IMPASSES, DESAFIOS E EVIDÊNCIAS NO … · 2012-09-20 · Encarada como política compensatória e...
Transcript of IMPASSES, DESAFIOS E EVIDÊNCIAS NO … · 2012-09-20 · Encarada como política compensatória e...
IMPASSES, DESAFIOS E EVIDÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO TERRITÓRIO RURAL NO AGRESTE DE ALAGOAS1
Diana Mendonça de Carvalho
Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS [email protected]
Lucivalda Sousa Teixeira e Dantas
Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS [email protected]
Ramon Oliveira Vasconcelos Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS
José Eloízio da Costa Universidade Federal de Sergipe - NPGEO/UFS
Resumo
As questões de desenvolvimento territorial rural no Brasil têm sido analisadas como um sistema de gestão, planejamento, execução monitoramento e avaliação das chamadas ações territoriais. Esse processo tem mais de meia década de implantação e funcionamento e já construíram dezenas de territórios em todo o Brasil. Nesse tocante, o presente trabalho focaliza o território da cidadania da SDT/MDA, que busca superar a pobreza e gerar trabalho e renda no meio rural por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A partir desse aspecto se apresentará os primeiros resultados do Projeto de Pesquisa: Processo de Monitoramento e Avaliação dos Resultados do PDSTR no Território Rural do Agreste de Alagoas, através de suas fases de criação, organização e gestão do Território Rural do Agreste de Alagoas.
Palavras-chave: Desenvolvimento, Rural e Território.
Introdução
As questões de desenvolvimento territorial rural no Brasil têm sido analisadas como um
sistema de gestão, planejamento, execução monitoramento e avaliação das chamadas
ações territoriais. Esse processo tem mais de meia década de implantação e
funcionamento e já construíram dezenas de territórios em todo o Brasil, com
diversidade no processo de controle social, na ação de seus atores e nas demandas
produzidas.
Esse modelo de desenvolvimento territorial rural perpassa duas vertentes do ponto de
vista da abordagem acadêmica. A vertente que integra diretamente o debate e que
operacionaliza sua contribuição face à complexidade da agenda territorial em
construção e da Gestão Social dos Territórios. E a vertente acadêmica que crítica essa
política. Encarada como política compensatória e de renuncia a uma política mais
radical de implementação da Reforma Agrária. Desse lado, a questão do
Desenvolvimento Territorial Rural se revela como uma ação de frágil e a sua
continuidade poderá, em longo prazo, fortalecer ações de concentração fundiária, de
desigualdade no acesso ao crédito e da consolidação do agronegócio; comprometendo
ainda mais as relações precárias de trabalho no campo e o aumento da pobreza e da
migração campo-cidade.
Na vertente contemporânea, o estudo do Desenvolvimento dos Territórios Rurais é
dinâmico e pode ser demonstrado na necessidade de analisar as particularidades dos
territórios constituídos por instituições oficiais para fins de execução de políticas
públicas. O exemplo do território do Agreste de Alagoas serve para entender como
operam essas dinâmicas, com seus resultados já evidenciados, bem como os desafios
face à necessária continuidade dessa política.
Deste modo, o presente estudo esta dividido em três estratos. O primeiro relaciona-se
com a situação da questão do desenvolvimento territorial enquanto paradigma
emergente, consolidado como um meio de realização das ações estatais e com ele dos
desafios dos estudos que devem ser constituídos daqui para frente, decorrente da
diversidade das realidades locais. Por esta linha, adotamos nessa primeira abordagem as
dimensões conceituais que passam nas ciências sociais como um todo, na Geografia e
principalmente dos conceitos institucionais, particularmente do conceito institucional
estabelecido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
O segundo estrato se define no estudo de caso a partir do Território do Agreste de
Alagoas. E o terceiro, os impasses e desafios, haja vista ainda não haver definição de
resultados concretos com impactos socioterritoriais positivos sobre o meio rural.
Entretanto, observa-se como um processo em evidência, estabelecido por “ciclos
operacionais”1, tanto internamente, através da instabilidade do arranjo constituído;
como também, pelas deficiências das materializações das ações territoriais e de seus
impasses, em especial na questão da gestão social desses processos.
Nesse tocante, o presente trabalho, como primeiros resultado do Projeto de Pesquisa
Processo de Monitoramento e Avaliação dos Resultados do PDSTR no Território Rural
do Agreste de Alagoas, apresentará as fases de criação, organização e gestão do
Território Rural do Agreste de Alagoas.
A Categoria Território no Marco Institucional
Dentro da perspectiva histórica, principalmente dentro da história do pensamento geográfico, o Espaço enquanto categoria universal abstrata foi marcante na Geografia sendo bem anterior à categoria Território e, portanto, essa última pode ser observada como produto daquela sendo definido como “um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder.” (RAFFESTIN, 1993, p.143-144).
A concepção do autor aborda o território enquanto produto de um espaço preexistente,
porém não sendo território uma derivação do espaço e sim um subespaço constituído a
partir das relações socioeconômicas. Na verdade, o território constrói seu próprio
sistema baseado em representações ou em ações concretas de indivíduos, evidentemente
dentro de uma dimensão de poder. Porém, Raffestin limita-se pelo aspecto da
“territorialização”, no qual o território é produto do capital que deve garantir seu
processo de acumulação.
Para Veiga (2003, p. 286), “As vantagens das noções de território e de espaço são
evidentes: não se restringem ao fenômeno local, regional, nacional ou mesmo
continental, podendo exprimir simultaneamente todas essas dimensões.”.
Na concepção de Santos (2002) o território é o cenário de atos humanos exercidos
naturalmente pelo poder, que tenta homogeneizar seus interesses de poder ou dar maior
solidez em espaços ainda não apropriados, estendendo-se ou complementando este
exercício. Nesse sentido, entende-se que a abordagem mais comum da categoria
território, e ainda particularmente na proposta apresentada pela Secretaria de
Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA), é
o simples uso e não o sentido do território. Nessa linha analítica, Santos (2002, p. 15)
tem uma visão singular: “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz
dele objeto da análise social”. O uso do território se processa pelo uso como derivação
da constituição do território real e do verdadeiro sentido dentro do sistema capitalista de
produção.
Desta forma, a concepção de território é marcada pela diversidade conceitual, pois se
trata de uma construção social para além da configuração do Estado Nacional ou
territorial, ou seja, aquela juridicamente organizada com base no exercício do poder
sejam países ou territórios estatais. Como assinala Souza (1995, p. 81), o território “[...]
não precisa e nem deve ser reduzido a essa escala ou à associação com a figura do
Estado. Territórios existem e são construídos (e desconstruídos) nas mais diversas
escalas [...]”.
Para Haesbaert (2007b, p. 37), “Hoje, num mundo de ‘hibridismos’ como o nosso, os
conceitos estão longe de carregar a ambição formal de outrora”. O território é
construído a partir das relações sociais, econômicas, culturais e políticas, que
consequentemente, constituem relações de poder.
A literatura sobre território tem apresentado uma riqueza analítica e também crítica na
medida em que é uma categoria que historicamente foi cara à Geografia face ao seu
caráter eminentemente político estando vinculada quase que estritamente ao campo da
Geografia Política. Os novos recortes teóricos evidenciam a multiplicidade não apenas
no aprofundamento do conceito e da análise do território, mas das derivações
categoriais por ele emanadas, como as categorias “territorialização”, “territorialidade”,
“multiterritorialidade”, etc. e que agora oferece lastro na análise da sociedade no
processo de produção do espaço. E ainda mais importante, com a captura da categoria
como medida operacional de ação do Estado a partir de uma proposta de intervenção e
de “substituição histórica” da velha categoria região, isso na dimensão do planejamento
e do desenvolvimento.
Assim, adentremos nesse enfoque da questão do desenvolvimento territorial rural como
substrato às recentes políticas públicas voltadas para o meio rural brasileiro evidenciado
com a criação dos chamados Territórios Rurais (TRs), sob a responsabilidade
institucional da SDT/MDA. No seu “Marco Referencial para Apoio ao
Desenvolvimento de Territórios Rurais”, a SDT/MDA utiliza institucionalmente a
concepção de território como:
Um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo a cidade e o campo, caracterizado por critérios multidimensionais – tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições – e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial. (SDT/MDA, 2005a, p. 07-08).
É evidente que tal definição tem suas incongruências teóricas, quiçá metodológicas, e
confunde muito, principalmente aqueles que militam na Geografia, pois o território é
comumente caracterizado a partir das relações de poder e seus “hibridismos”. Aspectos
que não estão explícitos na definição apresentada no documento da SDT/MDA. Essa
Secretaria do MDA se fundamenta principalmente no fator identidade e no caráter
homogeneizador do espaço. Logo, opera-se com os resultados imediatos, ampliando e
recriando em outros territórios experiências práticas com função positiva, sem
desconsiderar as particularidades territoriais e averiguando a participação direta da
sociedade na gestão social dos territórios (ABRAMOVAY: 2003; 2005).
O Território do Agreste de Alagoas: Um Recorte Espacial
O Território do Agreste de Alagoas forma um dos seis territórios rurais alagoanos
implantados pela SDT/MDA, compondo um total 16 municípios em uma área de pouco
mais de 4,6 mil km². A população absoluta no território em 2010 era de 560.463
habitantes, dos quais 46,77% residem na zona rural. Com uma densidade demográfica
média de 122,38 hab/km2. O território possui 48.183 agricultores familiares, 986
famílias assentadas, 8 comunidades quilombolas e 6 terras indígenas. Seu IDH médio é
0,60.
Nesse território a agricultura contribui com aproximadamente 30% do PIB, em função
de seu principal município – Arapiraca, que se destacar como polo regional de
expressão econômica no interior alagoano. O referido município se destaca como centro
distribuidor de produtos agrícolas, como centro de comércio, de serviços e da atividade
industrial, com forte alcance não apenas no agreste, mas em parte significativa do
interior do estado de Alagoas.
Apesar disso, dados do “Atlas dos Territórios – 2004”, da SDT, mostram que 63,3% da
renda gerada esta concentrada nas mãos dos 20% mais ricos, enquanto os 20% mais
pobres abocanham apenas 1,4% da renda distribuída no território.
O Território Rural do Agreste difere da metodologia classificatória construída pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em função de extrapolar a
tradicional região agrestia ou ainda por não abrangê-la em sua totalidade. Dos 24
municípios da mesorregião do Agreste, apenas 15 integram o território, sendo 10
pertencentes à microrregião de Arapiraca, 3 da microrregião de Palmeira dos Índios e 2
da microrregião de Traipu. O município de Junqueiro, apesar da proximidade territorial
com os demais municípios membros do território, é o único que não pertence à
microrregião e a mesorregião do Agreste. O município integra a mesorregião de São
Miguel dos Campos, localizado na porção leste do estado de Alagoas. Entretanto,
Junqueiro tem forte relação econômica com a região do agreste, sendo que o município
é fortemente polarizado pela cidade de Arapiraca, mesmo que seu centro urbano esteja
localizado às margens da BR-101, com fácil acessibilidade a centros urbanos maiores,
como a capital do estado, Maceió (Figura 01).
Figura 01. Território Rural do Agreste de Alagoas.
Fonte: IBGE, 2010.
Ciclos Operacionais no Território Agreste de Alagoas
O território da cidadania da SDT/MDA busca superar a pobreza e gerar trabalho e renda
no meio rural por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável.
Nesse contexto, a seleção dos territórios alagoanos foi realizada pelo Conselho Estadual
de Agricultura Familiar e Reforma Agrária (CEDAFRA), através do Programa Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais - PRONAT (2006). Assim, em
maio de 2004, seria constituída a Comissão de Instalação de Ações Territoriais (CIAT),
composta por diversos atores sociais que representavam inicialmente as entidades que
diretamente atuam sobre o meio rural. A missão da CIAT era coordenar o processo de
construção do Plano de Trabalho de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS),
através da figura do articulador, tendo com suporte um consultor territorial que atuariam
em nível territorial e estadual, respectivamente.
O PTDRS era um documento que descrevia a metodologia utilizada, as informações
levantadas e os elementos fundamentais que compunham o referido Plano, fruto de
reflexão e discussão da CIAT e do articulador territorial com os atores sociais, através
da realização de oficinas, seminários e reuniões regulares, tendo a finalidade de nortear
as ações no território. Posteriormente a CIAT seria substituída pelo Colegiado de
Desenvolvimento Territorial (CODETER) e a figura do Articulador Territorial
substituída pelo Assessor Técnico, com objetivo de dar maior agilidade ao processo de
desenvolvimento territorial.
Nesse aspecto, podem-se estabelecer os seguintes níveis de análise do desenvolvimento
territorial do Agreste de Alagoas: 1- a questão do processo de constituição do arranjo
institucional, os maiores problemas com a rotatividade dos atores nas instâncias do
Colegiado e a maior participação de algumas entidades que em função da organicidade
de seus representantes, teve forte poder de influência e decisão dentro das instancias do
CODETER. 2- as ações territoriais que fundamentaram a “primeira geração das ações
territoriais”. E 3- os impasses e desafios da “segunda geração”, na qual podem ser
analisadas as dificuldades do processo de consolidação do Colegiado. Isso face à
reiteração dos mesmos problemas observados no processo de constituição e de gestão
das obras realizadas pelo Colegiado.
É pertinente observar que o Colegiado do Agreste de Alagoas é formado por
representantes de entidades de direito público interno (Estado e Municípios) e de
entidades da sociedade civil organizada e que tem como marco de atuação o meio rural,
como os sindicatos dos trabalhadores rurais, cooperativas associações, etc. Esse
Colegiado é constituído por tripla instância. A instância da Plenária, mais ampla e de
caráter deliberativo, apresentando maior flexibilidade4 em sua composição, ao aclopar
entidades que não estiveram “presentes” em reuniões anteriores. Nesse caso poderão
participar entidades, cuja presença regular em reuniões posteriores poderá lhe dar o
poder do voto e condição de como membro permanente do Colegiado. Atualmente 45
entidades integram o Colegiado com poder de voz e voto.
Há ainda, a instância do Núcleo Diretivo possui 15 entidades mais atuantes no
Colegiado e que regularmente estão presentes nas reuniões deliberativas. O Colegiado
também é composto pela instância de Núcleo Técnico, com função de apoio às demais
instâncias do CODETER, em especial na prestação de assessoria ao Núcleo Diretivo. O
Assessor Técnico tem um importante papel nessa instância, além do papel crucial no
Núcleo Diretivo, com apenas poder de voz, mas de grande responsabilidade nas três
instâncias.
Destaca-se também a constituição mais recente das chamadas Câmaras Temáticas, com
objetivo de descentralizar internamente às decisões mais frequentes e que sempre
compõem a pauta do arranjo. Para o exemplo do Agreste de Alagoas, a prioridade seria
dada pela constituição da Câmara da Educação, por apresentar extensa demanda
territorial e de certa forma abranger praticamente todos os municípios do território.
No que refere ao assessor técnico, geralmente vinculado a alguma das entidades do
território ou eleito entre os pares, sua atribuição é mobilizar, sensibilizar e articular as
entidades ligadas ao mundo rural no território. Ele também é responsável pela
elaboração e acompanhamento da execução do PTDRS e agora mais recentemente, pelo
processo de implementação do plano de providências. Esse plano visa recuperar obras
inacabadas e que estejam com problemas de conclusão. Atualmente a entidade SOMAR
é responsável pelo gerenciamento dos recursos do Colegiado e pelo pagamento do
assessor técnico.
Aparentemente é possível interpretar que foram poucas obras realizadas depois de um
longo processo de discussão nas instâncias do CODETER e naturalmente com sérios
problemas de gestão, controle e principalmente fragilidade de capital de giro destas
operações. Mas também não se pode esquecer que a realidade institucional dos
territórios rurais tinha uma longa agenda de ação por parte do assessor técnico, com o
objetivo preliminar de mobilizar, sensibilizar e “convencer” as entidades mais
representativas e vinculadas ao meio rural do território. Nesses termos, focalizando
sempre a importância de participar de uma nova dinâmica em que a questão dos
princípios da participação social, do caráter da inovação e da governança compunha
como substratos fundamentais na constituição das instâncias discursivas e deliberativas
dos territórios da cidadania.
A partir do trabalho de campo foi possível constatar as ações territorializadas no
Agreste, possibilitando fazer uma análise conjuntural a partir dos resultados positivos e
dos problemas que inviabilizaram uma ação mais eficaz.
Um dos graves problemas encontrados para desenvolver as ações no território foram as
pendências fiscais das prefeituras com o INSS, vez que uns dos requisitos para a
liberação do recurso é a regularidade das obrigações previdenciárias. Desse modo, a
inadimplência de alguns municípios inviabilizou a execução de projetos, o que
contribuiu para o desânimo de algumas entidades envolvidas. “Apesar de que não é só o
projeto, é a mobilização, é a articulação para uma série de outras ações, mas,
infelizmente, acaba se vendo muito a parte do projeto. É mais o lado econômico, então o
pessoal desanimava e acabava não vindo mais para a reunião,” afirmou um dos
membros do Colegiado (2009).
Apesar da regularidade das reuniões e dos recursos a serem discutidos e deliberados, o
clima no território passou por uma fase de “marasmo” (expressão utilizada por um de
seus membros). Para alguns, existe uma espécie de “esgotamento” do modelo, apesar
dos projetos em andamento. Desde a sua criação foram implementados vários projetos,
porém, além da inadimplência, existem outros problemas, como as dificuldades de
relacionamento entre os próprios membros da sociedade civil organizada, o inchaço no
núcleo diretivo, que tem contribuído na lentidão das decisões e na falta de fluidez das
entidades em prol do desenvolvimento das ações.
Por consequência, configura-se contradição na partilha dos recursos disponíveis, pois
um grupo de municípios atua de forma mais intensiva, como Arapiraca, Palmeira dos
Índios, Estrela de Alagoas e Igaci que dispõem de “discurso competente”, facilidade de
organização e freqüência nas reuniões, tanto no núcleo diretivo, como também nas
plenárias. Enquanto que outros não têm grande poder de barganha, evidenciando
marginalização da porção sul do território, como Traipu, Olho D`Água Grande e Campo
Grande por falta de organização, “discurso” e participação.
Desse modo, pode-se dizer que dentro da dinâmica das entidades territoriais que atuam
no colegiado, estrutura-se uma classificação interessante e ao mesmo tempo excludente
na medida em que a questão da participação social não se apresenta de forma tão
homogênea. O que tem como resultado inevitável a constituição de um mosaico
territorial, este definido em termos espaciais, com uma divisão bem nítida dos
municípios “dinâmicos” e dos municípios “estagnados” das políticas territoriais.
Se de um lado temos os municípios como Palmeira dos Índios, Estrela de Alagoas e
Igaci, estes inseridos como municípios do Território do Agreste de Alagoas por
“adição”, que são os mais atuantes no arranjo territorial. Por outro lado, temos
municípios que possuem maior identidade fisiográfica com o Agreste Alagoano, como
Limoeiro de Anadia, Coité do Nóia, Lagoa da Canoa, Feira Grande e Girau do
Ponciano, onde o poder de suas entidades, e que integram o Colegiado, é praticamente
nulo ou com pouca representatividade na instância. O que inviabiliza processos de
discussão mais abertos entre os membros do ponto de vista da constituição das
demandas no Colegiado, infelizmente dando maior legitimidade as entidades mais
organizadas e com maior poder de pressão (e discurso) dentro do Colegiado.
Entre os municípios mais fragilizados pela incapacidade da organização tem-se uma
nítida coesão territorial. Essa coesão decorre de identidades de demandas, que
substancialmente articulam-se entre as entidades dentro do colegiado desses municípios,
como as Secretarias Municipais de Agricultura de Palmeira dos Índios, Estrela de
Alagoas e Igaci, além da intensa participação da Cooperativa dos Produtores de Leite de
Palmeira dos Índios (CARPIL) e da Secretaria Municipal de Educação de Estrela de
Alagoas. Em contraposição estrutura-se uma dissociação orgânica das entidades dos
municípios da parte meridional do território, onde, em função da atuação fragmentada e
pouco participativa, suas demandas não são colocadas na agenda imediata do território,
mesmo que possa estar incluída no PTDRS.
Todo esse processo rebate na materialização das ações territoriais, como produto das
discussões e das deliberações das instâncias do colegiado. Tal análise é fundamental na
medida em que regionalmente todo esse processo tem grande importância quando da
efetivação de políticas que têm como alvo os agricultores familiares da região agrestia
alagoana.
Assim, pode-se segmentar em linhas gerais como principais ações territoriais do
Território do Agreste de Alagoas, dentro do que se denominou de “primeira geração”
das seguintes ações:
1 – Construção da unidade de beneficiamento de leite no município de Arapiraca;
2 – Construção da unidade de produção da fécula da mandioca e da unidade
classificadora de farinha, também localizada no município de Arapiraca;
3 – Reestruturação das casas de farinha, totalizando 27 ações, que abrange diversos
municípios do Território.
Essas três ações tiveram maior envergadura na região e maior montante de recursos
liberados, mas infelizmente com contradições quase que insuperáveis do ponto de vista
de sua operacionalização. As duas primeiras – a unidade de beneficiamento de leite e a
fecularia de derivados da mandioca estão paralisadas face aos problemas relacionados à
gestão e de certa forma, da negligência das prefeituras municipais, além dos problemas
internos entre os atores representativos do Colegiado. A inadimplência com as
obrigações previdenciárias, a não apresentação de determinados atos administrativos
como os cadastros relacionados aos dados educacionais ou dos benefícios dos
programas de transferência de renda, repercutiram negativamente na liberação dos
recursos, na medida em que são as prefeituras responsáveis pela execução das demandas
deliberadas.
Outra questão relaciona-se com a pouca agregação participativa de algumas prefeituras
no Colegiado. Simplesmente algumas delas ignoraram, e, mesmo tomando ciência do
que efetivamente estão sendo discutidos e encaminhados nas reuniões das plenárias,
ainda assim sequer enviam representantes para essas reuniões.
Por esse contexto, os “ciclos operacionais” do desenvolvimento territorial no Agreste de
Alagoas, foram estabelecidos inicialmente por um ciclo de “motivação” e
compreenderia os três primeiros anos de funcionamento concreto do Colegiado
(2005/2007). Tal motivação daria maior visibilidade a instância e a necessidade de
mobilização dos atores sociais mais organizados do território, além da construção do
PTDRS. Pode-se dizer que os primeiros passos foram positivos, inclusive em função da
realização de experiências através da constituição do consórcio intermunicipal e do
conhecimento que alguns atores institucionais tinham com as prefeituras municipais e
alguns órgãos do governo alagoano, em relação à necessidade de discussão e
deliberação de demandas coletivas de repercussão territorial. É pertinente observar que
nesse período foram construídos os atuais “elefantes brancos participativos” do
território, como a fecularia e a unidade de beneficiamento do leite. Para alguns atores do
território, esse processo se tornou como o mais problemático e de difícil solução, sendo
talvez, o que apresenta maior impasse nos dias atuais na medida em que os recursos
aplicados foram significativos (mais de 2,0 milhões de reais!) e que concretamente não
gerou qualquer efeito em termos de desenvolvimento local.
Nessa esteira, o segundo ciclo conhecido como “ciclo da estagnação” ou ciclo do
“marasmo”, se caracterizou pela quase paralisação da instância colegiada e da completa
desmobilização dos atores sociais mais ativos. Aspectos que afastaram importantes
células sociais definidoras da organização colegiada e promoveram maior
distanciamento com as entidades representativas da sociedade civil organizada, que
poderiam contribuir no processo de desenvolvimento territorial. Praticamente não
haveria regularidade das reuniões nessa fase, havendo mudanças na figura do assessor
técnico e do articulador regional e estadual; além da falta de recursos para gerir o
funcionamento da própria instância. Mais interessante, que, mesmo em um quadro
negativo, é evidente que a boa intencionalidade ainda existia.
Finalmente o atual ciclo operacional, nascido com a constituição no território da
cidadania do Agreste de Alagoas a partir de 2008, se caracteriza pela tentativa de
reconstrução da instância coletiva. Essa reconstrução ocorre em função de forças
exógenas interessadas no respectivo processo, como o governo federal, através do
MDA, como também da inserção de novos atores inseridos no processo e na
necessidade de constituição “real” dos membros efetivos do CODETER.
A tentativa de implantação do plano de providências e as realizações regulares das
reuniões são algumas dessas ações. O plano de providências discute e encaminha
propostas das chamadas “ações paralisadas” como a fecularia e o “esqueleto esquecido”
da unidade de beneficiamento do leite.
A reconstrução da instância coletiva obrigará a apresentação de habilidades por parte
dos atores sociais envolvidos e das prefeituras municipais (como a Prefeitura de
Arapiraca, onde essas obras estão localizadas), a fim de gerarem resultados e podendo
ocasionar consequências no próprio funcionamento do Colegiado. Daí o grande desafio
em relação aos impasses e contradições observadas.
Considerações Finais
A questão do desenvolvimento territorial rural sustentável incluído como política de
Estado tem suas contradições e desafios, além dos impasses gerados em seu processo de
consolidação e da questão de entender a dinâmica e a diversidade dos territórios rurais
em todo o Brasil. Desse modo, entende-se que a questão se insere como um dos
elementos centrais para ações do Estado na questão de planejamento social e no papel
institucional de operar dentro dessa nova perspectiva, que sepulta o velho modelo do
desenvolvimento regional keynesiano ou da irracionalidade do Estado Neoliberal.
É evidente que a limitação dessa proposta, por ser setorial, envolvendo apenas questões
relacionadas ao mundo rural e focado nos agricultores familiares mais pobres do país,
não promove mudanças estruturais. Mas enquanto intervenção de propostas que deságue
em “ações territoriais” sobre esse mundo rural poderá tal política trazer mudanças e
principalmente, maior capacidade dos atores sociais se envolverem no processo de
desenvolvimento territorial (ou de desenvolvimento local).
O Território do Agreste de Alagoas se revela como uma experiência interessante frente
a questão da dinâmica do Colegiado e de suas realizações, além da facilidade de
aglutinar representantes de entidades concretamente interessados no processo de
desenvolvimento. Os ciclos operacionais observados é um desenho inicial desse
processo e que poderá estabelecer novos parâmetros de atuação. Não necessariamente
como uma mera caixa de ressonância para efetivamente aplicar recursos do MDA no
território, sem qualquer lastro com a questão do princípio da participação social, mas
buscando maior autonomia da instância, modificando atitudes ainda viciadas, como a
indiferença das prefeituras municipais e seu maior problema – a inadimplência das
obrigações institucionais – além da forte rotatividade da participação dos atores nas
instâncias do Colegiado.
Mais interessante ainda, é a tentativa de mobilizar entidades dos municípios que menos
participam no território, como os que estão localizados na porção meridional do
território, visando dar maior organicidade em sua composição. Fato preocupante nas
agendas do território, na atual conjuntura (2010/2011).
Finalmente, é pertinente observar o papel da Geografia nesse debate. A insistência em
realizar com competência e elegância à crítica a proposta de desenvolvimento territorial
que em nada muda a inserção da ciência geográfica, principalmente na construção de
abordagens propositivas. A crítica pela crítica, no nosso entendimento, isola a Geografia
no atual debate sobre o Desenvolvimento Rural Sustentável; desconstrói seu papel
enquanto ciência do espaço, com pouca relevância aplicativa; e perde a oportunidade
histórica de formar recursos humanos competentes para esse fim, principalmente na
construção real de uma saída para aqueles que vivem nos territórios mais pobres. Desse
modo, não é simplesmente fazer a crítica estrutural, sem qualquer lastro com a
realidade, mas dá subsídios àqueles que fazem o mundo rural, através da formação de
estudiosos sobre a questão. Assim, devemos transcender o campo restrito de atuação
dos profissionais da Geografia, no ensino superior e na Educação Básica.
Por fim, a questão do desenvolvimento territorial voltado para o mundo rural tornou-se
uma sólida política de Estado e, indubitavelmente, é a bola da vez, e os estudos de caso
e da diversidade dos territórios no Brasil poderão contribuir na definição de novas
políticas públicas voltadas para esse mundo. A simples referência no uso da crítica, sem
qualquer proposição de reposição, em nada acrescenta. E a questão dos territórios é um
vasto campo de estudo para os estudiosos da Geografia Rural.
Notas ______________________ 1 Trabalho desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Transformações no Mundo Rural (GEPRU/NPGEO/UFS).
2 O que constitui os chamados ciclos operacionais do Colegiado Territorial a partir do caso do Agreste de Alagoas. Entende-se ciclos como processos de avanços e recuos e que impactam no desenvolvimento territorial, inclusive com realizações aparentemente “fracassadas”; ou em ações que resultaram em efeitos “positivos”, socialmente convenientes, mais limitados, decorrentes da menor abrangência territorial.
Referências
ABRAMOVAY, Ricardo. O futuro das regiões rurais. 1º edição. Porto Alegre: editora da UFRGS, 2003. ______. Representatividade e Inovação. Seminário Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável – Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário, 23 a 25 de Agosto de 2005, Brasília. ATLAS DOS TERRITÓRIOS RURAIS. Brasília: MDA, 2004. BACELAR, Tânia. “Gestão Social e desenvolvimento sustentável dos territórios: os desafios da muldimensionalidade. Uma visão a partir do Brasil”. In: BACELAR, Tânia (organizadora). Gestão Social dos Territórios. Brasília: IICA, 2009, Parte II – Capítulo 1, pp. 35-51. CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - CNDRS. Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável. 3ª. Versão. 2002. Disponível em <http://www.nead.org.br>. Acesso em: 05 nov. 2008. CUNHA, Luiz Alexandre Gonçalves. Confiança, capital social e desenvolvimento territorial. Revista RA`E GA, Curitiba, Editora da UFPR, n. 4, p. 49-60, 2000. FAJARDO, Sérgio. Algumas discussões sobre a abordagem econômica do território na geografia e suas implicações no espaço rural. Revista RA`E GA, Curitiba, Editora da UFPR, n. 10, p. 131-137, 2005.
FAVARETO, Arilson da Silva. A abordagem territorial do desenvolvimento rural: mudança institucional ou "inovação por adição"? XLIV CONGRESSO DA SOBER - Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural. Fortaleza, Ceará, 23 a 27 de Julho de 2006a, 222 p. Disponível em <http://www.sober.org.br>. Acesso em: 06 abr. 2009. ______. “Três momentos na evolução recente da gestão social do desenvolvimento territorial: dos conselhos municipais de desenvolvimento rural ai território da cidadania” in BACELAR, Tânia (organizadora). Gestão Social dos Territórios. Brasília: IICA, 2009, Parte II – Capítulo 2, pp. 53-70. HAESBAERT, Rogério. Concepções de território para entender a desterritorialização. In: SANTOS, Milton; BECKER, Bertha k. (Org).Território, Territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 3 ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007a. p. 43-71. ______. Identidades territoriais: entre a multiterritorialidade e a reclusão territorial (ou: do hibridismo cultural à essencialização das identidades). In: ARAUJO, Frederico Guilherme. B. de; ______. (Org). Identidades e territórios: questões e olhares contemporâneos. Rio de Janeiro: Access, 2007b. p. 33-56. KAGEYAMA, Ângela et alli. “O novo padrão agrícola brasileiro: do complexo rural aos complexos agroindustriais. In: DELGADO, G. C. et al (org.). Agricultura e políticas públicas. Brasília: Série IPEA, n. 127, 1990. LEITE, Sérgio e KATO, Karina. “Desafios dos Processos de Gestão Social dos Territórios: a experiência do IICA no Brasil” in BACELAR, Tânia (organizadora). Gestão Social dos Territórios. Brasília: IICA, 2009, Parte III – Capítulo 1, pp. 95-153. LOPES, Eliano Sérgio de Azevedo; COSTA, José Eloízio da Costa. Contradições, Avanços e Desafios na formação dos Territórios Rurais do Alto Sertão Sergipano e Agreste de Alagoas. Aracaju: 2006. (digitado). – Grupo de pesquisa Sobre Transformações no Mundo Rural/NPGEO/Universidade Federal de Sergipe. Disponível em: <http://www.ufs.br. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO - MDA. Referências para o desenvolvimento territorial sustentável. 2003. 36 p. (Textos para Discussão, 4). Disponível em <http://www.nead.org.br>. Acesso em: 05 nov. 2008. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: editora Ática, 1993. SACHS, Ignacy. Brasil rural: da redescoberta à invenção. Estudos Avançados, São Paulo, vol.15, n.43, p.75-82, Sept./Dec. 2001. SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo, Nobel, 1997a. ______. O retorno do território. In: SANTOS, Milton; SOUZA, Maria Adélia A. de; SILVEIRA, Maria Laura (Org.) Território: globalização e fragmentação. 5 ed. São Paulo : Hucitec, 2002. p. 15 -20. ______. O retorno do território. In: SOUZA, Maria Aparecida de – Apresentação. Debates – Território y Movimientos Sociales. Buenos Aires: CLACSO, Enero-Abril – 2002. SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de et.al. Geografia Conceitos e Temas. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995. p.77-115.