é, sem um dimensionamento adequado. Além disso,

estavam misturados entre critérios de exposição de publicações, extensão e

técnicas administrativas, sendo que apenas alguns critérios faziam sentido aos dois

públicos. A maior parte dos critérios tinha maior significado e relevância ora para os

pesquisadores, ora para os extensionistas. Junte-se a isso o fato destes

profissionais encontrarem-se na mesma carreira, o que dificultava a

comparabilidade. Por fim, vale ressaltar que o valor de incremento na progressão de

3% era irrisório, refletindo-se em pouco efeito prático remuneratório, o que se

traduzia em um grande esforço para levantamento e avaliação dos 142 critérios,

sem que houvesse um impacto relevante na carreira. Segundo relatos coletados nas

entrevistas, a avaliação acabava se deslegitimando, seja pela sua complexidade,

seja pela sua baixa relevância, fazendo com que os gestores atribuíssem nota

máxima a seus avaliados, o que gerava progressões automáticas a todos.

Impactos na disseminação do conhecimento

Pelo disposto do antigo modelo, pode-se apreender que o fluxo de

conhecimento desejável ao INCAPER não estava devidamente

estimulado/amparado pelas ferramentas de gestão disponíveis. A promoção por

titulação conseguia estimular o início do ciclo, isto é, motivava o pesquisador a

buscar constantemente a geração do conhecimento, por seus estudos e realizações

de dissertações e teses, mas não focava o extensionista no seu objetivo principal de

bem recepcionar o conhecimento gerado pelos pesquisadores e transmiti -los de

maneira palatável aos ruralistas. Ao invés disso, os extensionistas passavam a

19

também buscar capacitações acadêmicas, muitas vezes frustrando-se por obter

pouca oferta em seu ambiente de trabalho, por não vislumbrar uma aplicabilidade

imediata no seu dia-a-dia ou simplesmente por não ter o perfil acadêmico, como o

pesquisador.

Analisando-se o fluxo de conhecimento ideal ao INCAPER (Figura 4),

verifica-se que não há o devido estímulo na passagem do conhecimento entre

pesquisador para o extensionista, seja pelos motivos acima descritos, seja também

pela falta de motivação aos pesquisadores em repassar tal conhecimento.

Regatando-se os conhecimentos disseminados por Davenport, não houve uma

moeda de troca atrativa para que o pesquisador “venda” (repasse) conhecimento ao

extensionista, nem uma moeda de troca atrativa para que o extensionista se

demonstre pró ativo na busca (“compra”) do conhecimento gerado pelo pesquisador.

Na inexistência dessas moedas de troca, o ambiente gerado é de baixa solicitude

para a troca de conhecimento. Isto se reflete também na passagem do extensionista

para o ruralista e no retorno do conhecimento prático e vivencial do ruralista para o

extensionista e deste para o pesquisador.

Figura 4: Impactos na disseminação do conhecimento do INCAPER no antigo modelo .

Fonte: Elaborado pelos autores.

6.2.2 Novo modelo de estrutura de carreira

De acordo com os propósitos do INCAPER, o cargo amplo de agente de

desenvolvimento rural pretendia abarcar tanto o trabalho de pesquisa quanto o de

extensão; entretanto, análises e estudos detalhados no momento de reestruturação

de carreira comprovaram se tratar de dois grupos de profissionais com perfis e

20

atuações bastante distintas. Ambos possuem atuação próxima às demandas que o

Instituto recebe do Ministério de Desenvolvimento Agrário, mas os servidores da

extensão rural se relacionam também com as demandas do Ministério do

Desenvolvimento Social, enquanto os servidores da pesquisa se envolvem com as

demandas do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Os servidores da área de extensão têm como foco o atendimento às

comunidades e aos pequenos produtores rurais transferindo a tecnologia produtiva,

além de participar de campanhas de inclusão social, exigindo maior abrangência de

atuação, não apenas na assistência técnica. Além disso, esses servidores estão

espalhados pelo Estado, longe de centros urbanos, o que dificulta a obtenção de

títulos acadêmicos, sendo que esses não são imprescindíveis ao bom desempenho

das suas atividades. Há ainda um contexto de vulnerabilidade do servidor diante de

pressões do ambiente em que atua, por vezes tendo que lidar com assentamentos e

estando com frequência exposto a riscos.

Já os servidores que atuam como pesquisadores necessitam estar em

contínua atualização e produção acadêmica, inclusive para que o Instituto consiga

competir por financiamentos para suas pesquisas. Segundo relatos, estes servidores

são atraídos pela função a ser desempenhada e pelo reconhecimento que a

Instituição possui no mercado quanto à qualidade de suas pesquisas. Nesse sentido,

para o grupo de pesquisadores, o incentivo à titulação e à produção acadêmica é

muito relevante. Porém, para os extensionistas, tal estímulo não só destoa das suas

atribuições, como gera frustração na dificuldade de obtenção de títulos. Essas

peculiaridades nas naturezas tão distintas das atividades implicam em necessidades

e expectativas de carreiras distintas, necessitando estímulos de movimentação

(progressões e promoções) apropriados a cada grupo, para que possam fazer

corretamente o seu papel (pesquisa ou extensão) e garantir a correta e essencial

gestão do conhecimento, tão importante para o Instituto. Fez-se então, a divisão do

cargo amplo em dois cargos, um para os pesquisadores e outro para os

extensionistas, Agente de Extensão em Desenvolvimento Rural e Agente de

Pesquisa e Inovação em Desenvolvimento Rural, respectivamente

21

A separação em dois cargos específicos permitiu o tratamento dos

componentes das carreiras (tanto de pesquisa quanto de extensão/assistência

técnica) de forma mais alinhada às necessidades específicas e às características

demandadas dos profissionais. Vale destacar que tal divisão em nada prejudica a

interação entre os profissionais e a integração das atividades de pesquisa e

extensão. Tal integração ocorre, e deve continuar ocorrendo, pela realização de

ações conjuntas, que envolvam profissionais dos diversos cargos.

A estrutura de carreira de ambos os cargos guardou grande semelhança

para que não haja um sentimento de injustiças ou favorecimentos discricionários.

Dessa forma, adotou-se para ambos os mesmos horizontes, os mesmos

incrementos de progressão e promoção e as mesmas regras de progressão, tendo

apenas distinção nas regras de promoção na carreira, o que conferirá estímulos

distintos, alinhados com o que se espera de cada grupo de profissionais.

Os horizontes de carreira continuaram em 4 classes, na vertical; e adotou-

se 15 referências na horizontal. Os incrementos na progressão foram reduzidos de

3% para 1,5% e a regra adotada foi a da antiguidade, fator historicamente valorizado

no serviço público. Entretanto, para que não se perca a valorização da meritocracia,

adotou-se a possibilidade de aceleração na progressão, através da avaliação de

desempenho satisfatória (nota acima de 70%), que faz com que se caminhe até

duas referências, garantindo-se a possibilidade de ganho na progressão de até 3%

para os profissionais que de fato bem desempenharem suas funções no período

contemplado.

A avaliação de desempenho passa a ser pautado em uma avaliação por

competências, em que se enfocam oito critérios pontuados como essenciais a todos

os servidores públicos. São eles: postura profissional (peso10); trabalho em equipe

(peso: 15); aplicação de normas e procedimentos (Peso: 10); iniciativa e capacidade

de lidar com situações novas e inusitadas (Peso: 12); conhecimentos técnicos

(Peso: 9); qualidade do trabalho (Peso: 16); produtividade no trabalho (Peso: 20); e,

aproveitamento em programas de capacitação (Peso: 8)

A uti lização desta avaliação, conforme citado, implicará na aceleração da

progressão a pesquisadores e extensionistas e na promoção do extensionista,

conforme descrição a seguir. Vale ressaltar que a avaliação de desempenho

compõe um instrumento de gestão e deve estar alinhado com os preceitos

22

Institucionais, além de integrado harmonicamente com as demais práticas de gestão

de pessoas. Nesse sentido, ele serve não só como insumo para a evolução da

carreira, mas para o desenvolvimento profissional de cada servidor, apontando

oportunidades de treinamento, capacitações e atuações complementares no

trabalho. Observa-se, portanto, o esforço do INCAPER em propiciar o alinhamento

horizontal (internal fit) das práticas de gestão de pessoas.

O incremento na promoção passa a ser de 15% da classe I para a II, de

10% da classe II para a III e de 5% da classe III para a IV, com a intenção de se

valorizar e reter o profissional no início da carreira. Embora o incremento na

promoção seja o mesmo para os pesquisadores e extensionistas, as regras para a

promoção passam a ser distintas para os dois casos.

Figura 5: Nova estrutura de carreira

Fonte: Elaborado pelos autores.

Para os extensionistas, adotou-se a promoção por seleção. Como critério

de elegibilidade à promoção tem-se a necessidade de permanência mínima de 5

anos na classe atual, valorizando-se a experiência e a vivência na atividade, a

coleção de cinco avaliações periódicas de desempenho individual e a disponibilidade

de recursos financeiros. Tal necessidade, inexistente no modelo anterior, dá

sustentabilidade ao modelo, colocando-o em consonância com o momento

financeiro vivenciado em cada ciclo promocional, pelo INCAPER. Traz também, a

mensagem implícita de que, uma vez que o recurso para a promoção seja limitado,

haverá a competição entre os servidores, sendo promovidos apenas os que fizerem

jus ao mérito. O critério de seleção, ou seja, a priorização e escolha é justamente o

momento de se classificar os servidores aptos em uma ordem decrescente e

contemplar os que mais merecerem a promoção. Tal classificação obedecerá à

seguinte composição (Figura 6).

23

Figura 6: Critérios de Classificação da promoção por seleção

Fonte: Legislação do INCAPER

A avaliação individual refere-se à avaliação de desempenho pautado por

competências, já descrita anteriormente; é o que possui o maior peso, pois é neste

critério que se consegue valorizar a vivência prática, a boa atuação do extensionista,

reforçando e estimulando a transferência do conhecimento rural.

Há um critério de capacitação e qualificação, com peso de 34%,

denotando a importância também do extensionista se qualificar, com a diferença de

que no novo modelo há a possibilidade de se pontuar capacitações técnicas e de

curta duração, mais condizentes com a rotina do extensionista; antes, cobrava-se

apenas a titulação acadêmica de longo prazo: especializações lato e sctricto sensu.

Por fim, os critérios de participação em comissões e gestão e fiscalização

de contratos, ambos valendo 8%, são critérios universais a todos os servidores do

Estado do Espírito Santo, e visa o estímulo à execução de tais atividades,

necessárias e essenciais à Gestão Pública, mas que não possuem uma

contraprestação pecuniária direta, isto é, não há pagamento extra para o servidor

que acumula tais atribuições.

Já a promoção adotada aos pesquisadores é a promoção por titulação,

que, embora tenha um estímulo parecido com a antiga promoção vivenciada pelo

cargo agente de desenvolvimento rural, há também diferenças, que vem contribuir

para o alinhamento vertical e horizontal do instrumento com a estratégia do

INCAPER e demais sub sistemas de recursos humanos. Tais mudanças acabam

também por estimular não só a geração do conhecimento, mas a transmissão dele

pelo pesquisador, ao extensionista. O critério de elegibilidade, como o nome diz, é a

obtenção do título acadêmico, mantendo-se a promoção para a classe II ao se

atingir a especialização lato sensu, a promoção para a classe III ao se obter o

mestrado e a promoção para a classe IV na obtenção do título de doutor.

24

Há, contudo, uma diferença com a antiga promoção por titularidade, pois

nesta nova, se insere também como filtro de elegibilidade a observância na

disponibilidade de recursos financeiros. Ao se introduzir este fator, não só se alinha

com a gestão orçamentária do instituto, mas também se introduz a noção de

meritocracia e comparação entre semelhantes, para se escolher os que

apresentaram melhor desempenho para a promoção; mesma linha de raciocínio

aplicado aos extensionistas. A limitação orçamentária traz um segundo passo à

promoção por titulação, que é o critério de priorização; se para o extensionista, os

critérios estavam fortemente baseados na avaliação por competências, para o

pesquisador, selecionou-se critérios condizentes com sua atuação específica e

peculiar, a ênfase na geração do conhecimento, sem se esquecer da importância de

repasse desse conhecimento à área de extensão: (Figura 7).

Figura 7: Critérios de classificação dos pesquisadores

Fonte: Legislação do INCAPER

Nota-se a ênfase na geração do conhecimento, que corresponde a 34%

da nota, mas há também uma preocupação na transmissão dessa tecnologia (25%),

além da qualidade da Universidade em que se busca o título, refletida pela nota

CAPES (16%), bem como alguns critérios comportamentais que mensurarão a boa

relação com a extensão (17%). Por fim, estimulou-se também a captação financeira

para as pesquisas realizadas (8%).

O quadro 4 apresenta um quadro-resumo dos instrumentos de gestão e

estrutura de carreira no antigo e no novo modelo do INCAPER.

25

Instrumentos de Gestão

e Estrutura de Carreira Antigo Modelo Novo Modelo

Cargo Agente de

Desenvolvimento Rural

Agente de Pesquisa e Desenvolvimento Rural

Agente de Extensão e Desenvolvimento Rural

Horizonte - Referências 17 15

Horizonte - Classes 4 4

Incremento na

Progressão 3% 1,50%

Incremento na Promoção 10% - 10% - 10% 15% - 10% - 5%

Regra da Progressão por desempenho por tempo, com acelerador por desempenho

Regra da Promoção Promoção por Titularidade

Promoção por titulação ao pesquisador

Promoção por seleção ao extensionista

Avaliação Avaliação com 142

critérios Avaliação por Competência

Quadro 4: Comparativo entre s instrumentos de gestão e estrutura de carreira no antigo e no novo modelo .

Fonte: Elaborado pelos autores.

Verificam-se pelas descrições das duas ferramentas de gestão de carreira

que as mensagens e estímulos repassados aos dois públicos são agora distintos e,

ao que parece, condizentes com o fluxo do conhecimento almejado pelo Instituto. É

o que se analisa a seguir.

Impactos na disseminação do conhecimento

Tendo como referência, as condições capacitadoras da gestão do

conhecimento (interação, autonomia, flutuação, redundância e variedade de

requisitos), podemos inferir que o primeiro item já se encontra na estratégia do

Instituto. Discute-se aqui, com os critérios de carreira, o segundo item, a

automotivação individual e o quanto o sistema de gestão pode facilitar a autonomia.

Os demais itens: flutuação, redundância e variedade de requisitos são impactados

pelo ambiente de negócio, pelo modelo de gestão e pelo perfil dos gestores e

servidores.

26

Neste sentido, o novo modelo promove maiores condições capacitadoras

para que haja a transmissão do conhecimento. Os pesquisadores, ao serem

estimulados não só na obtenção do título (importante para a geração do

conhecimento), mas também na transmissão e na boa relação com a área de

extensão, passam a ser motivados a uma postura proativa e solícita na relação com

o extensionista. Estes, por sua vez, ao serem estimulados a perseguirem a boa

execução de suas atribuições, e não mais em uma corrida desfocada por títulos,

passam a se desenvolver mais rapidamente e eficientemente em sua área,

adotando-se também uma postura solícita na recepção do conhecimento passado

pelo pesquisador e no repasse ao ruralista. Esta solicitude (Von Krogh, Ichijo e

Nonaka, 2001) é ainda reforçada pelo fato de que no novo modelo, por serem dois

cargos distintos, os pesquisadores e os extensionistas não concorrerão entre si, por

recursos orçamentários destinados à promoção. Nem haverá a análise comparativa

de carreiras entre eles, tornando-se evidente que são carreiras distintas e

igualmente necessárias e importantes ao INCAPER, motivo pelo qual as duas

carreiras, embora de cargos distintos, mantenham a mesma tabela remuneratória.

No fluxo do conhecimento do INCAPER, passa a haver estímulos não só

na geração da pesquisa, mas também na transmissão do conhecimento até os

ruralistas. (Figura 8). Restam dúvidas quanto ao retorno do fluxo, isto é, o quanto os

instrumentos de gestão estão possibilitando e motivando o feedback técnico dos

ruralistas aos extensionistas e estes alimentando novas pesquisas dos

pesquisadores. Pelo escopo do artigo, não foi possível evidenciar e analisar tal

retorno, ficando como proposta de pesquisa futura.

Figura 8: Impactos na disseminação do conhecimento do INCAPER no antigo modelo

Fonte: Elaborado pelos autores.

27

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, pretendeu-se de forma geral compreender como a

administração de carreiras contribui para o processo de criação do conhecimento

organizacional.

Por meio da pesquisa, percebeu-se que os critérios antigos de carreira do

INCAPER estimulavam demasiadamente a titulação, ou seja, a geração de

conhecimento, ao passo que critérios para transmissão do conhecimento eram

pouco explorados. Com a reformulação dos critérios de carreira, notou-se que

estímulos para a transmissão foram fortemente introduzidos e a titulação foi

enfatizada apenas para o público que de fato se apropria deste conteúdo no dia-a-

dia do trabalho.

Os antigos critérios de carreira também não reconheciam as diferenças

de natureza de trabalho do pesquisador e extensionista, tratando-os de forma

semelhante. Este fato gerou descontentamento, uma vez que a probabilidade de um

grupo alcançar os critérios de promoção era maior para um deles. Este

descontentamento constituía entraves para a criação e transferência de

conhecimento. Tais aspectos foram considerados e modificados na reformulação

dos critérios de carreira.

Nota-se, portanto, que este trabalho ofereceu uma alternativa promissora,

dentro de suas limitações, para compreender como a administração de carreiras

contribui para o processo de criação do conhecimento organizacional.

Como limitação deste trabalho pode-se mencionar que o estudo se

restringiu a uma única organização, assim os objetivos foram atingidos no contexto

do caso estudado.

Pensando em estudo futuros, uma possibilidade a considerar é utilizar a

metodologia aplicada neste trabalho em outras organizações, permitindo assim uma

comparação entre organizações. Outra possibilidade de pesquisas futuras seria

fazer um estudo entre organizações que têm a gestão do conhecimento como parte

de seu intento estratégico versus aquelas que não têm, com o intuito comparar a

configuração das carreiras. Por fim, espera-se que o presente trabalho tenha

cooperado para que a organização estudada - o INCAPER – compreenda como a

administração de carreiras contribui para o processo de criação do conhecimento

organizacional.

28

REFERÊNCIAS

BOSQUETTI, M. A. (2009), Gestão de Pessoas, estratégia e performance organizacional: um estudo internacional de casos múltiplos, Tese de Doutorado

em Administração, Universidade de São Paulo, http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-08102009-123814/.

BOXALL, P; HAESLI, A. When knowledge management meets HR strategy: an

exploration of personalization-retention and codification-recruitment configurations. Int. J. of Human Resource Management 16:11 November 2005 1955–1975.

CASSIOLATO, J. E. ; LASTRES, H. M. M. . Innovation Systems and Local Productive Arrangements: new strategies to promote the generation, acquisition and diffusion of knowledge. Innovation: Management, Policy and

Practice, v. 7, p. 172-187, 2005.

DAVENPORT, T.H.; PRUSAK, L. Conhecimento Empresarial. Rio de Janeiro,:

Campus, 1998.

DUTRA, J. S.. Gestão de pessoas: modelo, processos, tendências e perspectivas. 1. Ed. – 7. reimpr. – São Paulo: Atlas, 2009.

______. Administração de Carreiras - Uma Proposta para repensar a Gestão de Pessoas. São Paulo: Editora Atlas. 1996.

FISCHER, A. L. Um resgate conceitual e histórico dos modelos de gestão de pessoas. In FLEURY, M. T. (org) As pessoas na organização. São Paulo: Editora

Gente, p. 11-34, 2002.

FISCHER, A. L. Um resgate conceitual e histórico dos modelos de gestão de pessoas. In FLEURY, M. T. (org) As pessoas na organização. São Paulo: Editora

Gente, p. 11-34, 2002.

HIPÓLITO, J.A.M.; REIS, G.G. A avaliação como instrumento de gestão. In:

FLEURY, M.T.L. (Coord.) As pessoas na organização. São Paulo: Gente, 2002.

KROGH, G.; ICHIGO, K. NONAKA, I. Facilitando a Criação do Conhecimento: reinventando a empresa com o poder da inovação contínua. Rio de Janeiro:

Campus, 2001.

LASTRES, H. et Al. Desafios e oportunidades da era do conhecimento. Revista

São Paulo em perspectiva, p60-66, 2002.

29

LONDON, M.; STUMPH. S. Managing Careers. Massachussets. Addison-Wesley,

1982.

MARTINS, G. A., Estudo de Caso: uma estratégia de pesquisa. 2ª edição, São

Paulo, Editora Atlas, 2008

MOREIRA, M., Alinhamento entre gestão de pessoas e estratégia organizacional: um estudo de caso em uma empresa pública brasileira. Tese de

Mestrado em Administração, Instituto Universitário de Lisboa, 2010.

NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. A criação do conhecimento na empresa. Rio de

Janeiro: Campus, 2002.

OLTRA, V. Knowledge management effectiveness factors: the role of HRM. Journal of Knowledge Management, Vol 9 Iss: 4 pp.70-86.

ROBBINS, S. P. Comportamento Organizacional. 8ª ed. Rio de Janeiro: LTC,

1999.

YAHYA, S; GOH, W. Managing human resources toward achieving knowledge management. Journal of Knowledge Management, v. 6, n. 5, p. 457-468, 2002.

30

___________________________________________________________________

AUTORIA

Ney Nakazato Miyahira – Universidade de São Paulo.

Endereço eletrônico: [email protected]

Carina Labbate Maugé Simões – Universidade de São Paulo.

Endereço eletrônico: [email protected]

Daniel Campos Neto – Universidade de São Paulo.

Endereço eletrônico: [email protected]