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IMPASSES, DESAFIOS E EVIDÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO TERRITÓRIO RURAL NO AGRESTE DE ALAGOAS 1 Diana Mendonça de Carvalho Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS [email protected] Lucivalda Sousa Teixeira e Dantas Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS [email protected] Ramon Oliveira Vasconcelos Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS [email protected] José Eloízio da Costa Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS [email protected] Resumo As questões de desenvolvimento territorial rural no Brasil têm sido analisadas como um sistema de gestão, planejamento, execução monitoramento e avaliação das chamadas ações territoriais. Esse processo tem mais de meia década de implantação e funcionamento e já construíram dezenas de territórios em todo o Brasil. Nesse tocante, o presente trabalho focaliza o território da cidadania da SDT/MDA, que busca superar a pobreza e gerar trabalho e renda no meio rural por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A partir desse aspecto se apresentará os primeiros resultados do Projeto de Pesquisa: Processo de Monitoramento e Avaliação dos Resultados do PDSTR no Território Rural do Agreste de Alagoas, através de suas fases de criação, organização e gestão do Território Rural do Agreste de Alagoas. Palavras-chave: Desenvolvimento, Rural e Território. Introdução As questões de desenvolvimento territorial rural no Brasil têm sido analisadas como um sistema de gestão, planejamento, execução monitoramento e avaliação das chamadas ações territoriais. Esse processo tem mais de meia década de implantação e funcionamento e já construíram dezenas de territórios em todo o Brasil, com diversidade no processo de controle social, na ação de seus atores e nas demandas produzidas. Esse modelo de desenvolvimento territorial rural perpassa duas vertentes do ponto de vista da abordagem acadêmica. A vertente que integra diretamente o debate e que

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IMPASSES, DESAFIOS E EVIDÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO TERRITÓRIO RURAL NO AGRESTE DE ALAGOAS1

Diana Mendonça de Carvalho

Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS [email protected]

Lucivalda Sousa Teixeira e Dantas

Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS [email protected]

Ramon Oliveira Vasconcelos Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS

[email protected]

José Eloízio da Costa Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS

[email protected]

Resumo

As questões de desenvolvimento territorial rural no Brasil têm sido analisadas como um sistema de gestão, planejamento, execução monitoramento e avaliação das chamadas ações territoriais. Esse processo tem mais de meia década de implantação e funcionamento e já construíram dezenas de territórios em todo o Brasil. Nesse tocante, o presente trabalho focaliza o território da cidadania da SDT/MDA, que busca superar a pobreza e gerar trabalho e renda no meio rural por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A partir desse aspecto se apresentará os primeiros resultados do Projeto de Pesquisa: Processo de Monitoramento e Avaliação dos Resultados do PDSTR no Território Rural do Agreste de Alagoas, através de suas fases de criação, organização e gestão do Território Rural do Agreste de Alagoas.

Palavras-chave: Desenvolvimento, Rural e Território.

Introdução

As questões de desenvolvimento territorial rural no Brasil têm sido analisadas como um

sistema de gestão, planejamento, execução monitoramento e avaliação das chamadas

ações territoriais. Esse processo tem mais de meia década de implantação e

funcionamento e já construíram dezenas de territórios em todo o Brasil, com

diversidade no processo de controle social, na ação de seus atores e nas demandas

produzidas.

Esse modelo de desenvolvimento territorial rural perpassa duas vertentes do ponto de

vista da abordagem acadêmica. A vertente que integra diretamente o debate e que

operacionaliza sua contribuição face à complexidade da agenda territorial em

construção e da Gestão Social dos Territórios. E a vertente acadêmica que crítica essa

política. Encarada como política compensatória e de renuncia a uma política mais

radical de implementação da Reforma Agrária. Desse lado, a questão do

Desenvolvimento Territorial Rural se revela como uma ação de frágil e a sua

continuidade poderá, em longo prazo, fortalecer ações de concentração fundiária, de

desigualdade no acesso ao crédito e da consolidação do agronegócio; comprometendo

ainda mais as relações precárias de trabalho no campo e o aumento da pobreza e da

migração campo-cidade.

Na vertente contemporânea, o estudo do Desenvolvimento dos Territórios Rurais é

dinâmico e pode ser demonstrado na necessidade de analisar as particularidades dos

territórios constituídos por instituições oficiais para fins de execução de políticas

públicas. O exemplo do território do Agreste de Alagoas serve para entender como

operam essas dinâmicas, com seus resultados já evidenciados, bem como os desafios

face à necessária continuidade dessa política.

Deste modo, o presente estudo esta dividido em três estratos. O primeiro relaciona-se

com a situação da questão do desenvolvimento territorial enquanto paradigma

emergente, consolidado como um meio de realização das ações estatais e com ele dos

desafios dos estudos que devem ser constituídos daqui para frente, decorrente da

diversidade das realidades locais. Por esta linha, adotamos nessa primeira abordagem as

dimensões conceituais que passam nas ciências sociais como um todo, na Geografia e

principalmente dos conceitos institucionais, particularmente do conceito institucional

estabelecido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

O segundo estrato se define no estudo de caso a partir do Território do Agreste de

Alagoas. E o terceiro, os impasses e desafios, haja vista ainda não haver definição de

resultados concretos com impactos socioterritoriais positivos sobre o meio rural.

Entretanto, observa-se como um processo em evidência, estabelecido por “ciclos

operacionais”1, tanto internamente, através da instabilidade do arranjo constituído;

como também, pelas deficiências das materializações das ações territoriais e de seus

impasses, em especial na questão da gestão social desses processos.

Nesse tocante, o presente trabalho, como primeiros resultado do Projeto de Pesquisa

Processo de Monitoramento e Avaliação dos Resultados do PDSTR no Território Rural

do Agreste de Alagoas, apresentará as fases de criação, organização e gestão do

Território Rural do Agreste de Alagoas.

A Categoria Território no Marco Institucional

Dentro da perspectiva histórica, principalmente dentro da história do pensamento geográfico, o Espaço enquanto categoria universal abstrata foi marcante na Geografia sendo bem anterior à categoria Território e, portanto, essa última pode ser observada como produto daquela sendo definido como “um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder.” (RAFFESTIN, 1993, p.143-144).

A concepção do autor aborda o território enquanto produto de um espaço preexistente,

porém não sendo território uma derivação do espaço e sim um subespaço constituído a

partir das relações socioeconômicas. Na verdade, o território constrói seu próprio

sistema baseado em representações ou em ações concretas de indivíduos, evidentemente

dentro de uma dimensão de poder. Porém, Raffestin limita-se pelo aspecto da

“territorialização”, no qual o território é produto do capital que deve garantir seu

processo de acumulação.

Para Veiga (2003, p. 286), “As vantagens das noções de território e de espaço são

evidentes: não se restringem ao fenômeno local, regional, nacional ou mesmo

continental, podendo exprimir simultaneamente todas essas dimensões.”.

Na concepção de Santos (2002) o território é o cenário de atos humanos exercidos

naturalmente pelo poder, que tenta homogeneizar seus interesses de poder ou dar maior

solidez em espaços ainda não apropriados, estendendo-se ou complementando este

exercício. Nesse sentido, entende-se que a abordagem mais comum da categoria

território, e ainda particularmente na proposta apresentada pela Secretaria de

Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA), é

o simples uso e não o sentido do território. Nessa linha analítica, Santos (2002, p. 15)

tem uma visão singular: “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz

dele objeto da análise social”. O uso do território se processa pelo uso como derivação

da constituição do território real e do verdadeiro sentido dentro do sistema capitalista de

produção.

Desta forma, a concepção de território é marcada pela diversidade conceitual, pois se

trata de uma construção social para além da configuração do Estado Nacional ou

territorial, ou seja, aquela juridicamente organizada com base no exercício do poder

sejam países ou territórios estatais. Como assinala Souza (1995, p. 81), o território “[...]

não precisa e nem deve ser reduzido a essa escala ou à associação com a figura do

Estado. Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas

escalas [...]”.

Para Haesbaert (2007b, p. 37), “Hoje, num mundo de ‘hibridismos’ como o nosso, os

conceitos estão longe de carregar a ambição formal de outrora”. O território é

construído a partir das relações sociais, econômicas, culturais e políticas, que

consequentemente, constituem relações de poder.

A literatura sobre território tem apresentado uma riqueza analítica e também crítica na

medida em que é uma categoria que historicamente foi cara à Geografia face ao seu

caráter eminentemente político estando vinculada quase que estritamente ao campo da

Geografia Política. Os novos recortes teóricos evidenciam a multiplicidade não apenas

no aprofundamento do conceito e da análise do território, mas das derivações

categoriais por ele emanadas, como as categorias “territorialização”, “territorialidade”,

“multiterritorialidade”, etc. e que agora oferece lastro na análise da sociedade no

processo de produção do espaço. E ainda mais importante, com a captura da categoria

como medida operacional de ação do Estado a partir de uma proposta de intervenção e

de “substituição histórica” da velha categoria região, isso na dimensão do planejamento

e do desenvolvimento.

Assim, adentremos nesse enfoque da questão do desenvolvimento territorial rural como

substrato às recentes políticas públicas voltadas para o meio rural brasileiro evidenciado

com a criação dos chamados Territórios Rurais (TRs), sob a responsabilidade

institucional da SDT/MDA. No seu “Marco Referencial para Apoio ao

Desenvolvimento de Territórios Rurais”, a SDT/MDA utiliza institucionalmente a

concepção de território como:

Um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo a cidade e o campo, caracterizado por critérios multidimensionais – tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições – e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial. (SDT/MDA, 2005a, p. 07-08).

É evidente que tal definição tem suas incongruências teóricas, quiçá metodológicas, e

confunde muito, principalmente aqueles que militam na Geografia, pois o território é

comumente caracterizado a partir das relações de poder e seus “hibridismos”. Aspectos

que não estão explícitos na definição apresentada no documento da SDT/MDA. Essa

Secretaria do MDA se fundamenta principalmente no fator identidade e no caráter

homogeneizador do espaço. Logo, opera-se com os resultados imediatos, ampliando e

recriando em outros territórios experiências práticas com função positiva, sem

desconsiderar as particularidades territoriais e averiguando a participação direta da

sociedade na gestão social dos territórios (ABRAMOVAY: 2003; 2005).

O Território do Agreste de Alagoas: Um Recorte Espacial

O Território do Agreste de Alagoas forma um dos seis territórios rurais alagoanos

implantados pela SDT/MDA, compondo um total 16 municípios em uma área de pouco

mais de 4,6 mil km². A população absoluta no território em 2010 era de 560.463

habitantes, dos quais 46,77% residem na zona rural. Com uma densidade demográfica

média de 122,38 hab/km2. O território possui 48.183 agricultores familiares, 986

famílias assentadas, 8 comunidades quilombolas e 6 terras indígenas. Seu IDH médio é

0,60.

Nesse território a agricultura contribui com aproximadamente 30% do PIB, em função

de seu principal município – Arapiraca, que se destacar como polo regional de

expressão econômica no interior alagoano. O referido município se destaca como centro

distribuidor de produtos agrícolas, como centro de comércio, de serviços e da atividade

industrial, com forte alcance não apenas no agreste, mas em parte significativa do

interior do estado de Alagoas.

Apesar disso, dados do “Atlas dos Territórios – 2004”, da SDT, mostram que 63,3% da

renda gerada esta concentrada nas mãos dos 20% mais ricos, enquanto os 20% mais

pobres abocanham apenas 1,4% da renda distribuída no território.

O Território Rural do Agreste difere da metodologia classificatória construída pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em função de extrapolar a

tradicional região agrestia ou ainda por não abrangê-la em sua totalidade. Dos 24

municípios da mesorregião do Agreste, apenas 15 integram o território, sendo 10

pertencentes à microrregião de Arapiraca, 3 da microrregião de Palmeira dos Índios e 2

da microrregião de Traipu. O município de Junqueiro, apesar da proximidade territorial

com os demais municípios membros do território, é o único que não pertence à

microrregião e a mesorregião do Agreste. O município integra a mesorregião de São

Miguel dos Campos, localizado na porção leste do estado de Alagoas. Entretanto,

Junqueiro tem forte relação econômica com a região do agreste, sendo que o município

é fortemente polarizado pela cidade de Arapiraca, mesmo que seu centro urbano esteja

localizado às margens da BR-101, com fácil acessibilidade a centros urbanos maiores,

como a capital do estado, Maceió (Figura 01).

Figura 01. Território Rural do Agreste de Alagoas.

Fonte: IBGE, 2010.

Ciclos Operacionais no Território Agreste de Alagoas

O território da cidadania da SDT/MDA busca superar a pobreza e gerar trabalho e renda

no meio rural por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável.

Nesse contexto, a seleção dos territórios alagoanos foi realizada pelo Conselho Estadual

de Agricultura Familiar e Reforma Agrária (CEDAFRA), através do Programa Nacional

de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais - PRONAT (2006). Assim, em

maio de 2004, seria constituída a Comissão de Instalação de Ações Territoriais (CIAT),

composta por diversos atores sociais que representavam inicialmente as entidades que

diretamente atuam sobre o meio rural. A missão da CIAT era coordenar o processo de

construção do Plano de Trabalho de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS),

através da figura do articulador, tendo com suporte um consultor territorial que atuariam

em nível territorial e estadual, respectivamente.

O PTDRS era um documento que descrevia a metodologia utilizada, as informações

levantadas e os elementos fundamentais que compunham o referido Plano, fruto de

reflexão e discussão da CIAT e do articulador territorial com os atores sociais, através

da realização de oficinas, seminários e reuniões regulares, tendo a finalidade de nortear

as ações no território. Posteriormente a CIAT seria substituída pelo Colegiado de

Desenvolvimento Territorial (CODETER) e a figura do Articulador Territorial

substituída pelo Assessor Técnico, com objetivo de dar maior agilidade ao processo de

desenvolvimento territorial.

Nesse aspecto, podem-se estabelecer os seguintes níveis de análise do desenvolvimento

territorial do Agreste de Alagoas: 1- a questão do processo de constituição do arranjo

institucional, os maiores problemas com a rotatividade dos atores nas instâncias do

Colegiado e a maior participação de algumas entidades que em função da organicidade

de seus representantes, teve forte poder de influência e decisão dentro das instancias do

CODETER. 2- as ações territoriais que fundamentaram a “primeira geração das ações

territoriais”. E 3- os impasses e desafios da “segunda geração”, na qual podem ser

analisadas as dificuldades do processo de consolidação do Colegiado. Isso face à

reiteração dos mesmos problemas observados no processo de constituição e de gestão

das obras realizadas pelo Colegiado.

É pertinente observar que o Colegiado do Agreste de Alagoas é formado por

representantes de entidades de direito público interno (Estado e Municípios) e de

entidades da sociedade civil organizada e que tem como marco de atuação o meio rural,

como os sindicatos dos trabalhadores rurais, cooperativas associações, etc. Esse

Colegiado é constituído por tripla instância. A instância da Plenária, mais ampla e de

caráter deliberativo, apresentando maior flexibilidade4 em sua composição, ao aclopar

entidades que não estiveram “presentes” em reuniões anteriores. Nesse caso poderão

participar entidades, cuja presença regular em reuniões posteriores poderá lhe dar o

poder do voto e condição de como membro permanente do Colegiado. Atualmente 45

entidades integram o Colegiado com poder de voz e voto.

Há ainda, a instância do Núcleo Diretivo possui 15 entidades mais atuantes no

Colegiado e que regularmente estão presentes nas reuniões deliberativas. O Colegiado

também é composto pela instância de Núcleo Técnico, com função de apoio às demais

instâncias do CODETER, em especial na prestação de assessoria ao Núcleo Diretivo. O

Assessor Técnico tem um importante papel nessa instância, além do papel crucial no

Núcleo Diretivo, com apenas poder de voz, mas de grande responsabilidade nas três

instâncias.

Destaca-se também a constituição mais recente das chamadas Câmaras Temáticas, com

objetivo de descentralizar internamente às decisões mais frequentes e que sempre

compõem a pauta do arranjo. Para o exemplo do Agreste de Alagoas, a prioridade seria

dada pela constituição da Câmara da Educação, por apresentar extensa demanda

territorial e de certa forma abranger praticamente todos os municípios do território.

No que refere ao assessor técnico, geralmente vinculado a alguma das entidades do

território ou eleito entre os pares, sua atribuição é mobilizar, sensibilizar e articular as

entidades ligadas ao mundo rural no território. Ele também é responsável pela

elaboração e acompanhamento da execução do PTDRS e agora mais recentemente, pelo

processo de implementação do plano de providências. Esse plano visa recuperar obras

inacabadas e que estejam com problemas de conclusão. Atualmente a entidade SOMAR

é responsável pelo gerenciamento dos recursos do Colegiado e pelo pagamento do

assessor técnico.

Aparentemente é possível interpretar que foram poucas obras realizadas depois de um

longo processo de discussão nas instâncias do CODETER e naturalmente com sérios

problemas de gestão, controle e principalmente fragilidade de capital de giro destas

operações. Mas também não se pode esquecer que a realidade institucional dos

territórios rurais tinha uma longa agenda de ação por parte do assessor técnico, com o

objetivo preliminar de mobilizar, sensibilizar e “convencer” as entidades mais

representativas e vinculadas ao meio rural do território. Nesses termos, focalizando

sempre a importância de participar de uma nova dinâmica em que a questão dos

princípios da participação social, do caráter da inovação e da governança compunha

como substratos fundamentais na constituição das instâncias discursivas e deliberativas

dos territórios da cidadania.

A partir do trabalho de campo foi possível constatar as ações territorializadas no

Agreste, possibilitando fazer uma análise conjuntural a partir dos resultados positivos e

dos problemas que inviabilizaram uma ação mais eficaz.

Um dos graves problemas encontrados para desenvolver as ações no território foram as

pendências fiscais das prefeituras com o INSS, vez que uns dos requisitos para a

liberação do recurso é a regularidade das obrigações previdenciárias. Desse modo, a

inadimplência de alguns municípios inviabilizou a execução de projetos, o que

contribuiu para o desânimo de algumas entidades envolvidas. “Apesar de que não é só o

projeto, é a mobilização, é a articulação para uma série de outras ações, mas,

infelizmente, acaba se vendo muito a parte do projeto. É mais o lado econômico, então o

pessoal desanimava e acabava não vindo mais para a reunião,” afirmou um dos

membros do Colegiado (2009).

Apesar da regularidade das reuniões e dos recursos a serem discutidos e deliberados, o

clima no território passou por uma fase de “marasmo” (expressão utilizada por um de

seus membros). Para alguns, existe uma espécie de “esgotamento” do modelo, apesar

dos projetos em andamento. Desde a sua criação foram implementados vários projetos,

porém, além da inadimplência, existem outros problemas, como as dificuldades de

relacionamento entre os próprios membros da sociedade civil organizada, o inchaço no

núcleo diretivo, que tem contribuído na lentidão das decisões e na falta de fluidez das

entidades em prol do desenvolvimento das ações.

Por consequência, configura-se contradição na partilha dos recursos disponíveis, pois

um grupo de municípios atua de forma mais intensiva, como Arapiraca, Palmeira dos

Índios, Estrela de Alagoas e Igaci que dispõem de “discurso competente”, facilidade de

organização e freqüência nas reuniões, tanto no núcleo diretivo, como também nas

plenárias. Enquanto que outros não têm grande poder de barganha, evidenciando

marginalização da porção sul do território, como Traipu, Olho D`Água Grande e Campo

Grande por falta de organização, “discurso” e participação.

Desse modo, pode-se dizer que dentro da dinâmica das entidades territoriais que atuam

no colegiado, estrutura-se uma classificação interessante e ao mesmo tempo excludente

na medida em que a questão da participação social não se apresenta de forma tão

homogênea. O que tem como resultado inevitável a constituição de um mosaico

territorial, este definido em termos espaciais, com uma divisão bem nítida dos

municípios “dinâmicos” e dos municípios “estagnados” das políticas territoriais.

Se de um lado temos os municípios como Palmeira dos Índios, Estrela de Alagoas e

Igaci, estes inseridos como municípios do Território do Agreste de Alagoas por

“adição”, que são os mais atuantes no arranjo territorial. Por outro lado, temos

municípios que possuem maior identidade fisiográfica com o Agreste Alagoano, como

Limoeiro de Anadia, Coité do Nóia, Lagoa da Canoa, Feira Grande e Girau do

Ponciano, onde o poder de suas entidades, e que integram o Colegiado, é praticamente

nulo ou com pouca representatividade na instância. O que inviabiliza processos de

discussão mais abertos entre os membros do ponto de vista da constituição das

demandas no Colegiado, infelizmente dando maior legitimidade as entidades mais

organizadas e com maior poder de pressão (e discurso) dentro do Colegiado.

Entre os municípios mais fragilizados pela incapacidade da organização tem-se uma

nítida coesão territorial. Essa coesão decorre de identidades de demandas, que

substancialmente articulam-se entre as entidades dentro do colegiado desses municípios,

como as Secretarias Municipais de Agricultura de Palmeira dos Índios, Estrela de

Alagoas e Igaci, além da intensa participação da Cooperativa dos Produtores de Leite de

Palmeira dos Índios (CARPIL) e da Secretaria Municipal de Educação de Estrela de

Alagoas. Em contraposição estrutura-se uma dissociação orgânica das entidades dos

municípios da parte meridional do território, onde, em função da atuação fragmentada e

pouco participativa, suas demandas não são colocadas na agenda imediata do território,

mesmo que possa estar incluída no PTDRS.

Todo esse processo rebate na materialização das ações territoriais, como produto das

discussões e das deliberações das instâncias do colegiado. Tal análise é fundamental na

medida em que regionalmente todo esse processo tem grande importância quando da

efetivação de políticas que têm como alvo os agricultores familiares da região agrestia

alagoana.

Assim, pode-se segmentar em linhas gerais como principais ações territoriais do

Território do Agreste de Alagoas, dentro do que se denominou de “primeira geração”

das seguintes ações:

1 – Construção da unidade de beneficiamento de leite no município de Arapiraca;

2 – Construção da unidade de produção da fécula da mandioca e da unidade

classificadora de farinha, também localizada no município de Arapiraca;

3 – Reestruturação das casas de farinha, totalizando 27 ações, que abrange diversos

municípios do Território.

Essas três ações tiveram maior envergadura na região e maior montante de recursos

liberados, mas infelizmente com contradições quase que insuperáveis do ponto de vista

de sua operacionalização. As duas primeiras – a unidade de beneficiamento de leite e a

fecularia de derivados da mandioca estão paralisadas face aos problemas relacionados à

gestão e de certa forma, da negligência das prefeituras municipais, além dos problemas

internos entre os atores representativos do Colegiado. A inadimplência com as

obrigações previdenciárias, a não apresentação de determinados atos administrativos

como os cadastros relacionados aos dados educacionais ou dos benefícios dos

programas de transferência de renda, repercutiram negativamente na liberação dos

recursos, na medida em que são as prefeituras responsáveis pela execução das demandas

deliberadas.

Outra questão relaciona-se com a pouca agregação participativa de algumas prefeituras

no Colegiado. Simplesmente algumas delas ignoraram, e, mesmo tomando ciência do

que efetivamente estão sendo discutidos e encaminhados nas reuniões das plenárias,

ainda assim sequer enviam representantes para essas reuniões.

Por esse contexto, os “ciclos operacionais” do desenvolvimento territorial no Agreste de

Alagoas, foram estabelecidos inicialmente por um ciclo de “motivação” e

compreenderia os três primeiros anos de funcionamento concreto do Colegiado

(2005/2007). Tal motivação daria maior visibilidade a instância e a necessidade de

mobilização dos atores sociais mais organizados do território, além da construção do

PTDRS. Pode-se dizer que os primeiros passos foram positivos, inclusive em função da

realização de experiências através da constituição do consórcio intermunicipal e do

conhecimento que alguns atores institucionais tinham com as prefeituras municipais e

alguns órgãos do governo alagoano, em relação à necessidade de discussão e

deliberação de demandas coletivas de repercussão territorial. É pertinente observar que

nesse período foram construídos os atuais “elefantes brancos participativos” do

território, como a fecularia e a unidade de beneficiamento do leite. Para alguns atores do

território, esse processo se tornou como o mais problemático e de difícil solução, sendo

talvez, o que apresenta maior impasse nos dias atuais na medida em que os recursos

aplicados foram significativos (mais de 2,0 milhões de reais!) e que concretamente não

gerou qualquer efeito em termos de desenvolvimento local.

Nessa esteira, o segundo ciclo conhecido como “ciclo da estagnação” ou ciclo do

“marasmo”, se caracterizou pela quase paralisação da instância colegiada e da completa

desmobilização dos atores sociais mais ativos. Aspectos que afastaram importantes

células sociais definidoras da organização colegiada e promoveram maior

distanciamento com as entidades representativas da sociedade civil organizada, que

poderiam contribuir no processo de desenvolvimento territorial. Praticamente não

haveria regularidade das reuniões nessa fase, havendo mudanças na figura do assessor

técnico e do articulador regional e estadual; além da falta de recursos para gerir o

funcionamento da própria instância. Mais interessante, que, mesmo em um quadro

negativo, é evidente que a boa intencionalidade ainda existia.

Finalmente o atual ciclo operacional, nascido com a constituição no território da

cidadania do Agreste de Alagoas a partir de 2008, se caracteriza pela tentativa de

reconstrução da instância coletiva. Essa reconstrução ocorre em função de forças

exógenas interessadas no respectivo processo, como o governo federal, através do

MDA, como também da inserção de novos atores inseridos no processo e na

necessidade de constituição “real” dos membros efetivos do CODETER.

A tentativa de implantação do plano de providências e as realizações regulares das

reuniões são algumas dessas ações. O plano de providências discute e encaminha

propostas das chamadas “ações paralisadas” como a fecularia e o “esqueleto esquecido”

da unidade de beneficiamento do leite.

A reconstrução da instância coletiva obrigará a apresentação de habilidades por parte

dos atores sociais envolvidos e das prefeituras municipais (como a Prefeitura de

Arapiraca, onde essas obras estão localizadas), a fim de gerarem resultados e podendo

ocasionar consequências no próprio funcionamento do Colegiado. Daí o grande desafio

em relação aos impasses e contradições observadas.

Considerações Finais

A questão do desenvolvimento territorial rural sustentável incluído como política de

Estado tem suas contradições e desafios, além dos impasses gerados em seu processo de

consolidação e da questão de entender a dinâmica e a diversidade dos territórios rurais

em todo o Brasil. Desse modo, entende-se que a questão se insere como um dos

elementos centrais para ações do Estado na questão de planejamento social e no papel

institucional de operar dentro dessa nova perspectiva, que sepulta o velho modelo do

desenvolvimento regional keynesiano ou da irracionalidade do Estado Neoliberal.

É evidente que a limitação dessa proposta, por ser setorial, envolvendo apenas questões

relacionadas ao mundo rural e focado nos agricultores familiares mais pobres do país,

não promove mudanças estruturais. Mas enquanto intervenção de propostas que deságue

em “ações territoriais” sobre esse mundo rural poderá tal política trazer mudanças e

principalmente, maior capacidade dos atores sociais se envolverem no processo de

desenvolvimento territorial (ou de desenvolvimento local).

O Território do Agreste de Alagoas se revela como uma experiência interessante frente

a questão da dinâmica do Colegiado e de suas realizações, além da facilidade de

aglutinar representantes de entidades concretamente interessados no processo de

desenvolvimento. Os ciclos operacionais observados é um desenho inicial desse

processo e que poderá estabelecer novos parâmetros de atuação. Não necessariamente

como uma mera caixa de ressonância para efetivamente aplicar recursos do MDA no

território, sem qualquer lastro com a questão do princípio da participação social, mas

buscando maior autonomia da instância, modificando atitudes ainda viciadas, como a

indiferença das prefeituras municipais e seu maior problema – a inadimplência das

obrigações institucionais – além da forte rotatividade da participação dos atores nas

instâncias do Colegiado.

Mais interessante ainda, é a tentativa de mobilizar entidades dos municípios que menos

participam no território, como os que estão localizados na porção meridional do

território, visando dar maior organicidade em sua composição. Fato preocupante nas

agendas do território, na atual conjuntura (2010/2011).

Finalmente, é pertinente observar o papel da Geografia nesse debate. A insistência em

realizar com competência e elegância à crítica a proposta de desenvolvimento territorial

que em nada muda a inserção da ciência geográfica, principalmente na construção de

abordagens propositivas. A crítica pela crítica, no nosso entendimento, isola a Geografia

no atual debate sobre o Desenvolvimento Rural Sustentável; desconstrói seu papel

enquanto ciência do espaço, com pouca relevância aplicativa; e perde a oportunidade

histórica de formar recursos humanos competentes para esse fim, principalmente na

construção real de uma saída para aqueles que vivem nos territórios mais pobres. Desse

modo, não é simplesmente fazer a crítica estrutural, sem qualquer lastro com a

realidade, mas dá subsídios àqueles que fazem o mundo rural, através da formação de

estudiosos sobre a questão. Assim, devemos transcender o campo restrito de atuação

dos profissionais da Geografia, no ensino superior e na Educação Básica.

Por fim, a questão do desenvolvimento territorial voltado para o mundo rural tornou-se

uma sólida política de Estado e, indubitavelmente, é a bola da vez, e os estudos de caso

e da diversidade dos territórios no Brasil poderão contribuir na definição de novas

políticas públicas voltadas para esse mundo. A simples referência no uso da crítica, sem

qualquer proposição de reposição, em nada acrescenta. E a questão dos territórios é um

vasto campo de estudo para os estudiosos da Geografia Rural.

Notas ______________________ 1 Trabalho desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Transformações no Mundo Rural (GEPRU/NPGEO/UFS).

2 O que constitui os chamados ciclos operacionais do Colegiado Territorial a partir do caso do Agreste de Alagoas. Entende-se ciclos como processos de avanços e recuos e que impactam no desenvolvimento territorial, inclusive com realizações aparentemente “fracassadas”; ou em ações que resultaram em efeitos “positivos”, socialmente convenientes, mais limitados, decorrentes da menor abrangência territorial.

Referências

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